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i i | Incidéncia tributaria’ Marcelo Lettieri Siqueira Secretaria da Receita Federal Francisco S. Ramos PIMES — UFPE SUMARIO © capitulo analisa a incidéncia tributaria em mercados competitivos, monopolistas ¢ oligopolizados, os impostos sobre vendas e ad valorem, e como a incidéncia ocorre quando os impostos sao suportados pelos compradores ¢ vendedores. Por fim, analisa o sistema tributario brasileiro quanto a sua progressividade, distribuicao, incidéncia (sobre o capital, o trabalho & © consumo), cumulatividade e presenga na agenda de reformas tributitias. ; incidéncia twibutdvia; incidéncia legal; incidéncia econémica; sistema tributario progressivo; sistema tributario regressivo; tributos indiretos; cumulatividade de tributos; tributagio do valor agregado; reforma tributé ia INTRODUCAO, Sempre que se menciona o termo “impostos” surgem, de imediato, duas questoes: quem vai arcar com a carga tibutaria — ou seja, como ela sera distribufda entre os agentes econdmicos (wide Capfeulo 2) -, ¢ que fatores sio capazes de influenciar essa distribuigio? A instituigéo de ‘um imposto induz mudangas no comportamento dos agentes econdmicos ~ individuos, firmas e talvez governo -, bem como alteragdes nos precos do produto ¢ no retorno sobre os fatores de produgio. Em quase todos os casos, essas mudangas implicam que a incidéncia econdmica (ou real) de um imposto sera diferente de sua incidéncia legal (ou estatutéria). 0 exemplo mais freqiiente ¢ 0 de impostos sobre as vendas: eles podem ser “transferidos para a frente”, tornando mais elevados os precos ao consumidor, ou “transferidos para tds", reduzindo valor dos fatores de produgio, como os salarios. Em outras palavras, nem sempre aquele que esta legalmente obrigado a pagar um wibuto arcaré com o nus total desse pagamento. O estudo da incidéncia tributévia se preocupa exatamente em analisar essas questoes.* jntyetanto, 0 termo incidéncia A maiovia dos textos no Brasil radu fax incidence como incidéncia de impostos tributaria 6 maisabrangente eseadequou melhor a nomenctatura do sistema tibutériobrasileito, porque compreende, glém dos impostos, as taxas e as contribuigies, Aincidléncia tributvia €,talvez, a questo mais funclamer ‘os economistas de finangas piblicas. Jana década pa de 1950, Musgrave (1953, 1959) apresenton algumas conuibuigdes sobre o tema, mas a maioria dos pesquisadores benger (1962). Pa data 0 comego da literatura moderna sobre o assunto a partir da contribuigao seminal de Hs 88 A forma mai comum de se analisar os efeitos dos impostos utiliza modelos econdmicos, os quais diferem em muitas dimensées, como o miimero de mereados analisados, a extensio em que 05 fatores dle produgio podem ser considerados fixos, 0 método considerado para a forma de acumulagio de capital, a natureza da competigao de mercado, entre outras. Enquanto os estudos mais antigos da incidéncia tributéria adotaram prineipalmente a abordagem de equilfbrio parcial (na qual se considera a existéncia de um tinico mercado), os mais recentes tém adotado uma abordagem de equilibrio geral, considerando as interagdes entre o mercado sobre 0 qual foi instituido o imposto e todos os outros mercados. Esses modelos diferem também no tempo ~ ha os modelos de curto prazo, em que todos 0s fatores sto supostos fixos, os de médio prazo, supondo mobilidade dos fatores entre os setores, mas com oferta total fixa, ¢ os modelos de longo prazo, em que todos os fatores so varia wveis. INCIDENCIA TRIBUTARIA EM MERCADOS COMPETITIVOS O contexto de mercados competitivos oferece a forma mais simples de se entender porqué da diferenga entre incidéncia legal e econdmica de um imposto, particularmente considerando-se que os mercados sao independemtes, ou seja, 0 que acontece em um deles nio afeta os demais. A seguir, analisaremos 0 caso de um imposto especifico sobre as vendas ¢ de um imposto ad valorem. Caso 1. Imposto especifico sobre as vendas Um imposto especifico (ou unitério) é aquele que arrecada um montante fixo por unidade vendida. Trata-se do imposto sobre consumo mais comum nos sistemas tributarios dos pafses em desenvolvimento, sendo aplicado sobre produtos como cigarros, bebidas alcodlicas € combustiveis. No Brasil, um exemplo tipico é 0 LPI (Imposto sobre Produtos Industrializados, vile Capitulo 11), incidente sobre bebidas alcodlicas, cuja tabela de incidéncia define o valor do imposto por unidade vendida em fungio das caracterfsticas do produto tais como volume, teor alcodlico etc. O Grético 9.1 mostra a situagéo inicial em que, na auséneia do imposto, a quantidade ¢ © prego de equilibrio em um determinado mercado sao, respectivamente, Q, € P, (detinidos pelo ponto £ de cruzamento das curvas de demanda ¢ oferta). Em seguida, suponha que 0 governo conseguiu aprovar no Congress Nacional um imposto no montante de reais por unidade vendida do produto, de responsabilidade legal dos vendedores. Nesse caso, os yendedores tém os seus custos marginais aumentados do mesmo montante f, ¢ a curva de oferta se desloca para cima, pois a obrigac4o de pagar um imposto sobre a venda do produto aumenta o preco que o produtor deseja receber por esse bem na mesma quantidade do imposto 1, ou seja, para a quantidade de equilfbrio anteriormente ofertada, 0 produtor deseja receber P, +t Anova condigio de equilfbrio competitive (wide Capitulo 2) € caracterizada pela redugio da quantidade para Q, ¢ da fixagio do prego ao comprador em Pz. Assim, 0 novo preco de mereado P, € maior que aquele antes do imposto (P,), mas 0 aumento nao é igual ao valor total do imposto (basta observar que P, - P, < 1). O prego recebido pelo vendedor (P,), dado agora pela diferenga entre 0 preco de mercado (P,) e o imposto que tem obrigagio de pagar (©, € por sua vez, menor do que P,, Nesse caso, diz-se que 0 imposto é parcialmente repassado para 0 consumidor (P, > P,) € parcialmente assumido pelo vendedor (Py < P,). * ‘uma revisio detalhada da literatura, yer Pullerton & Metcal (2002), Zodeow (1999), Break (1974), MeLave (1975), Atkinson & Stiglitz (1980), KotlikofT & Summers (1987) e Atkinson (1984) Lembresse de que ances do imposto a condicio de equilfoio compettivo equivalia a: P, =P, = P, Incapencas rapurAnta ~ 187 Grdfico 9.1: Efeito de um imposto especifico a ser pago pelo vendedor. Proce fo apn ‘pote Denon fee sen so imps : —P inpasocspectce : ref una Fonte: Elaborade pelo autor A ea retangular ABP,P, fornece a receita arrecadada com esse imposto: RT = 1.Q, Surgem endo as questdes seguintes: se 0 imposto fosse pago pelo comprador, haver mudancas na condigao de equilibrio competitive? O que ocorreria com os precos ao vendedor € a0 comprador? E com a receita tributéria? O Grafico 9.2 ilustra esse fato. Na auséncia do imposto, a quantidade e 0 prego de equiliorio continuam sendo dados, respectivamente, por Q, € P, (0 ponto E do Grafico 9.2). A obrigagio de pagar um imposto sobre a compra de um determinado bem reduz 0 prego que o consumidor est disposto a pagar por esse bem pela mesma quantidade do imposto1, ow seja, para a quantidade de equilforio anteriormente demandada o consumidor aceita pagar somente P, menos t. Como conseqiiéncia, | a curva de demanda desse mercado se desloca para baixo, num montante t. Assim, a nova i quantidade de equilfbrio de mercado € novamente Q,, ¢ a receita tibutéria RT representada . graficamente pela drea retangular ABP,P,. é a mesma obtida quando o imposto foi cobrado t dos vendedores. Os pregos aos compradores (P,) € aos vendedores (P,) também serao os mesmos. Portanto, num mercado competitivo, a incidéncia de um imposto especifico néo é | afetada pela sua incidéncia estatutéria. Em outras palavras, n&o importa se o imposto deve ser | recolhido aos cofves puiblicos pelo comprador ou pelo vendedor Gréfico 9.2: Efeito de um imposto especifico a ser pago pelo comprador. Denn Dene ce oro | | ipa gins { | : | a i ae cumin | Fonte: Elaborado pelo ator 158 ~ Fcovowta no Suron Punico No Beast Formalmente, essa andlise pode ser realizada supondo uma curva de demanda linear dada por P = a - b.Q,, sendo a ¢ b constantes positivas e Q, a quantidade demandada ao preco P. Seja ainda P = ¢ + d.Q, a curva de oferta do bem, com Q, representando a quantidade ofertada ao preco B ec ed também constantes positivas (com a>6). A quantidade de equilforio Qy obtida quando oferta ¢ demanda se igualam, seria: 2 bad Q, Com 0 prego de equilforio dado por: axdtbxc bed Se é cobrado um imposto t aos vendedores, a nova curva de oferta seria dada por P -1 6 +x Q, A nova quantidade de equilfbrio pés-imposto sera a bed Com prego de mercado (igual ao prego ao compradon, P,) dado por: Q, ad +b(c +t) bed O prego recebido pelo vendedor é a diferenca entre o preco de mercado € 0 imposto, ou seja axd #bx(c+ (a-1) xd+bx0) bed bed A receita tibutiria seria entio: -o) xt-P Rr (a-c) xd, bed b+d No caso em que um imposto f € cobrado dos consumidores, a nova curva de demanda seria dada por P + 1 = a~-b- Q,, Anova quantidade de equiltbrio pés-imposto (Q,) seria dada por: a bed ‘Ou seja, a mesma quantidade obtida no caso em que o imposto foi cobrado dos vendedores, O prego de mercado (igual ao prego ao vendedor, P,), 0 prego pago pelo comprador e a receita tributaria também sero os mesmos. Isso ocorre porque as condigbes de equilibrio competitivo pés-imposto sdo as mesmas. _Tnonicra remorinta = 159 exemplificar o que foi aqui discutido, saponha um determinado mercado em que as curves de demanda e oferta so dadas, respectivamente, por Q, = 1000 - 25P ¢Q,, = 200 + DSP, Nessas circunstincias, o equilfbrio inicial é obtido quando P, = 16 ¢ Q, = 600. Suponha, agora, que 0 governo institna um imposto especifico de 84,00 por unidade vendida a ser cobrado do vendedor. Quais seriam as novas condigées de equilibrio e quais seriam os precos 20 vendedor ¢ a consumidor? Qual seria a reccita tributtria arrecadada? Com a adogao do imposto sobre o vendedor, a nova curva de oferta se desloca para Q 200 + 25 (P - 4), ea nova condicéo de equilibrio passa a ser dada por P, = 18 ¢ Q, = 550 (deixamos ao leitor a tarefa de tracar as curvas € os pontos de equilforio, conforme o Grafico 9.1) Assim, o preco pés-imposto ao consumidor € P, = P, = 18 e a0 vendedor € P, = P,-4 = 14. ‘Axeccita tributivia arrecadada seria dada por RT = ¢ x Q,= 4550 = 2200, O leitor poders verificar que as condigdes de equilfbrio nao se akteram seo mesmo imposto for cobrado do consumidor. Caso 2. Imposto ad valorem Um imposto é denominado ad valorem quando é estabelecido como um percentual do prego do produto ou da base de incidéncia. No Brasil, & 0 caso da grande maioria dos impostos € contribuigées, tais como 0 ICMS ~ Imposto sobre Circulacéo de Mercadorias e Servigos (vide Capitulo 11), a CPMF ~ Contribuicao Proviséria sobre Movimentacao Financeira (vide Capftulos 16 ¢ 15), 0 PIS ~ Contribuigio ao Programa da Integracio Social (vide Capftulos 16 € 11), a Cofins ~ Contribuicio para Financiamento da Seguridade social (vide Capitulos 16 ¢ 11) -, entre outros. A questéo a ser analisada € se haveria alguma diferenga nos resultados da incidéncia relativamente ao caso anterior, A fim de comparar, suponha que num imposto ad valorem a alfquota ! seja institufda de modo a fornecer a mesma receita tributaria que o imposto espeeifico anteriormente estudado. © Grafico 9.3 ilustra esse caso especifico, no qual a area ABP,P,., representando a receita tributiria, permanece a mesma que no caso do imposto especifico. Gréfico 9.3: Efeito de um imposto ad valorem a ser pago pelo comprador, Pre Demand antes inp env ais Sra uae Ponte: Blaborado pelo autor, Somo o imposto foi aplicado sobre o comprador, a curva de demanda se deslocou para baixo, girando em torno do ponto P = 0, pois agora 0 deslocamento é proporcional ao preco, dado por x P. Conforme pode ser observado, 0 imposto ad valoren tem os mesmos efeitos sobre a quantidade de equilibrio e sobre os pregos aos compradores ¢ vendedores que um imposto especifico. Portanto, num mercado competitivo, a incidéncia de um imposto ad valorem 160 — Koonown no STOR Pontico No Bast idéntica A de um imposto especifico. Sera deixada como exercicio ao leitor (exere n® 6, no site do livro) a tarefa de demonstrar qual imposto ad valorem forneceria a mesma arrecadagio tributaria que 0 imposto especifico do exemplo anterior. cou demonstrado até agora que, mim mercado competitivo, a incidéncia real independe do tipo de imposto (se espectfico ov ad valorem) ¢ da incidéncia legal (se sobre os vendedores ou os compradores). Viu-se ainda que, de um modo geral, parte do imposto & paga pelos compradores e parte € paga pelos vendedores. A questo seguinte é como se daa distribuigao da carga tributaria entre compradores e vendedores, ou seja, quem paga mais? Quais so os fatores que determinam essa distribuicio? ‘Tome-se, inicialmente, os casos extremos em que toda a carga Iados do mercado (comprador ou produtor), suportada por um dos Caso 1. A carga do imposto é totalmente suportada pelos compradores O Gréfico 9.4 mostra 0 caso em que a curva de oferta é horizontal (oferta perfeitamente elistica Gréfico 94a) ou quando a curva de demanda é vertical (demanda perfeitamente inclistica ~ Grifico 9.4b). Percebe-se, nesses casos, que © novo prego de equilibrio P, é dado por P, +t, onde P, é 0 prego de mercado antes do imposto e to imposto (especifico ou unitério nesse exemple). Portanto, se a oferta & perfeitamente elistica (ou seja, se 0 produtor pode repassar para os precos todos os aumentos nos seus custos) ou a demanda € perfeitamente inelastica (ou seja, o consumidor consome a mesma quantidade independente do prego), todo © imposto sera suportado pelos consumidores. Caso 2. A carga do imposto é totalmente suportada pelos vendedores O Grifico 9.5, por sua vez, mostra o caso em que a curva de oferta é vertical (oferta perfeitamente inelastica ~ Gréfico 9.5a) ou quando a curva de demanda € horizontal (demanda perfeitamente elastica ~ Gréfico 9.5b). Nesses casos, a instituicao de um imposto nao altera 0 prego de equilibrio, nao alterando o prego aos compradores. Portanto, oda a carga do imposto é suportada pelos vendedores. Isso ocorre porque, no caso de a oferta ser perfeitamente inelastica, os vendedores ofertarao sempre a mesma quantidade, independente do preco; e, no caso da demanda perfeitamente eldstica, os consumidores 10 dispostos a comprar qualquer quantidade desse produto ao seu prego de mercado original, nio acatando, pois, quaisquer repasses de aumento nos custos para os precos. Assim, de uma forma geral, quanto mais inclinada (mais proxima da vertical) for a curva de demanda ou menos inclinada (mais préxima da horizontal) for a curva de oferta, maior serd a parcela do imposto suportada pelos consumidores. Por outro lado, quanto menos incli- nada (mais proxima da horizontal) for a curva de demanda ou mais inclinada (mais proxima da vertical) for a curva de oferta, maior seré a parcela do imposto suportada pelos vendedores. Em outras palavras, a distribuigio da carga tributaria entre vendedores ¢ compradores dependera das elasticidades-prego de oferta e demanda do mercado em andlise. O proximo passo, portanto, & analisar como tais elasticidades determinam a incidéncia tributdria final. A fim de ilustrar 0 papel desempenhado pelas elasticidades na incidéncia tributaria, & interessante voltar ao Grafico 9.1, na qual a area ACP,P, representa a canga tributaria sobre ‘os compradores e a drea CBP,P,, a carga sobre os vendedores, conforme sera explicado a seguir, A soma dessas areas fornece a receita tributéria arrecadada com esse imposto. v6 €8 IxcrpeNcra samurai = 161 Grifico 9.4: Carga tributéria suportada integralmente pelos compradores. (a) Oferta perfeitamente elastica (b) Demanda perfeitamente inelastica Prego Demanda Oferta apes ‘© imposto > Imposto espeetfieo t Oferta antes do imposto Quantidade Fonte: Elaboradlo pelo autor Imposto especifico t Oferta antes do imposto Qo=Qr Quantidade Prego L Oferta apés | Demanda oimposto t | Fonte: Blaborado pelo autor Grafico 9. Carga tributéria suportada totalmente pelos vendedores. (@) Oferta perfeitamente inelastic (b) Demanda perfeitamente elastica Oferta (antes © apis Prego. © imposto) Po=Pr Demanda — Wa Quantidade w Fonte: Hlaborado pelo autor Prego. a | Oferta apis ‘oimposto, Oferta antes Demanda do imposte PoP —b Imposto especifica ( Q Ow Quantidade on Fonte: Elaborado pelo autor Ivcipincaa ramurans — 163 : ‘Acanga tributiria sobre os compradores é dada por (P,,- P,) x Q,, © sobre os vendedores é 6(P, - P) XQ, sendlo a reccita tributiia (P, - P,) x Q, Assim, a parcela da carga suportada pelos compradores (C'7,) € dada por io dadas por tem-se: i ou seja, quanto mais elistica for a oferta (maior £,) ou menos eléstica for a demanda i (menor E,), maior sera a fragio do imposto paga pelos compradores. | Como exercicio, tente demonstrar qual seria a carga tributaria suportada pelos vendedor e utilize seu resultado na solugao do problema 5.(b) proposto, no site do livro Depois de analisada a incidéncia em mercados competitivos, passa-se agora & situagao em que as estruturas de mercados mio se caracterizam como de competigao perfeita. INCIDENCIA TRIBUTARIA EM MERCADOS NAO-COMPETITIVOS sobre HA situagdes em que os agentes econdmicos podem exercer uma forte influéne os precos de mercado: sho os casos expectficos de estruturas de mercado monopélicas ou oligopolizadas. Sera que a estrutura de mercado afeta a incidéncia wibutaria? Veja-se, por exemplo, 0 caso do monopélio. Nesse tipo de estrutura de mercado, 0 tinico produtor pode aumentar seu preco reduzindo a produgio, Sua tentativa de repassar 0s consumidores 0 imposto que incide sobre 0 seu produto vem acompanhiada de producao mais baixa ¢ reducio nas vendas. O monopolista pode compensar a redugio nas vendas com 6 aumento do preco de seu produto, maximizando os lucros quando os custos marginais se igualam a receita marginal. O Grifico 9.6 mostra a situagio para uma curva de demanda Imear e um manopolista com custos unitarios constantes. Grafico 9.6: Incidéneia tributiria num mercado monopolista, Ranie: Elaboradlo pelo autor: eee 184 ~ Kconomta po Sxrox Pomico No Bsn, © monopolista aumentard 0 preco em fimgio da instituicio do imposto, redurindo a sua produgio. O resultado € que o prego ao consumidor aumenta em um montante menor aque © valor total do imposto, enquanto o prego liquido do imposto, ei. O mionopolista suport parte da carga do imposto, enquanto sob competigio perfeita, conforme foi visto na ecto anterior, os vendedores nvio suportam qualquer parcel do imposto quando seus castor sty constantes Com demanda linear € custos unitésios constantes pode-se mostrar que consumidor ¢ monopolistas dividem igualmente a carga do imposto. Com a demanda P = a - bQ, tem-se wna receita marginal! &, = @ - 2b O monopolista ira igualar a receita marginal a0 custo marginal (C,,) aumentado pelo imposto ad wulorem t, ou seja, produziré uma quantidade tal que R, = C2 + £ Assim, a quantidade produzida ser @-Cm- 2b com um prego de: a+Cm+t papememie 2 Portanto, um aumento em ¢ aumenta o prego em #2, demonstrando que, quando a dlemanda é linear, a carga de um imposto ad valorem €igualmente repatida entreo monopolista © os consumidore O resultado pode ser generalizado para o caso de uma curva de demanda com elasticidades reco constante (E). Como se sabe, no processo de tomada de deciso, o monopolista, de posse de informacoes sobre seus custos e sobre a elasticidade-prego de demanda, determinar’é © prego da forma seguinte? Ao ser instituido 0 mposto ad valorem t, o prego determinado pelo monopolista ser: Cm st 1 P "Se P =a -bQ, entio a veces ol seré RP FF em relagio a Q, emio R, = dR TMQ = w= 200, “Sea chsticidace-prego da demanda Econstante eda por by avec ea fragio precolelasticidade, on seja, R, = P= Pi G, (condigio de maximizagho dos herds), deter 4X Q- HE. Como a receita manginal 6 dada pela derivada de nanginal é dada pela diferenga entreo prego Assim, Ry = P< (I= 1/8) e, ao sev igualda ao custo mangina na o pragd de mereado, Ivcinixcan TomerARIA — 165 aumento, Portanto, o preco aumenta de /1/(1 - 1/B,)] vezes t. Por exemplo, se Bp no preco & de duas vezes 0 imposto. Foi visto que, no caso da adogio da hipétese de mercados competitivos, para a andlise de ncidéncia no importava se o imposto era ad valorem ou espectfico. No caso de inditstrias monopolisticas, entretanto, 0 tipo do imposto é relevante para a andlise. Stiglitz afirma em seu fivro® que, para qualquer aumento de receita obtido pelo governo com a adacao de um imposto sobre um mercado monopolista, a produgdo nesse mercado sera mais alla com um imposto ad jaloren do que com um imposto especifico. O leitor sera convidado a verificar essa alirmagio num dos exercicios propostos (exercicio n® 7, uo site do livre). A titulo de exemplo, suponha um mercado monopolista com uma demanda linear dada por P = 400 - 2x Qe custo marginal constante de C, = 200. A receita marginal sera dada por R,=100 - 4x Q. Assim, 0 mercado estaré em equilibrio se Q=50 e P, = 300. O que acontecerai se {or instituido um imposto especifico de 100 por unidade vendida? De acordo com as {Srmulas apresentadas, tanto os compradores quanto os vendedores arcariam com metade do imposto, eo novo prego de equilibrio seria P, = 350, com Q, = 25. Uma ouira estrutura de mercado que poderia ser considerada &a est utura oligopolistica, situada entre os extremos da competicao perfeita e do monopélio aqui analisados. No entanto, no ha uma teoria de comportamento da firma que seja amplamente aceita e que torne possivel fazer quaisquer previsbes acerca da incidéncia tributdria nesse mercado, embora alguns econo- mistas tenbam explorado tal tema, utilizindo diferentes hipéteses espectficas quanto ao comportamento dos agentes.” INCIDENCIA TRIBUTARIA NO BRASIL iio é A preocupagio, até agora, consisti em explicar por que a carga tributdévia real suportada, necessariamente, por aqueles a quem ela € imposta, Passa-se a analisan, a seguit, como ocorre a incidéncia tributaria no sistema tributévio brasileiro. Nessa seco, buscaremos responder as seguintes quest6es: quao progressivo € sistema uributario brasileiro? Gomo se distribui a carga tributaria® entre as principais bases de inci- déncia? Como se da a incidéncia sobre o capital € o trabalho? E sobre © consumo? Qual 6 0 gran de cumulatividade de certos tributos no Brasil? Como a ineidéncia tributdria tem sido tratada nas discussdes acerca de reformas tributarias? ividade do sistema tributario brasileiro A progres Oficialmente, o Brasil tem um sistema tributirio progressive, No entanto, parece existi umn consenso geral de que ele € muito menos progressivo do que a legislagio tributavia sugere, havendo até mesmo aqueles que o acham regressivo. Stiglitz," 20 analisar a progressividade do sistema vibutario dos Estados Unidos, aduz que ha trés razdes que justificam a afirmagio de que tal sistema é menos progressivo do que pretendia 0 Poder Legislativo ao institué-lo, & * Stights (2000), 7 ei, por excinplo, os trabalhos de Kats & Rosen (1985) ¢ de No Brasil carga tibutévia €definida comoa ylacio entre a veecta wibutivia tral (Unio, estadose municipios) sco Proalto Interno Bruto~ PT, indicindo parieipagio do Rstado na economia nacional a tibutagto progressvs, a relagto entre o aibuto devido ea venda erese quando a renda regrestivo, essa relagio deeresee. No caso da wibutagto preporcion: pernuincecansnte cam @ aumento na vend * Stiglitz (2000). reidcr, Anderson & de Palos (2001), ‘a relagio enue o wibuto devido e a renda Pemtico No Bras. a ELSEVIE amente 1 maior tais razSes se aplicam per stema tributério brasile ia dos sistemas tributaries, incluindo af, obviamente, os Jo elas: 18-0 imposto de renda é menos progressivo do que o legalmente estabelecido, porque certos tipos de rendas ou categorias de individuos podem escapar parcialmente da tributacio. Por exemplo, os ganhos de capital sio wibutados a aliquotas mais baixas do gue a renda do trabalho, além de existir uma variedade de dedugdes especiais que diminuem ainda mais a alfquota efetiva. Os individuos podem poupar em contas isentas de tributos, ¢ os mais ricos tender a possuir mais alternativas de evitar a wibutagio. Apesar de haver boas rarées para a existéncia de algumas dedugées legais, © que se verifica 6 que o seu elcito Itquido € reduzir a progressividade do sistema tributario." No caso do Brasil, ao se permitin, por exemplo, que sejam deduzidlos todos os gastos com satide, sem qualquer limite, os mais ricos tendem a deduzit valores superioves aos mais pobres, reduzindo, assim, a progressividade legal do imposto. 2) ~ O imposto de renda & apenas um dos varios wibutos que compéem os diversos sistemas tributirios nacionais, ¢ a maioria dos outros tributos, como aqueles sobre a vendas, propriedade ou sobre a folha de pagamentos, é bem menos progressiva, ou até mesmo regres 3 ~ A incidéncia de muitos tibutos difere daquela sobre quem o tributo foi imposto, conforme amplamente dlscutido neste capitulo. O que se observa é que os trabalhadores normalmente sofrem os efeitos dos tributos que foram instituidos sobre outros contribuintes,"® imativas precisas da progressividade do sistema tibutario federal dependem obvia- mente das hipéteses acerca de quem suporta a carga dos varios tributos, como por exemplo, as contribuigoes sobre a folha de pagamentos e o Imposto de Renda da Pessoa Juridica (IRPY}, A Secretaria dla Receita Federal (SRF) claborou um amplo estudo sobre a progressividade do sistema tributério nacional, no que se refere, principalmente, 4 carga tributiria sobre os salérios.'* Na realizagio desse estudo, a SRF procuron ineorporar a questao da manslacao das contribuigdes patronais para os salarios dos empreg: Jos. Como conseqiiéncia, verifica-se um aumento na tributagio sobre a renda e, por conseguinte, na carga tributdria total sobre o lariado, Tres situacdes de transferéncia da pressio fiscal foram consideradas no referido estude: Situngdo 1: Nao oconve trenslago —o efeito econdmico reflete perfeitamente o dispositive Tegal, com cada agente econdmico assamindo, de fato, a carga namento juridico. Situagio 2: Ocorre wma transac parcial em resposta a condig&es espectticas cle mercado, empregado ¢ empregadores compartilham igualmente a carga que originalmente se cal prevista no orde- Paya compreendes 9 mecanismo da tributacto progressiva clevess a aliquota marginal ¢ a aliquota eletiva, No Apénilice deste cap lessee conceitos, {Hid um consenso de que os trabalhadores, € ni os empregudoves suportam toda aca nga da come ni sexuridude socal que ¢ de responsabitidade deste timo © de que a maior parte do IRP] (de Capiialo 19) & Tepassl art cs precos,embara haje discordincin quanco a sa extensio para quem & 0 repasse, xe para os gensumnidoses ou para os trabalhatdlores, Zara mais detalhes, inclusive quanto 4 metodologia adotada, o estudo em referencia (Carga ‘Thibutin sobre os Salivios) pode ser consukade na homepag distinguir dlaramente dois tipos de alfquotas: ilo apresenta-se uma explic paraa da SRF: nw receita fazenda goubr, na segio de Estudos Tributieios ee irene niente SSS LL Incimiscaa rmvrbwa — 167 pregadores; on seja, os empregadores repassain aos empregados aos et destinava apenas gmetadle da carga que seria de sua responsabilidade. Situacdo $: Tianslagio total ~ os empregadores estio em situagio que thes permite ransferir para 0 custo da mao-de-obra todo o dnus que a legislagio Ihes imputa, (Os resultados para as wrés diferentes situagdes sio aprescntados na ‘Tabela 9.1 a seguir Nessa tabela, @ primeira coluna estabelece as faixas de renda analisadas em n® de sakitios mninimos; a segunda coluna trax a carga tributaria sobre o consumo para cada faixa de renda; trés colunas seguintes (cacla uma delas subdivididas em cluas) trazem a carga wibutaria eas sobre a renda ¢ a carga total para cada uma das situacdes descritas. ‘fabela 9.1: Carga wibutdria efetiva sobre o rendimento assalariado Situagio 2 Situacao 3 wuacho 1 saliios |Consumo| mninimos Renda(*) TOTAL Renda (*) TOTAL Renda (*#*) TOTAL, 13,13% | 7.89% — 20,95% —19,14% —-82,27% 27,989) AI, 12,80% | 782% — 20,62% —19,14% —B1,94% 27, 98% ——-40,78% 12,38% | 7.82% — 20,20% 19.14% 31,5295 27,98% —-40,37% 12.15% | 9.00% — 21,15 % — 20,18% 28,91% — 41,05% 12.03% | 11,00% 23,03% — 21,08% —93,96% —-30,47% 42,5056 11,17% | 11,10% 29,27 % 33,18% 30,550 41, 71% 10,60% | 11,73% 242% — 22,57% —3B,2W% 81,049 9.91% | 12.55% 22.46% — 23,29% 33.20% ——B1,G8% 9.13% | 15.86% 24,99% — 26,20% —35,32% 34.97% +de30 | 694% | 20,40% 27.41% 90,23% 37.17% 87,86 44,81% Fonte: SRFICOGET () Lmposto de renda + convibuiche social do empregado, « (©*) Imposto de renda + conurbuicio social do empregado + cantribuigto social do empregador: 46 compilgdo social do empregaclor Imposto de renda + contribuigio social do empregado Pode-se ver que a tributagio sobre 0 consumo, como esperado, é regressiva (obs: colina 2, que a carga tributéria sobre o consumo cai & medida que aumenta a renda). Se ado- (0 1, a tributagio sobre a renda se mostra progressiva, embora ao se proceder & dade remanescente da carga fiscal sobre a renda é signili- {cita na wibutagao sobre © consumo. Nesse mos) tada a Situaci agregacio di cativamente amortecida pela regressividade imp caso, obsi uma pequena regressividade nas faixas iniciais de renda (até 5 salérios mi © uma pequena progressividade nas faixas superiores (acima de 8 salarios minimos). Assim, quando considerada apenas a tibutagao sobre a renda, a classe mais alta suporta uma carga fiscal 161% superior & recebida pela classe mais baixa (20,46% contra 7,82%) ¢ ao agregar os impostos sobre © consumo, essa difevenga se reduz a 31% (27,419 contra 20,95%). ‘Comparando-se a segunda situacio com a primeira, constata-se que 0 tabathador assa- laviado se submete a uma carga fiscal total mais elevada em todos os niveis de renda. Aém do ciro € 0 tiltimo estrato se reduz a 15,18% o trabalhador, duas a progres mais, a diferenga de pressio fiscal (otal entre o pri (87,17% contra 32,27%). A transteréncia de parte da carga do empregador pa por stra vez, reduziu consideravelmente a progressividade da ibutagio sobre a renda do assalariado 168 - Foonoaia no Sox POmLIcO NO Beast, eee ELSEVIER Por fim, a Situacia 8 mostra 0 caso de transmissibilidade total. Ao esquivar-se totalmente do pagamento do tributo, 0 empregador eleva sensivelmente a carga uibutiria total sobre 9 empregado em todas as faixas de renda. A wibutagio sobre 9 consumo, como nos demais casos, permanece inalterada. O diferencial de pressio fiscal rotal entre as classes extretmas atinge apenas 9,00% (44,81% contra 41.12%), A transferéneia de toda a carga do empregador 4 0 trabathador reduziu ainda mais a progressividade da tributagdo sobre a renda do assa. lariado, A distribuicdo da carga tributaria Depois de analisada a progressividade do sistema wibutario brasileiro, utilizando a dicotomia impostos sobre a renda e sobre © consumo, res tributaria entre as principais bases de incidéncia. Os estudos sobre a incidéncia tributéria no Brasil! so unanimes em afirmar que a participagio dos tributos sobre bens servigos na arrecadacio total & muito mais representativa que a dos tributos sobre a renda ¢ patrimndnio. A Tabela 9.2 reflete 0 que foi dito para o ano de 2002. fa observar como se distribui a carga ‘Tabela 9.2: Carga tributéria por bases de incidéneia — 2002 Base de incidéncia R§(milhoes) Sedo PIB % do TOTAL Vendase consumo 228.924 17,32 48 Saléviosemio-deobra 114.710 8,68 24 Renda e lucros 19.165 701 21 Patrimonio. 14.558 1,10 8 Demais 11.707 149 TOTAL 476.934 36,10 100 Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tyibutavio (KPT, Analisando a Tabela 9.2, verifica-se que os tibutos sobre bens e servigos representaram 48% da carga wibutiria total, enquanto as bases wibutarias da Renda e do Patrimdnio signi- ficaram apenas 21% e 8%, respectivamente, totalizando apenas a metade da base de produgso € consumo. A tributagio sobre a renda aumenta se considerar como renda parte dos sakirios auferidos, Embora essa caracterizagaio de salério como renda seja repudiada pelos tributaristas, © que se observa é gue a legislacio tibutéria, nos dihtimos anos, ampliou significativamente 0 conceito de renda, de forma a abarear quase todo auferimento financeiro, estando os salévios qnase (otalmente incluidos no conceito de renda. J que, como visto, os tributos sobre bens e servigos (denominados indiretos) repre- sentam quase a metade da carga mibutéria total, & interessante tecer algumas consideracées especificas a respeito deles, Num trabalho desenvolvido pelo Grupo Economia de Redes do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco,'* os pesquisadores analisaram a incidéncia final dos impostos indiretos no Brasil através da aplicagio de um "nee os principss pode-se citar por exempll, 0s de Afonso eal (1998) ¢ Vasconcelos eal 2002, 2008). Veja a integra co tabalh esse grupo ein Siqueita, Noguchi & Souza 2001 Iveinivcia reamvrsnia ~ 169 nodelo de microssimulagao, Os resultados para o Brasil foram mostrados para 0 total dos postos € para o ICMS, que representa cerca de 659% da arrecadacao total de impostos indiretos, tendo sido concluido que, no primeiro estigio, os impostos indiretos recaem quas gae na mesma proporcao sobre @ demanda intermedidria (49%) € sobre a demanda final (61%) ¢, em relacio a essa tiltima, cerca de 93,5% dos impostos incidem sobre o consumo da familias; na incidéncia final, os componentes exportacio € consumo da administrago pitblica so significativamente afeiados pela tributacio indireta, embora essa continue a incidir .cipalmente sobre © consumo das familias (849%). Num outro importante estudo,"*a SRF analisou a incidéncia tributaria sobre as empresas segunda os diversos setores econdmicos para o ano de 1999. A distribuigio da carga uibutaria esti apresentada na Tabela 9.3. Nessa tabcla, a primeira coluna referencia o setor econdmico, a segunda coluna apresenta 0 total de empresas por setor econdmico (em mimeros absolutos € relativos) ¢ a terccira coluna, o total de receitas arrecadadas de cada um desses setores. i ‘Tabela 9.3: Distribuicdo da carga tributéria por setor econdmico 7 de empresas Receita SETOR ECONOMICO Quantidade % RS mil % Agropecuria 19.590 070 5.944,72 oat Comércio 1.620.133 57,70 304,882,094 27,54 Intermediagto financ 8.502 0,30. 244.870,97 17,08 Indistria 380.733 13,56 555.383,68 38,73 4 srvigos 779.120 27,75 282.950,14 16, Total 2.808.078 100,00 1.488.982,44 100,00 Fonte: SRF 1999 “Classficagio segundo o Cédigo Nacional de Atividades Beondmicas ~ ONAE, Observa-se na Tabela 9.3 que o setor industrial foi o que gerou a maior receita agregada total, participando com quase 40% do total, tendo representado apenas 13,56% dos declarantes. O setor comercial vem em seguida, com 27,54% da receita agregada total distribufda entre 57% dos declarantes. As empresas de intermediacao financeira apresentaram a maior concen- tracio de receita declarada por unidade contribuinte, pois embora representassem apenas 0,30% dos contribuintes, apresentaram receita agregada equivalente a cerca de 17% da receita agregada total, O setor de servigos (exelufdas as atividades de intermediacao financeira) ficou em segundo lugar em relagio ao mimero de decaragées entregues (27% do total), embora tivesse apenas 16% da receita gerada total. O setor de agropecuaria apresentou participagio pouco expressiva: 0,7% dos declarantes com 0,41% da receita agregada. A cumulatividade de tributos Uma questo secundaria, mas ndo menos importante, na andlise da incidéncia tributé diz respeito A cumulatividade de tributos. ™ Veja o estudo completo, intitulade "Pevfil do Decharante da DIP] 1999" no site da SR na secio de Estudos Tributarios. msecita fazenda goubr, 170 ~ Bconows no Srron Pontsco No Bs Um cributo € dito cumulative quando ¢ cobrado em diversas etapas do proceso pro- dutivo, de forma que haja a cobranca sobre uma base que contém o tributo cobrado em etapag lores, ou seja, a cobranca de tais tributos, quando nao é acompanhada de mecanismos de nsagéo dos montantes cobrados nas etapas anteriores das cadeias de producdo, produy um quadro de incidéncia em cascata. Hi um consenso geral de que isso gera distorgdes sobre a alocagao dos recursos ¢ deteriora a capacidade de competi¢ao dos produtores nacionais Um trabalho conduzido pela Coordenagio de Estudos ‘Tributarios da SRF" observou gue o debate sobre “tributagio cumulativa versus tributagio do valor agregado” se acirrou nos Gitimos anos no Brasil, devido, prineipalmente, & erescente participagio das contribuigéey sociais incidentes sobre o faturamento (PIS/Cofins) ¢ da CPMF na arrecadacao total (se considerar apenas essas trés contribuigées, verifica-se que sua participagio agregada na carga tributdria total passou de 15,5%, em 1989," para 85%, em 2002). Assim, a discussio da cumu. Jatividade se concentra, obviamente, nos tributos incidentes sobre vendas de bens e servigos," Quanto ao aspecto discutido naquele estudo, a tributagao sobre bens ¢ servigos foi dividida em dois grandes grupos de tributos: valor adicionado (ICMS e IPI - vide Capitulos 21 ¢ LH) ¢ 6s que incidem cumulativamente (Cofins, PIS/Pasep, CPME, CIDE, 1OF e ISS ~ vide Capitulos 16, 1] € 15), Analisando dados que vao de 1968 2 2002, constatow-se um acentuado aumento da tributago cumulativa, Em 1968 os tributos cumulativos representavam 1,60% do PIB ¢ apenas 6,87% do total da receita nacional. Em 2002 atingiram 7,87% do PIB, ow 21,8% do total. Os impostos sobre valor adicionado, por seu turno, respondiam por 11,70% do PIB ¢ por 50,21% da carga total em 1968 e, em 2002, responderam por 9,45% do PIB e por 26,18% do total. E notério, portanto, que a wibutacao sobre valor agregado vem sendo substituida pela de carter cumulativo. A explicacao mais difndida pelos que defendem essa iiltima é de que esse tipo de tibutacio é de mais facil fiscalizaclo, além de ser menos afetado pekas oscilaces na conjuntura econémica, ja que a maior parte incide sobre o faturamento e nao sobre o lucro. Entretanto, embora seja considerada inadequada e indesejada, essa forma de tributagio gerou, em 2002, cerca de R$86 bilhdes, somente entre Cofins (enide Capitulos 16 e 15), PIS* & CPME. Para se desfazer dessa forma de tributagio, a Unido teria de descobrir outras fontes de arrecadacio de imposicéo ndo-cumulativa, o que nao é uma tarefa muito facil. Esse 6 0 principal argumento da Unido para manté A incidéncia tributiria e as discussées sobre reformas tributérias Dadas as especificidades do nosso sistema federativo, nao ¢ tarefa facil a implementagio de um modelo ideal de sistema nibutario no Brasil. Embora haja um consenso geral quanto necessidade de uma ampla reforma tributiria (vide Capitulo 16) nenhum dos entes federativos aceita favé-la se ha qualquer expectativa de perda de reccitas, ¢ nenhum setor econdmico a aceita se a carga tributivia se desloca em sua directo. Enquanto esses argumentam que devem "Veja a integra desse trabalho na homepage da SRE, sab o titulo: A Progressividacle no Consumo-Thibutagio ‘Qumnulativa e sobre o Valor Agregad 1" Toi somente a partir de 1989 que passou a vigoray o sistema wibutirioinstituldo pela Constienigio Federal de 1988. No entanto, ainela nfo exist, no nosso Sistema, 2 OPME, somente instituida em 1996, através da Lei n® 9311, de 24 de outubro de 1996. (Os principais ributos sabre vendas de bens ¢ servicos so os seguintes: ICMS, IPI, Cofins, PIS/Pasep, CPM, CIDE, 1OF e188. A CIDE ¢a Conmibuigio de Intervengio sobre © Dominio Econdmico ¢o LOF é 0 lmposto sobre Operagses de Crédito, Cimbio e Seguro ou Reltivas a Titulos e Valores Imobildvios, ambos de competéncia dt Unio, © 188 é 0 Imposto sobre Servigos de Qualquer Natureza, de competéncia des municipios. Os demais j& foram definidos neste capitulo, (© PIS somente passou a ser iO cuumulativo no final de 2008. } } Ivcipéscra nemurAnia = 174 ferasua carga tributiria individual diminufda, aqueles defendem a necessidade de manutencao das receitas no curlo prazo, tornando a solugéo mais dificil, quando nao inposstvel. Assim, Scredita-se que uma reforma tibutiria adequada seria aquela que conseguisse acomodar os inés tipos de confflitos de interesses seguintes:" 12 O confito de interesses entre 0 setor priblico (que quer maior disponibilidade de receitas) 0 setor privado (que quer a redugao do impacto negativo da tributacio sobre a eficiéncia ¢ a competitividade do setor produtivo nacional, a prestagio de servicos priblicos compativeis ¢, ainda, que se faga a justica fiscal). 22 ~O conflito entre as esferas de goerno (conflito vertical) ~ Unido, estadas e municépios (que brigam por fatias maiores do “holo tributério” a fim de fazer face aos scus cneargos © que lutam, no caso da Uniao e estados, pela hegemonia legislativa em relagéo ao principal imposto da federagio ~ 0 CMS) 3° — 0 conflito distriutivo entre as regides num mesino nével de governo (conflito horizontal), como é 0 caso da tribuiacéo do ICMS na origem ou no destino, opondo os estades pr dutores do Sul ¢ Sudeste ¢ os estados consumidores do Norte ¢ Nordeste. Assim, promover uma reforma tributaria ampla requer capacidade politica de admi nr € vencer esses conflitos, tarefa bastante dificil para qualquer govern. ‘Teenicamente, a maioria das propostas de reforma tributéria advoga wés mudangas fundamentais: deslocamento de uma base tributéria sobre a renda para uma base tributaria sobre o consumo; um movimento na directo de cangas tributirias inais baixas ¢ mais uniformes; ¢ uma ampliagio da base tributaria, eliminando dedugoes ¢ exclusoes em sintese, argumenta-se que a mudanga para uma base aibu provayelmente incentivaria a acumulagio de capital, removendo a tributagao sobre renda do capital e, portanto, incentivando as pessoas a maior consumo presente. Cargas tributarias mais uniformes climinariam também algumas diferencas do imposto que incentiva usos menos produtives do capital no sistema atual. E uma base tributéria mais ampla poderia aumentar a oferta de trabalho se a ampliagao fosse suficiente, de tal forma a permitir uma redugio nas aliquotas tributarias marginais totais. Sem ampliar a base, uma mudanga “neutva a renda” de uma base sobre renda para uma base sobre o consumo reduziria o imposto sobre « poupanga € sobre o investimento, mas aumentaria a carga tributéria sobre o trabalho. impacto final da comutacio para os impostos haseados na tributagio sobre o consumo nao pode, entretanto, ser previsto com exatidao. Modelos de equilibrio geral usando suposigies particulares sobre mudangas no comportamento trazem alguma informagio sobre 0 que pode ria acontecer se as hipdteses dos modelos particulares se provarem corretas, Infelizmente, esses modelos nao tem avancado o suficiente para fornecer um conjunto confidvel de estima- tivas. ni via sobre o consumo Apéndice ~ Aliquota marginal versus Aliquota efetiva Aliquota marginal é aquela que incide sobre cada real adicional de renda. Por exemplo, no Brasil, em 2002, a renda anual de até R$12.696,00 nao era tributada, logo, a aliquota marginal (¢, no caso, também a efetiva) para quem recebe de zero até esse valor € zero (equivale uma renda mensal de R$1.058,00). A partir dessa renda (R$12.696,00) qualquer real adicional std sujeito & alfquota marginal de 15%. Ou seja, quem aufere R§20.000,00 nao pagard nenhum foram vesumidos ¢ * Qs conflicos aqui detinidos, embora uratados em diversos textos sobre reforma tibu ceondensados por Jats Carlos Bordin, no trabalho ‘A Reforma Tributira, o [OMS e o Pacto Federaivo", dispons no sites htpi/enufrerative nde goubribf, baeoststudaye001920 fu | : | | imposto sobre a parcela que vai até RS 12.696,00 e pagara imposto de 15% sobre RS7.304,09 8§20,000,00 ~ R§12.695,00). Pagard, portanto, R§1.095,60 de IR. Para a outa aliquots marginal (27,50% para renda anual acima de R§25.380,00) 0 raciocinio é andlogo, Para determinar 0 imposto cevido relativo aos rendimentos auferidos em cada ano, 9 contribuinte (ou a fonte pagadora) deve aplicar as aliquotas correspondentes as faixas de renda definidas na ‘Tabela Progressiva Anual. As alfquotay marginais incidentes na declaragao do Imposto de Renda da Pessoa Fisica em 2002 e as respectivas faixas de renda seguintes: anual foram a5 ‘Tabela progressiva para calculo anual do Imposto de Renda da Pessoa Fisica para 0 exercicio de 2003, ano-calendario de 2002 Base de calculo anual em RS Aliquota % —_ Parcela a deduzit do imposto em RS AE 12.65 - - De 12.696,01 até 25.880,00 15,0 1.904,40 Acima de 25.880,00 275 5.076,90 Ponte: SRE. A aliquota efetiva, por sua vez, equivale ao percentual da renda em relagao ao imposto devido. No caso do paragrafo anterior, em que o contribuinte aufere a R$ 20.000,00 e deve R§1.095,60, aaliquota efetiva ¢ de 5,48% (R$ 1.095,60/R$20.000,00), A aliquota efetiva somente se aproxima da alfquota marginal (sem, contudo, nunca a igualar) para os rendimentos muito elevados. Teoria da tributacdo é6tima Rozane Bezerra de Siqueira’ Universidade Federal de Pernambuco José Ricardo Nogueira” Universidade Federal de Pernambuco Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa’ IPEA SUMARIO. O capitulo apresenta uma introducio geral ao arcabougo basico ¢ aos principais resultados da teoria da tributacio étima, destacando 0 modelo de iributagio dtima de mercadorias de Ramsey ¢ de Diamond e Mirrless € 0 modelo de tributacdo dtima da renda de Mirrlees. Apresenta-se também uma aplicacio ilustrativa de um modelo de wibutagio dtima de mer- cadorias para o Brasil. PALAVRAS-CHAVE ibutacio étima; eficiéncia; eqitidade; modelo de Ramsey; modelo de Diamond e Mirrlees. RODUCAO Os sistemas tibutarios de todos os paises so essencialmente compostos de instrumentos que introduzem distorgées na economia. Entre esses instrumentos, 0s mais utilizados so os tributos sobre a renda e os tributos sobre venda de mercadorias. Tais tribuios so distorcivos porque influenciam © comportamento dos agentes econdmicos (vide Capitulo 2). A imposigio de um tributo sobre a renda gera incentivos para que as pessoas modifiquem suas decisdes quanto A participacao no mercado de trabalho € ao ntimero de horas trabalhadas. A wibutag de mercadorias, por sua vez, distorce as escolhas dos agentes enquanto consumidores. Isso gera incficiéncias ¢ reduz o bem-estar da sociedade em relagao a uma situacdo em que a tribu- tacao € nao distorciva Por que, entdo, os governos nfo adotam tributos nao distorcivos? Para responder a essa pergunta é importante ressaltar que, por definicio, tributos nao distorcivos ndo dependem do comportamento dos individuos. Em outras palavras, para que um tributo seja nao distor civo, nao deve existir nada que os individuos possam fazer para alterar o montante do tributo que recai sobre eles, Exemplos de tributos desse tipo sto um imposto per capita ¢ qualquer * Professora da Universidade Federal de Pernambuco, cedida & Secretaria de Politiea Keondmica, Ministévio da ladle Federal de Pernambuco. A, Rio de Junciro. 174 - Beonosua vo Serox Pomico No Buss imposto baseaclo em alguma caracteristica inalteravel dos indivfduos (tal como a cor dos olhos, © problema € que, como no caso desses exemplos, wibutos nao distorcivos que say tecnicamente vidveis tém conseqiténcias distributivas indesejéveis, Portanto, subjacente & oped dos governos por wibutos distorcivos hé uma preocupacio com questées distributivay! Com efeito, 0 conilito entre os objetivos de eqiiidade e eficiéncia esta no centro de toda questao tributéria. Em particular, o problema de identificar 0 desenho tributério timo pode ser visto como equivalente ao de identificar a melhor combinagio entre esses objetivos, Mais especificamente, 0 problema tratado pela teoria da tributagio dtima é o de caracterizay q estrutura tributdria que permite ao governo arrecadar uma dada receita ¢ alcancar deter sminados objetivos distributivos a0 menor custo em termos de perda de eficiencia. O objetivo deste capitulo é apresentar wma introdugio geral 20 arcabougo analitico ¢ principais resuitades dlessa teovia, assim como ilustrar sua aplicagio empfrica utilizando um modelo numérieg para o Brasil © capitulo esti estruturado da seguinte forma. A préxima segio descreve a natureza basica do problema tatado pela teoria da tributagio étima. A terceira seco apresenta uma introducio geral A teoria da tributagio étima de mercadorias, Aquaria segao dedica-se 4 teoria da wibutagio étima da renda. A quinta secao considera a ibutagao dtima de mercadorias na presenca de um imposto de renda. A sexta secio apresenta uma aplicacio ilustrativa da teoria da wibutagio étima de mercadorias baseada em dados para o Brasil, Finalmente, a liltima seco tece os comentarios finais, TEORIA DA TRIBUTAGAO OTIMA: NATUREZA DO PROBLEMA bm A Riqueza das Nagdes, Adam Smith estabeleceu quatro prinespios gerais que deveriam nortear um sistema tributario étimo, a saber:? * Os individuos devem contribuir para a receita do estado na proporgio de suas capacidades de pagamento, ou seja, em proporeao a seus rendinientos, * O tributo a ser pago deve ser certo ¢ nao arbitrério, com o valor a ser pago ¢ a forma do pagamento devendo ser claros ¢ evidentes para o contribuimte. * Todo tributo deve ser arrecadado da maneira mais conveniente para o contribuinte * Todo tributo deve ser arrecadado de forma que implique © menor custo posstvel para © contribuinte, além do montante arrecadado pelo Estaclo com o tributo® A teoria da tributagéo 6tima se relaciona explicitamente com o primeiro ¢ 0 éltimo Principios descritos anteriormente. Seu objetivo é analisar como uma dada receita tributéria pode ser arrecadada pelo governo a um minimo de custo para a sociedade, levando em consi deracio as diferencas existentes entre os individuos em termos de capacidade contributtiva © ponto de partida para entender os fundamentos da teoria da tributacéo dtima sio os dois teoremas fundamentais do bem-estar. © primeiro teorema afirma que todo equilibrio competitive (vide Capitulo 2) € eficiente no sentido de Pareto, enquanto 0 segundo teorema | Sa essa uma preacupagio gennina ow apenas ditada pela necessidadle ce vabilzagio politica sas miximas sobre o sistema tibutiio ideal podem sex enconttadas no Livro Quinto, Cap parte, de Miqueza das Nagées, cnja publicagio original ‘om inglés, e Smith (1985), em portugues. | Esse quarto principio referee minimizagéo da perda de peso morto (ou custo invecuperivel) associada 20 imposto: Adam Smith ji xeeoneca que a imposigio de um imposto ocaiona, em geral, um euso adicional para t soctedade,além do valor do mesmo arrecadadbo pelo yoverno. 0 chamado excesso de gravame, que testa do Lato de que o imposto clstorce os precos de mercado dos hens e, assim, faz com que os nfveisefcientes dle produgho & consumo iio sejain obtidas, tulo II, segunda de 1776, Para edigdes recentes dessa obra, ver Smith (1976), ; ee APRORIA DA TRIMUTAGKO OHIMA 175 © dinque toda alocacto eficiente no sentido de Pareto pode ser aleangaca através do mecanismo te mercados competitivos, dada uma adequada redisuibuicao da dotagio de recursos entre 9 individuos componentes do sistema econdmico. Hficiéncia no sentido de Pareto significa -_ Giue ni ¢ possivel realocar os recursos da economia de forma a aumentar 0 bem-estar de um —_ individuo sem reduzir o bem-estar de pelo menos um outro individuo, Essa situagao caracteriza a co 6timo de primeiro melhor, em que a possibilidade de realocagées simultancamente vantajosas oe para todos € esgotada. a Para o entendimento da natureza da teoria da tributagao étima, 0 resultado do segundo teorema € crucial, De acordo com 0 primeiro teorema, os mercados competitives geram © Mocacées eficientes. Entretanto, pode existir uma multiplicidade de pontos eficientes, | correspondendo a diferentes distribuigées da dotagéo de recursos. O segundo teorema diz © que. se por qualquer razao, uma dada alocagto eficiente nfo é considerada como socialmente a jjusta, uma outra alocagiio eficiente de Pareto pode ser obtida através de mercados competitivos, | desde de que se faca wma redistribuigio da dotagio de recursos entre os individuos. a Entretanto, para se obter o resultado do segundo teorema € necessério que a redis- i tribuigdo de recursos seja “adequada”, no sentido de nao provocar distorgées nas escolhas dos agentes econdmicos, de forma que as condigdes de eficiéncia econdmica continuem a ser satisfeitas.’ Para tanto, a redistribuicéo deve se realizar via impostos ¢ transferéncias do tipo lump sum, que tém a propriedade de no afetar 0 comportamento dos agentes econdmicos. i Impostos ¢ transferéneias do tipo lump sum sio montantes fixos de dinheiro que os individuos : pagam ou recebem independentemente de suas escolhas. £ 0 caso, por exemplo, de um imposto | jer capita, ou de um imposto baseado em caracteristicas pessoais inalteraveis, tais como idade, a ‘sexo, preferéncias, habilidades ete t No entanto, impostos e transferéncias lump sum capazes de gerar uma distribuigéo étima + da renda nao so factiveis, pois a informacao necessdria sobre caracteristicas individuais i relevantes para implementé-los, que devem estar associadas & capacidade contributiva (tal | ‘como habilidade), € privativa dos individuos, que nao terao incentivo para revelé-la ao governo. Isso significa que 0 imposto tem de ser cobrado com hase em elementos que, além de indicar capacidade contributiva, sejam observaveis, tais como renda ¢ consumo. Nesse caso, os individuos terdo incentivos para modificar suas agées relativas a obtengao de renda ¢ realizagao de consumo, de forma a minimizar o imposto pago, Como conseqiéncia, 0 sistema tributario (vide Capitulo 9) resuliante é inevitavelmente diferente do tipo lump sum, ou seja, € distorcivo. Caso. nao existisse uma preocupacao com redistribuigio, os efeitos distorcivos da tributagio poderiam ser evitados através da imposigio de um tributo fump sum uniforme consistindo em pagamentos iguais por parte de todos os individuos, independente de snas caracteristicas pessoais. Isso sugere que é a preocupagio com a distribuigio de recursos na sociedade que explica 0 uso de tibutos distorcivos. Observa-se, entdo, que ha um confflito bé- sico entre eqiiidade e eficiéncia na tributacdo, no sentido de que objetivos distributivos s6 podem ser alcangados a um certo custo em termos de eficiéncia econdmica ‘Assim, a teoria da tributagio étima trata da caracterizagio da melhor estrutura wibutiria em um mundo onde tributos ump swn nao sao factiveis, Portanto, o termo “6timo” nessa teoria deve ser entendido como wm étimo de segundo melhor, ou seja, o melhor resultado possivel dado que impostos distorcivos devem ser inevitavelmente utilizados em razdo da impossibilidade de se recorrer a impostos lump sum. Isso significa que a teoria da tributagio étima deve estar inerentemente preocupada com questies de eqiiidade ¢ eficiéncia, simul taneamente. 7 Basas condigdes dizem respeito a ignalagéo entre as taxas manginais de substituicao, no consumo, entee as taxis marginals de substituiglo tecnica, na produgio, e entre as taxas marginals de substituigio ¢ a taxa marginal de translormacio. Ver Varian (1999), Capitulo 28, ¢ Varian (1902), Capitulo 17, para uma dliscussao do conceito do Grime de Pareto ¢ das condigies que asseguraim a sua obtengio, 176 — Econons no Srxon Pou __ELSEVIER Note-se ainda que essa teoria tem natureza normativa, pois investiga como o sistema tributario “deve ser” estruturado para que certos objetivos sejam atingidos. As distorgbes e og efeitos distributivos decorrentes da tributagio sao fendmenos objetivos e nio dependem da opiniio de quem est analisando o sistema wibutiirie. No entanto, a escolha da combin apropri cho ida entre eqiiidade ¢ eticiéncia e, de fo, a propria opeao de utilizar esses criterion para avaliar o sistema tributario, é uma questio subjetiva, que envolve julgamentos éticos. As implicagses de diferentes julgamentos para o desenho tributdrio timo ficardo evidentes nag segdes que seguem.® TRIBUTACAO OTIMA DE MERCADORIAS Nesta segio, apresentamos o arcabougo analitico basco e principais resultados da teoria la wibutacio dtima de mercadorias. Iniciamos com a apresentagio das hipsreses cldssicas do modelo de tributagio étima, A seguir, descrevemos o problema de o 6tima em uma economia com um tinico consumidor, © modelo de Ramsey. Depois, derivamos formalmente @ regra de wibutacio étima no modelo de Ramsey para o caso especiiico em que as demandas elas diversas mercadorias sio independentes. Em seguida, indicamos como a formulacao 6 resultado basico do modelo de Ramsey s40 modificados em um contexto de uma economia com muitos consumidores. E no final desta secéo tratamos do resultado de eficiéncia na pro- dugao. O modelo classico © modelo clissico de tibutagio de mercadorias supe que hé n bens, cada um dos qui produzido por firmas competitivas sob retornos constantes de escala ¢ utilizando trabalho como o nico insumo, Hssas hipéteses implicam que o imposto € totalmente repassado pata 6s consumidores, de forma que os precos do produtor sio constantes. Assim, para o bem i, 0 Preco ao consumidor p,é igual ao preco do produtor 7, mais o imposto 4, ou se PSP HTS Lut a As prefer icias do consumidor sio representadas pela funcio utilidade: UU Pyoos Py Yoo Dy, Pe Y= V oon by Ve @) onde x,...%, so as demandas do consumidor pelos bens I,..,n, respectivamente, e ¥ éa renda. O governo deve escolher as aliquotas do imposto sobre os n bens para arrecadar uma dada receita It. Denotando 0 nivel de consumo do bem i por x, a restrigao orgamentitia (vide também Capitulo 14) do governo pode ser escrita como: R 8) Resenlas sobre a literatura de cributagio dtima podem ser encontradas em Sandmo (1976), Auerbach (1985), Stiglit: (1987), Siem (1987 ly (1987, 1988} e Treseh (2002). “ Escrevera utilidade clo consumer como fungio dos pregos eda renda permite investigaro efeito de variagGes nos precos (aqui, via variagio no imposto} sobre a utilidade do indivfdwo, i x sa descrigio da economia permite que a andlise se concentre no bem-estar do consumidor ¢ na arrecadacio tributiria, nio sendo necessivio explicitar o lado da producio. O critério de eficiéncia: a regra de Ramsey mente investigado por Ramsey’ é o seguinte: se 0 nico sumo de bens io de uma O problema tributario inici instrumento tibutirio a disposieko do governo é um imposto sobre 0 cor servicos (vide Capftulo 21), qual é « estrutura de alfquotas consistente com a gera dada receita para 0 governo ao menor custo em termos de perda de eliciéncia? Ramsey supde uma economia com um tinico individuo (ou, equivalentemente, uma populacao de individuos idénticos). Portanto, consideragdes de eqiiidade sto excluidas da anélise. Assim, o problema de Ramsey pode ser escrito formalmente como um problema de escolher as alfquotas (ributérias de maneira a maximizar a fungio utilidade indireta (2) sujeita a restrigao de receita (8) Max V (Py Py YD @ ‘As condigées dle primeira ordem do problema de maximizagio (4) sio dadas pelas derivadas do lagrangeano em relacio ao imposto sobre cada bem k. Observe que, dada a hipotese de que 0 preco do produtor é constante, derivar em relagio a t, é equivalente a de- rivar em relagio ap, Ass A equacio (6) estabelece que, no étimo, a razio entre a perda marginal de utilidade do consumidor devido 20 aumento da aliquota do imposto sobre wm determinado bem € a receita extra resultante desse aumento de aliquota deve ser igual para todos os bens. Observe que essa razio é dada por i, que pode ser interpretado como o custo marginal social de aumentar a receita do governo em R$] através da tributagio do bem k, Note-se que se esse custo for maior, digamos, para o bemt ke do qne para o hem i, entdo € possivel aumentar 0 bem-estar social, sem perda de receita, reduzindo a aliquota sobre o bem k ¢ aumentando a aliquota sobre o hem i. Nesse caso, portanto, mio estarfamos com a estrutura tributaria dtima, em que, por definicio, nenhuma alteracdo desse tipo € possivel. Apés uma série de manipulagdes das condigées de primeira ordem, pode-se chegar a um resultado mais especifico sobre a estrutura tributaria 6tima, conhecido como regra de * Ramsey (1927). 78 — Beonomtn no Seton Biatic9 No Basan ELSEVin ‘WB Boon ut Pa a ENTER Ramsey, Essa regra diz que a estrut a reducao proporcional na demanda pelo bem f, induzida pelo sistema wibut para todos os bens, E interessante notar que a proporcionalidade requerida pela regra de Ramsey € em relagio as variagbes produzidas nas quantidades consumidas de cada bem e niio cm relacao jy variagées nos pregos dos bens, Esse resultado vai de encontro 4 visio comum de que a estruturg tributiria mais eficiente é aquela que produz uma variagio proporcional nos precos, ou seja, € uniforme. De fato, a regra de Ramsey, em geral, implica uma estratura de aliquotay diferenciada, como explicitada no caso considerado a seguir. do imposto 6timo sobre mercadorias é aquela em que D, € a mesma A.regra do inverso da elasticidade Adotando a hipétese de que a demanda de cada bem € independente dos preg outros bens (ou seja, de que nao ha mais especifica pa elasticidade. Para derivar essa regra, Ramsey faz-se uso da identidade de Roy, defi dos ‘os cruzados de precos), Ramsey derivou uma regra a a estrutura tributdria étima, conhecida como a regra do inverso da ida por av _aU as, ap, ox, dp, onde 0: é a utilidade marginal da renda, Substituindo a equagio (7) em (6) ¢ calculando a derivada do lado direito da equacéo (6), obtém-se: ax=Al x, +t, - (8) Ox voi 3p, Dividindo ambos os termos da equagio (8) por p,, obtém-se: es me (9) A Pr onde F, é a elasticidade-prego propria da demanda pelo bem h. A equagao (9) pode ser reescrita como: com relagio & p aes (10) Portanto, o imposto sobre o bem k deve ser inversamente proportional A elasticidade- preco da demanda pelo bem k, Ou seja, bens com demanda relativamente inelistica deve ser tributados mais pesadamente do que bens com demanda relativamente elistica. Dessa forma, assegura-se que as perdas de eficiéncia provocadas pelo sistema tributario, represen- tadas pelas redugdes no consumo dos bens € a conseqiiente redugio na utilidade do consumidor, sejam minimizadas. E importante notar que o exit demandas nao sio independentes, tende a gerar uma estrutura tributari porque, em geral, a demanda por bens de primeira necessidade, tal como alimentagio basica, é menos elistica do que a demanda por bens de luxo. Assim, a implementacao de um sistema tributario com base nos resultados de Ramsey tende a produzir tributos com alfquotas maiores para os bens necessarios ¢ aliquotas menores para os bens de luxo. A natureza regressiva dos resultados de Ramsey simplesmente reflete a hipéte de seu modelo de que ha um tinico consumidor, o que exclui qualquer preocupagio com eqiiidade. Vale notar, porém, que em uma sociedade em que hé um tinico individuo (ou muitos indivicuos idénticos), a exclusio de tributos np sum & bastante artificial, uma vex que nesse caso no haveria problema de se implementar um imposto per capita. Apesar disso, a anélise de Ramsey contribui para aumentar nossa compreensio da tributacio eficiente de mereadorias. ‘Além disso, a anise ¢ dil como uma introdugio ao modelo de Diamond € Mirrlees," que investiga a tributagio dtima de mercadorias em uma economia com muitos consumidores. A seguir consideramos as principais caracieristicas e implicagbes desse modelo, io de eficiéncia, inclusive no caso geral em que as ssiva. Iss asia Combinando eficiéncia e eqiiidade: a regra de Diamond e Mirrlees Diamond e Mirrlees derivaram regras para a tributagio Gtima de mercadorias quando existem H diferentes individuos na economia ¢ ha uma preocupacio com a questa distributiva, nplica que comparagbes interpessoais de bem-estar devem ser introduzidas na anélise Por hipétese, admite-se que a sociedad tem um certo grau de aversio a desigualdade. Entéo, a regra étima de determinagio das alfquotas do imposto deve incorporar explicitamente essa atitude da sociedade. © aspecto cru ial do trabalho de Diamond e Mirrlees é 0 uso de uma fungio de bem: estar social como forma de realizar comparagées interpessoais de utilidade e julgar a combinacao apropriada entre melhorias na eqilidade c perdas de eficiéncia devidas tributagio. ‘A fangio de bem-estar social utilizada por Diamond e Mirrlees, e que tem caracterizado a moderna literatura de tributacio dtima, é individualista, do tipo Bergson-Samuelson, que descreve 0 bem-estar social como fungao dos niveis de utilidade dos individuos na sociedade, ormalmente, 0 bem-estar social, W, & expresso como: WW ay © problema ibntério do governo pode, entao, ser formulado como de escolher um vetor de tributos f, de forma a maximizar o bem-estar social sujeito & sua restrigao de receita. Formalmente: Diamond & Mirrlees (1970. 180 ~ Booxomsn vo SrroK Pom Brasn Max W = W(V'Oo05 M0) sujeito a St, X, onde X, >: x A partir das condigées de primeira-ordem para esse problema de maximizagio, pode-se derivar a chamada regra de Diamond-Mirrlees ou regra de Ramsey para o caso de vétios individuos. Essa regra indica que a redugio proporcional na demanda agregada pelo bem k, induzida pela tributagio, deve ser menor * Quanto mais o bem é consumido por individuos cuja utilidade marginal social da renda alta (estes so 0 consumidores considerados soctalmente importantes). * Quanto mais o bem bens tributados é alta. consumido por individuos cuja propensao marginal a consumir A primeira dessas condigées pode ser vista como refletindo o critério de equidade. Um individuo teré uma utilidade marginal social da renda alta quando sua utilidade marginal pessoal da renda é alta e quando o peso atribuido pela fungio de bem-estar social a variagbes em sua utilidace também € alto. Portanto, se a fungio de bem-estar social incorpora alguma ayersio a desigualdade, a implicagao dessa condicio é reduir a tribuutagio de bens consumidos por indivicuos de baixa renda. A segunda condicio esté associada ao critério de eficiéncia, Se deslocassemos a tributagio, de bens consumidos por individuos cujo montante de imposto Pago cai rapidamente quando a renda é reduzida, para os demais bens, entio, a receita wibutéria requerida pelo governo seria alcangada com mais rapider ¢, conseqtientemente, com menor distor¢ao. Vale notar que, a nio ser para casos bastante particulares, os resultados analiticos da literatura de tributacio étima néo oferecem uma visio totalmente tansparente da estrutura 6tima de aliquotas tributarias, ou seja, nao explicitam que mercadorias devem ser mais tribu- tadas do que outras, Uma idéia mais precisa da estrutura e magnitude dos tributos étimos $6 pode ser obtida através da especificagio € solugio de modelos numéricos cujas estruturas ¢ parametros reflitam hipéteses particulares a respeito da sociedade em questdo, como serd ilustrado posteriormente. Eficiéncia na produgio Além de introduzir consideracées distributivas na teoria da wibutagéo étima de merca- dorias, Diamond ¢ Mirrlees demonstraram um resultado importante conhecido como 0 teo- rema de eficiéncia na produgio. Esse resultado afirma que a producio deve ser eficiente quando os impostos sobre mercadorias so 6timos. Em outras palavras, mesmo quando um otimo no sentido de Pareto nao ¢ atingivel, devido A presenga de impostos sobre mercadorias, eficiéncia na produgao € desejavel Eficiéncia na produgio ocorre quando a economia esté maximizando a produgdo, dado 0 conjunto de recursos disponiveis. Para tanto, uma condigéo necessiria é que a taxa marginal de substituigio entre quaisquer dois insumos produtivos seja a mesma para todas as empre- sas. Pode-se demonstrar que tal igualdade sera satisfeita pela maximizacao de lucro de empresas “Teoma na rumuragdo Oran — 181 ‘em mercados competitivos, desde que os pregos dos insumos produtivos sejam os mesmos para todas as emprests. Essa condigio é violada quando se tibutam transagdes entre empresas Nease e280, por exemplo, para uma empresa mais verticalizacha, ow seja, que produz mais de seus proprios insumos, 0 custo dos bens intermedisrios sera menor: ‘A suposi¢io basica por tras do teorema de eficiéncia na produgio € de que 0 governo é ‘cqpaz de controlar todos os pregos que afetam 0 bem-estar dos consumidores (isto é, os pregos que recebem pela oferta de farares de producio e os precos dos bens que consomem), indepen- Fentemente dos precos com os quais as empresas se deparam nas twansagées entre elas, Dessa forma, a manipulacao dos precos dos bens intermediérios néo resuliaria em nenhuma melhora no bem-estar social. Assim, o téorema de Diamond-Mirrlees oferece um argumento persuasive pava a néo tributacio de bens intermedisnios. Uma implicacéo pritica clara desse resultado € {qe tributos cumolativos so ineficientes e devem ser substitufdos por wm imposto sabre 0 valor agregado (side Capitulo 21) ou por tributes sobre a venda final de mercadorias TRIBUTACAO OTIMA DA RENDA De acordo com © principio da capacidade de pagamento, o imposto de renda deve tributar a capacidade potencial que os individuos tém de auferir venda, contribuindo assim para melhorar a distribui¢io da venda na sociedade. Assim, a base ideal da tibutagio seria a renda potencial individual, e nfo simplesmente a renda corrente. Entretanto, a renda potencial pessoal é informacio privada dos individuos, pois depende de fatores como habilidade produtiva, que 0 governo nio observa. Ao mesmo tempo, na medida em que essa informacéo influencia o montante a pagar do imposto, os individuos nao tém incentivo para reveli-la. Por sua ver, como j4 mencionado neste capitulo, a imposi¢io de um imposto sobre a rendu efetivamente auferida pelos individuos ~ que 0 governo pode observar ~ gera distorgoes sobre ‘a oferta de trabalho, provocando perdas de eficiéncia na economia. ‘A teoria da tributagao da renda analisa como 0s critérios de eqitidade e eficiéncia deter- minam a estrutura 6tima do imposto sobre a renda, O trabalho seminal nessa area ¢ Mirrlees."* Como observa Myles," antes do trabalho de Mirrlees, nao existia nenhuma andlise formal da estrutura 6tima do imposto de renda que levasse em consideragio, simultancamente, 0 conflito entre eqilidade ¢ eficiéncia decorrente da tributagio. O aspecto crucial da contribuigio de Mirrlees foi mostrar que, como a capacidade potencial dos individuos de obter renda é uma caracteristica nao observada pelo governo, o problema do imposto de renda étimo deve incorporar explicitamente a restrigéo de compatibilidade de incentivo, ou seja, 0 imposto 6timo deve ser compativel com os incentivos existentes de revelagio de preferéncias por parte dos individuos.!® ponto de partida da andlise de Mirrlees é a hipétese de que na situacio inicial, anterior a imposigZo do imposto, 0 equilibrio € caracterizado por uma desigualdade (vide Capitulo 5) de renda devido ao fato de que 0s individuos diferem entre si quanto A capacidade de auferit yenda do trabalho. A motivacio da tributacio é promover um maior grau de eqitidade na dis tribuicao de renda, No entanto, dado que o tinico instrumento wibutario disponfvel ao governo & um imposto baseado na renda observada, a tributagao gera desincentivos sobre a oferta de trabalho dos individuos, afetando as condigdes de eficiéncia da economia. Mirrlees sup6s ainda que o governo pode escolher uma estrutura nao-linear para o imposto de renda, com quotas marginais diferentes para diferentes niveis de rendimentos."* * Mivlees (1971. " myles (1995). ‘Seo governo pudesse observa as babilidades individuais, imposto de renda seria wim imposto do tipo dup sa, pois seria baseaddo cm uma caracteristia inalterdvel do individuo * aliquots de renda nioinciy, aaliquota manginal que incide sobre um determinaclo contribuinte depende di (axa d ‘em que ele se marginal 6 aqueln que incidird sobre o real adicional que o contribuinte receber: No caso de win imsposte nd ELSEVIER “Aestrutura do imposto é escolhida para maximizar o bei social. Essa maximizacag deve satisfazer duas condig6es. A primeira € que o imposto de renda arrecade a receita requeridg pelo governo. A segunda condigio que deve ser satisfeita é a chamada restri¢ao de compat. bilidade de incentivos, que diz. que © governo deve propor uma forma para o imposto de renda que nfo gere incentivos para os individuos falsearem suas capacidades de gerar renda, Caso os individuos mais habeis percebam que podem alcangar um nivel de utilidade maior / imitando individuos menos habeis, isto é, fazendo-se passar por individuos menos produtivos, | eles modificardo seus comportamentos nesse sentido, e, como resultado, 0 imposto no serg Stimo. O governo, portanto, tem de calibrar o imposto de renda de maneira a arrecadar mais dos individuos mais produtivos, mas ainda assim fazendo-os alcangar um nivel de utilidade superior aos de individuos menos produtivos. Devido a presenga de néo- inearidades, a andlise do modelo de Mirrlees é tecnicamente dificil, mas, como sugere Heady," uma idéia de seu funcionamento basico pode ser obtida, considerando as conseqiéncias de um aumento na aliquota marginal do imposto sobre um pequeno intervalo de renda, mantendo-se todas as outras alfquotas marginals constantes. ‘Tal mudanga nao afetara as pessoas com renda abaixo do intervalo em questao. Para as pessoas com rendimentos dentro do intervalo, haverd um efeito renda ¢ um efeito substituicéo. A redugao da renda gera incentives para as pessoas aumentarem a oferta de wabalho, visando a manter 0 mesmo nivel de consumo, No entanto, dado que a aliquota aumentada se aplica apenas a uma pequena parte dos rendimentos, 0 efeito renda sera relativamente pequeno, Por outro lado, em razio da redugio do salirio marginal, o efeito substituiggo tende a reduzir a oferta de trabalho, sendo em geral maior do que o efeito renda, Portanto, as pessoas desse grupo provavelmente reduzirao oferta de trabalho ¢ pagarao menos imposto. Para as pessoas com renda acima do intervalo, havera um aumento de tributagio, mas ndo de aliquota marginal, gerando apenas um efeito renda, que tende a aumentar a oferta de trabalho e conseqiien- temente o pagamento de imposto. De uma forma geral, 0 cfeito liquide do aumento da aliquota sobre 0 bem-estar social depende de quatro fatores: +A clasticidade compensada da oferta de trabalho: dado que essa elasticidade determina 0 efeito substituigio, quanto maior ela for, mais provavel € que o efeito liquido sobre a receita arrecadlada seja pequeno ow negativo, reduzindo a chance de o aumento do im- posto aumentar o bem-estar social.!* * O grau de preocupagiio com eqitidade embutido na funcio de bem-estar social: quanto maior 6 a preocupagio com eqitidade, menor é o peso relative atribufdo as variagées de utilidade dos individuos que perdem com o aumento do imposto, aumentando a chance de o aumento do imposto aumentar o bem-estar social, © O grau de desigualdade na distribuigao de renda: quanto naior a desigualdade de renda, maior a diferenga entre as rendas dos que perdem com o aumento da aliquota e daqueles que esto abaixo do intervalo considerado e, portanto, menor © peso relativo que deve ser atribuido as perdas dos primeiros, aumentando a chance do aumento de 0 imposto aumentar o bem-estar social "ready (1990, * | elasticidade compensada da oferta de trabalho mede a sensibilidade da oferta de trabalho a variagées no salério nivel de bem-estar social. Nesse caso, a elasticidade reflete apenas 0 efeito substiui¢ao decorremte da variagio do ; prego relativo do trabalho. : i | _Troms pa remuracho dana 183 # A proporcéo da populagio acima do intervalo caja alfquota marginal foi aumentada: quanto maior é essa proporgio, maior é a receita extra arrecadada, aumentando a chance de o aumento do imposto aumentar o bem-estar social, Jo do tiltimo fator é que a alfquota marginal de imposto para a pessoa com renda mais alta deve ser zero, Isso porque uma alfquota marginal positiva para ‘sa pessoa teria apenas o efeito de desencorajé-la a aumentar sua oferta de trabalho, sem ge- tar nenhnma arrecadagio extra, Em outras palavras, se a alfquota marginal incidente sobre a unidade adicional de renda € igual a zero, € razoavel supor que o individuo decidira por au- jnentar sua oferta de trabalho e auferir a renda extra, Nesse caso, o individuo tera o seu bem- tatar aumentado, Como nfo hé alteragfo nem na receita tributiia arrecadada pelo governo nem nas utilidades dos outros individuos, o bem-estar social € aumentado. » principal resultado do modelo de Mirrlees, que indica que a estrutura 6tima de imposto de renda deve ter uma alfquota marginal zero para a pessoa com maior capacidade de aulerir renda, Ressalte-se que esse resultado é valido apenas para o individuo de renda mais alta e nfo diz nada sobre a magnitude das alfquotas a serem aplicadas aos demais conti- Duintes. Apesar de sua relevancia pratica imediata ser limitada, o resultado de Mirvlecs tem merecido grande destaque na literatura devido ao fato de questionar a crenga comum de que Objetivos redistributivos implicam aliquotas maxginais crescentes ao longo da distribuigio de renda ‘Como no caso da tributagéo do consumo, a andlise te6rica da tibutagio da renda nio oferece uma visio totalmente transparente do nivel 6timo das aliquotas tributarias. Isso s6 pode ser obtido através de resultados numéricos. O proprio Mirrlees calculou a estrutura tributaria étima para alguns exemplos numéricos especificos, porém 0 estudo numérico que se tornou classico é Stern," que usa a mesma estrutura basica do modelo de Mirrlees, mas se baseia em formas funcionais e pardmetros mais realistas. O resultado pratico mais importante dessas andlises numeéricas € que o sistema tributério dtimo tem uma alfquota marginal razoa- velmente constante, ou seja, em uma primeira aproximagio, a estrutura tributaria otima € hing Note que uma implic ‘Um imposto de renda linear pode ser caracterizado por uma transferéncia lump sum ‘uniforme para todas as familias ¢ uma aliquota marginal constante de imposto. Portanto, um aspecto importante do imposto de renda linear € que todas as pessoas abaixo de wm dado nivel de renda recebem uma transferéncia Kguida do governo, Em outras palavras, o sistema incoxpora um imposto de renda negativo."” E importante perceber que tal imposto de renda 6 significativamente redistributivo, pois, enquanto a alfquota marginal de imposto permanece constante, a aliquota média é negativa para familias de baixa renda, devido a transferéncia."* Cabe notar que o nfvel Gtimo da alfquota marginal depende do montante de receita requerido pelo governo para financiar seus gastos, incluindo as transferéncias lump sum para as familias. Todavia, Stern mostra que h4 circunstncias em que o feito sobre a receita de aumentar a aliquota pode ser negativo. As acées dos individuos no sentido de reduzir 0 imposto que pagam impéem limites ao tamanho da aliquota, independentemente do grau de preocupa- go do governo com desigualdade. Esse limite depende crucialmente do valor da elasticidade compensada da oferta de trabalho. ™ stern (1976) Um estudo empirico recente para os Bstados Unidos (Gruber fe Saez, 2002) sugere que a estrutara tributéria 6tima combina transferéncias fortemente focalzadas para convibuintes de baixa venda com uma estrutura de ‘iquota marginal unifurme ow mesmo decresente para conisibuintes de venda média ¢ alt, Ksse resultado € pawacdo em estimativas de elasticidades que indicam que a capaeidacde de responder & wibutagio é concentrada nos ontsibuintes de rena mus alta, * aliquota média é yelacio entre o montante de imposto pa o pelo contribuinte ¢ a sua renda eR POI No Hast, : ELSEVIER ‘TRIBUTACAO OTIMA DE MERCADORIAS NA PRESENCA DE TRIBUTAGAO DA RENDA O modelo de tributagio étima de mercadorias apresentado anteriormente neste capitulo. SuPOE que impostos sobre bens ¢ servigos sio os nicos instrumentos tibutétios A disposighe do governo. Utilizando um arcabougo analitico mais geral, pode-se demonstrar que a presenga de um imposto de venda tem uma iniluéncia crucial sobre 0 grau dtimo de difcrenciagho da alfquotas na tributagao de mercadorias. De fato, hé um resultado cléssico na teoria da tributagio Gtima que indica que, na presenca de um imposto de renda néo-linear, se os bens ¢ 0 tron trabalho so separdveis, um tributo uniforme sobre mercadorias é otimo. Isso oco porque toda redistribuigao possivel & promovida pelo imposto de renda, € nio hd como a tr ‘ibutacio seletiva de mercadorias melhorar a eqilidade ou a eficiéncia do sistema, Devese ressaltar a importancia da hipdtese de separabilidade entre bens ¢ trabalho ara derivacao desse resultado. Separabilidade significa que a taxa manginal de substituigho entre qualquer par de bens é independente da oferta de trabalho ~ em outras palavras, as escolhas de consumo dos individuos niio dependem de suas dlecisbes quanto.ao nivelde tabelhes due ofertam. Nesse caso, portanto, a tributagio seletiva de bens € servigos nao é capaz de redurir as distorgbes na oferta de trabalho induidas pelo imposto de renda, No entretanto, na auséncia de separabilidade, seria possivel incentivar os individuos a tabalhar mais ao tributar bens que sao substitutos em relagao ao trabalho ¢ subsidiando aqueles que séo comple- mentares. Deaton ¢ Stern" mostraram que, se o governo pode realizar transferén hump sum aue variam com certas caracteristicas observaveis das familias, entdo o resultado de uniformidade prevalece, mesmo quando apenas um imposto de renda do tipo linear esta dispontvel. Estudos empiricos também oferecem evidencia de que 0 papel reutisuibative da tibutagio de mercadorias é significativamente reduzido na presenca de transferéncias Jump sum para as familias. Esses resultados sngerem que wansferéncias diretas so instrumentos mais eficientes para a consecucio de objetivos distributivos do que a wibutagio nao uniforme de mercadorias, UMA APLICACAO ILUSTRATIVA Esta segio procura ilustrar os procedimentos envolvidos na implementacio empirica de um modelo de tibutacio dtima de mercadorias e, a0 mesmo tempo, dar ume idcia da Gtrutura de aliquotas resultante da parametrizagio de tal modelo a partir de dados para o Brasil. Por motivos de didatica, o modelo seré mantido tio simples quanto passivel © primeiro passo para especificar um modelo numérico de tributagdo Gtima é definir a forma da funcio de bem-estar socal. Seguinclo o procedimento utlizado na maioria dosestudos, a fungio de bem-estar social adotada em nossa aplicagio & aquela proposta por Atkinson que pode ser escrita como: Ww ma Devs para e 4 J 2 Deaton & Stem (1986) 2, Ver Siqueira (1998) ¢ Asano, Barbosa & Fiuza (2004), * Atkinson (1970), i | — 5 Te See __Bionts va rumuracio Grima ~ 185 w=> log v" para c= (8) em que € € um parametro representando o grau de aversio A desigualdade. Quando 2 = 0, a equacéo (13) corresponde a fancao de bem-estar social “utilitarista”, que atribui pesos iguais as variagdes de utilidade de todos os individuos. Quando ¢ > 0, pesos maiores sto atribuidos as variagdes de utilidade dos individuos com menor utilidade. Nesse caso, portanto, a fungio de bem-estar social incorpora aversio & desigualdade de utilidade, sendo que essa aversio aumenta a medida que aumenta o valor escolhido para & Quando ese aproxima do infinito, o grau de aversao a desigualdade se torna tao forte que apenas a utilidade do individuo mais pobre é relevante na funcao de bem-estar social, representando a visio proposta por Rawls.” O segundo passo na implementagio de um modelo de tributacio otima de mereadorias é especificar a funco utilidade dos consumidores ¢ as correspondentes equagées de demanda. Para simplificar, supomos que as preferéncias das familias sio do tipo Cobb-Douglas, de forma que as equacées de demanda € a fungao utilidade indireta podem ser escritas respectivamente como: (WY)/p, 4 = Ay (14) (15) Vip,¥ ) Yy TT" em que w, 6 a parcela orcamentaria do bem i? Nessa aplicagio as familias so classificadas em dez grupos de acordo com o nivel de renda mensal."’ Todas as familias dentro de um mesmo grupo de renda sao consideradas idénticas, de forma que thes sio atribuidas as mesmas preferéncias. Os bens € os servigos consumidos pelas familias so classificados em dex grandes categorias, a saber: alimentagio, habitacdo, vestudrio, transporte, higiene pessoal, satide, educagao (vide Capitulo 21), recreagio, fumo e despesas diversas. As parcelas orcamentarias para cada uma dessas categorias de bens ¢ para cada grupo de famntlia, bem como os dados de renda das familias, foram obtidos da Pesquisa de Orcamentos Familiares ~ POF de 1995/96 (IBGE, 1997), A receita requerida pelo governo foi fixada em 16% do total de despesas das famfias ~ percentual que representa a carga tibutaria média incidente sobre o consumo das familias estimada em Siqueira, Nogueira ¢ Souza.” Os precos do produtor (que aqui so iguais aos pregos pré-tributagio) sao normalizados como sendo iguais a um * Para uma apresentagzo de diferentes tipos de funcio de bem-estar social, inclusive a tilitaristae a rawlsiana, ver ‘Yarian (1999, Capitulo $0), ‘Na fluncio wtlidade (15), a “venda neal” & ‘expressa como finngio da renda deilacionada por um indice de prego, Esse tltimo é caleulado como a iétrica ponderada dos precos, com as parcelas orgamentivias w, sendo usidas como pesos “' pnimeire grupo consiste em familias com renda mensal até dois salérios minimos e 0 décimo grupo consiate em, fiundlias com renda acima de 90 salfrios minimos. *'Siqueiva, Nogueira & Souza (2000). uilizada como um indieador de bem-estar, com a ublidade sendo dia yoo Substiturindo as formas funcionais ¢ os parimetros mencionados nesta seco no problema dee maximizagio deserito em (12), podemos ealcular as aliquotas tributérias étimas pars diferentes valores do pardmeto de ave 10.1 1840 a desigualdade e, as quais so mostradas na Tabela Tabela 10.1: Aliquotas étimas para diferentes niveis de aversio a desigualdade (%) Categoria de bens Aversio & desigualdade (©) 05 Alimemtagiio 78 Habitagio 169 Vesuirio ‘Transporte Higiene pessoal Satide Educagio Recreagio Furno Diversos Nota: Célculo dos proprios autores. serva-se que, quando ha uma atitude de quase neutralidade com relagio a desigualdade 0,1), a estrutura tributitia 6tima é aproximadamente uniforme, com aliquotas levemente ‘ais baixas apenas para as categorias alimentagao e fumo. Tal resultado nio € surpreendente, pois, heste exemplo, a estrutura dtima de aliquotas seria uniforme se houvesse total ausoncia de preocupacio com desigualdade. Isso porque, como nesse modelo nao existe poupance, a tributacio uniforme de todos os bens ¢ servigos € equivalente a um imposto sobre a rend das familias. Dado que aqui estamos supondo que a renda de cada faunflia é fixa (ndo existindo éscolha entre consumo ¢ lazer), um imposto uniforme sobre mercadorias € cquivalente a um imposto lump sun, Para niveis mais altos de aversto A desigualdade, a diferenciagio de alfquotas entre es diversas categorias de bens é bem mais forte. Em especial, para € = 2,0, os impostor sobre alimentagio ¢ sobre fumo so substituidos por um subsidio. Um aspecto desses resultados gue chama a atengio é o subsidio para o fimo, Isso apenas reflete 0 fato de que as familias pertencentes as classes de renda mais baixa gastam proporcionalmente mais com o consumo de fumo do que as famitias de classes de renda mais alta. Como 6 modelo utilizado € indivi Gualista, ele ignora as externalidades negativas (vide Capitulo 2) associadas ao consumo do fumo, com base nas quais, na pritica, geralmente se impBem pesados tributos sobre o consumo desse bem. Levando isso em conta, os resultados da Tabela 10.1 sugerem que, no Brasil, o inn, acto resdistributivo da wibutagio de mereadorias niio depende da existéncia de um grande nimero de aliquotas, mas, findamentalmente, da desoneracio de produios da alimentagio Cabe lembrar que o modelo aqui considerado supée que a tributacio de mercadorias € o nico instrumento distributive a disposicao do governo. Como ji mencionado, quando € per mitido ao governo usar parte das receitas tributérias para financiar translevéncias divetas Para as familias, 0 papel redistributivo dos tributos sobre o consumo € reduzido, mesmo quando hé forte aversioa desigualdade. Isso pode ser observado em Siqueira ¢ Asano, Barbosa € Fluza,** que estimam aliquotas étimas sobre mercadlotias para 0 Brasil com base em modelos Siqueira (1998), Asano, Barbosa & Fiuza (2004), : _ Thoms ps ramvracio Gra — 187 que admitem & presenga de tansferéncias lump sum € utilizam especilicagées mais gerais ¢ flexiveis (do que a fungio Cobb-Douglas) para representar as preferéncias dos consumidores CONCLUSAO Este capitulo procurou apresentar 0 arcabougo bisico da tcoria da tibutagio étima, mostrar seus principais resultados e dar uma idéia dos procedimentos ¢ estimativas associados 3 implementacio empirica de um modelo classico de tributagio étima de mercadorias, Uma liao geral que emerge dessa literatura é que a estratura wibutaria étima influenciada pelas civcunstincias especificas de cada pats. Em particular, os resultados te6ricos ¢ empiricos indicam que o sistema tributario dtimo depende crucialmente de tres fatores basicos, a saber + O conjunto de instruments fiscais & disposicio do governo, + A estmutura de preferéncias das familias. + Os pesos sociais atribufdos ao bem-estar dos diferentes individuos na sociedade. Outra conclusio geral que pode ser derivada da teoria da tributagio étima é que, devido a0 conilito entre 0s beneficios redistributivos e os problemas de incentivos gerados pelos (ri- butos, a estrutura tributdria 6tima geralmente ndo é caracterizada por uma multiplicidade de aliquotas. Isso sugere que nao ha conilito inerente entre otimizagao tedrica, conveniéncia ad~ ministrativa ¢ recomendagdes baseadas em argumentos de economia politica, Ressalte-se que esses dois titimos tipos de consideragdes também favorecem a simplificagao do sistema tri- butirio, de forma a reduzir os custos de arrecadacao e fiscalizagio, bem como as oportuni- dades para pressées de grupos organizados por tratamento tributario diferenciado. Tributagao do consumo il 1 no Brasil: aspectos teéricos e aplicados Maria da Conceicio UnB SUMARIO © capitulo analisa os impostos sobre 9 consumo em ias diversas variagdes: impostos camulativos, impostos sobre o valor agregado, impostos dos bens de capital e impostos seletivos, incluindo, também, dois métodos de computacao do IVA. Analisa os aspectos de eficiéncia e eqitidade na tributacgao do consumo. Analisa tal tributagio para o caso do Brasil] com o IPI, ICMS e ISS, através do cAlculo da aliquota cfetiva ¢ agregada desses impostos. PALAVRAS-CHAVE Imposto cumulativo; imposto sobre o valor agregado (IVA); imposto seletivo; IPT; ICMS; 188; tributagao do consumo. INTRODUGAO Os impostos sobre 0 consumo representam, particularmente nos paises em desen- volvimento, uma parcela substancial da arrecadacéo total. Até recentemente, a predomindincia dese tipo de uibutacao era considerada uma das caracteristicas do subdesenvolvimento; espe rava-se, assim, que a parccla da receita arrecadada por meio da tributagao do consumo se reduziria 20 longo do processo de crescimento econdmico, sendo substitufda pela tributagio da renda. No entanto, estudos recentes tém consistentemente apontado para a inversdo dessa tendéncia ¢ contribufdo para redesenhar © papel da tributacio indireta, Ao demonstrarem que a tributagio da renda, a longo prazo, reduz as perspectivas de crescimento da economia, esses trabalhos enfatizam as vantagens de se taxar 0 consumo em vez da renda.! Isso porque impostos sobre © consumo podem contribuir para expandir a poupanca na Criticos da tributacao do consumo alegam a regressividade desse tipo de tribute jé que ‘a propensaio média e marginal a consumir das pessoas de baixa renda é superior a dos individuos mais ricos. Portanto, 0 Onus fiscal € menor para os grupos mais ricos porque recai somente ' Ver a esse respeito, Bird (1987), Browning (1978), (1981), Milesi-Ferreir & Roubini (1995), denize outros ee ca 7 ______Damuracdo no consumo no Haast: asrvcros 170utcos :aruzexnos — 169 sobre parte da renda, jf que & poupanga nao é afetada pela tributagio do consumo, Porm dese argumento, que constitui o maior empecilho 20 uso cla tributacio do consumo em p de baixa renda, tem sido amplamente questionado, Estuclos recentes mostraram que, em presenca de fortes disparidades de renda, um desenho apropriado da wibutacio indireta pode aumentar 6 5 de bem-estar, contribuinds, assim, para reduziv as desigualdades* Je acordo com esses autores, a imposicao de aliquotas progressivas, combinadas com un nivel de isenco, pode fazer com que a carga fiscal associada a tibutagio do consumo leve em conta a capacidade de pagamento do contribuinte. Em intmeros paises, a experiéncia de implementar essa estrutura progressiva por meio do imposto sobre o valor agregado tem sido hem-sucedida. Por fim, a ributacio sobre o consumo desempenha um papel importante na correcio de externalidades (vide Capitulo 2) © possui custos administrativos relativamente baixos, reduzindo, assim, o risco de evasio € elisio fiscal. es IMPOSTOS SOBRE 0 CONSUMO: UMA VISAO GERAL As formas mais usadas de implementaciio de impostos sobre 0 consumo sao 05 impostos cumulativos (ou em cascata), 0s impostos sobre 0 valor agregado e os impostos seletivos. Por ‘essa razio, na seco seguinte, examinaremos, detalhadamente, esses impostos bem como seus impactos econdmicos. Ampostos cumulativos (em cascata) 0s impostos cumulativos, também conhecidos como impostos em cascata, aplicam-se a0 faturamento e, portanto, incluem todos os estigios do processo produtivo. Como esse tipo de imposto implica tributagio mikipla, ele conduz a uma excessiva verticalizagio da produgao, ‘A comutatividade desse tributo, isto é, 0 grau em que ele é repassado para o consumidor, depende das condig&es de mercado, sumariadas pelas elasticidades-progo da oferta © da demanda, do grau de piramidizacio dos pregos, da relagio entre os insumos tributiivels € ndo-tributiveis e do niimero de estigios do processo produtivo. Podemos ilustrar a scinda a esse tipo de tributo utilizando um modelo simples. Supondo-se que todos os insumos sio tributados, nesse modelo, os precos variam de acordo com a seguinte expresso: p=A(l+ar), com 0Sa SI, A>0 a) onde p € igual ao preco do produto € A representa o custo dos insumos, excluindo-se os impostos. O coeficiente a, que varia entre 0 c 1, indica a parcela da tributagio repassada para os estigios subseqiientes € €a alfquota tributétia, Entio, quando = 0=> p= A. Nao ocorre, portanto, repasse do imposto. Porém, se «= 1=> p=A t +7) a tributagio sera totalmente Ibseqiiente. Dessa forma, variando-se &, € poss{vel encontrar todos repassada para 0 estiigio s 08 casos intermediarios, Podemos agora reescrever a equacio (1) para o primeiro estagio do proces Supondo-se que 0: ¢ igual a unidade ¢ definindo-se 0 parametro A pela expressio: 0 produtivo. A=K, (+8) @ onde K, € 0 custo do insumos a pregos basicos (excluindo-se impostos € margens comerciais) e 6, corresponde & margem de mark-up, aplicada no estigio 1. Podemos, entéo, para esse estagio, reescrever a expressio (1) como: Para uma discussio sobre essa questio ver, por exemplo, Ahmad & Steyn (1984), Sa mpaio de Sousa (1996). | | | | 190 — Economia no Snrox Puntico No Basse. VER py =(140)) K, (14+6,) 8) De forma andloga, no segundo estigio, 0 prego produtor € igual a P= (14%) K, (1+6,) a) Nese modelo, no segundo estigio, o produitor compra seus insumos a0 prego p, Portanto, o custo unitério dos seus insumos ¢ igual ap, e K, = p,. Usando a equacao (3) em (4, © preco no segundo estigio, py, pode ser reescrito como: 1¥,)(1+2,)(145,)(14+6,) K, (6) Essa equagao ¢ generalizavel p: igios de produc #, Yepresenta o prego produtor apds n estigios de produgio ¢ p'ndenota o prego antes do imposto, podemos mensurar 0 grau de cascata como: pn _(1#t))(142,)(147,)..(1+7,) (143) (143,)K, an pn (1465,)(15,)(+8,) 0083, ) 7 Ou ainda: Ce (Ga) Ha (ls )(l4r aller.) 6a) Supondo-se que a aliquota € uniforme, de forma que t, toma, ent . = T,, essa expresso se pn . faa 7) v(t) ¢ Entio, com n = 3 estagios de produgio ¢ + = 0, 10, 0 grau de ca PR = (140,10) = pin Portanto, um imposto em cascata, implementado & aliquota de 10%, quando existem apenas trés estigios no processo de produgao € distribui¢io, equivale a um imposto cuja aliquota € 85%, portanto, mais de és vezes a aliquota inicial. Note-se, porém, que se trata de um limite superior, ja que estamos supondo que todos os insumos sio tributados € 0 tributo é totalmente repassado para o estigio subseqtiente. ata & igual a 33 (8) Impostos sobre o valor agregado Amalmente, na grande maioria dos paises, 0 consumo passow a ser tributado por meio de um imposto sobre o valor agregado, que substituiu o imposto cumulativo sobre as vendas. a substituicéo, considerada uma das mais importantes inovacdes dos sistemas tributarios contemporaneos, encontra-se na base da maioria das reformas tributdrias (vide Capitulo 16) bem-sucedidas. Na andlise do imposto sobre o valor agregado (IVA), as questoes importantes relativas ao desenho desse tributo inchiem 0 estudo de suas variantes (IVA-Produto, TVA- Renda ¢ 1VA-Consumo), os prineipios de implementacio dessas variantes (origem e destino) bem como a relacio existente entre elas, A segu detathes. Os principais tipos de IVA séo 0 TVA-P (IVA-Produto), 6 IVA-R (IVA-Renda) e 0 [VA-C (IVA-Consumo), cujas bases sfio, respectivamente, a producio, a renda ¢ o consuino. Cada cS pontos serao examinados em mais AsrEcros reORKCOS| wiscapos~ 191 uma dessas variantes pode ser implementada de acordo com dois prineipios: o principio de origem eo principio de destino. O IVA pode, ainda, scr implementado usando-se dois métodos de calculo: © método da nota-crédito (credit invoice) © 6 método de subtracao. Outras questoes mportantes relacionadas ao IVA sio 0 mimero de aliquotas, a existéncia de aliquota zero e as jsencdes concedidas a determinados produtos A relagio entre as diferentes variantes do IVA pode ser compreendida anal agregados da renda e da despesa, nas contas nacionais: ando-se os PIB C+14G, + Gy +(X~M) @) onde Gy éa despesa do governo com salarios. A renda interna bruta es rreve-se como: RIB=V+D (10) onde V corresponde ao valor agregado ¢ D é a depreciagao. A ignaldade entre a renda e a despesa advém da identidade bisica das contas nacionais: PIB RIB ap Note-se que a equactio (8) pode ser avaliada tanto a custo de fatores quanto a preco de mercado (incluindo-se 0s impostos indixetos menos os subsidios). Variantes do imposto sobre o valor agregado DAPRODUTO Quando implementado com base no principio de origem, o IVA-P tributa todas as despesas, exceto as despesas do governo com salirios (G,), que, claramente, nao representam, uma base adequada para o IVA, ja que ele é definido como wm imposto sobre o consumo. Esse tributo nao deve, pois, onerar a renda dos servidores puiblicos, inchuida nas despesas puiblicas em virtude das convengées que regem as contas nacionais. Implementado pelo principio de destino, 0 IVA wibuia 0 PIB, ajustado pela balanca comercial (XM). Utilizanclo-se o principio de origem, entao, as exportacées, sendo de origem Coméstica, so tributadas, enquanto as importacdes, originadas no resto do mundo, sao isentas. Nesse caso, a base do IVA-P € simplesmente a soma de todas as despesas, excluindo-se G,: Base do IVA-P = PIB~Gy, +G, 414 X=M (12) IVA-RENDA Um imposto do tipo 1VA, quando aplicado sobre a renda, exch a depreciacéo, ji que @ssa variavel ndo representa investimentos adicionais, mas destina-se apenas a substituir o capital investido. Portanto, da dtica da renda, as despesas com depreciagdo ndo geram rendi- mentos liquidos, contribuindo somente para garantir a manutencéo dos atuais niveis de renda. Por essa razito, a base do [VA-Renda inchii o investimento Iiquido, ao invés de tributar o in. Yestimento bruto, como no caso do IVA-Produto: Base do IVA-Renda: PIB~G, ~ D +(1-D)+G.+(X-M) (a3) Combinando as expresses (2) ¢ (8), a base do IVA-Renda pode ser expressa pela equa- cdo (8): 192 ~ Reowonta po Serox Périco vo Buss RIB~Gy ~D PIB-D~Gy RIB~Gy = D=V+D~D-G, RIB~G, -D=V-Gy Base do IVA-Renda: RIB~Gy ~D=V ~Gy (4) Essa expressio indica que a base do IVA-Renda € simplesmente a soma da renda dos fatores (V), excluindo-se G,, IVA-CONSUMO No IVA‘G, prevalece a visio de que os bens de capital nao representam uma base apropriada para um imposto sobre o consumo, jé que aumentam o estoque de capital ¢ con, inibuem para expandit a produgio, Portanto, de acordo com essa visio, esses hens nio devon Gompor a base tributaria do TVA, Assim, a base tributdria do IVA-C, além de excluis « depreciacio, elimina também os gastos com bens de capitais Base do IVA-C: PIB~Gy ~1=C+G, +(X-M) (15) Podemos, agora, comparar essas trés variantes do imposto sobre o valor adicionado, Em primeiro lugar, o IVA-Produto tem a base mais ampla. Essa maior base inmplica custos

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