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A discussão sobre Teoria Política na América Latina é de extrema

importância social e pedagógica. O ensino da Ciência Política perpassa a controvérsia


entre um ensino voltado para uma perspectiva analítica e um estudo linear da história
das ideias políticas.

Preliminarmente faz-se importante ressaltar que, a América Latina trava um


embate intelectual no que se refere a afirmação do método de ensino das Teorias
Políticas nas suas universidades. É possível nitidamente observar a influência das
universidades europeias, em especial, Coimbra e Salamanca - Portugal e Espanha
respectivamente - na metodologia de estudo das Teorias Políticas.

Como é sabido, não há consenso nas Ciências Sociais. Afirmação que se


aplica também a Ciência Política. Tal possibilidade, que permite que sejam produzidas
diversas Sociologias, influencia diretamente o estudo das Teorias Políticas. Assim como
um estudo reflexivo, crítico e inovador é capaz de produzir um conhecimento de caráter
emancipatório, é notório que o mesmo conhecimento pode percorrer um sentido
inverso. Podemos citar como exemplo, o esboço de Sociologia proposto por Auguste
Comte, na França, com uma proposta de ciência de caráter conservador, preocupado
com a manutenção do “status quo” enquanto seu contemporâneo, o filósofo Karl Marx,
se apropria do mesmo conceito de ciência para propor um viés revolucionário diante da
situação de mudanças sociais drásticas que ambos, Marx e Comte, viveram.

No campo da Ciência Política não é muito diferente. Diante de uma


explosão da produção e difusão do conhecimento entre os séculos XII e XVII, através
das Academias e dos Gabinetes de Curiosidades, a Igreja Católica, em resposta, passa a
incorporar nas suas universidades um pensamento influenciado por Aristóteles e Platão
– metodologia e idealização – porém sob a ótica de São Tomás de Aquino. Assim, a
Igreja passa a produzir um conhecimento filosófico que apesar de ser travestido de
pensamentos e ideias Aristotélicas e Platônicas possui, incrustado em si, o
conservadorismo Católico.

Esse movimento, chamado de “tomismo”, e adotado pelas Universidades


Salamanca e Coimbra, tem produzido no campo da Ciência Política, um conhecimento
calcado em uma metodologia de estudo pautada mais no estudo linear das ideias
político-filosóficas, e menos em uma metodologia crítica ou analítica. A absorção dessa
metodologia das universidades europeias, tem influenciado as universidades Latino-
Americanas a produzir Ciência Política de modo semelhante. Esse não é um processo
novo; basta observar a repercussão das ideias do Positivismo de Auguste Comte no
Brasil. Ideias consideradas até mesmo ultrapassadas no país de origem de Auguste
Comte, foram tão absorvidas no Brasil que permanecem até os dias de hoje, como
podemos observar no lema de sua bandeira.

Ressalte-se que a América Latina viveu em seus últimos 40 ou 50 anos, um


momento político de ditaduras militares, de modo que não é difícil notar uma tendência
a abraçar modelos de pensamento político que sejam contrários à uma proposta onde
prevaleça a techné, ou arte como define Maquiavel.

O pensador renascentista abriu novos caminhos para o debate da ciência


política em sua época. Em um momento em que a sociedade buscava se emancipar do
domínio obscurantista da Igreja Católica, e passa a pensar no ser humano como agente
principal modificador de sua própria história, a Ciência Política segue o mesmo rumo. E
sendo a característica principal do renascimento o humanismo, as ideias de Maquiavel
humanizam a Ciência Política. Em sua principal obra, O Príncipe, o autor retrata aquela
que seria a melhor maneira, a seu ver, de preservar o poder. As relações de poder
macroscópicas e microscópicas passam a ser observadas a partir de um olhar
humanizado, real; não mais idealizado. Trata-se daquilo que é, e não daquilo que
deveria ser. A frase “Maquiavel, fingindo dar lições aos Príncipes, deu grandes lições ao
povo” creditada a Jean-Jacques Rousseau, continua atual. No tempo de Maquiavel, suas
lições sobre política, apesar de terem sido apropriadas pelos monarcas absolutistas para
construção de um Estado Absoluto poderoso, já possuíam um caráter emancipatório.
Hoje em dia não seria diferente. Maquiavel, “demonizado” pela Escolástica cristã por
representar o contraponto ao “tomismo”, e sua techné - sua arte - seriam hoje uma
reposta a política tratada como missão, uma das principais características do “tomismo”.

Como observado anteriormente, a América Latina, ao internalizar a


influência do “tomismo” em suas universidades, passa a refletir na sociedade as
consequências de tratar a política “como missão”. Pensamentos que reforçam a ideia de
“tudo ou nada”, “agora ou nunca” e dicotomias como a do “nós contra eles”, serviram
de base teórica e filosófica, como já visto, para legitimar regimes ditatoriais por todo o
continente Sul-americano. Outra consequência, não menos chocante, porém mais sutil, é
a que pode ser observada no texto Teoria Política na América Latina, ao observar “
‘importância no ensaio clássico de Sérgio Buarque, da crítica à recuperação anacrónica da Escolástica
pelo pensamento conservador, que nos anos 30 viria a alimentar um veio católico de direita ’

[Monteiro 2009]”. O “tomismo” reforça a ideia de que a “política não é para todos”,
transmite a ideia de que “só os escolhidos” ou “sinthomen, homem santo, homem
artificial, o homem sintético, homem perfeito” são aqueles aptos a exercerem a política.
Tal conceito remete aos tempos da Grécia Antiga onde a política era feita nas ágoras,
apenas para homens, gregos, atenienses, perfeitos etc. E assim como a Escolástica de
São Tomás de Aquino é uma espécie de retorno ao tempo clássico sob uma nova ótica,
o ensino da Teoria Política na América Latina parece desejar retornar a um tempo onde
somente os chamados “eruditos” tinham acesso ao ensino superior quando suas famílias
os enviavam para Europa a fim de estudarem para tornarem-se doutores.

É possível que a paródia feita da afirmação de Jacque Lacan, “... não estamos
comprometidos com uma história das ideias num possível retorno ao tema do pensamento social clássico
na América Latina, ou mesmo com uma história das ideias no “pensamento social latino- americano”,
mas sim com o vazio central do campo em que instaura, no marco da teoria política .”; faça
exatamente referência, ao falar de “vazio central”, ao fato de que a influência direta do
“tomismo” no ensino da Teoria Política não permita uma discussão de caráter inovador
e emancipatório.

Diante do que tange a uma primeira hipótese abordada, pautada no ideário


de uma linha predominante de pensamento que afeta a sociedade latino-americana,
introduziremos o conceito de autocracia o saber. Autos (por si próprio) Kratos (poder)
por definição, propusemos a análise de uma detenção do poder através das linhas de
pensamento político adotadas, e suas consequências diante do bem-estar social.
Analisando o processo por meio do qual as universidades vêm sendo transformadas e
descaracterizadas desde os anos 60/70, deixando de ser instituição social para tornar-se
uma organização, ou seja, as linhas de pensamento adotadas se encontram engessadas
desde essa época, transformando assim uma entidade como formadora de recursos e
estratégias isoladas.

Nos anos 70 as universidades tornaram-se funcionais, voltadas para a lógica


do mercado de trabalho, sendo um grande prêmio que a ditadura ofereceu a sua base
político-ideológica. Nos anos 80, foi transformada no que podemos denominar de
“universidade de resultados” com introdução até mesmo de empresas privadas
interferindo na produção acadêmica. Dos 90 até hodiernamente, adota-se várias formas,
padrões e normas intensamente alheias ao conhecimento de fato, à produção de
formações críticas e intelectuais.

A autocracia do saber se estabelece a partir da percepção da presença de


interesses de classes dominantes, tendo em vista análises históricas da perpetuação do
monopólio do conhecimento. E por isso a política tem sido produzida e utilizada de
forma “tomista” e conservadora, não dando espaço para a visão de política como arte,
que em sua essência seria mais democratizada.

Poderíamos relacionar à análise da discussão da Teoria Política na América


Latina, conceitos como o de Foucault, o panoptismo existente em nossa sociedade
contemporânea que se utiliza das Ciências Humanas como ferramenta de controle
social.

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