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14- C.

1 – Caraterização da situação (base: 2014)

Entrada em bolsa – 2007 (prémio de emissão = 186,5 milhões euros)

Resultados operacionais negativos desde 2009 (embora em 2009 os resultados líquidos fossem
positivos na sequência de operações extraordinárias não repetíveis);

Subida progressiva do peso dos Gastos Financeiros face às vendas, até atingirem quase 16% em
2014;

C.2 – Enquadramento e análise breve


Situações caraterizáveis como “overtrading e overinvestment” resultam claramente de rácios como a
rotação de ativos:
entre 2006 (ano anterior à entrada em bolsa) e 2009 (primeiro ano de resultados operacional
negativo)
Ativo aumentou cerca de 4 vezes;
Vendas aumentaram cerca de 2 vezes;
Passivo aumentou cerca de 3,5 vezes;
No mesmo período os resultados operacionais passaram de positivos (20,5 milhões) para
negativos (cerca de 9,5 milhões);

O fundo de maneio positivo na maior parte dos últimos anos prova que:
mais importante que o curto prazo é a sustentabilidade no longo prazo;
um razoável gestor financeiro e/ou uma empresa fortemente endividada conseguem com relativa
facilidade, renegociar ou reestruturar a dívida (no fundo é o que muitos países fazem sistematicamente
com a sua dívida pública);

Em 2014, apesar das vendas serem cerca de 75% das vendas de 2006 (antes da entrada em bolsa) o
passivo é 2,2 vezes o passivo de 2006 e o capital é apenas 21%;

Fica também evidenciado que, mais importante que a autonomia financeira hoje, é a autonomia
financeira previsível (tendo em conta a evolução da rendibilidade); muito mais relevante do que a
autonomia de 23% em 2012 era a previsível queda (tendo em conta o historial de resultados
operacionais negativos);

Alguns rácios que poderão complementar a análise:


Passivo Total/Volume de Negócios
Passivo Remunerado/Volume de Negócios
Passivo Remunerado/EBITDA
Margem EBITDA
Gastos Financeiros/Volume de Negócios

Notas Finais (mais em jeito de “epitáfio”)


Os “casos” que aconteceram nos últimos anos, nomeadamente entre empresas cotadas ou as chamadas
“entidades de interesse público” e as perdas relevantes sofridas por muitos pequenos investidores, em
situações que nada tem a ver, pelo menos no essencial, com a crise internacional e/ou austeridade,
contribuiu fortemente para a ocorrência de elevados níveis de desconfiança face aos “mercados”,
reguladores, auditores, e conteúdo da informação financeira. Os tempos difíceis agravam o risco mas
não explicam tudo.
Claro que podemos sempre recorrer ao OLX para saber quanto vale uma empresa!
17-
Embora muito se tenha escrito sobre a importância da liquidez e os seus níveis de “razoabilidade”
ou até que ponto pode ser um fator que pode conduzir à falência, a história recente prova que
muitas empresas em situação grave de risco de insolvência (com base na generalidade dos modelos
de previsão de falências), podem apresentar um fundo de maneio positivo.
Os grupos citados no ponto anterior – Construtora do Lena (entre 2010 e 2014) apresenta na
generalidade fundo de maneio positivo e a Martifer (entre 2009 e 2014) apresenta, com uma única
exceção, fundo de maneio positivo, não obstante a degradação e os fracos níveis de autonomia
financeira.
Inevitavelmente, a renovação/reestruturação de créditos de forma sistemática levou ao atraso do
reconhecimento dos problemas, nomeadamente nas contas de algumas instituições financeiras.
Esta é uma das razões porque não consideramos como relevantes, nos modelos de previsão de
falências, indicadores de liquidez. Estes indicadores são frequentemente indicadores retardados.

Alguns rácios de diagnóstico relevantes:


• rotação de ativos;
• rendibilidade operacional dos ativos;
• efeito financeiro de alavanca;
• passivo remunerado versus EBITDA.

Claro, que, para além da visão estática, para a análise financeira é, muitas vezes, mais relevante a
compreensão da evolução e das “contradições ou incongruências” associadas (indicadores de
alarme ou red flags).
Como exemplo: Um forte crescimento do volume de negócios do ativo mas redução significativa
de resultados ou mesmo prejuízos; foi o caso da Martifer, por exemplo, com crescimento
significativo a partir de 2007 (entrada em Bolsa), mas com redução do rácio de rotação e prejuízos
operacionais a partir de 2009;
18- Causas das dificuldades – “O grande salto em frente versus as grandes fomes”

Poderão as vendas, os investimentos e o endividamento associado ser “excessivos”?

Tendo em conta os fracos níveis de capitalização e de rendibilidade/autofinanciamento


da maioria das empresas portuguesas, o aumento do investimento e vendas faz-se com
base em crédito, aumentando fortemente o risco em situações de restrição de crédito ou
subida das taxas de juro (como aconteceu no período pós crise 2007/2008).

Rácios como a rotação de ativos totais, investimentos, necessidades cíclicas fornecem um


razoável “meio auxiliar de diagnóstico” em situações de crescimento não
proporcional/não sustentado.

A Martifer (Grupo) cuja análise desenvolveremos adiante, entre 2006 (ano anterior à
entrada em bolsa) e 2009 (início do período com resultados de operação negativos antes
de gastos financeiros aumentou os seus ativos mais de quatro vezes, enquanto as vendas
aumentaram pouco mais de duas vezes.

A rotação do ativo total dá conta desta degradação, “obrigando” o analista a fazer


perguntas.

Claro que a um período fortemente expansionista seguiu-se (a partir de 2010) um período


de fortes desinvestimentos.

Claro que os desinvestimentos sobre pressão dos credores (teoria da agência) e em


situações de fortes e recorrentes prejuízos leva muitas vezes à ocorrência de grandes
prejuízos: embora a dívida diminua a sua relação com os fundos próprios (autonomia) é
cada vez mais desequilibrada.

Embora a dívida total diminua, a capacidade de a pagar reduz-se, tendo a Martifer


atingido capital próprio negativo em 2016.

Martifer (Grupo)

Relatório de 2009 – resultado líquido positivo (100 milhões de euros), sendo o


resultado de exploração (antes de gastos financeiros) negativo.
Comentário – Resultados extraordinários (não sustentáveis/repetíveis) de cerca
de 161 milhões de euros associados à venda da participação na RePower;
Mantendo as condições de exploração o resultado líquido do ano seguinte seria
previsivelmente negativo o que de facto veio a ocorrer (prejuízos de 52 milhões
de euros);

Evolução “não proporcional” – rotação do ativo total


2006 = 0,72 (antes da entrada em bolsa)
2009 = 0,36 (primeiro ano com resultados operacionais negativos)
2014 = 0,30 (após vários desinvestimentos significativos)
2016 = 0,49 (após venda do segmento solar)
Comentário – política de investimentos muito agressiva seguida de
desinvestimentos sucessivos com vários reflexos da teoria de agência. No ponto
de “chegada” (2016), uma rotação muito menos eficiente do que o ponto de
partida (2006).
O volume de negócios em 2014/2015/2016 é mais baixo que em 2006 mas os
ativos são superiores como evidencia a rotação.
Indicadores “contraditórios” – Em 2009 tal como na maior parte dos anos
anteriores, fundo de maneio positivo, liquidez geral 137%, mas … capital próprio
negativo (destruição total do valor aportado pelos acionistas e insuficiência de
ativo total para fazer face ao passivo.
Comentário – em regra, o longo prazo sobrepõe-se ao curto prazo, até porque,
como sempre referimos em vários contextos, qualquer diretor financeiro
minimamente competente (e com um montante de dívida que possa provocar
“danos” nos credores pelo reconhecimento de imparidades!!) consegue com
relativa “facilidade” resolver o problema da liquidez.
Com algumas demonstrações prospetivas e planos de reestruturação
“bemapresentados”
não é sequer difícil obter perdão de dívida ou conversão de dívida
em capital.
Claro que neste último caso de redução/anulação do passivo, “a linha que
separa” a capacidade de continuidade/sustentabilidade do fracasso, é mais uma
vez a rendibilidade operacional (e esta no caso da Martifer, é ininterruptamente
negativa desde 2009).

Ausência de normalização de conceitos e apresentação de indicadores


“soltos” e “aparentemente” (!!) positivos
ex. pág. 34 Relatório de Gestão de 2016 – liquidez geral de 137% em
2016 (contra 130% em 2015) e rácio de solvabilidade (!!) de 126%
(138% em 2015)
Comentário – mais uma vez uma situação “aparentemente” positiva encobre uma
outra de “risco” (?) de insolvência (capital próprio negativo); o fundo de maneio
positivo resulta no essencial da sucessiva renegociação de prazos do passivo
(empurrando-o “para o futuro”).
Por outro lado, são utilizados conceitos e valores de solvabilidade suscetíveis de
criar confusão (valores positivos numa empresa com capital próprio negativo e,
portanto, com riscos significativos de solvência). Por outro lado, embora as
formulações usadas em análise financeira não sejam normalizadas, este cálculo
ignora o conceito utilizado em grande parte da literatura. Mais uma vez a sugestão
de normalização (reguladores/supervisores) de conceitos mínimos.
Fica aqui a sugestão para a CMVM que, tendo definido quase até ao mais ínfimo
pormenor as comunicações dos auditores, tem aqui um papel (potencial) de
melhoria da informação/relato financeiro.

Reconciliação e explicação dos resultados por segmentos – Resultado Líquido


pág.33 do Relatório de 2016
Construções Metálicas -25.4 M €
Renováveis +0,3 M €
Solar (descontinuada) -17,8 M €
Diversos (holding, etc.) -16,9 M €
RL consolidado -59,9 M €
Comentário – Este é um procedimento corrente no relato financeiro das
empresas, deixando num “saco” comum valores relevantes que podem fazer toda
a diferença.
Numa situação extrema podem os vários segmentos ter resultados positivos, mas
… a empresa tem prejuízos.
No caso da Martifer e tendo em conta as limitações/enquadramento legal das
holdings bem como o facto de o único segmento relevante ser o das construções
metálicas, era importante a clarificação do montante não repartido pelos
segmentos operacionais.

19- Não querendo desvalorizar os modelos de muitos autores que foram tentando desbravar os
caminhos na criação de modelos de análise, o modelo de 2002 de Altman apresenta 2 rácios
frequentemente condicionados ou até manipulados. O que faz aumentar o risco de erros de previsão:

• Fundo de maneio – como foi dito no ponto anterior, a história recente demonstra que é relativamente
fácil, para os grandes devedores, renegociar prazos, taxas de juro, podendo apresentar com relativa
facilidade fundo de maneio positivo e mesmo redução de taxa média de juro;
• Capital Próprio – para além de várias possibilidades de revalorizar ativos (e, por consequência
Capital Próprio), a conversão de passivo em capital contribuirá para aumentar a autonomia financeira, a
solvabilidade, sem, contudo, afetar aquilo que é o patamar mínimo de sustentabilidade – resultado
operacional (que deverá ser positivo de forma coerente e sustentável).

A ilustrar o primeiro caso poderíamos citar mais uma vez o Grupo Martifer, com fundo de maneio
positivo na maior parte dos últimos anos, apesar de capitais próprios negativos em 2016 e resultados
operacionais negativos desde 2009. Apresentando resultados operacionais negativos
sistemáticos (ex: Martifer desde 2009)significa que, mesmo com perdão total da dívida,
continuariam a gerar prejuízos.

Como introduzir uma visão dinâmica em indicadores financeiros

Na sequência do referido no ponto anterior, a visão dinâmica/evolutiva resultará não apenas da relação
entre dois valores, mas procura avaliar a evolução histórica e projetar a evolução possível.

Mais do que avaliar uma autonomia financeira, hoje, de 40% ou 50%, importa ver qual a tendência de
resultados. A existência de prejuízos de forma sistemática permite antever uma redução provável
da autonomia financeira nos próximos anos.

Exemplo: um rácio de autonomia financeira de 30% no Grupo Martifer (2010) não pode ser analisado
sem ter em conta que o grupo apresentava pelo segundo ano resultados operacionais negativos,
permitindo antever uma provável redução de autonomia financeira no futuro. Com efeito a autonomia
financeira reduziu-se nos anos subsequentes, atingindo em 2012 o nível de 23% e em 2015 chega a
1,9% (em 2016 o capital próprio é negativo).
Um outro exemplo de análise dinâmica compara o cash-flow operacional sustentável no futuro (em
alternativa o EBITDA) com o passivo financeiro não cíclico (não recorrente). O prazo provável de
pagamento da dívida resultante desta análise será uma primeira medida de sustentabilidade.

20- Claro que a empresa tenderá frequentemente a divulgar a informação favorável, omitindo a
informação desfavorável.

Uma análise empírica de alguns relatórios de gestão permite facilmente verificar que uma empresa
com resultados líquidos operacionais negativos utilizará frequentemente o EBITDA ao longo do
relatório quando este é positivo.

Quando o resultado é positivo mas apenas devido a resultados extraordinários (não repetíveis ou
sustentáveis) tal facto será muitas vezes omitido ou “imerso” numa amálgama de informação.

Uma análise empírica de relatórios de empresas com prejuízos sucessivos e frequentemente com
capital próprio negativo permite verificar que, na maioria dos casos, é assumido que não está em
causa a continuidade das empresas, embora não se identifique a origem dos fundos necessários
para assegurar a continuidade das operações. Esta situação pode comprovar-se em várias
empresas cotadas com capital próprio negativo, como por exemplo a Martifer.

Algumas situações que poderão colocar em causa a continuidade (“going concern”), pelo que
deveriam ser consideradas matérias chave no relato financeiro (e não apenas nos relatórios de
auditoria):
fluxos de caixa operacionais negativos de forma continuada e /ou financiamentos obtidos
sistematicamente superiores aos empréstimos pagos;
resultados operacionais negativos continuados.

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