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BATAGINI, Caroline den Hartog
RESUMO
Este artigo tem como finalidade abordar a teoria da concepção semântica da verdade de
Alfred Tarski e a contribuição dessa à racionalidade lógica. Propõe-se assim uma revisão do
modo pelo qual Tarski encarou o problema da definição de verdade e ofereceu uma definição
que remete à concepção aristotélica de verdade sem, no entanto, admitir a concepção
metafísica na qual essa estava arraigada no pensamento do filósofo grego. Além disso, ao
desenvolver sua teoria semântica da verdade, Tarski acabou por resolver o paradoxo do
mentiroso através da exigência formal da definição que distingue a linguagem-objeto e a
metalinguagem.
Palavras-chave: Racionalidade; lógica; concepção semântica da verdade; Tarski.
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Graduanda do Bacharelado em Filosofia da Universidade Federal do ABC,
caroline.batagini@aluno.ufabc.edu.br
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INTRODUÇÃO
Não é difícil encontrar no senso comum referências à oposição comportamental entre
“lógico” e “ilógico”, sendo o primeiro cambiável à “razoável” e o segundo cambiável a
“irrazoável”. Este uso dos termos não é equivocado, uma vez que a lógica é, segundo Copi
(1978, p. 19) "o estudo dos métodos e princípios usados para distinguir o raciocínio correto do
incorreto". Assim, à medida que alguém versa no estudo da lógica, desenvolve também
métodos adequados para determinar a correção ou incorreção dos raciocínios, inclusos os
próprios, de modo que torna-se cada vez menor a probabilidade de se cometerem erros -- o
que justifica a designação comportamental por "lógico" ou "ilógico".
Ora, mas o quê é a lógica, afinal? Defini-la de modo cabal não é uma tarefa fácil, dado
que toda definição acaba por ser injusta, permitindo ora que se atribuam coisas que não
pertencem ao seu domínio, ora excluindo aspectos importantes. Entretanto, cabe aqui oferecer
ao menos uma ideia mínima: rejeitando uma definição psicologista da lógica - que a concebe
como "ciência das leis do pensamento" - é possível caracterizá-la, em contrapartida, como
ciência do raciocínio, desconsiderando aqui a maneira pela qual as pessoas raciocinam, pois
essa preocupação é do âmbito da psicologia, mas antes se a conclusão, ou ainda, se aquilo que
acreditamos é uma consequência das informações disponíveis (MORTARI, 2001, p. 6).
Segundo Copi (1978, p. 21), "o raciocínio é um gênero especial de pensamento no
qual se realizam inferências ou se derivam conclusões a partir de premissas". Menos
preocupado com as particularidades psicológicas do pensamento, ao lógico interessa
justamente o processo pelo qual se deriva das premissas uma conclusão, de modo que "... se
as premissas fornecem bases ou boas provas para a conclusão, se a afirmação da verdade das
premissas garante a afirmação de que a conclusão também é verdadeira, então o raciocínio é
correto. No caso contrário, é incorreto" (ibid.). Ora, se a preocupação central da lógica é
distinguir entre raciocínios válidos e inválidos, a filosofia da lógica, por sua vez, tem como
tarefa investigar os problemas filosóficos levantados pela lógica (HAACK, 2002, p. 25), tais
como "o que é um argumento válido?" ou "o que é uma verdade lógica?", etc.
Nesse sentido, busca-se no presente artigo destacar o mérito de Alfred Tarski em seu
feito de ter fornecido uma definição precisa da verdade em linguagens formalizadas. Para
Popper (1963, p. 249 apud. Ernzen, 2011, p. 64), "... a maior realização de Tarski, o
verdadeiro significado de sua teoria para a filosofia das ciências empíricas, é ter reabilitado a
teoria da correspondência da verdade objetivo ou absoluta, que se havia tornado suspeita.
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Propugnou o uso livre da ideia intuitiva da verdade como correspondência com os fatos". Ora,
o que está em questão na afirmação de Popper é justamente o fato de Tarski preocupa-se em
dar uma definição de verdade que seja tanto materialmente adequada quanto formalmente
correta. Segundo Haack (2002, p. 143) "a primeira dessas condições coloca limites para o
conteúdo possível, a segunda, para a forma possível de qualquer definição aceitável". A
seguir, há uma revisão dos principais aspectos da concepção semântica da verdade
apresentada por Tarski, destacando a importância das linguagens formalizadas para recuperar
a concepção clássica da verdade elaborada por Aristóteles e a descoberta da impossibilidade
da definição de verdade em linguagens semanticamente fechadas, ou ainda, naturais.
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Sobre a história da lógica, ver: MORTARI, Cesar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP, 2001,
pp. 27 – 30.
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Isso significa, no fundo, que a adequação material proposta por Tarski elimina certas
definições de verdade que não acarretam instâncias do esquema (T). A essa concepção, Tarski
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deu o nome de ‘a concepção semântica da verdade’, tal qual trata justamente da relação entre
linguagem e objetos aos quais as expressões dessa linguagem se referem. Por outro lado, os
conceitos semânticos, quando manipulados sem cuidado, podem dar origem a paradoxos e
antinomias. É por esse motivo que Tarski tem também de elaborar a correção formal em
relação à definição de verdade, i. e., a estrutura da linguagem na qual a definição de verdade
deve ser dada (ibid., p. 147). A essa linguagem – em que é possível definir a verdade – Tarski
dá o nome de ‘linguagem com uma estrutura especificada’, i.e., que contém expressões
significativas bem delimitadas, assim como uma categorização precisa das expressões que são
sentenças, axiomas e regras de inferência. Ora, logo se vê que as linguagens com essa
estrutura são as linguagens formalizadas dos sistemas de lógica dedutiva (TARSKI, 2007, pp.
165-166).
Esse critério de definição da verdade através de linguagens formalizadas fica
comprovado com a análise da “antinomia do mentiroso”: “A sentença impressa neste artigo,
p. 167, l.12, não é verdadeira” (ibid., p. 167). Ao empregar a equivalência da forma (T),
tem-se:
(i) ‘s’ é verdadeira se, e somente se, a sentença impressa neste artigo, na p. 167, l.12,
não é verdadeira.
(ii) ‘s’ é idêntica à sentença impressa neste artigo, na p. 167,l.12.
(iii) ‘s’ é verdadeira se, e somente se, ‘s’ não é verdadeira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que nos processos de dedução que concernem às inferências lógicas operadas
a partir de um conjunto de premissas obtêm-se argumentos que são ou válidos ou inválidos.
No entanto, a valoração veritativa compete às premissas, e não aos argumentos. Embora
exista, de fato, uma conexão formal entre a verdade ou falsidade das premissas e a validade ou
invalidade de um argumento, a questão da determinação da verdade ou da falsidade das
premissas sempre ficou incumbida à ciência, uma vez que as premissas podem referir-se a
qualquer tema. Assim, é corrente o pensamento de que, ao lógico, interessa apenas a estrutura
formal do argumento, não importando a concepção de verdade adotada - seja metafísica,
correspondencial, etc.
Entretanto, cabe destacar, como apontado neste artigo, que a linguagem corrente
apresenta, por vezes, aspectos acidentais ou enganosos na formulação de algumas sentenças
que obscurecem o procedimento de raciocínio lógico, fato exemplificado por paradoxos e
antinomias que culminam em uma inferência contraditória e, portanto, irracional. Nesse
sentido, Tarski se propôs a enfrentar o problema da definição verdade a fim dissolver as
antinomias que a linguagem natural coloca a si mesma, levando a cabo a concepção
aristotélica de verdade, a saber, “dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso,
enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não, é verdadeiro”.
Em seu empreendimento, Tarski buscou definir a verdade de modo a afastá-la de
concepções metafísicas e de quaisquer outras concepções existentes na realidade, mas de
maneira neutra, i.e., apenas com base em propriedades da linguagem. Nesse processo, como
apresentado anteriormente, o filósofo teve de estabelecer critérios de definição materialmente
adequados e formalmente corretos, de modo a evitar a nebulosidade envolta na tentativa de
definição da verdade em linguagens naturais, semanticamente fechadas. Os critérios para a
definição da verdade em Tarski culminaram na distinção entre dois tipos de linguagem: a
linguagem-objeto e a metalinguagem, sendo a segunda hierarquicamente superior à primeira,
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uma vez que é especificada o bastante para permitir que se definida o valor de uma sentença
da linguagem-objeto.
O que está em questão no empreendimento realizado por Tarski é a atribuição de nova
importância à linguagem formal para além daquela postulada por Frege. Tarski apresentou um
novo uso da linguagem formal para além da correção argumentativa, demonstrando a
superioridade desta em relação às linguagens naturais no que diz respeito à definição de
verdade. Além disso, a concepção semântica da verdade apresentada possibilitou a
identificação das inconsistências no raciocínio que levavam à construção de antinomias na
linguagem natural. Isso significa, de alguma maneira, que a concepção semântica da verdade
de Tarski acabou por postular que os raciocínios realizados na linguagem natural, sem o
auxílio da linguagem formalizada, culminam em inconsistências lógicas.
Posteriormente, a teoria da verdade de Tarski foi interpretada de duas maneiras: uma
mais condizente à sua própria concepção, isto é, de maneira neutra e indiferente em relação
aos fatos reais, de modo que as definições veritativas aplicam-se apenas às sentenças de uma
linguagem formal; outra que a aproxima da teoria da verdade por correspondência e pretende
expandir seu campo de aplicação; é o caso, por exemplo, de Popper que concebeu que a teoria
de Tarski oferecia uma explicação objetiva à verdade aspirada pela ciência, ainda que, para
tanto, tivesse de admitir a aplicação da teoria de Tarski às linguagens naturais nas quais as
teorias científicas são expressas. Embora seja evidente que a segunda concepção foge às
intenções postuladas por Tarski a respeito de sua teoria, é inegável que ela é extremamente
profícua. A tomada da concepção semântica da verdade de Tarski não apenas abriu novos
horizontes a respeito da aplicação das linguagens formais e permitiu avanços ao raciocínio
lógico como sua interpretação “não ortodoxa”, por assim dizer, permitiu que novos capítulos
fossem inscritos na História da Filosofia à luz de sua inspiração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COPI, Irving M. Introdução à Lógica. Trad. de Álvaro Cabral. 2ªed. São Paulo: Mestre Jou,
1978.
ERNZEN, Alexandre K. A noção de Verdade no Sistema Popperiano. In. Anais do VII
Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFACar, 2011, pp. 61-68. Disponível em:
http://www.ufscar.br/~semppgfil/wp-content/uploads/2012/05/alexandreernzen.pdf (último
acesso em 24 de abril de 2018).
HAACK, Susan. Filosofia das Lógicas. Trad. de Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de
Araújo Dutra. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
MORTARI, Cezar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
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TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verdade. Trad. de Celso Braida … [et al.].
Mortari, C. A./Dutra, L.H. de A. (orgs.). São Paulo: Editora UNESP, 2007.