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2005 International Nuclear Atlantic Conference - INAC 2005

Santos, SP, Brazil, August 28 to September 2, 2005


ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA NUCLEAR - ABEN
ISBN: 85-99141-01-5

EFEITO DA FALTA DE PENETRAÇÃO EM JUNTAS SOLDADAS NA


RESISTÊNCIA À PROPAGAÇÃO DE TRINCA DE FADIGA EM AÇO
RESISTENTE À CORROSÃO ATMOSFÉRICA

Geraldo de Paula Martins1, Carlos Alberto Cimini Jr.2 e Leonardo Barbosa Godefroid3
1
Serviços de Integridade Estrutural – Centro de Desenvolvimento da tecnologia Nuclear – CDTN/CNEN
Rua Professor Mário Werneck, s/n
30123-970 Belo Horizonte, MG
gpmn@cdtn.br
2
Departamento de Engenharia Mecânica (Demec / UFMG)
Belo Horizonte, MG
30123-970 Belo Horizonte, MG
cimini@demec.ufmg.br

3 Departamento de Metalurgia (UFOP - MG)


05508-000 Ouro Preto, MG
leonardo@demet.em.ufop.br

RESUMO

O processo de soldagem pode introduzir descontinuidades na junta soldada, tais como falta de fusão, falta de
penetração, porosidade, entre outros. Tais descontinuidades podem comprometer a estrutura ou componente,
com relação à resistência à propagação de trincas. Esse comprometimento pode ser estudado por meio de
ensaios de propagação de trinca de fadiga. Através desses ensaios, pode-se avaliar a eficiência da estrutura
quando submetida a um carregamento cíclico. O presente trabalho teve por objetivo estudar o comportamento
de juntas soldadas contendo descontinuidades tipo falta de penetração na raiz, com relação às propriedades de
resistência à propagação de trincas e comparar essas propriedades com as de juntas soldadas sem
descontinuidades. Esse estudo foi realizado a partir dos resultados de ensaios de propagação de trincas por
fadiga, em corpos-de-prova contendo falta de penetração entre passes. Com os resultados obtidos, obteve-se os
coeficientes da equação de Paris que relaciona a taxa de propagação de trincas com o fator cíclico de
intensidade de tensões, tanto para juntas soldadas sem descontinuidades, quanto para juntas soldadas com falta
de penetração na raiz, ou entre passes.

1. INTRODUÇÃO

Quase todas as estruturas e componentes são fabricados por soldagem e, de modo geral, as
soldas podem apresenta defeitos os quais poderão comprometer o produto final. Para eliminar
esses defeitos ou minimizá-los a um nível permissível pelos códigos existentes, é necessário
conhecê-los, bem como as causas de seu aparecimento e também o seu grau de
comprometimento com relação à segurança e qualidade dos componentes e estruturas
soldadas, principalmente com relação ao seu comportamento à fadiga. Muitas estruturas
soldadas são constantemente submetidas à fadiga quando colocadas em serviço; por exemplo:
edifícios construídos em estruturas metálicas são sempre submetidos a cargas de vento;
componentes em vibração, etc.

Os aços USI-SAC, fabricados pela USIMINAS são aços resistentes à corrosão atmosférica.
São os aços conhecidos como “aclimados” ou “patináveis” os quais têm a propriedade de
desenvolver em sua superfície uma camada de óxido compacta e aderente ao substrato
metálico, quando expostos ao meio atmosférico industrial. A elevada resistência à corrosão
atmosférica resulta em maior durabilidade da estrutura. A utilização de consumíveis de
soldagem adequados permite assegurar também uma resistência à corrosão atmosférica nas
juntas soldadas, por meio de obtenção de um metal de solda mais nobre que o metal base.

2. CARACTERIZAÇÃO DE DEFEITOS EM SOLDAGEM

Estruturas e componentes soldados em geral podem conter defeitos devidos à execução da


solda ou iniciados por fadiga ou corrosão. A gravidade de tais defeitos depende de vários
fatores tais como: posição e orientação, se no metal de solda (MS) ou na zona termicamente
afetada (ZTA), geometria da junta, etc. [1]. Dependendo do tamanho e orientação, um defeito
pode ser aceitável ou não, em função da aplicação do produto soldado. Existem códigos e
recomendações para níveis de aceitação de defeitos detectáveis [2].

2.1. Classificação dos Defeitos

O International Institute of Welding (IIW) classifica os defeitos de soldagem em função da


forma, dimensão e natureza, nos seguintes grupos:
• defeitos não planares: porosidades, inclusões sólidas;
• defeitos planares: trincas, defeitos de forma (mordeduras, concavidades na raiz, falta de
fusão, falta de penetração, etc.).

2.2. Defeitos não Planares

Os defeitos não planares são os que apresentam forma volumétrica. As cavidades ou


porosidades resultam da liberação de gases formando poros durante a solidificação do metal,
na contração do metal durante a solidificação (rechupe) ou na interrupção do arco.

As inclusões sólidas são corpos sólidos estranhos, aprisionados no metal fundido. Podem ser:
inclusões de escórias dispersas, alinhadas ou isoladas: inclusões de fluxo (dispersas,
alinhadas ou isoladas), inclusões de óxido e inclusões metálicas (tungstênio, cobre ou outros
metais).

Atualmente os códigos não permitem inclusões metálicas pois essas podem provocar
localmente fragilização (no caso do tungstênio) ou fissuração (no caso do cobre). As
inclusões de escória são aceitáveis de acordo com limites dimensionais estabelecidos nos
códigos.

2.3. Defeitos Planares

Defeitos planares são defeitos bidimensionais, cuja classificação já foi apresentada. As


trincas podem ser devidas à operação de soldagem ou causadas por fadiga. As trincas
oriundas da operação de soldagem são resultantes de tensões elevadas e modificações
estruturais associadas à operação de soldagem. Podem aparecer na zona fundida (ZF), na
zona termicamente afetada (ZTA) ou no metal base (MB). Podem ser: transversais,
longitudinais, irradiantes, ou constituírem grupos de trincas dispersas.

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As trincas aparecem no MB durante a solidificação e as trincas induzidas pelo hidrogênio, na
ZTA, geralmente têm dimensões suficientes para serem detectadas por ensaios não
destrutivos. Estas constituem o tipo de defeito mais grave, e, portanto, não são permitidas
pelos códigos.

A falta de penetração, ou penetração incompleta, é a falta de fusão nas bordas, na raiz da


junta, deixando um interstício entre elas. Em algumas juntas ocorre intencionalmente, como
no caso da penetração parcial. Assim, a falta de penetração só é considerada defeito quando é
exigido penetração completa. Na Fig. 2.1 apresenta-se um exemplo de falta de penetração.

Figura 2.1: Exemplos de juntas com falta de penetração [1]

2.4. Resistência à Fadiga de Juntas Soldadas

A maioria das estruturas em engenharia são fabricadas de acordo com códigos e normas bem
estabelecidos. Esses códigos e normas são preparados por Organizações de âmbito
internacional tais como American Welding Society (AWS), American Society of Mechanical
Engineers (ASME), American Association of State Highway and Transportation Officials
(AASHTO), a American Institute of Steel Construction (AISC), e muitas outras. Essas
organizações especificam materiais, processos e procedimentos de fabricação, inspeção, etc.
Tais códigos admitem a existência de defeitos e estabelecem níveis de aceitação. Muitos
defeitos são inevitáveis e a sua remoção pode resultar em condições piores do que as
existentes com tais defeitos. Os tipos, tamanhos e formas de defeitos admissíveis dependem
do tipo de aplicação e do nível de qualidade do componente fabricado. Assim, a existência de
um determinado defeito e sua aceitação (ou não aceitação) depende das condições de
trabalho. Por exemplo, uma trinca de um determinado tamanho pode ser aceita em uma
aplicação que não estará sujeita a carregamentos cíclicos, mas a peça ou componente poderá
ser rejeitado se estiver sujeito a carregamentos cíclicos que implicarão na propagação da
trinca a um tamanho não permissível em um tempo relativamente curto.

O modelo mais utilizado para se determinar a vida útil remanescente de um componente ou


estrutura contendo um tamanho conhecido de trinca é o modelo de Paris [3, 4]. Esse modelo
se aplica à região linear de um gráfico de taxa de propagação de trinca da/dN versus faixa do
fator de intensidade de tensões ∆K, em escala log-log. A Equação de Paris é da forma:

= C x (∆K )
da n
(1)
dN

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sendo C e n, constantes do material.

3. METODOLOGIA

O material utilizado neste trabalho é o aço estrutural empregado na construção de edifícios,


pontes metálicas e outras aplicações, USI-SAC 50, espessura 12 mm, fornecido pela
USIMINAS em forma de chapas de dimensões 1000 mm X 300 mm, chanfradas em V e 1/2
V respectivamente, as quais foram recortadas nas dimensões 500 mm X 150 mm, com a
finalidade de facilitar o manuseio durante a soldagem. Na Tab. 3.1 apresentam-se as
composições químicas do material, fornecidas pelo fabricante.

Tabela 3.1: Composição química do aço SAC-50, fornecida pelo fabricante

Espessura Elementos (% em peso)


(mm) C Mn Si P S Al Cu Nb Ti Cr Ni
12 0,12 1,13 0,34 0,024 0,013 0,037 0,26 0,022 0,009 0,44 0,20

As soldagens foram realizadas utilizando-se o processo manual a arco metálico com eletrodo
revestido, com preparação em juntas tipo V e 1/2 V, nas chapas de 12 mm e de 19 mm,
recortadas em dimensões de 500 mm X 150 mm. Os procedimentos de soldagem, segundo a
EPS n° MC 7622 fornecida pela Usiminas Mecânica, foram:
Tipo de Chanfro: V, ângulo de 45°, 22,5 em cada uma das partes da junta; encosto: 2 mm;
fresta: 3 mm; Número de passes: 06.
Parâmetros de soldagem: tensão: 20 V para todos os passes; corrente: 110 A para o primeiro
passe; 220 A, para os cinco passes restantes; eletrodo: AWS E 7018G de 3,25 mm de
diâmetro no primeiro passe e de 5 mm de diâmetro nos cinco passes restantes; velocidade
média de soldagem: 300 mm/min.

Na Fig. 3.1 é mostrado o esquema de retirada de corpos-de-prova para ensaios de propagação


de trinca de fadiga das chapas de espessuras.

Os ensaios de propagação de trinca foram realizados em corpos-de-prova tipo CT retirados de


chapas das juntas soldadas, no equipamento servo-hidráulico INSTRON 8802, Os corpos-de-
prova foram usinados com entalhe localizado na ZF e segundo a orientação T-L. Após a
realização dos ensaios foi ajustada uma equação linear logarítmica do tipo da Eq. de Paris
para a faixa de da/dN entre 10-5 e 10-3 mm/ciclo, faixa que compreende o comportamento
linear logarítmico. Os ensaios foram realizados segundo a norma ASTM E 647 [5] e os dados
foram tratados utilizando-se o software ORIGIN. Utilizou-se uma amplitude alta para se
obter pontos apenas na região II, onde a Eq. de Paris é aplicável.

As propriedades mecânicas necessárias (limite de escoamento, limite de resistência) foram


determinados por Martins et alli [6].

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Figura 3.1: Esquema de retirada de corpos-de-prova para ensaios de
propagação de trinca. Juntas soldadas de chapa de 12 mm de espessura.
As soldagens foram iniciadas do lado esquerdo na figura.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Fig. 4.1 são apresentados os gráficos do conjunto de corpos-de-prova C04, C06, C10 e
C14 que não apresentaram falta de penetração. Foram determinados o coeficiente C e o
expoente n para esse conjunto de corpos-de-prova por meio de análise de regressão obtendo-
se para C o valor: 1,159 x 10-10 e para o expoente n o valor 4,150. Na Fig. 4.2 são
apresentados os gráficos do conjunto de corpos-de-prova C05, C11, C12 e C13, os quais, na
radiografia apresentaram descontinuidades tipo falta de penetração entre passes, alinhadas, de
tamanhos pequenos, da ordem de 10% em relação ao comprimento do cordão de solda.

Como pode ser observado nas Fig. 4.1 e 4.2, os gráficos dos 4 corpos-de-prova se ajustaram
bem considerando-se que as juntas soldadas apresentam comportamentos variados devido a
uma série de fatores tais como variações estruturais e tensões residuais.

Com os valores obtidos dos coeficientes e expoentes da Eq. de Paris, foram realizadas
integrações numéricas para os dois conjuntos de corpos-de-prova e calculado o número de
vida remanescente a partir do comprimento de trinca inicial do ensaio (15 mm) até o
comprimento final (40 mm). O número de ciclos obtidos em cada caso foi: (a) para o
conjunto da Fig. 4.1: N=114.463 ciclos; (b) para o conjunto da Fig. 4.2: N=163.216. verifica-
se um decréscimo de aproximadamente 30% no conjunto que apresentou falta de penetração
entre passes. Deve ser considerado que a Eq. de Paris é muito conservativa e o tamanho de
trinca de 15 mm é um tamanho de trinca macróscópico, bem acima de tamanhos detectáveis
pelos ensaios não destrutivos.

Para tamanhos menores de trinca (no caso as faltas de penetração) de dimensões menores, a
taxa de propagação de trinca apresentará uma parte considerável na região I de propagação
resultando portanto em uma vida remanescente bem maior.

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20 30 40 50 60 70

Esp.:12mm;
Ampl.: 9,5 kN;
R=0,1
C04;
C06;
1E-3
C10; 1E-3

da/dN (mm/ciclo)
C14

1E-4 1E-4

20 30 40 50 60 70
1/2
∆K (MPa*m )

Figura 4.1: Gráfico de propagação de trinca


dos cinco corpos-de-prova C04, C06, C10 e
C14, sem descontinuidades.

20 30 40 50 60 70 80
0,01 0,01

Espes.:12mm;
ZF;
Ampl.:9,5kN;
R=0,1
C05
C11
C12
da/dN (mm/ciclo)

1E-3 C13 1E-3

1E-4 1E-4

20 30 40 50 60 70 80
1/2
∆K ef (M Pa*m )

Figura 4.2: Gráfico de propagação de trinca


dos cinco corpos-de-prova C05, C11, C12 e
C13, com falta de penetração entre passes.

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5. CONCLUSÕES

Pode-se tirar deste trabalho as seguintes conclusões:


• Os resultados dos ensaios realizados em corpos-de-prova com falta de penetração entre
passes foram diferentes dos obtidos nos corpos-de-prova isentos de falta de penetração.
Um cálculo de vida remanescente (em número de ciclos) nas mesmas condições para os
corpos-de-prova com e sem falta de penetração revelou um redução de aproximadamente
30%, para esse caso particular. Essa redução porém depende da intensidade, da distribuição e
da forma dessa falta de penetração.

REFERÊNCIAS

1. Branco, C.; Fernandes, A. A. M.; Castro, P. M. S. F., Fadiga de estruturas soldadas.


Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa (1986).
2. American Welding Society. Welding Inspection, in Welding Handbook, vol. 5, Seventh
Edition, Miami, Fl, (1977).
3. Paris, P. C., Gomes, R. E. and Anderson, W. E. A Rational Analytic theory of Fatigue. The
trend in Engineering, Vol. 13, Nº 1, University of Washington, January, (1981).
4. Anderson, T. L. Fracture Mechanics. Fundamentals and Applications. CRC Press, 2ª ed.,
Texas, USA. (1995).
5. American Society for Testing and Materials ASTM E 647. Standard Method for
Measurement of Fatigue Crack Growth Rates. Philadelphia (2000).
6. Martins, G. de P., Rabello, E. G., Cimini Jr., C. A. e Godefroid, L. B. Correlação entre
energia de Impacto Charpy e Integral J, em Juntas Soldadas de Aço SAC-50 - à
temperatura ambiente. II Congresso Nacional de Engenharia Mecânica 12 a 16 de agosto.
João Pessoa, PB. 6 pp (2002).

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