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Capítulo
17
Propagação de vazão em
rios
O
objetivo dos cálculos de propagação de vazão em rios é determinar o
hidrograma de vazões em uma seção transversal de um rio, com base no
hidrograma conhecido em uma ou mais seções transversais localizadas a
montante. A propagação de vazões é especialmente interessante quando é
necessário determinar o comportamento de uma onda de cheia ao longo de um rio
natural ou canal artificial.
Propagação de
cheias em rios
Os efeitos principais que ocorrem
quando uma cheia se propaga ao
longo de um rio são a translação
e o amortecimento, ilustrados na
Figura 17. 2.
Além da translação e do
amortecimento a onda de
t cheia em geral cresce de
montante para jusante em
Figura 17. 2: Efeitos de translação e amortecimento de uma onda de cheia se propagando ao longo de um rio. função da contribuição que
recebe dos afluentes.
Em rios em regiões muito planas podem ocorrer ainda efeitos de jusante, afetando a
vazão e o nível da água em função do que ocorre a jusante de um determinado local,
como no caso de trechos de rio próximo ao mar, que sofrem o efeito da maré.
228
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
A velocidade de propagação das ondas de cheia em rios pode ser estimada pela
celeridade cinemática, que pode ser obtida com base nas características médias das seções
transversais do rio e de sua declividade.
dQ
c= (17.1)
dA
Q = u ⋅ A = A⋅ h (17.2)
n
Combinando as equações 17.1 e 17.2 em um rio largo, onde o raio hidráulico pode ser
aproximado pela profundidade média, obtém-se a seguinte aproximação para a
celeridade da onda de cheia:
5
c= ⋅u (17.3)
3
229
W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
∂A ∂Q
+ =0
∂t ∂x
∂Q ∂ Q 2 ∂h
+ + g ⋅ A ⋅ + g ⋅ A ⋅ S f = 0
∂t ∂x A ∂x
(17.4)
Não existem soluções analíticas para as equações de Saint-Venant na maior parte das
aplicações úteis. Somente nas décadas mais recentes é que os métodos numéricos e os
computadores digitais permitiram a solução das equações completas de Saint-Venant.
Atualmente existem diversos programas computacionais de modelos matemáticos que
resolvem as equações de Saint-Venant numericamente para resolver problemas de
propagação de vazão em rios e canais.
Método Muskingum
Antes do surgimento dos computadores e das facilidades atuais para solução das
equações de Saint-Venant diversos métodos simplificados foram criados para
representar a propagação de ondas de cheias em rios. Um dos métodos simplificados
mais conhecidos é o método Muskingum, que recebeu este nome porque foi aplicado
inicialmente ao rio Muskingum, nos EUA na década de 1930.
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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
dS
= I −Q (17.5)
dt
St + ∆t − St I t + I t +∆t Qt + Qt +∆t
= − (17.6)
∆t 2 2
S = K ⋅ [ X ⋅ I + (1 − X ) ⋅ Q ] (17.7)
Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt (17.8)
onde
∆t − 2 ⋅ K ⋅ X
C1 = (17.9)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t
∆t + 2 ⋅ K ⋅ X
C2 = (17.10)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) − ∆t
C3 = (17.11)
2 ⋅ K ⋅ (1 − X ) + ∆t
231
W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
O parâmetro K têm unidades de tempo e deve ser expresso nas mesmas unidades de
∆t. O valor de K pode ser estimado pelo tempo de viagem do pico da cheia do início
ao final do trecho de rio, ou seja, a distância dividida pela celeridade. Quanto maior o
valor de K, mais afastados no tempo ficam os picos de vazão na entrada e saída do
trecho de canal.
∆t
X ≤ ≤ (1 − X )
2⋅K
EXEMPLO
O valor de K do método de Muskingum pode ser considerado igual ao tempo de viagem do pico entre o
início e o final do trecho (2,4 horas). O valor do ponderador X pode ser escolhido entre 0,1 e 0,3, que
são valores típicos para os rios. Adotando um valor de X = 0,2, que corresponde ao meio do intervalo,
os valores de C1, C2 e C3 ficam:
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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
C1 = 0,008
C2=0,405
C3=0,587
∆t
O valor escolhido de X também satisfaz o critério X ≤ ≤ (1 − X ) .
2⋅K
Considerando que a vazão de saída no primeiro intervalo de tempo é igual à vazão de entrada, a vazão
no segundo intervalo de tempo pode ser calculada por:
Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt
ou seja
E as vazões nos intervalos seguintes pode ser calculada de forma semelhante, resultando nos valores
apresentados na tabela que segue.
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W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
20 1.15 1.60
21 1.10 1.41
22 1.05 1.28
23 1.00 1.19
24 1.00 1.11
Em trechos longos de rios pode ser necessário fazer a divisão do comprimento total
em sub-trechos e realizar a propagação para cada um destes sub-trechos, de montante
para jusante.
Método Muskingum-Cunge
Um problema do método Muskingum para propagação de vazões é que para definir os
valores dos parâmetros K e de X é necessário dispor de dados observados de vazão
nos extremos de montante e jusante do trecho de rio, o que raramente se cumpre.
∆x
K= (17.12)
c
1 Q
X = ⋅ 1 − (17.13)
2 B ⋅ c ⋅ S 0 ⋅ ∆x
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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Tr
∆t ≤ (17.14)
5
c ⋅ ∆t 2
1
Q
∆x ≅ 1 + 1 + 1,5 ⋅ (17.15)
2 B ⋅ S 0 ⋅ ∆t ⋅ c 2
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W . C O L L I S C H O N N – I P H - U F R G S
EXEMPLO
Intervalo de Tempo
tempo (minutos) Vazão montante (m3/s)
1 40 20
2 80 30
3 120 60
4 160 90
5 200 100
6 240 130
7 280 115
8 320 95
9 360 80
10 400 60
11 440 40
12 480 20
13 520 20
14 560 20
15 600 20
O primeiro passo da solução é estimar a vazão de referência para o cálculo dos parâmetros.
Considerando que a vazão máxima do hidrograma de entrada no trecho de rio é 130 m3.s-1, uma opção
para a vazão de referência é 90 m3.s-1, que é ligeiramente inferior à vazão máxima (cerca de 70% do
pico).
Considerando um rio com seção transversal retangular, e considerando que o raio hidráulico pode ser
considerado igual à profundidade, a vazão de 90 m3.s-1 corresponde ao nível d’água 2,66 m. A
velocidade média na seção, nesta mesma vazão de referência, é de 1,13 m.s-1. A celeridade pode ser
obtida pela equação 17.3, o que resulta em 1,88 m.s-1.
O intervalo de tempo em que existem dados observados é de 40 minutos, o que corresponde a um sexto
do tempo de pico da onda de cheia. Assim, observa-se pela equação 17.14 que o intervalo de tempo de
40 minutos é adequado. Isto corresponde a ∆t=2400 s.
Com base nestes dados a equação 17.15 pode ser utilizada para determinar o ∆x ideal. O resultado é
∆x=5249 m. Com base neste ∆x ideal é necessário decidir como o comprimento total do trecho será
dividido. Uma primeira estimativa é calcular o número de sub-trechos necessários para atingir o ∆x
ideal:
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I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
L 18000
N= = = 3,43
∆x 5249
Assim, seriam necessários 3,43 sub-trechos. Como não é possível trabalhar com valores não inteiros de
sub-trechos, o número de sub-trechos adotado é N=3. Assim, cada um dos trechos tem ∆x=6000 m.
O valor de K pode ser calculado pelo tempo que uma onda com celeridade c leva para percorrer um ∆x,
isto é:
∆x 6000
K= = = 3190 s
c 1,88
∆t
Observa-se que estes valores de X e K satisfazem o critério X ≤ ≤ (1 − X )
2⋅K
Com base nestes valores de X e K obtém-se C1=0,062; C2=0,644 e C3=0,294 usando as equações
17.9 a 17.11.
Considerando que no primeiro intervalo de tempo a vazão de saída de cada um dos 3 subtrechos é igual
à vazão de entrada do primeiro sub-trecho, pode ser iniciado o cálculo para o segundo intervalo de
tempo:
No primeiro sub-trecho:
Qt + ∆t = C 1 ⋅ I t + ∆t + C 2 ⋅ I t + C 3 ⋅ Qt
ou seja
a vazão de saída deste sub-trecho passa a ser a vazão de entrada do subtrecho seguinte, assim a vazão
de saída do segundo subtrecho no segundo intervalo de tempo é calculada por:
repetindo estes cálculos para cada intervalo de tempo são obtidas as vazões de saída de cada sub-trecho,
como mostra a tabela a seguir:
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A vazão máxima na entrada do trecho é de 119 m3.s-1 e a vazão máxima na saída é de 109,1 m3.s-1.
O pico na vazão de saída ocorre 160 minutos (2 horas e 40 minutos) depois do pico de vazão na
entrada do trecho.
Leituras adicionais
A propagação de vazões em rios e canis é tema de livros dedicados exclusivamente ao
assunto. Em português uma referência útil é o livro Hidráulica Fluvial, de Rui Vieira da
Silva, Flávio Mascarenhas e Marcelo Miguez; além do livro Modelos Hidrológicos
(Tucci, 199).
Exercícios
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