Um dos principais trechos nos quais Spinoza apresenta sua teoria das modalidades é o seguinte: "Chamo impossível a coisa cuja natureza implica contradição na afirmação de que ela existe; necessária aquela cuja natureza implica contradição na afirmação de que não existe; possível aquela cuja existência, por sua própria natureza, não implica que haja contradição na afirmação de que existe ou de que não existe; mas neste caso a necessidade, ou impossibilidade, de sua existência depende de causas desconhecidas por nós, enquanto estamos a fingir que existem; por conseguinte, se a sua necessidade, ou impossibilidade, que dependem de causas externas, fossem conhecidas por nós, nada também poderíamos fingir a respeito." (Spinoza, Tratado da reforma da inteligência, parágrafo 53; São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004, tradução de Lívio Teixeira; nossos itálicos) A teoria acima é apresentada a partir de três elementos: (1) o modo de ser, (2) a afirmação da existência e (3) o conhecimento da causa. Ela pode ser apresentada da seguinte maneira:
Teoria das modalidades de Spinoza
Modo de ser Conhecimento da causa da Afirmação da (in)existência da coisa coisa da coisa Afirmação da existência Impossível Conhecida implica contradição Afirmação da inexistência Necessário Conhecida implica contradição Se conhecessemos a causa Afirmação da existência ou da Possível saberíamos se é impossível ou inexistência não implica necessário contradição
De acordo com a tabela acima, se sei que a existência de uma coisa é
impossível, e afirmo sua existência, então caio em contradição. Se sei que a existência de uma coisa é necessária, e afirmo sua inexistência, então caio em contradição. Se não sei se a coisa é impossível ou necessária, então não me contradigo ao afirmar que ela existe ou que não existe. Em tal teoria, o necessitarismo está nas coisas ou serem necessárias, ou impossíveis. O possível é mera tradução da nossa ignorância do modo de ser da coisa. Como Spinoza fundamenta a tese do necessitarismo: “O necessário é a única modalidade do ser”? Natalia Cruz Sulman | 05/07/2016 | 0 Comentários
Baruch Spinoza (1632 — 1677)
A filosofia de Spinoza culmina na proposição de que as noções de realidade, determinação e atualidade se reúnem num único complexo onde tudo é necessário e, por conseguinte, nada é contingente. A contingência, aliás, é mera imaginação acarretada pela ignorância dos homens sobre as verdadeiras causas das coisas. De fato, ―o que é, é pura necessidade‖, nada está fora da natureza do ser divino – pois logicamente ―tudo o que existe, existe em si ou noutra coisa‖ e, se a única coisa que tem por essência a existência é Deus (causa sui) – diz Spinoza que o ser perfeitíssimo existe pela única necessidade de sua natureza –, se segue que nada pode existir nem ser concebido fora dele (E1P14) e, compreendendo que tudo o que existe existe em Deus (E1P15) em virtude de sua necessidade, o necessário é a única modalidade do ser.
Com efeito, o necessitarismo do ser spinozano se dá ou em razão de sua
essência, ou em razão de sua causa. Eis como ele parte para o seguinte argumento: a existência, seja do que for, resulta necessariamente ou de sua respectiva essência e definição, ou de uma dada causa eficiente. No que diz respeito àquilo impassível de existência ou atualidade, a coisa não é ou porque sua respectiva essência/definição envolve contradição, ou porque não existe qualquer causa externa que seja determinada a produzir tal coisa. A partir daí percebemos, conforme comenta Curley, que tudo o que é atual é necessário e tudo o que é possível é atual, ou em outras palavras, tudo o que é atual é ou necessário em virtude da essência (a necessidade lógica) ou em virtude da causa.
Segue-se, portanto, nas palavras de Spinoza, que tudo o que é, ―é determinado
pela necessidade da natureza divina a existir e a agir de modo certo‖ (Ética, prop. XXIII, L. I). Referências
CHAGAS, JOSÉ. Liberdade e necessidade em Benedictus de Spinoza.
Revista Conatus, Filosofia de Spinoza, 2012, volume 6, número 12.
ESPINOSA, BARUCH. Ética. 2 ed. Tradução e notas de Joaquim de Carvalho.
São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
________________. Breve Tratado de Deus, do homem e do seu bem-
estar. Trad. de E. Fragoso e L. Oliva. São Paulo: Autêntica, 2011. 175p.
FRAGOSO, EMANUEL. O conceito de liberdade na ética de Espinosa.
Philosophica, Lisboa, 2006, 27, pp. 157-173.
GLEIZER, MARCOS. Considerações sobre o necessitarismo de Espinosa.
Analytica, 2003, volume 7, número 2.
OLIVA, LUÍS. Causalidade e necessidade na ontologia de Espinosa.
Discurso 45/2.
SANTIAGO, HOMERO. Por uma teoria espinosana do possível. Revista
Conatus, Filosofia de Spinoza, 2011, volume 5, número 9.