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Resumo da obra
Esta obra retrata os meninos como traquinas atrevidos, malandros, espertos, famintos,
ladrões, agressivos, falsos, que dizem palavrões, carentes de afetos, de ensino da escola e de
comida. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, aparece uma sequência de
pseudo-reportagens no Jornal da Tarde, que os caracterizam e mostram diversas visões e
opiniões sobre o caso.
Segunda parte: Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos
A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de
amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente
os garotos tentem tomá-la à força, ela ocupa o lugar de mãe e irmã de todos. A
homossexualidade é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente
impedi-la de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na orla (ou seja,
estupravam as moças que tinham a imprudência de cortar caminho pela praia à noite). Mas o
Professor e o Pedro Bala apaixonam-se por ela, e Dora apaixona-se por Pedro Bala. Quando
Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles
são muito castigados, respetivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam,
muito enfraquecidos, envolvem-se amorosamente pela primeira vez na praia e ela morre,
marcando o começo do fim para os principais membros do grupo.
A obra não possui uma personagem principal. Para indicar um protagonista, o mais apropriado
seria apontar o conjunto do bando de crianças, ou seja, os Capitães da Areia como um grupo
coeso, significando uma personagem coletiva. Isso porque as ações não giram em torno de
uma ou de outra personagem, mas ao redor de todos. Pedro Bala, o líder do bando, não é
mais importante para o enredo da narrativa do que o Sem-Pernas ou o Gato. Pode-se dizer que
ele é o líder do bando, mas não lidera o eixo/centro do romance. Daí a ideia de que o
protagonista é o elemento coletivo, e cada membro do grupo funciona como uma parte da
personalidade, uma faceta desse organismo maior que forma os Capitães da Areia.
Podendo considerar-se Pedro Bala como líder do grupo Capitães da Areia, este é um jovem,
um menino loiro, com uma cicatriz de navalha no rosto, fruto da luta em que venceu o antigo
comandante do bando. É filho de um grevista, conhecido como Loiro; era estivador e liderara
uma greve no porto marítimo, quando foi assassinado por polícias no cais da cidade. Tinha ido
parar à rua por volta dos cinco anos de idade e desde jovem mostrou-se corajoso e o mais
capacitado, até se tornar o líder das crianças. É ágil, esperto, temido e respeitado por todos do
grupo. Traz nos olhos e na voz a autoridade de chefe. Nunca soube quem era a sua mãe e o
seu pai. Durante dez anos Bala vagabundeou pelas ruas da cidade da Bahia. Ele ficou sozinho e
dedicou anos a conhecer a cidade, ao ponto de saber todas as suas ruas e todos os seus becos.
Ele é quem mais se aproxima de um protagonista da história, pois serve como uma espécie de
linha condutora, dando um caráter coeso aos diversos quadros que são apresentados ao longo
da narrativa.
Certo dia, alguns dos meninos foram apanhados num assalto, mas foram protegidos por Pedro
Bala e somente ele e Dora foram levados presos. Ela foi levada para um orfanato, enquanto
Pedro Bala foi torturado pela polícia e mantido preso numa solitária, durante oito dias. Algum
tempo depois, os meninos conseguem ajudar Pedro a livrar-se do reformatório e partem para
libertar Dora.
Cada vez mais fascinado com as histórias do seu pai sindicalista e grevista, que morrera numa
greve, Pedro Bala passa a envolver-se em greves e lutas a favor do povo, contra a opressão
dos patrões que querem explorar o trabalho das pessoas. Assim, movido por ideais comunistas
e revolucionários, Pedro Bala passa o comando do bando dos meninos para Barandão, que
tenta organizá-los como os Capitães de Areia, e parte para se tornar um militante proletário.
Narrador
O romance é narrado na terceira pessoa, por um narrador omnisciente (que sabe tudo o que
acontece, bem como o interior de cada personagem). Esta característica narrativa possibilita
que seja cumprida uma tarefa facilmente percebida pelo leitor/narratário: mostrar o outro
lado dos Capitães da Areia. O narrador, ao penetrar na mente de cada garoto/menino,
apresenta, não apenas, as atitudes que a vida difícil os obriga a tomar, mas também as
aspirações, os pensamentos ingénuos e puros, comuns a qualquer criança. O narrador não se
esforça por ser imparcial; participa com os seus comentários, muitas vezes subtis, mas sempre
favoráveis aos Capitães da Areia.
Jorge Amado elaborou todo o texto há mais de 70 anos, no decorrer de 1937, ano do início da
Ditadura Vargas. Denominada também de Estado Novo, prolongou-se até 1945, durante o qual
se verificaram evidentes restrições de liberdades individuais e coletivas no País; houve a
outorga da Constituição Federal de 1937; concretizam-se perseguições políticas e restrição de
direitos. Tudo isso em um ambiente de populismo trabalhista e de orquestração da
propaganda oficial para exaltar a figura do ditador Getúlio Vargas, que chegou a ser
denominado de Pai dos Trabalhadores.
O enredo de “Capitães de Areia” aborda, mesmo que secundariamente, o ambiente político de
então, ao incluir em sua trama os movimentos grevistas de trabalhadores das docas da Bahia.
João de Adão, líder dos trabalhadores das docas (estivadores), e Loiro, morto durante
manifestações grevistas e o pai de Pedro Bala, um dos Capitães, são personagens que
encarnam a luta dos trabalhadores.
Em termos de legislação específica, referente à criança e ao adolescente, vigorava, quando da
escrita de “Capitães da Areia”, o Código de Menores de 1927, o primeiro do País, também
reconhecido como Código Mello Matos, Juiz de Menores e principal mentor desse diploma
legal. A Doutrina da Situação Irregular faz-se incontestavelmente presente no seu conteúdo,
entrelaçando na configuração do menor, as significações do abandono, da carência
(económica, sobretudo) e da delinquência, como o Código denominava o conflito com a lei.
4. O Enredo
Certamente, para a compreensão dos leitores deste artigo, parece-me necessário resenhar o
conteúdo de “Capitães da Areia”.
Enredo ficcional, baseado na realidade ou relato de realidade. Pouco importa. Ou importa
menos do que constatar como a história dos “Capitães da Areia” revela essa representação
social Menor, uma significação (ainda) profundamente recorrente no nosso tecido social,
sobre a infância pobre, com todas as implicações decorrentes na configuração do trato público
dispensado as crianças e adolescentes das classes subalternas no País.
No início do século XX, mais precisamente a partir da década de 1910, cerca de 100 crianças e
adolescentes (sobre)vivem entre as ruas e os areais da Bahia, e habitam um velho trapiche
abandonado. Há uma única referência à data, a década de 1910. Abandonados à própria sorte
– assim são apresentados os Capitães pelo autor, não fora a presença de alguns (poucos)
adultos: Padre José Pedro, Mãe-de-Santo Don’Aninha, o capoeirista Querido-de-Deus, o
estivador João de Adão, o proprietário de um carrossel, Nhozinho França. Na maioria das
vezes, as relações dos Capitães com instituições sociais são-lhes desfavoráveis: a truculência
policial, os maus-tratos no Reformatório e no Orfanato, o tratamento excludente a eles
dispensado por integrantes outros da Igreja Católica e do Tribunal de Menores.
Alguns desses 100 Capitães da Areia têm os seus nomes (na verdade, quase sempre são os
seus apelidos que constam) apontados: Pedro Bala, Pirulito, Gato, Boa Vida, Sem Pernas,
Barandão, Professor, João Grande, Volta Seca… Meninos-homens, é assim que o autor os
denomina e os configura, sobretudo, como amantes da liberdade e diferenciados de “outras
crianças”, para quem uma outra significação é delineada, como é bem revelador o trecho que
se segue, que corresponde ao pensamento de Pedro Bala:
Bem sabia que eles nunca tinham parecido crianças. Desde pequenos, na arriscada vida da rua,
os Capitães da Areia eram como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no
tamanho. No mais eram iguais: amavam e derrubavam negras no areal desde cedo, furtavam
para viver como os ladrões da cidade. Quando eram presos apanhavam tareia como os
homens. Por vezes assaltavam com armas na mão como os mais temidos bandidos da Bahia.
Não tinham também conversas de meninos, conversavam como homens. Quando outras
crianças só se preocupavam com brincar, estudar por livros para aprender a ler, eles
envolviam-se em acontecimentos que só os homens sabiam resolver. Tinham sido sempre
como homens, na sua vida de miséria e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente
crianças (grifo meu) (p. 235-6).
A busca dos Capitães da Areia por (sobre)viver parece representar o núcleo do enredo, e o que
dá a liga à história. Seu desenrolar vai revelando nuances incontáveis de sentimentos,
dimensões inúmeras de relacionamentos, relações dos personagens com instituições sociais as
mais diversas, sonhos e destinos dos Capitães.
Valores e incontáveis situações sociais fazem-se presentes no enredo de “Capitães da Areia”,
dos quais destaco tão somente alguns: furtos como meio de vida; sonhos; angústia; cinismo e
dissimulação; sexo e desejo; hierarquia do grupo, com claro reconhecimento, respeito e
confiança no chefe; recorrente falta do cuidado e carinho de mãe; estereótipos de gênero (p.
ex. João Grande chora como uma mulher… (p. 217); briga entre gangues; mentiras.
Destaco, outrossim, como o grupo “Capitães da Areia” apresenta uma gama de leis internas,
“porque os meninos abandonados também têm uma lei e uma moral, um sentido de dignidade
humana” (p. 189), leis que “nunca tinham sido escritas mas existiam na consciência de cada
um deles” (p. 111) e às quais não admitiam descumprimento, tais como: fazer aquilo que
haviam garantido (no caso, a Don’Aninha); “quando se é amigo, se serve ao amigo” (p. 94); não
furtar de um companheiro (p. 185).
O texto é pródigo em abordagens de emoções e sentimentos: circulam, articulam-se,
embatem-se manifestações de vingança, fraternidade, ódio, ternura, amor, solidão, cuidado,
desprezo, coragem, busca pela liberdade, bondade, inveja, alegria, vergonha, medo, temor,
pavor, respeito aos mais velhos, perdão, saudade, culpa, orgulho, valentia, compaixão,
humilhação, alegria, admiração.
Na tessitura das emoções e sentimentos, um personagem chamou-me particularmente a
atenção. Falo de Dora, a única menina a permanecer no trapiche. A constituição dessa
personagem é profundamente densa, com múltipla significação, posto que Dora desperta,
para diferentes Capitães, os mais diversificados sentimentos, a partir de relações concretas ou
imaginárias, que eles estabelecem com ela: Dora Irmã, Dora Mãe Ideal, Companheira de
Aventuras, Objeto de Desejo e de Pecado, Noiva, Esposa…
Há espaço, na história dos Capitães, para o que estou denominando de passagens poéticas,
das quais são exemplo:
Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar
ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era
como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia “ (p.
66).
“O sol deixava cair sobre as ruas uma claridade macia, que não queimava, mas cujo calor
acariciava como a mão de uma mulher” (p. 106).
São inúmeras as situações apresentadas na história que ficam certamente como um inventário
do que não deveria ser feito, em termos do trato público dispensado a crianças e
adolescentes. Atenho-me a dois exemplos (outros poderão ser identificados pelos leitores): as
agressões físicas (inclusive com o uso de chicote…) que são impingidas, por investigador
policial e pelo Diretor de Reformatório (destinado a crianças e adolescentes do sexo
masculino), durante depoimento prestado por Pedro Bala, chefe dos Capitães. Como segunda
situação ilustrativa, cito o incentivo de um bedel do Reformatório à delação entre os internos:
Fausto (o Bedel) anima a delação (p. 207); … ouve (Pedro Bala) os gritos denunciadores do
delator (p. 209).
A carta de uma mulher, cujo filho estivera preso no reformatório, narra os horrores que eram
praticados ali contra os menores infratores. Outra, do padre José Pedro (importante
personagem e aliado dos garotos injustiçados), confirma a denúncia anterior, citando sua
experiência no reformatório. O padre visitava o local para levar conforto espiritual aos
meninos. A última carta – e a última palavra –, porém, é a do diretor do reformatório. Em seu
texto, o diretor nega os maus-tratos dispensados aos menores na instituição que dirige, o que
é uma hipocrisia, como se poderá observar no decorrer do livro.
Essa forma de início da obra é eloquente. Pode-se ver, na recriação literária de matérias
jornalísticas, a tentativa de dar à história do grupo de meninos um caráter verídico e, ao
mesmo tempo, demonstrar o que há de ficção nas reportagens publicadas. Ou seja, apesar de
ser um romance, Capitães da Areia revela uma situação social real. De outro lado, as notícias
veiculadas pela mídia, que muitas vezes atendem aos interesses das classes sociais mais ricas,
podem estar permeadas de elementos mentirosos.
O descaso social com os meninos de rua é a tônica do romance. Em todos os capítulos, esse
abandono é abordado, seja por meio da reflexão dos garotos ou da dos adultos que estão a
seu lado, como o padre José Pedro e o capoeirista Querido-de-Deus, seja pelos sutis, mas
mordazes, comentários do narrador.
O enredo, sobretudo no início, tem a função de caracterizar os personagens. Pode-se dizer que
busca apresentar os Capitães da Areia, revelando a personalidade de cada integrante do
grupo, suas ambições e frustrações.
Dos vários capítulos que compõem o romance, alguns são particularmente significativos. Em
“As Luzes do Carrossel”, o bando, conhecido pela periculosidade, esbalda-se ao brincar em um
decadente carrossel. Desde o líder, Pedro Bala, passando pelos seus mais destacados
membros, a grande maioria se diverte de forma pueril no velho brinquedo.
Essa passagem é importante por fazer o contraponto à opinião vigente na alta sociedade
baiana em relação aos Capitães da Areia. A visão de que os garotos eram bandidos sem
recuperação, que deveriam ser tratados de forma desumana no reformatório, é confrontada
com essa situação. Ao mostrar os garotos divertindo-se no “Grande Carrossel Japonês”, o
narrador mostra a essência dos personagens do livro. Pedro Bala e seus comandados são
apenas crianças socialmente desamparadas.
Nesse capítulo, no entanto, Sem-Pernas é acolhido de forma sincera e amorosa pelos donos da
casa, que o veem como o filho que havia morrido. Sem-Pernas vive então um conflito interno.
Tratado como um verdadeiro filho, o garoto fica dividido entre a lealdade ao bando que o
acolheu e os novos “pais” que lhe davam o carinho e o amor que nunca havia conhecido. Opta
pela lealdade ao grupo, que invade e saqueia a casa.
O capítulo “Dora, Mãe” deixa claro que os meninos, precocemente atirados à vida adulta,
sentiam falta de uma figura materna que os embalasse e os consolasse. Os Capitães da Areia
conheciam o sexo, praticado em geral com as “negrinhas do areal”. Por isso, quando Dora,
uma menina de 13 anos, entra no trapiche em que vivem, todos a cercam com intenções
libidinosas. Protegida pelo Professor, mas, sobretudo, por João Grande, Dora acabou
conquistando o respeito dos meninos, que passaram a enxergar nela a figura materna havia
muito ausente na vida deles. O primeiro a vivenciar esse sentimento é o Gato. Ao pedir a ela
costure um caro paletó de casimira, sente as unhas de Dora em suas costas e lembra-se de
Dalva, sua amante, mas logo reflete sobre a distinção: enquanto Dalva arranhava suas costas
para despertar-lhe a libido, Dora o fazia apenas com o instinto materno de vê-lo bem vestido.
O mesmo sentimento acaba sendo despertado em Volta Seca, Pirulito e nos demais Capitães
da Areia, exceto o Professor e Pedro Bala. Este último iria amá-la, no futuro, como esposa.
Comentário do professor
“Capitães da Areia” foi publicado por Jorge Amado em 1937 e narra a história de um grupo de
garotos de rua que se unem para assaltar pessoas e residências em Salvador. Segundo o
professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, Jorge Amado tem uma visão piedosa dessas
crianças, destacando que elas cometem os crimes porque são abandonadas. Não que ele apoie
o roubo, mas é simpático aos garotos e tenta retratar as causas da situação.
Entre as personagens do livro, ele destaca Pedro Bala, líder do grupo de garotos e protagonista
da história. “Ele passa de menino de rua a trabalhador engajado por melhores condições de
vida e de trabalho. É o fio condutor da história”, declara Couto.
Outras personagens lembradas por Couto são Dora – amada de Pedro, que morre muito
doente e abala o protagonista – e o padre José Pedro – que tenta levar os meninos para o
caminho do bem e, apesar de não conseguir, trata-os com mais apreço que ninguém.
Pensando na prova do vestibular, o professor Marcílio Lopes comenta que é sempre possível
que o vestibular peça paralelos com a atualidade, mas o mais comum é pedir paralelos entre
as obras obrigatórias. Assim, ele elenca algumas dessas relações.
O professor Couto destaca ainda que o texto de Amado pode aparecer no vestibular
relacionado a problemas atuais de moradia, o que também pode ocorrer com outra obra
exigida pela Fuvest, O Cortiço (1890), de Aluísio de Azevedo. “Esses dois livros apontam
diretamente para a questão urbana”, afirma o professor.
Já o livro de Eça de Queirós, A Cidade e as Serras (1901), guarda relação mais sutil com os
conflitos da vida em cidades, lembra Couto. Segundo o professor, esse romance mostra a
transição na vida de um homem (Jacinto) que vivia rodeado por riqueza em uma grande cidade
(Paris), mas, infeliz, larga tudo para viver no campo português, onde encontra a felicidade.
Por fim, o professor relaciona Pedro Bala, de Capitães da Areia, a Leonardinho, protagonista de
(1854). Ambos são anti-heróis, porque ocupam o centro das histórias e são caracterizados
negativamente. Bala é um menino assaltante, Leonardinho, um malandro, que vive de bicos e
não tem família constituída.
Capitães da Areia decorre na década de 1930, na cidade de Salvador da Bahia. Lá, um grupo de
crianças órfãs e abandonadas, que toma o nome de “Capitães da Areia” dedica-se à prática de
furtos e vive escondido num local onde os seus membros recolhem para passar a noite e
planear os seus próximos golpes. À medida que a história avança, vamos conhecendo melhor
alguns dos membros do grupo, desde o seu corajoso líder, Pedro Bala, passando pelo leitor e
sábio do grupo, Professor, pelo crente, Pirulito, ou pelo amargurado Sem-Pernas. Todos eles
têm em comum a carência de afeto e o desejo de pertença.
E é assim que, mesmo sabendo que os atos praticados pelo grupo não são os mais exemplares,
o leitor acaba por senti-los justificados, pela situação de extrema pobreza em que estas
crianças-adultas vivem, acabando o roubo por ser uma forma de revolta pela vida a que foram
relegados. É um retrato duro das condições de vida na época, que aborda as más condições
nos reformatórios de órfãos e também a diferença entre classes. Mas ao mesmo tempo que
trata de temas sérios fá-lo de uma forma tocante e, por vezes, ternurenta. Houve alturas em
que me apeteceu saltar para dentro do livro e ajudar aquelas crianças a terem tudo aquilo a
que uma criança tem direito.
Não li o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado e, portanto, não posso fazer comparações
com o filme de sua neta Cecília Amado. Mas o que está na tela é suficiente para dizer que
houve erro de enfoque.
Se Jorge Amado colocava o dedo na ferida em plenos anos 1930 sobre a questão dos menores
abandonados, no filme o que temos é a romantização da marginalidade.
E os alvos para o então comunista escritor eram os “burgueses”. Estes são vítimas dos assaltos
constantes nas ruas de Salvador ou em nas descaradas emboscadas feitas a mansões de
mulheres ricas – um dos meninos, deficiente, é usado como isca.
Até poderia ser uma crítica ao avesso: meninos abandonados pelo poder público (aliás, são
maltratados quando nas mãos deste) se viram como podem para sobreviver. O problema é o
filme referendar tal postura, comprar a seriedade dos meninos na utilização do crime como
modo de vida e, pior de tudo, romantizar as ações.
E o mais incrível, quase todo mundo se dá bem. E, ao final, há até um discurso barato sobre
liberdade, referindo-se ao protagonista, o trombadinha Pedro Bala (Jean Luis Amorim). Como
assim? Não sei se Jorge Amado deixa isso claro no livro.
E, ainda por cima, o rapaz é alçado a herói, uma vez que o pai dele foi herói comunista e o filho
segue os passos deste liderando o bando de pivetes. E o filme nunca questiona nada, só
referenda como se o garoto merecesse todas as honras e, por ser oprimido, tivesse
autorização para assaltar.
E quando preso, Pedro exercita seu heroísmo, soca os soldados e foge; em outro momento, é
recebido com festa porque enganou a polícia e roubou um troféu de umbanda a pedido dos
umbandistas. Temos que fazer alguma coisa, diz o agenciador dos meninos. E lá vai o nosso
herói “roubar” ou “resgatar” (fica melhor) a tal estátua.
Ainda há um dado que pode passar despercebido, pois o filme toca na questão homossexual,
mas os meninos gays são punidos. Um deles é expulso do grupo, outro (doente e, apesar da
compaixão de Pedro) acaba morrendo. Não é curioso que a punição não aconteça para quem
rouba? Ao contrário, estes têm lugar garantido no universo retratado. A marginalidade não
está nos pivetes assaltantes, mas nos gays.
Podemos até levar a questão para o tempo no qual a história se situa: anos 1930/50. Se ainda
hoje homossexualismo é condenado, imagine na época. No entanto, roubo não se justifica em
tempo algum. É crime, só isso.
Em relação aos atores, se dá o mesmo. O protagonista até se esforça, mas não segura,
especialmente a cena mais dramática do filme; além disso, algumas cenas estão bem mal-
resolvidas.
Bem, talvez eu precise ler o livro para tirar a má impressão que Capitães da Areia, filme, me
deixou. Vou pensar sobre.
“Capitães de Areia”, é uma obra singular na produção literária de Jorge Amado, pois faz uma
crítica social extremamente atemporal, ao mesmo tempo em que retrata aspectos corriqueiros
e típicos da cidade de Salvador. Dentro dos aspectos abordados na obra pode-se destacar: •
Cotidiano das crianças pobres: a questão da desigualdade social; • Comparativo entre os ricos
burgueses e as crianças maltrapilhas; • Valorização dos valores e sensibilidade, a questão da
“humanidade”; • Na obra, a Bahia é apresentada como sendo: fantásticas ou indiferente/fria;
• Crítica à estrutura político-econômica-social vigente, com divisão da socie-dade pelas classes
dominantes: Burguesia, Igreja, Estado. • O papel do estado é dar continuidade à estrutura
corrupta, desigual e distorcida, estabelecida pelo capitalismo, a qual é fomentada pelo
discurso ideológico/religioso da Igreja, junto à Mídia. • A questão principal, talvez, seja são os
capitães: vítimas ou criminosos? Não havia passado muito tempo sobre a morte de Dora, a
imagem da sua presença tão rápida e no entanto tão marcante, da sua morte também, ainda
enchia de visões as noites do trapiche. Alguns, quando entravam, todavia, olhavam para o
canto onde ela costumava sentar ao lado do Professor e de João Grande. Ainda com a
esperança de encontrá-la. Fora um acontecimento sem explicação. Fora o totalmente
inesperado na vida deles, o aparecimento de u’a mãe, de uma irmã. Motivo por que eles ainda
a procuravam, apesar de terem visto o Querido-de-Deus a levar no seu saveiro para o fundo do
mar. Só Pedro Bala não a procurava no trapiche. Procurava ver, no céu de tanta estrela, uma
que tivesse longa e loira cabeleira. (AMADO, 1937 p. 227) ANÁLISE CRÍTICA DA OBRA 8
Não seriam meninos toda vida... Bem sabia que eles nunca tinham parecido crianças. Desde
pequenos na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram como homens eram iguais a
homens. Toda a diferença estava no tamanho. No mais eram iguais: amavam e derrubavam
negras no areal desde cedo furtavam para viver como os ladrões da cidade. Quando eram
preso apanhavam surras como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os
mais temidos bandidos da Bahia. Não tinham também conversas de meninos, conversavam
como homens. Sentiam mesmo como homens. Quando outras crianças só se preocupavam
com brincar, estudar livros para aprender a ler, eles se viam envolvidos em acontecimentos
que só os homens sabiam resolver. Sempre tinham sido como homens, na sua vida de miséria
e de aventura, nunca tinham sido perfeitamente crianças. Porque o que faz a criança é o
ambiente de casa, pai, mãe, nenhuma responsabilidade. Nunca eles tiveram pai e mãe na vida
da rua. E tiveram sempre que cuidar de si mesmos, foram sempre os responsáveis por si.
Tinham sido sempre iguais a homens. (AMADO, 1937 p. 242) Eles furtavam, brigavam nas ruas,
xingavam nomes, derrubavam negrinhas no areal, por vezes feriam com navalhas ou punhal
homens e polícias. Mas, no entanto, eram bons, uns eram amigos dos outros. Se faziam tudo
aquilo é que não tinham casa, nem pai, nem mãe, a vida deles era uma vida sem ter comida
certa e dormindo num casarão quase sem teto. Se não fizessem tudo aquilo morreriam de
fome, porque eram raras as casas que davam de comer a um, de vestir a outro. E nem toda a
cidade poderia dar a todos. (AMADO, 1937 p. 105).
CAPITÃES DA ALAMEDA – POR: VICTOR SAID Eram meninos, meninos comuns, meninos
pobres, meninos de rua. Consequência de tragédia, O Destino resguardou uma fatídica
alameda Tiveram de escolher: viver ou morrer? E a escolha sabida ficaram de fazer. Não que
pudessem eles sobrepor-se ao Destino, Por isso mesmo, de certo, tanta crueldade se abateu
Ao furto praticaram, coisas horríveis impuseram Eram heróis ou vilões? Não: vítimas ou
criminosos? Mas pior sofrer, foi o mal que sobre eles se abateu Vivendo esfomeados,
maltrapilhos e agonizantes, Solução não havia: senão o tentar ser, buscaram aos caminhos que
possuíam. E disso muito se arrependeram! Tragédia maior foi quando o ímpeto trouxe ao
grupo o primeiro morrer. Ao não-ser se uniu a Dora, que não soube como sobreviver. Tragédia
sem igual, oh, foi sim! Não que pudessem, mas haviam de querer: será que o mundo, gentil
não podia ser? Garotos infortunados, amaldiçoados, diria até. Incapazes de conceber ao
mundo toda a bênção da criação, optaram por em nada lhe esvanecer. Desigual, como as
desigualdades que sofreram, Como o mundo que os tornou como são, Jamais foram capazes
de encontrar o porquê de ser como são.
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS 11 As obras de romance de Jorge Amado foram de grande
importância para a Bahia, pois trazia diversas criticas a situação de pobreza e opressão, entre
outros. A obra Capitães da Areia foi particularmente importante pois ela trouxe a temática das
crianças abandonadas à discussão, porém não os trouxe como meliantes, bandidos,
degredados, e sim como as crianças que eles ainda o eram.
Capitães da areia é o nome de um grupo de meninos de rua que circulam pelas ruas de
Salvador – BA. Sendo todos eles menores de idade, têm as suas vidas marcadas, de maneira
geral, por desventuras familiares, as quais resultam sempre na entrada de cada um para o
grupo, que é formado por mais de cem garotos (de início, apenas meninos).
Traçando o perfil de alguns membros, é possível notar que cada um tem uma função específica
dentro do grupo. As funções se associam sempre às características físicas ou psicológicas dos
garotos.
Pedro Bala é o líder do bando. Menino ágil, com um forte senso de justiça. Órfão desde que se
conhece como pessoa, Bala sabe sobre o passado de seu pai, um líder operário assassinado
durante uma greve. A Informação é trazida por João de Adão, organizador de greves que
apresenta a Bala os ideais das lutas dos trabalhadores.