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Dispositivos de passagem
para peixes em Portugal
Marta Santo
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM
PARA PEIXES EM PORTUGAL
Autoria:
Marta Santo
Publicação realizada no âmbito do Programa Agro, Medida 8.1., através do projecto Agro 114
“Desenvolvimento e aplicação de uma passagem para peixes destinada a obras transversais
fluviais de utilização agrícola”.
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 03
AGRADECIMENTOS
ÍNDICE
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 007
Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 007
1. Introdução
Em termos gerais, uma passagem para peixes é um caminho principal objectivo, o de proporcionar aos peixes a possibilidade
artificial alternativo ao curso de água, no qual foi instalado um de transpor um obstáculo imposto no curso de água.
obstáculo intransponível ou dificilmente transponível.
Não se deve, no entanto, pensar que as passagens para peixes,
O princípio geral dos dispositivos de transposição de obstáculos mesmo quando bem concebidas e bem implantadas, resolvem o
para peixes consiste em atrair os migradores a um ponto deter- problema da livre circulação das espécies piscícolas, substituindo
minado do curso de água, a jusante do obstáculo, e incitá-los ou as condições existentes antes da instalação do obstáculo. Cons-
obrigá-los a passar para montante abrindo-lhes um caminho com tituem, no entanto, uma medida de recurso que permite atenuar,
água ou capturando-os e largando-os a montante. em grande parte, o impacte causado pela instalação de uma
barreira física num curso de água.
Para que uma passagem para peixes seja eficaz é necessário
que os peixes encontrem a entrada sem dificuldades e que a O presente livro procura, por um lado, dar a conhecer a impor-
transponham facilmente. Alguns aspectos ligados ao compor- tância dos dispositivos de passagem para peixes como elemento
tamento das espécies devem ser tidos em conta, em particular mitigador dos impactes de obras hidráulicas nos ecossistemas
as condições hidrodinâmicas junto à entrada e dentro dos aquáticos e, por outro lado, fornecer alguns elementos para a sua
dispositivos. concepção, implantação e gestão.
Algumas espécies são muito sensíveis a determinadas condições Ao descrever e avaliar os dispositivos de passagem para peixes
de escoamento. Quedas muito grandes, arejamento e turbulência existentes em Portugal, este livro, pretende dar a conhecer o
excessivos, existência de zonas de recirculação e velocidades muito trabalho efectuado no nosso país ao longo dos últimos anos,
fracas, podem constituir impedimento para que os peixes utilizem diagnosticando os erros cometidos e descrevendo os principais
as passagens. constrangimentos existentes, com intuito de constituir elemento
de apoio a todos aqueles que, directa ou indirectamente, estejam
A eficiência das passagens para peixes depende, em larga escala, envolvidos na tarefa de garantir a manutenção do continuum
da capacidade dos engenheiros utilizarem os conhecimentos de fluvial.
fisiologia, ecologia e comportamento das espécies migradoras na
sua concepção. De facto, uma passagem para peixes constitui uma
estrutura cuja definição requer atenções particulares devido à
dualidade das matérias que envolve. Se por um lado a sua con-
cepção exige conhecimentos na área da engenharia civil, por
outro, requer uma sensibilidade para as matérias de biologia, uma
vez que se trata de uma estrutura a ser utilizada fundamen-
talmente por peixes. É fundamental que essas estruturas resultem
em condições propícias a que os peixes se encaminhem para a
sua entrada e sejam capazes de se deslocar no seu interior, pois
apenas dessa forma a passagem para peixes cumpre o seu
008 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Desde há muito que o Homem actua sobre os cursos de água, inclinado, hoje conhecidos por passagens para peixes do tipo
construindo barreiras à livre circulação dos peixes. Já povos indí- deflectores, formados por canais inclinados com compartimentos,
genas da costa do Pacífico e das regiões interiores da América do rectangulares, oblíquos ou dispostos em série rectilínea (Silva,
Norte construíam açudes e outros artifícios para facilitar a captura 1896). Em 1909, Denil publica um trabalho onde expõe um
do salmão, truta e outras espécies que utilizavam na sua dieta modelo de passagem para peixes desenvolvido por si: passagem
(Northcote, 1998). Também outros fins, como a constituição de para peixes do tipo Denil, também conhecido por passagem para
reservas de água para a rega de campos ou mais recentemente a peixes de deflectores, que começou a ser utilizado na Bélgica por
produção de energia eléctrica, têm vindo ao longo dos tempos, a volta de 1920 (Clay, 1995).
originar obras hidráulicas nos cursos de água, que afectam as
populações piscícolas, nomeadamente aquelas de espécies migra- Em Portugal, as referências a dispositivos de passagem para
doras. De facto, a existência de barreiras à deslocação destas peixes são muito anteriores à primeira estrutura da qual se tem
espécies, impedindo que os peixes atinjam os habitats de destino hoje conhecimento. De facto, outros dispositivos devem ter sido
no seu processo de migração, é apontado como um dos principais construídos tendo em conta o disposto nos artigos 265-266 do
factores que contribuíram para a diminuição e por vezes para a Regulamento dos Serviços Hidráulicos de 19 de Dezembro de
extinção de algumas populações (Bochechas, 1995). 1892 e no nº 3º do Regulamento Geral dos Serviços Aquícolas de
20 de Abril de 1893, nos quais se determina que "nos açudes e
Na tentativa de minimizar o prejuízo sobre a fauna piscícola, represas estabelecidos nos leitos das correntes d´águas interiores
causado pela imposição de obras transversais fluviais (barra- se estabeleçam escadas para a subida dos peixes". Na realidade,
gens/açudes), foram sendo desenvolvidos dispositivos, denomi- a percepção de que os açudes podem constituir barreiras à livre
nados de passagens para peixes, com o intuito de possibilitar a circulação das espécies, com consequências nefastas e por vezes
transponibilidade dos referidos obstáculos e, embora a implan- drásticas sobre as populações de migradores, é já antiga.
tação e o desenvolvimento destas estruturas não tenha acom-
panhado desde sempre a imposição de barreiras artificiais nos Sobre a construção de dispositivos em Portugal nada se sabe até
cursos de água, a sua história é já longa, remontando as mais à década de 50, altura em que se constrói a primeira passagem
antigas referências ao século XVII, na Europa (Clay, 1995). No para peixes da qual se possui conhecimento, na barragem de
entanto, apenas em 1852 foi construída a primeira grande passa- Belver, rio Tejo. O dispositivo, construído em 1951 (Silva, 1991),
gem para peixes com sucesso: o dispositivo de passagem para era do tipo escada de peixes, para um desnível imposto de 12 m.
peixes de Ballisodare na Irlanda (McGrath, 1956). Este dispositivo nunca se encontrou em funcionamento perma-
nente e veio a ser, mais tarde, substituído por uma eclusa cuja
Em 1896 existiam já diversos dispositivos de passagem para peixes instalação data de 1983 e a entrada em funcionamento de 1986
de diferentes tipos. Segundo Baldaque da Silva (Silva, 1896), em (Silva, 1991). Com a mesma data de construção, o açude de Penide
França o sistema mais adoptado era o de escadas para peixes, que foi também munido de um dispositivo de passagem para peixes
consistiam numa série de reservatórios quadrados, postos por do tipo bacias sucessivas, embora o dispositivo tenha sido insta-
cima uns dos outros formando uma série de cascatas e obrigando lado anos depois.
os peixes a efectuar vários saltos. Por essa altura, em Inglaterra e
na América os dispositivos mais adoptados seriam os de plano
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 009
A partir da década de 50, assiste-se a um aumento significativo do solução do tipo eclusa de Borland, então comum naquele país.
número de barragens e açudes em Portugal. A sua evolução Estes dispositivos entraram em funcionamento e a sua eficácia
encontra-se representada na figura 2.1. (que inclui também o constituiu objecto de estudo (em 1994/1995), em particular as
número de dispositivos construídos), sendo que, actualmente, eclusas da barragem de Crestuma–Lever e da barragem de Belver
parte significativa dos cursos de água portugueses se encontra (Bochechas, 1995), tendo sido concluída a existência de alguns
regularizada por mais de 150 barragens e aproximadamente factores limitantes da sua eficácia.
100 pequenos aproveitamentos hidroeléctricos (Santos, 2004).
A partir da década de 90, verificou-se um aumento no número de
Na realidade, para além das obras contabilizadas, existem muitos passagens para peixes, a par do aumento no número de
outros pequenos açudes, em particular nos cursos de água a norte pequenos aproveitamentos hidroeléctricos. Desde então, foram
do rio Tejo, construídos para armazenamento de água ou para construídos a maioria dos dispositivos de passagem para peixes
rega de pequenas produções agrícolas, hoje em dia muitos deles
abandonados e em estado de degradação, mas muitas vezes
constituindo ainda obstáculo à livre circulação dos peixes.
QUADRO 2.1. – DECRETO Nº. 44623 DE 10 DE OUTUBRO DE 1962
Apesar do elevado número de barragens e açudes, existem em Artº 21º
Portugal apenas 39 dispositivos de passagem para peixes À DGRF compete emitir parecer em matéria de fomento aquícola
conhecidos e ainda assim, muitos deles não se encontram em (…) especialmente sobre:
funcionamento ou são considerados ineficazes. De facto, apesar (…)
b) As concessões ou contratos que o Governo haja de realizar a fim
da Lei da Pesca nas Águas Interiores, de 10 de Outubro de 1962,
de permitir a utilização das águas interiores do País, quer pela
prever que a então Direcção Geral dos Serviços Florestais e
pesca, quer por aproveitamentos hidroeléctricos, hidráulicos ou
Aquícolas (hoje, Direcção Geral dos Recursos Florestais - DGRF)
hidroagrícolas, quer para esgotos municipais ou particulares que,
deveria emitir parecer sobre as obras fluviais e até designar que pela sua importância e características, possam alterar as condições
as obras já existentes consideradas impeditivas da livre circulação naturais da vida animal ou vegetal (…);
dos peixes fossem munidas de dispositivos de passagens para (…)
peixes (quadro 2.1.), a maioria dos açudes e barragens cons- g) A realização de obras, tais como escadas, valas ou quaisquer
truídos não possuem tais dispositivos. dispositivos congéneres destinados a assegurar a livre passagem
dos peixes, e as que se destinam à conservação e beneficiação dos
Esta lei, ainda hoje em vigor, apresenta certos aspectos condi- leitos ou margens das águas interiores do País, sempre que alterem
cionantes, conducentes à existência de muitos dispositivos em as condições hidrobiológicas ou prejudiquem por qualquer forma o
situação de inoperacionalidade. De facto, não é prevista actual- fomento piscícola;
(…)
mente nenhuma penalização para dispositivos com problemas de
Artº 45º
manutenção e/ou conservação, ou mesmo para aqueles que
Para aprovação de quaisquer projectos de obras a realizar nos
intencionalmente e sem que essa situação se encontre prevista, se
cursos de água, que possam alterar profundamente o seu regime
encontram a seco. Alguns outros aspectos condicionantes da hídrico ou influir nas características biológicas do meio, será sempre
eficácia da actual lei encontram-se no quadro 2.2.. ouvida a DGRF.
§1º. Todas as obras já existentes e que impeçam o normal movi-
Apesar de muitos dos açudes e barragens não terem sido muni- mento migratório dos peixes deverão ser convenientemente remo-
dos de dispositivo de passagem para peixes, alguns foram sendo deladas, no prazo máximo de cinco anos, de forma a assegurar-se
construídos (quadro 2.3.). Os do Douro foram dos primeiros, a indispensável circulação das diferentes espécies ictiológicas.
tendo sido todas as barragens do Douro nacional munidas de Os estudos, projectos e execução destas obras serão feitos pelos
passagens para peixes, cuja concepção resultou da importação de respectivos concessionários, donos ou exploradores, segundo indi-
projectos elaborados por uma firma irlandesa que adoptou a cações do INAG e CCDRs e por aqueles custeados.
010 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
FIGURA 2.1.
A evolução do número de açudes/barragens e do
número de passagens para peixes em Portugal;
a – Barragens/açudes existentes até 1950;
b – Barragens/açudes existentes até 1970;
c – Barragens/açudes existentes até 1990;
d – Barragens/açudes existentes actualmente;
Legenda:
Açude/barragem
QUADRO 2.2. – PRINCIPAIS ASPECTOS CONDICIONANTES DA EFICÁCIA DA ACTUAL LEI DA PESCA NAS ÁGUAS INTERIORES (BOCHECHAS, NÃO PUBLICADO)
PRINCIPAIS ASPECTOS CONDICIONANTES DA EFICÁCIA DA ACTUAL LEI DA PESCA NAS ÁGUAS INTERIORES
Não referência explícita na lei à obrigação de proceder a alterações em dispositivos existentes mas que são manifestamente ineficazes;
Não existência de obrigação de instalar dispositivos de passagem para peixes em aproveitamentos construídos posteriormente
à entrada em vigor na lei, que não foram equipados, mas que se considera actualmente a necessidade de o fazer;
Não existência de penalizações para os casos em que, embora existam dispositivos, eles não se encontram em funcionamento
ou não estão a funcionar de acordo com as condições do projecto aprovado;
A eficácia da presente lei está muito dependente da filosofia que em cada momento rege os organismos oficiais competentes
na matéria e da forma como se processa a articulação entre os diferentes organismos intervenientes.
QUADRO 2.3. – DISPOSITIVOS DE PASSAGENS PARA PEIXES INSTALADOS EM GRANDES BARRAGENS EM PORTUGAL
RIO APROVEITAMENTO TIPO DESNÍVEL ANO DE ENTRADA
DE DISPOSITIVO A VENCER EM FUNCIONAMENTO
Lima Touvedo Ascensor 25,0 1993
Cávado Penide Bacias sucessivas 7,5 1970
Douro Crestuma-Lever Eclusa 9,0 1986
Carrapatelo Eclusa 31,0 1973
Régua Eclusa 26,0 1973
Valeira Eclusa 27,0 1976
Pocinho Eclusa 20,0 1983
Tejo Belver Eclusa 12,0 1987
Mondego Açude Ponte de Coimbra Bacias sucessivas 4,5 1983
existentes actualmente em Portugal, a sua maioria do tipo bacias sitivos. Desta forma, os açudes/barragens a construir deverão ser
sucessivas. A estes dispositivos a DGRF efectuou um levanta- munidos de dispositivo de passagem para peixes, sempre que esta
mento das dimensões e cotas altimétricas de cada um, assim seja uma medida que se considere mitigadora dos impactes
como a verificação dos aspectos considerados mais importantes negativos da obra. A evolução das passagens para peixes em
para o seu funcionamento. Portugal depende do esforço continuado em desenvolver conhe-
cimento e experiência neste tipo de dispositivos, no intuito de
Actualmente, no que diz respeito às passagens para peixes, a promover a qualidade dos cursos de água portugueses no sen-
intervenção da actual Direcção Geral dos Recursos Florestais é tido de garantir a continuidade dos recursos aquícolas de águas
prevista pela Lei da Pesca nas Águas Interiores e, especificamente interiores.
no que diz respeito aos pequenos aproveitamentos hidroeléctri-
cos, pela Portaria n.º 295/2002 de 19 de Março que determina,
nos artigos 9.º (3 b) iii)), 12.º (1 b) iii)) e 18.º (3 c)), que a DGRF
deverá emitir parecer sobre a eventual necessidade de instalação
de dispositivo de passagem para peixes e sobre os próprios dispo-
012 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Os dispositivos de passagem para peixes surgem como medidas movimento pode ter impactos mais ou menos graves consoante a
minimizadoras dos impactes negativos decorrentes da construção disponibilidade de habitats a jusante do obstáculo.
de açudes ou barragens, pelo que importa, antes de mais, identi-
ficar esses impactes bem como distinguir as consequências das A intransponibilidade de um obstáculo depende não só da sua
diferentes utilizações das barreiras impostas. altura mas também das características hidráulicas da zona imedia-
tamente a jusante deste. Já Baldaque da Silva em 1896 (Silva, 1896)
O impacte refere-se a uma situação pré-existente, sobre a qual são referia que importa não só o tamanho da queda mas também a
definidas as alterações resultantes da construção do açude ou forma como a água cai e o seu volume. Se a água cai vertical-
barragem e embora a situação de referência seja variável de caso mente sobre uma camada de água pouco espessa o peixe não
para caso, e estas obras possam ter diferentes utilizações com consegue transpor o obstáculo (Silva, 1896). De facto, um açude
diferentes consequências, todas elas constituem em primeiro que pela sua altura possa ser transposto pelos peixes só o poderá
lugar uma barreira transversal, que retém água, sendo na maioria ser efectivamente se a jusante as características hidráulicas forem
das vezes intransponíveis pela fauna aquática, em particular pelos favoráveis à natação ou à formação do salto do peixe.
peixes. Constituem por isso obstáculo à livre circulação da ictio-
fauna e podem até comprometer a continuidade de certas espé- Para além do efeito barreira e directamente relacionado com a
cies, uma vez que impedem o acesso dos peixes a locais essenciais imposição de uma estrutura transversal que retém água, verifi-
para o desempenho de determinadas funções biológicas, como ca-se a transformação de uma massa de água de regime lótico
por exemplo a reprodução. No caso dos migradores anádromos para uma de regime predominantemente lêntico com a formação
(aqueles que se deslocam entre o meio de água doce e o mar), o de uma albufeira que inunda os terrenos adjacentes, situados a
impedimento de chegar aos locais de reprodução resultado da uma cota altimétrica inferior à do nível de retenção do açude ou
imposição de barragens, conduziu em muitos casos à sua extinção barragem. Esse efeito prolonga-se para montante numa extensão
local. Em Portugal, antes de 1950, ainda poucas barragens haviam que dependerá da morfologia do terreno, podendo estender-se a
sido construídas e a maior parte dos cursos de água estavam eventuais afluentes.
disponíveis para estas espécies. Actualmente, os grandes migra- De maior ou menor dimensão, as albufeiras produzem os seguin-
dores desapareceram da maior parte dos cursos de água, sendo a tes efeitos:
imposição de obras transversais fluviais um dos principais motivos i) retêm materiais orgânicos e inorgânicos transportados pelo
para o seu desaparecimento (Bochechas, 1995). curso de água;
ii) a acumulação destes materiais vai diminuindo, ao longo do
O efeito barreira não restringe os seus efeitos às populações de tempo, a profundidade da albufeira e a sua capacidade de
migradores diádromos. Na realidade actual, dado o seu desapa- armazenamento;
recimento de grande parte dos cursos de água portugueses, a iii) diminuem a velocidade da água e aumentam a sua profun-
questão da conectividade longitudinal dos cursos de água coloca- didade;
se para as espécies potamódromas, cuja deslocação no meio iv) podem dar origem a uma maior exposição da massa de água
dulciaquícola resulta da separação no espaço dos habitats neces- à radiação solar favorecendo a produção primária;
sários ao longo do seu ciclo de vida, garantindo a troca de v) podem eventualmente inundar habitats propícios à repro-
informação genética entre populações. O impedimento do seu dução;
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 013
vi) alteram as características físico-químicas da água, podendo Embora em cada caso existam condicionantes próprias e difira nas
dar origem à degradação da sua qualidade. suas características e especificidades de exploração, em termos
gerais podemos distinguir as características dos açudes ou barra-
Petts (1988) sistematizou os impactes negativos resultantes da gens de acordo com o seu objectivo.
construção de um açude ou barragem em impactes de três ordens,
sendo que os de 1ª ordem conduzem aos de 2ª e por sua vez Os açudes construídos com o objectivo de criar um espelho de
estes ao de 3ª ordem. Nos de 1ª ordem considerou: água para finalidades paisagísticas e/ou recreativas são em geral
i) o efeito barreira à livre circulação das espécies; de pequena altura e não regulam o caudal afluente, pelo que
ii) a alteração do regime natural de caudais; normalmente não haverá alteração significativa no regime de
iii) a alteração de granulometria e de locais de deposição de sedi- caudais. Geralmente, a água afluente é descarregada pela soleira
mentos, bem como da sua quantidade; do açude, não havendo consumo da água retida. Poderão possuir
iv) alterações na qualidade da água a jusante, especialmente se comportas amovíveis a ser retiradas fora do período balnear e por
as descargas forem do hipolímnio e; este motivo, ou pelo facto dos caudais do período chuvoso serem
v) alterações qualitativas e quantitativas no plâncton (por arras- mais fortes, estes pequenos açudes podem deixar de constituir
tamento das espécies que se desenvolvem na albufeira). obstáculo. A existência de comportas amovíveis contribui para a
minimização do impacte negativo sobre a deslocação dos peixes,
Estes condicionam os impactes de 2ª ordem nos quais inclui: uma vez que torna possível uma aproximação à condição natural
i) alterações frequentes na forma do canal fluvial e na distri- do curso de água, pelo menos, durante parte do tempo. Porém,
buição de habitats e; noutros casos constituem barreira intransponível durante todo o
ii) alterações na distribuição, no tipo e quantidade de plantas. ano.
Por sua vez estes influem sobre os que considerou de 3ª ordem: Os açudes ou barragens construídos para abastecimento de água
alterações na comunidade de macroinvertebrados e de peixes para consumo poderão ser de grande dimensão, construídos em
(composição e biomassa). betão ou em terra, dando origem à formação de uma albufeira na
qual importa a qualidade da água do ponto de vista do consumo
De facto, a alteração profunda das características do curso de doméstico ou industrial. Nestes casos, ocorre derivação de água
água origina por sua vez a adaptação das comunidades e de todo que será consumida e não será restituída ao curso de água.
o sistema ecológico. Não obstante, em muitos dos casos a ictio- A exploração deste tipo de reservatório é determinada pelas
fauna pré-existente poderá persistir, adaptando-se também ela às necessidades de abastecimento, mas deverá ter em conta a liber-
alterações impostas. tação de um caudal que garanta a sustentabilidade dos sistemas
a jusante.
Embora a formação de uma albufeira seja comum a qualquer tipo
de estrutura transversal criada para este fim, podem distinguir-se Outra finalidade possível dos açudes/barragens é reter água para
variações nas suas características, bem como na forma de explo- rega, tratando-se neste caso de aproveitamentos hidroagrícolas.
ração do que resultam diferentes impactes não só a montante Nestes casos a exploração centra-se particularmente no período
mas também a jusante. Distinguem-se as seguintes utilizações estival, quando a necessidade de água para usos agrícolas toma
mais comuns das albufeiras: particular importância, sendo a água extraída consumida e não
i) formação de plano de água com objectivos paisagísticos e/ou devolvida ao curso de água. Neste tipo de albufeiras a qualidade
recreativos; da água é também importante, embora não tão exigente quanto
ii) abastecimento de água; a usada para o abastecimento de água para consumo. Este tipo de
iii) aproveitamento hidroagrícola; aproveitamentos é mais vulgar no Sul do país onde as disponi-
iv) aproveitamento hidroeléctrico. bilidades hídricas no período estival escasseiam.
014 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Por último, os aproveitamentos hidroeléctricos. São mais comuns carem caudais que excedam a capacidade da central turbinar, o
no Norte do país, onde as disponibilidades hídricas se coadunam açude passará a descarregar o caudal excedente. De qualquer
com este tipo de obras, em especial os aproveitamentos de menor forma, numa situação normal, um aproveitamento hidroeléctrico
dimensão, designados de pequenos aproveitamentos hidro- distingue-se por permitir captar água na albufeira, utilizá-la e
eléctricos. Neste caso, os açudes/barragens são construídos para restituí-la de forma controlada. Assim sendo, considera-se um
retenção de água a determinada cota, a ser canalizada para um certo efeito tampão sobre o caudal do curso de água, uma vez que
nível inferior, de forma a poder transformar a energia potencial o aumento do caudal que chega à albufeira pode não corres-
gravitacional em energia cinética, e esta em energia eléctrica. Esta ponder a um aumento no caudal imediatamente a jusante do
utilização exige um desnível entre a tomada de água e as turbinas, açude, dado que existe armazenamento e uma restituição limi-
que por vezes resulta apenas da altura do açude, e neste caso a tada ao período de funcionamento da central hidroeléctrica.
central hidroeléctrica situa-se junto do açude/barragem, denomi- Por outro lado, a restituição pode ocorrer próximo do açude ou
nando-se central do tipo pé-de-barragem. No entanto, é vulgar mais a jusante, a uma distância maior ou menor, e neste caso o
que o desnível provocado seja superior à altura da barreira impos- único caudal a fluir entre o açude e a restituição é supostamente
ta, sendo que nestes casos a central hidroeléctrica se situa distan- o caudal ecológico. Em qualquer situação, a imposição da obra e
ciada do açude, sempre a uma cota significativamente mais baixa. a consequente alteração do regime de caudais é susceptível de
Nos aproveitamentos hidroeléctricos, toda a água captada é resti- originar um curso de água a jusante com características diferentes
tuída ao curso de água, podendo eventualmente sê-lo num curso da situação anterior à implantação do açude/barragem. No caso
de água diferente daquele em que foi captada. particular de leitos muito pedregosos e declivosos poderão passar
a existir quedas anteriormente inexistentes, pelo menos em
Este tipo de obra tem implicações particulares, que advêm da alguns períodos do ano, e assim comprometer a possibilidade dos
capacidade de controle da captação e restituição da água, quanto peixes se deslocarem ao longo da extensão afectada.
ao tempo, na medida em que a captação pode e, em muitos
casos, é restringida a determinados períodos em que a produção
de energia é mais rentável e, em relação ao espaço, uma vez que
a libertação do caudal turbinado ocorre em determinado local.
A avaliação da necessidade de construir um dispositivo que alterações. Sobre este aspecto, há a considerar por um lado as
permita aos peixes ultrapassar determinada barreira imposta num modificações a montante do açude, como o facto de passar a
curso de água deve, em primeiro lugar ter em conta a situação existir uma albufeira que transforma o meio lótico num meio
anterior à existência dessa barreira. Isto porque, actualmente, a lêntico e que inunda eventuais habitats propícios por exemplo
questão das passagens para peixes em Portugal coloca-se quando para a desova, e, por outro lado, as modificações a jusante ineren-
se pretendem introduzir novos obstáculos, concretamente açudes tes à retenção do caudal afluente. Estas modificações no curso de
ou barragens, cuja utilização pode ser diversa, mas que na sua água podem ser diferentes, consoante a utilização que é dada ao
maioria estão associados a aproveitamentos hidroeléctricos. Posto açude.
isto, poder-se-ão apontar alguns aspectos a ter em consideração
numa análise anterior à obra construída e que consistem prima- Todas estas modificações podem ocorrer e comprometer os
riamente em conhecer a comunidade piscícola existente no troço habitats procurados pelas espécies na sua migração. De facto, se
do curso de água em causa e a relevância que a extensão afectada as condições a montante não forem favoráveis ao cumprimento
pela obra tem para essa comunidade. Quanto a estes aspectos das funções biológicas que induzem as espécies a subirem o rio,
poder-se-á mais especificamente questionar sobre: a instalação de dispositivos para a passagem dos peixes assume-
i) a existência de populações de peixes e, no caso de não existi- se como menos importante. Para além disso, resta saber se as
rem, a causa da não existência, nomeadamente se se trata de zonas a montante do açude são relevantes para as espécies que
uma causa definitiva ou não; povoam o rio. De entre os factores que podem contribuir para
ii) a composição da comunidade piscícola eventualmente exis- prescindir da construção de uma passagem para peixes encon-
tente, tendo em conta a importância, quer do ponto de vista tram-se:
ecológico quer numa perspectiva económica, das espécies i) a existência de outras obstruções intransponíveis pelos peixes
presentes; a jusante da obra, sendo que neste caso, se torna impossí-
iii) a existência de actividade piscatória desportiva ou profissional vel aos peixes chegar à zona envolvente do açude/barra-
no troço em causa ou associada a populações eventualmente gem, a menos que se instalem passagens para peixes nesses
postas em risco; obstáculos;
iv) a existência, a montante desse local, de habitats necessários ii) a destruição dos habitats procurados pelos peixes, uma vez
para a manutenção das populações de peixes e a relevância que nessa situação a função biológica a cumprir fica compro-
desses habitats, tendo em conta que poderão existir outros metida;
semelhantes a jusante que possam satisfazer as necessidades iii) a alteração profunda do leito do curso de água; ainda que
das populações ou ainda, existam os habitats necessários aos peixes mais a montante,
v) a preexistência de obstáculos, naturais ou não, que de alguma esta situação pode prejudicar a sua migração, nomeadamente
forma já impeçam a chegada de peixes ao local de construção provocando a sua desorientação;
do açude. iv) a inexistência de caudal suficiente a jusante da obra; a alte-
ração do regime de escoamento do curso de água pode resul-
Posto isto, importa ainda tentar prever como o açude a construir tar na diminuição dos caudais para níveis que impossibilitam
vai modificar o regime de caudais ou o leito do curso de água e a passagem dos peixes, nomeadamente durante o Inverno e
os habitats associados e quais serão as implicações de tais no caso dos açudes/barragens que de alguma forma regulam
016 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Os dispositivos de passagens para peixes são estruturas muito 5.1. Definição de objectivos
específicas e exigentes do ponto de vista da sua concepção e
construção. Ao mesmo tempo que se encontram incorporadas em À partida, o objectivo de um dispositivo de passagem para peixes
obras objecto da engenharia civil, incluem uma componente da consiste na minimização dos impactes negativos causados por um
área da biologia, uma vez que se destinam a ser utilizadas pela obstáculo à livre circulação dos peixes, nomeadamente no que diz
fauna piscícola. Deste modo, ao mesmo tempo que exigem a respeito ao efeito barreira. No entanto, estes impactes podem ser
definição de características técnicas estruturais e funcionais, têm variáveis de acordo com factores como: as espécies afectadas,
de considerar factores do âmbito da biologia das espécies a que nomeadamente o seu valor ecológico e económico; a localização
se destinam, como as suas capacidades de natação e salto ou a do obstáculo, em particular a sua posição relativa na bacia hidro-
sua época de migração. gráfica ou a importância da transponibilidade do obstáculo face
aos restantes impactes negativos provocados. Nos objectivos é
Além da complexidade de elementos a considerar na concepção importante definir os seguintes aspectos.
de um dispositivo de passagem para peixes, atente-se ainda no
facto de que pequenas incorrecções na concepção ou na cons-
trução podem comprometer o funcionamento de toda a passa- 5.1.1. As espécies a que se destina
gem para peixes, bastando para isso que um valor de um dos
parâmetros considerados importantes para a sua eficácia não se Deverão ser identificadas as espécies potencialmente utilizadoras
encontre dentro dos limites admitidos como adequados. do dispositivo e, sobre cada uma, conhecer os dados disponíveis
sobre os efectivos actuais ou potenciais e os períodos de migração
A concepção de um dispositivo para a transposição de um ascendente e descendente (Porcher e Larinier, 2002). Depois de
obstáculo deverá começar pela recolha de dados biológicos, conhecer a composição da comunidade piscícola, em particular as
hidrológicos, hidráulicos, topográficos e de qualidade da água espécies com comportamento migratório, importa concretizar as
(Porcher e Larinier, 2002), cujo conjunto resulta numa complexi- espécies para as quais o dispositivo é desenhado; poderão ser
dade de informação que importa considerar, em primeiro lugar, definidas prioridades na importância, de acordo com o seu valor
na análise da importância de determinado dispositivo e definição ecológico e económico ou com o impacto causado sobre cada
dos seus objectivos e, em segundo lugar, na determinação das população em particular. A percentagem de indivíduos a passar
suas características técnicas. na passagem para peixes poderá também ser de importância
variável consoante a representatividade do habitat de reprodução
É igualmente importante conhecer as características hidrológicas existente a montante.
do curso de água tais como: o caudal modular; caudais médios
mensais ou o caudal característico do período estival e do período
das cheias; a amplitude de variação de caudais no período da 5.1.2. A eficácia pretendida
migração e os efeitos da regulação de caudais por outros aprovei-
tamentos hidroeléctricos (Porcher e Larinier, 2002). A localização relativa do açude/barragem na bacia hidrográfica
poderá influir sobre a importância da sua eficácia. Por exemplo,
um obstáculo localizado junto da foz de um curso de água cons-
018 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
titui barreira relativamente a uma maior extensão de habitat, biomas com diferentes níveis de salinidade ao longo do seu ciclo
comparativamente a um outro localizado junto da nascente desse de vida (Lucas e Baras, 2001).
curso de água. Desta forma, poderá considerar-se como sendo de
maior importância garantir a eficácia de um obstáculo localizado As espécies que desenvolvem todo o seu ciclo de vida em água
mais a jusante, para uma mais elevada percentagem de indiví- doce, efectuando as migrações nesse meio, designam-se migra-
duos. Esta apreciação é particularmente válida para os migradores doras potamódromas. Nestas espécies, as áreas de alimentação e
que percorrem grandes distâncias, como por exemplo, os migra- de reprodução podem estar distanciadas de alguns metros até
dores diádromos para os quais o obstáculo mais a jusante pode centenas de quilómetros.
comprometer toda a subida do curso de água. No entanto, para
as populações residentes permanentemente em água doce, que Os migradores diádromos, por seu lado, desenvolvem o seu ciclo
façam deslocações de menor distância, qualquer obstáculo pode de vida em água doce e salgada, com distâncias entre as zonas de
ser comprometedor desde que separe a população do habitat que alimentação e reprodução que poderão chegar aos milhares de
lhe é necessário. quilómetros. Três grupos podem ser diferenciados na categoria
dos migradores diádromos (McDowal, 1997):
5.1.3. O sentido do movimento migratório i) migradores anádromos, (eg. salmão), cuja reprodução ocorre
em água doce e a fase de crescimento e alimentação no mar;
Apesar da maioria dos dispositivos serem concebidos com o ii) migradores catádromos, (eg. enguia), com o ciclo inverso, ou
objectivo de proporcionar o movimento de migração no sentido seja, crescimento e alimentação em água doce com posterior
de jusante para montante, o movimento no sentido oposto pode migração dos adultos para o mar para a reprodução;
revelar-se de grande importância, pelo que esse problema deverá iii) migradores anfídromos, (eg. tainha), que utilizam as águas
ser tido em conta aquando da concepção de um dispositivo. salgadas e doces mas a movimentação entre os dois meios
está associada à busca de alimento ou refúgio e não à repro-
dução.
5.2. Características das espécies alvo
Os migradores catádromos são muito menos comuns que os
O comportamento migratório dos peixes resulta da necessidade anádromos. Em Portugual, os migradores anádromos mais
de diferentes habitats para a alimentação, refúgio e/ou repro- comuns são a truta (Salmo trutta), o sável (Alosa alosa), a savelha
dução durante as várias fases do ciclo de vida. Essa necessidade (Alosa falax) e a lampreia (Petromyzon marinus). Entre as espé-
induz a deslocação dos indivíduos, umas vezes para locais a cies potamódromas encontram-se o barbo (Barbus sp.), a boga
alguns metros de distância, outras, para zonas a alguns milhares (Chondrostoma sp.) ou o escalo (Squalius sp.).
de quilómetros. Estas e outras diferenças no comportamento
migratório estão associadas a diferenças entre os vários migra-
dores, com características específicas importantes na concepção e 5.2.2. Regimes natatórios
gestão dos dispositivos de passagem para peixes. e factores relacionados
Relativamente à importância destas diferenças nos dispositivos de ii) Um último regime de actividade natatória, designada segun-
passagem para peixes, segundo Larinier (2002 e), a capacidade do a nomenclatura anglo-saxónica como "sustained activity",
natatória será um dos factores determinantes a ter em conta na pode ser mantida durante alguns minutos mas com cansaço
concepção das passagens, sendo expressa em termos de velocida- para o peixe. Este regime natatório usa os mecanismos aeró-
de de natação e resistência, sendo esta, o período de tempo duran- bios e anaeróbios em proporções variáveis e, quanto maior
te o qual o peixe consegue manter uma determinada velocidade. for o esforço, maior será a utilização da componente anaeró-
bica.
Segundo o mesmo autor, a ondulação do corpo e da barbatana
caudal será a fonte da propulsão durante a migração na maior
parte das espécies. Assim, o comprimento do peixe e a frequência 5.2.4. Temperatura e comprimento
de oscilação serão determinantes na velocidade de natação.
Relativamente à frequência de ondulação do peixe e da barbatana Dado que a velocidade máxima é determinada pelo funcio-
caudal, esta é determinada pela temperatura e pelo tipo de mús- namento do músculo branco e o período de tempo entre duas
culos envolvidos. contracções do músculo diminui com a temperatura, pode dizer-
se que a velocidade máxima depende especialmente do compri-
mento do peixe e da temperatura (Larinier, 2002e).
5.2.3.Tipo de músculo
Videler (1993) propõe a seguinte função baseada na compilação
Pode afirmar-se que, na generalidade dos peixes, existem dois de resultados experimentais (obtidos para peixes com compri-
tipos de tecido muscular envolvido na natação, o musculo branco mento inferior a 50 cm) para a relação entre a velocidade máxima
e o musculo vermelho, estando a sua utilização associada a dife- de natação Vmax (m/s) e o comprimento do peixe L (m).
rentes regimes natatórios.
i) O músculo vermelho está associado a actividade muscular Vmax = 0,4 + 7,4 L
aeróbica e à velocidade de cruzeiro, "cruising activity", segun-
do a nomenculatura anglo-saxónica. Este regime de natação Relativamente à velocidade de cruzeiro, definida como a
pode ser mantido durante horas sem causar alterações fisio- velocidade máxima a que o peixe consegue nadar sem exibir
lógicas no organismo, dado que o combustível utilizado, a sinais de fadiga, o mesmo autor propõe duas relações entre
glicose, é fornecido de forma sustentada através dos inúmeros a velocidade de cruzeiro, Vcr (m/s) e o comprimento do peixe,
vasos sanguíneos que irrigam este tipo de músculo. L (m), também obtidas em peixes com um comprimento inferior
ii) Quando é necessário um curto período de rápida natação, a a 55 cm.
utilização do músculo branco permite a obtenção da "burst
speed", surtos de rápida velocidade mas de pequena duração, Vcr = 0,15 + 2,4 L e Vcr = 2,3 L0,8
que se poderão apelidar de velocidade de ponta. Este regime
de natação apenas pode ser mantido por curtos períodos de Qualquer uma destas relações evidencia também a importância
tempo (décimos de segundo a alguns segundos), dado que do comprimento do peixe na sua capacidade natatória.
recorre quase exclusivamente a mecanismos anaeróbios,
envolvendo consumo de glicogénio e produção de ácido lácti-
co. Apesar da contracção dos músculos brancos permitir 5.2.5. Comprimento e tipo de migrador
rápidas acelerações, as reduzidas reservas de glicogénio no Algumas considerações gerais
musculo levam ao rápido esgotamento deste, e, parale-
lamente, a acumulação do ácido láctico inibe a contracção do O comprimento dos peixes em migração, por seu lado, está rela-
músculo, tornando este regime de actividade natatória muito cionado com o tipo de espécie migradora.
limitado em termos de duração.
020 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Relativamente aos potamódromos Ibéricos, apesar de serem natação ou resistência, e desde que o dimensionamento para esta
escassas as referências a valores concretos para a velocidade espécie permita a passagem de todas as restantes.
máxima ou de cruzeiro, os valores dispersos existentes são sempre
inferiores aos dos restantes migradores, excepção feita à enguia.
Estas referências dispersas foram confirmadas para o barbo em 5.3. Escolha do tipo de dispositivo a utilizar
ensaios realizados recentemente num protótipo de passagem
para peixes (dados não publicados). A este respeito importa A escolha do tipo de dispositivo a utilizar não segue parâmetros
referir que o protótipo em causa, construído no âmbito do pro- rígidos, devendo ficar ao critério do projectista a escolha da
jecto AGRO 114 "Desenvolvimento e aplicação de uma passagem melhor solução para a situação em causa, sendo por vezes neces-
para peixes destinada a obras transversais fluviais de utilização sário conjugar mais de um tipo de dispositivo. A multiplicidade de
agrícola" está a ser utilizado para a optimização deste tipo de constrangimentos e de factores (de ordem biológica, hidrológica,
passagens para os ciprinídios Ibéricos, nomeadamente o barbo. hidráulica, topográfica, etc.) faz com que cada situação seja um
caso específico, evidenciando a experiência que uma classificação
A orientação da migração e a forma como decorre resulta em rígida é susceptível de introduzir erros grosseiros ou custos proibi-
alguns comportamentos mais ou menos específicos. Por exemplo, tivos (Larinier, 2002a). No entanto, o modelo escolhido não deve
no caso das migrações anádromas, a corrente dos rios é uma variar excessivamente daqueles com eficácia demonstrada, sob o
importante referência para a orientação dos peixes no seu per- risco de, ainda que se preveja um bom funcionamento hidráulico
curso em direcção aos locais de reprodução. A orientação pela nas condições do projecto, vir na prática a demonstrar ineficácia
direcção da corrente e o movimento contra esta é um fenómeno na passagem dos peixes.
conhecido por reoreacção e é influenciada pela temperatura,
luminosidade, grau de turbulência, velocidade da corrente e con- De qualquer modo, no processo de escolha do tipo de passagem
dições fisiológicas dos peixes (Bochechas, 1995). Simultanea- para peixes deve ser considerado (Porcher e Larinier, 2002):
mente, outras formas de orientação como orientação visual, táctil i) as espécies a que se destina o dispositivo;
ou olfactiva determinam os comportamentos de algumas espé- ii) o caudal a transitar no seu interior;
cies. Por exemplo, espécies que se orientem visualmente tendem iii) as variações de nível a montante e a jusante;
a deslocar-se junto à superfície da água ou nas águas pouco iv) os constrangimentos topográficos;
profundas tendo a luminosidade influência nas suas deslocações v) o desnível a vencer;
enquanto que, espécies que utilizem uma orientação táctil se des- vi) o custo de funcionamento e;
locam junto das margens mas durante a noite (Bochechas, 1995). vii) o transporte sólido.
Estes padrões de deslocação são importantes na localização da
entrada dos dispositivos de passagem para peixes, permitin- Existem quatro tipos principais de dispositivos de passagem para
do uma rápida detecção destes dispositivos pelos peixes em peixes e mais três de passagens para peixes naturalizadas. A sua
migração. escolha prende-se essencialmente com o desnível a vencer e no
caso das passagens naturalizadas, com as características do local
Todos estes factores são relevantes para a concepção de um da obra. Em seguida é feita uma breve abordagem aos diferentes
dispositivo de passagem para peixes uma vez que este deve estar tipos de passagens para peixes.
o melhor possível adaptado às características das espécies a que
se destina.
5.3.1. Bacias sucessivas ou escadas de peixes
Importa referir que, em presença de diversas espécies e dimen-
sões, o dispositivo deve ser dimensionado para permitir a passa- O tipo de passagens para peixes de bacias sucessivas (figura 5.1.)
gem da espécie mais desfavorecida, ou seja, com menor capaci- é a escolha mais frequente para os pequenos aproveitamentos
dade em termos de detecção da entrada, velocidade máxima de hidroeléctricos e outros pequenos açudes. Este tipo de dispositivo
022 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
tipo combinado ascensor e bacias sucessivas, actualmente em elevar o nível da água na câmara inferior, enchendo a condu-
construção. Os ascensores funcionam com base num mecanismo ta; os peixes que se encontram na câmara inferior acompa-
que eleva uma cuba na qual se encontram os peixes, que uma vez nham a zona superficial da coluna de água;
atraídos para este reservatório não necessitam de qualquer esfor- iii) período de passagem ou de saída: uma vez ao nível de mon-
ço para vencer o desnível. Depois de elevados no interior da cuba, tante deverá ser criado um fluxo de água que estimule os
os peixes são libertados na albufeira. Este tipo de dispositivo peixes a nadarem para a albufeira;
requer manutenção adequada ao mecanismo instalado para a iv) período de esvaziamento: a conduta que se encontra cheia de
elevação da cuba e não possibilita a deslocação dos peixes para água deverá ser esvaziada de modo a recomeçar o ciclo.
jusante.
O ciclo de funcionamento e a duração de cada uma das suas fases
é variável, sendo que apenas durante o período de pescagem o
5.3.4. Eclusas dispositivo exerce atracção sobre os peixes. Além disso, durante
este período, os peixes poderão entrar e sair, assim como poderão
Assim como os ascensores, as eclusas (figura 5.4.) não propor- permanecer na câmara superior no período de passagem ou
cionam um caminho pelo qual os peixes se possam deslocar de saída, voltando ao nível de jusante no período de esvaziamento.
forma a vencer o desnível, mas antes forçam a subida do peixe Por estes motivos, este tipo de dispositivo pode apresentar algu-
através da elevação do nível da água no interior de uma conduta. mas limitações na sua eficácia.
Para além da conduta, inclinada ou vertical, as eclusas incluem
duas câmaras, uma inferior a jusante e uma superior a montante, As eclusas de peixes totalizam 6 dispositivos em Portugal. Existem
nas quais existem válvulas de funcionamento automático que nas barragens do Douro e na barragem de Belver, no Tejo.
regulam a entrada e saída de água. O seu funcionamento consiste
na atracção dos peixes para a câmara inferior, na qual a certa
altura o nível da água começa a subir até ao nível de montante. 5.3.5. Passagens para peixes naturalizadas
Os peixes que foram elevados pela subida da coluna de água
deverão então sair do dispositivo para a albufeira. O funciona- As passagens para peixes naturalizadas distinguem-se por cons-
mento desenvolve-se nos seguintes períodos: tituírem uma solução que não só possibilita a transposição do
i) período de pescagem ou de atracção: é libertado a jusante um obstáculo, como também originam elas próprias habitat, imitando
caudal que deverá atrair os peixes para a câmara inferior; a tanto quanto possível as zonas de rápidos ou pequenos cursos de
válvula de jusante encontra-se totalmente aberta; água (FAO, 2002). As principais vantagens deste tipo de passagem
ii) período de enchimento: a válvula de jusante fecha de modo a para peixes são:
i) o seu enquadramento na paisagem;
ii) utilizarem, sempre que possível, materiais da zona de implan-
tação;
FIGURA 5.4.
Desenho esquemático iii) constituírem eles próprios habitat e criarem diversidade de
de uma eclusa de peixes condições ambientais;
(adaptado de Travade iv) permitirem a passagem em ambos os sentidos, não só da
e Larinier, 2002)
fauna piscícola mas também de outros elementos da fauna
aquática, nomeadamente os invertebrados, e;
v) em geral, permitirem minimizar um maior número de impac-
tos negativos decorrentes das obras fluviais transversais.
FIGURA 5.7.
necessidade de resolução de problemas relacionados com a
Canal naturalizado
para passagem de peixes limpeza e conservação do dispositivo. A fiscalização é também um
(adaptado de FAO, 2002) aspecto a ter em conta, uma vez que é importante a confirmação
de que tudo se encontra a funcionar como previsto e constitui
uma medida a implementar.
(Larinier, 2002d). Para além da importância de conduzir a fauna positivo. Esta questão coloca-se principalmente nos casos dos
piscícola para a entrada da passagem, é ainda importante consi- dispositivos do tipo bacias sucessivas, cujos muros que limitam as
derar a questão do tempo gasto nesta fase, uma vez que este bacias poderão ser destruídos caso se encontrem vulneráveis.
se pode tornar num factor limitante para o sucesso da migração
(Clay, 1995).
5.5. Caudal de dimensionamento
A entrada para o dispositivo deve situar-se o mais próximo
possível da barreira, para que, uma vez não conseguindo No dimensionamento de um dispositivo de passagem para peixes
progredir, a população piscícola seja impelida a procurar uma importa definir em primeiro lugar o caudal disponível para o seu
passagem. É normalmente preferível que a entrada se encontre funcionamento. O valor estipulado deve ter em conta o caudal
próximo de uma das margens, uma vez que os peixes tendem a que circula no curso de água, assim como o caudal ecológico e o
deslocar-se nesta zona. Por outro lado, importa que o caudal caudal reservado para usos preexistentes. Embora o caudal ecoló-
proveniente da passagem seja notado o mais a jusante possível e gico seja normalmente definido como 5% do caudal modular do
que não existam outras fontes de descarga de caudal que se curso de água, sendo este valor constante ao longo do ano, consi-
tornem competidores em termos de atracção dos peixes. Quando dera-se imperativo, a fim de minimizar os impactes negativos da
o dimensionamento do dispositivo não comporta a totalidade do obra, que o caudal mínimo garanta condições de circulação de
valor do caudal ecológico, o caudal adicional deverá ser libertado fauna piscícola a jusante do açude/barragem. Após a definição do
junto da entrada da passagem; desta forma não constitui caudal caudal a libertar e eventualmente a sua distribuição no tempo,
competidor, mas antes reforça o caudal de atracção dos peixes dever-se-á considerar esse o valor de caudal a circular na passa-
para a entrada do dispositivo. Quando se pretenda instalar ou gem para peixes, tomando-o como ponto de partida para o
reconverter uma passagem para peixes junto de um obstáculo dimensionamento do dispositivo. No entanto, caso o valor defi-
preexistente, é útil observar o comportamento das espécies, os nido seja demasiado elevado, conduzindo a valores de dimensio-
seus locais de concentração, os locais onde efectuam tentativas de namento da passagem para peixes incomportáveis, dever-se-á
transposição do obstáculo e assim definir o local de entrada para libertar o caudal excedente na entrada para o dispositivo a fim de
o dispositivo. Quando esse não é o caso, a entrada para a passa- promover a atracção exercida sobre a fauna piscícola, salvaguar-
gem deve ficar o mais perto possível do obstáculo, à profundidade dando os valores de velocidade da corrente suportados pelos
a que normalmente as populações nadam e se concentram, tendo peixes.
em conta o campo de velocidades junto do obstáculo.
pectiva da transposição de obstáculos, variedade nas condições dispor as bacias lado a lado, havendo mudança de sentido do
hidráulicas dos dispositivos. escoamento de bacia em bacia, designando-se esta configuração
por: configuração em "chicane" (figura 5.9.).
Os dispositivos deste tipo encontram-se instalados quase sempre
em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos existentes nos A configuração depende também do comprimento do canal, por
cursos de água a norte do rio Tejo e cujos açudes não impõem sua vez relacionado com número de bacias necessárias para
desníveis superiores a 11m de altura. vencer o desnível imposto pela barreira.
FIGURA 5.9.
Desenho representativo de vários tipos de configuração
5.6.2. Declive do canal
de dispositivos de bacias sucessivas;
a – Configuração linear; O declive do canal é dependente do dimensionamento das bacias,
b – Configuração com inflexões;
c – Configuração em "chicane"
nomeadamente do seu comprimento, e do desnível entre elas,
tendo em conta que cada bacia tem um comprimento mínimo e,
que entre bacias há um desnível máximo. A relação entre estes
dois parâmetros define o declive traduzido na seguinte expressão:
Declive = DH/L, sendo DH o desnível entre bacias consecutivas e
L o comprimento das bacias.
a – Configuração linear Desta forma, para um mesmo desnível entre bacias, o declive será
tanto maior quanto menos longas forem as bacias ou, para um
igual comprimento de bacias, o declive será maior para desníveis
entre bacias mais elevados. Tendo em conta que existem valores
considerados limite para os parâmetros de dimensionamento de
um dispositivo, o declive do canal deverá resultar da conjuga-
ção de um volume de bacia maximizado para um desnível entre
bacias minimizado, numa solução de compromisso entre eles.
c – Configuração em "chicane"
ao primeiro aspecto, o tamanho da bacia deverá ser tanto maior 5.6.5. Desnível entre bacias
quanto maior for a dimensão dos peixes potencialmente utili-
zadores do dispositivo. A sua profundidade deve permitir a forma- O desnível entre bacias (DH) corresponde à diferença de cotas
ção do salto, o que se torna particularmente relevante no caso dos altimétricas entre dois pontos equivalentes em duas bacias suces-
dispositivos que exijam o salto dos peixes para passarem de bacia sivas e condiciona o desnível entre os planos de água dessas
em bacia. Por sua vez, a dimensão da bacia, em conjunto com o bacias. A passagem dos peixes será tanto mais facilitada quanto
caudal no seu interior determina a potência volúmica dissipada menor for este valor, embora o limite inferior deva ser regulado
que constitui um indicador da turbulência e que pode ser calcula- de forma a que o número de bacias não seja proibitivo (Larinier,
da aproximadamente com base na seguinte expressão: 2002b).
O dimensionamento das bacias poderá ser estabelecido com base 5.6.6. Forma de comunicação entre bacias
em relações entre o seu comprimento e outras dimensões do
septo ou características hidráulicas, sendo que normalmente o As bacias são delimitadas por septos, cuja forma pode variar
valor do comprimento de uma bacia se encontra entre 7d e 12d, condicionando o escoamento no seu interior, em particular o
sendo d (Larinier, 2002b): campo de velocidades e a direcção das linhas de corrente. A geo-
i) Nas bacias que comunicam através de descarregadores de metria dos septos define algumas variantes do tipo de dispositivos
superfície, a carga sobre o descarregador; de bacias sucessivas e deve ser definida consoante as parti-
ii) Nas bacias que comunicam através de descarregadores cularidades da obra, uma vez que existem formas mais adaptadas
laterais, o valor mais pequeno entre a largura do descarre- a determinadas variações de caudal, ou variações de nível a mon-
gador e a carga sobre a sua soleira; tante e a jusante da barreira. Seguidamente distinguem-se as
iii) Nas bacias que comunicam através de fenda vertical, a largura formas mais vulgares e melhor adaptadas à maioria dos casos em
da fenda; Portugal.
iv) Nas bacias que comunicam através de orifícios de fundo, o
diâmetro do orifício, se tiver forma circular, ou o menor valor
de entre a sua altura e a sua largura, se for rectangular.
030 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
A utilização de orifícios como forma única de comunicação entre O caudal a passar por um orifício depende da sua área e do
bacias é frequente como forma de evitar as variações de caudal desnível entre os planos de água da bacia a montante e da bacia
devido a variações do nível a montante em dispositivos instala- a jusante e pode ser calculado de forma aproximada pela seguinte
dos em pequenas obras (100 a 200 l/s) (Larinier, 2002b). No expressão:
entanto, nos septos apenas com orifício de fundo é importante ter
cuidados especiais de manutenção uma vez que poderão ser Q = Cd S (2g DH)0,5
obstruídos. onde
Q – caudal (m3/s)
As dimensões dos orifícios devem ser suficientes para que os S – área da secção do orifício (m2)
peixes passem através deles e nos dispositivos existentes em g – aceleração da gravidade (equivalente a 9,81 m/s)
Portugal variam geralmente entre 0,023 m2 (0,15 m x 0,15 m) e DH – desnível dos planos de água da bacia de montante
0,16 m2 (0,40 m x 0,40 m), sendo normalmente de maior dimen- e da bacia de jusante (m)
são quando constituem a única forma de comunicação entre Cd – coeficiente de escoamento
bacias. Os valores mínimos considerados como referência encon-
tram-se no quadro 5.2.
5.6.6.2. Descarregador
QUADRO 5.2. - VALORES MÍNIMOS CONSIDERADOS COMO REFERÊNCIA O descarregador define-se por ser a largura do septo pela qual a
PARA A ÁREA DOS ORIFÍCIOS (LARINIER, 2002b)
água verte de uma bacia para a outra ao nível da superfície livre.
Área mínima
Na realidade, a não ser que o septo seja formado por uma parede
Grandes migradores salmonídeos 0,09 – 0,10 m2
de grande altura, todo o topo superior do septo pode constituir
Truta e grande parte dos ciprinídeos 0,04 m2
descarregador embora exista uma zona preferencial para a passa-
gem de água de uma bacia para a outra.
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 031
FIGURA 5.12.
Desenho representativo
de um septo com
descarregador lateral
(adaptado de Larinier, FIGURA 5.14.
2002b) Jacto de água
mergulhante
(foto obtida no modelo
experimental
construído no âmbito
do projecto Agro)
O descarregador pode assumir diferentes formas e posicionar-se A diferença entre os dois baseia-se fundamentalmente no nível da
em qualquer parte da largura do septo, sendo a mais vulgar a água na bacia de jusante relativamente à soleira do descarre-
forma rectangular com altura superior à largura, posicionado gador. No tipo de jacto mergulhante (figuras 5.13. e 5.14.), o nível
junto de uma das extremidades do septo. Um descarregador com da água na bacia de jusante situa-se abaixo do nível da soleira
estas características é aqui designado por descarregador lateral. do descarregador e a água cai sobre esta bacia formando um
Para além desta, os descarregadores podem assumir a forma ressalto, sendo a energia dissipada através de mistura turbulenta
triangular, adequada a grandes variações de caudal, ou dentro (Larinier, 2002b). Nestes casos, os peixes terão se saltar de uma
das formas rectangulares situarem-se no centro do septo sendo bacia para a outra.
de maior ou menor profundidade. As figuras 5.11. e 5.12. são
representativas de dois tipos de septos com descarregador. O caudal num descarregador com este tipo de jacto pode ser
calculado aproximadamente com base na seguinte expressão:
A geometria do descarregador, em particular o seu posiciona-
mento, largura e profundidade relativa ao fundo da bacia, deter- Q = Cd b (2g)0,5 H11,5
minam a forma do fluxo, ou seja, a direcção das linhas de corrente Onde,
dentro do jacto, a largura disponível para a passagem dos peixes Q – caudal (m3/s)
e a forma como a água cai sobre o plano de água da bacia de b – largura do descarregador (m)
jusante, ou seja, o tipo de jacto. g – aceleração da gravidade (equivalente a 9,81 m/s)
H1 – carga sobre o descarregador (m)
O tipo do jacto de água que se forma nos descarregadores pode Cd – coeficiente de escoamento
ser de dois tipos: jacto de água mergulhante e jacto de superfície.
O coeficiente de escoamento (Cd) é afectado essencialmente pelo
perfil do descarregador e pela espessura do septo, sendo maior
no caso dos descarregadores arredondados a montante, relati-
vamente àqueles de arestas vivas e menor para os descarrega-
dores mais espessos. O valor mais vulgarmente adoptado é 0,4
(Larinier, 2002b).
FIGURA 5.13.
No caso do jacto de água de superfície, o nível da água na bacia
Jacto de água de jusante encontra-se acima da soleira do descarregador origi-
mergulhante nando um fluxo que se prolonga à superfície e dissipa a sua
(adaptado de
Larinier, 2002b)
energia criando grandes zonas de recirculação (Larinier, 2002b).
Nestes casos é possível aos peixes vencerem o desnível entre
bacias nadando através da lâmina de água.
032 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Qn = K Qd FIGURA 5.15.
com Jacto de água de superfície
K = [ 1– ((H1– DH)/H1)1,5 ]0,385 (adaptado de Larinier, 2002b)
e
Qd = Cd b (2g)0.5 H11,5
Onde,
Qn – caudal num descarregador em regime afogado
com uma carga H1 (m3/s)
FIGURA 5.16.
Qd – caudal num descarregador em regime não afogado Jacto de água de
com uma carga H1 (m3/s) superfície
H1 – carga sobre o descarregador (m) (foto obtida no
modelo experimental
DH – desnível dos planos de água da bacia de montante construído no âmbito
e da bacia de jusante (m) do projecto Agro)
K – é uma coeficiente de redução de caudal (<1)
induzido pelo afogamento
V = (2g DH)0,5
Os dispositivos com septos deste tipo encontram-se bem nível da água tanto a montante como a jusante pode prejudicar o
adaptados a pequenas barragens nas quais as variações do nível seu funcionamento pelo que devem ser tomadas medidas para
da água a montante e a jusante são semelhantes e simultâneas controle ou formas de adaptação do dispositivos às variações de
(Clay, 1995). Uma outra vantagem deste tipo de septos é o facto nível, sendo que a resposta de um dispositivo de bacias sucessivas
dos peixes poderem escolher a profundidade da sua deslocação às variações de nível, tanto a montante como a jusante, irão
(Clay, 1995). Poderão ter uma ou duas fendas. depender da forma de comunicação entre bacias, ou seja, da
geometria dos septos.
5.6.6.4. Soluções combinadas Quando o nível da água a montante permanece estável ao longo
do tempo, o dispositivo deverá ser dimensionado, em particular a
Os septos podem apresentar não só uma forma de escoar o tomada de água, tendo em conta esse nível, não havendo, neste
caudal mas duas ou mais, sendo frequente a utilização de orifícios caso, exigências em termos de controlo da entrada de água. No
de fundo e descarregadores laterais; nestes casos o orifício situa- entanto, muitas vezes surgem variações do nível da água no
-se de um lado dos septos e o descarregador situa-se do outro reservatório de água a montante, que variam desde alguns centí-
lado e o septo seguinte tem uma disposição oposta. Deste modo metros até alguns metros, o que consequentemente exige diferen-
as linhas de corrente no interior da bacia criam locais favoráveis tes soluções para a entrada de água no dispositivo.
ao descanso dos peixes.
Caso a variação do nível da água não for muito significativa, o
Em todos os tipos de descarregadores, fendas ou orifícios, o controle poderá cingir-se ao tipo de comunicação entre bacias,
caudal, o desnível dos planos de água entre bacia e a carga sobre em particular nas primeiras (de montante). A utilização de septos
os descarregadores relacionam-se entre si. Deverá encontrar-se apenas com orifício de fundo em bacias com o fundo ao mesmo
um equilíbrio entre estes parâmetros de modo a que: o caudal nível é uma solução muitas vezes adoptada, uma vez que o caudal
seja suficientemente atractivo para os peixes mas não seja impe- a entrar no dispositivo só varia com a diferença de nível entre
ditivo da sua passagem, a queda corresponda a um desnível bacias, respondendo bastante bem à variação do nível a mon-
transponível pelos peixes e a carga sobre a soleira do descar- tante. Neste caso, os orifícios deverão ser dimensionados para
regador seja suficiente para que os peixes passem através dela. que o desnível dos planos de água entre bacias não ultrapasse os
Por sua vez a forma dos descarregadores e a orientação que 30 cm, para as condições de nível da água a montante máximo
conferem aos jactos vão determinar a orientação do escoamento (Larinier, 2002b).
dentro das bacias, condicionando a facilidade com que os peixes
se deslocam dentro das bacias. Os septos com fendas verticais também se apresentam como uma
solução adaptada a pequenas variações do nível (tanto a mon-
tante como a jusante) não alterando significativamente a turbu-
5.6.7. Entrada e saída de água lência com o aumento de caudal (Larinier, 2002b). Já no caso dos
para o dispositivo descarregadores largos, todo o aumento do nível da água a
montante irá repercutir-se num aumento de caudal no interior do
A entrada e saída de água de um dispositivo é fulcral para o seu dispositivo e consequentemente na turbulência.
funcionamento hidráulico, uma vez que condiciona o caudal no
seu interior e depende das variações do nível da água a montante Para variações do nível a montante mais significativas, poderá
e a jusante, pelo que é muito importante que a concepção do tornar-se necessário adoptar diferentes soluções, nomeadamen-
dispositivo entre em linha de conta com estes factores. De facto, te criar diferentes entradas de água a funcionar para diferentes
um dispositivo deve ser dimensionado para determinado valor de níveis de água a montante.
caudal, ou para uma gama de caudais, sendo o seu compor-
tamento hidráulico optimizado para esses valores. A variação do
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 035
As passagens para peixes poderão estar munidas de comportas de O fundo das bacias deverá ser sempre de superfície rugosa, a fim
dois tipos: aquelas que controlam o funcionamento do dispositivo de reduzir a velocidade da corrente junto deste, de modo a
regulando a passagem de água, e as que impedem a passagem de facilitar a passagem de fauna bentónica e de pequenos peixes
água a fim de secar o canal – as ensecadeiras. (FAO, 2002). Uma superfície rugosa poderá ser conseguida forran-
do o fundo da bacia com pedras incorporadas no betão (FAO,
O objectivo das comportas ensecadeiras é impedir a entrada de 2002), de modo a que não se desloquem. O material adicionado
água para o dispositivo, ou parte dele, possibilitando a secagem deve ser fixo de modo a que não se verifique o seu arrastamento
do canal. Este efeito é muito vantajoso para efeitos de reparação, o que poderia eventualmente obstruir algumas partes do dispo-
limpeza ou simplesmente verificação da condição em que se sitivo como por exemplo orifícios de fundo.
encontram as bacias. As comportas ensecadeiras não deverão
ser de fácil acesso ou fácil manuseamento de forma a que a
passagem da água não seja impedida sob qualquer pretexto ou 5.7. Manutenção
intenção, mas antes ser levada a cabo apenas quando mesmo
necessário e por quem de direito. A manutenção de um dispositivo de passagem para peixes é um
elemento fulcral para o seu funcionamento. Quer a limpeza, quer
As comportas para regulação da passagem da água controlam o a reparação do dispositivo ou das suas componentes mecânicas,
funcionamento do dispositivo podendo ser utilizadas para: são procedimentos fundamentais para garantir que as condições
i) controlar a entrada de água, nomeadamente nos casos em hidráulicas se mantenham adequadas à passagem dos peixes. Na
que a variação do nível a montante determine diferentes locais realidade, os cursos de água transportam materiais orgânicos e
para tomada de água ou, inorgânicos de diferente granulometria que num dispositivo do
ii) controlar a entrada de água, em soluções adoptadas para tipo bacias sucessivas com orifícios de fundo e descarregadores
variações de nível quer a montante quer a jusante, fazendo laterais podem sedimentar no interior das bacias e eventualmente
subir ou descer a soleira dos descarregadores consoante o obstruir orifícios de fundo, ou podem colmatar descarregado-
nível da água. res impedindo ou dificultando o escoamento. Na verdade, uma
passagem para peixes nestas condições apresenta características
Este tipo de comportas podem ser reguladas de forma auto- hidráulicas significativamente diferentes do previsto. Por exemplo,
mática, associadas a sensores do nível da água. no caso dos orifícios se encontrarem obstruídos, o caudal passa a
fluir apenas pelos descarregadores. No entanto, caso as bacias
036 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
não possuam orifícios de fundo ou fendas até ao fundo deverá ser 5.8.1. Controlo do funcionamento hidráulico
prevista uma forma de escoar toda a água do seu interior, de e mecânico
modo a poder proceder às acções de manutenção necessárias.
O controlo do funcionamento hidráulico e mecânico deve ser
Um outro aspecto diz respeito à ocorrência de caudais de cheia efectuado, quer após a entrada em funcionamento dos dispo-
que, com maior energia, podem eventualmente destruir partes sitivos para verificar a conformidade com os critérios definidos em
mais sensíveis ou vulneráveis da estrutura. De facto, não é ainda projecto, quer a intervalos regulares para assegurar que as condi-
vulgar ser apresentado um plano de manutenção e muitas vezes ções se mantêm. O controlo dos parâmetros hidráulicos consiste
as estruturas apresentam problemas de limpeza ou mesmo de essencialmente na medição de níveis e da velocidade da água,
conservação. bem como na verificação de que a estrutura dos escoamentos e o
nível de turbulência em todo o dispositivo se mantêm compatíveis
com as exigências das diversas espécies. Os órgãos mecânicos dos
5.8. Monitorização e fiscalização dispositivos, como os órgãos reguladores de caudal ou de nível ou
os mecanismos que asseguram o funcionamento das passagens
Associadas à construção de passagens para peixes, devem ser ditas mecânicas, como as eclusas ou ascensores, devem ser verifi-
implementadas operações de avaliação das suas condições de cados a intervalos regulares para assegurar o normal desenrolar
funcionamento e eficácia. Estas operações são importantes sob dos ciclos.
diversos pontos de vista: verificação da eficácia de dispositivos
novos, ajustamento das suas características caso seja necessá-
rio, conhecimento das populações de peixes migradores e das 5.8.2. Técnicas para obtenção
características das suas migrações, recolha de informação técnica de informações biológicas
e biológica destinada aos projectos e optimização de futuros
dispositivos, assim como para uma gestão racional das popu-
lações piscícolas migradoras (Travade, 1990). Para além dos 5.8.2.1. Contagem de peixes por captura
aspectos referidos, há ainda a salientar a importância da avaliação
da eficácia de dispositivos já construídos, que não tenham sido A contagem dos peixes por captura consiste essencialmente em
objecto de estudo, desconhecendo-se, portanto, o seu grau de capturar os peixes com um dispositivo adequado colocado no
eficácia. As técnicas utilizadas incluem o controlo do funciona- interior da passagem para peixes e contá-los manualmente antes
mento hidráulico e mecânico do dispositivo, a recolha de infor- de os libertar a montante do obstáculo (Travade, 1990). Em geral,
mações biológicas qualitativas indicadoras da forma como se o dispositivo de captura consiste numa nassa em rede com a
processa a transposição do obstáculo, a contagem dos peixes que entrada com forma cónica, onde os peixes ficam retidos, sendo
transitam pelo dispositivo e a relativização das passagens pelo contados a intervalos regulares. O dispositivo de captura deve
dispositivo com a população migrante, o que representa a eficácia ser dimensionado de modo a ter em conta o máximo número de
real do dispositivo (Travade e Larinier, 2002b). peixes que é previsível estarem presentes ao mesmo tempo no
seu interior.
Por sua vez, a fiscalização constitui um importante passo no
intuito de conhecer a situação actualizada de cada dispositivo, As vantagens desta técnica são, segundo Travade (1990), a relativa
nomeadamente no que diz respeito ao seu funcionamento e facilidade de instalação, especialmente em dispositivos de
estado de limpeza e conservação. pequena dimensão, a facilidade de identificação de todas as
espécies, a possibilidade de recolha de parâmetros biológicos dos
peixes ou de captura de peixes para outros fins, como a marcação
ou a utilização para repovoamentos. Entre as desvantagens desta
técnica importa destacar os riscos de ferimentos nos peixes, em
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 037
particular nas espécies mais sensíveis como o sável, os custos dos peixes, registam também a sua silhueta. Este equipamento,
elevados de manutenção, especialmente os relacionados com o designado por Riverwatcher, foi testado pela DGRF no aprovei-
pessoal quando existem grandes quantidades de peixes e ainda a tamento hidroeléctrico de Janeiro de Cima, no rio Zêzere, não se
ausência de uma recolha contínua de dados. tendo, no entanto, obtido resultados encorajadores, em particular
devido à pouca eficácia do Riverwatcher na detecção de peixes de
Em Portugal esta técnica foi testada, pela DGRF, nos últimos anos, pequena dimensão (Pinheiro, 2004).
nas passagens para peixes de bacias sucessivas dos aprovei-
tamentos hidroeléctricos de Vale Soeiro, no rio Paiva e de Janeiro
de Cima, no rio Zêzere. Revelou-se uma técnica muito onerosa e 5.8.2.3. Contagem visual
com resultados pouco interessantes, pois não permite relacionar
em tempo real a utilização do dispositivo pelos peixes, com as A contagem visual é uma técnica de contagem contínua sem
condições de exploração do aproveitamento. necessidade de manuseamento dos peixes e que evita os prin-
cipais inconvenientes da contagem por captura e da contagem
automática (Travade, 1990). O seu princípio consiste em obrigar
5.8.2.2. Contagem automática os peixes a passar numa zona em que sejam facilmente identi-
ficados e contados por um observador. Os peixes podem ser
A contagem automática de peixes consiste na utilização de dispo- obrigados a passar junto a uma janela através da qual é feita a
sitivos que reagem à passagem dos peixes, registando o número observação lateralmente, ou através de uma zona com pouca
de passagens. São utilizados normalmente dois tipos de conta- profundidade, em cujo fundo é colocado um painel de cor clara,
dores automáticos: contadores de sonar que detectam os peixes sendo a observação, neste caso, feita por cima através da super-
analisando o eco da sua passagem através da zona de acção de fície da água. No segundo caso a identificação dos peixes é mais
uma sonda de sonar e os contadores de resistividade que se difícil dado ser mais reduzido o número de caracteres morfo-
baseiam na diferença de condutividade entre a água e o corpo lógicos distintivos das espécies.
dos peixes.
A contagem e a identificação podem ser efectuadas em tempo
O contador de sonar foi mais utilizado na América do Norte real, o que necessita da presença permanente de um observador.
(Arnold, 1978) e o de resistividade na Europa, em particular na Actualmente, dado o desenvolvimento das técnicas de video, é
Escócia e na Irlanda (Simpson, 1978). Em França têm sido também possível tornar esta operação mais fácil. Travade (1990) cita o
utilizados contadores de resistividade, tendo sido desenvolvidos exemplo do ascensor para peixes de Poutés no rio Allier, onde
diversos tipos (Travade, 1990). Os mais recentes apresentam foi instalada uma câmara de video, em que a observação é feita
como principal característica a possibilidade de diferenciar duas 24 horas por dia (12 ciclos do ascensor), sendo necessário um
classes de tamanho, de contar e distinguir deslocações no sentido trabalho de análise das fitas gravadas de uma hora por mês,
de montante ou no de jusante e registar a informação de uma obtendo-se um grau de confiança de 95%. Este é, no entanto,
forma contínua (Bonnefois, 1988). um caso extremo por exigir apenas registar alguns segundos de
imagem por cada ciclo, para se conhecer a totalidade dos peixes
Os contadores automáticos de peixes apresentam a desvantagem que utilizaram o ascensor. Na maioria das situações é necessário
de não permitirem a identificação das espécies. A sua utilização registar a imagem de uma forma contínua, dado que a passagem
em França está limitada aos rios de salmonídeos com uma ou dos peixes pode ocorrer em qualquer momento. No caso das
duas espécies principais (truta e salmão), que são razoavelmente eclusas, que funcionam por ciclos, é apenas necessário registar
reconhecíveis pelo seu diferente tamanho (Travade, 1990). imagem durante os períodos de passagem dos peixes, havendo
assim poupança de fita magnética e de tempo de visionamento.
Mais recentemente foram desenvolvidos sensores de infraver- Para reduzir o tempo de gravação de imagem e, consequente-
melhos que, para além da contagem e medição de comprimento mente, o tempo de visionamento, foi desenvolvido em França o
038 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
Neste ponto é feita uma abordagem sumária às características 6.1. Critérios de classificação
mais relevantes dos dispositivos de passagens para peixes existen-
tes em Portugal. Sobre cada uma é descrita a respectiva localiza-
ção, o tipo do dispositivo, algumas características do seu desenho 6.1.1. Funcionamento
e dimensionamento, a apreciação do seu funcionamento e ainda
uma classificação quanto a alguns parâmetros considerados rele- Este ponto refere-se apenas ao facto do dispositivo se encontrar
vantes para a eficácia de cada dispositivo. por norma a escoar água ou não.
3 Condições de acesso ao dispositivo ou a parte dele através de 3 Passagem que podendo possuir ou não obstáculos a jusante,
estruturas ou caminhos bem determinados, embora essas desde que transponíveis, apresenta um ou mais aspectos nega-
estruturas possam oferecer dificuldades e condições de segu- tivos em termos de atractividade.
rança deficientes; nas escadas de peixes todas as bacias são
observáveis. 4 Passagem que não possuindo obstáculos a jusante, apresenta
condições de atractividade razoável, sendo admissível uma
4 Condições de acesso facilitado pelos menos a parte do dispo- contrariedade mas sem efeitos considerados muito negativos.
sitivo, com condições de segurança adequadas; nas escadas de
peixes todas as bacias são observáveis. 5 Passagem para peixes que não possui qualquer obstáculo a
jusante da sua entrada, possuindo boas condições de atracti-
5 Condições de acesso facilitado a todo o dispositivo ou às partes vidade (um caudal perceptível, inexistência de caudais "compe-
consideradas de acesso necessário, sendo possível, no caso das tidores" em termos de atracção, localização adequada da
escadas de peixes, chegar e observar todas as bacias em última bacia).
condições de segurança.
6.1.4. Limpeza
6.1.3. Atractividade
A classificação deste parâmetro avalia o estado de limpeza em
A classificação da atractividade considera, não só as condições que se encontra o dispositivo durante a visita ao local, assim como
que determinam a atractividade do dispositivo em si, como a loca- a sua susceptibilidade à entrada de lixos. Assim sendo, o valor
lização da entrada, o caudal de atracção e as condições hidráu- atribuído diz respeito a condições existentes num dado momento,
licas na entrada, mas também a possibilidade dos peixes chega- não sendo definitivas. As cinco categorias de classificação deste
rem à entrada do dispositivo, por sua vez dependente de even- parâmetro distinguem-se em seguida.
tuais obstáculos existentes a jusante. A distinção das cinco cate-
gorias de classificação deste parâmetro, apresenta-se em seguida. 1 O dispositivo encontra-se completamente colmatado e obstruí-
do, não havendo sequer escoamento no seu interior; situação
1 Passagem para peixes à entrada da qual é totalmente de abandono.
impossível os peixes chegarem devido à existência de obstá-
culos a jusante, que se prevêem intransponíveis para quaisquer 2 O dispositivo encontra-se significativamente afectado pela acu-
condições de caudal que não constituam situação de excepção, mulação de sedimentos e/ou, no caso das escadas de peixes,
ou cuja atractividade da entrada para o dispositivo se encontre pela obstrução de descarregadores e/ou orifícios prejudicando
impossibilitada por algum ou todos factores que afectam a a hidráulica da passagem para peixes.
atractividade de um dispositivo.
3 O dispositivo, no caso das escadas de peixes, encontra-se com
2 Passagem para peixes cuja atractividade é fortemente condi- algumas bacias com sedimentos (menos de 50%), ou com orifí-
cionada por algum ou por todos os factores que afectam a cios ou descarregadores obstruídos, embora o escoamento não
atractividade de um dispositivo ou que possui obstáculos a seja significativamente afectado e a passagem dos peixes não
jusante que prejudicam a passagem dos peixes; num dispo- se encontre comprometida.
sitivo com esta classificação prevê-se que alguns indivíduos
possam entrar para o dispositivo.
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 041
4 Verifica-se existir algum sedimento no interior do dispositivo ou 6.1.6. Conformidade com o projecto
existência de vegetação que dificulta o acesso embora não seja
perturbado o normal funcionamento deste. A classificação atribuída neste parâmetro depende da
proximidade entre a forma projectada e a forma construída, tendo
5 O dispositivo encontra-se completamente limpo, no caso das particular atenção ao rigor da construção. Para muitos dos
escadas de peixes, sem quaisquer orifícios ou descarregadores dispositivos o valor atribuído baseia-se na comparação dos dados
obstruídos e sem quaisquer sedimentos nos fundos das bacias. do projecto aprovado com aqueles obtidos pelo levantamento
realizado pela DGRF, das características, nomeadamente, dimen-
sões e altimetria, de grande parte dos dispositivos existentes em
Portugal. No caso dos dispositivos para os quais não existe aquele
6.1.5. Conservação levantamento, a classificação resulta da observação da estrutura
construída, comparada com o determinado no respectivo projec-
A classificação deste parâmetro diz respeito à integridade da to. São também tidas em conta as consequências das desconfor-
estrutura e/ou dos seus mecanismos de funcionamento. No caso midades relativamente ao projecto, quer no caso de se revelarem
das escadas de peixes o valor atribuído depende da existência de prejudiciais ao funcionamento do dispositivo, quer sejam resulta-
partes do canal destruído ou degradado, do estado em que se do de uma melhor adaptação à obra. A distinção das cinco catego-
encontram os septos que individualizam as bacias, ou do funcio- rias de classificação deste parâmetro apresenta-se em seguida.
namento de comportas. Seguidamente é feita a distinção das
cinco categorias de classificação deste parâmetro. 1 A obra encontra-se totalmente diferente do projecto apresen-
tado, verificando-se que a sua construção não foi regida por
1 O dispositivo encontra-se de tal forma destruído que é neces- esse projecto ou seguiu um projecto não aprovado.
sário refazê-lo totalmente.
2 A obra encontra-se diferente do projecto apresentado em
2 O dispositivo encontra-se bastante destruído sendo necessário termos de implantação, configuração, número de bacias,
proceder à reconstrução da parte danificada ou à reparação dimensões ou desníveis entre bacias consecutivas, resultando
dos seus mecanismos de funcionamento. num dispositivo significativamente diferente daquele previsto
em projecto.
3 O dispositivo encontra-se com alguns problemas de conser-
vação que comprometem o seu funcionamento não sendo 3 A obra encontra-se semelhante ao projecto apresentado em
possível aos peixes utilizar o dispositivo; são necessárias repa- termos de implantação, configuração, número de bacias,
rações. dimensões ou desníveis entre bacias consecutivas, embora com
diferenças significativas, resultantes de uma construção pouco
4 O dispositivo apresenta alguns sinais de deterioração embora rigorosa.
não comprometam o seu funcionamento.
4 A obra encontra-se bastante semelhante ao projecto em termos
5 O dispositivo encontra-se em perfeito estado de conservação de implantação, configuração, número de bacias, dimensões e
não sendo necessárias quaisquer reparações. cotas, sendo admissível pequenas diferenças nas dimensões e
cotas desde que não comprometam o bom funcionamento do
dispositivo, admitindo-se ainda ligeiras adaptações desde que
adequadas, inclusivamente a alteração do número de bacias
desde que assim resulte adequado às condições do local e
promova o bom funcionamento do dispositivo.
042 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.1.7. Potencialidade de ser utilizado A sequência dos dispositivos descritos resulta da sua ordenação
pelos peixes por bacia hidrográfica, dentro desta, do número de ordem dos
cursos de água e ainda, para um mesmo número de ordem, a
O valor atribuído neste parâmetro tem em consideração todos os ordenação é crescente conforme a localização do açude no
outros que contribuem para o funcionamento da passagem para sentido de jusante para montante.
peixes e resulta da apreciação do dispositivo numa perspectiva
que pretende reunir todas as condicionantes ao seu funciona-
mento. No entanto, esta apreciação depende meramente da
observação do dispositivo, não sendo sujeita aos indispensáveis
métodos de monitorização que melhor indicariam a efectiva
utilização de determinado dispositivo pelos peixes. Seguidamente
é feita a distinção das cinco categorias de classificação deste
parâmetro.
FIGURA 6.1.
Açudes/barragens e passagens
para peixes na bacia hidrográfica
do Minho
Legenda:
Açude/barragem
Curso de água
044 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.1.1.
Passagem para peixes no açude
do aproveitamento hidroeléctrico de Paus
i) não foi prevista uma comporta ensecadeira de modo a facilitar N.º de bacias 28
iii) a localização da entrada para o dispositivo situa-se alguns Largura da bacia 1,30 m
metros a jusante do açude, embora este aspecto não se consi- Comprimento da bacia 1,70 m
dere de grande gravidade uma vez que em situação normal de Desnível entre bacias 0,30 m
exploração, o único caudal a ser libertado a jusante do açude Largura do descarregador 0,20 m
deverá ser aquele que é proveniente do dispositivo, atraindo Altura de água sobre o descarregador 0,15 m
MANUTENÇÃO
O facto do topo superior das bacias se encontrar ao nível do solo,
facilita o acesso mas torna o dispositivo vulnerável à entrada de
materiais susceptíveis de sedimentar no fundo destas o que,
por sua vez, poderá provocar a colmatação de orifícios. Não
possuindo qualquer protecção contra a entrada de carrejos ou
lixos para o seu interior, nem nenhum programa de manuten-
ção, este dispositivo pode ter o seu funcionamento comprometido
devido à obstrução de orifícios e descarregadores laterais. De
facto, a passagem para peixes encontrou-se (Junho de 2002) em
deficiente estado de manutenção, com vários orifícios e descar-
regadores colmatados e simultaneamente foram observadas
quedas entre bacias irregulares. Por outro lado, o canal apre-
senta sinais de degradação, necessitando de reparações. Devido
à susceptibilidade à colmatação dos orifícios e descarregadores
deveria ser previsto um programa de limpeza periódica da estru-
tura.
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 4
ATRACTIVIDADE 5
LIMPEZA 3
CONSERVAÇÃO 4
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 3
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 3
046 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 047
FIGURA 6.4.
Açudes/barragens e passagens
para peixes na bacia hidrográfica
do Lima
Legenda:
Açude/barragem
Curso de água
048 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.2.1.
Passagem para peixes no açude
de Ponte de Lima
CONCEPÇÃO
O rio Lima é neste local bastante largo e o caudal flui em toda a
sua extensão. A capacidade de atrair os peixes para aquele local
específico do rio é duvidosa e talvez parte dos potenciais utili-
zadores do dispositivo não tenham encontrado a entrada. Num
açude deste tipo, é adequado construir o que naturalmente com a
passagem do tempo acabou por surgir: uma rampa para passa-
gem dos peixes. Este tipo de passagem para peixes naturalizada
consiste em criar um leito do rio junto do pequeno açude, com um
declive suavizado que gere condições adequadas à passagem dos
peixes, senão em toda a sua extensão pelo menos numa porção
considerável do açude.
CONSTRUÇÃO
O dispositivo encontra-se construído de acordo com o projecto
aprovado.
MANUTENÇÃO
O dispositivo encontra-se em avançado estado de degradação
necessitando de obras de reparação sob pena de ruir por comple-
to. De facto, dado o material de construção, seria adequado
adoptar um plano de manutenção que inclua a limpeza e a
recuperação do dispositivo de uma forma continuada no tempo.
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 2
LIMPEZA 4
CONSERVAÇÃO 2
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 5
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 051
6.2.2.2.
Passagem para peixes
na barragem de Touvedo
FIGURA 6.12.
Planta do canal de fuga da
central hidroeléctrica com as
entradas do canal de acesso
ao ascensor
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 4
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 5
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 4
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 053
6.2.2.3.
Passagem para peixes no açude
do aproveitamento hidroeléctrico de Rendufe
CONCEPÇÃO
Este dispositivo é totalmente ineficaz devido ao desajustamento da sua
concepção. Trata-se de uma estrutura muito pequena na qual, apesar de
não se encontrar vedada, não entra água. A última bacia de jusante
encontra-se muito acima do leito do rio. Na realidade, entre o dispositivo
e o leito do rio a jusante, existe um desnível acentuado. FIGURA 6.14.
Passagem para peixes no açude do A.H. de Rendufe
(18-06-2002)
MANUTENÇÃO
A estrutura encontra-se bastante degradada estando totalmente obstruída.
FUNCIONAMENTO N
ACESSO 4
ATRACTIVIDADE 1
LIMPEZA 1
CONSERVAÇÃO 1
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 1 FIGURA 6.15. FIGURA 6.16.
Suposta entrada de água Leito do rio a jusante
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 1 para o dispositivo do açude
(18-06-2002) (18-06-2002)
054 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 055
FIGURA 6.17.
Açudes/barragens e passagens para peixes
na bacia hidrográfica do Cávado
Legenda:
Açude/barragem
Curso de água
056 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
FIGURA 6.18.
Passagem para peixes
6.2.3.1. no açude
Passagem para peixes no açude do A. H. de Penide
do aproveitamento hidroeléctrico de Penide
CONCEPÇÃO
Trata-se de um dos primeiros dispositivos do tipo bacias sucessi- FIGURA 6.19. FIGURA 6.20.
Disposição das bacias na Septos com descarregador de
vas a ser construído e apresenta grandes limitações em termos de passagem para peixes de Penide superfície e orifício de fundo
concepção. Bochechas (com. pessoal) identifica os seguintes pro-
blemas principais:
i) as dimensões do descarregador de superfície não se adaptam
às espécies alvo deste dispositivo, em particular ao sável e à MANUTENÇÃO
lampreia; O dispositivo encontra-se em bom estado de conservação, no
ii) o caudal a circular no interior do dispositivo, corresponde ape- entanto não se considera este aspecto importante dado que este
nas a 0,07 - 0,2% do caudal modular, além de constituir um dispositivo não apresenta potencialidade de ser utilizado pela
caudal bastante pequeno comparativamente ao caudal máxi- fauna aquícola.
mo turbinável (0,06%) o que confere à entrada do dispositivo
uma atractividade praticamente nula; Os valores atribuídos quanto aos vários critérios de classificação,
iii) a dimensão das bacias é muito reduzida, facto que poderá encontram-se no quadro 6.7..
inibir a passagem dos indivíduos que eventualmente entrem
no dispositivo;
iv) a localização da entrada para o dispositivo não é a mais ade- QUADRO 6.7. – VALORES DE CLASSIFICAÇÃO ATRIBUÍDOS
6.2.3.2.
Passagem para peixes no açude do aproveitamento
hidroeléctrico de Ponte do Bico
susceptíveis de não serem tolerados pelos peixes e de os afastar. Tipo Bacias sucessivas
Não obstante, este dispositivo de passagem para peixes aparenta N.º de bacias 13
encontrar-se em boas condições de funcionamento, não havendo Tipo de septos Descarregador lateral e orifício de fundo
evidências de que, uma vez no interior do dispositivo, os peixes Caudal de dimensionamento 0,457 m3/s
não consigam ultrapassar o obstáculo. Largura da bacia 2,0 m
Comprimento da bacia 3,6 m
O dispositivo instalado no aproveitamento hidroeléctrico de Ponte Desnível entre bacias 0,30 m
do Bico caracteriza-se por ter sido dimensionado para um caudal Largura do descarregador 0,40 m
superior à maioria dos caudais de dimensionamento dos dispo- Altura e água sobre o descarregador 0,64 m
sitivos de bacia sucessivas existentes em Portugal. Tem por isso Altura do fundo da bacia à soleira 0,925 m
bacias de grande dimensão assim como foram previstos descar- do descarregador
regadores mais largos que o comum, que no entanto não foram Área dos orifícios 0,09 m2
058 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
CONCEPÇÃO
O dispositivo encontra-se bem inserido na obra e a sua entrada
posiciona-se correctamente apesar da perturbação da central
quando esta se encontre em funcionamento.
CONSTRUÇÃO
Numa primeira fase os deflectores foram mal posicionados uma
vez que foram construídos do lado jusante do septo. Posterior-
mente esse erro foi corrigido, à excepção dos últimos septos, nos
quais os deflectores permanecem mal posicionados. Em termos
de altimetria, o dispositivo construído apresenta elevada confor-
midade com o projecto, a não ser na última bacia (a de entrada
para o dispositivo) que se encontra, na realidade acima do FIGURA 6.24.
previsto. No entanto não se considera que essa alteração seja Septos com deflector
da passagem para
prejudicial ao funcionamento da passagem para peixes, antes peixes do A. H.
pelo contrário, uma vez que para os níveis de água normais a de Ponte do Bico
jusante do açude de Ponte do Bico, esta bacia se encontra (19-06-2002)
(adaptado do desenho
submersa. Quanto às características dos septos verificou-se os de projecto)
descarregadores são cerca de 15 cm menos largos que o previsto.
MANUTENÇÃO
O dispositivo não apresentava à data da visita (Julho de 2002),
problemas de conservação ou manutenção. Verificou-se apenas
que a existência de sedimentos na última bacia os quais não
comprometiam o funcionamento do dispositivo. Não existe no
entanto nenhum programa de manutenção e limpeza. QUADRO 6.9. - VALORES DE CLASSIFICAÇÃO ATRIBUÍDOS
FUNCIONAMENTO S
Os valores atribuídos quanto aos vários critérios de classificação, ACESSO 3
encontram-se no quadro 6.9.. ATRACTIVIDADE 4
LIMPEZA 4
CONSERVAÇÃO 5
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 4
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 4
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 059
FIGURA 6.25.
Açudes/barragens e passagens para
peixes na bacia hidrográfica do Douro
Legenda:
Açude/barragem
Curso de água
060 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.4.1.
Passagem para peixes na barragem
de Crestuma-Lever
CONCEPÇÃO
Os principais problemas de concepção da eclusa instalada no
aproveitamento de Crestuma–Lever encontram-se relacionados
com a atractividade da sua entrada. De facto, a entrada dos peixes
para a câmara inferior do dispositivo encontra-se condicionada
por uma série de factores relacionados com o posicionamento da
entrada e com o caudal e condições hidráulicas nessa zona. São
identificados os seguintes (Bochechas, 1995):
i) a localização da entrada da eclusa encontra-se fora da zona de FIGURA 6.27.
Desenho da barragem
influência do caudal turbinado, facto que não permite que se de Crestuma-Lever
beneficie do efeito de atracção daquele caudal; (adaptado de PNCLD, 1992)
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 061
MANUTENÇÃO
São frequentes as avarias, com a consequente imobilização do
dispositivo (Bochechas, 1995).
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 1
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 4
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 1
062 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.4.2.
Passagem para peixes
na barragem do Carrapatelo
CONCEPÇÃO
Principais causas da ineficácia da eclusa de peixes no Carrapatelo
segundo André Miralles (Silva, 1981):
i) localização inadequada da entrada;
ii) insuficiência do caudal de chamada (apenas 0,25 % do módu-
lo do rio);
iii) acção perturbadora dos actos de chamada;
iv) reduzida velocidade de incitamento ao longo do canal
superior;
v) funcionamento das aberturas como orifício submerso;
vi) deficiente iluminação da câmara inferior;
6.2.4.3.
Passagem para peixes
na barragem da Régua
FUNCIONAMENTO N
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 1
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 4
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 1
FIGURA 6.31.
Desenho da barragem da Régua
(adaptado de PNCLD, 1992)
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 065
6.2.4.4.
Passagem para peixes
na barragem da Valeira
FUNCIONAMENTO N
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 1
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 4
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 1
FIGURA 6.33.
Desenho da barragem da Valeira
(adaptado de PNCLD, 1992)
066 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.4.5.
Passagem para peixes
na barragem do Pocinho
FUNCIONAMENTO N
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 1
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 4
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 1
FIGURA 6.35.
Desenho em planta da barragem do Pocinho
(adaptado de PNCLD, 1992)
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 067
6.2.4.6.
Passagem para peixes no açude do aproveitamento
hidroeléctrico de Senhora do Salto
CONSTRUÇÃO
O dispositivo não foi construído de acordo com o previsto. Na
realidade, em vez de 10 bacias dispostas lado a lado, existem 12,
e em vez das 3 bacias de montante dispostas linearmente, existe
apenas uma. Por outro lado, o canal foi construído abaixo do
FIGURA 6.38. previsto.
Desenho em planta
da passagem para peixes
no açude de Senhora do Salto MANUTENÇÃO
(adaptado do desenho As bacias de montante encontram-se obstruídas por plantas
do respectivo projecto)
emergentes (Junho de 2002). Quanto às bacias e aos orifícios não
foi possível verificar, uma vez que não foi possível impedir a
entrada de água na passagem de peixes.
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 3
ATRACTIVIDADE 4
LIMPEZA 2
CONSERVAÇÃO 5
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 3
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 2
DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL | 069
FIGURA 6.39.
Açude da Bateira
6.2.4.7. e passagem
Passagem para peixes no açude para peixes
(14-10-2003)
do aproveitamento hidroeléctrico de Bateira
6.2.4.8.
Passagem para peixes no açude do aproveitamento
hidroeléctrico de Vale Soeiro
QUADRO 6.26.– CARACTERÍSTICAS DO DISPOSITIVO tidores em termos de atracção para os peixes. Não obstante, o
E DIMENSIONAMENTO APROXIMADO DA MAIORIA DAS BACIAS
caudal proveniente do dispositivo direcciona-se perpendicular-
Tipo Bacias sucessivas
mente à direcção principal do escoamento no rio.
N.º de bacias 20
Tipo de septos Descarregador lateral e orifício de fundo
O troço de montante, as bacias, segundo o projecto, deveriam
Caudal de dimensionamento 0,176 m3/s
estar protegidas contra a entrada de lixos por uma grelha que
Largura da bacia 1,55 m
cobriria o seu topo superior. Esta prevenção seria adequada, uma
Comprimento da bacia 1,8 m
vez que excesso de carrejos ou folhada e ramos que caiam da
Desnível entre bacias 0,3 m
vegetação ripícola existente poderão colmatar os orifícios e/ou
Largura do descarregador 0,3 m
descarregadores.
Altura e água sobre o descarregador 0,55 m
Altura do fundo da bacia à soleira 0,7 m
do descarregador
O dispositivo encontra-se em termos gerais bem concebido,
Área dos orifícios 0,04 m2
embora as dificuldades em termos de acesso possam comprome-
ter o seu funcionamento e a sua manutenção.
CONSTRUÇÃO
CONCEPÇÃO O dispositivo encontra-se construído de acordo com o projecto
Dada a variação do nível da água na albufeira, decorrente do seu em termos de implantação, configuração e número de bacias.
regime de exploração, o dispositivo foi concebido com três possí- No entanto, as bacias são em geral mais pequenas e verifica-se
veis tomadas de água, uma em cada uma das 3 primeiras bacias. irregularidade na construção do canal em termos de altimetria.
Como se encontram a diferentes cotas (sucessivamente mais
baixas de montante para jusante), estas tomadas (na primeira MANUTENÇÃO
bacia uma fenda, na segunda e terceira, orifícios de fundo) Na data da visita não foram observadas limitações em termos de
possibilitam a entrada de água no dispositivo, que deveria ser manutenção e conservação (Julho de 2002).
controlada pela abertura e fecho das comportas existentes nos
orifícios da segunda e terceira bacias, consoante os níveis na Os valores atribuídos quanto aos vários critérios de classificação,
albufeira. No entanto, o difícil acesso à margem direita impos- encontram-se no quadro 6.27..
sibilita os procedimentos manuais de regulação, comprometendo
o funcionamento previsto, pelo que seria adequado a regulação
automática da abertura e fecho das comportas de modo a garantir QUADRO 6.27.– VALORES DE CLASSIFICAÇÃO ATRIBUÍDOS
6.2.4.9.
Passagem para peixes no açude
do aproveitamento hidroeléctrico de Fráguas
CONCEPÇÃO
O dispositivo não apresenta limitações evidentes em termos de
concepção, apontando-se apenas o facto de não ter sido prevista
uma comporta ensecadeira.
CONSTRUÇÃO
Em termos de configuração, o dispositivo encontra-se construído
de acordo com o projecto.
MANUTENÇÃO
O dispositivo em si não apresenta problemas de manutenção ou
conservação (Fevereiro de 2002).
FUNCIONAMENTO S
ACESSO 5
ATRACTIVIDADE 2
LIMPEZA 5
CONSERVAÇÃO 5
CONFORMIDADE COM O PROJECTO 5
POTENCIALIDADE DE SER UTILIZADO PELOS PEIXES 3
074 | DISPOSITIVOS DE PASSAGEM PARA PEIXES EM PORTUGAL
6.2.4.10.
Passagem para peixes no açude do aproveitamento
hidroeléctrico de Ucanha-Gouviães
6.2.4.11.
Passagem para peixes no açude do aproveitamento
hidroeléctrico de Terragido