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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

PEDRO PAULO BARRETO JUNIOR

OS OLHARES PRESENTES NA REVISTA CHICLETE COM BANANA SOBRE


A SOCIEDADE BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1980 A 1990: as histórias em
quadrinhos como fonte de pesquisa histórica.

ILHÉUS - BAHIA
2012
PEDRO PAULO BARRETO JUNIOR

OS OLHARES PRESENTES NA REVISTA CHICLETE COM BANANA SOBRE


A SOCIEDADE BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1980 A 1990: as histórias em
quadrinhos como fonte de pesquisa histórica.

Monografia apresentada, para a obtenção


do título de graduado em Licenciatura em
História, à Universidade Estadual de
Santa Cruz.
Área de concentração: História Cultural

Orientador: Prof. Marcelo da Silva Lins

ILHÉUS - BAHIA
2012
DEDICATÓRIA

A José Veloso Vinhas Junior, professor e amigo


que me colocou em contato com a revista Chiclete com Banana.
A meu pai Pedro Paulo Barreto, que tem me ensinado o verdadeiro
significado das palavras simplicidade e humildade.
A minha irmã Maria Aparecida Gonçalves Barreto, que muito
me auxilia.

A todos os artistas que resistiram e vêm resistindo


ante a dominação cultural, que busca transformar arte em valor monetário.

A arte alternativa das ruas.

É com orgulho e prazer que dedico este trabalho.


AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar ao Altíssimo Jah e seus trabalhadores espirituais


pela vida que me foi dada, e as possibilidades de realizar este trabalho nessa existência.

Agradeço especialmente a Patrícia Moura Santos, pelos cuidados e cobranças


necessárias a meu melhoramento pessoal, e seu amor dispensado à mim na forma mais
singela e ao mesmo tempo grandiosa, que me faz sentir mais vivo.

Meu agradecimento especial ao professor e orientador Marcelo da Silva Lins


pela amizade e orientação nesta pesquisa.

Agradeço a Dany Alves, pelos “puxões de orelha” e incentivo para a produção


deste trabalho, sem os quais talvez, essa pesquisa não teria sido realizada neste
momento.

Agradeço a Belaine Neves, pelas longas horas de conversas e trocas de ideias


referentes a este trabalho e a vida.

Agradecimento especial a todos os amigos, e pessoas que me incentivam e


contribuem à busca do conhecimento e do autoconhecimento, e todos aqueles que
contribuíram de alguma forma para que esse trabalho fosse realizado.

Agradeço a todos aqueles que produziram e produzem arte em seu caráter


genuinamente verdadeiro e autêntico, que possibilitaram em mim uma visão de mundo
totalmente diferenciada.

A todos, obrigado.
SUMÁRIO

Resumo .............................................................................................................................4
Considerações iniciais......................................................................................................5

1 - O que são Quadrinhos e suas possibilidades de investigação enquanto fonte


histórica: o surgimento da Chiclete com Banana.
1.1 – Considerações sobre fonte histórica, Quadrinhos e Quadrinhos enquanto fonte.

1.1.1 – Quais aspectos a considerar para se definir uma fonte histórica?.......................11


1.1.2 – Quadrinhos enquanto conceito ...........................................................................13
1.2 – Entendendo os Quadrinhos enquanto fonte histórica no contexto da
redemocratização
1.2.1 – Os Quadrinhos enquanto fonte de pesquisa histórica .........................................15
1.2.2 – Explorando a fonte: possibilidades metodológicas de investigação histórica dos
quadrinhos.......................................................................................................................17

1.3 – Possibilidades de investigação


1.3.1 – Aspectos metodológicos......................................................................................20
1.4 – A revista Chiclete com banana em seu contexto histórico: a atuação da Circo
Editorial
1.4.1 – A influência da contracultura nas produções da Circo Editorial.........................21
1.4.2 – O surgimento da Circo Editorial..........................................................................22
1.4.3 – O surgimento da Chiclete com Banana...............................................................25
1.4.4 - O contexto histórico brasileiro nas décadas de 1980 - 1990 e seu reflexo na
Chiclete com banana........................................................................................................28

2 – Raio X do Brasil sob o olhar da Chiclete com Banana


2.1 – O editorais da Chiclete e seu caráter de resistência a indústria cultural ................33
2.2 – Aspectos da sociedade brasileira por meio dos perfis dos personagens
(selecionados) da Chiclete com Banana .........................................................................35
2.3 – Secções, edições e colaboradores
2.3.1 – Secções ...............................................................................................................52
2.3.2 – Colaboradores .....................................................................................................53

2.3.3 – Edições ................................................................................................................55


Considerações finais .....................................................................................................59
Referências Bibliográficas ...........................................................................................61
OS OLHARES PRESENTES NA REVISTA CHICLETE COM BANANA SOBRE
A SOCIEDADE BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1980 A 1990: as histórias em
quadrinhos como fonte de pesquisa histórica.

RESUMO

Este trabalho analisa a revista em quadrinhos brasileira Chiclete com Banana como um
instrumento através do qual pode-se perceber aspectos socioculturais e políticos da sociedade
brasileira no período de reabertura política pós-ditadura militar (1985-1990). Discutindo os
Quadrinhos como fonte de pesquisa histórica e suas possibilidades de investigação da
sociedade, visando inserir essa perspectiva no debate acadêmico com objetivo de ampliar a
compreensão da definição de fonte. Para tanto torna-se válido ter conhecimento teórico e
prático do processo de produção e de aspectos técnicos dos quadrinhos, nesse sentido, discute-
se aqui as possibilidades conceituais de definição de quadrinhos, bem como analisa-se as
formas como estes são produzidos abordando a necessidade desses conhecimentos para
melhor exploração dos mesmos. Aborda-se nesse trabalho também a discussão a respeito de
fonte histórica na perspectiva da História Cultural, considerando que toda produção humana
dentro de contextos sociais determinados, traz indícios dos sujeitos, assim como, da realidade
cultural na qual está inserida.
Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos, fontes históricas, história cultural, Chiclete com
Banana

4
Considerações iniciais

A revista Chiclete com Banana foi escolhida como objeto de estudo tendo em vista as
transformações que vem ocorrendo na historiografia e principalmente no fazer historiográfico,
desde a Escola do Annales, na perspectiva de interdisciplinaridade e da História Social, e mais
recentemente com o direcionamento das pesquisas voltadas para abordagens relacionadas à
cultura, onde tem-se buscado uma compreensão mais abrangente do que vem a ser
considerado fonte histórica, levando-se em conta nessa perspectiva, toda produção humana
dentro de grupos sociais. Este trabalho visa contribuir com o processo de inovação na
consideração e utilização de novas mídias enquanto indícios culturais de grupos humanos, ou
seja, evidências históricas.

Bem como, objetiva-se evidenciar que a revista Chiclete com Banana é um meio
através do qual pode-se perceber aspectos políticos e culturais do Brasil considerando um
período que vai de 1985 a 1990, período de circulação da revista, na condição de fonte
histórica.

A ideia deste trabalho é discutir conceitualmente dimensões do que vem a ser a arte
dos Quadrinhos a partir da revista Chiclete com Banana, analisando, por exemplo, que o
termo Quadrinhos não remete apenas ao suporte (revista) como erroneamente se pensa e se
discute, refere-se a seu meio de produção como um todo. Utiliza-se aqui a perspectiva de Will
Eisner que define Quadrinhos de forma acadêmica como Arte Sequencial, mostrando aspectos
e elementos de sua produção que são importantes para compreender como se pode utilizar e,
sobretudo, como tem sido utilizada a criatividade nesse meio de comunicação que possibilita
a expressão artística dos autores, e dessa maneira como, enquanto arte, esse veículo reflete
uma dada realidade. Conhecida no meio como a 9ª Arte. Pensar também que trata-se de um
veículo de massa, com grande alcance, e como a facilidade da reprodutibilidade técnica pode
influenciar uma parte considerável da sociedade através dos impressos e das novas mídias.

5
No primeiro capítulo fez-se um breve histórico acerca da discussão sobre as
possibilidades de surgimento dos Quadrinhos. Abordando também nesse capítulo inicial o
debate sobre os conceitos que o definem, apontando nosso direcionamento para tal, visando
contribuir para a ampliação no que se refere às considerações sobre o que são os Quadrinhos.
Discute ainda o aparecimento e a atuação da Circo Editorial, responsável pela edição da
Chiclete, contextualizando o momento histórico do surgimento desta editora, e a influência da
contracultura sobre sua produção. O capítulo discute ainda o surgimento da revista Chiclete
com Banana em seu contexto histórico.

Nesse primeiro capítulo amplia-se a discussão iniciada no texto de introdução sobre


fontes históricas, defendendo que toda produção humana dentro de grupos sociais são
carregadas de influências de seu contexto e nesse sentido passíveis de interpretações com
possibilidades de compreensão de realidades determinadas. São discutidos também neste
capítulo os motivos que levam a defender que os Quadrinhos são fontes históricas. Aborda-se
ainda aspectos técnicos de sua produção visando mostrar que quando se conhece o conceito
do mesmo, e quando se compreende seu processo de produção de forma ampla, as
possibilidades de exploração viabilizarão variadas formas de investigação deste objeto.

Finaliza-se o capítulo discutindo aspectos metodológicos na utilização dos Quadrinhos


como fonte histórica. Em seguida tem-se metodologicamente a abordagem do objeto em
análise contextualizando-o historicamente, abordando possibilidades de investigação histórica
através das histórias em quadrinhos, evidenciando a presença de aspectos culturais e políticos
do Brasil nas páginas da Chiclete com Banana.

No segundo e último capítulo do trabalho é onde encontra-se a pesquisa propriamente


dita, em seu sentido prático. É nesse capítulo que ocorre a exploração do objeto de estudo
enquanto fonte histórica, onde há a busca por evidenciar a forma como a sociedade brasileira
do período analisado foi observada e registrada pelos autores e editores da revista. Existe
também a análise da influência do objeto no contexto, uma vez que assim como este foi
influenciado por ele, representa também um instrumento com capacidade de influenciar nas
transformações sociais, tratando-se de um veículo de comunicação que alcançou um público
considerável em algumas partes do país. Fez-se então a análise dos editoriais para perceber a
essência dos discursos presentes na revista. Assim como, foram observados perfis
socioculturais de personagens selecionados, confirmando tal essência. E por fim ocorre a
análise estrutural da revista, seus textos, secções e edições a fim de perceber os aspectos
6
supracitados no olhar da revista, dedicando também uma abordagem aos sujeitos que
colaboraram com o periódico, considerando suas opiniões, observações e posicionamentos
com relação à política e cultura brasileira.

Metodologicamente buscou-se organizar e catalogar cronologicamente os exemplares


para de posse das informações coletadas interpretar, visando apreender dimensões da forma
como realizou-se revista. Ao mesmo tempo, discute-se os perfis socioculturais dos
personagens e o discurso apresentado nas publicações, fazendo de forma descritiva uma
análise geral do discurso apresentado pela Chiclete com Banana no intuito de perceber como
as publicações viram a sociedade e refletiram seu posicionamento em relação ao contexto
político e cultural.

Vale a pena pensar também que o debate acerca das fontes históricas e da prática
historiográfica quando trata do texto escrito remetem à discussão sobre História e Literatura.
É preciso lembrar a princípio que conhecimento histórico e literatura estão intrinsecamente
ligados, principalmente pelo fato do primeiro ter como suporte exatamente o texto escrito. O
que significa que a palavra escrita é um dos veículos que comunica aos seres humanos as
ações de outros seres humanos registradas, organizada em formatos textuais que por sua vez
consiste em um tipo de linguagem.

Partindo do pressuposto de que toda produção humana terá em si a carga cultural de


quem a produziu, e este arcabouço cultural por sua conta foi construído dentro de determinado
contexto, com relação ao texto escrito não é diferente, seja ele literário ou científico. Pensar
nisso leva a duas considerações a se fazer: a primeira é com relação ao texto escrito utilizado
como fonte de pesquisa científica. Tem-se que levar em conta nesse processo a questão da
subjetividade presente. O texto de maneira geral transmite uma informação por meio do
discurso do sujeito que o produziu, independentemente de quem seja esse sujeito (indivíduo,
Estado, empresa, etc.). A segunda consideração diz respeito ao trabalho do historiador, que
geralmente tem no texto escrito a concretização do seu trabalho, embora possa utilizar outros
suportes para transmitir sua tese, teoria, ideia, etc. Fato é que no momento da escrita
“objetiva” da sua pesquisa, estará presente em seu trabalho o peso da sua bagagem cultural, a
parcialidade, também construída, que se manifesta desde o momento da escolha do objeto.

Porém, por conta disso definir que a produção do conhecimento histórico ao utilizar o
texto escrito como suporte levando em conta seu caráter subjetivo, é mera ficção, é um
7
caminho que deve ser evitado, uma vez que o trabalho do historiador só é possível por meio
de processos metodológicos ancorados nos pressupostos das ciências humanas. Diferente da
produção literária.

Cabe analisar que o próprio exercício da leitura por si só proporciona experiências ao


leitor que para o historiador é essencial, como por exemplo, a possibilidade de construção de
memória nos indivíduos. O que significa dizer que um texto escrito é capaz de construir
memória nos sujeitos, refletindo-se em práticas sociais. O texto literário produzirá memória
relacionadas às sensações com caráter mais subjetivo, já o texto histórico acadêmico
produzirá memórias voltadas para os grupos sociais e nesse sentido, objetivas.

Nessa discussão referente à história e literatura, e já que o objeto de estudo trata-se de


uma fonte de texto impresso, cabe aqui um breve comentário acerca da relação da História
com a imprensa. Salienta-se que a imprensa tem sido utilizada por diversas áreas do
conhecimento, abordando temas e problemáticas de variadas, contribuindo para a superação
da ideia de falta de credibilidade quando de sua utilização como fonte. Nessa direção é
necessário habilidade por parte do historiador para lidar criticamente com ela.

Daí o direcionamento deste trabalho de tentar contribuir com a ampliação da


compreensão do que deve/pode ser considera fonte histórica, colocando os Quadrinhos, que
trata-se de uma mídia impressa, no bojo dessa concepção. E nesse sentido, tomar a imprensa
como força ativa da história do capitalismo e não apenas como depositária de acontecimentos
nos diversos processos e conjunturas. Pensar a imprensa de forma articulada com a história do
capitalismo entendendo que todo documento é prática social e toda prática social registrada é
documento, ou seja, a imprensa como linguagem constitutiva do social. (CRUZ; PEIXOTO.
p.p 235-270, 2007)

Isto posto, a tarefa dessa pesquisa é inserir a discussão sobre novas fontes, incluindo
os Quadrinhos, no debate acadêmico e no fazer do historiador, tendo em vista as inúmeras
possibilidades de investigação, considerando sua relação com o contexto em que está
envolvido. Assim como colaborar com a concepção de que a fonte impressa pode dar
interpretações diferenciadas à historiografia, fazendo abordagens relacionadas à cultura de
forma mais abrangente, desde que ocorra uma exploração adequada da imprensa como fonte
de pesquisa.

8
A tarefa de se trabalhar com Quadrinhos exige compreender teoricamente as nuances,
ideias e conceitos que o definem. Tal trabalho torna-se um pouco mais difícil em se tratando
de utilizar este objeto no intuito de contribuir com o processo de inovação nas pesquisas em
outra área do conhecimento, na perspectiva da interdisciplinaridade. Ou seja, será utilizado
neste trabalho um instrumento da área de comunicações, instrumento que ainda vem sendo
contestado enquanto manifestação artística de qualidade - ideia que tem sido mudada ao longo
do tempo. O objetivo é utilizá-lo como fonte de pesquisa para a construção do conhecimento
histórico. Portanto é necessário também fazer uma breve abordagem histórica das primeiras
formas artísticas que empregaram características que hoje formam a linguagem e conceituam
os Quadrinhos, também conhecidos como HQs.

Discutem os pesquisadores que a história das Histórias em Quadrinhos, e segundo


Scott Mc Cloud, remonta há um pouco mais que a virada do século XX. Porém, para este
autor existem possibilidades de estender o conceito atual a um passado mais remoto, contudo
não exista unanimidade acerca desta ideia. Para ele, uma obra que pode ser considerada, uma
vez que se encaixa no conceito baseado no trabalho de Will Eisner a ser discutido mais a
frente, são os manuscritos pré-colombianos descobertos por Hernan Cortez em 1519. Tal obra
foi lida e traduzida pelo historiador e arqueólogo mexicano Alfonso Caso Andrade, por isso é
denominada como Códice de Alfonso (Figura 1), cujo título, baseado na leitura de Alfonso é
“Garra de Jaguatirica” (ou “Garra de tigre”) trata-se de um manuscrito em imagens que conta
a história do governante Oito Cervos.

Figura 1 - Códice colombiano

9
Outra obra que, tomando como referência o conceito defendido por Mc Cloud, que
pode ser considerada, e que aponta para uma origem antiga dos Quadrinhos, é a tapeçaria
Bayeux (Figura 2). Essa obra consiste numa peça bordada em linho que remontam o ano de
1070-1080 (Idade Média) sob a encomenda do bispo Odo de Bayeux e narra eventos
intercalando imagens e textos:

Figura 2 - Tapeçaria Bayeux

No entanto, vale ressaltar que não existe uma busca aqui de tentar afirmar um passado
distante para os quadrinhos, uma vez que as possibilidades são inúmeras e para essa pesquisa
não se faz necessário aprofundar-se nos meandros do surgimento destes, pois não há um
consenso no meio referente a tal ideia. Interessa-nos nesse momento entendermos o conceito
atual dessa linguagem que facilitará a pesquisa e o entendimento deste trabalho. Porém um
evento na História da humanidade é marcante para delimitar o início da popularização 1 e
circulação dos Quadrinhos enquanto tal: a invenção da imprensa.

Prosseguindo nesse histórico das Histórias em Quadrinhos após o aparecimento da


imprensa, algumas obras caracterizam a evolução dos Quadrinhos, entre as tantas que não
foram citadas ou até mesmo reconhecidas ao longo do tempo, tem-se algumas obras antigas
que dentro do conceito aqui analisado caracterizam-se como Quadrinhos: As torturas de Santo
Erasmo de 1460 d.C.. Willian Hogart, por exemplo, deu sofisticação a história com imagens
no trabalho O progresso de uma prostitua de 1731. Rodolphe Topffer que é considerado o pai
dos quadrinhos modernos, foi o pioneiro, de que se teve notícia, na produção de histórias com
imagens satíricas que empregavam caricaturas e requadros, e apresenta a primeira
combinação interdependente de palavras e figuras na Europa, o que dá a linguagem própria

1
Popularização entendida aqui no sentido de maior abrangência de público

10
dos quadrinhos, em meados do século XIX. Tem-se também as xilogravuras de Lynd Ward e
Frans Masereel, que a comunidade dos quadrinhos não considerava enquanto tal por conta da
definição que se tinha. Assim como o romance em colagem de Max Ernst, A week of kindness
que apresentam características conceituais de história em Quadrinho (MCCLOUD, 1995).

Os olhares presentes na Revista Chiclete com


Banana sobre a sociedade brasileira nas décadas de
1980 a 1990: as histórias em quadrinhos como fonte
de pesquisa histórica.

1- O que são Quadrinhos 2 e suas possibilidades de


investigação enquanto fonte histórica: o surgimento da
Chiclete com Banana.

1.1 – Considerações sobre fonte histórica, Quadrinhos e Quadrinhos


enquanto fonte.

1.1.1 – Quais aspectos a considerar para se definir uma fonte histórica?

2
Para melhor entendimento da leitura utilizaremos um sistema para diferenciarmos quando estivermos
utilizando o termo quadrinhos para se referir a essa forma de arte e quando estivermos nos referindo à
suas características técnicas. Sendo assim, quando grafado com a inicial maiúscula remeter-se-á ao meio e
quando da inicial minúscula à aspectos técnicos.

11
As fontes históricas trazem consigo - nem que seja em última análise - o peso da
subjetividade de algum sujeito social, seja no momento do registro do fato ou no da escolha
deste registro enquanto objeto de pesquisa. Isso ocorre na ocasião da produção da fonte, que
não se dá maneira consciente, isto é, os indícios históricos não são produzidos enquanto tais.
Estes vestígios são percebidos e considerados fontes depois do seu aparecimento, o que
denota desta maneira, que é preciso também um universo cultural por parte do sujeito que
resolveu utilizá-los como objeto digno de análise científica para investigar o universo cultural
ali presente, tanto quanto do sujeito que a produziu.

O conhecimento histórico refere-se à todo fazer humano, que na perspectiva de


Marilena Chauí (1986), implica em cultura, que por sua vez, constituem a realidade histórica .
Entendemos realidade histórica como o conjunto de fatos vivenciados por todos os indivíduos
que vivem em sociedade. Para se perceber traços culturais da realidade escolhida, um dos
caminhos é entrar em contato com suas produções, isto é, com as circunstâncias registradas
por qualquer indivíduo dentro de um grupo social pertencente a esta realidade num período
circunscrito, pois esses fragmentos da realidade histórica trazem indícios de aspectos da
cultura do sujeito que o produziu. Vale dizer também que qualquer sujeito de qualquer outra
realidade social ou da em questão, uma vez munido e capacitado para tal empreendimento,
pode pesquisar e escrever sobre esta, e assim, colaborar no processo de construção do
conhecimento histórico desta realidade ou sobre ela.

Dentro deste direcionamento cultural, o que discute-se aqui é que a maioria das
produções humanas, são carregadas de sentidos e dessa forma passíveis de interpretação.
Essas produções são registros dos acontecimentos da vida social e/ou particular dos
indivíduos. Contudo, tais registros saem de uma realidade objetiva e física, para uma
realidade subjetiva e abstrata. Os acontecimentos cotidianos, que compõem a realidade
histórica, são transformados em símbolos e representados por meio de linguagens em infinitas
possibilidades por exemplo, obra escrita, imagens, manufaturas, artesanatos, fotografias,
arquitetura, quadrinhos, arte em geral e etc., o que por sua vez constituem possibilidades
infinitas de investigação, na perspectiva de serem comunicados aos grupos sociais, e que
produzem memórias nesses indivíduos que são sujeitos históricos dentro dessa realidade
social. Então, naturalmente existe uma relação entre os indícios (produzidos) e os sujeitos
socioculturais em questão, tais sujeitos invariavelmente ou produziram, ou foram

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influenciados por esses indícios, ou ambos. Sendo assim, para analisar esses sujeitos é preciso
que se analisem suas produções, e vice e versa.

1.1.2 – Quadrinhos enquanto conceito

Nesse sentido, o próximo passo a dar nessa direção é desconstruir uma ideia já
arraigada na sociedade no que se refere aos Quadrinhos. Ressalta-se que tal ideia consiste
num conceito limitado, para não dizer equivocado, do que vem a ser Quadrinhos e que é
difundido de maneira geral na sociedade.

Quando se fala em Quadrinhos a sociedade tem a falsa noção de referir-se a um objeto


específico, isto é, ao suporte, a revista, ou gibi, como o senso comum nomeia. No entanto as
pessoas que trabalham com essa arte quando usam esse termo referem-se ao meio como um
todo, desde o processo de criação, produção, edição, distribuição, as técnicas aplicadas, o
formato das revistas, os estilos dos desenhistas, os roteiros, os roteiristas, as editoras, as linhas
editoriais, as histórias, os personagens e, sobretudo, o universo ilimitado de possibilidades de
expressão por meio dos Quadrinhos. Cabe ainda salientar que os itens acima citados dizem
respeito ao autor do presente trabalho e não constituem uma ideia definitiva do que vem ser
considerada a forma de se considerar Quadrinhos, podendo haver mais elementos que foram
deixados de fora e até mesmo a desconsideração de elementos citados.

Na tentativa de definição conceitual dos Quadrinhos, pois leva-se em conta uma


infinidade de detalhes, não se buscará aqui entender esse conceito como definitivo, e sim
apontar um dos caminhos possíveis para melhor entender as histórias em quadrinhos. Se
partirá nesse sentido do conceito utilizado por uma das figuras mais influentes no meio. Trata-
se de Willian Erwin Eisner, que além de desenhista e editor de uma famosa série de histórias
em quadrinhos da década de 1940 a 1950, The Spirit, criou outros trabalhos tidos como
referência do gênero tanto da criação como do processo de produção de Quadrinhos como um
todo, tendo ainda contribuído para o debate acadêmico acerca dessa forma de expressão
artística, lecionando o curso sobre Arte Sequencial, ministrado na Escola de Artes Visuais de
Nova York, do qual junto com uma série de artigos na revista The Spirit resultou uma das

13
obras basilares para se estudar conceitualmente Quadrinhos, Quadrinhos (Comics) e Arte
Sequencial3.

Will Eisner define Quadrinhos como arte sequencial. Para ele os Quadrinhos têm
como função básica comunicar ideias ou histórias por meio de figuras decompostas em
sequencia através de segmentos: esses segmentos são chamados de quadrinhos. (Note-se aqui
que a palavra quadrinhos não está se referindo ao meio de produção dos quadrinhos e sim a
forma geométrica que contém as figuras dentro das páginas, referindo-se a aspectos técnicos).
É interessante entender que o uso desses quadrinhos (ou requadros) expressa a passagem do
tempo da história.

Os Quadrinhos são uma linguagem iconográfica composta por símbolos polissêmicos


e passíveis de interpretação, que quanto mais se afasta do real (processo de cartunização),
ganha mais força, pois tornando-se mais abstrato, passa a ser mais universal, isto é, torna mais
fácil a identificação por parte do leitor ou de qualquer objeto do plano físico. Scott McCloud,
na obra Desvendando os Quadrinhos trabalha na perspectiva conceitual de Eisner, mas amplia
um pouco mais o conceito defendido por ele.

Figura 3 - Cartum

Aliando essa linguagem icônica às palavras por meio de símbolos próprios dos
Quadrinhos: os balões, a onomatopeia, o letramento e etc, têm-se o vocabulário dos

3
Traduzido e lançado no Brasil pela editora Martins Fontes

14
Quadrinhos, que por sua vez dá aos Quadrinhos sua linguagem própria, também conhecida
como a Nona Arte. Daí a necessidade deste estudo acerca do conceito e das formas de
produzir esta arte sendo essencial para o entendimento do objeto em análise.

Nessa perspectiva o conceito de História em Quadrinhos defendido por McCloud


(1995) é o de imagens pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas a
transmitir informações e/ou produzir uma resposta no espectador. Sendo assim, está-se
falando aqui de um veículo de comunicação em massa. Ou seja, um tipo de mídia onde a
facilidade da reprodutibilidade torna possível atingir potencialmente um sem número de
sujeitos sociais.

Observa-se ainda que tal meio de comunicação está, assim como qualquer ação
humana, permeado por uma conjuntura cultural carregada de significações e que dessa forma
tal objeto se torna, sem dúvida, um meio através do qual pode-se extrair informações acerca
da sociedade, das pessoas que o produziu, da realidade analisada por ele, etc. Trata-se então
de uma possibilidade de construção de memória e nesse sentido identifica-se como indícios de
determinados contextos, ou seja, uma fonte para a pesquisa histórica da contemporaneidade.

1.2 - Entendendo os Quadrinhos como fonte histórica no contexto da


redemocratização.

1.2.1 - Os quadrinhos enquanto fonte de pesquisa histórica

Baseado nesses pressupostos, este trabalho defende que os Quadrinhos são fontes de
pesquisa histórica, pois em se tratando de um veículo de comunicação criado com o objetivo
de informar, os Quadrinhos, como a maioria das produções humanas, reflete seu contexto
cultural abarcando uma infinidade de aspectos possíveis de serem captados/percebidos pelo
historiador.

15
Considerando que a produção dos Quadrinhos se dá através de indivíduos que
compõem grupos sociais, isto é, convive com praticas e comportamentos correspondentes a
determinadas épocas e culturas, são por sua vez instrumentos de compreensão de aspectos
desta realidade. Sendo assim, a ideia aqui é de desfazer a noção de que as histórias em
quadrinhos são uma subliteratura, destinada a um público infanto-juvenil como mero
instrumento de entretenimento.

De acordo com Moacy Cirne (1974), acerca deste debate sobre os Quadrinhos e sua
produção, no qual se discute um posicionamento defendido por parte da sociedade brasileira e
mundial com relação as Histórias em Quadrinhos, onde estas são colocadas como
“‘prejudicial ao desenvolvimento intelectual da criança’, tendo sido apontadas por sociólogos
como causa principal da delinquência juvenil”(CIRNE, 1974: p.11), este autor defende que
por meio de uma nova base metodológica principalmente ancorada em pesquisas relacionadas
à cultura, tem-se mostrado a fragilidade desses argumentos, estruturando assim a evolução
crítica sobre Quadrinhos. Tal base consiste no relacionamento da reprodutibilidade e o
consumo em massa que criaram novas posições estético-informacionais para os Quadrinhos e
a obra de arte de forma geral.

Ainda nessa linha de debate, Carlos André Krakhecke diz que “as HQs têm sido
tratadas como uma mídia menor, apesar de ser mais antiga que a televisão. Isso se deve ao
fato do pequeno alcance de algumas HQs em comparação com a televisão, cinema, ou pelo
fato das temáticas abordadas por elas serem consideradas por muitos como infanto-juvenil”4.
Porém segundo ele, se as Histórias em Quadrinhos forem encaradas enquanto um meio de
comunicação em massa (MCM)5 - como também defende Cirne quando aborda a questão da
reprodutibilidade técnica - e dessa forma inserida na indústria cultural, pensando a questão da
sua abrangência, pode-se pensar que as HQs têm possibilidade de proporcionar aos leitores
uma experiência única de leitura, e nesse caso temos a Chiclete com Banana e seu caráter
alternativo como exemplo, mostrando que não há obrigatoriamente uma submissão total das

4
KRAKHECKE, Carlos André. A redemocratização brasileira sobre a ótica da revista Chiclete com
Banana (1985 – 1988) (p. 1). IX Encontro Estadual de História. Associação Nacional de História secção
Rio Grande do Sul
5
Meio de Comunicação em Massa (MCM) é caracterizado pela reprodutibilidade técnica, a adequação
do “produto” ao gosto do público e a efemeridade (vida curta) desses meios

16
HQs de forma generalizada à indústria cultural, tornando-a uma manifestação artística de
relevância e não mera mercadoria.

Cirne (1974) defende ainda que os quadrinhos surgem no bojo das transformações
sociais e tecnológicas que dizem respeito a reprodutibilidade técnica, que por sua vez
desencadeou rivalidade entre os complexos editoriais capitalistas caracterizado por grupos
jornalísticos que utilizavam as tiras dos quadrinhos para dar um diferencial em seus
periódicos. Para o autor, a maior importância dos quadrinhos, além de suas particularidades
criativas, localiza-se, na própria raiz do consumo. De acordo com Moacy Cirne os Quadrinhos
expressam um novo tipo de literatura: literatura gráfico-visual e dessa forma registram uma
problematicidade expressional de profundo significado estético, tornando-se a literatura por
excelência do século XX.

1.2.2 - Explorando a fonte: possibilidades metodológicas de investigação histórica dos


quadrinhos.

É necessário que se analise alguns aspectos técnicos da produção e confecção dos


Quadrinhos. Tal estudo possibilitará melhor aproveitamento do mesmo enquanto fonte de
pesquisa e nesse sentido, se pense e crie metodologias diferenciadas para esse processo que
também possibilitará uma melhor exploração desse objeto de estudo.

“A leitura de Quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual” 6. Se


para o ato da leitura de Quadrinhos existe tal exigência, para utilizá-los com objeto de análise
de determinada realidade histórica, defende-se aqui, que existe a necessidade de compreensão
de seu processo de produção de maneira ampla.

6
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 2003

17
Tem sido discutido no presente trabalho que os Quadrinhos possuem uma linguagem
própria enquanto arte, nessa direção, tem-se também todo um processo de produção que
precisa ser levado em conta em seu estudo.

No que se refere aos aspectos técnicos e à linguagem dos Quadrinhos observa-se que
esse meio de comunicação emprega basicamente imagens e palavras para comunicar ideias,
assim como o cinema. Dentre outras, a diferença básica para com cinema consiste na
passagem do tempo: enquanto no cinema o tempo é expresso através das imagens de forma
sequencial uma após a outra; nos Quadrinhos para expressar o tempo, as imagens se
apresentam em sequência decomposta de forma justaposta (elas aparecem ao mesmo tempo
uma do lado da outra) separadas pelo requadro, a linha traçada que contorna a imagem.

Um elemento, e que talvez seja um dos principais da linguagem dos Quadrinhos, é o


balão, este é um recurso utilizado para enquadrar as falas, ele representa o som e exige a
cooperação do leitor, pois este tem que saber a ordem de leitura dos balões. Para Cirne o
balão é um elemento estético fundamental dos Quadrinhos, é o solidificador da palavra,
instigante visualização espacial do som. (CIRNE, 1974). Possui inúmeras possibilidades de
utilização que estruturam maneiras diferençadas de comunicação.

Figura 4 - Balões

18
Nota-se que cada configuração de balão conota uma emoção, uma sensação específica,
um tipo de fala. É um dos principais recursos das HQs. Possibilitam a expressão escrita das
falas dos personagens, do narrador e etc. e podem ter funções metalinguísticas nas histórias.
Os balões são os elementos não apenas utilizados para expressar as ideias dos personagens,
são em última instância, instrumentos através dos quais o artista (sujeito social) fala.

Outro elemento fundamental que diz respeito a linguagem própria dos Quadrinhos são
as onomatopeias: tratam-se de representações gráficas dos sons dos objetos, ações e etc., o
que implica dizer que os ruídos nos Quadrinhos não são sonoros e sim visuais. Embora
regidas por modelos fonológicos que diferem segundo as línguas, as onomatopeias
conseguem atingir uma linguagem universal. (CIRNE, 1974)

Figura 5 – Onomatopéias

As onomatopeias, segundo os artistas e pesquisadores dos Quadrinhos, formam um


elemento característico dessa arte e possibilitam infinitas formas de utilização e criação, tendo
algumas variações relacionadas às línguas nas localidades em que são produzidas, todavia
constituem parte da linguagem universal dos quadrinhos em termos de funções nas HQs.

No que concerne às considerações técnicas de sua elaboração, os Quadrinhos contam


ainda com outro elemento fundamental para seu entendimento: o tempo (expressão gráfica da
19
passagem do tempo). Esta é uma dimensão essencial dos quadrinhos. De acordo com Eisner
(2003) o ser humano está habituado a perceber o tempo visualmente (ex. o movimento do Sol,
o crescimento da vegetação, os relógios, calendários e etc.). Os quadrinhos necessitam da
habilidade de expressar o tempo na narrativa, que significa usar sequencialmente as imagens
para expressar o tempo. O que faz a força de uma HQ é a relação crítica (desencadeamento de
estruturas) entre todos os quadros, porém não se está diante do movimento físico (cinético),
trata-se de movimento aparente que está diretamente relacionado com a capacidade criativa
do desenhista. (CIRNE, 1974) Nesse sentido os quadrinhos também representam visualmente
de forma gráfica alguns fenômenos físicos, chamados no meio dos Quadrinhos de linhas
cinéticas. Quando se aprende a ler quadrinhos, se aprende a perceber o tempo espacialmente,
pois nas histórias em quadrinhos tempo e espaço são a mesma coisa (MCCLOUD, 1995).

1.3 - Possibilidades de investigação

1.3.1 - Aspectos metodológicos

Para melhor aproveitamento desse tipo de fonte é interessante ao


pesquisador analisar além da criação enquanto arte, sua produção como um todo, no intuito de
identificar o lugar social, na perspectiva de Michel de Certeau, do qual os artistas e editores
falam. Sendo assim é preciso que se conheça o desenvolvimento desse processo de produção.

Nos Quadrinhos esse processo se desenvolve por etapas: geralmente a primeira etapa
de sua produção é a elaboração do roteiro. O roteiro pode ser produzido de diversas formas a
critério de quem o produz. Krakhecke discutindo questões metodológicas na utilização dos
quadrinhos como fonte, defende que o roteirista, que é geralmente quem inicia o processo
criativo, pode controlar ou não as outras etapas de desenvolvimento. Se a pesquisa busca
analisar os discursos e os conteúdos presentes nas HQs, ressaltarão o olhar do sujeito que
desenvolveu o roteiro (o roteirista). Depois de pronto o roteiro ocorre a elaboração artística.

20
Pode-se ainda, utilizando uma obra de quadrinhos com arte finalização - na arte
finalização que se aplica as cores e possíveis correções aos esboços - buscar interpretações a
partir das cores - nesse caso é preciso levar em conta que esta etapa de produção pode ser
realizada ou não pelo ilustrador - observando nas entrelinhas o olhar do ilustrador.
A última etapa desse processo fica por conta do letrista, cuja função é inserir os textos
e balões nos quadrinhos de maneira que oculte partes de menos importância dentro do quadro
e causar o menor “dano” à ilustração. É de responsabilidade do letrista escolher o formato de
letra que melhor expresse os textos e diálogos descritos no roteiro.
Ainda pensando aspectos metodológicos da utilização de HQs como fonte histórica, é
preciso que se faça a análise da linha editorial da revista, pois aí reside a raiz, a razão da
existência desta. É nos editoriais das publicações que se encontram o cerne do entendimento
do motivo pelo qual a obra foi lançada, seu intuito, suas ideias, em fim as informações a
serem vinculadas por elas. É bom lembrar que estas informações devem ser percebidas por
meio da investigação do pesquisador, uma vez que geralmente elas não aparecem de forma
explícita. Necessário é que o historiador faça uma análise minuciosa de todas as etapas
descritas e assim analisar a linha editorial, isso possibilitará melhor entendimento do objeto.

1.4 – A revista Chiclete com banana em seu contexto histórico: a atuação da


Circo Editorial

1.4.1 - A influência da contracultura nas produções da Circo Editorial

As tendências culturais que se iniciaram na década de 1950 ganhando força nos anos
seguintes e ficaram conhecidas como contracultura consistiram em manifestações artísticas
que basicamente questionavam e negavam o consumismo, e consequentemente a forma de
vida denominada como american way of life, que por sua vez representava o ápice do
consumo mercadológico, principalmente de bens culturais. As principais características dessas
manifestações era a participação massiva de jovens com roupas coloridas e enfeitadas (ou sem
nenhuma roupa), os cortes de cabelo compridos ou soltos representando uma postura de

21
enfrentamento ao status quo econômico-moralista estabelecido em parte do mundo naquela
década, principalmente nos Estados Unidos da América. Não se tratava apenas de estética,
rebeldia, festa, era a crença na possibilidade de existência de um modo de vida diferente do
imposto pelo capitalismo, a busca por uma nova forma de vida sem consumismo e sem
guerras, (marcas desse momento histórico) como a Guerra do Vietnã por exemplo. Essas
manifestações se espalharam pelo mundo. Se analisará um de seus aspectos no Brasil, por
meio da Editora Circo Editorial e a revista Chiclete com Banana.

Tendo em vista o período da ditadura militar, marcado pela regulação dos meios de
comunicação que obrigou artistas, escritores, editores a buscarem formas alternativas de
publicarem seus trabalhos, percebe-se um dos motivos que levaram ao aparecimento de uma
diversidade de publicações no contexto da reabertura política: muitos personagens, fanzines7,
revistas e etc.

A cidade de São Paulo foi um importante centro cultural do país na década de 1980
encabeçando diversas manifestações culturais voltadas para a arte em caráter alternativo:
teatro, música, poesia, e quadrinhos. Vale salientar que essas manifestações se davam sem a
intervenção, e principalmente sem o financiamento do Estado, essa é a principal característica
da cultura alternativa underground (não comercial, autoral crítica e revolucionária).

1.4.2 – O surgimento da Editora Circo Editorial

É nesse contexto que surge aquela que foi a editora da revista Chiclete com Banana. A
Circo Editorial, idealizada por Antonio de Souza Mendes (Toninho Mendes), foi um marco no
impulso da cultura underground no Brasil em se tratando de quadrinhos. A data de criação da
Circo Editorial foi o dia 26 de abril de 1984, numa quinta-feira, não por coincidência esta foi
a data em que o congresso brasileiro rejeitou a emenda Dante de Oliveira que estabelecia
eleições diretas para a presidência da república.

7
Fanzines são publicações alternativas de textos, poesias, quadrinhos, geralmente produzido de forma
artesanal, veículo bastante utilizado pela contracultura. A palavra fanzine é a contração de fanatic
magazine, (fanático por revista).

22
Nota-se que a Editora Circo nasce no período de reabertura política, restauração do
regime democrático e diminuição da censura, contudo outro fator teve peso decisivo sobre a
produção da Circo Editorial: a instabilidade econômica que o país enfrentava. Período
marcado por intensas oscilações na economia que pode ser claramente percebido nas capas do
objeto de estudo. A duplicação do preço de uma publicação para outra é um exemplo
facilmente perceptível em suas capas, tendo inclusive um editorial específico, que discute um
pouco da situação econômica do país na edição nº 20 de 1989 da Chiclete com Banana.

Ressaltamos que a revista Chiclete refletia muito o teor da própria Circo Editorial.
Suas publicações atacavam os valores e hábitos da classe média urbana, empregando imagens
e termos chulos, muitas vezes pornográficos e agressivos. Roberto Elísio dos Santos (2007)
esboça nesse sentido uma caracterização das publicações da Circo Editorial. Segundo ele,
dependendo do enfoque dado pelo leitor pode-se pensar em “tipologias do humor” dos
quadrinhos da Circo Editorial, assim dividido: humor urbano, humor político, humor erótico e
humor comportamental. Contudo, tal perspectiva não deve ser adotada de forma mecânica,
devendo o leitor analisar as obras como um todo e pormenorizar aspectos que lhe interessem,
assim deve ser concebida, caso necessária, a divisão de tipologias do humor da Circo acima
esboçada. Apesar do direcionamento à crítica social e aos comportamentos por parte da
editora, a crítica política continua a aparecer em suas publicações.

Devido ao sucesso da Chiclete com Banana a editora investiu em sua produção


tornando-a o título mais vendido no período. A Circo Editorial publicou ainda outras revistas
com características parecidas, por exemplo, Geraldão, do cartunista Glauco Villas Boas, a
revista Circo, que reunia vários autores do gênero tanto nacionais como internacionais.
Publicou ainda as revistas Piratas do Tietê e Striptiras, de Laerte Coutinho. Pouco depois a
editora lançou também Níquel Náusea, de Fernando Gonsales. Houveram algumas
publicações que tiveram vida efêmera como, Lúcifer, que reunia produções de artistas novos e
veteranos, e a revista Big Bang Bang que aglutinou os trabalhos do artista gaúcho Adão
Iturrusgarai.

As principais influências da Circo Editorial eram os comics underground norte


americanos de Robert Crumb e Gilbert Shelton e os quadrinhos autorais europeus:
“Refletindo a situação política e social da década de 1980, os quadrinhos de humor das
revistas da Circo Editorial investiram suas críticas no modo de vida pequeno burguês dos

23
centros urbanos. As piadas põem em relevo as contradições, as idiossincrasias, a vaidade e a
prepotência da classe média urbana” (SANTOS, 2007: p. 8).
O contexto da crise econômica da década de 1980 foi fundamental para o fechamento
da Circo Editorial, que contou ainda com problemas administrativos. Contudo por conta dos
diversos planos econômicos num curto período de tempo, que faziam a inflação subir
vertiginosamente dificultou muito as publicações da editora; “quando a editora recebia o
pagamento da distribuidora, dois meses depois da publicação de uma revista, não conseguia
arcar com os custos de produção do próximo número, o que obrigou a Circo Editorial a fechar
no final de 1995” (SANTOS, 2007: p. 7). Nesse sentido observamos o quanto o contexto
histórico foi decisivo tanto para o surgimento quanto para o fim da editora Circo Editorial.

Observa-se ainda o papel fundamental dos agentes internos que fizeram parte da
editora Circo Editorial, tanto no surgimento quanto em sua produção. Os autores, ao lado dos
editores (que muitas vezes eram a mesma pessoa) determinavam a essência não apenas das
revistas, mas da editora de um modo geral, essência essa que consistia em “expor o ridículo
presente na vida das classes dominantes da sociedade, mas especialmente das camadas médias
urbanas” (SANTOS, 2007: p.13). Os principais autores que publicaram na Circo Editorial
foram Glauco, Luis Gustavo (Luís Gê), Angeli e Laerte.

A revista Chiclete com Banana tinha como editor e cartunista principal Arnaldo
Angeli, amigo de Toninho Mendes desde a infância, iniciou-se cedo na carreira de cartunista,
tendo já aos 14 anos divulgado seu primeiro desenho na revista Senhor 8, foi fortemente
influenciado pelas charges da revista O Pasquim e pelos comics underground norte
americanos. Faz charges políticas para o jornal Folha de São Paulo desde 1974.

Já Luís Gê e Laerte Coutinho se conheceram na Universidade de São Paulo onde


lançaram juntos um fanzine, chamado Balão, em 1972. Laerte Coutinho publicou ainda por
esta editora as revistas Piratas do Tietê e Striptiras. Luiz Gê além de cartunista da Editora
Circo foi também editor da Revista Circo. Glauco Villas Boas também foi um dos cartunistas
da Circo Editorial e da Revista Chiclete com Banana e ainda, por essa editora lançou sua
revista Geraldão.

8
A revista Senhor foi lançada em 1958 tendo um direcionamento voltado para o jornalismo cultural.
Esteve na vanguarda das publicações culturais brasileira

24
Juntos, esses artistas deram a tônica da editora Circo, bem como da revista Chiclete
com Banana, e de maneira mais ampla contribuíram por meio dos Quadrinhos para mudanças
sociais, pois a influência do periódico analisado mostra que trata-se de um veículo de
agitação, sobretudo, político e cultural, que por sua vez trás na linha editorial e na criações
literárias e cartunizadas destes autores, a forma pela qual estes e, em contra partida a Chiclete,
viram e representaram em suas páginas a sociedade no período em que circulou. E que teve
um raio de circulação amplo tendo sido encontrada numa cidade do interior do estado da
Bahia, Gandu, local de onde parte esta pesquisa contando com um acervo com todos os
números da revista adquiridas nesta localidade.

1.4.3 – O surgimento da revista Chiclete com Banana

Em 1984 seriam lançados os dois primeiros números da Circo Editorial, a série Série
Traço e Riso que reunia trabalhos do cartunista Chico Caruso, Não tenho palavras e a
Chiclete com Banana com trabalhos de Angeli. Como as histórias de Caruso deveriam
abordar aspectos políticos da sociedade contando inclusive com alusões ao resultado da
Campanha das Diretas Já, a Chiclete com Banana foi lançada antes. Obteve grande sucesso,
sua publicação durou de 1985 a 1995, tendo sido produzida 25 edições normais, 10 edições
especiais, e 10 edições da série Tipinhos Inúteis (contando com relançamentos) tendo vendido
mais de 80 mil exemplares. Produzida em formato americano com capa colorida e miolo com
48 páginas em preto e branco e periodicidade bimestral, constituída basicamente de tirinhas, a
revista tornou-se padrão para as outras publicações da editora. Se tornando uma das revistas
mais importantes da Circo Editorial (SANTOS, 2007).

A tônica principal dos quadrinistas nacionais, antes da Chiclete, era a sátira política. A
título de exemplo pode-se citar os trabalhos de Henfil, Jaguar, Ziraldo, no final da década de
1970. Esses artistas tinham como principal foco o humor político, utilizando-se de veículos
alternativos para publicarem seus protestos contra o regime militar instaurado no Brasil, para
isso os principais meios utilizados por eles foram charges, caricaturas e quadrinhos, destaque
para a revista O Pasquim.

25
Com a reabertura política, caminhando com o processo de restauração democrática nos
anos 80, a Chiclete junto com os fanzines e outras publicações alternativas deste período
contribuiu para articular de certa forma uma guinada no que se refere aos temas de abordagem
dos Quadrinhos do período. Tendo em vista a situação política do país com o início do
período pós-ditadura, mas ao mesmo tempo vivendo uma crise de instabilidade econômica, os
quadrinhos através da Chiclete com Banana e da Circo Edirotial passaram a abordar mais a
questão das práticas e costumes, isto é, o comportamento e práticas dos brasileiros do que a
questão do humor político necessariamente, este evidentemente não deixou de aparecer nas
páginas da revista, porém a ênfase maior dos autores da Chiclete era o comportamento dos
brasileiros. Isso fica claro no editorial da sua 1ª edição em 1985, intitulado Na quebrada da
esquina:

“O ser humano é meio panaca mesmo. Alguns engolem


fogo, outros escalam o monte Everest, outros ainda deitam em
cama de prego; e nós resolvemos fazer um gibi – ou seria
revista? – de galhofa para galhofeiros. Dois pontos, entre outros,
são difíceis nesta façanha editorial: primeiro, concorrer com o
pato idiota aí de cima [acima do editorial há uma ilustração
fazendo referência ao Pato Donnald]; e segundo, fazer galhofa
num país onde ultimamente todo mundo se leva muito a sério.
Não! Não vamos encher seu saco narrando as desventuras do
desenhista nacional contra um bando de patos afeminados e não
assumidos, pois você não comprou essa revista – ou seria gibi?
– para ouvir lamúrias, e nem vamos derrubar o governo da
Cisjordânia, se é que lá tem governo. Queremos com esse gibi –
ou seria revista? – apenas beliscar a bunda do ser humano pra
ver se a besta acorda.” (ANGELI, 1985)

É interessante analisar a maneira com a qual a Chiclete com Banana faz uma
abordagem utilizando o humor mordaz, caracterizado como humor negro, de maneira
irreverente e ferrenha aos estereótipos incorporados por camadas da sociedade que se
mantiveram apegada à tais estereótipos de maneira tal que a abordagem da Chiclete faz
26
parecer que para essas camadas da sociedade brasileira, principalmente a classe média, era
como se o tempo não tivesse passado, ou melhor, como se essa classe fizesse questão de não
perceber a passagem do tempo, percebe-se tal aspecto analisando vários números da revista.

Tal abordagem aparece nas páginas da Chiclete através da caracterização, isto é, dos
perfis dos inúmeros personagens que serão de analisados em capítulo posterior deste trabalho.

Fator de suma importância presente na revista, que por ventura é um dos principais
motivos da escolha do objeto de estudo, é a questão cultural trabalhada das mais variadas
formas por seus autores. Que por sua vez, são herdeiros do momento em que a contracultura
se propagou no cenário mundial, sobretudo nos Estados Unidos da América. Os artistas da
Chiclete foram influenciados diretamente por essas manifestações culturais. Tal
direcionamento é expresso nos temas apresentados pela Chiclete com Banana através de seus
personagens que em grande parte das publicações discutem temas relacionados à
contracultura, como o movimento Hippie, o movimento Punk, o Rock and Roll. Assim como
aborda aspectos políticos que também têm relação com manifestações contraculturais anterior
ou daquele período histórico, dentre outras coisas destacam-se na Chiclete, o anarquismo, a
revolução sexual, a revolução política, o feminismo e etc.

Dessa forma a revista pode ser entendida como veículo importante para compreensão
de aspectos voltados pra o viés sociocultural e político do período. Trata-se de um meio de
comunicação que detém a singularidade de abranger muitos lugares e acima de tudo, muitas
pessoas. Torna-se nesse sentido interessante observar que além da produção da revista ter
recebido forte influência do contexto cultural e político do momento, torna-se ela própria um
meio de influência para a sociedade que com ela teve contato.

Compreende-se assim que o estudo deste objeto traz abordagens relevantes para a
compreensão de aspectos daquele contexto não apenas por refleti-lo, mas principalmente
como uma das peças fundamentais de mudança dessa engrenagem política e cultural. Isto é,
não trata-se apenas de utilizar a Chiclete como reflexo da sociedade do período e sim como
ferramenta de agitação do mesmo. Um instrumento através do qual lança-se um olhar sobre o
país e ao mesmo tempo, enquanto meio de comunicação, intervém nessa realidade por meio
da marca clássica dos Quadrinhos, sobretudo os brasileiros, que é o humor, a crítica aos
costumes, a sátira política.

27
A Chiclete com Banana de maneira escrachada desnuda a sociedade brasileira em seus
costumes e maneiras abordando desde às cidades, enquanto símbolo da urbanidade,
adentrando às relações conjugais mais íntimas que acontecem nas camas dentro das casas,
casas dentro das cidades, cidades dentro do país, país dentro planeta, planeta dentro do
universo, com pitadas de invasões alienígenas... Eis a gama de possibilidades de investigações
presentes na revista Chiclete com Banana.

1.4.4 - O contexto histórico brasileiro nas décadas de 1980 - 1990 e seu reflexo na
Chiclete com banana

Munidos das informações propostas até aqui nesse trabalho será observado na Chiclete
com Banana os aspectos discutidos, no intuito de perceber as relações do objeto em análise
com o contexto histórico.
Para tanto, faz-se necessário uma contextualização o período histórico em questão,
marcado pela transição política do Brasil. O ano de 1985 foi marcante para a sociedade
brasileira tendo em vista a repercussão dos principais acontecimentos no cenário político e
sociocultural. Foi quando ocorreu a retomada da liberação política, já que o Estado brasileiro
passara 21 anos (31 de março de 1964 a15 de março de 1985) sob a tutela dos militares,
período caracterizado pela forte repressão aos direitos civis, sociais e políticos dos cidadãos.
Nesse ano ocorreu ainda eleições indiretas no país, lembrando que a campanha por eleições
diretas, Diretas já, que ocorria desde 1984 não conseguiu aprovar a emenda Dante de
Oliveira, o que significa dizer que o novo presidente foi escolhido ainda de forma indireta por
um colégio eleitoral composto por deputados e senadores da situação. Na ocasião escolheram
Tancredo Neves - pertencente ao partido da oposição - para presidente do país, isso em 15 de
janeiro deste ano, data simbólica do fim da ditadura militar para alguns historiadores.
Todavia, a posse do presidente eleito não ocorreu, pois o mesmo, devido a
complicações cardíacas veio a óbito. No seu lugar assumiu o então vice, José Sarney trazendo
consigo uma perspectiva ideológica (intitulado plano de governo) caracterizada por uma série
de medidas políticas e econômicas, que ficou conhecida como Nova República. É nesse
contexto político que é lançado o primeiro número da revista Chiclete com Banana. Que a

28
partir daí aborda boa parte do acontece política e culturalmente no decorrer dos nos anos
nesse cenário.
Além da Chiclete com Banana as outras manifestações culturais aqui esboçadas
mostram que basicamente se contestava os padrões sociais que se discutiam como necessários
de serem construídos nacionalmente, quais sejam, a perspectiva da meritocracia defendida
pela classe média urbana do país, caracterizada pela pequena burguesia e o massivo consumo
de bens, inclusive bens culturais, avanço tecnológico.
A título de exemplo de manifestações política e culturais as quais se tem registros na
Chiclete citamos o movimento feminista da década de 1980, tendo como herança a presença
da mulher na luta armada contra a ditadura durante os anos 1960 e 1970, passando a construir
uma proposta feminista deliberada a partir da década de 1980. Desde quando se originou no
seio da luta política as militantes negavam o lugar tradicionalmente atribuído à mulher ao
assumirem um comportamento sexual que punha em questão a virgindade e a instituição do
casamento, apontando nesse sentido na luta por emancipação feminina. (SARTI, 2001).
Observamos também nesse período o momento do final da luta armada organizada no Brasil
também representada na Chiclete, final no sentido do não alcance do objetivo geral dessa
militância que era tomada do poder para os trabalhadores, por sua vez foi fortemente
reprimida, mas que no entanto representa um marco na resistência contra a ditadura e na luta
de classes.
O Brasil nesse período ainda não tinha rompido totalmente com os laços criados pela
ditadura, que para alguns historiadores isso só acontecerá efetivamente em 1988. Porém a
questão cultural é de suma importância para percebermos os impulsos por parte dos artistas e
produtores assim como da parte da sociedade nessa direção. A produção cultural do período
incentivou e influenciou à transformações sociais por meio de músicas, peças teatrais,
poemas, charges, Quadrinhos, textos e uma infinidade de manifestações culturais nesse
sentido. Podemos citar como exemplo, o grupo Asdrúbal trouxe o trombone, atuante desde os
anos 1970, o Grupo Ornitorrinco e a peça Teledeum de Albert Boadella, dirigida por Cacá
Rosset. Esses grupos buscaram mudar a linguagem teatral do país na época, utilizando novas
perspectivas estética para o teatro brasileiro. Destaque para o teatro Lira Paulistana,
importante centro de criações e apresentações alternativas. É interessante citar a TV Pirata
criada por Guel Arraes, como acontecimento importante para o humor televisivo, e na
sequência o surgimento do programa humorístico Casseta & Planeta, que por sua vez
originou-se de uma revista de humor, a Casseta Popular. Dentre muitos outros.
29
O cenário musical brasileiro, dentre outros artistas, dispunha das figuras de Arrigo
Barnabé, Itamar Assumpção, bem como do momento de explosão do rock e pop nacional,
com bandas como Aborto Elétrico que deu origem a Legião Urbana e ao Capital Inicial,
ainda nesse cenário, tinha-se Cazuza e o Barão Vermelho, a Blitz, Ultraje a Rigor, Biquine
Cavadão, Kid Abelha & As abóboras Selvagem, RPM, Titãs, Paralamas do Sucesso, Lobão,
Engenheiros do Hawaí. A tendência New Age da Gang 90 e demais.
Na cena underground da cultura ocorreu o surgimento - se bem que não tem como
precisar o momento exato - e a proliferação do movimento Punk no país, que por sua vez não
dizia respeito apenas à arte, ao cenário musical, mas sim a um modo de vida à margem do
sistema que vigorava e que estava em fase de em transição, uma vida social baseada do “do it
yourself” (faça você mesmo), postura na qual se buscava algo oposto à definição de sociedade
que se tinha, individualista e consumista. Entretanto não estava de fora do cenário musical,
muito pelo contrário, o punk rock foi um dos principais instrumentos de agitação que a
juventude de jaquetas pretas com mangas arrancadas, coturno, piercings e moicano,
vincularam suas ideias. Utiliza-se aqui este sentido figurado para fazer referência também às
contestações estéticas do movimento punk, não visa-se com isso estereotipá-lo. Dentre outras,
tinham-se as bandas Olho Seco, Os Replicantes, Cólera, Garotos Podres, Ratos de Porão,
Camisa de Vênus, Os Inocentes, Restos de Nada, Lixomania.
Esse é o mosaico que permeia as páginas da revista Chiclete com Banana, suas
histórias, seus temas, seus textos, seus personagens, seus editores, colaboradores dizem
respeito exatamente à convivência neste cenário cultural e turbulento dos anos 80. Os
principais autores e editores da revista eram os sujeitos inseridos, ou que de alguma forma
tiveram contato com a realidade acima descrita, que registraram suas impressões, opiniões e
ideias por meio das Histórias em Quadrinhos.
A Chiclete por meio de seus personagens e histórias faz uma representação da
sociedade brasileira satirizando os comportamentos individuais de personalidades no seio da
sociedade. O que permite perceber a proximidade dos autores da revista em relação a
realidade representada. Seus personagens geralmente retratam de forma caricaturizada,
práticas e comportamentos dos grupos sociais em questão, tendo o humor como marca
principal. Tais grupos, muitos dos quais os autores da Chiclete ou faziam parte, ou já tinham
feito, ou conviviam com os mesmos.
A princípio observa-se no editoriais uma negação do modo de vida desenvolvido pela
sociedade brasileira no período, o qual era caracterizado pelo consumo em massa,
30
principalmente de artigos relacionados à cultura, a tendência yuppie9. Existe na revista uma
busca por um não enquadramento em nenhum tipo de rotulação tradicional. O vocabulário
utilizado é repleto de termos chulos e às vezes pornográficos, porém não parece que seja um
tipo de pornografia caracterizada pelo apelo sexual, nota-se que é mais um grito por liberdade
de expressão dos sujeitos, um direcionamento à contestação da moralidade. Mostra-se a busca
pela ruptura com uma realidade cultural mercadológica, produtora de arte em formato de
mercadorias.
O objeto de estudo dessa pesquisa salienta, sobretudo, as possibilidades de um estilo
de vida fora dos padrões de moralidade defendidos pela classe média em ascensão no país. O
cerne das atenções é exatamente a crítica a essas posturas, suas noções de família, de religião,
de política, de cultura, de sexo e etc.

Figura 6 - HORA DO JANTAR, de Angeli


Publicada na edição nº 5, 1985, Série Traço e Riso

9
Yuppie: expressão inglesa para a sigla YUP (Young Urban Professional – Jovem Profissional Urbano).
Representava no Brasil do período a atuação da juventude da classe média e no “progresso” financeiro do
capitalismo, por isso alvo constante da crítica da Chiclete com Banana e de outras manifestações
artísticas.

31
Na edição de maio de 1987 tem uma historieta que ilustra bem o direcionamento da
Chiclete com relação a sociedade brasileira, cujo título é Psico Burguês: a revolta dos
babacas. Na qual Angeli faz uma abordagem de forma enfática satirizando a pequena
burguesia nacional, em uma possível tentativa de mudança de hábito, onde passaram a
aparecer nos meios geralmente frequentados pelos trabalhadores e pela classe baixa, isto é,
bares e festas populares, ruas e becos, realidade frequentada normalmente por indivíduos que
pertenciam de alguma forma àquela realidade social. O autor tenta demonstrar uma espécie de
invasão por parte dos filhos dessa burguesia a esses ambientes sociais. Percebe-se então a
postura do autor dos quadrinhos enquanto sujeito social desses ambientes, isto é, um sujeito
dentro de uma realidade em contínua transformação.
Uma leitura possível de se fazer na Chiclete por meio de seus textos e histórias, é de
um ponto de vista que perpassa por tendências anarquistas. Isso considerando o campo teórico
político de observação, porém percebe-se que o caráter político da revista não fica explícito.
Quer dizer, seus autores não definem sua posição política de forma clara na revista, essa
posição é percebida nas entrelinhas dos seus textos, imagens e histórias.
Torna-se então necessário a utilização da chamada leitura a contra pelo, pois a
ideologia presente nas histórias é notada de acordo com o posicionamento do autor com
relação aos temas abordados e setores sociais que ele critica. O que significa dizer que para
atingir o ponto de vista do autor, é necessário que se busque perceber os motivos para analisar
sua crítica às instituições sociais por ele atacadas, tais como família, igreja, casamento,
trabalho, partidos políticos e etc.
Partindo desses pressupostos é que entende-se uma tendência anarquista por parte da
revista, pois geralmente às críticas estabelecidas pelos autores, editores e colaboradores
caminham no sentido da negação de tais instituições. De certa forma, nessa direção, percebe-
se algo de lutas de classes, porém quanto a isso também não se tem um posicionamento claro
defendido por parte do objeto em questão. Percebe-se um enfrentamento a todo o momento a
elite brasileira, entretanto não fica claro se eles (autores e editores) pertencem à classe
antagônica e caminha no sentido do conflito, ou se pertencem à classe criticada e não
concordam com as práticas dessa classe, e por isso critica. Fato é que nenhuma coisa, nem
outra ficam explicitas nas páginas.
Percebe-se uma espécie de negação da negação por parte da Chiclete levando em conta
toda a conjuntura nacional. Colocando a perspectiva de sujeito histórico observa-se que há
uma influência grande da realidade social sobre a revista, ao mesmo tempo em que
32
percebemos a mesma enquanto instrumento de agitação e influência sobre os sujeitos sociais,
no mínimo propondo o debate. De alguma forma está presente em suas páginas a discussão, e
nessa perspectiva a influência, a respeito da necessidade de mudanças sociais.

2 - Raio X do Brasil sob o olhar da Chiclete


com Banana

2.1 – Os editoriais da Chiclete e seu caráter de resistência a indústria


cultural

Um ponto importante a se abordar com relação aos Quadrinhos (nacionais e


internacionais) foi a influência negativa proporcionada pelo livro The Seduction of The
Innocente, escrito pelo psicólogo Dr. Frederic Werthan em 1954. Esta obra afirmava que as
histórias em quadrinhos prejudicavam a formação intelectual do jovem. Por conta disto criou-
se nos Estados Unidos os Comics Code, que consistia num código de ética para os
Quadrinhos, e funcionavam como órgão de censura, pois toda produção de quadrinhos era
avaliada por um grupo de pessoas ligadas ao governo norte americano, que aprovava ou não
estas produções. As obras liberadas deveriam ter timbradas em suas capas (imagem a baixo),
o Comics Code Authority (Figura 7), que significava aprovação pelo código de ética
estabelecido.

Figura 7 - Selo de aprovação no código de ética dos quadrinhos, EUA.

33
No Brasil houve também uma versão de seu código de ética para os quadrinhos. Esse
código de ética no Brasil foi elaborado por um grupo formado por editores da Editora Abril,
EBAL (Editora Brasil, América Latina), RGE e Editora gráfica O Cruzeiro. Passou a vigorar
no Brasil a partir de 1961, sem o qual até mesmo os donos das bancas de revistas recusavam-
se a comercializar os Quadrinhos. Ressalta-se que esse código no Brasil foi elaborado com
apoio do governo, e pessoas ligadas a grandes conglomerados midiáticos, como proprietário
de redes de televisão, editoras de revistas, livros e jornais, nomes como o de Roberto
Marinho, Assis Chateaubriand, Victor Civita e Adolfo Aizen, principais responsáveis pela
importação do código norte americano.

Figura 8 - Selo de aprovação no código de ética Brasileiro

A revista Chiclete com Banana não escapou do autoritarismo desse tipo de censura.
Este selo (Figura 8) aparece nas capas da revista do nº 1 de 1985 ao nº 19 em 1989, ou seja,
quatro anos passando pelas mãos da censura dos editores. Fato relevante é que os ataques dos
críticos aos quadrinhos diziam respeito a um suposto prejuízo intelectual, incentivo ao
homossexualismo, à delinquência com relação aos jovens, como a Chiclete com Banana era
uma revista para adultos, que trabalhava com o humor erótico propriamente dito, não teve
maiores problemas com relação ao código, porém os selos que simbolizam a vistoria da
censura aos Quadrinhos brasileiros estão estampados nas capas da Chiclete.

Outro aspecto essencial e de extrema relevância percebido ao longo dos editoriais da


revista é o direcionamento ao enfretamento à indústria dos Quadrinhos. Tanto os autores
como editores da Chiclete com Banana são unânimes quando o assunto é ramo editorial e de
produção de Quadrinhos. Seus editoriais são incisivos com relação à indústria cultural, as
críticas são voltadas principalmente à infantilização, à futilidade dos temas trabalhados nas
HQs de grande circulação.

A indústria cultural dos Quadrinhos é personificada pela Chiclete nos trabalhos de


Walt Disney, principalmente no personagem Pato Donald, alvo constante dos ataques dos
34
editores e artistas da Chiclete. Tendo sido muito popular no Brasil no período, as HQs de
Walt Disney e seus personagens, contavam com um sistema de propaganda e distribuição de
acordo com as leis de mercado, isto é, os quadrinhos eram produzidos de acordo com o que os
leitores (consumidores) possivelmente gostariam, o que significa dizer que esse tipo de
produção é condicionado ao gosto dos consumidores, o que por sua vez fez com que durante
muitos anos as histórias em Quadrinhos fossem vistas com um produtor menor, de qualidade
duvidosa, isso por conta desse tipo de produção industrial onde se busca consumidores de
produtos ao invés de leitores.

Nesse sentido, a Circo Editorial e a Chiclete com Banana caminhou na contramão


dessa produção industrial, visando trabalhos autorais, utilizando uma linguagem cotidiana,
carregada de palavrões (palavras consideradas de baixo calão), funcionando como um contra
ponto a esse tipo de produção industrial, e mesmo assim obtendo sucesso no que se refere às
vendas. Podendo se caracterizada como instrumento de resistência e denúncia da produção
capitalista e sua busca por assimilar as produções artísticas ao mercado, visando, sobretudo o
lucro. Os editorias da Chiclete com Banana bem como suas histórias, em sua maioria escritos
por Angeli, contrariam a lei industrial de mercado de oferta e procura (imposta também sobre
a produção de Quadrinhos), de adequação da sua criação ao gosto do público.

.
2.2 – Analisando aspectos da sociedade brasileira por meio dos perfis dos
personagens (selecionados) da Chiclete com Banana.

Se discutirá neste tópico alguns dos personagens da Chiclete no intuito de perceber a


essência sociocultural presente na revista por meio deles, cabe salientar que os personagens
foram selecionados a partir dos critério das características políticas e sobretudo culturais
presentes nestes e em suas histórias que por sua vez reflitam o contexto estudado , lembrando
que A maioria destes personagens não foram criados exclusivamente na e para a Chiclete com
Banana, eles já apareciam e continuaram aparecendo em vários jornais do país no formato de
tirinhas

Rê Bordosa a pin up dos anos 80

35
Simboliza a luta da mulher contra os papéis sociais de submissão. Trata-se de um
personagem bissexual que não sabe se portar como uma mulher considerada “normal” (não
tem a educação feminina pautada na “moral cristã” e nos “bons costumes”) da classe média
brasileira. Busca um estilo de vida desregrado e desapegado de qualquer convenção social.
Sua característica geral é a da alcoólatra, ninfomaníaca com baitas crises de depressão, que o
autor chama de eterno Day after (dia após). Sempre acorda com crise de consciência dentro
de sua tradicional banheira, onde conta suas desventuras amorosas e porres homéricos.

Está relacionada também com o estilo de vida junkie, cuja principal característica é a
busca hedonista pela satisfação dos desejos e prazeres. Dizia-se popularmente que o junkie ao
ser convidado para uma festa qualquer, não perguntava quem iria estar presente na festa,
perguntava o que teria para beber. Como ilustra a tira da junkie em questão (Figura 9).

Figura 9 - Chiclete com Banana edição especial, p. 7, 1987

Foi nessa perspectiva que a personagem Rê Bordosa foi criada. Dona de uma
personalidade libertária, que muitos afirmam ter sido inspirada também na cantora Rita Lee,
vivendo em luta pela liberdade individual por meio do desafio aos padrões sociais capitalistas
e cristãos. Seu diálogo com contexto mostra a maneira como uma mulher, que tem uma vida
alternativa (a margem dos status quo vigente), apesar de viver em função de uma busca por
transformação social no que concerne a condição da mulher, embora talvez de forma
inconsciente por parte da personagem em análise, se vê geralmente em crises psicológicas
justamente pelo fato do não enquadramento aos padrões sociais impostos.

Existe um diálogo por parte dessa figura com as instituições e situações da vida
cotidiana do período. A título de exemplo tem-se o diálogo dessa personagem com relação à
proliferação do vírus da AIDS e a campanha nacional para a utilização de anticoncepcionais e
camisinha na década de 1980. Outro diálogo que acontece é com relação à questão da
gravidez onde se contesta a ideia de que um dos sonhos (cristãos) de toda mulher é casar e ser
36
mãe. No caso de Rê Bordosa mostra-se que esse sonho não é compartilhado de forma geral
por todas as mulheres de todas as classes do período. Há uma contribuição inclusive, por parte
do autor, por meio de sua personagem, para com o debate atual a respeito do aborto, tendo a
figura da Rê Bordosa já abordando essa questão naquele período.

Vale lembrar, que embora a discussão apresentada pela personagem trate da questão
da condição feminina no período: principalmente sua luta por emancipação. A visão é
apresentada aos leitores por Angeli, o autor (homem). Significa dizer que a discussão a
respeito da emancipação feminina, é discutida por este sujeito social que produz quadrinhos
(assim como produz memória, sensações, impressões, ideologias e etc.). Percebe-se inclusive,
paradoxalmente, uma espécie de machismo por parte do autor ao trabalhar com a personagem
e em várias outras passagens das publicações.

Um fato curioso que talvez ilustre essa nossa discussão é o momento, vivenciado pelo
autor, em determinada madrugada que o inspirou a criação da personagem, no qual ele se
deparou com uma mulher em um banheiro masculino, urinando de pé. Tal fato ilustra também
que a personagem diz respeito às vivencias e observações do seu autor.

Sua tendência anarquista, reflexo do momento político, é observada em sua criação na


contestação da autoridade em todos os níveis, sua contestação à instituições sociais como
igreja, família, casamento e etc. Ou seja, o personagem mostra como o autor entendeu e
discutiu tais perspectivas ideológicas do período.

Outro fato marcante para nossa pesquisa com relação a essa personagem foi o sucesso
em termos comerciais, alcançado por ela. A personagem apareceu pela primeira vez no dia 4
de abril de 1984 no Jornal Folha de São Paulo.

Figura 10 - Tira de estreia de Rê Bordosa na Folha de São Paulo em 1984, republicada na Edição Especial da
Chiclete com Banana de 1987.
37
Obteve grande sucesso ao longo de três anos de existência, tendo desenvolvido no seio
da produção capitalista o desejo de transformá-la em produto de consumo - que está sendo
discutido aqui como bem cultural - uma vez que representava para algumas camadas jovens
da sociedade um símbolo de luta pela libertação individual, que porém caiu no chamado
“gosto popular”, e nesse sentido houve uma tentativa de obtenção de lucro com a imagem da
Rê Bordosa através de artigos de consumo, como bonecas, chaveiros, capas de caderno
escolar, e uma infinidade de produtos com possibilidade lucrativas comerciais através da
porraloca10, de Angeli.

Entretanto, a edição especial da Chiclete com Banana, de 1987, mostra o caráter de


resistência cultural defendido pelo criador e autor da personagem, bem como, da Editora de
forma geral, que por sua vez torna relevante essa pesquisa que tem como um dos objetivos
também evidenciar esse direcionamento. Esta publicação de 1987 é fatídica, pois reúne os
melhores momentos (na visão dos editores) da personagem em formato de tirinhas e algumas
histórias, porém esta edição é de luto, pois nesta publicação, intitulada Rê Bordosa: a morte
da porraloca, Angeli “mata” a personagem, isto é, a partir dessa edição ele não desenha ou
escreve mais sobre esta personagem, que só reaparecerá nos relançamentos da Chiclete no
início da década de 90.

Em outubro de 95 saiu pela Editora Circo, sem o trabalho editorial, mas ainda com
desenhos de Angeli, uma edição especial com 36 páginas de histórias inéditas intitulada
Memórias de uma porraloca: o diário de Rê Bordosa (1984-1987). Esta edição é uma espécie
de diário que revive a trajetória de Rê Bordosa e faz uma abordagem sobre a vida fictícia da
personagem desde os anos 70.

A atitude tomada pelo autor e pela editora, de acordo com as pesquisas, foi uma
medida exercida num direcionamento antimercadológico, o que por sua vez demonstra a
maneira como eles viam as relações comerciais que se desenvolviam no país no que diz
respeito à arte e a cultura. Então, tendo em vista uma possível assimilação de sua arte ao
mercado, isto é, diante da possibilidade de ver sua criação artística como uma mercadoria para
consumo da classe média, principal alvo do humor ácido da Rê Bordosa, de Angeli e da

10
Corruptela brasileira que representa o indivíduo que não dá importância a nenhum tipo de regra social.

38
Chiclete com Banana, o autor opta por “matar” sua criação, evidenciando seu caráter
alternativo underground (udigrudi11) de resistência cultural ao mercado capitalista.

Meia Oito

A imagem é de um guerrilheiro urbano (“de bar”) caricaturizado, frustrado e com crise


de personalidade, que mostra o olhar da Chiclete sobre esse aspecto do contexto político e
cultural da sociedade brasileira, no qual líderes revolucionários foram assassinados, exilados,
torturados e mortos, junto com eles, para alguns, a possibilidade de mudança política e social.
O editorial abaixo conta um pouco da trajetória do que levou o país à crise econômica e
política no final dos anos de 1980, a partir da ditadura militar e depois, no governo de José
Sarney, no qual por meio de decretos se implantou uma série de medidas econômicas como
congelamento de preços e salários, a substituição do cruzeiro pelo Plano Cruzado. Em 1988 a
promulgação da sexta constituição da história do Brasil. Em 1989 ocorreram as eleições
diretas para presidência da república após o período ditatorial, na qual Collor saiu vitorioso no
segundo turno. A Chiclete por sua conta expressa sua desconfiança e desgosto para com a
situação do país, quando diz no editorial escrito por Angeli da Chiclete com Banana Especial
Nº 21-A de 89, cujo título é A frente revolucionária de libertação da franga apresenta:
abaixo a direita, as aventuras de Meia Oito & Nanico:

Esta edição especial de Chiclete com Banana As aventuras de Meia Oito e seu
incansável companheiro Nanico é integralmente dedicada aos governos dos generais Castelo
Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, João Figueiredo e do sargento José Sarney e a
todos subordinados apoiadores, aduladores, e defensores que torturaram, espancaram,
prenderam, exilaram e desvalorizaram as pessoas e o dinheiro deste país, colaborando para
que chegássemos às portas do ano 2000 patinando em merda, engolindo sapos e aturando
revolucionariozinhos de banheiro de bar dando tiros de festim no primeiro que rebolar.
(ANGELI, 1989)

11
Corruptela brasileira para a palavra underground

39
Em Meia Oito percebe-se um pouco do caráter político, talvez até a nível de
posicionamento da revista. Esse personagem, apelidado pelo autor como o “último dos
barbixinhas”, uma alusão por parte do autor a um possível fim do movimento trotskista no
Brasil, remete a pensar a respeito de um saudosismo por parte dos que acreditaram e lutaram
pela revolução dos trabalhadores por meio da luta armada. Esse personagem, que vive numa
espécie de paranoia, achando que está sendo perseguido, vigiado pelo sistema capitalista,
acredita que ainda está em plena época da Revolução Russa de 1917, da Revolução Cubana
dos anos 50, mantém ainda conversas imaginárias com líderes revolucionários como Che
Guevara, Trotski e Lenin (falecidos), Fidel Castro e etc. Entendemos que esta é uma alusão do
autor ao movimento da guerrilha, e trata-se na verdade de um crítica incisiva sobre o mesmo e
aos sujeitos que acreditaram na via revolucionária armada de mudança, que embora tenha sido
muito ativa na décadas anteriores, nos anos de 1980 assistiu-se a prisão, exílio, assassinatos
desses combatentes, em fim, seu declínio, que porém continua viva, ao menos nas memórias
de quem vivenciou ou viu essa realidade. Angeli de acordo com esta leitura, estabelece uma
crítica a crença numa espécie de “ideologia morta”, uma vez que as figuras de seus líderes
mortos são trazidos à realidade como se tivessem vivos. Porém este personagem, assim como
muitos outros mostram a descrença por parte do artista numa possibilidade de mudança social
no período abordado.

Figura 11 - Chiclete com Banana Nº 2, 1985, p. 5

40
A personalidade do Meia Oito é um tanto controversa, variando de tendências
neuróticas com mania de perseguição à homossexualidade, já que seu fiel amigo Nanico é
homossexual assumido e apaixonado por ele. Nota-se que se busca com esse personagem
trazer os (ex) guerrilheiros urbanos para uma dimensão íntima e frágil do ser humano, que
apesar das metralhadoras e armas em punho, tratavam-se de pessoas (leia-se sujeitos sociais)
com todas as característica intrínsecas ao ser humano. Todavia o autor quer demonstrar que o
período para esse tipo de luta havia acabado, isto é, que a alternativa política escolhida por
esses guerrilheiros não tinha atingido o objetivo da transformação social, e por conta disso sua
condição no período trabalhado pelo objeto é de saudosismo aos tempos idos e das sequelas
deixadas por ele, uma vez que a época da luta armada passou, restando a estes ex-combatentes
os balcões e banheiros de bares para relembrar suas ações e discursos.

Figura 12 - Chiclete com Banana 2º Clichê Edição Pré-histórica Nº 4, 1987, (1ª Edição de 1985)

41
Bob Cuspe, o nervo exposto

Figura 13 - Chiclete com Banana The Best of – Série Tipinhos inúteis nº8, 1994

Essa é outra figura que também ilustra de forma significativa o contexto histórico
analisado, pelo fato de refletir uma tendência cultural que emergiu e se desenvolveu no Brasil
a partir do final dos anos 70, e que se alastrou pelos principais centros urbanos do país.
Embora a documentação a respeito seja escassa, a própria Chiclete representa, nesse aspecto,
um veículo que documentou assim como influenciou a propaganda ideológica anarquista do
Movimento Punk.

Este movimento é simbolizado por meio do personagem, tendo seu perfil caracterizado
pela representação ideológica discutida por Angeli, através dele. Este personagem, por
exemplo, mora dentro do esgoto num centro urbano movimentado, de onde sai para colocar
em prática sua filosofia de vida baseada principalmente na negação das instituições sociais, e
do modo de vida burguês capitalista, individualista e consumista. Outros discursos culturais a
esse respeito, que contextualiza nossa observação estão presentes, por exemplo, nas canções
do período como Ideologia e a Burguesia fede de Cazuza, bem como nas músicas Igreja,
Família e Polícia dos Titãs no disco Cabeça Dinossauro12

12
Gravado pela BMG/Ariola, 1986

42
Figura 14 - Chiclete com Banana especial Bob Cuspe: o nervo exposto, 1986

Bob Cuspe dispõe de uma “arma” que é a sua marca, e que simbolicamente representa
a ideologia do modo de vida anarco-punk. A arma utilizada pelo personagem, não por acaso,
é exatamente o que define sua identidade, o que o denomina, e principalmente representa a
razão pela qual o personagem existe, trata-se do cuspe. Tem-se também nesse direcionamento,
o trecho da música que fala “falta de cultura pra cuspir na estrutura” de Marcelo Nova e
Raulzito, no disco Panela do Diabo, como ilustrativo. O instrumento utilizado de forma
iconográfica pelo autor é um jato de saliva (cusparada) expelida contra toda forma de
organização social do Brasil na época. Desta maneira identifica-se a essência desse
personagem, que esteticamente se veste e se assume como punk, deixando nas entrelinhas sua
tendência política anarquista.

Ressalta-se ainda que o personagem representa a forma como o autor se posiciona


politicamente, assim como é o registro, a maneira como ele viu e vivenciou o momento que
entende-se aqui como auge do movimento punk no Brasil a partir do ano de 1977, a princípio
em São Paulo e Brasília, pois foi quando apareceram uma variedade de grupos e bandas de
punk music, publicações alternativas como fanzines, festas e festivais de música punk, as
primeiras gravações nacionais de punk rock, em fim, a proliferação dessa ideologia anarquista
que tinha a música, a estética e sobretudo a essência da contestação do status quo social
vigente como essência. Onde os sujeitos pertencentes ou não aos grupos visavam cuspir em
toda a estrutura capitalista, em sinal de repúdio a seu modo de vida, mas na perspectiva de
negá-lo, desconstruí-lo visando repensá-lo pautado no fundamento da liberdade individual.
Como diz o seguinte editorial referente a Bob Cuspe:

43
Conta a lenda que ele não nasceu, foi escarrado num subúrbio qualquer de
uma grande cidade. Cresceu e se transformou num enorme e incômodo furúnculo
nas axilas da sociedade. Já foi acusado de direita pelos esquerdistas e de esquerda
pelos direitistas, mas não é uma coisa nem outra. Na verdade,é apenas um sujeito
que, ao invés de ficar babando de esperança feito tia velha, preferiu arrepiar os
cabelos, vestir uma munhequeira e sair por aí, cuspindo em tudo e todos, tornando-
se um autêntico nervo exposto. (ANGELI, 1986)

A visão apresentada através de Bob Cuspe se relaciona com a produção artística do


período, tendo como exemplo o discurso presente na música Inútil do Ultraje a rigor, no
disco Nós vamos invadir sua praia13. Essa criação de Angeli nesse período representa,
baseado em nos estudos deste trabalho, o que se conhece no meio artístico como catarse. Este
personagem expressa também o caráter visceral de sua obra e nos mostra a tônica artística e
cultural do período em paralelo com outras artes.

Wood & Stock

No caso dessa dupla, observa-se a influência da contracultura no trabalho de Angeli e


da Chiclete com Banana. Wood & Stock representam a bagagem cultural herdada pelo autor
dos anos em que a contracultura se propagou mundo afora. Por meios desses dois tem-se
contato com boa parte daquilo que Angeli experimentou e por sua vez transmitiu aos leitores
por meio das páginas da Chiclete.

Figura 15 - Chiclete com Banana Nº17, 1989.

13
Gravado pela RCA, 1985

44
Porém lembra-se também que ele é um dentre os muitos herdeiros da contracultura
norte americana, da cultura underground, que por sua vez registraram essas experiências de
maneira artística relacionados ao contexto. Assim como tem-se a banda Camisa de Vênus
refletindo acerca da possibilidade de transformarem-se em “fantasmas do underground”, na
faixa Correndo sem parar do disco Camisa de Vênus14, tem-se o Angeli rememorando o
festival de Wood Stock e seu caráter de resistência às intervenções bélicas do Estado Unidos
da América no Vietnã, onde os jovens eram obrigados a lutar naquela guerra.

Estes personagens simbolizam então, os que preferiram fazer amor ao invés de guerra,
porém, o tempo passou e só restaram as memórias dos tempos de trips psicodélicas, do
movimento hippie e da cultura lisérgica do período, caracterizado exatamente como
contracultura, uma alusão a não submissão da arte, da cultura ao regime capitalista. Essas
duas figuras simbolizam também o olhar de Angeli sobre a cultura do Brasil a partir dos anos
80, sobretudo, no que se refere à música. Assim como Lobão também discute no disco O Rock
Errou15.

Figura 16 - Chiclete com Banana Nº 24, 1990.

É através de Wood & Stock que o autor mostra o tipo de música que apreciava, os
lugares que costumeiramente frequentava. Lembrando que um lugar que comumente aparece
em seu trabalho são bares. A maioria dos personagens da Chiclete são frequentadores
assíduos de bares. Muitos artistas nacionais e internacionais que influenciaram Angeli e toda
uma geração são citados por meio de Wood & Stock, nomes como John Lennon, Jimi
Hendrix, Lou Reed, Dead Kenedys, Janis Joplin, Bob Dylan, The Who, The Clash, Sex
Pistols, The Doors, Frank Zappa, Os Beattles, Led Zeppelin, Roling Stones, Raul Seixas,
14
Gravado pela RCA, 1985
15
Gravado pela RCA/Ariola, 1987

45
Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor, dentre outros. Existe também a lembrança de alguns
movimentos culturais e políticos das décadas de 1960 e 1970, que são também trazidos à
memória do leitor por meios desses personagens, como o Movimento Hippie, o Flower
Power, a luta política contra a ditadura militar no Brasil e etc. Um fator perceptível presente
no discurso de Angeli, presente nesses personagens é a crítica à cultura nacional,
principalmente à indústria fonográfica, que para ele, faz com que muitos artistas nacionais
capitulem ao sistema comercial estabelecido. Aparece também citações e referências à
literatura beatnick, dos anos 1950 e 1960 de Jack Kerouac, William Burroughs, Allen
Ginsberg, Neal Cassidy.

Outro traço relevante desses personagens é a nostalgia da luta por liberdade individual,
típica da ideologia anarquista, luta pelo direito de ir e vir, pelo direito de escolha, que por sua
vez é herança da geração beat, do Maio de 68 francês, “o ano que não terminou”, lembre-se
aqui demúsicas ouvidas e tocadas na década de 1980 que ilustram esse espírito libertário de
Wood & Stock e Angeli a reboque, canções como Sociedade Alternativa, Maluco Beleza,
Ouro de Tolo de Raul Seixas.

Mostra-se dessa forma, os referenciais teóricos, a fundamentação ideológica a qual


Angeli absorveu na juventude, e no papel de artista nacional underground vem transmitindo
desde aquele período, numa perspectiva de questionamento, bem como de resistência à
indústria cultural e ao modo de vida da época.

BIBELÔ

Figura 17 - Chiclete com Banana nº16, 1988, Editora circo Editorial

46
Este personagem foi selecionado por esta pesquisa, pois traz uma discussão
interessante acerca do período. Ele debate a questão do machismo presente na sociedade na
década de 1980, assim como também foi refletido na obra em análise. Este personagem
caracteriza simbolicamente o estereótipo do homem machista. A própria revista por trabalhar
com humor erótico, isto é, discutir sexualidade, tem tendências machistas, mostrando o
quanto a revista foi influenciada pelo contexto, e como ela trabalha essa questão em suas
histórias. Nesse sentido, Bibelô personifica essa configuração político-cultural do machismo
na sociedade brasileira nos anos 80.

Figura 18 - Chiclete The Best of – Série Tipinhos Inúteis, 1991, Editora Circo Sampa

O personagem Bibelô coloca em debate a questão da liberação feminina nos 1980 e


1990, sua conquista do espaço social e etc. Porém retrata também a desconfiança da parte
masculina da sociedade com relação à ascensão social da mulher, visto quê a sociedade
brasileira tem sido baseada na meritocracia e no patriarcalismo do sistema que vigora. Nesse
sentido observa-se por meio de Bibelô a visão do autor sobre a postura de parte da sociedade
sobre a questão. Vale ressaltar também que em contraposição a esse posicionamento existe
nesse período, no Brasil, um início de conscientização dessa mudança social no que se
referem às mulheres, tendo elas mesmas como ativistas e agitadoras dessa conscientização,
fazendo surgir já naquela época as primeiras organizações destinadas a debater e lutar pela
questão.

47
Walter Ego

Discute a questão do individualismo presente na sociedade capitalista marcada pela


concorrência, pela disputa das posições sociais. A característica principal desse personagem é
o narcisismo, a paixão por si mesmo. Além de direcionar toda a sua atenção para sua própria
pessoa, sonha que todos o coloquem nos centros das atenções. Todos os dias antes de dormir,
lê sua autobiografia escrita por ele mesmo e tece longos diálogos com sua imagem no espelho
do banheiro. Walter Ego simboliza a questão da consciência individual e coletiva daquele
período, baseada no amor próprio, no individualismo, e no egoísmo. A função do personagem
de acordo com a observação deste trabalho é de representar um traço psicológico da sociedade
brasileira no período analisado. Para reafirmar a existência deste traço na sociedade, através
de outro veículo cultural tem-se a faixa Eu me amo do álbum Nós vamos invadir sua praia, do
Ultraje a Rigor.

Figura 19 - Chiclete com Banana nº16, 1989

Rigapov

Este personagem representa o período final da Guerra Fria. Seu nome é a junção do
presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e do comandante soviético Andropov. Sua
característica é o avanço tecnológico pautado no belicismo, como um “Midas da Guerra”, o
que toca, explode. Comparando os discursos na arte a respeito da temática tem-se a faixa
Pólvora dos Paralamas do Sucesso em 1989 no disco Big Bang16. O personagem aparece pela

16
Gravado pela Fonobrás sob licença da EMI- Odeon, produzido por Carlos Savalla e Paralamas

48
primeira vez na Chiclete com Banana na edição nº3, em 1985. É aficionado por tecnologia
bélica e fissurado em dominar o planeta com a eminente ameaça de transformar tudo em
poeira em questão de segundos.

Figura 20 - Chiclete The Best of – Série Tipinhos Inúteis nº 5, 1991, editor Circo Sampa

Os personagens da Chiclete retratam o modo de vida brasileiro das mais variadas


formas. É bom lembrar também que tal perspectiva diz respeito a uma realidade vivenciada
pelos autores da revista, e dessa forma não se configura como uma generalização do perfil
social do Brasil, na verdade simbolizam traços socioculturais e políticos relacionados com a
cultura alternativa do país.

Existe na revista uma variedade grande de personagens que trazem a luz perfis e
práticas sociais que dizem respeito à cultura do período, e trazem para o debate uma série de
questões que foram tabus durante muito tempo, colocadas por meio desse periódico na pauta
de discussões dos milhares de leitores da revista ao longo de sua existência.

A questão sexual é a mais recorrente na Chiclete. Seus personagens, autores, editores e


colaboradores abordam essa temática frequentemente em suas páginas. Isso por quê a década
de 1980 assistiu os momentos da luta e da não consolidação da “revolução sexual”, que tinha
um sentido político e cultural. É possível que tal revolução ainda esteja ocorrendo, mas com
49
um sentido diferente daquele período. Tem-se na Chiclete com Banana vários símbolos que
representam essa luta, como Os Skrotinhos, que utilizam o humor para discutir tabus sexuais,
como homossexualidade, liberdade sexual, relacionamento e etc. Assim como a versão
feminina dessa discussão por meio das Skrotinhas, que aliam a essa discussão sobre sexo, o
debate sobre o papel da mulher na sociedade. Nessa mesma linha aparecem ainda os The
Little Black Skrots, que em paralelo aborda a questão racial, ainda que por meio do humor
erótico. Ainda nessa abordagem sexual tem-se a personagem Mara Tara, que é uma cientista
pacata e em determinadas circunstâncias transforma-se numa ninfomaníaca tarada que suga
suas vítimas até a morte. Na edição nº2 de 1985 tem uma HQ de Paulo Caruso sobre essa
temática, cujo título é exatamente Revolução Sexual. Outro personagem com essa
característica é o Osgarmo, cujo nome faz alusão a sua principal característica que é o
orgasmo precoce nas situações mais corriqueiras do dia a dia, com cumprimentar mulheres
com beijo no rosto, ou simples apertos de mão, que fatalmente o levam a ejaculação.

Discutindo aspectos culturais voltados para religião e espiritualidade, tem-se o


personagem Rhalah Rikota, uma sátira à tendência “mística” dos anos de 1980 por sua vez
herdada das décadas anteriores que teve como característica uma busca pela religião oriental.
Através desse personagem percebe-se também a influência de Robert Crumb e seu
personagem Mr. Natural, que tem características parecidas. Ainda nessa linha de humor,
Angeli criou o personagem Rampal, o paranormal, seu nome faz alusão a um escritor que foi
popular nas décadas de 1970 e 1980, Lobsang Rampa, bem como faz referências à leituras
desse tipo, como Herman Hesse, as leituras transcendentais de Paramahansa Iogananda,
Dalai Lama, Bhaktivendanta Swami Prabhupada e etc. citadas na dedicatória da edição da
série Tipinhos Inúteis nº1, de 1991.

Abordando aspectos culturais ligados à música, tem-se o personagem Oliveira Junkie,


que aparece na edição nº 20 de 1989, figura que satiriza a postura de descaso de artistas
musicais para com o próprio trabalho, sendo dessa forma hostilizados pelo público. Nesse
direcionamento tem também o personagem Ritchi Pareide que aborda por meio da crítica a
discussão do rock em formato comercial. Como mostra a tira da edição nº6 de 1986

50
Figura 16 – Ritchi Pareide

Tem-se alguns outros personagens que apareceram de forma menos frequente na


revista, como por exemplo, Overall, filho de Wood que quer ser tudo aquilo que o pai rejeitou
na juventude como estudante, profissional e etc. Tem a Lady Jane, esposa do Wood e mão de
Overall, uma mãe que insiste para que o filho se distraia a base de sexo drogas e rock’n roll
como ela e Wood fizeram no passado, uma clara crítica a instituição social designada como
família . Baby Beef17, namorada adolescente do Stock. O Hippoglós que aparece na edição nº
18 de 198918, um hipocondríaco que acredita que os atos mais simples da vida o levarão à
morte, como respirar, por exemplo. Tem também o personagem Vodoo, um pessimista de
carterinha, totalmente cético a qualquer possibilidade de melhora na sociedade.

Observa-se que essa gama variada de personagens diz respeito aos encontros
vivenciados pelos autores da revista, e representam as práticas sociais e costumes por eles
observados, que mostram um pouco do universo cultural brasileiro por meio dos olhos, na
maioria das vezes, participativos de Angeli e da Chiclete com Banana. Nesse sentido, esses
personagens simbolizam a essência do caráter contracultural da Chiclete com Banana, ao
mesmo tempo em que significa um marco no que se refere à registros de traços socioculturais
da época, contribuindo com a discussão a cerca da construção da identidade nacional.

17
Estes três personagens (Overall, Lady Jane e Baby Beef) foram criados exclusivamente para série
tipinhos Inúteis nº 10.
18
Uma homenagem por parte do Angeli ao ator Cacá Rosset na série Tipinhos Inúteis nº2 de 1991

51
2.3 – Secções, edições e colaboradores

2.3.1 - Secções

O objeto de estudo não tem uma divisão fixa de secções, colunas e etc. como
normalmente acontecem nesse ramo jornalístico. Existem sim algumas temáticas que são
recorrentes e que podemos entender como secções, porém essa recorrência não é regular, mas
frequente.

Uma espécie de secção interessante da revista que ocorre com frequência são as HQs
dos Los Três Amigos. São histórias que reúnem os três principais artistas da revista, Angeli,
Glauco e Laerte, os três produzindo a mesma história, os desenhos, os diálogos, onde utilizam
personagens que simbolizam eles próprios: Angel Villa, Laerton e Glauquito, que se
envolvem nas mais loucas aventuras, permeadas de sexo, drogas, piadas sobre o
comportamento humano. As histórias dos Los Três Amigos são onde os artistas mostram suas
técnicas de forma mais refinada. Uma diferença interessante que se encontra nessas histórias
em comparação com as demais é o cenário, que é geralmente urbano na Chiclete com Banana.
Nas HQs dos Los Três Amigos diversifica-se esse cenário entrando mais pra uma realidade
rural e provinciana, geralmente identificada com a cultura mexicana, inclusive na linguagem.
Nesse sentido percebe-se também a influência dos comics underground norte americanos de
Gilbert Shelton com os Freak Brothers. Los Três Amigos aparecem com certa frequência na
Chiclete, tendo ganhado uma edição especial no ano 1989 (nº20-A), contando só com
histórias suas, em duas cores.

Outra parte da revista que podemos identificar como secção são as histórias pessoais
do autor caricaturiazdas. Essas histórias cujo título é Angeli em Crise, trazem uma abordagem
que de certa forma aproxima o leitor do autor, essa história é utilizada por ele com uma
espécie diário, no qual o mesmo relata suas crises de criatividade, emocionais, psicológicas,
sexuais, dramas no ramo editorial, em fim, é o meio pelo qual Angeli compartilha um pouco
do seu universo íntimo, que por sua vez possibilita o leitor a compreender uma pouco sobre a
realidade do artista, de forma que perceba em suas histórias a visões por ele representadas em
seus quadrinhos.

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A Secção Upper Cut: a porrada do Leitor, Confeti, e Pau de macarrão, Suburbanos
que são suplementos que aparecem sempre nas páginas finais da revista e contam com as
cartas dos leitores, suas opiniões e ideias sobre cada edição, funciona como uma espécie de
feedback para a editora, pois é onde se encontram as opiniões críticas e sugestões por parte
dos leitores, assim como elogios e contribuições como desenhos, tiras, quadrinhos, poesias e
etc.
Manuais modernos: do guerrilheiro, do suicida, do onanista, que aparecem
respectivamente nas edições nº 5, nº 10 e no 2º Clichê Histórico nº 9. Onde aparecem textos
de humor negro sobre os temas que dão título a essas secções, e que satirizam essas práticas e
costumes (luta armada, suicídio e masturbação) na sociedade brasileira do período.
Conta com uma espécie de coluna chamada Banana Purgativa de autoria de Glauco
Mattoso, um poeta que aparece com frequência nas publicações. Ele atuou como “poeta
marginal” na resistência a ditadura militar, editou um fanzine poético-panfletário no Rio de
Janeiro chamado Jornal DoBrabil (trocadilho com o jornal do Brasil e com o formato
dobrável). E colaborou com a Chiclete através de textos, poesias letras de músicas,
geralmente com teor de ridicularização do comportamento humano.

E por fim a secção JAM: órgão oficial da Associação Brasileira das Ideias Confusas,
essa secção foi bastante movimentada em termos de participação de colaboradores, nela
contribuíram várias pessoas ligadas à cultura do país no período. É uma parte da revista
destinada à trabalhos de vários artistas e jornalistas nacionais e internacionais, muitos dos
trabalhos produzidos exclusivamente para a Chiclete. São textos, quadrinhos, tirinhas, figuras,
letras de músicas e uma infinidade de ideias registradas nas páginas centrais do periódico a
partir da edição nº 17 de 1989. Contou com a participação de uma mescla de sujeitos
envolvidos com a cultura do país.

2.3.2 – Colaboradores

Tem-se que pensar que esta revista por se tratar de um veículo de comunicação está
articulada com vários sujeitos históricos pertencentes ao meio. Nesse caminho, muitos deles
exerceram influência sobre as publicações da Chiclete de forma direta ou indireta.

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Uma figura de recorrência frequente nas publicações da Chiclete é o cartunista
paulistano Francisco Marcatti Junior, que aparece em várias publicações trabalhando no
editorial e/ou contribuindo com histórias de sua autoria. Marcatti foi uma figura muito
influente na cena underground dos quadrinhos nacionais, tendo atuado a mais de 30 anos com
cartuns, seu trabalhos basicamente fazem referência a escatologia e ao grotesco, por isso
chamado frequentemente de o “Augusto dos Anjos” dos quadrinhos.
Outra figura dos anos de 1980 que contribuiu com a Chiclete foi o poeta Roberto Piva,
considerado como poeta transgressor, influenciado pelas poesias de Rimbaud caminhando
para o “desregramento de todos os sentidos”. Sua atuação dentro da revista se deu por meio da
redação de editoriais e contribuições com textos relacionados à cultura. A Chiclete contou
ainda com a participação ativa de Fábio Zimbres, agitador da cultura alternativa underground
e produtor de fanzines na década de 1980 e 1990, também influenciado por Robert Crumb.
Guto Lacaz, formado em arquitetura pela FAU/USP, é artista plástico suas obras relacionam
os terrenos da ciência e tecnologias, na perspectiva da desconstrução das invenções
tradicionais, também foi colaborador da revista.
Bem como a participação efetiva como editor o jornalista italiano Furio Lonza. Outro
nome que também aparece com contribuições significativas é o de Paulo Caruso, cartunista e
caricaturista, atualmente escreve livros de humor e histórias em quadrinhos tendo lançado
ainda dois CDs musicais, ainda atua no meio dos Quadrinhos. Tem-se na Chiclete a
participação do ator e diretor teatral paulista Ary França, ator que além de participar do grupo
CPT (Centro de Pesquisa Teatral), participou do grupo Ornitorrinco, responsáveis pela peça
Teledeum que aparece sendo propagandeada nas páginas da revista. A participação da atriz
Cirstiane Tricerri, Claudia Alencar, do jornalista Claudio Willer que escreveu três capítulos
sobre a contracultura em três números da Chiclete, com o título de On the Road, Beat Hippie
Contracultura. Conta também com Milton Trajano, cartunista e chargista brasileiro, que na
atualidade faz charges relacionadas ao futebol. Assim como, o mineiro Rubem Grilo, que
trabalha desde os anos 1970 com xilogravuras, tendo trabalhado também no Jornal do Brasil
e no Pasquim.
A Chiclete contou com a participação efetiva do fotógrafo e diretor de fotografia
Leonardo Crescenti, sendo o principal fotógrafo da revista, onde geralmente contribuía com
as fotos que compunham HQs, como as do Pequeno Lobatinho, por exemplo. Colaborou
também o pintor e desenhista Antonio Carlos Borja (creditado geralmente como Tocalo
Borja) tendo sido arte finalista e letrista durante 8 anos da Chiclete com Banana.
54
Contribuíram, o jornalista paulista Marcos Faerman, o cartunista e roteirista Cláudio Paiva.
Ocorreram contribuições de Carlos Matuck, artista grafiteiro anteriormente, tendo optado pela
área dos quadrinhos e charges, período em que contribuiu com A Chiclete com Banana.
As impressões da Chiclete com Banana eram realizadas geralmente pela Litograf, a
Companhia Gráfica Ipiranga, e distribuídas pelas Dinap (Distribuidora nacional de
Publicações) da Abril.
É bom lembrar que além da participação nessa secção esses sujeitos também
contribuíram significativamente para o andamento da Chiclete, com trabalhos de edição,
textos, editoriais, resenhas, poesias e etc. espalhadas ao longo dos anos em que esta circulou.

2.3.3 – Edições

A edição nº11 de 1987 é uma edição digna de destaque para esta pesquisa, pois ela
registra de forma clara um posicionamento por parte da revista com relação à política nacional
do momento. Essa postura fica evidenciada desde o título da edição presente na capa da
revista, título esse que faz alusão aos excrementos de uma galinha. A edição em questão é
intitulada Polititica, mostrando de que forma a Chiclete classifica a política nacional. Tal
perspectiva é reafirmada também na página 5 onde declara-se categoricamente que “todo
político brasileiro é uma anta” (Figura 17).

55
Figura 17 - Chiclete com Banana nº 11, Setembro de 1987.

A edição segue com um texto de Angeli, onde encontram-se os perfis dos políticos
brasileiros traçados por ele, os quais são caracterizados pela futilidade e corrupção dos
mesmos. O texto tem como título Bunda, Brasil: um perfil sem retoques do político
brasileiro. A edição inteira caminha nesse sentido, de trabalhar com perfis dos políticos
observados pelo autor e seus colaboradores.
Nas páginas 11 e 12 tem uma HQ cujo título é Sutilezas Políticas na qual se faz uma
crítica a um perfil de político arrogante, que em uma emissora de TV onde concederiam uma
entrevista, depois de um início pacato, se mostra um sujeito violento, afirmando que é capaz
de qualquer coisa para conseguir entrar e se manter no poder.
Tem ainda nessa edição uma HQ feita a partir de fotografias de Leonardo Crescenti e
as participações de Toninho Mendes, Rosi Campos e Lizoel Costa denominada O Pequeno
Lobatinho: o amigo de todos nós. E uma outra na qual seu título mostra uma das referências
teóricas da revista no que concerne a política, a HQ chama-se Desobediência Civil, que se
refre à obra de Henry David Thoreau, tido como um dos grandes influenciadores da ideologia
anarquista. Essa mesma historieta que conta com a participação da atriz Gisela Arantes, cita

56
um outro referencial teórico que é a obra Anarquia, oi tudo bem? de Giacommo Catzu
Angelini.
Nas páginas centrais desta edição existe um pôster que contem frases soltas, na
maioria de autoria do jornalista Pedro o podre, a imagem de uma imensa barata, e escrito em
letras garrafais a palavra Polititica acompanhada da frase no rodapé que diz “Não existe
abuso de poder. O poder já é um abuso”.
Tem-se ainda algumas tiras do personagem Meia Oito. E mais uma história que trata
de uma revolta dos eletrodomésticos tentando tomar o poder. Para finalizar tem uma historieta
onde o Bob Cuspe aparece para cuspir num publicitário que discutindo sua profissão conta
vantagens financeiras e o que é necessário para “se dar bem” nessa profissão, destaque para
uma fala do personagem da história que diz que “escrúpulos e propaganda não combinam”.
Esta edição é uma das que deixam mais claro o posicionamento político defendido pela
Chiclete, admitindo seu caráter anarquista e de denúncia do sistema capitalista.
Já as edições nº 17 e 18 ambas de 1989, que também evidenciam a discussão acima
trabalhada, trazem algumas abordagens interessantes da questão política. Vale lembrar que o
contexto político era o do fim do governo de Sarney, nesse ano ocorreram as eleições diretas
que elegeram Fernando Collor de Melo para presidente. Nessas duas edições da Chiclete, a
revista faz umas espécie de balanço sobre o que foi a Nova República de Sarney e as
perspectivas de futuro para o Brasil. Além de uma HQ denominada A vaca vai pro brejo onde
três personagens que simbolizam os capitalistas estão montados numa vaca e vê o país
submerso em lodo negro, onde aparecem a classe empresarial apenas com um pedaço de tábua
e um remo, sem rumo, a classe média afogando-se, e a classe trabalhadora já não aparece
mais, está submersa no lodo, isto é, já se afogou.
Em seguida, e esta é a parte mais interessante para a pesquisa com relação à edição 17,
que são as sátiras da revista com relação a Sarney e consistem utilidades de um personagem
intitulado Ribamar, uma caricatura de José Sarney, cujo título das charges é Ribamar as mil e
uma utilidade de um presidente, onde aparece essa caricatura do Sarney em outras funções
sociais, tais como: apoio para livros, porta lápis, salivador de selos, peso para papel, marcador
de página, pinguim de geladeira, cabeleireiro de macaco, enchedor de linguiça, lambedor de
sabão e catador de piolho.
A edição nº18 por sua vez traz outra abordagem interessante sobre a questão política, o
título da HQ é Brazilian Beach a Republica das bananas. A edição analisada começa com um
editorial (abaixo) que diz respeito à historieta trabalhada:
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“Lembram-se do Brasil, aquela potência emergente dos anos
70? Pois é, coitado, adentrou a década de 90 completamente falido e
totalmente entregue às mãos de seus credores internacionais que,
rapidinho, colocaram o país à venda num concorrido leilão realizado
na sede do FMI (...). Foi só bater o martelo para altas cifras
começarem a rolar. Vários lances foram feitos, mas no final o Brasil
fora arrebatado por um pool internacional, formado por ex-ditadores
que, depostos do comando de seus países, acabam de lá pra cá pelo
mundo (...). A idéia dos rapazes era simples: transformar a antiga terra
brasílis numa colônia de férias permanente, onde ex-carrascos
pudessem desfrutar de tudo aquilo que ganharam com o suor do rosto
alheio. Um projeto de fácil execução pois contava com uma infra
estrutura já montada e um excelente quadro de serviçais, composto por
antigas autoridades locais.” (ANGELI, 1989)

Essa HQ termina com um requadro onde aparecem as caricaturas de ex-ditadores à


beira da praia onde aparece a seguinte narrativa: “e assim, surgiu pela primeira vez na face da
Terra, uma república federativa democrática de ex-ditadores, implantada bem no meio do
coração daquele país que um dia se chamou Brasil” (p.9), e uma inscrição em letras garrafais
onde se lê “viva La democracia” (p.9).

A referida história em quadrinho estabelece uma sátira ao que foi o governo da Nova
República para a revista, trazendo a consideração da falta de perspectiva de mudança social
para o novo governo que entrará, uma vez que ela considera por meio da leitura dessa HQ,
que se dará continuidade a mesma disputa pelo poder político no sentido garantia dos
privilégios da classe que o assumir.

A Chiclete contou a partir de 1991 com a Série Tipinhos Inúteis, na qual vários
personagens (quase todos) ganharam edições especiais onde se aglutina os trabalhos de
Angeli sobre cada personagem em um único exemplar, o que faz com que se tenha um melhor
entendimento do perfil destes. Foram publicados 10 números dessa série até 1993 (já com o
real como moeda).
58
Além de edições especiais sobre os personagens, a Circo Editorial lançou também
alguns número da Chiclete com Banana em caráter de edições especiais, como As Histórias
de Amor, com algumas histórias lançadas em 1986, na revista nº13 e uma outra edição
especial, apenas com obras abordando a temática, o nº 23-A, em 1990. A partir daí tendo sido
lançadas apenas edições comemorativas com reedições, como é o caso das publicações The
Best of Chiclete com Banana 10 anos. E por fim, desta vez pela Editora Devir, foi lançada em
2007 a série Antologia Chiclete com Banana, uma coleção com 16 fascículos com o melhor
das 24 edições normais, das 10 edições especiais e das 10 edições da Série Tipinhos Inúteis.

O interessante de se observar com a Chiclete com Banana, e que coaduna com o


pensamento do jornalista dá década de 80, Mário Prata, referente ao espírito político e cultural
dos anos 80, é a tendência de se deixar os discursos para o congresso, para os políticos e
utilizar a arte, no caso os quadrinhos, para abordar o humano, o social, o homem brasileiro.
(PRATA, 1982)

Considerações finais

Levando-se em consideração a existência da diferença entre a História e o


conhecimento histórico, onde a primeira existe por si só, consistindo nas ações dos indivíduos
dentro de grupos sociais em qualquer parte do planeta, enquanto o conhecimento histórico por
sua vez são os registros dessas ações. Nesse sentido, implica num processo de comunicação
que parte de indivíduos que participaram ou assistiram fatos e acontecimentos socioculturais.

Quer dizer que a construção do conhecimento histórico consiste na representação


simbólica dos fatos, transmitida por meio de processos de linguagens, que por sua vez só
fazem sentido se houver a concretização do processo de comunicação. O conhecimento
histórico então, trata-se de abstrações registradas nos mais variados suportes, advindas de
pontos de vista diferenciados, baseados nas observações de fatos concretos. Ao historiador
cabe exatamente (além de observar as ações) analisar (pesquisar, criticar, escrever e etc.) os
registros produzidos pelos sujeitos sociais e continuar registrando o conhecimento humano.

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Mas acima de tudo consiste em escrever, no sentido literal, a História. E isso não deve parecer
menor ao historiador, escrever a história trata-se de ato privilegiado, sem o qual a memória
das ações humanas estaria fada ao esquecimento.

Outro ponto salutar dessa evidencia, é a capacidade humana de produzir registros.


Essa capacidade está relacionada com a dinâmica diversificada dos sujeitos dentro de grupos
sociais relacionados com seus respectivos ambientes, que dessa forma geram o que os
historiadores entendem como contexto. Sendo assim essa relação dialética entre os registros
humanos e seus contextos é o cerne do trabalho do historiador, configura-se como matéria-
prima por meio da qual se produz o conhecimento histórico.

Nesse sentido, essa pesquisa aponta para inserção dos Quadrinhos como um dos
veículos que confirmam a concretização dessa relação dialética entre os contextos e seus
registros, demonstrando que estes, além receber a influência do contexto, influencia (por se
tratar de um meio de comunicação de massa) na transformação do mesmo. E ainda pelo fato
de ser produzido por sujeitos que compõem grupos sociais, registram tanto as influências,
como as transformações por eles influenciadas, configurando-se como, além de uma fonte
para pesquisa histórica, um instrumento de agitação e propaganda de ideias e comportamentos
que geram mudanças sociopolíticas e culturais no seio da sociedade onde circula.

Dessa forma, contrariando uma ideia defendida por seus opositores e por aqueles que
dão um sentido meramente mercadológico a sua produção, onde afirmam que uma das
características principais das Histórias em Quadrinhos é que eles são fabricados levando em
consideração o público leitor, isto é, como produto consumível, esse trabalho visa mostrar
através da Chiclete com Banana e suas histórias, que esta é uma visão simplista e
generalizante acerca dos Quadrinhos, principalmente se levarmos em conta que o objeto que
analisou-se aqui discute criticamente, na perspectiva do questionamento, todos os setores da
sociedade inclusive aqueles nos quais está ele próprio inserido, mostrando seu caráter
alternativo e contracultural, que funciona não apenas como reflexo de uma realidade social,
mas como um centro transmissor de ideias capazes de transformar sociedades humanas.
São nesses marcos que esse trabalho de pesquisa considera a revista Chiclete com
Banana uma fonte histórica carregada de signos (representações simbólicas) sociais, através
dos quais existem potencialmente possibilidades de percepção de muitos aspectos
relacionados à cultura e a política da sociedade brasileira entre as décadas de 1980 e 1990,
que se forem bem explorados podem possibilitar uma série de interpretações sobre aquele
60
contexto, e em se tratando de uma forma de manifestação artística, sugerem interpretações
diversificadas que podem, em contrapartida possibilitar versões diferenciadas sobre o
momento histórico em análise, contribuindo dessa forma com o processo de inovação das
fontes históricas, na perspectiva de utilização de novas mídias.
Este trabalho visa ainda estimular a utilização dos Quadrinhos, além de fonte de
pesquisa histórica, como ferramenta de desenvolvimento cognitivo em sala de aula, pois estes
exigem uma modalidade de leitura peculiar, que possibilita um olhar diferenciado na prática
da leitura, proporcionando experiências cognitivas diferentes das da leitura tradicional para os
alunos e professores, desenvolvendo assim outras capacidades intelectuais no processo de
ensino e aprendizagem.

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