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Revista Iluminart do IFSP Sertãozinho – Abril de 2010

Volume 1 número 4 ISSN: 1984 - 8625

Jogo das organelas: o lúdico na Biologia


para o Ensino Médio e Superior Abstract
Estela S. Rossetto1 The Card Game of the Organelles was
Resumo designed to be a teaching tool in the cytology
lessons for high school students, but it was
O jogo “Baralho das Organelas” foi elaborado also applied to students of teacher education
para ser usado como instrumento auxiliar no (university degree) in Chemistry, in the
ensino de citologia para alunos do ensino discipline Cellular and Molecular Biology. This
médio, mas também foi aplicado aos alunos do game can be played in groups or individually
curso de formação de professores (as "patience"), allowing a classroom work or a
(licenciatura) de Química, na disciplina Biologia review at home. The goal is to form a quintet of
Celular e Molecular. Ele pode ser jogado em cards that deal with morphology, function and
grupo ou individualmente (na versão metabolism of the same cellular organelle. In
“paciência”), permitindo um trabalho em sala this game luck does not help, there is no
ou revisão extra-classe, em grupo ou chance of winning the game without the
individual. Nele o objetivo é formar quintetos knowledge of the subject, which led some
de cartas que versam sobre morfologia, students to play referring to the textbook. The
funções e metabolismo das organelas use of the Card Game of the Organelles was
celulares. Neste jogo a sorte não ajuda, não há approved by the students of the two groups.
possibilidade de vencer o jogo sem o
conhecimento do assunto, o que fez com que Key words
alguns chegassem a jogar consultando o livro Educational game, biology, citology, biology
didático. O uso foi aprovado pelos alunos dos education, science education, hands-on
dois grupos. activity.

Palavras-chave
Jogo educativo, biologia, citologia, ensino de
biologia, ensino de ciências, educação. Introdução

1
Estela S. Rossetto é doutora em Biologia e
docente do ensino médio integrado ao técnico, EJA
A atividade lúdica em sala de aula
integrado ao técnico e curso superior de costuma ser incentivada nas séries iniciais do
licenciatura no IFSP-Sertãozinho desde 2008, onde
também desenvolve projeto de criação de jogos e ensino (Miranda, 2001), mas durante muito
atividades paradidáticas lúdicas para o ensino de
tempo não foi muito explorada no ensino
Biologia. estela_rossetto@yahoo.com.br

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médio e superior. Será porque o aluno do Automação Industrial do IFSP, campus


ensino médio/superior não tem interesse em Sertãozinho, na disciplina Biologia. Ele
jogos? Ou será, como sugere Miranda (2001), também foi aplicado aos alunos do primeiro
porque o professor do ensino médio/superior ano do curso de licenciatura em Química,
perdeu, ou deixou de desenvolver, sua própria ensino superior, que forma futuros professores
ludicidade? de Ciências e Química para o Ensino
Jogos e atividades lúdicas didáticas, Fundamental II e Ensino Médio.
quando bem elaborados, exigem a Promover o envolvimento do aluno e
experimentação de momentos de incerteza e garantir sua concentração em atividades de
de desafios, o contato com o inesperado, o sala e extra-classe é um grande desafio para
planejamento, a colaboração, a aplicação de professores. Os jogos educativos se destacam
conceitos em contextos diversos, enfim, como eficientes instrumentos envolventes e
ajudam a preparar os participantes (alunos e estimulantes, promotores de aquisição/reforço
professores!) para o nosso mundo de de conceitos e de situações desafiantes, que
incertezas, na linha sugerida por Morin (2005a, exigem criatividade, estratégia e
2005b). aquisição/utilização de conhecimento para
O jogo Baralho das Organelas foi alcançar um objetivo lúdico, como ganhar o
elaborado para trabalhar o tema das organelas jogo, cumprir tarefas, construir alguma coisa,
celulares. Ele foi criado com inspiração em resolver um mistério entre outros (Guidetti et
dois jogos divulgados pelo Centro de Estudos al., 2007; Morin, 2005a; Morin, 2005b; Toscani
do Genoma Humano, “Cara a cara com a et al. 2007). Eles vêm sendo empregados com
célula”, jogo de perguntas e respostas para sucesso dentro e fora da sala de aula, com
descobrir o tipo celular escolhido pela equipe públicos de qualquer idade e escolaridade
adversária e “Baralho Celular”, jogo sobre (Schall et al., 1999).
morfologia e localização dos tipos celulares no No IFSP Campus Sertãozinho os
corpo humano alunos do primeiro ano do Ensino Médio
(http://genoma.ib.usp.br/educacao/materiais_di acabaram de mudar de escola, estão entrando
daticos_jogos.html, último acesso em 17 de em um curso técnico profissionalizante
março de 2010). integrado ao Ensino Médio, mudaram de
Ele foi criado para ser usado como turma, de professores, muitas vezes vêm de
instrumento auxiliar no ensino de citologia para outras cidades, enfim, passam por um
alunos do primeiro ano do ensino médio momento de grandes incertezas e necessidade
integrado ao técnico em Química e em de adaptações múltiplas.

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Grande parte dos alunos apresenta membrana e funções, sem identificar a


dificuldades em acompanhar o ritmo das aulas, organela à qual se refere.
que, no caso aqui relatado, são apenas duas No total, cinqüenta cartas foram
semanais e, portanto, intensivas em termos de apresentadas aos alunos, embaralhadas,
volume de conteúdo ministrado em cada aula. sendo dez cartas com figuras e quarenta e
A disciplina de Biologia não contempla cinco com texto.
atividades laboratoriais, devido à sua carga No primeiro momento os grupos de 4 a
horária e estrutura dentro do objetivo dos 6 alunos analisaram todas as cinqüenta cartas
cursos técnicos integrados onde se insere. e as ordenaram sobre a mesa, encontrando os
Citologia é o primeiro conteúdo a ser quintetos das dez organelas/estruturas
abordado na disciplina de Biologia. As aulas celulares. Essa parte da tarefa permitiu o
são teóricas dialogadas, ilustradas por intercâmbio de conhecimentos, a atividade
micrografias (fotografias feitas ao microscópio colaborativa e a exposição de dúvidas. Nesse
de luz) e ultramicrografias (fotografias feitas ao trabalho a professora foi chamada sempre que
microscópio eletrônico), além de filmes de havia dúvidas ou o desejo de ter o resultado
animação, que visam auxiliar na compreensão confirmado.
do assunto, mas ainda mantém o aluno na Em seguida, cada grupo selecionou um
passividade, apenas recebendo o conteúdo número de quintetos de cartas
sem interagir com ele. correspondentes ao número de jogadores e
Jogo como promotor do guardou as demais. Assim, um grupo de cinco
envolvimento pessoas jogou com cartas referentes a cinco
O Baralho das Organelas compõe-se organelas e assim por diante.
de cartas versando sobre diferentes organelas As cartas selecionadas foram
e estruturas celulares: ribossomo, retículo embaralhadas e distribuídas para os
endoplasmático rugoso, retículo jogadores: cinco cartas para cada jogador.
endoplasmático liso, complexo de Golgi, Após sorteio, o primeiro jogador analisou suas
centríolo, lisossomo, mitocôndria, cloroplasto, cartas, verificando se já possuía mais de uma
vacúolo e citoesqueleto. Para cada organela relacionada à mesma organela e escolheu
há um quinteto de cartas, uma delas apresenta uma carta para entregar ao próximo jogador.
um esquema ou ultramicrografia da mesma e Este recebeu a carta e selecionou entre as
as demais quatro cartas descrevem aspectos suas, incluindo a que acabou de receber, uma
de sua forma, delimitação ou não por carta para passar ao próximo e assim
sucessivamente, até que um jogador

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conseguisse ter em sua mão cinco cartas mostrou a percepção dos alunos sobre a
versando sobre a mesma organela. Nesse necessidade do conhecimento e da consulta
momento ele baixou suas cartas para que ao livro durante o estudo.
todos conferissem e foi considerado o Numa segunda etapa, foi proposto que
vencedor da rodada. o jogo ocorresse sem a consulta, de modo que
As cartas foram embaralhadas cada um pudesse identificar quais organelas
novamente e distribuídas para uma nova havia compreendido bem e em quais
rodada. Foi incentivado que a cada duas apresentava dificuldades e dúvidas a serem
rodadas um ou mais quintetos de cartas sanadas.
fossem trocados por aqueles que foram O Baralho das Organelas, também
guardados na etapa de seleção das cartas demonstrou que um jogo interessante pode
para o jogo, para que os alunos trabalhassem fazer até os alunos mais agitados e dispersivos
com todas as organelas celulares. mostrarem uma concentração poucas vezes
Sem sorte – e sem azar vista. Nenhum aluno saiu da roda de jogo ou
O objetivo do jogo garante que a vitória se dispersou durante as rodadas, indicando
é imune à sorte. É necessário que o jogador que o desafio e a competição saudável podem
tenha conhecimento sobre o assunto para ser grandes aliados do professor em turmas de
poder selecionar entre as cartas em sua mão, adolescentes.
aquelas que versam sobre a mesma organela É importante colocar que este jogo
e que ele manterá e aquela que passará para pode ser jogado em grupos de até dez
o próximo jogador em cada rodada, por tratar participantes, mas também pode ser jogado
de outra organela. por uma única pessoa, como um jogo de
Houve casos de alunos que se paciência. Isso facilita tanto o estudo em
lamentaram após terem passado carta que grupo, em sala de aula ou fora dela, quanto
deveriam ter mantido consigo, por ser do seu uma revisão individual sobre o assunto.
interesse. Isso fez com que a atenção e o A avaliação espontânea e qualitativa
cuidado passasse a ser redobrado a partir dos alunos foi muito boa, eles acharam
dessa percepção. interessante e dinâmico e se sentiram
Os alunos do ensino médio desafiados a conhecer mais as estruturas
demonstraram entusiasmo e grande celulares para ter chance de ganhar o jogo.
competitividade no jogo. Houve inclusive quem Houve inclusive algumas críticas muito
jogasse consultando o livro didático, o que foi construtivas apontando duas cartas cujo texto
incentivado em um primeiro momento, pois

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realmente dava margem a confusão e que ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação
exigiram revisão na redação. Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. 9ª
Para alunos- para professores edição. São Paulo: Loyola, 1998, 296p.
O mesmo jogo foi aplicado aos alunos GUIDETTI, R.; BARALDI, L.;
da disciplina Biologia Celular e Molecular do CALZOLAI, C.; PINI, L.; VERONESI, P.;
curso de licenciatura em Química, que pediram PEDERZOLI, A. Fantastic animals as an
para conhecer o jogo, quando foi relatada a experimental model to teach animal adaptation.
experiência acima, como exemplo do uso de BMC Evolutionary Biology, 7 (Supl. 2): S13.
instrumento didático lúdico não dispendioso, 2007. Disponível em
que auxilia a aprendizagem e transforma o http://www.biomedcentral.com/1471-
aluno em personagem ativo no processo. 2148/7/S2/S13, consultado em 2 de novembro
Os alunos do curso de licenciatura, de 2009.
futuros professores de Ciências e Química, HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 5a
jogaram o Baralho das Organelas de forma edição. São Paulo: Perspectiva, 2004, 243p.
quase tão disputada quanto os alunos do MIRANDA, Simão de. Do fascínio do
ensino médio! Isso só confirma que desafio e jogo à alegria do aprender nas séries iniciais.
atividade lúdica estimulam pessoas de 1ª edição. Campinas: Papirus, 2001, 110p.
qualquer idade. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita:
Considerações finais repensar a reforma, reformar o pensamento.
Jogos didáticos não são fins, mas 11ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
meios que completam e se somam ao, mas 2005a, 128p.
nunca substituem o, trabalho do professor MORIN, Edgar. Os sete saberes
(Almeida, 1998). necessários à educação do futuro. 10ª edição.
Professores que transitam com São Paulo: Cortez Editora, 2005b, 116p..
segurança e leveza pela matéria que lecionam SCHALL, V.T.; MONTEIRO. S.;
e consideram o processo ensino-aprendizado REBELLO, S.M.; TORRES, M. Evaluation of
algo permanente na vida estão aptos a the zig-zaids game: an entertaining educational
considerar o uso de jogos em aulas, em tool for HIV/AIDS prevention. Cad. Saúde
qualquer nível de ensino. Pública, Rio de Janeiro, 15 (Sup. 2): 107-119,
1999.
Bibliografia TOSCANI, N.V.; SANTOS, A.J.D.S.;
SILVA, L.L.M.; TONIAL, C.T.; CHAZAN, M.;
WIEBBELLING, A.M.P. & MEZZARI, A.

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Desenvolvimento e análise de jogo educativo


para crianças visando à prevenção de doenças
parasitológicas. Interface – Comunicação,
Saúde e Educação, v. 11, n. 22, p. 281-94,
mai/ago 2007.

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