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A gente entende.
Denise Góes
O céu fala.
A gente entende.
Climatempo
2009
Copyright © 2008 by
Denise Trevisan de Góes
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei
9.610, de 19 de fevereiro de 1998
Coordenação editorial
Cesar Oliveira
cesar.oliveira@globo.com
Fotografias
Acervo e clippings Climatempo
Impressão
Prol Gráfica
www.prolgrafica.com.br
Agradecimentos
A Alice Vieira (in memoriam) e Atala Frony de Macedo, mãe do Carlos e
da Ana Lucia, a Juvenal de Macedo Filho, pai da Ana Lucia.
Ao longo destes vinte anos, eles foram verdadeiros anjos que ajudaram,
com incentivo e apoio financeiro, todas as vezes que a Climatempo pre-
cisou. Sem eles esta história não poderia ser escrita, e talvez nem a Cli-
matempo existiria.
A nossos filhos, Isabel Cristina, Marcos Paulo e Victor Hugo, pela paci-
ência que tiveram. Eles cresceram ouvindo sobre a Climatempo em pra-
ticamente todas as refeições e reuniões familiares. Hoje, mais crescidi-
nhos, até pedem para mudar de assunto.
Apresentação
conhecemos já estávamos Goes. A princípio, ficamos surpre- conta, relembrando os primeiros
apaixonados pela meteoro- sos e, ao mesmo tempo, encanta- dias como previsores da rádio Eldo-
logia. O desafio de prever o futuro dos com a sua argumentação de rado, a primeira página inteira com
nos motivava e fazia parte das que a Climatempo ajudou a escre- a previsão do tempo no Estadão e
nossas conversas enquanto namo- ver algumas das páginas mais im- o trabalho pioneiro na Rede Globo
rados. Vocês podem imaginar uma portantes da história da meteorolo- de Televisão.
conversa entre namorados sobre gia moderna no Brasil.
Denise conta a história de uma
as novas técnicas de fazer previsão
Ela sabia o que estava falando. A equipe que, além de ser referência
do tempo? Pois a gente falava so-
Denise participou ativamente como em consultoria e bom atendimento,
bre isso o tempo todo.
testemunha e relatou o crescimen- fez questão de construir seus pró-
Além de uma grande paixão de to da meteorologia brasileira e prios meios de comunicação: o site
um pelo outro, a meteorologia mundial como jornalista da Agência e a TV Climatempo, divulgando a
está no nosso sangue. Não é me- Estado e do jornal O Estado de São informação do tempo para o públi-
teorologia de forma genérica, Paulo. co sem ter que pedir autorização
mas a Meteorologia Sinótica: a para ninguém, a não ser para o
arte de fazer a previsão do tem- Nos dez primeiros anos da Clima- próprio público, que nos reconhece
po. A cada nova descoberta nos tempo nosso contato com a “Dê” como sinônimo de credibilidade.
estágios na FAB e na TASA e de- foi quase diário, explicando torna-
dos em Ribeirão Preto ou no ABC, Tem gente que acha que o nosso
pois como meteorologistas do
tempestades severas em São Pau- slogan é pretensioso: O céu fala. A
Instituto Nacional de Meteorolo-
lo, ondas de calor, geadas e tudo gente entende. Mas, sem modéstia
gia do Ministério da Agricultura,
que acontecia com o tempo em nenhuma, a gente entende mesmo.
na USP, no INPE, em todo lugar, o
papo sempre acabava em como cada canto do nosso País. Boa leitura!
melhorar a previsão do tempo.
Em maio de 1990, recebemos um
Esta é a nossa vida. elogio público do Dr. Julio de Mes- Ana Lucia e Carlos Magno
quita Neto, editor-chefe do Esta-
A Climatempo que completou vinte
dão, por acertarmos a previsão de
anos em 2008 é uma das conse-
neve no sul do Brasil. Um furo
quências desta nossa paixão.
enorme na Folha de S. Paulo, que
Hoje a nossa estimativa é que mais divulgou que a neve não iria acon-
de 50 milhões de brasileiros te- tecer. Depois que as primeiras notí-
nham contato com a previsão de cias da neve começaram a chegar
tempo feita pela Climatempo todos à redação, o Dr. Julio, com suas
os dias. Nas TVs, rádios, jornais, próprias mãos, desenhou um bone-
Internet, celulares, painéis em ôni- co de neve e mandou entregar para
bus, shoppings, aeroportos, pod- a gente, com as devidas felicita-
casts, enfim, todas as formas pos- ções pelo acerto.
síveis de levar a informação meteo-
A felicidade foi imensa para os jo-
rológica para o usuário têm a nos-
vens jornalistas e meteorologistas
sa assinatura.
que estavam começando a colocar
A ideia de escrever um livro con- o tempo como destaque no cader-
tando a história da Climatempo foi no “Cidades” do Estadão. 9
A o ler O céu fala. A gente gando e envolvendo valorosos e real que inspira autores a desenha-
Prefácio
entende, a sensação que se leais colaboradores e amigos ao rem na arte, no teatro e na literatu-
tem é que o coração tam- longo da caminhada. Como as pes- ra temas que se eternizam.
bém fala, a sensibilidade grita, a soas conseguem criar papéis novos
A leitura deste livro permite apren-
solidariedade amplifica. A história na vida profissional, para empreen-
dermos com o melhor do empreen-
que nasce do amor de Carlos Mag- der o progresso. De analistas de
dedorismo, termos lições de ética,
no com Ana Lucia caminha ao lon- mapas, cruzamentos de dados, co-
de virtudes e de uma singular ca-
go de vinte anos recheada de nhecimentos de física, para vender
pacidade de reunir profissionais,
exemplos de amores. Pietro Ubaldi, o seu trabalho, para apresentar nas
colaboradores e seres humanos da
filósofo lido por Albert Einstein e telas da televisão, nas ondas do
virtude: gente com uma forte de-
Monteiro Lobato, dizia que rádio, para administrar.
terminação pela prática do bem.
“...a função do amor é criar, con- Papéis novos, desafios novos. Cli-
Mas, como nos contos, onde a
servar, proteger”. matempo é uma aula de empreen-
arte imita a vida, também na histó-
dedorismo. O enfrentamento de
Essas ascensões não são sonho ria da Climatempo, tombos, mo-
grandes grupos internacionais, a
estéril, mas contêm a gênese das mentos difíceis, erros. A distorção
batalha pelo canal do tempo, a fi-
forças de coesão do organismo do foco, que significa a paixão er-
delidade de grandes clientes. Os
unitário da futura sociedade hu- rada, os momentos dos enganos
infortúnios de resistir ao crime, aos
mana. Ou seja: tudo o que ampli- ocorreram. O resgate das paixões
dois assaltos sofridos, onde de-
fica a simpatia da alma – graça, virtuosas, a autocrítica fazem parte
monstrações valorosas da equipe
arte, música, vibrações, esporte, do seu precioso texto. E quem co-
estabeleceram ainda mais sinergia
reflexão e a ciência – é indispen- nhece e não perde a sua própria
e alicerçaram com força superior a
sável para guiar as paixões no história mais apto fica ao inevitável
vida da empresa. Os filhos criados
rumo certo. mundo cheio de mudanças e suas
lado a lado com o trabalho, educa-
danças em todos os estilos musi-
Neste livro, a Climatempo pode ser ção e diversão.
cais e tecnológicos.
olhada como um exemplo de cons-
trução do sentido mais evolutivo Ao ler este livro temos um de- E o futuro?
do significado de amor. A meteoro- monstrativo de um caso real da
modernidade da gestão. É como se Crescer muito nos próximos dez
logia quando era um “patinho
estivéssemos lendo as teses e anos, afirma Carlos Magno. De
feio”, e poucos acreditavam nessa
exemplos do sociólogo Domenico fato, aquele aspecto incontrolável
ciência; um casal que iniciava seus
de Masi, na construção de grupos dos planejamentos empresariais,
estudos na Universidade Federal do
criativos como forma vital de ge- chamado “clima”, fica cada vez
Rio de Janeiro via o esboçar de um
renciar nos novos tempos e o en- mais controlável e disponível para
cisne e o foi desenhando ponto a
contro do “ócio criativo”, quando todos os segmentos empresariais
ponto nesta história que nos é re-
integramos ao mesmo tempo o do mercado, desde locações de
velada na publicação deste livro
amor pelo trabalho, pelo estudo gravação de filmes até a logística
dos seus 20 anos.
permanente e pelo divertimento no de obras e de tomadas de decisões
A história em si é rica de exemplos mesmo local. em momentos críticos, passando
de superação na vida real. Como o pela agricultura, transportes etc.
trabalho virtuoso vence barreiras e Climatempo teve isso sempre.
Ana Lucia diz ter um sonho, o de
obstáculos.
Não é uma fábula empresarial! Não expandir a Climatempo para o uni-
Como uma quase utopia de dois se trata do “Senhor dos Anéis”, do verso internacional, e acrescenta:
meteorologistas consegue ir agre- Tolkien, mas é a escrita da vida “para construir uma empresa sólida 11
temos de adquirir conhecimento.
Muitas vezes acertamos e outras
tantas erramos”.
12
H
1
á pouco mais de vinte No início da década de 1980, a O encanto durou pouco, a possibili-
anos, olhando pela janela carreira de meteorologista ainda dade de virar professor afastou a
de um pequeno aparta- era desconhecida para a maioria ideia da sua cabeça. “Eu não me
mento da Vila Mariana, na capital dos estudantes. Poucos alunos se considerava um bom professor”,
paulista, um jovem sonhava em aventuravam na matéria. Além de avalia Magno.
montar o seu próprio negócio e ter gostar de física e de matemática,
Surgiu então a possibilidade de
a sua própria empresa. era preciso também uma boa dose
cursar Geografia. “Eu adorava uma
de audácia, pois o meteorologista
O começo de tudo
Ao olhar para o céu, não via ape- professora de geografia e fiquei em
formado tinha como opção apenas
nas nuvens, mas oportunidades. dúvida.” Foi na visita que fez ao
dois caminhos: ser previsor do
Ele queria crescer e sabia que po- departamento de geografia da UFRJ
tempo ou dedicar-se a pesquisas
dia contar com o apoio da mulher, que pela primeira vez Magno consi-
acadêmicas. A grande maioria op-
companheira de profissão. Para o derou a possibilidade de cursar Me-
tava por permanecer na universida-
casal, as expectativas para o futu- teorologia. “O departamento de
de e seguir carreira acadêmica.
ro eram maiores do que aqueles 50 Meteorologia ficava ao lado da
Carlos Magno e Ana Lucia foram
m2 em que viviam. Geografia, um dos professores co-
dos poucos, na época, que ousa-
meçou a conversar comigo, dizen-
O que na época era apenas um de- ram seguir a carreira de previsor.
do que estavam precisando muito
sejo, agora é fato, e dizer que o so- Foi uma escolha madura. A possi-
de meteorologistas jovens e talen-
nho virou realidade é um chavão bilidade de prever o tempo fascina-
tosos. Ele me convenceu. O básico
que se aplica bem nesse caso. va os dois jovens meteorologistas.
da meteorologia é a física, então
A história da Climatempo é a histó- Saber o que acontecia com o tem- decidi que faria uma experiência”,
ria de um jovem casal, de crises po, contudo, não foi a primeira op- relembra.
econômicas, problemas do dia a ção do jovem carioca. Carlos Mag-
no do Nascimento nasceu na cida- Em 1980, Carlos Magno ficou
dia, que com determinação e per-
de do Rio de Janeiro, no dia 22 de em primeiro lugar no vestibular
sistência criou uma empresa pio-
maio de 1961. Era o segundo filho para o curso de Meteorologia.
neira, líder em seu segmento. Vinte
de dona Alice e de seu Manoel do “No final das contas, gostei do
anos se passaram nessa trajetória
Nascimento. Aos cinco anos, após curso, comecei e não quis mais
de sucesso. Percorrer os caminhos
a morte do pai, foi graças à obsti- sair. A minha única preocupação
dessa viagem no tempo é conhecer
nação de dona Alice que ele, o ir- era com o mercado de trabalho.
um pouco da história da meteorolo-
mão, Carlos, 13 anos mais velho, e Ao longo do curso, porém, fui
gia brasileira.
a irmã Angélica, a caçula, prosse- vendo que havia uma grande ne-
cessidade de profissionais, espe-
Õ guiram nos estudos. “Sempre estu-
dei em escola pública e desde cedo cialmente na área de previsão
já me destacava em matemática”, do tempo [...] “Em princípio, mi-
Carlos Magno do Nascimento e
relembra Magno. nha mãe não entendeu muito a
Ana Lucia Frony de Macedo eram
minha escolha”, conta Magno,
muito jovens quando se conhece- Anos depois, ao chegar na época
“mas ela queria nos ver forma-
ram na faculdade. Ambos eram do vestibular, a balança profissio-
dos e me deu força para conti-
alunos de Meteorologia da Univer- nal tenderia para outra matéria: a
nuar o curso.”
sidade Federal do Rio de Janeiro física nuclear. Uma carreira muito
(UFRJ). Ele, veterano; ela, caloura. em moda em 1979 por causa da Com apenas o curso primário, d.
Ambos, alunos promissores, fica- construção da Usina Nuclear de Alice vendia joias para sustentar a
ram em primeiro lugar nos respecti- Angra dos Reis e a abertura do família e por isso lutava muito para
vos vestibulares. mercado de trabalho para físicos. dar aos três filhos uma boa forma- 13
ção para não viver na mesma situ- derais, nem todas, porém, aceita- siderada difícil, só entrava nerd.”
ação de insegurança daquela épo- vam mulheres, caso do Colégio Mi-
Então quando chegou a hora, cada
ca. Para ela, ter um filho com cur- litar; a alternativa era a Escola Téc-
um foi para o lado que mais lhe in-
so superior já era uma vitória. “Ela nica Federal Celso Suckow da Fon-
teressava. Ana Lucia decidiu pelo
conseguiu, em casa todos nós con- seca, atual C EFET . Ana Lucia guar-
curso superior também em Meteo-
cluímos a faculdade.” da na memória essa fase da ado-
rologia. “A gente se reunia para
lescência no Rio de Janeiro, quan-
Ana Lucia Frony de Macedo nas- conversar e ver os programas dos
do enfrentou fila para se inscrever
ceu no dia 19 de março de 1964, cursos. Acho que vendi bem o cur-
na Escola Técnica Federal. A pri-
uma data curiosa para a futura so: dos quinze da minha turma,
meira opção era fazer o curso téc-
meteorologista. Dezenove de oito foram para a Meteorologia.”
nico para Edificações. “Minha famí-
março é dia de São José, um san- Em 1981, Ana Lucia prestou vesti-
lia sempre achou que eu seria ar-
to muito respeitado no Nordeste bular na UFRJ. Passou em primeiro
quiteta”, relembra Ana Lucia. “Eu e
do Brasil. Reza a cultura popular lugar e tornou-se uma das calouras
duas amigas fomos para a fila no
que a região, constantemente da turma da qual Carlos Magno já
último dia de prorrogação para a
castigada pela seca, terá um ano era veterano.
inscrição no concurso. Ficamos lá,
de chuvas se cair água do céu no
horas na fila, batendo papo, espe-
dia de São José.
rando. Naquela época era uma es-
Õ
Gaúcha de nascimento, Ana Lucia cola altamente masculina. Aí, che- Do grego, meteoros, que significa
é a mais velha de quatro irmãos, garam uns garotos e ficaram con- “elevado no ar”, e logos, “estudo”,
Haroldo, Ana Cristina e Paulo Hen- versando. Eles queriam nos con- a meteorologia pode ser definida
rique. Durante a infância e a ado- vencer a fazer o curso técnico para como ciência que estuda a atmos-
lescência morou em várias partes meteorologia. Falaram tanto que eu fera terrestre, em especial a cama-
do Brasil e hoje até brinca: “sou cli- peguei a ficha de inscrição e colo- da mais próxima da superfície na
matologista por experiência, por- quei: primeira opção Edificações, qual ocorre a maior parte das ativi-
que nasci em Porto Alegre, peque- segunda opção: Meteorologia. Aca- dades humanas. Ela aplica leis da
nininha fui para Pirassununga, inte- bei passando em Meteorologia e física e da matemática para descre-
rior de São Paulo, depois para o gostei.” ver, entender e predizer o estado
Rio, depois Natal, Recife, voltei do tempo. Conhecer o comporta-
Na área de Meteorologia, a escola
para o Rio”. Essas andanças todas mento do tempo e do clima é fun-
formava observadores de bases
têm explicação: seu pai, Juvenal, damental para o desenvolvimento e
meteorológicas, auxiliares para
natural do Rio Grande do Norte, o planejamento econômico de qual-
verificação e ordenação de da-
era militar, tenente-coronel da Ae- quer sociedade. Manifestações at-
dos, técnicos em manutenção de
ronáutica, e vivia sendo transferido mosféricas como chuvas, tempes-
equipamentos meteorológicos e
pelo Brasil ao lado de sua mãe, a tades, furacões, geadas podem
também no rastreamento de fo-
carioca dona Atala. Quando o pai provocar incontáveis prejuízos, tan-
tos de satélite e plotagem de car-
foi enviado para Roraima, Ana Lu- to na cidade quanto no campo,
tas sinóticas, enfim, uma série de
cia ficou no Rio e dali só saiu anos principalmente na agricultura. Por
informações que davam bem a
mais tarde, já casada. Dessa vez isso a grande necessidade de estu-
ideia do que fazia um meteorolo-
para São Paulo. dar os processos que causam de-
gista. “Já no segundo ano, éra-
terminadas condições climáticas
A meteorologia apareceu por acaso mos uma turma de quinze pesso-
para depois aplicar esse conheci-
em sua vida. Em meados da déca- as e nos perguntávamos o que irí-
mento na previsão do tempo.
da de 1970, muitas pessoas pres- amos fazer depois do terceiro
14 tavam concursos para escolas fe- ano. O C EFET era uma escola con- Também denominada Ciências At-
mosféricas, a meteorologia tem ao editar o tratado Meteorológica, po mais confiável. Mesmo com
como objeto de estudo desde o frio por volta do ano 340 AC. No livro, todo o progresso tecnológico, po-
intenso que atingiu determinada re- o filósofo explica os fenômenos rém, em pleno século XXI, a meteo-
gião até as mudanças climáticas atmosféricos com um enfoque filo- rologia lida hoje com novos desafi-
globais, como o aquecimento glo- sófico, tratando essas questões de os, muitos deles provocados pela
bal, o efeito estufa, as modifica- forma especulativa. Muitas das ação do homem na natureza.
ções na camada de ozônio. Contu- suas observações sobre o tempo
do, as noções de tempo e de clima estavam erradas, mas foram acei- Õ
são muito diferentes. O tempo é o tas por quase dois mil anos.
estado da atmosfera em um deter- A Universidade Federal do Rio de
A descoberta dos primeiros instru-
minado momento e em lugar espe- Janeiro ( UFRJ) foi criada no dia 7
mentos meteorológicos possibilitou
cífico – pode estar chovendo em de setembro de 1920 com o
o estudo dos fenômenos naturais
São Paulo e, em Sergipe, sol e ca- nome de Universidade do Rio de
de forma mais precisa, dando à
lor. Já o clima pode ser definido Janeiro. Em 1937, foi reorganiza-
meteorologia o status de ciência
como “um conjunto de condições da e passou a chamar-se Univer-
natural. Instrumentos como o ter-
normais que dominam uma região sidade do Brasil, assumindo a
mômetro, no fim do século XVI,o
obtidas das médias das observa- atual denominação apenas em
barômetro, em 1643, e o higrôme-
ções durante um certo intervalo de 1965. O curso de Meteorologia
tro, por volta de 1700, e também
tempo, ou seja, é o conjunto de da UFRJ foi criado em 1964.
as descobertas feitas pela física
toda informação estatística sobre o
melhoraram a qualidade das obser- Nesse ano, fazia parte do Depar-
tempo em um determinado local”.
vações. Ao longo do século XIX ,a tamento de Física da Faculdade
Para estudar o clima, o meteorolo-
meteorologia progrediu e os primei- Nacional de Filosofia, na antiga
gista avalia as condições diárias do
ros mapas meteorológicos foram Universidade do Brasil. O primei-
tempo ao longo de anos, para en-
desenhados. Contudo, foi no sécu- ro grupo de meteorologistas for-
tão estabelecer critérios para a
lo XX que a ciência ganhou impulso mou-se quatro anos depois, em
área analisada.
com os meios de comunicação 1967, quando, após uma refor-
Se hoje o cientista conta com uma como telégrafo e rádio, que permi- ma universitária, foi constituído
série de recursos técnicos como tiram juntar muitas informações ra- o primeiro Departamento de Me-
imagens de satélite, informações pidamente, com o desenvolvimen- teorologia do País. Em 2008, o
de radares, mapas e programas es- to de alguns conceitos básicos departamento fazia parte do Ins-
pecíficos de computador, como os como massas de ar e frentes frias tituto de Geociências (IGEO) da
modelos numéricos, nem sempre na década de 1920 e o início das universidade.
foi assim. Há milênios o homem observações diárias da temperatu-
Foi no campus da UFRJ, na Ilha do
tenta decifrar o funcionamento do ra, umidade do ar e pressão nos
Fundão, que Carlos Magno e Ana
tempo. Em face da precariedade de anos 1940.
Lucia se conheceram em 1981.
dados científicos, as explicações Os primeiros programas de compu- “Conheci o Magno na faculdade.
religiosas foram as primeiras dadas tadores de alta velocidade, desen- Eu era caloura dele e começamos a
pelo homem na tentativa de enten- volvidos na década de 1950, solu- namorar já no segundo mês de
der os fenômenos atmosféricos. cionaram equações e permitiram aula. Tinha acabado de fazer 17
Com o avanço das observações entender o comportamento da at- anos”, relembra Ana. “Até hoje
empíricas, a matéria foi ganhando mosfera. Aliadas a isso, as ima- brinco com ele: passei pela porta e
contornos mais científicos. gens do primeiro satélite meteoro- ele me pegou pelo braço. Éramos
O filósofo grego Aristóteles (384- lógico, o Tiros 1, lançado em muito diferentes, ele líder estudan-
322 AC) já falava em meteorologia 1960, tornaram a previsão do tem- til e eu péssima de voto.” 15
Além do encontro que iria mudar a bom aluno. As universidades estão gio no Centro de Previsão do Tem-
vida dos dois jovens, a faculdade e retendo por mais tempo o aluno, po da Torre de Controle da Aero-
a convivência com alunos e profes- criando novos conhecimentos para náutica, em que pôde acompanhar
sores fortaleceu no casal a certeza essas pessoas e, também, especia- o trabalho de um meteorologista
de que a escolha do curso havia lizações que não têm mercado de operacional da Força Aérea Brasi-
sido correta. “Em 1980, ao entrar trabalho. Não estimulam os leira ( FAB ). O amigo e mais tarde
para o curso da UFRJ me apaixonei “maus” alunos, que precisam de sócio, Waldemar Stefan, lembra
pela meteorologia sinótica, a previ- apoio para superar as matérias bá- até hoje como Magno conseguiu
são do tempo, matéria do profes- sicas ou que precisam trabalhar du- esse estágio. “Não foi nada sim-
sor Fábio de Alcântara. Ele era um rante o período em que estão cur- ples. Ele ia todo dia lá para pedir o
gênio. Ensinava e dizia que eu era sando a universidade ou que não trabalho. Várias vezes ele chegou
um dos seus melhores alunos”, re- querem ir para a pós-graduação para mim e disse: “estou quase
corda Magno. após concluir o curso, acredita conseguindo, Waldemar, estou
Ana. quase conseguindo”. E de tanto in-
Não foi só ele a ficar fascinado
sistir, tanto atazanar o povo de lá
com as aulas do professor. Ana Com poucos recursos técnicos em
foi que conseguiu o estágio e ainda
Lucia também se lembra do entu- mãos, prever o tempo naquela épo-
remunerado!”.
siasmo com que o mestre falava ca exigia muita capacidade, empe-
sobre a importância do previsor. nho para lidar com números e mo- Pouco antes de terminar a faculda-
“Foi o professor Fábio Alcântara delos matemáticos e uma boa dose de, Magno foi trabalhar na TASA
quem estimulou a maior parte da de ousadia para passar a credibili- (Telecomunicações Aeronáuticas
minha geração. Ele dizia sempre dade necessária. “Eu queria fazer S/A), no Aeroporto do Galeão, em-
que fazer previsão não era um bi- previsão do tempo. Era fascinado presa que hoje não existe mais e
cho de sete cabeças”, conta Ana. pelo poder de saber qual seria o foi incorporada pela Infraero. A
“Além disso, gostei dos professo- tempo no dia seguinte. Isso era TASA captava a base de dados usa-
res e principalmente da ideia de uma coisa do outro mundo, ter da para fazer a previsão, os meta-
trabalhar seis horas por dia.” Ana essa capacidade não só de saber, res. “Foi um período interessante
Lucia, já nessa época, expressava mas também a possibilidade de in- em que comecei a conviver com
com isso o desejo de ser mãe. formar. Durante a faculdade já vários meteorologistas, o mais no-
Ter uma profissão, sem deixar de existia uma vontade de um grupo vinho tinha 30 anos de experiência
lado a maternidade. pequeno de tentar mudar a visão na área de meteorologia aeronáuti-
Dentre as possibilidades do univer- de que a previsão do tempo sem- ca.” A previsão da Aeronáutica era
so meteorológico, Carlos Magno e pre errava. Eu já acreditava que tí- de muita responsabilidade, servin-
Ana Lucia logo descobriram o me- nhamos de ser os agentes transfor- do de apoio às rotas de aviões que
lhor caminho: ambos queriam fazer madores desse conceito”, avalia saíam daqui para a Europa, Esta-
previsão de tempo. Não era – Magno. dos Unidos e África.
como não é até hoje – o filé Ainda na faculdade os dois come- Entre os meteorologistas mais ex-
mignon da profissão; por isso pou- çaram a procurar trabalho e está- perientes, Magno aprendeu o dia a
cos seguiam essa área. A maioria gios como previsores. Para enfren- dia de um previsor: plotar, analisar
preferia ficar na universidade e de- tar as dificuldades financeiras, cartas. “O cara para ser meteorolo-
dicar-se às pesquisas. “Existia uma Magno tentou e conseguiu uma gista tinha de analisar mapas uns
cultura na universidade em que ser bolsa de iniciação científica, que o cinco anos para ter certa autono-
da área acadêmica era o crème de ajudaria a custear as despesas com mia e ser previsor. Começava
la crème e, se você escolhia ir para o estudo. Além disso, em busca de como técnico e ia aprendendo até
16 a operação, era porque não era capacitação profissional, fez está- poder fazer previsão. Naquele tem-
po, ela dependia muito da experi- mília e dos amigos. Não foi bem especialmente à noite.
ência do meteorologista, não havia isso o que aconteceu. A ideia de
As condições do lugar, entretanto,
ainda as modelagens numéricas, e que São Paulo oferecia maiores
não desencorajaram o casal. Mag-
dependia da análise com base em oportunidades e de que poderiam
no ficou pelo distrito mesmo.
observações do tempo presente e também continuar os estudos, uma
Como a casa era bem antiga, tinha
do seu conhecimento da física para pós-graduação em centros impor-
vários quartinhos. “Eu fiquei em
projetar aquele tempo presente tantes como a Universidade de São
um dos quartinhos nos fundos, fei-
para o futuro.” Ana Lucia também Paulo e o Instituto Nacional de Pes-
to para receber os ‘estrangeiros’,
procurou aplicar a teoria aprendida quisas ambientais (Inpe), pesou na
gente de várias partes do País que
na faculdade e no terceiro ano co- decisão de deixar o Rio. “A gente
vinha trabalhar em São Paulo”. Já
meçou a estagiar. “Fiz estágio no poderia ter ficado no Rio, mas o jo-
Ana Lucia teve mais sorte e muita
Aeroporto do Galeão, no Ministério vem quer sempre novidade, e não
cara de pau. “Eu tinha uma amiga,
da Aeronáutica, no Centro Meteo- queríamos ficar perto dos pais”, re-
Rosângela, que morava sozinha e
rológico e depois na TASA . Quando vela Magno. “Além disso, o Inmet
trabalhava no distrito. Cheguei na
saí da faculdade já era uma previ- estava precisando de previsores do
cara dura e perguntei: ‘posso mo-
sora com certa experiência.” tempo, e era isso justamente o que
rar com você?’. Ela topou e fiquei
gostávamos de fazer”.
Após terminar a faculdade, em morando com ela até eu e o Mag-
1983, Carlos Magno continuou tra- Então, em 1985, como diz o dito no nos casarmos.”
balhando na TASA enquanto Ana popular, mudaram-se de “mala e
Lucia concluía os estudos, o que cuia” para São Paulo. O primeiro Se o lugar não era o ideal, o traba-
aconteceu um ano depois. Ambos desafio da nova empreitada era fi- lho era animador. O Instituto Naci-
já pensavam em casamento e no xar residência na capital paulista. onal de Meteorologia (Inmet) é for-
rumo que dariam a suas vidas. Foi Não tinham parentes, nem amigos mado por dez distritos espalhados
quando surgiu o primeiro concurso mais íntimos. Como ainda eram pelo Brasil. Em São Paulo, funciona
em muitos anos para previsor do solteiros, tiveram de arranjar algum o 7º. Distrito, que até há pouco
tempo no Instituto Nacional de Me- lugar provisório para ficar. Ao de- tempo era responsável pela elabo-
teorologia, órgão ligado ao Ministé- sembarcarem, foram logo conhecer ração de previsões para os Estados
rio da Agricultura. A profissão de o novo espaço. “Queríamos saber de São Paulo, Paraná e Mato Gros-
meteorologista havia sido regula- onde ficava a rua do distrito”, con- so do Sul (atualmente, o Paraná
mentada em 1980 e passara a fa- ta Magno. A cidade não chegou a passou a fazer parte do 8º. Distrito
zer parte do quadro do Conselho assustar os dois cariocas, mas o de Porto Alegre). Na década de
Regional de Engenharia, Arquitetu- lugar em que iriam trabalhar, sim. 1980, por causa do concurso, vári-
ra e Agronomia ( CREA). Era uma os meteorologistas chegaram à ci-
A impressão imediata não foi
boa oportunidade para dois meteo- dade para assumir a previsão do
nada agradável. Isso porque, na-
rologistas recém-formados, mas já tempo, que era feita até então por
quela época, a sede do Inmet em
com alguma experiência. muitos geógrafos – isso porque a
São Paulo ficava numa casa da
maioria dos meteorologistas con-
Ana e Magno decidiram prestar o rua Vitória, em pleno centro da
centrava-se na sede em Brasília.
concurso e foram dois dos 40 me- cidade, em um local pouco ade-
Nesse período, eram poucas as tur-
teorologistas aprovados. Uma boa quado e de fama duvidosa. A rua
mas de meteorologistas que saíam
colocação garantiu o direito de es- Vitória faz parte da região forma-
das universidades e, ainda por
colher o local em que iriam traba- da pelas ruas Aurora e Santa Efi-
cima, especializadas na previsão
lhar. Poderiam ter ido para qual- gênia, uma área degradada e com
do tempo.
quer parte do Brasil ou mesmo fi- pouca segurança. Um desses lu-
car no Rio de Janeiro, perto da fa- gares que se deve evitar andar, Neide de Oliveira foi uma das “es- 17
trangeiras” que assumiram o pos- Paulo, mas fiz questão de fazer as turalmente, passaram a intermediar
to no distrito paulista. Neide é de coisas direitinho”, relembra Magno. o contato entre o distrito e o públi-
Belém do Pará, e assim como co. “Nós começamos a atender jor-
Por pouco tempo, os dois voltaram
Ana e Magno, preferiu deixar a nalistas, agricultores, pois o grupo
ao Rio para organizar tudo, procu-
terra natal em busca de maior não gostava muito disso. O traba-
rar igreja, convidar os amigos.
campo de trabalho e realização lho lá dentro do distrito era muito
Como tudo foi muito rápido, não
profissional. “Eu cheguei a São de preencher formulários e mapas,
encontraram igreja com data dispo-
Paulo em 1983, aos 23 anos, era e a gente questionava muito isso”,
nível para o casamento. A solução
nossa chance de iniciar um traba- conta Magno.
veio dos pais da Ana, que oferece-
lho no distrito. Logo depois vie-
ram a casa para a realização da A linguagem muito técnica era ou-
ram os outros do Rio, da Paraíba,
festa. O casamento foi realizado tro fator que atrapalhava essa in-
do Rio Grande do Sul, e a gente
por um capelão da Aeronáutica na terface com o público. Expressões
formou uma verdadeira legião es-
presença das famílias e de muitos que consideravam muito toscas,
trangeira”, relembra Neide. “Era
amigos. No dia seguinte seguiram presas a jargões de difícil compre-
um grupo jovem, recém-formado,
de ônibus para a lua de mel em ensão para alguém do outro lado
que praticamente organizou o dis-
Campos do Jordão. do balcão. “A gente vivia brigando,
trito”, completa a meteorologista.
dizendo que poucos entendiam
De volta a São Paulo foram viver aquele palavreado: parcialmente
Ana e Magno assumiram o posto em um apartamento mobiliado no nublado para o jornalista era nubla-
no Inmet em 12 de fevereiro de aristocrático bairro de Higienópolis. do, para a gente era predomínio do
1985 com a perspectiva de muito O dia a dia no distrito, com plan- sol”, explica Magno. Mas era com-
trabalho pela frente. Estava na tões até nos fins de semana, e o plicado mudar o padrão do que já
hora de colocar em prática todo o início do curso de pós-graduação estava instituído. Foi preciso uma
conhecimento adquirido e a estru- no Inpe, em São José dos Cam- enorme dose de paciência para
tura do distrito era um bom come- pos, praticamente passaram a to- tentar quebrar um pouco o ranço
ço. Os dois logo se integraram ao mar conta da rotina do casal. burocrático.
grupo e puseram as mãos na mas-
sa, ou melhor, nos dados e mapas Logo, identificaram as principais di- Esse choque entre a realidade e a
da previsão do tempo. Afinal, esta- ficuldades de um meteorologista modernização era compreensível.
vam fazendo o que gostavam. em um órgão público; uma delas Poucos acreditavam na previsão do
era como lidar com a informação. tempo, vista como pouco confiável
Os primeiros meses foram de adap- Magno e Ana rápido compreende- e que, em geral, não dava muito
tação ao ritmo de vida paulistano e ram que havia uma grande procura certo. O meteorologista contava
também o tempo de acertar a vida por dados e informações meteoro- com poucos recursos tecnológicos.
a dois. Estabelecidos no distrito, lógicas, tanto do público quanto da As previsões eram elaboradas com
não demorou muito para definirem mídia e de setores mais especiali- base em dados levantados por ob-
a data do casamento e alugarem zados, como agricultores; por ou- servadores nas estações meteoro-
um apartamento para morar. Em tro lado, havia pouco jogo de cintu- lógicas do instituto espalhadas pelo
uma cerimônia simples, porém mui- ra para atender a essa demanda. Brasil. Eles faziam a leitura dos ins-
to bonita e emocionante, na casa “Foi um aprendizado interessante”, trumentos, anotavam em um ca-
dos pais da Ana Lucia, na Ilha do relembra Magno, “porque no fundo derno e depois transmitiam para os
Governador, no Rio de Janeiro, os a gente tinha algum traquejo com distritos. Esses dados eram dese-
dois se casaram no dia 13 de abril o público, do tempo em que traba- nhados por técnicos em grandes
de 1985. “A Ana não queria festa, lhamos na TASA e atendíamos al- mapas e em seguida analisados pe-
18 apenas uma cerimônia em São guns clientes.” Foi então que, na- los meteorologistas. Fotos de saté-
lite, captadas pelo Instituto Nacio- as melhores maneiras de passar as to na rua Nicolau de Souza
nal de Pesquisas Espaciais (Inpe), informações elaboradas no distrito Queiroz, na Vila Mariana, e foi
em São José dos Campos, interior e a lidar com as saias justas causa- lá que a primeira filha do casal,
de São Paulo, e algumas outras in- das pelo tenso equilíbrio entre a Isabel, ou Bebel, nasceu, no dia
formações vindas da Aeronáutica credibilidade e a descrença. “Uma 11 de agosto de 1986.
ou órgãos internacionais completa- vez eu dei uma entrevista para o
E foi na rotina, nem sempre tran-
vam o quadro que dava suporte ao programa da Claudete Troiano e
quila, do distrito que uma ideia co-
profissional. Cabia ao meteorolo- Ione Borges, da TV Gazeta, que
meçou a germinar na cabeça do
gista a responsabilidade de inter- para mim foi antológica. Eu falava
casal. A percepção de que havia
pretar os dados e cravar a previ- ao telefone dando informações so-
um mercado, ainda inexplorado,
são. No fim dos anos 1980, o índi- bre alguma previsão. Estava ao
precisando de informações confiá-
ce de acerto de uma previsão vari- vivo. Então elas começaram a dizer
veis sobre o tempo e o clima esta-
ava de 85% a 90% para o período que a meteorologia sempre errava
va no ar, acenando com milhares
de 24 horas. O índice de acerto di- e eu argumentava que não, elas
de possibilidades. Era só amadure-
minuía para períodos mais longos. estavam enganadas. Comecei com
cer um pouco mais. Afinal, dona
paciência a explicar como funcio-
Por causa disso, o previsor era Atala e seu Juvenal, pais de Ana
nava a previsão para tentar mudar
muito cobrado pelo público e pelos Lucia, conheciam bem a filha.
essa ideia. E nada, elas continua-
jornalistas, especialmente quando “Meus pais estranharam eu ter ido
vam a falar mal da meteorologia.
ocorria alguma catástrofe: tempes- estudar meteorologia. Disseram:
Aí eu parti para a discussão e fui
tade, granizo, forte geada, frio in- ‘Meu Deus, a Ana não tem estilo
duro, disse que elas estavam usan-
tenso. Os erros eram muito mais de funcionário público, vai desistir’.
do o poder da comunicação para
lembrados do que os acertos, e por Minha mãe dizia: ‘Ela não vai
passar uma ideia errada. Tudo isso
isso poucos meteorologistas no aguentar, vai pedir demissão e virar
ao vivo”, relembra Magno.
distrito gostavam de falar à im- gerente de butique’. Ela estava cer-
prensa. “No começo da carreira eu Depois de seis meses em São Pau- ta, não aguentei ser funcionária pú-
passava noites em claro acompa- lo já foi possível pensar em ter um blica por muito tempo...”
nhando as frentes frias para saber canto próprio para viver. Ana Lucia
se estava acontecendo o que eu alimentava o desejo de ser mãe.
previ”, relembra Magno. “Ainda moça, quando decidi fazer
Apesar da ansiedade, eles sabiam meteorologia, fiquei pensando so-
o que estavam fazendo. “Não tí- bre as vantagens e desvantagens
nhamos medo de nos expor, con- de partir para essa profissão. Uma
versar com as pessoas. Se a gente das coisas que eu sempre quis era
errava... errava. A gente erra até ser mãe. Notei que existiam profis-
hoje, faz parte da profissão. Algu- sões que eram legais, como profes-
mas pessoas chegavam, até agres- sora, enfermeira, profissões que
sivas, cobrando. Mas não posso trabalhavam meio expediente. Me-
acertar todas as previsões, só não teorologista também era assim.
erra previsão quem não faz”, avalia Você trabalha meio expediente e
Ana Lucia. tem meio expediente para ficar
com os filhos”, conta Ana.
Esse relacionamento com o público
e com a imprensa deu maior visibi- Para realizar esse desejo, com-
lidade ao casal, que foi aprendendo praram um pequeno apartamen- 19
C
2
om o passar do tempo, o nha, em 1888. A repartição pas- Agricultura, Indústria e Comércio,
trabalho em equipe dos me- sou a ser responsável pela emissão que unificou as redes de observa-
teorologistas do Inmet de avisos meteorológicos para os ções da Marinha e do Telégrafo
começou a engrenar. O interesse portos, para a agricultura e tam- Nacional. Em 1921, o órgão é des-
por informações meteorológicas bém para os navegantes. membrado do Observatório Nacio-
parecia ter aumentado naqueles nal, é renomeado para Diretoria de
Anos depois, o climatologista Hen-
últimos anos da década de 1980. Meteorologia e, posteriormente,
rique Morize produziu o primeiro
Talvez reflexo da redemocratiza- Instituto Nacional de Meteorologia,
Os primeiros passos
estudo sobre o clima brasileiro,
ção do Brasil, com novas pers- dentro do Ministério da Agricultura,
publicado em 1889 com o título
pectivas para todos os setores do Pecuária e Abastecimento ( MAPA).
Esboço da Climatologia do Brazil.
País. No Inmet, o novo diretor,
o meteorologista Antonio Divino
Nesse mesmo ano, com a procla-
mação da República, o Observató-
Õ
Moura, buscava espaço para a Nesse início do século XXI, o Inmet
rio Imperial tornou-se Observatório
modernização do órgão. é o responsável pela elaboração e
Nacional. E no fim do século XIX,
divulgação da previsão de clima e
quase todo o País contava com
Õ serviço de meteorologia ligado a
tempo em todo o Brasil e represen-
ta o País na Organização Meteoro-
órgãos governamentais, mas de
No Brasil, os primeiros postos de lógica Mundial ( OMM). Com sede
forma descentralizada, sem uma
observação meteorológica datam em Brasília, o órgão conta com
organização geral dos dados cole-
do século XVII, durante a ocupação uma rede de 500 estações em pro-
tados.
holandesa em Pernambuco. No que cesso de automação e dez distritos
diz respeito à climatologia, há indi- Nos primeiros anos do século XX, regionais: Manaus, Belém, Recife,
cações de que os primeiros estu- duas figuras despontaram como Salvador, Belo Horizonte, Rio de
dos científicos aconteceram a par- grandes nomes da meteorologia Janeiro, São Paulo, Porto Alegre,
tir da criação do Observatório As- brasileira: Belfort de Mattos e Sam- Cuiabá e Goiânia.
tronômico do Rio de Janeiro, em paio Ferraz. Mattos é considerado Desde 2008, Divino Moura está
1827, mas apenas em 1844 teri- o primeiro estudioso do clima de novamente à frente da direção do
am aparecido as primeiras observa- São Paulo e ficou por 24 anos à Inmet. Para ele, nesses 20 anos, a
ções meteorológicas nos arquivos frente do serviço de meteorologia meteorologia brasileira apresentou
do órgão. Em 1871, o astrônomo da Secretaria de Agricultura do Es- grande desenvolvimento com a im-
Emmanuel Liais é contratado pelo tado. Já Sampaio Ferraz foi o res- plementação da previsão numérica
Observatório Astronômico, já en- ponsável pela publicação do artigo e a incorporação de informações
tão denominado Observatório Im- “Previsão do tempo”, no Jornal do de satélites nas análises dos dados
perial, e dá início à implantação Commercio, em 1913, em que fez que alimentam os modelos. Além
das bases teóricas das ciências uma tentativa de previsão para o do progresso representado pelas
atmosféricas no Brasil. Rio de Janeiro. A coluna de previ- pesquisas científicas e tecnológicas
são do tempo para o antigo Distrito e com a formação de quadros de
Na Marinha brasileira, os navios hi-
Federal passaria a ser constante- alto nível tanto na academia quan-
drográficos já realizavam um traba-
mente publicada a partir de 1917. to na área operativa.
lho sistemático, em 1862, com ob-
servações meteorológicas das zo- O embrião do que hoje é o Instituto Na década de 1980, em São Pau-
nas costeiras. Os dados levantados Nacional de Meteorologia (Inmet) lo, os telefones do Inmet não para-
por meio desse trabalho serviram surgiu em 1909, quando foi criada vam de tocar: eram agricultores,
de base para a criação da Reparti- a Diretoria de Meteorologia e As- industriais, produtores, todos pro-
ção Central Meteorológica da Mari- tronomia, ligada ao Ministério da curando as preciosas informações 21
sobre o tempo. Sim, porque negó- Em 1987, para aproveitar esse São Paulo. Segundo Carlos Magno,
cios podiam ser desfeitos, safras mercado potencialmente em ebuli- 27, do 7º. Distrito de Meteorologia
quebradas, isso sem falar nos enor- ção e incentivado por Carlos Mag- do Ministério da Agricultura, esse
mes prejuízos em diversos setores no, um grupo de sete meteorolo- fenômeno deve provocar o aumen-
da economia que um inverno mais gistas decidiu montar uma empre- to de nebulosidade e chuvas em
rigoroso ou uma chuva mais inten- sa. Era o pequeno embrião do que pontos isolados na capital paulista
sa podia causar. Era um entra e sai no futuro seria a Climatempo. O (...) Segundo Magno, São Paulo
de jornalistas repercutindo fenôme- nome nasceu ali, mas a empresa está sob a ação de um sistema de
nos climáticos que afetavam a po- mal saiu do papel. “O Magno e a massa de ar de alta pressão sub-
pulação. Tudo indicava que, mes- Ana Lucia começaram a organizar tropical que domina o Atlântico sul,
mo com recursos ainda precários, o distrito, até juntaram um grupo e provocando o desvio de massas
a meteorologia ganhava, pouco a formaram a empresa. Em 1987, a polares para o oceano. De acordo
pouco, maior credibilidade, abalada demanda já era muito grande. Até com ele, isto atua como um blo-
durante décadas por previsões im- aquela época ninguém acreditava queio para as condições que favo-
precisas. muito, só melhorou quando a mídia recem a ocorrência de chuvas nas
começou a divulgar mais a previ- regiões Sul e Sudeste do País. (...)
“No primeiro mês no Distrito dei são, aí a gente sentiu uma procura Magno afirma que a falta de umi-
uma entrevista para a TV Globo. maior. Isso aconteceu, eu acho, dade é característica do inverno,
Estava sem um pingo de maquia- porque foram conhecendo a mete- mas classifica o deste ano como
gem, cabelo com rabo de cavalo, orologia e como a previsão poderia ‘extremamente seco’”. (Folha de
parecia mais jovem do que era real- ajudá-los. Começamos a montar a S. Paulo, 14/9/1988)
mente. Eu era muito jovem, acabei Climatempo, uns seis ou sete, mas
“Com a temperatura entre 20 e 30
a faculdade com 20 anos. Minha foi complicado gerir. Eram várias
graus, São Paulo viveu ontem um
voz era muito infantil. Quando me cabeças, cabeças novas sem en-
dos dias mais quentes do ano. (...)
olhei na televisão, eu mesma me tender de empresa, ficou difícil
Para o meteorologista Carlos Mag-
perguntava: ‘quem vai acreditar na para todos. Era preciso buscar cli-
no do Nascimento, o calor é provo-
previsão do tempo que uma meni- entes, oferecer o serviço. Não con-
cado por uma massa de ar subtro-
na faz?’. Depois disso, nunca mais seguimos”, relembra Neide de Oli-
pical, que está há quatro meses na
deixei me fotografarem sem usar veira, que fez parte do grupo que
região Centro-Sul do País, bloque-
batom e com cabelo preso. Tinha criou a Climatempo.
ando todos os sistemas de frente
de passar alguma confiança...”
fria provenientes do Polo Sul.
Enquanto isso, os meios de comu-
Toda essa efervescência era senti- ‘Quando isso acontece, chove no
nicação davam cada vez mais es-
da pelo pessoal do distrito. Crescia Rio Grande do Sul, por exemplo, e
paço para divulgar notícias do tem-
a procura por informações específi- há tempo seco e quente em São
po. O Inmet, por meio do distrito,
cas que saíam um pouco da rotina Paulo’, disse ele”. (O Estado de S.
passou a ser mais conhecido e pro-
e eram difíceis de ser atendidas. Paulo, 27/9/1988)
curado, especialmente em São
“Era comum algumas pessoas vi- Paulo. E Carlos Magno como chefe “Segundo Carlos Magno, do 7º.
rem até nós para pedir algum tra- do grupo de previsores passou a Distrito de Meteorologia, a onda de
balho. Quando a gente respondia ser muito assediado pela mídia: calor verificada estes dias em São
que não tinha pessoal para isso Paulo deve-se à massa de ar sub-
eles diziam que podiam pagar e “A frente fria que provocou chuvas tropical localizada em toda a região
que compravam os dados. Chegou no Rio Grande do Sul, Santa Cata- Centro-Sul, responsável tanto pelas
uma hora que isso começou a ga- rina e sudoeste do Paraná avança altas temperaturas como bela baixa
22 nhar volume”, conta Ana Lucia. lentamente e deve chegar hoje a umidade do ar. (...) ‘O calor deve
diminuir bastante nos próximos redação da rádio Eldorado AM/FM, motas, o rádio sempre reconhe-
dias, prevê Carlos Magno. O tempo com uma proposta inovadora: ceu a importância de boletins em
nublado e a temperatura amena ve- queria contratar dois meteorolo- sua programação diária. Nessa
rificados no litoral, em contraste gistas que seriam responsáveis época, havia em São Paulo um
com o calor da capital, devem-se à pela divulgação da previsão do jornalista que conhecia muito do
circulação de ar marítimo, que au- tempo pela rádio. “Foi uma ideia assunto. O nome de Narciso Ver-
menta a nebulosidade e faz cair a pioneira, não havia nada compa- nizzi era sinônimo de previsão do
temperatura’”. (Jornal da Tarde, rável em rádio, jornal ou TV. Por tempo. Todas as manhãs, pela rá-
28/9/1988) isso foi um retumbante sucesso dio Jovem Pan de São Paulo,
quando entrou no ar”, avalia João com o bordão “Bom dia, amigos”
Aos poucos, tanto Ana Lucia quan-
Lara Mesquita, na época diretor o jornalista iniciava as transmis-
to Magno foram adquirindo uma
da rádio e um dos responsáveis sões dos boletins do tempo.
certa prática para lidar com a im-
pela contratação do casal.
prensa e conseguiam passar as in- Vernizzi começou sua carreira jor-
formações numa linguagem mais Inaugurada em 1958, a rádio Eldo- nalística no esporte. Era um locutor
clara, com um estilo mais jornalísti- rado faz parte do Grupo Estado, esportivo apaixonado por meteoro-
co. Jornais, rádios e tevês começa- que congrega os jornais O Estado logia. Autodidata, levou seus co-
ram a abrir os olhos para esse tipo de S. Paulo e o Jornal da Tarde; a nhecimentos para a Jovem Pan em
de conteúdo, muito comum e res- Agência Estado, o portal www. 1963, e desde então foi ganhando
peitado em boa parte do mundo e estadao.com.br e a Oesp Mídia e é espaço. Uma rotina diária que con-
pouco valorizado no Brasil. um dos mais importantes grupos quistou um público cativo durante
de mídia do País, fundado pela fa- mais de 40 anos. “Havia o Ministé-
Esse cenário tão promissor não es- rio da Agricultura, que se interessa-
mília Mesquita.
condia, porém, os problemas eco- va muito pelo plantio, pelos fazen-
nômicos crônicos pelos quais o “A sugestão de colocar dois profis- deiros, pela chuva. Havia a Força
País passava, como a hiperinfla- sionais no ar foi minha”, relembra Aérea Brasileira ( FAB ), que se inte-
ção, que impedia qualquer tentati- João Lara. “Eu acabava de voltar ressava pela aviação. Para o ho-
va de crescimento econômico. Só dos Estados Unidos, e lá o povo mem e a mulher da rua, a dona de
para ter uma ideia, a inflação acu- não parava de ouvir as previsões casa, não tinha ninguém que falas-
mulada no ano de 1987 foi de do tempo, que, aliás, eram muito se”, relatava Vernizzi quando per-
415, 83%, chegando a bem feitas. No rádio brasileiro da- guntavam a ele qual era o seu pú-
1.037,56%, em 1988. Os funcio- quela década não havia uma previ- blico.
nários públicos sentiam no bolso a são de tempo confiável, feita com
situação e o pessoal do distrito não base científica. Então encarreguei Ao mesmo tempo admirado e alvo
era exceção. A essa altura, Ana o chefe de redação, Ademar Altie- de deboche, Vernizzi nunca deixou
Lucia já tivera seu segundo filho, ri, de achar uma previsão de tempo de prestar um valioso serviço à po-
Marcos, que nasceu em 12 de no- bem feita no Brasil. Seria um dife- pulação, além de ser um grande di-
vembro de 1987, e com isso as rencial da Nova Eldorado.” vulgador e incentivador da meteo-
despesas ficaram maiores. rologia, especialmente em São
João Lara Mesquita tinha razão. Paulo. O “Homem do Tempo”,
Foi quando, em 1988, surgiu uma A ideia de colocar no ar meteoro- como ficou mais conhecido e cuja
grande oportunidade, o empurrão- logistas era nova, mas previsão alcunha foi registrada em seu
zinho que faltava para uma gran- do tempo na rádio, não. O rádio nome – “Quem quiser usar tem de
de mudança na vida do casal. Eis foi um dos primeiros veículos de pagar os direitos” –, sofria os refle-
que em um belo dia aparece no distribuição das informações me- xos da falta de estrutura da previ-
distrito Ademar Altieri, chefe de teorológicas. Por atingir áreas re- são no Brasil. Recorria a dados do 23
Inmet, consultava todas as fontes mente era a mais fria e eu percebi falar na rádio. Queria seguir uma
disponíveis, como radioamadores, que isso interessava, que a gente carreira política dentro do distrito.
Aeronáutica, e chegou a instalar tinha todos os dados ali e não Isto é, almejava chegar um dia a
uma estação meteorológica em aproveitava. Foi então que come- diretor do distrito e quem sabe até
São Roque, interior de São Paulo, çamos a dar mais atenção aos da- do Inmet. Foi Ana Lucia quem in-
de onde fazia suas entradas na rá- dos históricos.” sistiu para que ele fizesse o teste.
dio. Contudo, como as informa- “Eu tinha bastante prática, tinha
A proposta feita pela rádio Eldora-
ções eram sempre insuficientes, a noção do que um meteorologista
do agitou o distrito. A ideia era co-
média de acertos não era muito falava nos Estados Unidos. Prepa-
locar um meteorologista pela ma-
grande e os erros eram muito co- rei uma ideia, um texto e fui para a
nhã e outro à tarde, e fazia parte
brados. Vernizzi passou a fazer cabine de gravação. O Magno é tí-
de uma reformulação que criaria a
parte do folclore da cidade. De mido e ele não queria ir de jeito ne-
Nova Rádio Eldorado AM, 24 horas
qualquer forma, popularizou a me- nhum. Eu disse ao Magno: ‘nin-
no ar de informação e prestação de
teorologia. Para ele não havia er- guém está te vendo, é você, o mi-
serviço. “A AM era uma emissora
ros: “O nome já diz: previsão não é crofone, uma cabine fechada, nin-
jornalística e a FM uma rádio musi-
fato, é previsão”, dizia. guém está te olhando por um vi-
cal com coberturas especiais de
dro. Você chega lá, dá o seu reca-
“A primeira coisa que fiz ao mudar esportes. Ambas, porém, eram vol-
do e acabou. O pior que pode
para São Paulo, em 1985, foi ouvir tadas para formadores de opinião”,
acontecer é a gente não passar’”,
o Narciso Vernizzi pelo rádio. Eu como explica João Lara Mesquita.
disse Ana Lucia.
achava fabuloso ter um jornalista
O projeto ainda demorou um pou- Feitos os testes, todos aguardaram
falando de meteorologia, cumulus
co para ser implantado; e foi só os resultados. Passados alguns
nimbus..., com uma linguagem po-
quando Marco Antônio Gomes, o dias, o pessoal da Eldorado voltou
pular. Não tinha jornalista assim no
novo diretor de jornalismo da rá- ao distrito para anunciar os escolhi-
Rio. Fiquei satisfeito ao ouvir o
dio, aprovou a ideia é que reco- dos. Ironia do destino, os dois me-
Narciso e em saber que tinha um
meçaram as negociações. “Procu- teorologistas selecionados eram
serviço desse em São Paulo. ‘O
ramos em dezenas de lugares: na exatamente Ana Lucia de Macedo
cara é bom’, aí o pessoal falava
Universidade de São Paulo ( USP), e Carlos Magno do Nascimento. Ri-
que ele estava ocupando o nosso
aeroportos, até que procuramos o sos constrangidos foram ouvidos.
espaço. Eu dizia que não, que esta-
Ministério da Agricultura e este Sem saber, a direção da rádio ha-
va divulgando a nossa profissão”,
nos sugeriu o 7º. Distrito. Fomos via escolhido o casal. Como Ana
relembra Magno. Os dois nunca se
lá e testamos todos. Ensinamos a não usava o sobrenome Nascimen-
conheceram pessoalmente, mas o
falar no rádio de forma coloquial, to, ninguém da rádio desconfiou e
velho homem do tempo já era uma
agradável, usando frases curtas, acabou mantendo a escolha.
referência para o jovem meteorolo-
ordem direta, com muita simpatia
gista que em breve seguiria pelo Naquele primeiro momento, o acor-
e, claro, com qualidade de infor-
mesmo caminho do rádio. “Aí, ain- do para o trabalho foi feito entre o
mações”, conta João Lara.
da no distrito, eu percebi que o Inmet e a Rádio Eldorado, e o salá-
Narciso furava a gente. Porque ele Todos no distrito participaram dos rio era alto para a época, coisa de
era jornalista e sabia o que interes- testes. “A essa altura do campeo- cinco mil dólares para cada um de-
sava para o público: por exemplo nato todos eram funcionários públi- les. Era natural que a situação fi-
‘essa tarde foi a mais fria do cos e todos estavam ralados”, con- casse um pouco desconfortável
ano’... E eu pensei: isso é notícia? ta Ana Lucia. No início, porém, para o casal; afinal, eram dois salá-
Aí chegou no distrito uma chuva Magno relutou. Ele era chefe dos rios para uma mesma casa e tan-
24 de jornalistas perguntando se real- previsores e não tinha interesse em tos outros precisando de um “ex-
tra”. Para tentar diminuir a tensão começavam a fazer parte do traba- multinacional suíça Nestlé, uma
entre o grupo, Carlos Magno suge- lho dos previsores e os primeiros das maiores empresas de alimenta-
riu ao então diretor do distrito, Sil- modelos de previsão numérica ção e nutrição infantil, para que
vio de Oliveira, retirar 30% do salá- eram utilizados. Uma novidade Ana Lucia e Magno prestassem
rio pago pela rádio e dividi-lo entre para uma época que dependia ape- serviços de consultoria em meteo-
os outros meteorologistas. Feliz- nas das cartas e dos mapas elabo- rologia. Segundo Magno, um dos
mente, todos gostaram e aceita- rados e da avaliação do meteorolo- diretores da Nestlé ouvia com fre-
ram a ideia. gista. O novo processo implicava quência a Rádio Eldorado e teria fi-
em uma análise mais objetiva, com cado muito impressionado com a
Resolvida essa questão, uma cabi-
base em dados gerados por equa- segurança das informações trans-
ne foi instalada no distrito. Seria de
ções matemáticas ainda rudimenta- mitidas pelo casal por meio dos bo-
lá que transmitiriam os boletins.
res, mas que representavam um letins. Aquele foi o momento.
Ana Lucia pela manhã e Magno à
grande avanço para melhorar a pre-
tarde e à noite. Esse acerto possi- O serviço era para o setor cafeeiro
visão do tempo. Um desses mode-
bilitou também um arranjo domésti- da Nestlé; os diretores queriam sa-
los foi desenvolvido pela Universi-
co, distribuindo as tarefas de casa ber se o ano seria de geadas, o que
dade de São Paulo ( USP ), mas logo
e o acompanhamento dos filhos: elevaria o valor da colheita. De
outros centros o adotaram.
Bebel e Marcos Paulo. acordo com Magno, a consultoria
A professora e hoje diretora do se estendeu para a área de sorve-
Depois de três meses no ar, os tes e as previsões passaram a ser
Centro de Previsões de Tempo e
dois já eram bem conhecidos do usadas para acompanhar a produ-
Estudos Climáticos ( C PTEC) do Ins-
público ouvinte. A Nova Eldorado ção e estoque do produto. O traba-
tituto Nacional de Pesquisas Espa-
ganhava cada vez maior audiên- lho realizado é considerado um
ciais (Inpe) em Cachoeira Paulista
cia. No distrito, porém, as coisas marco pelo casal. Foi o ponto de
(SP), Maria Assunção Faus da Silva
não andavam tão bem. Magno partida para a existência legal da
Dias, lembra que esses modelos
viu seu projeto de seguir carreira Climatempo. Afinal, a primeira nota
eram usados como uma ferramenta
no Inmet distanciar-se. Não dava fiscal da nova empresa seria emiti-
a mais para a elaboração da previ-
para fazer tudo ao mesmo tempo: da no dia 20 de setembro de
são do tempo. Eles não tinham a
chefiar previsores, trabalhar na 1988.
complexidade de modelos numéri-
rádio e ainda prospectar novos
cos mais avançados, mas foram Com a efetivação da empresa,
caminhos. Magno tinha certeza
muito importantes na época para a um novo cenário se desenhava.
de que o momento certo de alçar
modernização da meteorologia bra- Agora eles tinham um cliente, ti-
voo solo aproximava-se. “Foi um
sileira. nham uma empresa real, e muita
período conturbado e começamos
vontade de conquistar o mercado
a pensar se iríamos pular para a Magno e Ana tomaram contato
que se abria a sua frente. A cer-
iniciativa privada ou arrumar ou- com essas tecnologias durante o
teza de que deviam investir no
tro emprego. Aí eu comecei a período em que cursaram o mes-
novo negócio era tão grande que
pensar em reviver a Climatempo, trado na USP e foi ali que, ao
Magno decidiu recusar um convi-
que estava só no papel e não ti- acompanharem esse processo,
te da Cooperativa de Produtores
nha nenhuma nota, não tinha cli- captaram no ar um clima de mu-
de Cana-de-Açúcar e Álcool do
ente, existia juridicamente, mas dança. Novos ares para a meteoro-
Estado de São Paulo (C OPERSU-
não de fato”, relembra Magno. logia e também para quem vivia da
CAR), em Piracicaba, para montar
previsão do tempo. Aquele era o
A situação conspirava para isso, a um centro de previsão. “A Ana
momento.
modernização chegava lentamente iria estudar na universidade e fa-
à meteorologia. Os computadores Foi então que surgiu um pedido da zer pós-graduação em agrometeo- 25
rologia. Preferimos ficar para po de jornalistas assumia a direção ção de serviços era feita pelo In-
montar a Climatempo a ser em- da agência. Com Rodrigo Mesquita met e o casal falava em nome do
pregado. Queríamos montar uma como diretor, Elói Gertel e Sandro distrito. Aos poucos, contudo, com
empresa diferente. Era puro so- Vaia como diretores de conteúdo, o desenvolvimento do projeto de
nho de dois jovens que já tinham a Agência Estado deu início à mo- modernização da previsão do tem-
alguma experiência profissional e dernização dos seus serviços. Uma po na AE, a necessidade de ter in-
conhecimento da demanda do das propostas era oferecer uma co- formações mais individualizadas
mercado de meteorologia”, conta luna de previsão do tempo, especí- começou a pesar nessa relação.
Magno. fica para os clientes interessados. Magno e Ana Lucia não eram ex-
Para isso, foi contratada a jornalis- clusivos da AE. Pelo menos por en-
Naquele momento, a Climatempo
ta Patrícia Ferraz, que ficaria res- quanto.
não seria a primeira empresa priva-
ponsável não só pelo serviço para
da de prestação de serviço em me- No fim de 1988, a Climatempo já
os clientes, mas também pela mu-
teorologia, mas seria pioneira na era uma realidade, mas sem estru-
dança nas colunas do tempo nos
implantação de uma nova filosofia tura física. O apartamento de 50m 2
jornais da casa: O Estado de S.
nesse novo nicho de mercado: ofe- que o casal havia comprado na Vila
Paulo e Jornal da Tarde.
recer uma previsão de tempo dife- Mariana era pequeno demais para
renciada. Antes dela, em 1982, a No início, os dados eram forneci- comportar uma empresa com gran-
meteorologista Vera Malfa Pereira dos diretamente pelos meteorolo- des possibilidades.
fundara a Tropical Meteorologia, gistas do Inmet, mas pouco a pou-
Assessoria, Projetos e Serviços, Com os olhos voltados para fora
co o atendimento passou a ser
mais voltada para levantamento de da janela, Magno um dia sonhou
dado principalmente por Carlos
dados e assessoria técnica. Vera, com um lugar próprio para a Clima-
Magno e Ana Lucia. Eram eles que
aliás, teve também um papel im- tempo. Chegara o momento de en-
todos os dias divulgavam a previ-
portante na moderna meteorologia contrar esse lugar. Trabalhando em
são para São Paulo e também pas-
brasileira: foi a primeira meteorolo- regime de escala no Inmet, Magno
savam as informações para eventu-
gista com curso superior a traba- usava as manhãs – enquanto Ana
ais matérias. Vale lembrar que o
lhar no 7º. Distrito de Meteorolo- estava de plantão no distrito e a fi-
momento era da meteorologia e os
gia, em São Paulo; além disso, lha mais velha Bebel na escolinha –
fatos que envolviam o tempo e o
coube a ela o pioneirismo de ser a para passear com o filho mais
clima despertavam cada vez maior
primeira mulher do tempo do pro- novo, Marquinhos, pelas ruas pró-
interesse da imprensa.
grama Bom Dia, São Paulo, da ximas ao apartamento. Além de
Rede Globo, em 1977. Magno e Ana, já escolados pela rá- distrair o filho, Magno aproveitava
dio Eldorado, tinham maior facilida- para procurar um local que pudes-
Enquanto isso, a Eldorado tornava
de de comunicação. Eles consegui- se ser a nova sede da empresa.
Magno e Ana cada vez mais co-
am explicar os termos técnicos
nhecidos. Outras mídias passaram Como as coisas ainda estavam
com uma linguagem clara, direta,
a demonstrar interesse pela meteo- apenas no começo, sem um gran-
ao mesmo tempo segura, o que
rologia, reformulando suas colunas de capital nas mãos para grandes
aumentava a credibilidade na previ-
e investindo no conhecimento da voos, Magno tinha consciência de
são. Se não acertavam sempre era
previsão do tempo. Foi o caso da que era preciso ir devagar. Depois
pela falta de recursos técnicos
Agência Estado ( AE), outro braço de muito procurar, finalmente en-
mais modernos para elaborar o
do Grupo Estado. Em 1988, a AE, controu uma casa que atendia às
prognóstico, ainda uma pedra no
assim como a Eldorado, também suas expectativas: ali poderia ins-
caminho da meteorologia brasileira.
sofria um profundo processo de re- talar a mulher e os filhos, inclusive
26 formulação. Em abril, um novo gru- Nesse primeiro momento, a presta- a filha mais nova, a Climatempo.
O sobrado ficava na Rua da União, do terceiro filho, Victor, Ana deci- não se arrependeu. Em casa, po-
também na Vila Mariana. Pequeno, diu deixar a Eldorado e ficar como rém, ninguém entendeu. “Você é
mas jeitoso, tinha espaço para to- previsora do Inmet e da Agência louca”, disseram os pais. “É, mas
dos os filhos. Nos fundos, em uma Estado, acompanhando também a passados esses anos todos, a gen-
sala, foi montada a infraestrutura evolução da Climatempo. te brinca que eu sou a louca que
básica para a Climatempo. “Eu deu certo.”
Para o seu lugar, Magno convidou
lembro que a gente pagava 30%
outra meteorologista. Josélia Pego- Apaixonada pelo canto, foi no coral
de tudo que recebia em aluguel da
rim trabalhava na TV Cultura, com da USP que uma amiga lhe falou de
casa, mas era um investimento”,
o grupo que fazia o serviço de pre- uma cobertura de férias na central
conta Magno. E aos poucos foram
visão de tempo por telefone da an- de meteorologia da TV Cultura. Ali
comprando a mobília: uma estante,
tiga Telesp, o 132. Ela assumiu o tudo começou. Josélia tomou gos-
um sofá, uma mesa e a grande
lugar de Ana Lucia durante as ma- to pela previsão. O serviço incluía
aquisição: um computador, artigo
nhãs em 1989, e com sua voz po- previsões do tempo para a tevê e
raro naquele momento. Nele, Mag-
tente e clara logo conquistou um para a rádio Cultura, além do servi-
no, que tinha alguma noção de in-
público fiel. ço telefônico do 132. Quando Ana
formática, começou a instalar pro-
Lucia resolveu deixar a rádio Eldo-
gramas. Josélia veio do Rio de Janeiro com
rado, o diretor do distrito, Silvio de
As dificuldades iniciais para traba- a família aos 11 anos. Ela é a se-
Oliveira, sugeriu seu nome para
lhar eram enormes. Uma linha tele- gunda de seis irmãos. Filha de ar-
Magno, e começou aí uma dura-
fônica era caríssima, um computa- quiteto, sua primeira ideia de pro-
doura parceria.
dor, equipamento fundamental fissão estava ligada à arquitetura.
para trabalhar, custava em média 4 Contudo, quando chegou a hora de Coincidência ou não, uma pisciana,
mil dólares. Na Santa Ifigênia, uma prestar vestibular, decidiu mesmo Josélia, substituiu outra pisciana,
rua de comércio atacadista de ma- pela matemática, outra paixão em Ana Lucia. “A estatística jamais vai
teriais e acessórios eletrônicos, no sua vida. Entrou na Universidade conseguir explicar como nesse
centro de São Paulo, Magno com- de São Paulo e foi lá que começou mundo, de repente, se juntam,
prou um fax de segunda mão da a estudar matemática aplicada, numa mesma empresa, duas pes-
NEC, outra grande novidade na que nada mais era do que usar a soas meteorologistas; a profissão
época e que também passou a fa- técnica e os conceitos matemáti- ainda é uma coisa rara: duas mu-
zer parte da estrutura. Por ele rece- cos e transformar isso em equa- lheres e duas meteorologistas, e
biam os dados e as fotos de satéli- ções, ou seja, modelagem numéri- que fazem aniversário no mesmo
tes que compravam do Inpe. ca. Até aí, Josélia não sabia quan- dia, Dia de São José, 19 de março.
to esse conhecimento seria útil. Um dia em que a crendice popular
Mas o período ainda era de incerte-
“Um dia eu estava andando pelo no Nordeste diz que, quando cho-
za econômica e nem o projeto vito-
campus e dei de cara com uma ve, o inverno vai ser bom.”
rioso da Nova Eldorado conseguiu
amiga. Ela fazia meteorologia”, re-
sobreviver à hiperinflação. Chegou Josélia começou a transmitir seus
lembra.
um momento em que a rádio não boletins direto do 7º. Distrito. Era a
tinha como sustentar os altos salá- Naquela época, início da década de primeira vez que entrava em um
rios pagos. Eles pediram para rene- 1980, Josélia não tinha noção do centro de previsão e foi ali que,
gociar o contrato. E fizeram isso já que era um curso de meteorologia. com os meteorologistas mais anti-
diretamente com a Climatempo. O Mesmo assim, foi assistir a algu- gos, aprendeu a elaborar a previsão
Inmet havia se afastado do negó- mas aulas, analisar o currículo e de tempo. “Na rádio, fui aprenden-
cio e a rádio passara a ser mais um chegou à conclusão que era muito do com o Magno a contar uma his-
cliente da nova empresa. Grávida interessante. Pediu transferência e torinha, de uma forma que as pes- 27
soas entendessem. No começo era cidade. Eu olhava para o céu e matempo fechou um acordo em
uma história muito quadrada, nada chorava: ‘Meu Deus, como eu errei que cabia à agência levantar os da-
a ver com a forma que faço hoje, tanto’. Sorte que não era tão co- dos, comprando-os de empresas
após 20 anos de aprendizado. Eu nhecida ainda”. estrangeiras ou por meio de convê-
estava saindo da faculdade, tinha nios com as instituições governa-
Com o tempo, o nome Josélia Pe-
algumas coisas na cabeça, mas mentais como Inmet e Inpe. Por
gorim tornou-se conhecido; a bela
prática nenhuma”, conta Josélia. outro lado, a Climatempo ficaria
voz da rádio Eldorado, sempre soli-
responsável pela recepção de fotos
Durante um bom período, Josélia citada quando o assunto era mete-
do satélite enviadas pelo Inpe. As
acumulou os dois trabalhos, na TV orologia. A prática dos boletins
imagens eram recebidas por um
Cultura e na rádio Eldorado. Uma trouxe também o traquejo de uma
fax, uma novidade, pois até então
época frutífera em que adquiriu a boa locução e a segurança neces-
as fotos vinham de ônibus de São
tão necessária experiência. Entre- sária, mesmo quando a transmis-
José dos Campos para a Agência
tanto, toda a prática do mundo não são não era gravada. “Eu lembro a
Estado. “Quando começou a Cli-
afastava os riscos de erro na previ- primeira vez que entrei ao vivo. Foi
matempo, o processo era bem ru-
são. Vale lembrar que se está fa- com o Jô Soares, que fazia um
dimentar: duas imagens por dia vi-
lando ainda do final da década de programa na rádio sobre jazz. Que-
nham de ônibus, via Pássaro Mar-
1980. “Eu faço parte de uma gera- riam que eu entrasse ao vivo por-
rom, até a compra do fax”, relem-
ção de profissionais, assim como que estava caindo uma tempestade
bra Magno. Já na Agência Estado,
Carlos Magno e Ana Lucia, que em São Paulo. Eu estava tremendo
as informações chegavam por meio
não tinha computadores nas nos- que nem uma louca. Ainda bem
de um modem e um sistema de
sas vidas. Nós aprendemos a fazer que deu tudo certo, fiz a entrevista
transmissão chamado Procon, uma
previsão na mão, na ponta do lápis pelo telefone.”
modernidade para a época.
e na borracha. Nós aprendemos a Josélia tem consciência da respon-
olhar e muito bem para o céu. É sabilidade de fazer uma previsão, Nesse momento eram três jovens
olhando para o céu, que é uma fo- ainda mais quando é divulgada pela meteorologistas trabalhando basi-
tografia, que também se faz uma rádio, com um poder enorme de di- camente para dois clientes, mas
previsão. A transformação do céu, fusão. Um erro pode prejudicar ainda baseados no distrito. E muito
das nuvens, informa muito sobre a muitas pessoas que confiaram mais do que fazer previsões de
condição do tempo.” nela. “O meteorologista que traba- tempo, eles passaram também a
Por isso que uma previsão errada lha com previsão tem relações deli- abastecer o noticiário dos jornais
podia ser muito dolorida. O meteo- cadas. Ele convive e vai conviver o para os quais trabalhavam, sugerin-
rologista não podia culpar máqui- resto da vida com o erro. Faz parte do pautas com temas inimaginá-
nas, computadores e modelos. Era do dia a dia. Todas as pesquisas e veis nas redações. Foi o que acon-
ele o principal intérprete do céu. estudos que são feitos servem para teceu na edição do dia 12 de maio
“Lembro que chorei uma vez por diminuir as margens do erro, mas de 1989 do Jornal da Tarde, quan-
conta de uma previsão errada. Eu elas existem e vão continuar a do “o tempo” virou notícia de ca-
estava de plantão na TV Cultura e existir até o fim.” derno de polícia.
na rádio, era um sábado, e eu dei A reportagem, escrita por Patrícia
uma previsão de que não iria cho- Õ Ferraz, da Agência Estado, estam-
ver, as nuvens que estavam em Em 1989, a parceria com a Agên- pava a manchete “Detetives do
Mato Grosso do Sul não iriam che- cia Estado ganhou fôlego. Para po- tempo”. Em destaque, uma foto do
gar a São Paulo. Bom, começou a der suprir todas as necessidades meteorologista Carlos Magno no
chover no sábado, e choveu o do- da AE com os jornais da casa e papel de Sherlock Holmes e o sub-
28 mingo inteiro a ponto de inundar a também com seus clientes, a Cli- título: “Os meteorologistas ajudan-
do a combater o crime”. Logo no São Paulo, e queria saber onde, no
início da matéria a explicação so- dia 8 de novembro de 1986, na
bre o trabalho desconhecido dos Grande São Paulo, havia trovejado,
meteorologistas: sem chover”, conta Magno. Nesse
caso foi impossível obter uma res-
“Consultando mapas e fotos de sa-
posta, pois, segundo o meteorolo-
télite, eles ajudam a resolver casos
gista, seria preciso uma estação
complicados. Muitas vezes, as
meteorológica em cada bairro para
condições do tempo numa determi-
ter essa informação.
nada hora ou local podem ser deci-
sivas para esclarecer um caso ”. Mas não era só nos jornais ligados
à Agência Estado que Carlos Mag-
Com certeza, poucos leitores deve-
no e Ana Lucia davam seus pita-
riam saber que o trabalho de um
cos. Revistas especializadas – des-
meteorologista pudesse estar liga-
de publicações destinadas a veleja-
do a intrincados inquéritos polici-
dores até revistas de cooperativas
ais. Magno foi um dos meteorolo-
de laticínios –, além de jornais de
gistas ouvidos pela reportagem e
todo o estado de São Paulo cada
lembrou-se de um caso marcante
vez mais incluíam a previsão do
em sua carreira, o sequestro do
tempo em suas edições.
banqueiro Antonio Beltran Marti-
nez: “Quando foi libertado, Beltran Mais experientes e com dois clien-
disse à polícia que no segundo dia tes na carteira da empresa, Magno
do sequestro ele ouviu um barulho e Ana Lucia sentiram que era hora
de trovões, sem chuva. (...) A polí- de largar de vez o serviço público e
cia acreditava que ele, o banqueiro, apostar todas as fichas na Clima-
havia ficado escondido na Grande tempo.
29
N
3
o fim de 1989, o Brasil vi- que eles decidiram pedir demissão A agricultura era uma opção natu-
via momentos de forte mo- do Inmet e investir no próprio ne- ral. Eles sabiam das possibilidades
vimentação política. gócio. “Eu saí primeiro e um mês dessa área; afinal, o Inmet era um
Em dezembro, depois de vários depois a Ana saiu também”, lem- órgão do Ministério da Agricultura.
anos de ditadura militar e de um bra Magno. “Na verdade, era para Por outro lado, no setor de comuni-
lento processo de redemocratiza- a Ana Lucia ter ficado mais um ano cação a demanda já estava aqueci-
ção, os brasileiros elegeriam pelo no Inmet, segurando as pontas da. A exemplo do Estadão e do JT,
voto direto o novo presidente do com um emprego fixo.” mais jornais demonstravam interes-
Na telinha da Globo
País, o alagoano Fernando Collor se em modernizar suas colunas de
Ambos sentiram, porém, que a
de Melo. Com fama de “caçador previsão do tempo. Rádios e tevês
demanda estava aumentando.
de marajás”, Collor prometia uma também passaram a se interessar
Além disso, nesse tempo, eles já
verdadeira limpeza em vários se- mais sobre o assunto.
tinham um fluxo de caixa para
tores, principalmente no serviço
montar um pequeno centro de Em meados de 1990, Magno divi-
público.
previsão do tempo, tanto na par- dia com Josélia os boletins diários
Para Carlos Magno e Ana Lucia te técnica quanto em volume de na Eldorado. A rádio, aliás, não dei-
também foi um período conturba- informação para a elaboração das xaria passar em branco uma data
do. A Climatempo já existia de fato previsões para o atendimento aos especial para os meteorologistas.
atendendo à rádio Eldorado e à clientes. “Nossa saída foi uma No dia 3 de março, a Eldorado
Agência Estado. Por causa disso, contingência. A gente já estava comprou três quartos de página do
as condições políticas de trabalho se preparando para sair, tanto caderno de esportes do jornal O
no distrito estavam mais difíceis e que havíamos alugado uma casa Estado de S. Paulo para prestar
ficava cada vez mais complicada maior”, lembra Ana. uma homenagem aos meteorolo-
essa dupla jornada. Em casa, no gistas de todo o País. O informe
A saída do Inmet foi de certa for- perguntava e, ao mesmo tempo,
sobradinho da rua da União, a roti-
ma um pouco traumática para am- dava a resposta: “Com que roupa
na familiar era dividida pelo casal:
bos. Apesar das boas relações cul- eu vou?” Os meteorologistas Car-
enquanto um estava no distrito, o
tivadas ao longo dos anos, Magno los Magno e Josélia Pegorim trans-
outro ficava responsável pelos ser-
e Ana viram as portas se fecharem mitem para os ouvintes da Nova El-
viços de casa e também pelas três
no que dizia respeito à obtenção de dorado AM os mais precisos bole-
crianças.
dados. As amizades, porém, foram tins do tempo. Depois de analisa-
Ao assumir, em 1990, Collor deu mantidas. “Quando o Magno e a rem fotos de satélites, massas de
início a uma série de demissões no Ana saíram, eles mantiveram con- ar frio vindas da Patagônia, altas e
serviço público. Até 1992, ano em tato. Nós respeitávamos a empre- baixas pressões, ciclones e antici-
que sofreria o impeachment, Fer- sa, afinal eles foram com a cara e clones, a melhor prestação de ser-
nando Collor afastaria mais de 100 com a coragem. Foram bem ousa- viço chega a você. Na sexta-feira,
mil funcionários. Outra determina- dos. O Magno saiu primeiro, ele es- eles sentem a torcida para que não
ção foi a de impedir que servidores tava cansado, trabalhando muito. apareçam cumulus, muito menos
públicos exercessem outra ativida- A gente sabia que era o momento com os nimbus. Hoje, 3 de março,
de na iniciativa privada. Essa foi a e que a tendência era de o merca- é o Dia do Meteorologista. Ouça,
deixa para Ana e Magno. do crescer”, conta a meteorologis- leia e veja o trabalho deles. No mí-
ta Neide de Oliveira, do INMET. nimo, você vai saber com que rou-
Ensaiando já há algum tempo a saí-
da do distrito, a determinação do Com a cabeça voltada somente pa sair”.
Governo Federal foi o empurrão para a Climatempo foi a hora de Como consultores do Grupo Esta-
que faltava. Foi nesse momento prospectar novos mercados. do, Ana e Magno deixaram de ser 31
identificados como previsores do gista se baseou na média das tem- edição de 20 minutos, com uma li-
distrito e começaram a ficar conhe- peraturas máximas observadas no nha editorial mais descontraída,
cidos como meteorologistas da Mirante de Santana, do 7º. Distrito mas com abrangência nacional, e à
Agência Estado nas matérias dos de Meteorologia de São Paulo” (...) noite um resumo das principais no-
jornais da casa, em um período em (O Estado de S. Paulo, 30/11/ tícias do dia. O novo formato per-
que crescia o espaço para esse 1990). mitiu algumas inovações importan-
tipo de informação: tes, pioneiras e que foram incorpo-
Victor, o filho mais novo, nasceu
radas definitivamente ao padrão
“A temperatura de 31,4 graus, em 24 de setembro de 1989 e já
global, como as entradas ao vivo
registrada às 15 horas de ontem estava com seis meses em 1990,
de vários pontos da capital e do in-
no Mirante de Santana, foi a mais quando o casal foi procurado pela
terior, o uso do helicóptero para
alta já ocorrida no outono paulis- Rede Globo, de São Paulo. O con-
acompanhar não só o trânsito da
tano desde a fundação da esta- tato foi feito por meio de Patrícia
cidade, mas todo e qualquer even-
ção de Santana, em 1944. Se- Ferraz, da Agência Estado. Ela
to de destaque, e a previsão do
gundo o meteorologista Carlos trabalhara durante anos na tevê e
tempo.”
Magno, do 7º. Distrito de Meteo- conhecia muitos jornalistas de lá.
rologia, a temperatura de ontem Carlos Nascimento, que nessa Para a edição executiva do projeto
chegou bem perto do recorde do época ainda fazia parte da emis- foi chamado o jornalista Amauri
último verão na capital: 32 graus, sora, pediu que Patrícia apresen- Soares, responsável pelo Bom Dia,
no dia 25 de janeiro. (...) O mete- tasse um projeto de meteorologia São Paulo. Soares lembra que foi
orologista Carlos Magno explicou ou indicasse um bom serviço. um período de grande efervescên-
que a massa de ar quente que Como os dados utilizados pela AE cia criativa na Globo e credita ao
está sobre o Sudeste veio do eram da Climatempo, Magno foi jornalista Carlos Nascimento o en-
Oceano Atlântico e entrou pelo então procurado para elaborar a tusiasmo para encaixar no projeto
Nordeste. Passou pela Região previsão dos telejornais paulistas o quadro do tempo. “Nascimento
Norte, Centro-Oeste e agora está e mais tarde também dos jornais era do interior, assim como eu, e
sobre o Sudeste. ‘Ela chegou Hoje e Nacional. “Em julho de como todo bom caipira gostava de
quente e úmida e agora está 1990, conseguimos o contrato acompanhar a previsão do tempo.”
seca, o que dificulta ainda mais a com a Rede Globo. Foi fabuloso.
penetração de frentes frias’, dis- Éramos meteorologistas previso- Carlos Nascimento tinha em mente
se Magno”. (O Estado de S. Pau- res e era com orgulho que a gen- o modelo norte-americano, com
lo, 07/4/1990). te via a nossa previsão ser difun- quadros, mapas, uma moça do
dida. Eu estava com 29 anos e tempo e uma meteorologia que já
“Este foi o novembro mais quente
Ana com 26”, relembra Magno. na década de 1990 estava bem à
dos últimos 30 anos na cidade. As
frente da brasileira. No começo, fo-
máximas registradas normalmente Naquele momento, o jornalismo da
ram feitos vários pilotos para se-
nesse mês são de 25,8 graus, em Rede Globo passava por uma pro-
rem apresentados ao mercado tele-
média, e este ano os termômetros funda reformulação com a criação
visivo. O quadro seria apresentado
chegaram a marcar 28,4 graus. de um novo telejornal local, o São
por uma moça do tempo, uma tra-
‘Foram 14 dias com temperaturas Paulo Já. Na verdade, o formato
dição norte-americana.
acima dos 30 graus’, informou o era uma experiência inovadora que
meteorologista Carlos Magno do a emissora pretendia implantar em Nos Estados Unidos, a divulgação
Nascimento, da Agência Estado. toda a rede nacional. O SP-JÁ, da previsão do tempo pela tevê co-
Segundo ele, isso indica que o ve- como ficou mais conhecido, tinha meçou em 1941, em Nova York,
rão poderá ser um dos mais quen- duas edições diárias e à tarde co- mas por um homem do tempo. Na
32 tes da última década. O meteorolo- briria o espaço do Jornal Hoje, uma época, a cidade contava com seis
mil aparelhos que recebiam as in- tentativa com a meteorologista meteorologistas – que nunca havi-
formações pelo canal NBT (atual Vera Malfa Pereira, no Bom Dia am tido qualquer contato com os
NBC) por meio de cartoons anima- São Paulo. Nessa nova fase, a pri- mecanismos da tevê – quanto para
dos pelo apresentador Woolly meira moça do tempo foi a atriz quem iria exibir o novo quadro. Por
Lamb. Ele sempre iniciava o quadro Silvana Teixeira, ex-apresentadora incrível que possa parecer, não ha-
cantando: “Está quente, está frio, do programa infantil Bambalalão, via ainda, no departamento de arte
está chovendo, está seco, mas eu, da TV Cultura. da TV Globo de São Paulo, um
Woolly Lamb, posso prever o tem- computador disponível para eles.
A ideia inicial não era a de fazer
po de amanhã”. O equipamento destinado à elabo-
um quadro hermético, e sim sua-
ração da previsão foi o primeiro do
Na Grã-Bretanha, a tradicional BBC vizar a forma de transmitir a pre-
departamento. Ana lembra que
iniciou seu quadro do tempo com visão. Silvana interpretava um pa-
todo o pessoal envolvido no qua-
um homem no comando. Em pel todos os dias: usava galo-
dro do tempo teve de aprender a
1954, George Cowling foi o primei- chas, guarda-chuvas e gorros
receber as fotos de satélite – que
ro apresentador da rede. para dar as informações que soa-
chegavam de três em três horas –
vam superficiais demais, prejudi-
A figura da moça do tempo surgiu e a fazer a animação em cima dos
cando a credibilidade. O resultado
nos EUA , em 1952, com Carol mapas. Segundo Ana, toda essa
não agradou nem ao público, nem
Reed, na CBS. Reed tornou-se parte de computação gráfica da
aos jornalistas nem aos meteoro-
musa do tempo e reinou durante Globo de São Paulo começou com
logistas. Outras moças do tempo
12 anos nas telas, sempre marcan- a previsão do tempo. “Até mesmo
viriam ocupar o seu lugar no de-
do suas despedidas diárias, com para os meteorologistas aquilo era
correr dos anos.
um breve have a happy day (tenha um sonho. O pessoal da Aeronáuti-
um dia feliz). Graças ao seu suces- Na Climatempo, os primeiros fun- ca me dizia: ‘prefiro ver a anima-
so várias emissoras passaram a ter cionários começaram a ser incorpo- ção da foto de satélite na Globo à
a sua moça do tempo. rados ao grupo para atender ao que eu tenho aqui’”.
novo cliente. Além de Josélia, que
Segundo o New York Times, em Um período de experimentação, na
era responsável pela rádio, foi con-
1962 cerca de 460 emissoras ti- visão de Amauri Soares. “Estava
tratada a meteorologista Márcia
nham um profissional específico tudo por fazer: linguagem, grafis-
Costa, que trabalhava na Infraero.
para cobrir essa área. Na década mos, computação gráfica, não ha-
Com a necessidade de adaptar a
de 1970, o formato profissionali- via nada. O quadro foi uma grande
rotina da empresa, Ana e Magno
zou-se e ganhou espaço no jorna- novidade para todos nós envolvi-
montaram um esquema que possi-
lismo. Com as inovações tecnológi- dos nele”, relembra Amauri.
bilitou a divisão de trabalho entre o
cas, nos anos de 1980, o quadro Outra preocupação inicial foi com o
grupo. Aos poucos, tudo ia se aco-
ganhou um visual moderno, com desenvolvimento do formato. Era
modando no sobradinho, agora
imagens do satélite, e as garotas preciso que os conceitos da meteo-
misto de lar e de empresa.
do tempo cederam espaço para os rologia fossem elaborados de for-
homens do tempo que então divi- No começo, Márcia ia para a Globo
ma clara, compreensível e ao mes-
diam com elas a responsabilidade na parte da manhã e Ana Lucia en-
mo tempo dinâmica. Assim, foi
de apresentar a previsão do tempo. trava à tarde, seguindo até a noite.
pensado o conceito de faixas para
“Cheguei lá e não sabia nem quem
No Brasil, a primeira moça a apre- a previsão do tempo. Isso signifi-
era o meu chefe. Disseram-me:
sentar um quadro na televisão bra- cou dividir o mapa do Brasil e de
‘você senta aqui, no departamento
sileira teria sido Albina Mosqueiro, São Paulo em faixas que compre-
de arte’”, conta Ana.
em 1969, na TV Cultura. Na déca- endessem tempos correlatos.
da de 1970, a Globo fizera uma Absoluta novidade, tanto para os “Aqui na área escura, que vai do 33
Rio de Janeiro até o Acre, o tempo tempo tinha uma lógica e que eles o tempo, os erros e os acertos. En-
será chuvoso.” não erravam tanto assim. “O tendemos que o tempo faz parte
Amauri Soares, por exemplo, que da vida das pessoas e assim tenta-
Essa forma de apresentar as dife-
era o editor, de repente começou a mos humanizar a informação, apro-
rentes áreas foi desenvolvida na
se interessar a escrever o texto da ximando o conteúdo da previsão
Globo e não se conhecia projeto
previsão. Ficamos amigos nesse ao dia a dia das pessoas”, explica
semelhante em nenhuma outra te-
período. Teve uma catequese den- Amauri.
levisão. Pensar o mapa do Brasil e
tro da redação. Aquilo foi crescen-
de São Paulo dessa maneira foi a O importante não era apenas divul-
do, se desenvolvendo e a gente ca-
solução para tentar passar o maior gar uma previsão, mas dar ao pú-
tivando o povo. Mas nós nunca
número de informações possível blico o direito de saber o que acon-
nos metemos na linha editorial”,
em um curto espaço de tempo. teceu e o que não aconteceu com
relembra Ana Lucia.
o tempo em determinado dia.
A criação de faixas de tempo co- Ana tem razão ao lembrar como foi ”A previsão erra e o erro também é
meçou pelo mapa de São Paulo. um lento processo de construção notícia. Quando compreendemos
Segundo Ana Lucia, para os mete- de credibilidade, tanto de conteúdo isso ficou mais fácil lidar com a im-
orologistas era um choque ver quanto do formato. “No começo, previsibilidade da previsão”, acredi-
aquele tipo de informação. “Eles di- eu como fechador do jornal tinha ta Amauri. Ele ressalta que esse
ziam: ‘como vocês têm coragem algumas preocupações em relação processo de assimilação acabou
de detalhar tanto a previsão?’. Não ao quadro do tempo”, confessa dando maior agilidade ao jornal, ao
era questão de coragem, a gente Soares. “A primeira era que tínha- colocar frente a frente uma família
tinha noção da correspondência de mos uma visão jornalística da pre- que deixou de viajar porque acredi-
cada área para cada previsão. Lógi- visão, não aceitávamos o erro, era tou na previsão de chuvas e o me-
co que a gente errava. A gente er- como se fosse um erro jornalístico, teorologista, cobrando explicações
rava uns cinco dias por mês. Mas queríamos alcançar a exatidão.” para o que realmente havia aconte-
era um jeito que a gente conseguiu Amauri também não conseguia ad- cido. “Colocávamos ao vivo para
de explicar com poucas palavras e mitir um quadro que pudesse en- falar do tempo na cidade, no cam-
uma boa imagem, muito clara, mui- gessar o jornal, colocá-lo em uma po e em especial nos feriados. O
to nítida, que no norte do estado ia camisa de força, sempre apresen- quadro deixou de ser engessado
fazer sol e no resto o dia poderia tado por uma moça do tempo. para ser dinâmico.”
começar com chuvas. As pessoas
Com o tempo, porém, ele, assim Amauri Soares relembra um episó-
se situavam naquele mapa sem
como todo o pessoal da tevê, per- dio típico dessa fase inicial. “Era
precisar ficar detalhando cada pon-
ceberam o equívoco: não dava um feriado prolongado, desses que
to. Nos Estados Unidos é assim.”
para exigir rigor e perfeição de uma toda a família se prepara para dei-
O trabalho diário na Globo, mesmo previsão; afinal, era uma previsão xar São Paulo e aproveitar o tempo
sendo um desafio, era muito praze- e, portanto, falível. Essa constata- livre para descansar. Na hora de di-
roso, em especial, nesse período ção mudou a percepção do quadro vulgar a previsão, um balde de
de implantação. “Era tudo muito e, mais do que isso, a partir dali foi água fria: o feriado seria de muita
criativo, novo e divertido, e foi um possível incorporar essa falibilida- chuva. Eu lembro que a gente ba-
trabalho de educação, porque os de, dando maior dinâmica à apre- teu muito nisso: ‘olha só, o tempo
jornalistas não acreditavam”, lem- sentação. Além das moças do tem- não vai ajudar, nem precisar sair de
bra Ana Lucia. Com o passar dos po, o próprio Carlos Magno come- casa’, e coisa e tal. Bom, no pri-
meses, porém, eles começaram a çou a participar dos jornais, sendo meiro dia do feriado, abriu um sol
ver que Ana Lucia e Magno eram entrevistado ao vivo quando a situ- intenso, um dia lindo. Choveu, mas
34 pessoas sérias, que a previsão do ação exigia. “Passamos a explicar foi de telefonemas para reclamar
da previsão. Aí colocamos o Mag- vida do paulistano. Pesquisas Espaciais (Inpe), no Vale
no ao vivo, para se explicar para do Paraíba”, registrava a matéria.
Por causa da seriedade das infor-
uma porção de telespectadores ira-
mações transmitidas ao público, o Problemas como esse não afeta-
dos, que tinham deixado de viajar,
espaço destinado a elas rapida- vam apenas a credibilidade da me-
acreditando na previsão. O interes-
mente cresceu. Ilustrações e info- teorologia brasileira, mas principal-
sante é que o Magno explicou que
gráficos nos jornais, entradas ao mente a população. A situação do
a frente fria tinha se desviado, que
vivo na rádio tornaram-se cada vez Inmet nesse período era crítica. O
pegou todos de surpresa, e no fim
mais frequentes. “A Globo come- escritório de Curitiba não repassa-
as pessoas foram entendendo o
çou a valorizar a meteorologia até va informações confiáveis, de acor-
que tinha acontecido.”
um ponto em que as pessoas co- do com a reportagem. Os equipa-
Por outro lado, a equipe da Clima- meçaram a notar: viravam para a mentos estavam com defeito e ha-
tempo, atuando diretamente na gente e diziam: ‘puxa, estou aqui via meses telefone e telex estavam
área de comunicação, logo perce- há três meses e nunca erraram cortados. No 8º. Distrito de Meteo-
beu quais eram as informações que uma previsão’. Na verdade, eles é rologia, em Porto Alegre, havia fal-
mais interessavam a cada órgão. que começaram a prestar mais ta de pessoal e de material por
Também logo assimilaram a lingua- atenção nelas”, relembra Magno. causa da falta de pagamento.
gem jornalística e entenderam o
que era notícia e o que era mera É fácil entender a opção da Rede Em 1991, um novo desafio para a
especulação. “Começamos a de- Globo pela Climatempo. A credibili- equipe da Climatempo: elaborar a
senvolver tudo. A linguagem jorna- dade das previsões feitas pelos previsão do tempo para o sóbrio e
lística da previsão do tempo na principais órgãos públicos andava aristocrático Jornal Nacional. O
tevê não existia no Brasil”, relem- em baixa, como mostra a reporta- sucesso do quadro do tempo nos
bra Ana Lucia. Mais do que isso: gem publicada pelo jornal Folha de jornais regionais de São Paulo ani-
perceberam que tudo o que esti- S. Paulo, em outubro de 1990. mou os executivos da emissora a
vesse ligado ao tempo era notícia e Logo na manchete, a polêmica: implantá-lo também em outras
se fosse tratada de forma adequa- “Meteorologia erra e chuva surpre- praças (nas edições regionais de
da virava destaque em jornal, rádio ende paulistano”. outros Estados) e no mais tradici-
ou tevê. onal e influente telejornal daquela
Nem Magno nem Ana estavam
época: o Jornal Nacional. “Come-
Com uma boa rede de dados e mais no distrito quando a matéria
çou tudo de novo: linguagem,
com a informação chegando com foi feita. Na reportagem ficava cla-
arte, apresentação... Começamos
facilidade, produziram boas maté- ra a estrutura precária do Inmet:
com um minuto e vinte segundos,
rias na Agência Estado, que eram “O distrito não conseguiu detectar
depois caiu para um minuto. No
reproduzidas pelo Estadão e por a existência de uma linha pré-fron-
fim, tínhamos de dar a previsão
uma rede de jornais em todo o Bra- tal, pois não recebe a fotografia do
do Brasil todo em cinquenta se-
sil, na Eldorado e na Globo. Se a satélite meteorológico GOES desde
gundos”, relembra Ana.
notícia era um tornado em Ribeirão sexta-feira passada. O equipamen-
Preto, eles logo aproveitavam a to receptor está quebrado em fase A introdução da previsão do tempo
deixa para ir além do factual, expli- de manutenção. Além desse equi- quebrou a hegemonia masculina do
cando como esse fenômeno se for- pamento, chamado de Unidade de noticiário. O jornal era apresentado
mara, as causas disso, enfim, da- Análise de Imagem ( UAI), o institu- até então pelos locutores Cid Mo-
vam um panorama completo da si- to também está sem um papel es- reira e Sérgio Chapelin, dois verda-
tuação. O mesmo caso quando ne- pecial que imprime a fotografia do deiros ícones na rede. Eis que para
vava no Sul do País ou quando satélite transmitida por telefone di- fazer companhia aos dois surge a
uma tempestade atrapalhava a retamente do Instituto Nacional de jovem figura da apresentadora, 35
atriz e futura jornalista Sandra An- chamava a atenção para o fato de quanto o Inmet garante 80% de
nenberg. “Ela foi a primeira figura outras emissoras também abrirem acerto nas previsões meteorológi-
feminina a aparecer diariamente, espaço para a meteorologia, como cas, a Climatempo contra-ataca
num quadro fixo, no JN.” Gravado a TV Bandeirantes e a TV Cultura; com a garantia de 85% de acerto.
em São Paulo e gerado para o Rio para o investimento que as emisso- A margem chega a 90% em esta-
todos os dias, o quadro do tempo, ras faziam e para o retorno do pú- dos como Rio de Janeiro e São
antes restrito aos paulistas, passou blico, sinal de que as informações Paulo, onde há mais informação”.
a fazer parte da rotina de milhões meteorológicas estavam se tornan-
E não era apenas o acerto nas pre-
de brasileiros. E Sandra, que já era do valiosas para o cotidiano.
visões que fazia da Climatempo
a moça do tempo do SP-JÁ, aos 23
“A meteorologia se torna cada vez uma empresa respeitada. A infor-
anos, assumiu o quadro em julho e
mais importante quando as pes- mação factual e histórica também
virou notícia em várias publica-
soas têm de planejar sua vida”, diz demonstrava a competência de
ções.
Ana Lucia de Macedo, que integra seus principais integrantes. Na Glo-
“Sandra Annenberg ganha a vida a equipe de meteorologistas da bo, por exemplo, tudo o que Carlos
falando de um assunto que até re- Globo. ‘E de dois anos para cá au- Magno sugeria como pauta parecia
centemente só era lembrado nos mentou a confiabilidade nesse tipo novidade até mesmo para os jorna-
elevadores, táxis e velórios. Ela de informação.’ Ana Lucia garante listas da emissora. Uma dessas
aparece três minutos por dia na que a precisão conseguida de “novidades” mereceu destaque até
tela da emissora, usando termos 1989 para cá não é ideal, mas já em uma coluna sobre televisão.
como área de instabilidade e fren- exibe 85% de chances de acerto.” Nela a experiente Sonia Abrão, na
tes frias. Em geral, está com só- (O Estado de S. Paulo, 27/7/1991) época colunista do extinto Diário
brios trajes de aeromoça. Também Enquanto novos caminhos se abri- Popular, chamava a atenção para
faz o máximo para dar as costas am para a Climatempo nos princi- uma matéria do SP-JÁ – 1ª. edição,
ao telespectador. ‘A notícia é o pais órgãos de comunicação do na qual Carlos Magno afirmou que
mapa, não eu.’ Mesmo assim, com País, o Inmet passava por dificulda- já havia nevado em São Paulo:
aparições rápidas no SP-JÁ e no des financeiras para manter os “Dez para a reportagem de Carlos
Jornal Nacional, coleciona mais po- centros regionais. Por isso, não Magno em que provou que já ne-
pularidade do que conseguiu com chega a ser estranha a reação da vou na avenida Paulista, décadas e
suas participações em vários pro- direção do instituto ao progresso décadas atrás, para espanto dos
gramas e minisséries.” (O Estado da iniciativa privada. O Inmet nun- apresentadores Carlos Tramontina
de S. Paulo, 27/7/1991) ca teria “digerido” muito bem a e Mariana Godoy. De fato, nin-
ideia de que uma empresa fosse a guém poderia imaginar!”.
No início, o formato do quadro no
escolhida para elaborar a previsão
JN causou certo estranhamento à Nesse dia, Magno lembrou que, em
do tempo da maior rede de televi-
apresentadora por ter de ficar prati- julho de 1925, o meteorologista
são do Brasil e as críticas logo vie-
camente de costas para o vídeo. Belfort de Mattos, responsável por
ram. “Nós não nos responsabiliza-
Sandra achava esquisito virar as um observatório meteorológico na
mos pela previsão do tempo do
costas para o telespectador. A di- avenida Paulista, registrou em suas
Jornal Nacional. A Globo, infeliz-
reção, porém, “achava que não, anotações a ocorrência de neve:
mente, não trabalha com dados
que eu tinha de levar o público até “uma forte névoa ia descendo da
oficiais”, estocou o chefe do Inmet
o mapa e mostrar onde estavam as encosta e a temperatura era de –3
no Rio, Luís Carlos Austin, em en-
coisas. Então, assim foi”. graus”.
trevista ao jornal O Globo. Carlos
Na mesma matéria sobre a moça Magno, porém, tinha uma resposta Na verdade, com o passar dos
36 do tempo da Globo, a reportagem simples, mas convincente: “En- anos já é possível dizer que não foi
exatamente neve. “Acredito que dente com um elemento meteoro- ficaram meio escondidos, com a
ele deve ter observado uma subli- lógico. A chuva veio varrendo todo Climatempo aparecendo apenas
mação de nevoeiro, com gotinhas o litoral norte de São Paulo naquele através de seus clientes mais ilus-
sólidas caindo no solo, de forma dia. Aí, quando cheguei na Globo, tres, Globo, Eldorado e Agência Es-
semelhante à neve”, segundo Car- o pessoal veio logo para cima para tado. “Para nós aquele momento
los Magno. Mas que foi muito pa- saber; mostrei o mapa para ver o não era importante; ainda éramos
recido, isso foi. “Caso contrário, o que estava acontecendo. Então fi- consultores, e nossas necessidades
Belfort de Mattos, que era um pro- zeram a reportagem, descrevendo eram pequenas”.
fissional muito sério, não teria feito como teria sido a trajetória do heli-
Aos poucos, porém, a Climatempo
esse registro”, conclui. cóptero entrando em uma nuvem
foi se tornando referência na pres-
de CB s.”
Em outubro de 1992, um trágico tação de serviços meteorológicos.
acidente de helicóptero, em Angra Com essas, entre muitas outras A partir de 1991, por exemplo, a
dos Reis, matou o deputado fede- passagens, a Climatempo, ao atuar empresa passou também a organi-
ral Ulisses Guimarães, sua mulher, na Globo, acabou abrindo espaço zar cursos especiais para velejado-
dona Mora, o senador Severo Go- para assuntos que pouca gente co- res. Em cinco aulas com duas ho-
mes e sua esposa e o piloto. O he- nhecia. Foi na telinha da Globo, por ras de duração, Ana Lucia transmi-
licóptero desapareceu no mar e o exemplo, que as primeiras informa- tia informações básicas que permi-
acidente comoveu o País. Ulisses ções dos radares meteorológicos tiam a um leigo prever, com boas
Guimarães ficou conhecido como foram ao ar. “Tinha história de ala- horas de antecedência, as várias
“Senhor Diretas” por sua exaustiva gamentos e a gente pegava os ma- surpresas que o tempo reservava
batalha pela volta das instituições pas dos pontos críticos com os ra- para os praticantes do esporte.
democráticas, entre elas a eleição dares do Departamento de Águas e Magno preparava os navegadores
direta para presidente da Repúbli- Energia Elétrica (DAEE), que na épo- para ler corretamente os instru-
ca; também ganhou destaque nos ca pouca gente sabia que existiam, mentos de bordo, como barômetro,
seus últimos anos de vida por atuar e mostrava os locais onde chovia higrômetro e termômetro, e asso-
como presidente da Assembléia mais forte”, conta Magno. ciá-los às dicas que a própria natu-
Constituinte de 1988. No ano se- reza oferecia.
guinte, seria o candidato do PMDB A partir daí, começaram a partici-
para a Presidência da República, par de outros eventos, como na No fim de 1992, o Brasil tinha ou-
nas primeiras eleições diretas após cobertura da Fórmula 1 ou fazendo tro presidente. Itamar Franco assu-
o regime militar. matérias para o Fantástico. “Ao miu o cargo após o impeachment
longo do tempo fomos fazendo de Fernando Collor de Melo, um
No dia do acidente, 12 de outubro,
grandes reportagens na área de momento traumático, mas enrique-
Carlos Magno ouviu a notícia no
meteorologia que eram reconheci- cedor na vida política brasileira.
rádio logo cedo e comentou na El-
das pelo jornalismo da Globo, cri-
dorado que ele poderia ter sido pro- Na Climatempo, entretanto, era
ando a ideia de que não dava mais
vocado pela chuva registrada no tempo de muita esperança e muito
para ficar sem esse tipo de infor-
local. “Havia várias hipóteses, mas trabalho. Um adesivo que trazia es-
mação.”
eu não tinha dúvida de que o piloto tampado “Eu acredito em previsão
entrou num paredão de CB s (cumu- Com três clientes de peso e os pés do tempo” chamava a atenção em
lus nimbus). E aí falavam: ‘mas no chão era o momento de assen- alguns carros de São Paulo. Uma
como vocês têm certeza disso?’ Eu tar as bases da Climatempo. A es- das primeiras estratégias de marke-
dizia que o radar estava mostrando tratégia montada no início era para ting da Climatempo, a empresa
uma linha muito forte, com turbu- que a empresa se firmasse como tentava, com a ação, atrair e cati-
lência, então a queda foi um aci- consultoria. Por isso, no começo, var o público. O adesivo marcava, 37
contudo, uma primeira fase de
consolidação da empresa. Fase em
que a Climatempo estendia sua
consultoria para outras áreas,
como seguradoras, navegadoras,
comércio, indústria de produtos sa-
zonais, como roupas, e já atingia
um faturamento mensal de 7 mil
dólares. “A Climatempo investe
10% de seu faturamento em tec-
nologia”, afirmava Magno, e com
isso podia atender melhor o merca-
do ainda em expansão.
38
N
4
os primeiros quatro anos era em casa, ficava mais fácil. do no sobradinho já não compor-
de vida, a Climatempo foi tava a Climatempo. Decidiram en-
Apesar da correria, era um esque-
ganhando espaço na área tão voltar a morar no apartamen-
ma bastante cômodo para os dois.
de consultoria. Como empresa pri- to e deixar a casa apenas para a
“A Ana dava atenção pela manhã e
vada, não tinha concorrente, era empresa. Sinal de progresso, iní-
eu, à tarde, pegava a criançada,
uma alternativa aos serviços mete- cio de uma empresa com nome e
colocava para ver tevê ou fazer li-
orológicos governamentais que não endereço exclusivos.
ção, e descia para o nosso centri-
tinham estrutura capaz de atender
Abrindo espaço
nho para terminar algum trabalho. Foi nessa época que um jovem me-
individualmente às necessidades
Fim de semana a mesma coisa”, teorologista carioca veio se juntar
específicas do mercado. Entretan-
conta Magno. ao time da Climatempo. André Ma-
to, chegou um momento que isso
Nos quatro primeiros anos da Cli- deira formou-se em meteorologia
já não bastava. Carlos Magno e
matempo praticamente não tive- pela Universidade Federal do Rio de
Ana Lucia não queriam mais de-
ram um dia de folga, nem mesmo Janeiro ( UFRJ), em 1991, o único
pender apenas de alguns clientes.
aos domingos. “Meu expediente de meteorologista de uma família de
Queriam mais. Queriam uma em-
mãe era bastante volumoso; com médicos. A mudança de rota, se-
presa forte que fizesse muito mais.
três filhos pequenos, tudo era mui- gundo Madeira, deveu-se ao inte-
“Éramos bons consultores, mas
to braçal. Mas tinha de trabalhar resse por esportes náuticos, que
queríamos uma empresa que fosse
até dez da noite na Globo e acor- dependem das condições do tem-
contínua e não dependesse apenas
dar de manhã para dar café para os po. “No colégio tinha um colega
da Eldorado, da Agência Estado e
filhos. Eu ia muito no piloto auto- que gostava de barco à vela e fa-
da Globo”, relembra Magno.
mático”, relembra Ana. lou do curso de meteorologia e eu
Ainda nesse período a vida familiar me interessei.”
estava muito atrelada à empresa. Vinte anos depois, Magno acredita
que, apesar do esquema rigoroso, Durante a faculdade estagiou na
Foi preciso adequar a rotina; afinal,
deu para educar bem os filhos. Se- Diretoria de Hidrografia e Navega-
eram dois meteorologistas na mes-
gundo ele, Bebel, Marcos e Victor ção ( DHN ), serviço de meteorologia
ma casa, com plantões, escalas e
nunca reclamaram da vida regrada, da Marinha brasileira, e depois de
filhos para cuidar. O jeito era fazer
pontuada pelo trabalho ininterrupto formado passou pelo Inmet do Rio.
uma escalinha. Pela manhã, Carlos
dos pais. Mesmo assim, nenhum Foi quando surgiu a oportunidade
Magno era responsável por atender
quis seguir a carreira dos dois. Be- de trabalhar na Climatempo. “O
a Globo. Ia para a emissora e lá
bel foi fazer pedagogia, Marcos, Magno estava precisando de gente
elaborava a previsão para o Bom
engenharia ambiental, e Victor é para trabalhar e eu resolvi mudar
Dia São Paulo e o SP-JÁ. Enquanto
estudante de Direito. “Eles viram a para São Paulo. Lembro que a em-
isso, Ana cuidava dos filhos. Na
empresa crescer, trabalharam presa funcionava em uma sala pe-
hora do almoço, deixava-os na es-
como boys, cresceram junto com a quena, a gente ficava meio escon-
cola e ia para a Globo. De casa,
empresa. A gente costuma dizer dido. Quando cheguei a Josélia já
Magno entrava na Eldorado e aten-
que tem quatro filhos: Bebel, Mar- trabalhava na empresa, mas fazia a
dia aos clientes da Agência Estado,
cos, Climatempo e o Victor.” Eldorado. Eu vim para ajudar a
e haveria tempo ainda para procu-
atender a TV Globo”, relembra.
rar mais clientes para a empresa. A casa-empresa da rua da União
Fim de tarde, pegava os filhos na foi, aos poucos, ficando pequena Na época, André namorava uma
escola, dava banho, jantar, o leiti- para as duas atividades. No fim outra futura meteorologista, Patrí-
nho da noite e não terminava o ex- de 1992, perceberam que tinham cia, que um pouco mais tarde viria
pediente sem antes transmitir o úl- de contratar mais gente. O pe- a fazer parte da equipe. Já como
timo boletim da rádio. Como tudo queno centro de previsão instala- meteorologista da Climatempo, An- 39
dré conta que mesmo no começo a o editor e ele escrevia o texto. Outra ousadia foi investir numa
empresa tinha um ritmo acelerado. Com o tempo ele mesmo fazia os nova tecnologia que engatinhava
“Atendíamos ao mercado cafeeiro, textos que eram apenas revisados. ainda no Brasil: o BBS, sigla de Bul-
alguns jornais, fora os clientes prin- No período da tarde, Madeira fica- letin Board System, que nada mais
cipais. A gente não parava, sempre va responsável por clientes de vá- era do que um computador ou vá-
tinha coisa para fazer.” rios setores e de vez em quando rios ligados a um modem de linhas
fazia a previsão para a Agência Es- telefônicas para receber bancos de
André Madeira guarda na memó-
tado. “Cada vez mais, o Magno es- dados. O embrião da Internet.
ria o primeiro dia em que foi para
tava envolvido na divulgação da
a Globo para conhecer o local e Com mestrado em poluição atmos-
empresa e na captação de novos
se familiarizar com a elaboração férica, Patrícia logo mudou seu
clientes; precisava da gente para
do quadro. A ideia era apenas foco de interesse para a previsão
cuidar dos que já estavam lá.”
acompanhar Magno. “Aí, chega- do tempo. Na equipe, participava
mos lá, o Magno me apresentou Com o crescimento da empresa, dos plantões montados para aten-
para o pessoal e disse que ia to- mais gente foi integrada à equipe. der o serviço 0900 e também a cli-
mar um cafezinho. Não apareceu No fim de 1993, foi a vez de Patrí- entes novos como agricultores e
mais, ele foi embora e me deixou cia Madeira, que namorava André antigos como a Agência Estado.
lá, sozinho. Acho que já confiava desde o Rio de Janeiro e passou a Um novo filão também despontava
em mim... e a previsão devia ser fazer parte do grupo depois de nesse momento. As produtoras de
fácil naquele dia.” uma temporada na Alemanha, vídeo começaram a perceber a uti-
onde cursou o mestrado. Paulista, lidade da previsão para programar
Dali em diante, não teve mais
mas com sotaque carioca, Patrícia gravações. “Montamos um serviço
problemas, a Globo passou a fa-
chegou em um momento de forte para elas; a gente mandava a pre-
zer parte da rotina. André ia de
demanda por previsão do tempo e visão via fax com uma foto de sa-
madrugada para a tevê e passava
também às vésperas de um ano télite colada”, lembra Patrícia.
a previsão para os editores. Para
emblemático para a empresa. “Muitas produtoras precisavam de
ele não era difícil atender a Glo-
bo. Havia cobrança, claro, mas Em 1994, ela e André se casaram. uma espécie de laudo, uma docu-
isso fazia parte. Foi ali que perce- Foi aí que uma ficha caiu na cabe- mentação que comprovasse que a
beu que aqueles que cobravam ça de Magno. “Bom, agora já não filmagem teve de ser adiada por
uma previsão acertada eram os somos apenas eu e a Ana, temos causa do tempo.”
que mais prestavam atenção ao funcionários, temos famílias que Mas o serviço mais procurado era
trabalho do previsor e gostavam dependem da empresa.” A Clima- mesmo o 0900, uma aposta feita
da meteorologia. Quem não se in- tempo já não era apenas uma em- por Magno, que brigou para conse-
teressava, não ligava, não fazia presa de fundo de quintal, agora guir linhas de telefone para implan-
questão de saber se houve acerto dominava todo o sobradinho e con- tá-lo. “Nós escrevíamos um texto e
ou erro. Ele confessa que, passa- tava com uma equipe de sete me- gravávamos no telefone. As pesso-
dos mais de 15 anos na Clima- teorologistas. as discavam o número e um menu
tempo, ainda fica deprimido interativo possibilitava que ela ti-
Magno e Ana já buscavam cami-
quando erra a previsão e lembra vesse a previsão para a sua região:
nhos novos, como a implantação
uma frase que Ana Lucia sempre ‘Disque 1 para Região Sudeste,
de um serviço de telefonia 0900,
repetia: “Tempo bom para o me- disque 2 para Região Sul...’”, re-
coqueluche na época, e que forne-
teorologista é quando acerta a lembra Patrícia.
cia previsão do tempo durante
previsão”.
todo o dia, atualizada de três em Foi um sucesso: o custo da ligação
40 No começo, passava os dados para três horas. era alto e por isso o retorno era lu-
crativo, o que impulsionou a Clima- plantar o sistema. Primeiro com- imagens de satélite, a Climatempo
tempo. Os boletins eram gravados prou uma linha, depois mais uma ainda precisava travar batalhas diá-
na própria empresa desde as seis e depois mais três. O BBS funcio- rias para poder atender aos clien-
horas da manhã até a meia-noite. nava com um software que arma- tes. A parceria com os principais
“Nunca vou esquecer como era frio zenava informações; a pessoa in- órgãos do Governo, como Inmet e
no sobradinho da rua da União. teressada acessava pelo telefone Inpe, não assegurava a disponibili-
Uma vez estava um frio de rachar esse banco de dados e escolhia o dade de dados no volume necessá-
e eu tinha de gravar o último bole- que mais lhe interessava, como rio. Era preciso recorrer a empresas
tim do 0900 faltando quinze minu- fotos de satélite para a região Su- como a TASA (aquela mesma em
tos para a meia-noite. Estava tão deste, por exemplo. que Magno começou sua carreira),
frio, tão frio que mal conseguia fa- a institutos universitários, como o
Esse tipo de serviço era pago e
lar. Praticamente congelei”, lembra Instituto de Astronomia, Geofísica
logo agricultores, aviadores, pú-
Patrícia. e Ciências Atmosféricas ( IAG/USP ),
blico ligado às produtoras passa-
e o Centro de Pesquisas Meteoro-
Uma outra novidade foi o BBS, que ram a ser assinantes. Com o BBS
lógicas e Climáticas Aplicadas à
fazia muito sucesso nos Estados e o 0900, a Climatempo dava um
Agricultura (C EPAGRI/UNICAMP ), e
Unidos e estava chegando ao Bra- enorme passo para deixar de ser
também a fontes estrangeiras de
sil. Para conseguir montar esse ser- apenas uma empresa de consul-
dados, como a norte-americana
viço Magno contou com dois par- toria e passar a ser uma empresa
AccuWeather.
ceiros muito especiais. Um deles de comunicação. Para divulgar os
foi sua mãe. Ele jamais vai esque-
cer o carinho de dona Alice, que,
novos serviços contaram com Õ
dois clientes mais antigos: anún-
se um dia teve dúvidas sobre a me- cios da rádio Eldorado e também O ano de 1994 seria emblemático
teorologia não ser muito segura, já no Estadão. para a meteorologia brasileira.
nessa época empenhava-se para Finalmente depois de anos de ne-
Logo virou notícia:
contribuir para o sucesso da em- gociação e pesquisas o Brasil teria
presa. Foi ela quem deu o aporte “O canal Climatempo de BBS ofe- um moderno centro de previsão do
financeiro para a montagem do rece imagens de satélite atualiza- tempo, dotado de um supercompu-
BBS. “Minha mãe, atendendo a um das de meia em meia hora. Quem tador capaz de realizar as compli-
pedido meu, trouxe cinco mil dóla- for assinante desse serviço – ope- cadas equações numéricas. O Cen-
res de ônibus do Rio de Janeiro a rado pelo meteorologista Carlos tro de Previsão do Tempo e Estu-
São Paulo e me entregou em mãos Magno do Nascimento – ganha um dos Climáticos ( C PTEC) começou a
para comprar os computadores, as soft-ware de animação de imagens ser gestado na década de 1980,
primeiras linhas telefônicas e colo- que faz as nuvens literalmente ca- após a criação do Centro Europeu
car aquilo que viria a ser 30% do minharem sobre o campo, na tela de Previsão do Tempo a Médio Pra-
faturamento da empresa, porque o de um computador. Esse sistema zo (ECMWF). Nessa época, a comu-
maluco do filho dela tinha achado também informa sobre o vento e a nidade científica e o governo brasi-
um sistema para a gente ‘pulveri- pressão do ar.” (O Estado de S. leiro já tinham consciência da ne-
zar’ a informação meteorológica.” Paulo, 06/6/1994) cessidade de tirar o atraso do País,
em relação à previsão do tempo.
No início era um serviço simples, Todo esse esquema, porém, não
Países mais avançados já domina-
precário em termos de tecnolo- seria possível sem a fonte primária
vam há anos a elaboração de prog-
gia. O próprio Magno montou a para tudo, ou seja, os dados. Ape-
nósticos com o uso de supercom-
primeira versão do BBS, comprou sar de ter uma boa infraestrutura
putadores.
um livro e, como era um bom para captação da informação, e até
programador, não foi difícil im- um equipamento para recepção de Inicialmente, o C PTEC seria im- 41
plantado ao lado do Instituto Na- sensoriamento remoto. Na década grande revés. Aconteceu tudo ao
cional de Meteorologia, em Brasí- de 1980, é integrado ao Ministério mesmo tempo, como a quebra de
lia; porém, por causa da tecnolo- de Ciência e Tecnologia ( MCT ). um encanto, do ritmo seguro do
gia dos supercomputadores, que crescimento.
Do Inpe são geradas as imagens de
exigiria maior qualificação para
satélite que ajudam a elaborar as Ao longo de 1994, o serviço
sua operação, a responsabilidade
previsões do tempo. No Brasil, a 0900, que era muito rentável para
de instalação do centro ficou para
maior parte dessas imagens é cap- a empresa, passou a sofrer uma
o Instituto Nacional de Pesquisas
tada pelo satélite geoestacionário série de ações na Justiça. Não
Espaciais (Inpe), com sede em
norte-americano Goes ou então contra a Climatempo, mas contra
São José dos Campos, e um pré-
pelo similar europeu Meteosat. esse tipo de serviço. Muitos se uti-
dio em Cachoeira Paulista, no in-
lizavam dele para ganhar dinheiro
terior de São Paulo. E foi justamente pela sua posição
ilicitamente, abusando da boa-fé
de ponta na pesquisa científica es-
Em 1986, um decreto editado de quem ligava para determinado
pacial e ambiental que coube ao
pelo então presidente José Sar- número. Quem não se lembra do
instituto a implantação do primeiro
ney deu ao Inpe a competência astrólogo Walter Mercado, com
centro de previsão do tempo da
para atuar na área de modelagem seu famoso “Ligue já!”, que levava
América Latina. O C PTEC inaugurou
numérica operativa, devendo re- milhares de pessoas a acessar via
um novo período da previsão cli-
passar os modelos rodados a to- 0900 suas previsões astrológicas?
mática e do tempo com a chegada
dos os órgãos ligados à meteoro- Ou então serviços de disque-sexo
do primeiro supercomputador japo-
logia brasileira. que se transformaram no terror de
nês ao Brasil. Com ele, foi possível
pais endividados.
O Inpe nos anos 1980 já era consi- gerar previsão numérica, primeiro
derado um dos principais institutos para os órgãos ligados ao governo Esses e outros casos levaram a
de pesquisa brasileiros, responsá- e mais tarde também para o públi- Justiça brasileira a proibir o 0900.
vel pela produção de ciência e tec- co interessado nesse tipo de infor- A medida prejudicou alguns seto-
nologia nas áreas espacial e do mação. Além disso, manteve como res, caso de agricultores e navega-
meio ambiente. uma de suas principais funções a dores que só dispunham do serviço
pesquisa na área de meteorologia. telefônico para obter uma previsão
Tudo começara em 1961, quando
do tempo confiável.
foi criado o Grupo de Organização Segundo Maria Assunção Faus da
da Comissão Nacional de Ativida- Silva Dias, atual diretora do C PTEC, O fato é que, com a proibição do
des Espaciais (Gocnae), o embrião o objetivo não é competir com ou- 0900, toda a infraestrutura monta-
do que viria a ser o Inpe. Dois anos tros órgãos, inclusive da iniciativa da na Climatempo, com computa-
depois, o Gocnae virou a Comissão privada, mas prover a sociedade da dores e linhas telefônicas dedica-
Nacional de Atividades Espaciais previsão numérica. “Com o C PTEC, das ao serviço, precisou ser repen-
(Cnae), que só em 1971 seria ex- houve um avanço espetacular. O sada. Foi um período desgastante,
tinta, com a criação do Inpe. Brasil venceu um atraso de mais de em que ocorreram as primeiras de-
20 anos e hoje somos procurados missões.
Ainda na década de 1960, teria iní-
por centros do mundo inteiro em
cio o programa de meteorologia Como se isso não bastasse, outro
busca de informações”, avalia Ma-
por satélite, com a recepção de duro golpe viria quase ao mesmo
ria Assunção.
imagens meteorológicas e as ativi- tempo. Um assalto ao sobradinho
dades em sensoriamento remoto. Enquanto o País crescia em pro- da rua da União deixou a empresa
Em 1979, o instituto passou a ser gressão tecnológica, com seu su- praticamente no chão. Os ladrões
o responsável pelo desenvolvimen- percomputador japonês, a Clima- entraram na empresa durante a
42 to de satélites de coleta de dados e tempo enfrentava seu primeiro noite e levaram tudo. A primeira a
notar algo de errado foi Patrícia dos clientes”, lembra Rogério. oferecido pela Climatempo atiçou
Madeira, que chegava às 6 horas sua curiosidade. Por coincidência,
“Ver aquele cenário de fios revira-
da manhã. Ao tentar abrir a porta o telefone fornecido pelo rádio indi-
dos, sem nenhum computador para
com a chave, notou que já estava cava que eram praticamente vizi-
trabalhar, nos fez mais fortes ain-
aberta. Viu também mesas revira- nhos. Não demorou muito para Ro-
da”, avalia Magno. A palavra de or-
das na sala. Sem saber o que fa- gério ligar e agendar uma visita
dem era recomeçar.
zer, e com medo de que alguém para conhecer sua infraestrutura,
ainda estivesse por lá, tratou de li- As consequências do assalto só em especial o BBS. “Eles tinham o
gar para o Magno. Ele lembra não foram mais desastrosas por- básico, mas precisavam de ajustes;
como foi. “A Ana estava passando que, bem ou mal, a consultoria como eu fazia justamente isso,
uma temporada com os pais em prestada para os três grandes cli- passei a prestar um serviço sem
Natal e não chegou a ver o estado entes não foi afetada, e a Clima- compromisso. Passou um tempo e
em que ficou a empresa. Coloca- tempo pôde manter uma fonte de eu comecei a desenvolver um sis-
ram um caminhão na porta e leva- renda. Agência Estado, Globo e El- tema mais elaborado para o BBS”,
ram tudo, computadores em que dorado continuaram a ser atendi- relembra.
estavam instalados o BBS, telefo- das normalmente, mal perceberam
as trovoadas e os raios que caíram Com o tempo, também, Rogério foi
nes, fax. Perdemos praticamente
sobre a Climatempo. conhecendo as pessoas, fazendo
tudo”, lamenta Magno.
parte do dia a dia da empresa e cri-
Outro que foi pego de surpresa Aos poucos, novos equipamentos ando mecanismos que facilitaram e
foi Rogério Leite. “Uma coisa foram comprados, principalmente otimizaram o uso do BBS. “O Ro-
bem estranha, porque eu e o para reerguer o serviço de BBS, in- gério começou a dar toques impor-
Magno tínhamos ficado até tarde dispensável naquela altura do cam- tantes para deixar o nosso sistema
na Climatempo, mexendo no peonato. Os novos computadores mais eficiente. Acabamos ficando
BBS, e aí logo cedo me ligam rodavam um software muito sim- amigos. No começo era sem com-
contando do assalto.” ples, apenas o básico para gerar in- promisso, mas com o tempo vi que
formações para uma clientela fixa. era fundamental ter alguém que
Foi preciso muita garra e um es-
Mas o mercado para o sistema entendesse do assunto. Ofereci
forço coletivo para recomeçar,
BBS continuava muito aquecido, uma quantia pelo serviço e ele to-
pois a empresa não tinha seguro
exigindo um desenvolvimento tec- pou. Era um excelente programa-
contra roubo. Para reerguer a Cli-
nológico cada vez maior. dor que começou na informalidade
matempo, Patrícia emprestou um
computador pessoal, o mesmo Quem daria o suporte técnico ne- e tornou-se essencial”, relembra
que estava usando para escrever cessário para alavancar novamente Magno.
sua dissertação de mestrado. Ro- o BBS seria um aficionado por
Rogério passou a criar maneiras
gério emprestou mais dois, e ain- meio ambiente, astronomia e mete-
de facilitar a vida dos meteorolo-
da outros funcionários trouxeram orologia, além de especialista em
gistas, softwares e programas
seus computadores de casa. Tecnologia da Informação. Rogério
que possibilitavam receber muitas
Magno passou tempos dormindo Leite conheceu a Climatempo por
informações ao mesmo tempo e
na empresa. Toda a programação mero acaso. Uma vez, ouvindo a
processar esses dados de forma
do BBS precisou ser refeita, toda rádio Eldorado prestou atenção a
rápida e concisa.
a Climatempo precisou ser reer- uma chamada de divulgação da
guida. “Lembro que colocamos empresa. Ele estava justamente Em 1994 o satélite norte-america-
um aviso na telinha do BBS provi- trabalhando no desenvolvimento no sofreu uma pane. Por sorte, os
sório, falando do assalto. Recebe- de equipamentos para a recepção pais de Ana Lucia, seu Juvenal e
mos várias mensagens de apoio de imagens de satélite, e o serviço dona Atala, estavam na Inglaterra, 43
e Magno pediu que trouxessem o BBS consolidava seu público e, ROM contando a história da Segun-
uma estação de recepção do satéli- pela novidade do serviço, chamava da Guerra Mundial. Carlos Magno
te europeu Meteosat. “Quando seu a atenção da mídia especializada deu valiosas informações sobre a
Juvenal estava estudando na Ingla- em informática: importância dos conhecimentos da
terra eu pedi a ele que comprasse previsão do tempo para o planeja-
“Graças a uma antena de recepção
um equipamento de recepção de mento de um dos mais importantes
de imagens, o BBS fornece a seus
satélites. Naquele momento, o sa- momentos da guerra: o desembar-
usuários fotografia de toda a Amé-
télite norte-americano Goes havia que dos aliados na Normandia, que
rica, Canadá, Europa, África, Orien-
entrado em colapso e, no Brasil es- ficou conhecido como o Dia D. No
te Médio e Austrália. ‘Entre nossos
távamos utilizando o METEOSAT . dia 6 de junho de 1944, 155 mil
150 assinantes, estão pescadores,
Esse tipo de equipamento nos daria homens das forças aliadas desem-
agricultores e agências de publici-
uma vantagem competitiva em re- barcaram nas praias da Normandia,
dade’, informa Carlos Magno do
lação a todo o mercado”, conta na França, dando início à libertação
Nascimento, sysop (operador de
Carlos Magno. “Montamos no da Europa do domínio nazista.
sistemas) da Climatempo. Segundo
quintal da casa da rua da União. O ataque rápido e certeiro só pode-
ele, as previsões de tempo propria-
Era divertido, porque era tudo im- ria acontecer durante o verão euro-
mente ditas são direcionadas às
provisado.” peu.
necessidades de seus usuários.”
Porém, o tempo no sobradinho da (O Estado de S. Paulo, 13/02/1995) Em outro front, na Eldorado, José-
rua da União tinha se esgotado. lia segurava os boletins e já come-
Era preciso voltar a crescer, e um “Os sistemas de mensagens, ou
çava a ser identificada como a
BBS s, encontram novos nichos de
sinal de que aquele ano turbulento “moça do tempo” da rádio e por
tinha chegado ao fim foi a mudan- mercado e oferecem agora servi-
fim, na Globo, o quadro do tempo
ça da sede da Climatempo para ços especializados. O BBS Clima-
ganhou tamanha credibilidade que
uma outra casa, na rua Baltazar tempo tem um serviço de meteoro-
foi definitivamente incorporado ao
Lisboa, sempre na Vila Mariana. logia que cobre 80% do planeta.
padrão Globo de qualidade.
“A mudança para a Baltazar Lisboa Trabalha com informações cedidas
foi marcante para a gente. Era um pela Marinha, Aeronáutica, boletins Em 1995, a emissora chegou a
sinal de que a empresa estava e fotos de satélite. Segundo o sy- comprar um software de meteoro-
crescendo. Na rua da União a casa sop, Carlos Magno, 40% dos usuá- logia para melhorar ainda mais a
era grande, mas tinha pouca gente; rios são agricultores, 30% são na- transmissão da previsão do tempo.
na Baltazar, a casa era menor, mas vegadores, 10% são estúdios de Um ano depois, mais uma novida-
já éramos muitos. A Gilca Parma fotografia e 20% são curiosos, em de. A maior rede de televisão do
trabalhava em uma mesa atrás da 350 cadastrados. A assinatura País apostaria na credibilidade e no
porta!”, relembra Patrícia. “Mas o mensal é de R$30.” (Jornal da Tar- carisma de um meteorologista para
grande problema da Baltazar foi de, 06/6/1995). apresentar o quadro do tempo do
mesmo o cigarro. De resto, a mu- Jornal Nacional.
Apesar do trabalho interno para
dança foi para melhor...” ampliar a Climatempo, Ana Lucia e
Em 1994, a Climatempo tinha um Magno não descuidavam um só
faturamento anual de 150 mil dóla- instante dos demais clientes. Na
res, nove funcionários e equipa- Agência Estado continuavam fir-
mento informatizado – cinco com- mes no posto de meteorologistas,
putadores dotados de sofwares inclusive participando de outros
para fax e telex –, além de uma trabalhos desenvolvidos pela agên-
44 antena parabólica. Enquanto isso, cia, como a produção de um CD-
H
5
á duas semanas, um ra- assunto, inclusive no Jornal Nacio- enfrentou qualquer conflito com a
paz de ar grave, óculos nal. Aí me chamaram para fazer Globo. “A Josélia Pegorim passou
de grau e uma calvície um teste para o Bom Dia Brasil, a prestar serviço para a Bandeiran-
pré-acentuada revela aos telespec- com o Renato Machado. Fiz, e eles tes, pois a Globo não pedia exclusi-
tadores do Jornal Nacional se o dia gostaram”, lembra Magno. vidade, apenas queria que eu e a
seguinte será de sol ou de chuva. Ana continuássemos como meteo-
O convite feito a Magno foi a coro-
O meteorologista Carlos Magno, rologistas”, relembra Magno.
ação de um trabalho desenvolvido
34 anos, confessa que ainda não
O homem do tempo
por ele e por toda a equipe da Cli- Quando foi convidado para ser o
encara as câmeras com tranquilida-
matempo ao longo de seis anos homem do tempo, Magno achou
de, mas está gostando da experi-
nos jornais locais da rede: o Bom que seria para o Bom Dia Brasil,
ência.
Dia São Paulo e o São Paulo Já. para o qual fizera o teste. Não foi
Essa foi a descrição feita pelo jor- “Nesse ponto já conhecíamos toda bem assim. “Numa quinta-feira me
nal O Globo do novo homem do a estrutura da Globo, da pauta até chamaram para conversar com o
tempo do JN que, em 1996, subs- a edição. Então a gente oferecia Roberto Muller, diretor de jornalis-
tituiria as belas moças do tempo. muitas matérias: vai chover forte mo da Globo em São Paulo. Na
no Rio Grande do Sul, e eles acio- sexta-feira estreei no Jornal Nacio-
Carlos Magno fez parte das profun-
navam a RBS (afiliada da Globo no nal, com o editor-chefe escrevendo
das mudanças pelas quais passou
Sul do País). Éramos fonte de infor- o texto para mim.”
o tradicional jornal da Rede Globo.
mação, de confiança, e posso dizer
A principal delas foi a troca de As reações foram imediatas. No
até imprescindíveis para o esque-
apresentadores. Deixaram a banca- mesmo dia, o consultor da Globo e
ma da emissora.”
da Cid Moreira e Sérgio Chapelin, ainda todo-poderoso José Bonifá-
dois ícones do JN, substituídos por Tanto é verdade que a Climatem- cio de Oliveira Sobrinho, o Boni, li-
William Bonner e Lilian Witte Fibe. po, ao fornecer a previsão do tem- gou para a redação para saber
po para a Rede Bandeirantes, não quem era o “careca” que entrara
De acordo com a direção de jorna-
lismo, o objetivo era colocar dois
jornalistas profissionais, envolvidos
diretamente com a produção e ela-
boração das matérias e, com isso,
dar maior credibilidade às notícias.
Seguindo essa mesma filosofia,
aconteceu a troca das moças do
tempo por um meteorologista pro-
fissional. “Como meteorologista da
casa, eu dava muitas entrevistas
para os jornais de São Paulo; aí um
dia o diretor de operações do Rio
de Janeiro, José Emílio Ambrósio,
me ligou dizendo que o Evandro
[Carlos de Andrade], novo diretor
de jornalismo, tinha gostado muito
de como eu explicava a previsão.
Ele queria mudar o jornalismo, co- Segundo a revista Info (de setembro de 2005), Carlos Magno faz
locando gente que entendesse do parte da elite da tecnologia. 45
no ar. “Esse careca não pode ir ao calor, estava em uma reunião e semana.’ Casado com Ana Lucia e
ar. Amanhã vou mandar um maqui- senti a maquiagem escorrer pelo pai de três filhos, Isabel, Marcos
ador para colocar uma peruca nes- rosto. Olhavam com estranheza, Paulo e Victor Hugo, revela que o
se cara”, teria dito ele. “Peruca mas sabiam que eu era da Globo. difícil foi vencer o nervosismo dian-
não”, reagiu Magno, “peruca eu Era desagradável, mas não deixava te das câmeras. ‘Não me preparei
não coloco; estreou, e vamos em- de ser engraçado.” para ser apresentador.’ A populari-
bora assim.” dade aumentou, mas garante que
A estreia do homem do tempo da
isso não mudou sua rotina.” (Diário
Amauri Soares era o editor-chefe Globo também repercutiu na mídia.
Popular, 12/5/1996).
do JN e lembra que realmente foi Magno virou notícia em vários jor-
preciso dar um “jeito” na calvície nais e colunas: Apesar da repercussão favorável
do meteorologista. “O problema é na imprensa, também não faltaram
“Nota 10 para o meteorologista algumas críticas bem-humoradas:
que a careca brilha com a luz do
Carlos Magno, que vem apresen-
estúdio, por isso era preciso arran- “Roupa estável. Segundo Paulo
tando a previsão do tempo no Jor-
jar uma maneira de disfarçá-la.” Francis, ele é a cara do filho do ge-
nal Nacional. Ele passa muita credi-
A solução encontrada foi usar uma neral Colin Powell. De qualquer
bilidade, até porque sabe exata-
tinta para dar a impressão de que maneira, Carlos Magno, o homem
mente do que está falando.” (Con-
havia mais cabelo. do tempo do Jornal Nacional, pre-
trole Remoto, O Globo, junho de
Para Magno, foi difícil se acostu- 1996). cisa melhorar seu guarda-roupa.
mar com essas exigências do ví- Chova ou faça sol, lá está ele sem-
“Globo aposta na credibilidade e pre envergando um paletó cinza de
deo, chegando a afirmar que: “Es-
substitui as beldades da previsão gosto duvidoso. Da calça, ninguém
tou longe de me enquadrar no pa-
pelo meteorologista Carlos Magno. sabe, pois o meteorologista não
drão global. Minhas antecessoras
Depois que estreou no Jornal Na- aparece de corpo inteiro. Estará
eram bem mais interessantes. Mas
cional da Rede Globo, há três se- Carlos Magno de bermudas e san-
não estou na emissora por causa
manas, o meteorologista Carlos dálias japonesas, como reza a len-
da minha beleza, com certeza.”
Magno vem acumulando duas res- da do Jornal Nacional?” (Planeta
A falta de experiência e de tra- ponsabilidades de peso: manter a Rio, Carlos Leonam, Carta Capital,
quejo para lidar com as exigên- margem de apenas 5% de erros 15/5/1996).
cias do vídeo, tal como a maquia- nas previsões climáticas e esfriar o
Na área acadêmica, a chegada de
gem, acabou provocando situa- ânimo dos telespectadores saudo-
um meteorologista na tevê foi con-
ções constrangedoras. Se na teli- sos das antigas meninas do tempo.
siderada um estímulo para jovens
nha ele era o homem do tempo ‘Não sou tão bonito quanto elas,
estudantes. Em um fax enviado
da Globo, pois além do Jornal Na- mas tenho o meu charme’, brinca
para a Climatempo, o coordenador
cional também passou a apresen- ele, que não surgiu na telinha por
do curso de graduação de meteo-
tar o Jornal Hoje e por fim o Bom acaso. ‘A emissora está tentando
rologia da Universidade Federal do
Dia Brasil, fora dela tinha uma profissionalizar cada vez mais.
Rio de Janeiro, Francisco Louren-
empresa para tocar, novos clien- Quando o assunto é a previsão do
ço, dava os parabéns pelo trabalho
tes para atender, reuniões que só tempo, sou uma autoridade’, conta
na previsão do tempo do Jornal
ele e Ana, como donos da Clima- ele.” (O Dia, 13/4/1996)
Nacional. “Para os alunos da UFRJ ,
tempo, poderiam participar.
“Satisfeito com a repercussão de C EFET e muitos outros jovens can-
Magno perdeu a conta das vezes seu trabalho, Magno diz que sabe didatos, a meteorologia foi muito
em que ele saiu da emissora direto o que é notícia para o público. ‘Já estimulante. Tenho certeza de que
para uma dessas reuniões devida- sei que na sexta-feira o importante nos últimos dez anos foi a melhor
46 mente... maquiado. “Uma vez, no é se vai ter sol ou não no fim de coisa que se fez para a meteorolo-
gia nacional.” E assina: “Com a ad- nal Nacional refletia-se em famí- mês, mas devido a uma viagem só
miração do seu velho professor, lia. Apesar de realizado no traba- agora o faço. Depois que cheguei
Francisco Lourenço”. lho, Magno sentia-se incomodado (...) vi o apresentador do serviço
pelas constantes abordagens fei- de meteorologia da rede CNN movi-
Nas ruas a visibilidade proporciona-
tas pelo público fora da emissora. mentar os dois braços e num anún-
da pela tevê também repercutia.
“Queria ter uma certa privacidade cio na tevê local a apresentadora
Sem ter a exata dimensão do que
com a família e às vezes não apresentando (sic) um quadro de
era aparecer todos os dias em ho-
dava. Acontecia de estar em um propaganda movimentar os dois
rário nobre e na Globo, Magno ten-
parque com a Ana e as crianças e braços. (...) Se já tivesse escrito ia
tou manter sua tranquila rotina de
as pessoas chegarem para per- achar que a minha observação ti-
trabalho indo todos os dias de me-
guntar sobre o tempo. As aborda- nha atingido o objetivo, pois agora
trô para a emissora, em São Paulo.
gens sempre foram muito simpá- houve uma modificação total na
“No primeiro mês, senti que as
ticas, poucas eram grosseiras ou sua postura. (...) Antes a impres-
pessoas me olhavam desconfiadas.
negativas. Quando você está no são que dava era de uma posição
No segundo, eu já era parado para
seu lazer quer passar despercebi- forçada ou de paralisia total do seu
dar autógrafo. Até que tive de pa-
do. O Jornal Nacional não deixa- braço direito, parecendo não se
rar de andar de metrô um dia em
va isso acontecer.” tratar de um canhoto. Pode ter cer-
que estava na fila para comprar o
teza de que melhorou muito, com
bilhete. Um cara que estava perto Respostas do público vinham tam-
uma atitude muito mais natural.
me viu, virou para mim e disse bém por meio das cartas recebidas
Desculpe a franqueza e a observa-
alto: ‘olha lá o homem do tempo!’. na Globo. Algumas delas pedindo
ção. Ela foi feita no bom sentido,
Aí todo mundo olhou para mim, orientação meteorológica, como a
com o intuito de construir”. (Rio de
começou a falar. Eu segui em fren- de um médico veterinário de São
Janeiro, outubro de 1996).
te e fui embora. Fiquei muito en- Paulo, Rufino A. de Alencar Filho,
vergonhado. Toda vez que sentava que escreveu: E ainda algumas mais calorosas,
no trem, ficavam me olhando, nin- “No dia 10 de junho de 1996, cer- como a da estudante Cleide Grazie-
guém acreditava que o homem do ca das 15h, encontrava-me no sa- ly, de Uberlândia:
tempo do Jornal Nacional andava lão de embarque do aeroporto de “Você deve estar se perguntando o
de metrô!” Vitória, aguardando o embarque porquê desta carta; é muito sim-
Muito tímido, Magno não sabia li- para Fortaleza, quando divisei no ples: tenho 19 anos, curso o pri-
dar com o assédio. Amauri Soares horizonte nuvens carregadas e uma meiro ano de jornalismo em uma
lembra que na Globo, em São Pau- figura semelhante a um tornado. faculdade local e sou ‘fissurada’
lo, ele era conhecido como o Pauli- Indago a V.Sª. da ocorrência no em você. Não se assuste, sou ‘fis-
nho da Viola da meteorologia. Isso Brasil deste fenômeno e se algo foi surada’ de uma forma positiva (e
porque, além de uma certa seme- detectado naquele estado. Será até curiosa). Esta carta não preten-
lhança com o compositor, Magno uma forma bizarra de precipitação de parecer um correio elegante, e
era muito introvertido, “na dele”, pluviométrica? Atenciosamente”. sim o princípio de um relaciona-
como se diz. “Mas, assim como (São Paulo, junho de 1996). mento tranquilo e, se possível for,
Paulinho se transformava ao come- Outras sugerindo algumas mudan- de uma forte e saudável amizade”.
çar a cantar, Magno também se ças de postura física na apresenta- (Uberlândia, julho de 1996).
soltava ao começar a falar do que ção do quadro, como a do teles-
A figura do homem do tempo não
sabia, a previsão do tempo”, re- pectador Flávio Faria, do Rio de Ja-
era novidade no Brasil. Ao contrá-
lembra Amauri. neiro:
rio do jeito sério e tímido de Carlos
A popularidade alcançada no Jor- “Ia escrever-lhe no princípio do Magno, ficou muito conhecida na 47
tevê a imagem do personagem Fe- No início da década de 1990, com 4h30min da manhã. Mais experien-
liz, na verdade Felisberto Duarte, as mesmas características para te e seguro, fazia os textos e aju-
que pode se considerado um dos apresentar o quadro do tempo e os dava a fazer a arte. “Ia para lá de
precursores dos apresentadores do mesmos bordões, Feliz foi uma das madrugada, fazia o Bom Dia, saía
tempo. atrações do jornal Aqui Agora, do um pouco para fazer ginástica, vol-
SBT . Por um breve período, voltou tava para a emissora para fazer o
Na década de 1980, ele aparecia ao ar em 2008, quando a emissora SPTV e o Jornal Hoje.”
em frente a um quadro com o paulista reviveu o telejornal. Por
mapa do Brasil, na antiga TVS, pouco tempo, sem audiência, o Em 1996, o São Paulo Já voltou a
atual SBT , e com uma antena apon- Aqui Agora foi tirado do ar. Felis- se chamar SPTV. Nesse ano,
tava os decalques de sol e nuvens. berto Duarte morreu em agosto de Amauri Soares, depois de coman-
Feliz foi escolhido na época porque 2008, aos 70 anos, na Praia Gran- dar o Jornal Nacional, assumiu a
decidiu dar à previsão um ar de de, litoral de São Paulo, onde mo- direção de jornalismo da emissora
brincadeira. “Eram muitas meninas rava com a família. em São Paulo e implantou uma
sendo testadas e, como sobrou um nova proposta de jornalismo, mais
resto de fita, Humberto (Humberto
Mesquita, jornalista da TVS) pediu
Õ voltado para a comunidade.
Canal do tempo
padre do casal Ana Lucia e Carlos
vida, o que a gente podia realmen- entusiasmo, mas não deu muito
Magno, Waldemar Stefan Barroso.
te fazer para não ficar naquela vidi- certo. Foi um sucesso total. A par-
Amigo de infância de Magno, Wal-
nha.” tir dali, fomos convidados para to-
demar acompanhou de perto a ges-
car em festinhas de amigos.”
tação da Climatempo. E mais, fez Combinaram então, naquele mo-
parte de um sonho que anos mais mento, que os dois iriam fazer fa- Logo, porém, chegou a hora de ir
tarde se concretizaria na criação de culdade, terminar por volta dos 20 para a faculdade. Interesses dife-
um canal de televisão, primeiro anos, trabalhar muito, crescer mui- rentes separaram os dois. Magno
como Canal do Tempo e, depois, to e aos 30 anos seriam donos da seguiu a Meteorologia, Waldemar
TV Climatempo. própria empresa. “Aos 15 anos ro- passou pela Oceanografia antes de
gamos uma praga positiva e deu se definir pelo Desenho Industrial.
Waldemar e Magno cresceram jun-
sorte. Nós dois, na casa dos 30 Os anos se passaram, Waldemar
tos em Copacabana, na zona sul
montamos as nossas empresas.” foi morar fora do Brasil e, na vol-
do Rio. Conheceram-se ainda ado-
lescentes, nas peladas disputadas Como bons futuros empresários, ta, montou sua empresa de co-
na praia, e ali a amizade se fortale- estabeleceram metas, fizeram um municação corporativa e eventos,
ceu. Os dois tinham muito em co- planejamento estratégico e atingi- a Promeeting. Como bom empre-
mum: ambos vinham de famílias de ram objetivos. Apesar da seriedade endedor, fez da empresa uma po-
classe média de Copacabana, estu- com que encaravam o futuro, os tência, que praticamente domi-
davam em escola pública, ambos dois jamais deixaram de aproveitar nou o setor. “Em 1995 já estáva-
perderam os pais muito jovens e ti- a vida. Afinal, já sabiam o que que- mos com 188 funcionários espa-
nham consciência da necessidade riam. “O Rio nos anos 1970 era lhados pelo Rio, São Paulo, Vitó-
de ajudar as mães, trabalhadoras um outro Rio, e entre uma meta e ria, Curitiba e Belo Horizonte.
que batalhavam para educar os fi- outra montamos uma banda para Tudo muito discreto. Tínhamos
lhos. “Minha mãe era compradora tocar entre amigos”, relembra Wal- pouca fama e muita grana.”
de um grande magazine no Rio, o demar. Enquanto isso, em São Paulo, a
Barboza Freitas. Quando chegava a Climatempo já era uma realidade.
É difícil imaginar que por trás do
época do Natal, eles precisavam de “Ao longo do tempo acabamos nos
jeito tímido e sério do meteorolo-
gente para trabalhar e ela nos leva- encontrando várias vezes para con-
gista Carlos Magno existiu um ver-
va, eu e o Magno, para lá. A gente versar. Ele foi nosso padrinho de
dadeiro roqueiro. Waldemar lembra
trabalhava então nas férias ven- casamento e depois padrinho da
que os dois, com outros cinco ami-
dendo brinquedos.” Isabel”, lembra Magno.
gos, formaram a Aves e Ovos. Na
Essa identidade os aproximou ain- banda, Magno foi baterista e voca- Em um desses encontros, por volta
da mais e era nas longas caminha- lista. “Tocávamos muito rock”, re- de 1995, entre um chopinho e ou-
das pelo calçadão da praia à noite corda Waldemar. “Uma vez fomos tro, em um bar do Rio, uma ideia
que discutiam o futuro. Waldemar tocar em um festival religioso, em começou a germinar na cabeça dos
se lembra de uma em especial. um clube na Tijuca. Subimos no dois. Na verdade, um sonho que 53
voltou a aproximar os velhos ami- dade para o veículo televisão. Ima- ram. Em seis meses, fecharam. E a
gos. Enquanto um possuía toda a gens de satélites não eram sufici- Climatempo assumiu a central da
experiência em comunicação, o ou- entes. A experiência adquirida na Bandeirantes em 2001.”
tro tinha um bom e pouco explora- Rede Globo e também no Canal
A certeza de que estavam no cami-
do conteúdo nas mãos. Então, por Rural ajudou a abrir caminho.
nho certo, porém, veio com a notí-
que não juntar as duas coisas em
E foi assim que conheceram a em- cia da chegada ao Brasil do canal
um poderoso veículo e criar o pró-
presa norte-americana WSI (Wea- norte-americano The Weather
prio canal de televisão, um Canal
ther Services International), que Channel, ainda em 1997.
do Tempo?
desenvolvia softwares de meteoro-
logia para televisões dos Estados Com o mercado de tevê paga a
Em pessoas empreendedoras, as
Unidos. Ana Lucia chegou a viajar todo o vapor, vários canais negoci-
boas idéias não ficam apenas na
para os EUA para conversar com os avam sua distribuição por operado-
imaginação. Elas querem ação.
executivos da empresa. No Brasil, ras no Brasil. Um deles foi o The
Waldemar tratou de tornar real o
um dos executivos da WSI, Ricardo Weather Channel, canal de infor-
sonho, primeiro registrando o
Maldonado, mantinha contato mações meteorológicas que vis-
nome Canal do Tempo, depois
constante com a Climatempo, in- lumbrou a possibilidade de dominar
correndo atrás de patrocínio. Na-
centivando a parceria. a área na tevê a cabo brasileira.
quele período, o Banco Nacional
era um dos clientes da Promee- O entusiasmo com a nova emprei- Desde 1982, a TWC difundia infor-
ting, e Waldemar não pensou tada transparecia nas mensagens mações meteorológicas 24 horas
duas vezes em propor ao cliente enviadas a Magno: por dia a cerca de 80 milhões de
o bom negócio. “Cheguei até a residências nos Estados Unidos.
sugerir que eles voltassem com o “De acordo com nosso engenheiro Seu slogan era “nenhum lugar no
símbolo do guarda-chuva”, lem- de software, é uma solução sem mundo tem tempo melhor”.
bra ele. Tudo parecia caminhar, precedentes e única no mercado,
quando ainda em 1995 o banco que fez com que a Time Warner A opção para operar no Brasil fazia
foi à falência, adiando por algum passasse na frente de todo mundo. parte do objetivo de atuar na Amé-
tempo a realização do negócio. TWC (The Weather Channel) irá ter rica Latina. Em 1997, o TWC já es-
uma coisa parecida no próximo tava nas tevês do Peru e da Argen-
Foi uma época da maturação de ano. Estou pronto e decidido a en- tina. Ainda de propriedade do com-
um sonho. Ao longo de 1997, a trar com essa tecnologia no Brasil. plexo Landmark Communications,
busca por recursos para a implan- Esta informação está sendo veicu- que também era dono do Travel
tação da nova tevê motivou Mag- lada em todos os meios especiali- Channel e na época na NET/Globo-
no e Ana, que viram ali um novo zados de TV a cabo. Um abraço, sat, o TWC preparou uma estraté-
desafio para a Climatempo. “Há Ricardo Maldonado”. (08/6/1999) gia agressiva de divulgação na mí-
anos planejamos um canal brasilei- dia, com anúncios em páginas de
ro, com programação em portu- “A ideia era usá-los na nossa tevê,
revistas especializadas e em jor-
guês e que atinja vários segmentos mas o que aconteceu é que nós
nais, inclusive em classificados
da sociedade. O mercado é virgem, acabamos abrindo os olhos deles
para a contratação de pessoal:
praticamente inexplorado, e agora para o mercado brasileiro. De par-
está maduro para receber o nosso ceiros passaram a concorrentes. “Para a maioria dos profissionais,
projeto”, dizia Ana Lucia. Eles vieram para cá, contrataram a meteorologia é apenas conversa
todos os profissionais que a gente para passar o tempo. Mas no The
Novas tecnologias eram avaliadas queria para a nossa tevê. Contrata- Weather Channel temos previ-
visando à possibilidade de gerar ram em dólar, montaram a Central sões baseadas nas tecnologias
54 imagens meteorológicas com quali- Band de Tempo, mas não aguenta- mais avançadas, programas espe-
ciais e cobertura confiável em ca- dólares nos três primeiros anos por canal do tempo nacional. “Se eles
sos de emergências. O resultado aqui. Para funcionar no Brasil, o entravam no nosso mercado, por-
é que, agora, o nosso canal é as- TWC levou metade da equipe da que não fazer uma televisão brasi-
sunto de conversa de todo o se- Climatempo que trabalhava na pro- leira voltada para brasileiros?”, per-
tor. Se você é um profissional de dução do Canal Rural desde 1996. guntava-se Carlos Magno.
meteorologia, com experiência e “Formamos a equipe brasileira para
Os negócios na Climatempo iam
pronto para fazer parte de uma The Weather Channel”, lamenta
muito bem. Ao completar dez
organização de classe mundial em Carlos Magno.
anos, em 1998, a empresa já era,
fase de expansão na América La-
Em 1999, The Weather Channel além de pioneira, veterana na área.
tina, queremos conhecê-lo. No
estava disponível nas operadoras Praticamente dominando o merca-
momento, temos as seguintes
de tevê a cabo brasileiras Sky, do, mantinha os contratos antigos
oportunidades de contratação
TECSAT e também na NET/Sul. com seus primeiros parceiros: Eldo-
para o nosso escritório de Atlan-
Apesar dos dois anos de Brasil, a rado, Agência Estado, Rede Globo
ta, Geórgia, para os candidatos
operadora ainda não havia con- e Canal Rural, e ampliando sua car-
que possuam um diploma univer-
quistado o público brasileiro. teira de clientes para indústrias, vá-
sitário em Meteorologia ou uma
O canal oferecia ao Brasil pratica- rios setores da agropecuária, cons-
experiência equivalente. Os can-
mente a mesma programação vei- trutoras e produtoras de vídeo.
didatos bilíngues (Inglês/Espanhol
culada em toda a América Latina,
ou Inglês/Português) serão prefe- Com a cabeça mais voltada para a
e a ideia era criar uma programa-
ridos (...) Oferecemos salários e própria tevê, Ana e Magno manti-
ção exclusiva para o Brasil. O edi-
benefícios competitivos com o nham a rotina de elaboração da
tor-chefe da emissora na época,
mercado, além da oportunidade previsão do tempo na Rede Globo.
Eduardo Mack, dizia em entrevis-
de trabalhar com um dos mais Carlos Magno ainda era o homem
ta ao jornal O Globo:
importantes empregadores do se- do tempo do Bom Dia Brasil, SPTV
tor de TV a cabo” (...). “Nosso desafio é mudar o pensa- e Jornal Hoje. No vídeo, conseguia
mento dos brasileiros em relação à manter a empatia com seu público.
O anúncio pedia desde diretor de
meteorologia (...) Fomos acostu- As cartas recebidas naquele perío-
meteorologia para trabalhar em
mados a não acreditar em previsão do mostram bem isso. Nelas, há
função executiva, e para isso preci-
do tempo, mas hoje há tecnologia perguntas curiosas, como a do se-
sava de conhecimentos tanto cien-
de ponta nesse setor. The Weather nhor José Jordão, de Suzano, em
tíficos quanto de comunicação te-
Channel se baseia em informações São Paulo:
levisiva, até apresentadores com
de um satélite com tecnologia da
fluência no inglês e também no “Prezado senhor Carlos, estou lhe
Nasa”.
português. escrevendo para um esclarecimen-
O TWC ainda iria ser um concorren- to seu. Aqui em casa tenho dois
Apesar da contratação de brasilei-
te de peso ao longo dos anos, até pés de cedrinho, árvore de Natal,
ros, toda a estrutura do TWC foi
sair definitivamente do Brasil por com uns sete metros de altura,
montada em Atlanta. Além da pro-
questões financeiras, em dezembro mais ou menos, inclusive já caiu
gramação para a tevê, foi montado
de 2002. Em 2008, a poderosa um raio ou uma faísca em uma de-
também um site em que eram
rede de telecomunicação norte- las. As árvores ficam a seis metros
transmitidas as condições meteoro-
americana NBC Universal comprou da frente da casa. A faísca estou-
lógicas em tempo real e a previsão
o TWC por um valor estimado em rou a coluna onde estava instalada
para cidades do Brasil e do mundo.
3,5 bilhões de dólares. a campainha, danificando toda a
Na época, eram grandes as expec-
tativas, com investimentos altíssi- A presença do TWC no Brasil deu instalação, até dentro de casa.
mos, em torno de 10 milhões de novo estímulo à ideia de criar um O que eu gostaria de saber é o se- 55
guinte. Já comecei a enfeitar a ár- civil, sua idade e de onde você é. vindas do Sul do País. Os sistemas
vore com latinhas de refrigerantes Viu? Não é tão difícil assim; por- estão sendo desviados para o oce-
e cervejas para o ano 2000. Per- tanto, aguardo ansiosa sua respos- ano antes de influenciarem o clima
gunta: É possível que a claridade ta. Mando beijos e abraços e dese- no Sudeste.” (O Estado de S. Pau-
das latinhas possa atrair raios?” jo muito sucesso para você. Da lo, 28/7/1998).
(Suzano, 14/10/1998) sua fã, Ângela Maria”. (Cachoeiro
Uma festa que estava sendo orga-
do Itapemirim, 20/3/1998).
Em outra carta, a simplicidade nizada para comemorar os dez
do senhor Euvaldo Aragão, de O esquema armado para atender a anos da empresa seria o lugar per-
Petrolina: Agência Estado funcionava maravi- feito para fazer o lançamento ofi-
“Sou assíduo telespectador do pro- lhosamente. Toda a equipe já esta- cial do Canal do Tempo. “Com re-
grama Jornal Hoje, da TV Globo, de va afinada para manter o fluxo de lação ao coquetel dos dez anos da
onde assisto atento à previsão do informação necessário para as co- Climatempo, estou imaginando um
tempo, apresentada por vosmecê. lunas feitas diariamente para o Es- evento para 200 pessoas. Seria às
Gostaria que o amigo me explicas- tadão, JT e demais clientes da AE oito da noite, ainda não sei o lugar,
se as indagações abaixo: 1) qual a e também para as matérias. Só mas vou escolher um bem bonito.
área que se leva em conta, quando que agora com uma sutil diferença: A forma seria umas palavras mi-
chove, para se calcular a quantida- a Climatempo ganhara identidade nhas e da Ana e a apresentação da
de de água coletada, em função da própria. Ou seja, os meteorologis- história da empresa e os novos de-
quantidade de água, recolhida pelo tas, antes denominados da Agên- safios para o futuro. Quem sabe
pluviômetro? 2) qual a relação exis- cia Estado, passaram a ser identifi- podemos lançar o Canal do Tempo.
tente entre a abertura do pluviôme- cados como da Climatempo. Mais O público básico deve ser o pesso-
tro e a quantidade de água por ele uma evidência de que o nome da al dos meios de comunicação mes-
captada? 3) a quantos metros cúbi- empresa já ganhara luz e era co- mo. A data pode ser 6 de novem-
cos corresponde um milímetro de nhecida e respeitada pelo público. bro”, planejava Magno.
chuva? Faço tais perguntas porque “Apesar do calor, a meteorologista Mal sabia ele, quando escreveu
se fala tanto em milímetro de chu- da empresa Climatempo, Ana Lucia para o amigo Waldemar, em julho
va e nada se sabe sobre as regras de Macedo, afirmou que ainda não de 1998, que um barulho muito
para calculá-los. Sem mais para o foi registrado recorde de tempera- maior iria lançar o novo canal brasi-
momento, atenciosamente subs- tura para o mês de agosto na capi- leiro voltado para a meteorologia.
crevo-me”. (Petrolina, 09/3/1998). tal. Segundo ela, em 31 de agosto Com toda pompa e cerimônia e
E, mais uma vez, não faltavam as de 1995 a máxima chegou a 33,1 ainda com direito a disputa na Jus-
cartas de fãs mais ardorosas que graus (...) Para Ana Lucia, a frente tiça, o Canal do Tempo, futura TV
se encantavam com sua figura no fria vinda do Sul deve atingir o les- Climatempo, ficaria conhecido du-
vídeo: te e o sul do estado, provocando rante uma feira da Associação Bra-
chuvas no sábado à tarde e no do- sileira de TV por Assinatura, a ABTA
“Meu nome é Ângela Maria, sou mingo.” (O Estado de S. Paulo, 21/ 98 – Feira e Congresso Internacio-
sua admiradora número um, assis- 9/1997). nais da TV por Assinatura.
to o Jornal Hoje só para te ver.
Você me perdoa, mas eu acho “A explicação da meteorologista A ABTA na época era a principal
você supersimpático e muito lindo. Josélia Pegorim, da empresa Clima- responsável pela divulgação da
Portanto, gostaria muito se você tempo, é a grande massa de ar televisão paga no Brasil. Nessa
pudesse me dizer, respondendo mi- seco que atua sobre a maior parte feira, que seria a sétima, a asso-
nha carta ou telefonando para do Brasil e impede a entrada de ciação reuniu cerca de 300 expo-
56 mim. Gostaria de saber seu estado frentes frias e de massas polares sitores em uma área de 10 mil
metros quadrados no Internacio- durante a feira para apresentar a maneira. Eu era o homem do tem-
nal Trade Center, na zona oeste nova emissora. “Imagine, vamos po da Globo, o Waldemar, um exe-
de São Paulo. começar a transformar um sonho cutivo, e nós dois éramos vistos no
em realidade. São milhares de cli- local da feira pregando coisas, dei-
Carlos Magno não pensou duas ve-
entes em potencial. Você pode co- xando tudo mais bonito. E ficou
zes quando soube do evento e viu
locar a vinheta da Climatempo na bonito...”
que o TWC estava fazendo a maior
fita, também?”, dizia um animado
propaganda. Para ele era frustrante Carlos Magno, Waldemar e Rogério
Magno.
não participar. Por isso, escreveu Leite passaram o fim de semana
para Waldemar dizendo que estava Apesar do entusiasmo, os proble- montando o novo estande, que fi-
na feira da ABTA e que queria reto- mas despontaram antes mesmo do cava ao lado de grandes redes,
mar o projeto do canal de tevê. “A início da feira. “Na verdade, está- como Fox, Disney, Sony... Valeu a
questão do Canal do Tempo me vamos fazendo o lançamento de pena. Tudo graças à experiência de
passou pela cabeça em um coque- um nada, era uma ideia, só isso. Waldemar, que estava acostumado
tel realizado na ABTA para o lança- Queríamos ter feito prospecção a organizar eventos e não teve
mento da feira, onde vi que o The para ver como o mercado brasileiro muita dificuldade em criar um es-
Weather Channel vem com tudo de tevê por assinatura encarava tande impecável. A expectativa era
para oferecer mapas para o Brasil. uma emissora nacional com esse grande. O lançamento de um canal
Eles estão usando a marca Canal tema.” de meteorologia foi notícia em vá-
do Tempo, mas, já que a marca rios jornais:
não é deles, acho que poderíamos Quinze dias antes da feira saíram
os catálogos destacando quem iria “Carlos Magno, dono da Climatem-
aparecer para o mercado, como os
participar. O pessoal do TWC viu po, negocia com diversas operado-
verdadeiros detentores da marca, e
nessa publicação o nome Canal do ras o lançamento do Canal do
isso certamente criará um certo re-
Tempo, e foi aí que a encrenca co- Tempo. A programação será seg-
buliço na feira. (...) Afinal, quem é
meçou. Eles mandaram uma notifi- mentada. Além de boletins especí-
o verdadeiro Canal do Tempo? Nós
cação para Waldemar Stefan, que ficos para cada região do país, ha-
ou eles? Estou encomendando uns
detinha o registro da marca no Bra- verá blocos voltados para os jo-
banners para colocar logo na entra-
sil, informando que a Climatempo e vens que querem surfar, para os
da, chamando o público para visi-
a Promeeting não poderiam usar a executivos que vão viajar e para os
tar o nosso canal do tempo. Ape-
marca, que era deles. agricultores” (Revista da TV, O Glo-
sar de o estande deles ser maior, o
bo, 20/9/1998).
nosso é mais bem localizado.” O aviso com tom de ameaça não
Parecia que Magno estava preven- “A ABTA 98, que ocorre entre os
intimidou os dois sócios. Ao con-
do, ainda em julho, o que aconte- dias 22 e 25 de setembro, em São
trário, quando perceberam que ti-
ceria durante a feira. Paulo, marcará o lançamento de
nham subestimado a feira, que os
um novo canal brasileiro: o Canal
A animação, porém, era maior. Al- outros estandes eram grandes e
do Tempo. O projeto é da Clima-
gum tempo antes, durante as con- bem estruturados, e o da Clima-
tempo Meteorologia, empresa de
versas em torno da tevê, Walde- tempo, pequeno e improvisado, re-
consultoria que tem como sócio o
mar havia produzido uma fita-piloto solveram virar o jogo. “A feira seria
meteorologista e apresentador da
para mostrar o que tinham em aberta na segunda-feira; no sábado
Rede Globo, que presta serviços de
mente para o canal. “Fizemos pilo- de manhã estávamos na rua do
previsão do tempo para veículos de
tos de alguns programas, entrevis- Gasômetro, no centro de São Pau-
comunicação.” (Meio & Mensa-
tamos o Torben Grael, montamos lo, comprando acessórios e madei-
gem, 31/8/1998)
uma grade de programação”, lem- ra para montar nosso estande. Não
bra Magno. Agora, ela seria usada poderíamos nos apresentar daquela A boa receptividade da mídia, po- 57
rém, deve ter atiçado ainda mais a tado ontem pelo desembargador vencendo a disputa pela marca Ca-
ira do concorrente norte-america- Sérgio Feltrim Corrêa”. (Boletim nal do Tempo, que deve nomear o
no. Na segunda-feira, primeiro dia ABTA 98, edição 4, 25/9/1998). canal que a empresa lançará em fe-
de evento, a surpresa: uma liminar vereiro. O Weather Channel (Sky),
Na mesma hora, o advogado dr.
da Justiça proibia a Climatempo de no entanto, que reivindica o nome,
Paulo Parente, do Rio de Janeiro,
abrir o estande e acusava a empre- não deve deixar as coisas por isso
foi acionado. Do outro lado da li-
sa de usar a marca Canal do Tem- mesmo.” (Revista da TV, O Globo,
nha procurava acalmar os âni-
po de forma ilegal. “Foi um baque. 04/10/1998)
mos, assegurando que tudo iria
Sentei na cadeira e me senti muito
se resolver. Os trâmites da Justi- Esse foi só o início de uma longa
mal”, lembra Magno.
ça têm dessas coisas: a uma limi- batalha judicial que duraria um
Os oficiais de Justiça não titubea- nar segue-se uma contraliminar. E ano. Contudo, desde esse episó-
ram ao determinarem que o estan- foi isso que aconteceu. Como dio, Magno já havia decidido mu-
de fosse lacrado. Não foi nada fácil bem previra o dr. Parente, uma dar o nome da emissora para ten-
ver tudo sendo retirado ou coberto. outra decisão anulou a primeira e tar acabar com a polêmica. Ainda
Isso fora o constrangimento diante o estande da Climatempo pôde durante a feira, Carlos Magno es-
de tantos expositores. O sonho pa- enfim exibir o que seria o novo clareceu. “Conversamos na sema-
recia estar indo por água abaixo. canal. Mais do que isso, a nova na passada com o The Weather
O boletim distribuído durante a fei- ordem era para que The Weather Channel e lhes dissemos que pre-
ra dava a dimensão da disputa: Channel deixasse de usar a marca tendíamos adotar o nome TV Cli-
“O tempo fecha nos canais do Canal do Tempo. matempo, mas que para a feira
tempo. A disputa pelo direito de A decisão revoltou os representan- não daria tempo de criar novas
usar a denominação Canal do tes do canal norte-americano. “No vinhetas para demonstração.”
Tempo acirrou-se durante a mesmo instante veio o cara do Foi então que a tevê nacional pas-
ABTA 98 entre o norte-americano TWC , Mateus Levi, dizendo que sou a ser denominada TV Clima-
The Weather Channel e o brasilei- isso era um absurdo. Virei para ele tempo – Canal do Tempo. Com o
ro TV Climatempo. Na sexta-feira e disse: ‘Meu País tem lei, meu ad- tempo ficou apenas TV Climatem-
(antes do início da feira) o juiz vogado conseguiu derrubar a sua po. Após o entrevero na feira, fi-
Rogério Tobias de Carvalho, da liminar e agora são vocês que não nalmente chegou-se a um acordo.
2ª Vara do Rio de Janeiro, acatou podem usar a marca no Brasil. “O resultado foi que nós cedemos
um pedido do The Weather Chan- Você, por favor, retire-se do meu o nome Canal do Tempo e passa-
nel de obstruir a utilização da estande’”, conta Magno, que ainda mos a usar a TV Climatempo. Por
marca Canal do Tempo pela par- assistiu de camarote ao pessoal do isso nos pagaram uma quantia que
ceria entre a Promeeting e a em- canal norte-americano tapar a logo- pôde financiar os primeiros equipa-
presa de previsão meteorológica marca Canal do Tempo, no dia se- mentos da tevê.” Resultado: a TWC
Climatempo. Pela decisão do juiz, guinte, uma terça-feira, no enorme brigou com uma tevê que nem
a Promeeting ficava impedida de estande destinado a eles. existia e ainda ajudou indiretamen-
utilizar a marca, ‘especialmente
Segundo Carlos Magno, essa briga te a implantá-la. “Acho que, se
na ABTA 98’. A Climatempo e a
repercutiu nos meios de comunica- eles soubessem disso, ficariam
Promeeting receberam a notifica-
ção, especialmente em Atlanta, bastante tristes”, avalia Magno.
ção segunda-feira e, no mesmo
dia, entraram com pedido de sus- sede do canal. Em outubro de O primeiro round estava ganho.
pensão da proibição. Segundo 1998, o jornal O Globo acompa- Agora era tocar adiante e tornar a
Waldemar Stefan Barroso, diretor nhava a briga entre os canais: TV Climatempo real, de verdade.
58 da Promeeting, o pedido foi aca- “Até agora, a TV Climatempo está Ao longo de 1998 e depois do epi-
sódio da ABTA, Carlos Magno e télite e dali fazer a transmissão. ótimo para o trabalho com os alu-
Waldemar Stefan continuaram a Para tentar viabilizar o negócio, o nos. Fomos então procurar o reitor
busca por parceiros que pudessem pessoal da Tecsat apresentou da universidade, eu, os professores
viabilizar a emissora. Magno e Waldemar a professores e o Magno. O reitor, professor Bap-
da Universidade do Vale do Paraí- tista Gargione Filho, se entusias-
Magno também tratou de manter
ba (Univap), também em São mou com a ideia e autorizou o iní-
estáveis as relações de negócio da
José dos Campos. cio de um projeto conjunto entre a
empresa Climatempo. Afinal, ela
Climatempo, a Promeeting e a Uni-
ainda era o ganha-pão. Para evitar Fernando Moreira, diretor da TV
vap. Que eu tenha conhecimento,
qualquer tipo de problema, consul- Univap, lembra bem como foi feita
esse foi o primeiro e talvez o único
tou a Globo sobre suas prospec- essa aproximação. “No fim de
projeto de incubação de um canal
ções acerca do canal do tempo. 1998, os professores do curso téc-
de tevê em uma universidade no
Em uma mensagem, Amauri Soa- nico de meteorologia, Jojhy Saku-
Brasil.”
res respondeu: “Meu caro, tudo ragi e Ana Catarina Parrela – que já
bem? Falei com o Evandro [ Evan- conheciam o Carlos Magno –, nos No fim de 1998, uma grande festa
dro Carlos de Andrade, então dire- procuraram para apresentar a ideia de confraternização, em um bufê
tor de jornalismo da Rede Globo] de fazer um trabalho com a Clima- de São Paulo, marcaria os dez
sobre sua consulta do canal do tempo. A ideia era treinar os alu- anos da Climatempo. Duzentos
tempo. Ele não se opõe. Você nos do curso para apresentação do convidados lotaram o Buffet La
pode mandar brasa, tocar seus pro- tempo na tevê. Achei que para a Lunna. Mais do que apenas come-
jetos. Sem problema, OK?”. TV Univap seria um grande desafio, morar a efeméride, Ana Lucia e
pois envolveria a produção e exibi- Carlos Magno aproveitaram a opor-
Por meio de amigos em comum,
ção de uma programação atualiza- tunidade para marcar, enfim, o lan-
chegaram aos executivos da em-
da de hora em hora, porém seria çamento oficial da TV Climatempo.
presa de tecnologia Atech, na épo-
ca envolvidos no projeto do Siste-
ma de Vigilância da Amazônia, Si-
vam. Foram eles que abriram o ca-
minho para a TECSAT , então uma
empresa de DTH (direct-to-home)
brasileira controlada pelo grupo
TECSAT , com sede em São José
dos Campos, interior de São Paulo.
Ali, a TECSAT havia implantado um
moderno complexo tecnológico na
área de tevê por assinatura, com
equipamentos para recepção e
transmissão dos sinais.
Recém-inaugurada, os executivos
da TECSAT logo se interessaram
pelo canal, porém não queriam e
não poderiam gastar um centavo
com a sua implantação. Apenas
se comprometeram em subir o si-
nal da TV Climatempo para o sa- 59
M
7
esmo oficialmente lança- e era essa motivação que ele ten- Ufa! e o negócio estava pegando
da, com direito a festa e tava passar para toda a Climatem- mesmo. Para dedicar-se em tempo
tudo mais, a TV Clima- po. A TV Climatempo era a menina integral ao canal do tempo, Magno
tempo continuava sendo apenas dos olhos, mas Magno jamais dei- que ainda apresentava o Bom Dia
uma ideia na cabeça de meia dú- xou de acompanhar de perto a em- Brasil, o Jornal Hoje e o SPTV, tirou
zia de pessoas, no início de presa que ele e Ana Lucia criaram. férias da Globo.
1999. Ainda assim, essa ideia ha- Ele sabia que podia contar com ela
Fernando Moreira, diretor da TV
via amadurecido bastante: já ti- para tocar o negócio, mas também
Uma bolha no ar
tempo –; às vezes, as duas coi- pela emissora. Para atender ao de. Apesar disso, a situação tinha
sas aconteciam simultaneamente, novo cliente foi preciso montar lá seu lado engraçado. Paulo con-
como numa balança, enquanto uma estrutura específica na sede ta que, ao lado do estúdio em
uma área assistia ao crescimento, da Climatempo, em São Paulo. que estava a TV Climatempo, ha-
outro enfrentava os percalços na- via um estúdio de gravação de fil-
Pioneira em praticamente tudo o
turais de um empreendimento mes pornográficos e não era inco-
que dizia respeito ao universo da
pioneiro. mum dar de cara com algum ator
informação meteorológica no Bra-
mais à vontade.
O ano de 2001 começou a todo sil, mais uma ação inovadora da
vapor na Climatempo Internet. Climatempo no carnaval de 2001. Nesse período, Rogério Leite perce-
Logo em janeiro, a empresa anun- Em parceria inédita com a segura- beu que a transmissão via satélite
ciava uma parceria com o podero- dora Sul-América, foi instalado na encarecia demais as operações da
so grupo Telemar para um serviço, praça de pedágio da Ponte Rio–Ni- tevê. Foi então que teve a ideia de
na época, inédito no Brasil. Ele co- terói letreiro luminoso com a previ- adaptar um sistema que estava de-
locava à disposição dos usuários o são do tempo para o Rio de Janei- senvolvendo para enviar informa-
Vocall, um sistema acionado por ro, Niterói, Campos, Cabo Frio e ções para os aeroportos para a
comando de voz de qualquer tele- Arraial do Cabo. Com isso, os flu- emissora. Em certo momento, viu
fone, celular ou não. O serviço minenses puderam planejar melhor que a mesma tecnologia poderia
atendia seis capitais: São Paulo, a folia. ser empregada para enviar, pela In-
Rio de Janeiro, Salvador, Belo Hori- ternet, os dados para a tevê em
zonte, Porto Alegre e Brasília. Um Mas se na Internet os negócios
São José dos Campos. “Por que a
mês depois, duas outras importan- pegavam fogo, na TV Climatempo
gente não manda pelo computa-
tes conquistas. Primeiro foi a par- as dificuldades continuavam.
dor, por meio de um software?
ceria com a PSINet, empresa que Após a saída da Univap, a emis-
Com isso reduzimos o custo do sa-
era responsável pela hospedagem e sora começou a funcionar em um
télite”, lembra Rogério.
serviço de acesso com link dedica- galpão, em São José dos Campos
do. Segundo Carlos Magno expli- mesmo. As instalações eram mui- Esse software foi aperfeiçoado
cou à Linhas & Laudas, a razão da to precárias, e quando chovia o com o tempo e continua a ser usa-
parceria era o grande número de barulho de água caindo no teto do. Para ter uma ideia, esse foi o
acessos. “O site da Climatempo era intenso. “Foi um período ne- embrião das tevês que começaram
vem recebendo um número de in- gro da TV porque deixamos de ter a surgir na Internet.
ternautas muito grande. Com a in- a estrutura da Univap. Tínhamos
Os solavancos na TV Climatempo
fraestrutura oferecida pela PSINet, cinco câmeras beta e passamos a
não desanimaram a equipe, especi-
nossos usuários podem navegar ter uma câmera beta e uma câ-
almente porque além da RBS outros
com mais agilidade.” mera VHS”, relembra Magno.
canais procuravam a empresa em
A outra conquista foi o acordo com Os jornalistas Paulo Polli e Ângela busca de conteúdo. Um e-mail da
parte do Grupo RBS de Comunica- Ruiz continuaram na tevê depois Patrícia Madeira, de 26 de feverei- 71
ro de 2001, deixava claro o inte- zoável de 15 mil, entre cidades, assalto, também já sabiam como
resse na previsão do tempo: vilas, distritos de todo o Brasil. trabalhar nessa situação. Então,
Uma inovação que ajudou muito simplesmente a gente separou o
“Olá, pessoal. Estamos estreando
os meteorologistas tanto da con- que tinha de ser feito, designou as
quatro novas tevês, já a partir de
sultoria quanto da tevê. coisas e tocou a bola para frente.
hoje: TVA – Grande São Paulo, dois
Os clientes tinham o telefone de
boletins; TV Filme – Goiás e Brasí- No começo do ano de 2001, um
casa, ligavam para a gente dar
lia, dois boletins; Imagem TV – Tri- novo assalto iria provocar grandes
uma posição. O pessoal corria, gra-
ângulo Mineiro, dois boletins; e aborrecimentos na Climatempo.
vava o boletim de rádio do orelhão.
Rede Mulher, dois boletins. Para os Dessa vez, foi a própria seguradora
Nos primeiros dias tinha de ser as-
três primeiros, tem interface pron- quem avisou Ana Lucia e Carlos
sim, até que voltassem a ligar os
ta, com link pelo dia a dia. Os tex- Magno da invasão. Era a segunda
telefones da Climatempo”, relem-
tos se referem a um mapa de íco- vez que entravam na empresa va-
bra Ana Lucia.
nes, com os valores de temperatu- zia e, apesar da experiência adqui-
ra mínima e máxima. A parte de rida e do seguro que minimizaria as Foi um período bastante confuso e
análise e previsão para a respectiva perdas, um assalto era sempre que terminou com um gesto que
região é feita pelas meninas na TV traumático. Os bandidos cortaram impressionaria muito Carlos Mag-
Climatempo, depois entra o nosso o cabo, na frente da sede, já na no. Ele jamais vai se esquecer da
texto e, então, previsão de quatro rua Muniz de Sousa, deixando a atitude de uma meteorologista gaú-
dias em sobe som. As temperatu- empresa sem comunicação com o cha que trabalhava na época na
ras que aparecem na interface são mundo exterior. Gilca Palma, uma Climatempo. Débora Simões esta-
do Prevplan e não podem ser mu- das primeiras a chegar pela manhã, va grávida e, por coincidência, no
dadas para não bater com as telas estranhou as portas abertas, tudo mesmo dia em que houve o assalto
de quatro dias que entram depois revirado e Ana Lucia chorando, entrou em trabalho de parto. Ela
da previsão (...) Só para completar, desconsolada. “Isso te pega de fez questão de, antes de seguir
a TV Pernambuco só entra no ar surpresa, você fica sem ação”, co- para a maternidade, entregar a pre-
segunda-feira, dia 5. Até lá, não menta Gilca. Ao ver as pessoas visão que havia feito em casa e es-
precisamos fazer os boletins”. chorando, Ana Lucia disse para ou- tava sob sua responsabilidade.
tra funcionária, Carol Chacon: “A Para Magno foi uma tremenda de-
O Prevplan de que fala Patrícia no
gente se vira. Veja o lado bom, monstração do espírito de equipe.
e-mail foi mais uma das “inven-
todo mundo vai ganhar computa-
ções” do professor Pardal da Cli- Nem o triste episódio conseguiu
dor novo.”
matempo. “Professor Pardal” era abalar a energia positiva que fluía
o nome que Ana Lucia dava a Ro- Mais uma vez foi preciso uma
na empresa. No fim das contas,
gério Leite pelas soluções e idéias grande mobilização para não inter-
após o rescaldo de mais um assal-
que sempre trazia para a empre- romper os trabalhos. Alguns mete-
to, o grupo estava novamente
sa. O Prevplan foi outro software orologistas trouxeram seus compu-
pronto para seguir em frente.
desenvolvido por Rogério que ro- tadores, outros voltaram para casa
dava automaticamente a previsão para trabalhar até que a rede fosse Enquanto isso, correndo por fora, a
do tempo a partir de dados forne- novamente conectada. “É assusta- Internet crescia cada vez mais.
cidos pelos modelos de previsão dor você ter de parar rapidamente “Durante os anos de 2000 e 2001,
climática. No início, 160 cidades e dizer ‘ok, o que vamos fazer?’. acho que estive em todos os pré-
estavam no programa; com o O Magno já tinha know-how de ter dios da Vila Olímpia (região de São
tempo, porém, foram incluídas feito uma vez. Ele pegou e distri- Paulo onde se concentrou a maio-
cada vez mais cidades, até que buiu as tarefas. André e Patrícia ria dos escritórios ligados à Inter-
72 se chegou a um número bem ra- Madeira, que estavam no primeiro net), visitando diversos portais.
Tínhamos que ser rápidos porque a o que aconteceu com a Climatem- presa, a Climatempo sofria os per-
Climatempo tinha de ocupar espa- po Internet. “Primeiro, nós não es- calços comuns de um mercado
ço. Nesse momento, também per- távamos ligados a nenhum grupo competitivo. A cartela de clientes
cebemos a oportunidade de vender de investimento; todos os nossos variava muito e o leque de seg-
mais conteúdo para celulares”, investimentos foram com recursos mentos atendidos pela Climatempo
conta Magno. próprios, com as nossas receitas. também.
Fizemos, sim, algumas reuniões
A Internet tornou-se um grande ne- Havia, porém, uma certa solidez. A
com bancos, mas o modelo pro-
gócio e não foi só para a Clima- Eldorado, com Josélia Pegorim, voz
posto era inviável e agressivo de-
tempo. Um entusiasmo desmedido cada vez mais conhecida e já uma
mais para o nosso jeito de ser. Em
tomou conta de quem lidava com referência na rádio, e a Rede Glo-
segundo lugar, antes de a bolha
essa nova tecnologia. Surgiram os bo, agora sem Carlos Magno, mas
estourar já estávamos no azul, com
grandes negócios, envolvendo ci- com Ana Lucia, André Madeira e
receita de publicidade e com um
fras espetaculares. Eram portais e Alexandre Nascimento para dar o
portal mais conhecido”, lembra Re-
sites vendidos por milhões de dóla- suporte de conteúdo, mantinham
nato Urbinder.
res, muita gente ficou rica da noite seus contratos fixos com a Clima-
para o dia. Uma euforia que havia Ele também conta que o sucesso tempo.
começado no ano 2000 no Brasil e da consolidação se deu por uma Por outro lado, a empresa registrou
que, naquele momento, ninguém estratégia de venda de conteúdo. nesse ano algumas baixas impor-
sabia ainda onde iria parar. Segundo Renato, houve uma retra- tantes, como o Canal Rural. A Cli-
No meio da euforia Ana Lucia e ção de um pedaço do mercado, matempo implantou toda a área de
Magno falaram: “Isso não vai durar mas as empresas que estavam meteorologia da emissora em São
muito”, e apostaram de seis meses saudáveis ficaram e, como a Cli- Paulo, uma experiência que depois
a um ano para a festa acabar. Co- matempo, ganharam credibilidade. serviu de base para a própria TV
meçou então a estratégia de mu- “Nós vimos essa bolha passar, foi Climatempo. Contudo, por ques-
dança de venda de conteúdo para até uma bolha positiva pela nossa tões operacionais, a emissora gaú-
a de ser espaço publicitário. competência, pois ficamos com cha transferiu sua sede para Porto
uma boa fatia de mercado.” Alegre em 1998.
As ações das chamadas empresas
pontocom subiam sem parar. Nos A ferramenta Internet na Clima- A mudança, em princípio, não ha-
Estados Unidos foi criada uma bol- tempo tornou-se referência nacio- via interferido com o fornecimento
sa de valores, a NASDAQ , só para nal. Para os que não queriam saber de conteúdo de meteorologia. De
acompanhar os negócios. De re- apenas dos aspectos técnicos da 1998 até 2001, a Climatempo,
pente, porém, com a mesma força meteorologia, o site era o caminho mesmo a distância, continuou res-
que cresceu, a bolha explodiu. Puf! certo. Nesse período, a empresa ponsável pela previsão do tempo
E centenas de empresas simples- exibia imagens ao vivo de onze ci- do Canal Rural. Em 2001, os cus-
mente desapareceram. Não eram dades, transmitia boletins de condi- tos com a transmissão de dados e
incomuns as notícias de sites que ções do voo e trazia a tabela das a manutenção das informações in-
fechavam e deixavam de fora de- fases da lua para aqueles que se viabilizaram a parceria, e o negócio
zenas de desempregados. Também preocupavam com o regime ou o foi desfeito.
da noite para o dia. corte de cabelo.
Um outro contrato foi interrompido
Contudo, as empresas mais sólidas Se na Internet a palavra de ordem também nessa época. Dessa vez,
no mercado praticamente saíram era expansão, na consultoria o com um dos primeiros parceiros da
ilesas e, mais do que isso, conse- tempo era de muito movimento. Climatempo: o Grupo Estado. O
guiram consolidar seu espaço. Foi Apesar de ser a nave-mãe da em- grupo passava por um período tur- 73
bulento de mudanças, em especial pelo jornal O Estado de S. Paulo. transmissões da emissora.
no jornal O Estado de S. Paulo.E Os dois principais diferenciais do
O início das transmissões em São
partiu da direção do jornal a ruptu- serviço são a cobertura de todas as
Paulo foi complicado. O estúdio
ra com a Climatempo. Na verdade, capitais brasileiras e os comentári-
construído na Muniz de Souza não
o que houve foi uma mudança no os sobre o impacto do tempo na
tinha isolamento acústico e foi pre-
padrão de negócios. agricultura (geadas, cheias, secas),
ciso recorrer a uma solução caseira
na indústria (racionamento) e no
O novo parceiro, Infotempo, ofere- e barata, mas que funcionou per-
comércio (inverno rigoroso, calor).
ceu uma nova forma de contrato: feitamente. “Eu e a Carol Chacon
As informações serão fornecidas
eles forneceriam a previsão para pintamos e colamos caixas de ovos
pela Climatempo Meteorologia,
todos os jornais do grupo e para a nas paredes para servirem como
com patrocínio da TAM Viagens,
Agência Estado e não receberiam protetor acústico”, lembra Magno.
braço de turismo da TAM Linhas
por isso, pois trariam o patrocínio Quem deu a dica foi Waldemar
Aéreas. Os comentários serão es-
que bancaria as despesas. A oferta Stefan, que sabia das propriedades
critos pela meteorologista Josélia
atraiu a direção do jornal. “O pro- isolantes das caixinhas de ovos.
Pegorim.” (Meio & Mensagem, 15/
blema era que os dados vinham de Essa é uma das histórias lendárias
9/2003, in Linhas & Laudas)
Houston, no Texas, sede da em- da Climatempo e durante anos ser-
presa. Isso complicava um pouco, O novo acordo estendia-se tam- viu de exemplo para incentivar o
pois qualquer problema de trans- bém para outros jornais do grupo, trabalho em equipe. Todo mundo
missão ou na Internet atrasava o como o Jornal da Tarde, e repre- guarda na lembrança as caixinhas
trabalho. Além disso, deixamos de sentou uma reconquista de um de ovos coloridas. E mesmo pare-
ter um serviço exclusivo e, na hora espaço que sempre foi da Clima- cendo puro folclore, é bom dizer
de levantar informações para maté- tempo. “O Infotempo não era mais que elas funcionavam mesmo.
rias, perdemos uma fonte precio- um concorrente, mas para a gente
sa”, lembra Maria do Carmo Foga- foi um aprendizado tremendo, pois A reestruturação da tevê em São
ça, a Cacau, jornalista que durante vimos que os modelos de negócios Paulo aconteceu ao mesmo tempo
mais de dez anos foi a responsável mudam e a gente tem de se adap- em que Carlos Magno já negociava
pela edição do serviço de previsão tar; nesse caso, passamos a dar a entrada do canal do tempo brasi-
do grupo. maior importância ao mercado pu- leiro na operadora Sky. Durante
blicitário”, relata Magno. todo o ano de 2001, a Climatempo
Contudo, com o tempo a promessa e a Sky foram desenvolvendo o
de trazer anunciantes para o jornal Com a Internet e a consultoria novo formato, a tevê entraria como
não se concretizou e a Infotempo bem-estruturadas no novo prédio, um canal interativo e digital. “Foi a
não conseguiu cumprir a sua parte era o momento de trazer a TV Cli- primeira janela de abertura de ne-
do trato. Foi então que, em 2003, matempo para São Paulo. Era pre- gociação para entrar com o con-
Carlos Magno resolveu procurar a ciso racionalizar as operações; isso teúdo da Climatempo numa grande
direção do grupo para tentar um significava repensar os custos, re- operação de tevê por assinatura, e
novo acordo. Com ele levou um estruturar a tevê. a gente recebia para isso”, lembra
anunciante de peso, a TAM , e con- Magno.
Paulo Polli voltaria a integrar a
quistou novamente a conta do jor-
equipe, depois de passar por outras Nesse primeiro momento, o con-
nal. A negociação foi destaque na
experiências, não mais como esta- teúdo era apenas informativo, não
mídia pela sua inovação:
giário, mas sim como diretor da havia audiovisual. A Climatempo
“Um novo modelo de previsão do tevê. Agora em São Paulo, todos fazia parte de um serviço de tevê
tempo será publicado diariamente a os funcionários da Climatempo interativa que a Sky colocou no ar
74 partir de segunda-feira, dia 15, acabaram se envolvendo com as no fim do ano. O serviço oferecia
cinco opções aos assinantes: previ- assinantes. feita pelo The Weather Channel.
são do tempo, esporte, games, “O que acontecia é que muitas ve-
Em 2002, a Climatempo empre-
esoterismo e o Sky e você, um ca- zes a previsão ficava defasada e
gava 35 funcionários, 15 deles
nal de comunicação com a empre- mesmo assim era lida na rádio. O
meteorologistas, todos trabalhan-
sa, e atingia um universo de 250 locutor dizendo que o dia seria de
do para os diversos serviços pres-
mil assinantes. Nesse espaço, a sol e do lado de fora já estava cho-
tados pela empresa: desde Inter-
Climatempo oferecia a previsão do vendo”, relembra Patrícia Madeira.
net, que fornecia conteúdo na
tempo para três dias, atualizadas a
época para 85% dos portais bra- No começo, Carlos Magno e Ana
cada dez minutos, para as maiores
sileiros e links para outros 2 mil Lucia chegaram a voltar a suas ori-
cidades do Brasil e do exterior,
sites, até informações exclusivas gens, apresentando a previsão do
além de dados sobre a lua, marés,
para outras mídias como o WAP e tempo para São Paulo. Um pedido
ventos e plantio.
a tevê interativa. especial do diretor da CBN ao fe-
A diretora-geral da Sky, nesse pe- char o contrato com a Climatempo.
ríodo, Rossana Fontenele, deixava A TV Climatempo também já era
Aos poucos, a tarefa foi delegada
claro na mídia que o objetivo da um sucesso. Até março de 2002,
a outro profissional da equipe.
tevê interativa não era oferecer In- a tevê figurava nos line ups de
ternet na tevê, “mas inovar as for- operadoras independentes, como a Magno convenceu a meteorologis-
mas de conteúdo”. TECSAT, e como fornecedora de ta Patrícia Madeira a assumir a fun-
conteúdo para canais da TVA e TV ção e tornar-se uma “Josélia Pego-
O início da tevê interativa não im- Filme. De acordo com uma matéria rim da CBN”. Relutante no início,
pediu que as duas empresas manti- da revista Pequenas empresas, Patrícia logo pegou gosto pelo rá-
vessem as negociações em torno Grandes negócios, de março de dio e também o jeito de transmitir
da inclusão da TV Climatempo no 2002, o site da Climatempo era a informação de forma confiável.
line up da Sky. O canal brasileiro, acessado por 350 mil pessoas por Com o marido, André Madeira, di-
porém, ainda sofria com a concor- mês. Além disso, a empresa forne- vidia os boletins e com o tempo a
rência do The Weather Channel, cia dados para jornais, 30 emisso- voz dos dois passou a ser reconhe-
mas não desistia de oferecer um ras de televisão espalhadas pelo cida, tornando-se marca registrada
serviço diferenciado do norte-ame- País, várias emissoras de rádio e da CBN.
ricano para atrair as operadoras companhias telefônicas. A revista
brasileiras: Além dos boletins para a CBN São
apontava o crescimento no fatura-
Paulo, a dupla muitas vezes era so-
“As câmeras da Climatempo têm mento da Climatempo nos últimos
licitada por outras sucursais da rá-
condições de mostrar instantanea- cinco anos: uma média anual de
dio, como a de Belo Horizonte e do
mente o que está ocorrendo nas 30%. Sempre atenta a novidades,
Rio. Também da capital fluminen-
principais capitais do País, diz Nas- a Climatempo lançaria, em abril de
se, a rádio Globo AM era outra cli-
cimento. ‘Também podemos ofere- 2002, mais um serviço inédito na
ente assídua. “Teve um dia que eu
cer informações sobre as condi- Internet: previsão do tempo para
ia entrar no show do Antonio Car-
ções das estradas e a balneabilida- esportes terrestres, como futebol,
los, de manhã. De repente, quando
de das praias em tempo real’, afir- e aquáticos, como iatismo.
estou esperando para ser chama-
ma o empresário”. (...) (Meio & O sucesso obtido com a previsão da, ouço uma voz forte ‘Acorda,
Mensagem, 18/3/2002). do tempo divulgada pela rádio El- Patrícia Madeira’ e eu respondia de
A matéria também destacava que dorado de São Paulo levou outras imediato ‘estou acordada há muito
a TV Climatempo, transmitida por emissoras de rádio a procurarem a tempo’. Rádio é muito bom, uma
várias operadoras de tevê a cabo Climatempo. Uma delas foi a CBN, delícia porque te exercita a falar di-
do Brasil, tinha no total 150 mil que até então divulgava a previsão reito, a não falar bobagem para 75
não perder a credibilidade. Por isso, das negociações o que provavel- abrangiam as principais áreas de
um meteorologista tem menos mente irá acontecer. O serviço cultivo do Brasil: algodão, arroz,
chance de dizer alguma besteira dará uma transparência maior ao café, cítricos, feijão, milho, soja,
sobre o tempo; ele conhece mais mercado, com grau de acerto su- trigo e cana-de-açúcar, além de
seu ofício e, como na rádio sempre perior a 90%”, esclarecia Carlos informações sobre pastagens
tem um bate-papo, o risco é me- Magno em uma das várias matérias para a pecuária. Para Carlos Mag-
nor.” que a novidade gerou na imprensa. no, o novo informativo preenchia
uma lacuna que existia no merca-
Assim, como também acredita Jo- O boletim era postado todas as se-
do. Em entrevista para a revista
sélia, que apresenta há anos os bo- gundas-feiras, às 9h da manhã, e
A Lavoura, de setembro de 2002,
letins na rádio Eldorado, o grande os assinantes tinham acesso a uma
Magno afirmava: “As previsões
vilão dessa história é o erro, muitas previsão do tempo gravada em áu-
meteorológicas, de um modo ge-
vezes cobrado ao vivo pelos ouvin- dio e vídeo pelo próprio Carlos
ral, são dirigidas às áreas urba-
tes mais atentos. “Uma vez, eu er- Magno, como em um telejornal.
nas. Oferecemos agora um servi-
rei 100% da previsão, entrei chate-
Uma das primeiras empresas a ço gratuito e de qualidade a to-
ada no ar. Aí, o Milton Jung me
contratar a Climatempo, lá pelos dos aqueles que lidam com a
perguntou se estava tudo bem e eu
idos de 1994, a exportadora Cos- agricultura e a pecuária”.
respondi na lata: ‘não tem nada
ta Café aprovou o novo serviço. Mesmo com um pé na Sky, no fim
bem, não era para estar choven-
A empresa nunca teve dúvida da de 2002 a TV Climatempo enfren-
do’. Sabe que chegaram vários
eficiência e da importância desse tava a saída de um dos seus só-
e-mails me consolando? Isso é rá-
tipo de informação para a agricul- cios. Fundador e grande incentiva-
dio”, relembra Patrícia.
tura. “É como o mercado finan- dor do canal do tempo, Waldemar
Outra frente importante de negó- ceiro; se você sabe que o dólar Stefan decidiu se afastar para po-
cios era a agricultura. A Climatem- vai valorizar, usa seu dinheiro der retomar seus negócios na em-
po sempre se preocupou em aten- para comprar essa moeda e espe- presa Promeeting. Com isso, coube
der agricultores, produtores e todo ra a valorização. Com o café é a a Carlos Magno a tarefa de conti-
o setor de agrobusinness, pois sa- mesma coisa. A previsão dá sub- nuar a empreitada e manter o so-
bia que acompanhar as condições sídios para anteciparmos nossas nho de uma tevê brasileira.
climáticas era fundamental para o decisões”, afirmava, na época, o
acompanhamento do plantio e da gerente comercial da Costa Café, Se a saída de Waldemar foi uma
colheita e para a realização de ne- Marco Antonio Jacob. nota triste, por outro lado nova
gócios na área de commodities. baixa levantaria o ânimo da TV
A ideia do site voltado para os Climatempo. Seja pela situação
Sempre antenados, Carlos Magno produtores de café deu tão certo econômica, seja pela falta de mo-
e Ana Lucia colocaram no site da que, pouco tempo depois, a Cli- tivação, o fato é que o grande
Climatempo, no fim de maio, um matempo decidiu lançar mais um The Weather Channel, que tanta
serviço semanal voltado para a ca- produto inédito no mercado, o dor de cabeça deu a Carlos Mag-
feicultura. A proposta era oferecer AgroClima. Foi o primeiro site no, estava deixando de operar
um panorama climático do setor e brasileiro voltado para a previsão não só no País como em toda a
o serviço foi batizado de Cyberca- do tempo na agricultura. Pecua- América Latina, abrindo espaço
fé. “Os produtores poderão saber ristas, compradores e exportado- para um canal de previsão do
com antecedência a ocorrência de res ganharam uma ferramenta po- tempo brasileiro na maior opera-
geadas para tomar as medidas ne- derosa no mundo do agronegó- dora de tevê a cabo, a NET/Sky.
cessárias. Já os corretores terão a cio. As previsões postadas no Logo em novembro, um alto exe-
76 chance de saber antes da abertura site www.agroclima.com.br cutivo da Net entrou em contato
com Carlos Magno perguntando telejornais passou a ser fornecido chover ou fazer sol antes de deco-
se a TV Climatempo estava pron- pelo Centro de Previsão de Tem- rar suas vitrines.” (revista Dinheiro ,
ta para entrar em operação. “Co- po e Estudos Climáticos (C PETEC/ 30/7/2003, in Linhas & Laudas).
meçou a correria. Pegamos di- Inpe). “Fiquei até o último dia na
A prova de que a saída da Globo
nheiro emprestado no banco, Globo, era um sábado de 2003.
não deixaria traumas foi que logo
compramos o que era necessário Eu disse: ‘Quem vai sou eu’. Não
depois, em julho daquele mesmo
e nos primeiros meses de 2003 estou a fim de que alguém desa-
ano, a Climatempo seria contrata-
conseguimos pagar as dívidas e gradável ou implicante crie algu-
da para prestar serviço para o jor-
equilibrar as contas da TV”, lem- ma saia justa e não quero que ou-
nal O Globo, do mesmo grupo. A
bra Magno. tra pessoa, a não ser eu, encerre
notícia foi destaque no jornal:
isso com chave de ouro”, conta
No dia 2 de janeiro de 2003, jor-
Ana Lucia sobre o último dia na “O tempo vai ficar melhor a partir
nais brasileiros anunciavam a en-
emissora. do próximo domingo. Pelo menos
trada em operação do primeiro ca-
nas páginas do Globo, que lançará
nal de meteorologia 100% nacional A saída da Globo não abalou os
no dia 13 uma nova seção de pre-
na Sky. A TV Climatempo começa- serviços da Climatempo; pelo con-
visão meteorológica, feita pela em-
ria divulgando boletins de hora em trário, era o momento de enfrentar
presa Climatempo. Uma das novi-
hora sobre o tempo no Brasil e no novos desafios. “A tevê deu credi-
dades será o enfoque jornalístico
mundo e alguns outros programas, bilidade à previsão do tempo e,
do espaço, que dará destaque ás
como Em Clima de Viagem, que consequentemente, à minha em-
mudanças climáticas que estiverem
dava dicas das condições do tem- presa”, avalia Magno.
ocorrendo no País. Se nevar na re-
po nos pontos turísticos do País, e
E a credibilidade da empresa no gião Sul, se uma intensa ressaca
Estradas, sobre as condições me-
mercado era tão grande que a re- atingir as praias do Rio ou uma
teorológicas nas principais rodovias
vista Dinheiro, na edição de 30 de seca assolar a região Centro-Oeste,
do País nas tardes de domingo e
julho, trouxe Carlos Magno, um um infográfico explicará os moti-
na volta dos feriados prolongados.
dos sócios da Climatempo, como vos do fenômeno (...). ‘Vamos dar
Além disso, o Minuto Agrícola, vol- destaque da reportagem “De caro- destaque ao que estiver aconte-
tado para o agronegócio e para a na no sucesso”. Nela, Magno e sua cendo de mais importante. Jorna-
agricultura de todo o País. O canal empresa eram tratados como em- listas do Globo estarão sempre em
entraria no ar a partir de março no preendedores vitoriosos: contato com meteorologistas da
formato interativo. Climatempo para decidirmos
“O negócio cresceu tanto que em
que explicações interessam aos lei-
Pouco tempo depois de conquis- 1999 Magno investiu 200 mil dóla-
tores. (...) Essa interatividade e
tar um lugar na tevê por assinatu- res para criar um canal só dele, a
esse dinamismo são inéditos no
ra, a Climatempo dava adeus a TV Climatempo, que hoje (2003)
Brasil’, diz Carlos Magno, diretor
uma de suas melhores e mais im- tem 1,5 milhão de assinantes. Os
da Climatempo.” (O Globo, 06/7/
portantes parcerias. Após treze clientes da empresa também se
2003, in Linhas & Laudas).
anos de contrato com a TV Glo- multiplicaram. Já passam de mil e
bo, a Climatempo deixava de são cada vez mais parrudos – AM- O crescimento acelerado da empre-
prestar serviço para a rede. A saí- BEV (hoje é a INBEV) e Nestlé. O la- sa em todas as áreas, Internet,
da aconteceu em abril de 2003, boratório Roche consulta Magno consultoria e agora também com a
quando a emissora não renovou o para reforçar a distribuição de seus TV Climatempo sendo retransmitida
contrato que mantinha com a em- antigripais e vitaminas C nas re- por uma grande operadora, fez
presa. A partir de então toda a giões onde a previsão é de chuva. com que em dado momento Ana
parte de previsão do tempo dos A butique Daslu quer saber se vai Lucia percebesse a necessidade de 77
modernizar a administração da em- “Sempre se soube quem ganhava O ano de 2003 ficaria marcado
presa. Não teve dúvidas: entrou o quê, mas não se sabia quem pela constatação de uma nova rea-
em um MBA de Administração Ge- dava lucro ou não, porque todos os lidade na meteorologia brasileira.
ral em 2002. E foi ali que teve a lucros e débitos iam parar num lu- Segundo pesquisa feita pela Clima-
real dimensão da importância da gar só, que era a Climatempo Con- tempo, em dez anos, ou seja, de
Climatempo. “Quando comecei a sultoria. Separamos tudo. Eu mes- 1993 a 2003, o faturamento do
fazer o MBA , a Climatempo era ma estudei e criei um programa setor de serviços meteorológicos
uma empresa que as pessoas do que fazia as notas fiscais do jeito saltou de seis milhões de dólares
ramo conheciam, as pessoas dos que acho que deviam ser feitas. O para 120 milhões de dólares. A in-
meios de comunicação conheciam. programa gerava a nota fiscal e dústria era o principal cliente desse
De repente, ali durante as aulas, acompanhava todo o processo des- tipo de serviço, que ajudava no
nas conversas nas filas dos eleva- de a hora em que chegava a ordem planejamento estratégico das em-
dores, descobri que todo mundo para ser emitida até a hora da co- presas.
conhecia a Climatempo. Todas brança.”
Inúmeras matérias ao longo do ano
aquelas pessoas de várias empre-
Ana Lucia trabalhou intensamente. registraram o impressionante cres-
sas importantes conheciam a mi-
Naquele momento, em 2003, era cimento na demanda por serviços
nha empresa. Fiquei muito feliz.
fundamental ter outro departamen- de meteorologia, e a Climatempo
Não tinha a menor ideia de que a
to comercial, que começou de for- estava sempre entre as empresas
Climatempo já estivesse nesse
ma embrionária. Mas era muito tra- citadas. Seja para divulgar novas
ponto”, conta Ana Lucia.
balho para uma pessoa só. Quando parcerias com empresas aéreas
O curso reforçou a vontade de Ana viu que as coisas já estavam an- como Varig e TAM , seja para anun-
Lucia em posicionar a empresa à dando de maneira mais organizada, ciar o lançamento do discador que
altura de sua importância diante do Ana Lucia deixou a administração e fazia da Climatempo um provedor
mercado. Assim, logo após termi- voltou para o que gostava de fazer: da Internet.
nar o MBA , Ana assumiu a tarefa a previsão, só que dessa vez dedi- Como bons previsores, Magno e
de colocar a empresa em ordem. cou-se aos prognósticos climáti- Ana sabiam: o tempo na Climatem-
Segundo ela, a estrutura era ainda cos, para longos períodos. po era bom.
muito amadora e era preciso reor-
ganizar tudo, trabalhar direto com
advogados, contadores especializa-
dos. “Depois de um ano, o Magno
ficou mais confiante e me passou
toda a administração. Ele ficou
mais tranquilo para fazer os negó-
cios. Meti a mão, arregacei as
mangas, refiz os processos de
emissão de notas, cobrança, pro-
gramei o sistema e treinei o pesso-
al. Criei métodos para que o volu-
me de trabalho que aparecia na ad-
ministração fosse gerenciável, au-
ditável, mesmo que internamente.”
Foi um período de reestruturação
78 de toda a parte administrativa.
E
9
m quinze anos a Climatem- da população no acompanhamen- Santos Neto, da Climatempo (...).
po consolidou-se como a to dos fenômenos meteorológi- Segundo o meteorologista Celso
primeira grande prestadora cos. Com isso, era inevitável que Luís, da Somar, o mês de abril des-
de serviços de meteorologia no os serviços prestados por uma te ano está atipicamente quente.”
Brasil. A reestruturação levada a empresa privada fossem, com o (Jornal da Tarde, 10/4/2005, in Li-
cabo por Ana Lucia durante o ano tempo, alvo de concorrência. nhas & Laudas).
de 2003 ajudou a organizar os
No início, os principais concorren- Uma boa razão para manter a Cli-
vários setores da empresa. Na-
Depoimentos
tempo, por fazer parte dela. É bom Sempre brinco com o Magno: de- são diferenciada e o órgão do go-
saber que a gente ajudou nesse sembaraça esses óculos. Poucas verno é mais geral. Por isso não há
crescimento e eu vejo o reconheci- vezes tivemos divergências impor- competição. Não vejo a Climatem-
mento da empresa. O Magno é um tantes: trazemos coisas positivas po como concorrente do governo.
cara inovador. A Climatempo abriu para a empresa. O nome Climatem- O Magno tem o dom da palavra,
as portas da meteorologia. Espero po é muito maior do que todo o sabe passar as coisas com credibi-
continuar na empresa nos próxi- nosso faturamento. Tem.muita cre- lidade, e ele e a Ana formaram
mos dez anos. dibilidade. Não temos telhado de uma grande empresa.
vidro, temos uma laje de concreto.
ANDRÉ MADEIRA NEIDE DE OLIVEIRA
meteorologista RENATO URBINDER meteorologista do Inmet
sócio da Climatempo
98
Os depoimentos dados a essa obra http://cienciaetecnologia.al.gov.br/ Grandes negócios, várias
Fontes e bibliografia
foram colhidos entre março e julho arquivos/publicacoes/revistas/ Revista Tela Viva, 2002
de 2008: cirrus_3.pdf
Revista Forbes Brasil, várias
http://www.jornaldaciencia.org.br/
Amauri Soares Revista Veja, 2003
Detalhe.jsp?id=47792
Ana Lucia Frony de Macedo Revista Dinheiro, 2003
http://br.weather.com/aboutus/
André Madeira Revista Exame, 2006
background.html
Ângela Ruiz Revista Info Exame, 2007
http://www.bbc.co.uk/weather/fe-
Antonio Divino Moura atures/ Boletim ABTA, 1998
Carlos Magno do Nascimento weather_broadcasting.shtml Boletim Cable Report, 1998
Fernando Moreira http://list.msu.edu/cgi-bin/ Caderno MBA – Madia Marke-
Fernanda Bulhões wa?A2=ind0209A&L= ting School, 8ª. turma, 2007
aejmc&P=18687 Diário Popular, vários
Gilca Palma
http://list.msu.edu/cgi-bin/ Jornal da Tarde, vários
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wa?A2=ind0209A&L= O Estado de S. Paulo, vários
João Lara Mesquita aejmc&P=18687
Maria Assunção F. da Silva Dias Meio & Mensagem, vários
http://www.sbmet.org.br/sbmet/
Maria do Carmo Fogaça O Globo, vários
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Neide de Oliveira politica_nacional/ Folha de S. Paulo, vários
Relatorio_sbmet_pnm_2002.pdf DCI, vários
Patrícia Madeira
Paulo Polli http://www.mct.gov.br/index.php/ O Dia, vários
Rogério Leite content/view/68391.html Gazeta Mercantil, vários
Renato Urbinder Valor Econômico, vários
Waldemar Stefan Barroso ARTIGOS E PERIÓDICOS
DVDs
Grande parte das informações teve
LIVROS como fonte a clipagem feita pela TVClipping – Entrevista a João
empresa Linhas & Laudas em bole- Dória
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacio-
tins e releases produzidos entre os Palestra de Carlos Magno – 2 ª.
nal: a notícia faz história. Rio de
anos de 1999 e 2008. Convenção da Climatempo,
Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2008
2005. Também foram consultados os se-
Programa Negócios e Soluções,
guintes jornais e revistas:
PEREIRA, Vera Malfa e SPINARDI, TV Cultura
Alcir. Memórias do Tempo, um Revista Brasileira de Tecnologia
livro sujeito a chuvas e trovoa- – RBT, 1988
das. São Paulo, 2003. Revista Ecologia e Desenvolvi-
mento, 1997
SITES Revista Superinteressante,
1997
http://fisica.ufpr.br/grimm/aposme-
teo/cap1/cap1-1.html Revista Diálogo Médico, 1997
http://www.iag.usp.br/siae97/ Revista Contigo, 2004
meteo.htm Revista Pequenas empresas, 99
Caderno de fotos
O primeiro escritório funcionava na mesma casa
em que Carlos Magno e Ana Lucia moravam, na
Rua da União. Na foto, o pequeno Victor Hugo,
Da janela de um pequeno apartamento da Vila terceiro filho do casal, em meio à parafernália de
Mariana, em São Paulo, dois jovens empreende- aparelhos usada nos boletins da rádio Eldorado.
dores, Carlos Magno e Ana Lucia, sonhavam em
ter seu próprio negócio.
Dª. Alice,
mãe e amiga
de Carlos
Magno que
deu apoio
moral e fi-
nanceiro nos
primeiros
anos da Cli-
matempo.
Durante a festa de dez anos da Climatempo, em dezembro de 1998, Ana Lucia Frony
de Macedo e Carlos Magno do Nascimento lançam a TV Climatempo.
Waldemar Stefan Barroso e Carlos Magno do Nascimento na inau-
guração da tevê, em São José dos Campos, no dia 15 de setembro
de 1999.
113
Acima: a revista Pequenas empresas, Grandes negócios, de março
de 2002, destaca o crescimento das empresas que oferecem servi-
ços de meteorologia.
Ao lado: Carlos Magno ainda no início das atividades da Climatem-
po. Desde o início, a empresa buscou oferecer serviços de meteoro-
logia para os principais interessados. Aqui, os velejadores (revista
Bordo, de 1991).
Na outra página: A importância da meteorologia para o planejamen-
to das empresas (O Globo, do dia 7 de abril de 2007).
A importância da meteorologia
no dia a dia das pessoas. Maté-
ria da Vejinha, de 11 de feverei-
ro de 2004. Na foto menor, à
esquerda da matéria, Ana Lucia
e Carlos Magno.
O casal do tempo Carlos Magno
e Ana Lucia, na revista Peque-
nas empresas, Grandes negóci-
os (agosto de 1994).
Na outra página:
anúncio da TV Climatempo
na revista Pay TV, de 2000.
Na outra página: Carlos Mag-
no é destaque da revista For-
bes de outubro de 2000.
Nesta: ainda como meteoro-
logista do Instituto Nacional
de Meteorologia (revista
IstoÉ, janeiro de 1987).
Este livro foi editorado em Univers 11/15
e mandado imprimir em papel couchê fos-
co 115g, pela Climatempo, em julho de
2009, em comemoração aos 20 anos de
fundação do Grupo.