Machado
Sumário
1 Derivadas Vetoriais 3
1.1 Conceitos Iniciais Sobre Derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Aplicações em Geometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.1 Curvas no Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.2 Superfı́cies no Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.3 Aplicações em Mecânica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1.3.1 Cinemática Elementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1.3.2 Transformações entre Referenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
1.3.3 Dinâmica Elementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
1.3.4 Dinâmica em Referenciais Girantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
1.3.5 Sistemas de Partı́culas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
1.3.6 Velocidade e Aceleração em Coordenadas Polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
1.3.7 Velocidade e Aceleração em Coordenadas Cilı́ndricas . . . . . . . . . . . . . . . . 109
1.3.8 Velocidade e Aceleração em Coordenadas Esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
K. D. Machado
Apenas uso pessoal
SUMÁRIO
K. D. Machado
Capı́tulo 1
N este capı́tulo introduzimos a operação de derivação de vetores, a partir da qual diversas propri-
edades e aplicações extremamente importantes podem ser obtidas. Pode-se dizer que boa parte da (senão
toda) Fı́sica está baseada na determinação de relações envolvendo derivadas de grandezas vetoriais. Vamos
iniciar o estudo apresentando alguns conceitos preliminares sobre derivadas.
K. D. Machado
yQ − yP
tg θs = (1.1)
xQ − xP
Sendo P e Q dois pontos conhecidos, a tangente dada pela expressão 1.1 é uma aproximação para a tangente
do ângulo θ. Entretanto, essa aproximação pode ser ótima, apenas razoável ou mesmo péssima, dependendo
de qual é o ponto Q considerado. Se y = f (x) for uma reta, ela será exata, visto que a reta tangente ao
ponto P será a própria reta.
Podemos melhorar essa aproximação se escolhermos um ponto Q próximo a P. Com isso, intuitiva-
mente percebemos que a reta secante PQ deve se aproximar da reta tangente a P, o que fará com que
o ângulo θs se aproxime do ângulo θ. Lembrando que yP = f (xP ) e yQ = f (xQ ), podemos escrever a
equação 1.1 como
f (xQ ) − f (xP )
tg θs = (1.2)
xQ − xP
Vamos escrever xQ mediante
xQ = xP + ∆x
onde ∆x é um número pequeno. Então, temos
tg θ = lim tg θs
∆x→0
1.1. CONCEITOS INICIAIS SOBRE DERIVADAS 5
dy f (x + ∆x) − f (x)
= lim (1.7)
dx ∆x→0 ∆x
e
dy
tg θ = (1.8)
dx
Existem outras notações para a derivada. Como y = f (x), representações comuns são
dy df
= = y ′ (x) = f ′ (x)
dx dx
Note que a derivada de y = f (x), assim como a própria f (x), é uma função de x. Vejamos agora a outra
interpretação possı́vel para a derivada de uma função.
Considere uma função y = f (x), cujo gráfico foi apresentado na figura 1.1. Podemos perguntar agora
com qual taxa (instantânea) a grandeza y varia quando fazemos uma variação na grandeza x da qual y é
função. Matematicamente, podemos pensar, inicialmente, numa taxa média de variação, ou seja, quando x
sofre uma variação ∆x, y = f (x) sofre uma variação ∆y, de modo que a taxa média é dada por
∆y
taxa média =
∆x
Esse resultado é apenas uma aproximação para a taxa instantânea de variação pedida, e pode ser boa,
razoável ou muito ruim, dependendo de quanto vale ∆x e de quão rápido y varia quando x varia. Podemos
escrever essa taxa média como
yx+∆x − yx
taxa média =
∆x
ou
f (x + ∆x) − f (x)
taxa média =
∆x
6 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Agora, é também intuitivo pensar que, se o intervalo ∆x for tornado cada vez menor, a taxa média acima
se aproxima cada vez mais da taxa instantânea. Assim, matematicamente temos um processo de limite, de
modo que, quando ∆x → 0, temos
f (x + ∆x) − f (x)
lim taxa média = lim
∆x→0 ∆x→0 ∆x
O lado direito dessa expressão, conforme já vimos, corresponde à derivada da função y = f (x), enquanto o
dy df
taxa instantânea = = = f ′ (x) = y ′ (x) (1.9)
dx dx
Portanto, chegamos à segunda interpretação de derivada, a qual estabelece que a derivada de uma dada
função y = f (x) corresponde à taxa instantânea de variação de y quando x sofre uma variação ∆x → 0. As
duas interpretações acima são muito importantes e igualmente válidas, sendo que cada problema especı́fico
pode ser encarado considerando uma ou ambas as maneiras.
Partindo agora para o nosso estudo de vetores, considere um vetor V~ qualquer, que seja função de
um parâmetro t, de modo que V~ = V~ (t). À medida que t varia, o vetor V~ (t) também varia, e podemos
representar o vetor V~ para dois valores diferentes de t como no diagrama apresentado na figura 1.3 abaixo.
DV
P
V (t+Dt)
V (t)
K. D. Machado ~
d2 V~ d dV~ ∆( ddt
V
)
2
= = lim
dt dt dt ∆t→0 ∆t
e assim sucessivamente, enquanto o limite existir. Existem algumas grandezas vetorias cujas derivadas são
extremamente importantes mas, antes de passarmos a elas, vamos apresentar algumas regras de derivação
úteis. Considere três funções vetoriais V~ (t), U~ (t) e W~ (t), além de uma função escalar f (t). Nesse caso, temos
É importante frisar que a ordem nesses produtos é importante. Vamos demonstrar algumas dessas proprie-
dades e as outras ficam como exercı́cios para o leitor.
d ~ dV~ dU~
(V + U~ ) = +
dt dt dt
Pela definição 1.10 para a derivada, temos
K. D. Machado
d ~ dV~ dU~
(V + U~ ) = +
dt dt dt
que é a propriedade 1.11a, agora demonstrada.
d ~ dU~ dV~
(V × U~ ) = V~ × + × U~
Análise Vetorial
dt dt dt
Pela definição 1.10 para a derivada, temos
Portanto,
d ~ V~ (t) × U~ (t) + ∆V~ × U~ (t) + V~ (t) × ∆U~ + ∆V~ × ∆U~ − V~ (t) × U~ (t)
(V × U~ ) = lim
dt ∆t→0 ∆t
ou então,
Note que V~ (t) e U~ (t) são independentes do limite ∆t → 0, por isso podemos retirá-los dos limites acima.
Além disso, quando ∆t → 0, ∆V~ e ∆U~ também tendem a zero, de modo que o último termo do lado direito
acima se anula e resta
d ~ dV~ dU~
(V × U~ ) = × U~ (t) + V~ (t) ×
dt dt dt
que é a relação 1.11d, agora demonstrada.
1.1. CONCEITOS INICIAIS SOBRE DERIVADAS 9
K. D. Machado
Um vetor de particular importância consiste na posição ~r de um ponto no espaço. Em geral, esse
vetor é uma função do tempo t, ou seja, ~r = ~r(t). Conseqüentemente, o tempo t faz o papel de parâmetro.
Relembrando a expressão ?? para a posição em coordenadas retangulares, temos
~r = xı̂ + y ĵ + z k̂
onde x, y e z são agora funções do tempo, ou seja, x = x(t), y = y(t) e z = z(t). Assim, a posição fica, em
coordenadas retangulares,
∆~r
taxa média =
∆u
Note que, nessa situação, ∆~r não tem nenhuma relação especı́fica com a curva descrita no espaço pelo vetor
~r. Entretanto, quando tomamos o limite ∆u → 0, o ponto Q na figura 1.3 vai se aproximar do ponto P
tanto quanto se queira, o que fará com que, nesse caso, ∆~r torne-se tangente à curva ~r(u). Portanto, a taxa
instantânea, que é obtida ao tomarmos o limite ∆u → 0 e corresponde à derivada de ~r em relação a u,
fornece um vetor tangente à curva descrita por ~r(u), ou seja,
d~r ∆~r
= lim = vetor tangente a ~r(u) (1.13)
du ∆u→0 ∆u
Se ~r(u) for escrita como
d~r
~v = (1.16)
dt
É importante lembrar que a velocidade é uma grandeza vetorial, medida, no SI, em m/s. Além disso, pelo
resultado expresso pela equação 1.13, vemos que a velocidade ~v é tangente à curva descrita por ~r(t). Em
coordenadas retangulares, a velocidade, seguindo a expressão 1.15, pode ser escrita como
d~r dx dy dz
~v = = ı̂ + ĵ + k̂ (1.17)
dt dt dt dt
10 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
É comum representarmos derivadas em relação ao tempo como pontos acima da grandeza que está sendo
derivada. Então, a equação 1.16 também pode ser escrita como
~v = ~r˙ (1.18)
enquanto a 1.17 fica
~v = ẋı̂ + ẏ ĵ + ż k̂ (1.19)
d d~r d2~r
~a = = 2 (1.21)
dt dt dt
A aceleração pode ser representada também por
d2 x d2 y d2 z
~a = ı̂ + ĵ + k̂ (1.23)
dt2 dt2 dt2
ou
~a = ẍı̂ + ÿ ĵ + z̈ k̂ (1.24)
d~r
= ı̂ + 2t ĵ + 3t2 k̂
~u(t) = (1.26)
dt
Um vetor tangente à curva descrita pela equação 1.25 no ponto P(1, 1, 1) pode ser obtido mediante a
equação 1.26 fazendo-se t = 1, ou seja,
~u(1) = ı̂ + 2 ĵ + 3 k̂ (1.27)
Relembrando agora a discussão feita na seção ?? sobre a equação vetorial da reta, podemos usar a expres-
são ?? para obter a equação da reta tangente, ou seja,
~s = P + β~u(1)
1 Se t fosse o tempo, a derivada seria a velocidade de uma partı́cula seguindo uma trajetória descrita pela curva.
1.1. CONCEITOS INICIAIS SOBRE DERIVADAS 11
K. D. Machado
onde ~s é a equação vetorial da reta tangente e β é um parâmetro. Substituindo a expressão 1.27, temos
~s = (1, 1, 1) + β(1, 2, 3)
ou
~s = (1 + β, 1 + 2β, 1 + 3β)
ou ainda,
Exemplo 1.2. Uma partı́cula move-se num plano de acordo com as equações paramétricas x = a cos ωt e
y = a sen ωt, onde a e ω são constantes e t é o tempo. Identifique a trajetória da partı́cula e o movimento
descrito por ela.
A equação da posição da partı́cula no plano é dada por
|~r(t)|2 = x2 + y 2 (1.30)
Levando em conta agora a expressão 1.29, obtemos
x2 + y 2 = a2 (1.32)
que é a equação de uma circunferência. Assim, o movimento da partı́cula é circular, e o raio da órbita é dado
por |a|. Vamos agora determinar a velocidade da partı́cula, mediante
d~r
= −aω sen ωtı̂ + aω cos ωt ĵ
~v (t) = (1.33)
dt
Note que ~v é sempre perpendicular a ~r num movimento circular. Conferindo explicitamente, mediante o
cálculo de ~v · ~r, temos
K. D. Machado
|~v (t)|2 = ~v · ~v = a2 ω 2 sen2 ωt + a2 ω 2 cos2 ωt
ou
Voltando ao estudo de derivadas, vamos introduzir a idéia de derivada parcial. Uma função escalar
f (t, u, v) é uma função de três variáveis, t, u e v, e uma pergunta relevante consiste em saber como se dá a
variação dessa função quando uma das variáveis independentes varia enquanto as outras duas permanecem
constantes 3 . Assim, definimos inicialmente a taxa média de variação de f com t através de
∂f
K. D. Machado
∂f ∆f (t, u, v) f (t, u, v + ∆v) − f (t, u, v)
= = lim = lim (1.37)
∂v ∂v t,u ∆v→0 ∆v ∆v→0 ∆v
A extensão para uma função vetorial V~ = V~ (t, u, v) é imediata, de modo que temos
Essas derivadas seguem propriedades semelhantes àquelas dadas pelas equações 1.11. Após definirmos as
derivadas parciais de uma função escalar f (t, u, v), podemos determinar a diferencial total da função, a qual
é dada por
∂f ∂f ∂f
df =
dt + du + dv (1.39)
∂t ∂u ∂v
A diferencial total da função é importante pois, a partir dela, podemos determinar como varia f quando
uma variável qualquer w é alterada, o que corresponde à taxa instantânea de variação de f com relação a
w, ou seja,
df ∂f dt ∂f du ∂f dv
= + + (1.40)
dw ∂t dw ∂u dw ∂v dw
Note que, em princı́pio, t = t(w), u = u(w) e v = v(w). A variável w pode ser, inclusive, uma das variáveis
t, u ou v. Se essas variáveis forem independentes umas das outras, então ocorre
dt du dv
=1 =0 =0
dt dt dt
dt du dv
=0 =1 =0
du du du
dt du dv
=0 =0 =1
dv dv dv
ou, resumindo,
dXi
= δij (1.41)
dXj
onde Xi e Xj representam qualquer uma das variáveis da função f e δij é a delta de Kronecker definida
por ??. No caso de uma função vetorial V~ (t, u, v), temos, para a diferencial total de V~ ,
∂ V~ ∂ V~ ∂ V~
dV~ = dt + du + dv (1.42)
∂t ∂u ∂v
e sua derivada total em relação a uma variável w torna-se
dV~ ∂ V~ dt ∂ V~ du ∂ V~ dv
= + + (1.43)
dw ∂t dw ∂u dw ∂v dw
onde w pode ser, inclusive, uma das variáveis t, u ou v. Vejamos agora alguns exemplos simples.
14 1. DERIVADAS VETORIAIS
∂~
r ∂~ ∂2~
K. D. Machado
Exemplo 1.3. Uma superfı́cie é descrita pela equação vetorial ~r(u, v) = (u + v)ı̂ + (u − v 2) ĵ + (2u2 v + v 3 ) k̂.
Determine ∂u , ∂vr e ∂u∂v
r
.
A equação da superfı́cie é
∂ 2~r ∂ ∂~r
= = 4u k̂
∂u∂v ∂u ∂v
A função vetorial é
diff(funç~
ao, variável)
que tem, como argumentos, a funç~ao a ser derivada e a variável ou variáveis em relação às quais a função
deve ser derivada. Vamos primeiro definir a função acima mediante
> with(VectorCalculus):
> V:=<4*u*v**2,ln(u*v),-u*exp(v)>;
V := 4 u v 2 ex + ln(u v) ey − u ev ez
Note que devemos lembrar de carregar a biblioteca VectorCalculus para definir a função vetorial V~ . Além
disso, temos duas novas funções matemáticas importantes, o logaritmo neperiano (ln(x)) e a função expo-
nencial (exp(x)). Agora que V ~ está definido, podemos calcular ∂ V~ , ou seja,
∂u
> dVdu:=diff(V,u);
1
dVdu := 4 v 2 ex + ey − e v ez
u
ou
∂V~ 1
= 4v 2 ı̂ + ĵ − ev k̂
∂u u
O comando diff tem como argumentos a função a ser derivada e a variável (ou variáveis, conforme veremos
~
em seguida) em relação a qual queremos derivar a função. Obtemos a derivada ∂∂v
V
por meio de um comando
semelhante, ou seja,
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 15
> dVdv:=diff(V,v);
K. D. Machado
1
dVdv := 8 u v ex + ey − u e v ez
v
ou
~
∂V 1
= 8uvı̂ + ĵ − uev k̂
∂v v
derivamos em relação a u, depois derivamos três vezes com relação a v. Antes de efetivamente calcularmos
Análise Vetorial
a derivada pedida, vamos introduzir o comando
Diff
que é o comando diff inerte, ou seja, ele apresenta graficamente a derivada a ser feita mas não a calcula, o
que é útil para conferir a digitação das expressões, por exemplo. Explicitando, temos,
> d4Vdv3du:=Diff(V,u,v$3);
∂4
d4Vdv3du := ∂v 3 ∂u 4 u v 2 ex + ln(u v) ey − u ev ez
Note que, com o comando Diff, verificamos que o cálculo a ser feito está correto, e então podemos usar o
comando diff na sequência. Além disso, vemos que podemos usar o comando Diff (ou diff) considerando
várias variáveis para derivação. Nesse caso, elas devem aparecer na ordem em que serão feitas, ou seja, a
primeira variável de derivação aparece em primeiro lugar, a segunda vem depois, e assim sucessivamente.
Quando várias derivações são feitas em relação a mesma variável, como é o caso acima, podemos simplificar a
expressão utilizando um sinal $ seguido do número de derivações em relação à variável que se repete. Portanto,
o comando acima poderia ser escrito, também, como Diff(V,u,v,v,v). Calculando agora a derivada pedida,
temos
> d4Vdv3du:=diff(V,u,v$3);
d4Vdv3du := −ev ez
ou
∂4V~
3
= −ev k̂
∂v ∂u
e o problema está resolvido. Vejamos agora algumas aplicações importantes dos conceitos vistos.
Dr
Análise Vetorial
Dl
P
r(u+Du)
r(u)
Na figura vemos a parte da curva entre P e Q destacada. Essa parte da curva tem um comprimento, chamado
de comprimento de arco, dado por ∆ℓ. Note que esse comprimento não é necessariamente igual ao módulo
do vetor ∆~r mostrado na figura. Entretanto, quando o ponto Q se aproxima infinitamente de P, isto é,
quando ∆u → 0, o módulo de ∆~r, ou seja, |∆~r |, tende ao valor do comprimento de arco ∆ℓ, o que pode
ser expresso, matematicamente, por
|d~r | = dℓ (1.44)
Considere agora que a curva seja dada em termos do comprimento de arco ℓ medido a partir de algum ponto
especificado na curva. Então, nesse caso, o parâmetro u é, na verdade, ℓ, a curva é dada por ~r = ~r(ℓ) e um
vetor tangente à curva é dado por
d~r
vetor tangente = (1.45)
dℓ
Agora, substituindo a equação 1.44 na expressão acima, temos
d~r
vetor tangente = (1.46)
|d~r |
Portanto, chegamos a uma relação interessante, já que um vetor, dividido pelo seu módulo, dá origem a um
vetor unitário, ou versor, e esse versor é tangente à curva e orientado no sentido do crescimento de ℓ. Vamos
definir um versor T̂ mediante
d~r d~r
T̂ = = (1.47)
|d~r | dℓ
Esse é o primeiro vetor importante quando se estudam curvas no espaço. Para continuar, temos que provar
inicialmente uma propriedade que estabelece que, se V~ é um vetor de módulo constante, temos
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 17
K. D. Machado
dV~
V~ · =0 (1.48)
du
dV~
onde u é um parâmetro qualquer e du 6= 0. Vamos demonstrar essa relação em seguida.
d ~ ~ dU~ dV~ ~
(V · U ) = V~ · + ·U
dt dt dt
obtemos
dV~ dV~ ~
V~ · + ·V = 0
du du
visto que a derivada de uma constante é nula. Então,
dV~
2V~ · =0
du
ou
dV~
V~ · =0
du
dV~
que é a equação 1.48, agora demonstrada. Essa expressão mostra que V~ e du devem ser perpendiculares
~
entre si, se V~ tiver módulo constante e se dV 6= 0.
du
Continuando nossa discussão, frisamos que T̂ é um vetor de módulo constante. Assim, ddℓT̂ é um vetor
que deve ser perpendicular a T̂ , a menos que seja nulo, conforme a propriedade 1.48. Vamos escrever agora
dT̂
= κN̂ (1.49)
dℓ
onde κ é uma grandeza chamada curvatura da curva e N̂ é um versor que está na mesma direção e sentido
que o vetor ddℓT̂ . Note que essa direção é perpendicular à T̂ , o qual, por sua vez, é tangente à curva. Logo, N̂
é um versor normal à curva, e sua direção é chamada de normal principal à curva, no ponto considerado. A
curvatura κ, pela definição 1.49, é não-negativa, e como os versores não têm dimensão mas dℓ tem dimensão
de comprimento, κ tem dimensão de inverso de comprimento. Assim, define-se a grandeza raio de curvatura
̺, mediante
1
̺= (1.50)
κ
Note que, se κ = 0 num dada ponto, então o raio de curvatura nesse ponto tende a infinito. Se isso ocorre
para todos os pontos da curva, então, pela expressão 1.49, vemos que ddℓT̂ = 0 identicamente, ou seja, o versor
18 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
T̂ não varia, sendo então um versor constante em módulo, direção e sentido. Isso só ocorre se a curva for
uma linha reta. Portanto, o raio de curvatura de uma linha reta é infinito, o que é um resultado até intuitivo.
Os versores T̂ e N̂ definem um plano. Um versor perpendicular a esse plano é obtido ao fazermos o
~ por meio de
produto vetorial entre esses dois vetores. Vamos definir agora o versor B,
~ = T̂ × N̂
B (1.51)
Os versores acima formam uma base chamada de base TNB, ou triédro móvel, dada por TNB = {T̂ , N̂ , B}. ~
dB~ d
= (T̂ × N̂ )
dℓ dℓ
ou, usando a identidade 1.11d,
d ~ dU~ dV~
(V × U~ ) = V~ × + × U~
dt dt dt
obtemos
dB~ dN̂
= κN̂ × N̂ + T̂ ×
dℓ dℓ
e então,
dB~ dN̂
= T̂ ×
dℓ dℓ
~ ~ como a T̂ . Como ele está no plano formado por T̂ e N̂ , ele só
de modo que ddℓB
é perpendicular tanto a B
pode ser paralelo ao versor N̂ , e podemos escrever
dB~
= −τ N̂ (1.52)
dℓ
onde τ é uma grandeza chamada de torção, podendo ser um número negativo. A torção também tem
dimensões de inverso de comprimento, e seu inverso é o raio de torção, dado por
1
ς= (1.53)
τ
~ ~ é um versor
Note que, quando τ = 0 em todos os pontos da curva, ddℓ B
= 0 identicamente, de modo que B
constante. Agora, como B, ~ T̂ e N̂ são perpendiculares entre si, temos B
~ · T̂ = 0 e B
~ · N̂ = 0, de modo que
~
a curva pertence a um plano que é perpendicular ao versor B. Portanto, a curva é uma curva plana. Logo,
curvas planas têm raios de torção nulos.
Vamos calcular agora a derivada de N̂ . Para isso, considere que, pela equação 1.51, temos
~ = T̂ × N̂
B
Agora, façamos o produto vetorial entre essa equação e o versor T̂ , isto é,
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 19
K. D. Machado
~ × T̂ = (T̂ × N̂ ) × T̂
B
Agora, reescrevemos o duplo produto vetorial mediante a propriedade ??,
~ × T̂
N̂ = B (1.54)
Agora, derivando, temos
dN̂ d ~
= (B × T̂ )
dℓ dℓ
ou, usando a identidade 1.11d,
dN̂ ~
=
dB ~ × dT̂
× T̂ + B
dℓ dℓ dℓ
Fazendo uso das equações 1.49 e 1.52, achamos
dN̂ ~ × κN̂
= −τ N̂ × T̂ + B
dℓ
Lembrando a equação 1.51, temos
dN̂ ~ + κB
~ × N̂
= −τ (−B) (1.55)
dℓ
~ com a equação 1.54, isto é,
Podemos simplificar essa expressão calculando o produto vetorial de B
B ~ × (B
~ × N̂ = B ~ × T̂ )
ou
~ × N̂ = −T̂
B
de modo que
~
T̂ = N̂ × B (1.56)
Então, a equação 1.55 fica
20 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
dN̂ ~ − κT̂
= τB (1.57)
dℓ
Reunindo as expressões 1.49, 1.52 e 1.57, temos
dT̂
= κN̂ (1.58a)
dℓ
Υ ~
~ = τ Tˆ + κB (1.59)
conhecido como vetor de Darboux. Nesse caso, mediante o uso do vetor de Darboux, as equações 1.58 podem
ser escritas de uma forma mais simples. Par ver isso, vamos calcular inicialmente
~ × T̂
~ × T̂ = (τ Tˆ + κB)
Υ
ou
~ × T̂
~ × T̂ = τ Tˆ × T̂ + κB
Υ
e, usando a expressão 1.54, achamos
~ × T̂ = κN̂
Υ (1.60)
Agora, considere o produto vetorial da equação 1.59 com N̂ , isto é,
~ × N̂
~ × N̂ = (τ Tˆ + κB)
Υ
ou
~ × N̂
~ × N̂ = τ Tˆ × N̂ + κB
Υ
ou ainda, mediante o uso de 1.51 e 1.56,
Υ ~ − κT̂
~ × N̂ = τ B (1.61)
~ obtendo
Por fim, efetuamos o produto vetorial entre a equação 1.59 e B,
~ = (τ Tˆ + κB)
~ ×B
Υ ~
~ ×B
ou
~ = τ T̂ × B
~ ×B
Υ ~ + κB
~ ×B
~
Υ ~ = −τ N̂
~ ×B (1.62)
Utilizando agora as equações 1.60–1.62 nas equações de Frenet-Serret 1.58, obtemos
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 21
K. D. Machado
dT̂ ~ × T̂
=Υ (1.63a)
dℓ
dN̂ ~ × N̂
=Υ (1.63b)
dℓ
dB~
~ ×B
=Υ ~ (1.63c)
d~r d~r dℓ
=
du dℓ du
Note que, nesse caso, ℓ = ℓ(u) é uma função crescente do parâmetro u. Usando a expressão 1.47, temos
d~r dℓ
= T̂ (1.64)
du du
Considere agora o produto escalar dessa equação com ela mesma, isto é,
d~r d~r dℓ dℓ
· = T̂ · T̂
du du du du
ou, lembrando que T̂ é um versor,
d~r 2 dℓ 2
=
du du
de modo que
d~r dℓ
= (1.65)
du du
pois
dℓ
>0 (1.66)
du
já que ℓ(u) é uma função crescente do parâmetro u. Com isso, podemos reescrever a expressão 1.64 como
d~r d~r
T̂ = du = du (1.67)
dℓ d~r
du du
Vamos derivar agora a equação 1.64 em relação a u, ou seja,
d d~r d dℓ
= T̂
du du du du
Temos, usando a identidade 1.11b,
d2~r d2 ℓ dℓ dT̂
2
= 2 T̂ +
du du du du
ou
d2~r d2 ℓ dℓ dT̂ dℓ
2
= 2
T̂ +
du du du dℓ du
22 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
ou ainda, utilizando a equação 1.49, achamos
d2~r d2 ℓ dℓ 2
2
= 2 T̂ + κ N̂ (1.68)
du du du
Vamos derivar essa expressão em relação a u, ou seja,
dℓ 2
d d2~r d d2 ℓ
= T̂ + κ N̂
du du2 du du2 du
dκ dℓ 2 dℓ 2 dN̂
Análise Vetorial
d3~r d3 ℓ d2 ℓ dT̂ dℓ d2 ℓ
= T̂ + + 2κ N̂ + N̂ + κ
du3 du3 du2 du du du2 du du du du
ou
d3~r d3 ℓ dℓ d2 ℓ dκ dℓ 2 dℓ d2 ℓ dℓ 3
~ − κT̂ )
= T̂ + κ N̂ + N̂ + 2κ N̂ + κ (τ B
du3 du3 du du2 du du du du2 du
ou
3 3
d3~r d ℓ 2 dℓ dℓ d2 ℓ dκ dℓ 2 dℓ 3
~
= − κ T̂ + 3κ + N̂ + κτ B (1.69)
du3 du3 du du du2 du du du
Vamos agora calcular o produto vetorial entre as equações 1.64 e 1.68, ou seja,
2 dℓ 2
d~r d2~r dℓ d ℓ
× 2 = T̂ × T̂ + κ N̂
du du du du2 du
ou
d~r d2~r dℓ d2 ℓ dℓ 3
× 2 = T̂ × T̂ + κ T̂ × N̂
du du du du2 du
ou, usando a expressão 1.51, achamos
d~r d2~r dℓ 3
× 2 =κ ~
B (1.70)
du du du
cujo módulo vale
d~r d2~r dℓ 3
× 2 = κ (1.71)
du du du
dℓ
onde consideramos que du > 0. Além disso, da expressão 1.65, temos
d~r dℓ
=
du du
de modo que podemos reescrever a equação 1.71 na forma
d~r d2~r d~r 3
× 2 = κ
du du du
Essa expressão nos fornece a curvatura κ, mediante um rearranjo nos termos, de forma que
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 23
ou
d~r
pn − ~r ) ·
(~ = 0, plano normal (1.74)
du
24 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado d~
r
visto que ~pn − ~r é um vetor do plano normal, du k T̂ e (~
pn − ~r ) ⊥ T̂ . Podemos seguir o mesmo procedimento
para os outros dois planos. O plano definido pelos versores tangente T̂ e binormal B ~ é o plano retificador,
e é perpendicular ao versor normal N̂ . Nesse caso, precisamos inicialmente calcular o produto vetorial entre
as equações 1.70 e 1.64, isto é,
d~r d2~r d~r dℓ 3
× × = κ ~ × dℓ T̂
B
du du 2 du du du
Por fim, os versores tangente T̂ e normal N̂ definem o plano osculador, que é perpendicular ao versor
~ Esse versor, se recordarmos a equação 1.70,
binormal B.
d~r d2~r dℓ 3
× 2 =κ ~
B
du du du
2
d~
r d ~
r
é proporcional ao vetor du × du2 . Portanto, se ~
po for a posição de um ponto qualquer pertencente ao plano
osculador, a equação desse plano será dada por
d~r d2~r
po − ~r ) ·
(~ × = 0, plano osculador (1.77)
du du2
Assim, podemos determinar as equações dos três planos relevantes em se tratando de curvas no espaço.
Podemos também determinar facilmente as equações das retas paralelas às direções tangente, normal e
binormal à curva em cada ponto do espaço. Se ~rt for a posição de um ponto qualquer pertencente à reta
tangente, então deve ocorrer
~ = 0,
(~rb − ~r ) × B reta binormal (1.80)
sendo ~rb a posição de um ponto qualquer pertencente à reta binormal. Vejamos agora alguns exemplos de
aplicação das idéias vistas até agora.
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 25
K. D. Machado
Exemplo 1.5. Uma curva do espaço tem coordenadas descritas pelas equações paramétricas x = 2 cos u,
y = 2 sen u e z = u. Represente a curva e determine os versores da base TNB, além da curvatura e da
torção.
O primeiro passo consiste em representar a curva no espaço. Note que a posição dos pontos da curva
é dada por
1. curva: corresponde à equação vetorial da curva cujo gráfico queremos, lembrando que vetores são
definidos mediante o uso dos sinais <>.
2. faixa: corresponde à faixa de valores desejados para o parâmetro u que descreve a curva.
3. opç~
oes: existem várias opções gráficas que podem ser usadas para a visualização. Algumas são
(a) axes: define o tipo de configuração desejada para os eixos do gráfico. As opções, nesse caso, são
boxed (eixos como na figura 1.5, fazendo uma espécie de caixa), normal (eixos coincidindo na
origem), framed (similar ao boxed, mas apenas as arestas que definem os eixos são mostradas) e
none (sem eixos, apenas a curva).
(b) color: define a cor da curva, sendo que temos opções como aquamarine, black, blue, brown,
coral, cyan, gold, green, gray, grey, khaki, magenta, maroon, orange, navy, pink, plum, red,
sienna, tan, turquoise, violet, wheat, white e yellow.
(c) orientation: define dois ângulos de visada. O primeiro gira o sistema de coordenadas em torno
do eixo z e o segundo corresponde ao ângulo entre o eixo z do gráfico e a reta perpendicular ao
plano da página ou da tela. Note que o eixo z pertence sempre a um plano vertical perpendicular
ao plano do papel ou da tela.
(d) thickness: deve ser um número inteiro não-negativo, corresponde à espessura da curva.
K. D. Machado
o que gera a saı́da dada na figura 1.5.
12.5
7.5
5.0
−2
Análise Vetorial
2.5 −1
0
0.0
−2 1
−1
0 2
1
2
A curva apresentada na figura 1.5 é um exemplo de espiral circular ou hélice circular, e está orientada
de forma ascendente, ou seja, a curva espirala no sentido anti-horário, quando vista de cima. podemos agora
~ 4 . Para determinar o versor T̂ utilizamos a equação 1.67,
passar ao cálculo dos versores T̂ , N̂ e B
d~r
T̂ = du
d~r
du
e devemos calcular, inicialmente, a derivada da equação 1.81, ou seja,
d~r
= −2 sen uı̂ + 2 cos u ĵ + k̂ (1.82)
du
Agora, calculamos o módulo de 1.82, isto é,
d~r p √
= 4 sen2 u + 4 cos2 u + 1 = 5 (1.83)
du
Portanto, o versor T̂ torna-se
dT̂
= κN̂
dℓ
ou, efetuando uma regra da cadeia,
dT̂ du
= κN̂
du dℓ
4 Note que poderı́amos utilizar o Maple para os cálculos, e vamos fazer isso no próximo exercı́cio, mas aqui optamos por
ou ainda,
K. D. Machado
dT̂ 1
dℓ
= κN̂
du du
Usando a equação 1.65, achamos
dT̂ d~r −1
= κN̂ (1.85)
~ = T̂ × N̂
B
ou seja, usando as equações 1.84 e 1.90, temos
2√5 sen u √
2 5 cos u
√
5
~
B= − ı̂ + ĵ + k̂ × (− cos uı̂ − sen u ĵ)
5 5 5
ou
√ 2
√ 2
√ √
B ~ = 2 5 sen u k̂ + 2 5 cos u k̂ − 5 cos u ĵ + 5 sen u ı̂
5 5 5 5
ou ainda,
28 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
√
5 sen u
√
5 cos u
√
2 5
~=
B ı̂ − ĵ + k̂ (1.91)
5 5 5
e o último versor foi determinado. Podemos agora achar a torção τ mediante a expressão 1.58c,
dB~
= −τ N̂
dℓ
ou, mediante uma regra da cadeia,
~ 1
dB
dℓ
= −τ N̂
du du
e, usando a equação 1.65, obtemos
dB~ d~r −1
= −τ N̂ (1.92)
du du
Vamos derivar a equação 1.91 com relação a u, ou seja,
√ √
dB~ 5 cos u 5 sen u
= ı̂ + ĵ (1.93)
du 5 5
Agora, usamos as equações 1.83, 1.90 e 1.93 em 1.92, ou seja,
√5 cos u √
5 sen u 1
ı̂ + ĵ √ = −τ (− cos uı̂ − sen u ĵ)
5 5 5
ou
1
(cos uı̂ + sen u ĵ) = τ (cos uı̂ + sen u ĵ)
5
de modo que
1
τ= (1.94)
5
e a torção da curva espiral está determinada. Obtivemos, portanto, todas as grandezas requeridas. Vejamos
agora um outro exemplo de aplicação.
2
Exemplo 1.6. Uma curva no espaço é parametrizada por x = t cos t, y = t sen t e z = t2 , onde t é um
parâmetro real. Esboce a curva, determine a base TNB, a curvatura, a torção, os planos normal, retificador
e osculador e as retas tangente, normal e binormal.
Para resolver esse exercı́cio, vamos utilizar o Maple em todos os passos. A primeira coisa a fazer é
carregar a biblioteca Student[VectorCalculus], conforme comentamos no exemplo anterior 5 . Então, temos
> with(Student[VectorCalculus]):
5 Note que os exemplos são independentes uns dos outros, de modo que não fazemos a hipótese de que a biblioteca já foi
carregada anteriormente. Se esse é o caso, não é necessário usar o comando para carregá-la novamente.
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 29
K. D. Machado
A curva é descrita pela equação
t2
~r = t cos tı̂ + t sen t ĵ +
k̂ (1.95)
2
e o próximo passo consiste em visualizar a curva, o que pode ser feito mediante o comando SpaceCurve, ou
seja,
> SpaceCurve(<t*cos(t),t*sin(t),t**2/2>,t=0..1.5*Pi,axes=boxed,
10.0
7.5
z
5.0
2.5
−4
−2 y
0.0
0
0 −1 −2 −3
x
Note que as opções usadas para SpaceCurve foram as mesmas do exemplo 1.5, à exceção da opção label,
que é usada para colocar os nomes dos eixos, na ordem (x, y, z). O próximo passo consiste em determinar os
versores da base TNB, o que pode ser feito diretamente usando o comando (de nome sugestivo)
Esse comando é muito similar ao SpaceCurve, tendo várias opções em comum. O comando que usaremos é
> TNB:=TNBFrame(<t*cos(t),t*sin(t),t**2/2>,t):
A primeira coisa a notar é que usamos dois pontos (:) para a execução do comando, de modo que a saı́da
não será mostrada na tela. A razão disso é que, no presente caso, a saı́da seria muito longa e sua visualização
não seria muito útil agora. Note que a saı́da é composta por três versores, cada um, em princı́pio, com
três componentes, e nenhuma simplificação útil é feita nesse momento. Então, optamos por não mostrar a
saı́da agora. Você pode, e inclusive deve, utilizar o comando acima terminando-o com ponto-e-vı́rgula (;)
para verificar que realmente a saı́da é longa. Outro ponto a comentar é que nenhuma opção foi usada nesse
momento, isso porque elas são relevantes apenas quando obtivermos alguma saı́da gráfica. A variável TNB
agora é, na verdade, uma lista com três elementos, correspondendo, respectivamente, aos versores tangente
T̂ , normal N̂ e binormal B,~ respectivamente. Assim, vamos escolher individualmente os elementos que nos
interessam nessa lista. Começamos com T̂ , o primeiro elemento da lista, mediante
> T:=simplify(TNB[1]) assuming t::real;
−cos(t) + t sin(t) sin(t) + t cos(t) t
T := − √ ex + √ ey + √ ez
2 t2 + 1 2 t2 + 1 2 t2 + 1
30 1. DERIVADAS VETORIAIS
ou seja,
K. D. Machado
cos t − t sen t sen t + t cos t t
T̂ = √ ı̂ + √ ĵ + √ k̂ (1.96)
2
2t + 1 2
2t + 1 2
2t + 1
No comando acima, TNB[1] escolhe o elemento 1 da lista, que corresponde a T̂ . O comando simplify()
realiza algumas simplificações na variável que é o seu argumento. Entretanto, como o Maple não “sabe”que t é
uma variável real, essas simplificações não são muito úteis. Por isso, o comando simplify foi complementado
pelo comando
> TNBFrame(<t*cos(t),t*sin(t),t**2/2>,t,range=0..1.5*Pi,
> frames=4,output=plot,
> tangent=true,tangentoptions=[color=red],
> normal=true,normaloptions=[color=blue],
> binormal=true,binormaloptions=[color=green],
> curveoptions=[axes=normal,color=black,orientation=[133,45],
> labels=[x,y,z]]);
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 31
K. D. Machado
10.0
7.5
Note, na figura, que os versores são mutuamente ortogonais, sendo T̂ (em vermelho) sempre tangente à
curva. Com relação aos argumentos utilizados para o comando TNBFrame, temos
5. output: indica como deve ser a saı́da do comando TNBFrame. Pode ser
(a) plot: a saı́da será gráfica, na forma de uma figura, como é o caso.
~ da mesma forma como obtivemos
(b) value: a saı́da será formada pelos valores dos versores T̂ , N̂ e B,
há pouco. Essa é a opção padrão, logo se não for explicitada ela será escolhida como tendo esse
valor. Por isso, quando utilizamos o comando TNBFrame da primeira vez, não utilizamos nenhuma
outra opção. Se output=value for escolhida, todas as outras opções que envolvem a parte gráfica
são ignorados.
6. tangent, normal e binormal: controlam quais e como os versores são apresentados, podendo ser true
(verdadeiro) ou false (falso), dependendo se se quer que eles sejam ou não mostrados na figura. A
opção padrão é true para todos, logo se nada for explicitado, todos os três versores serão apresentados.
Uma vez selecionados quais versores aparecem, temos opções para cada versor, dadas por
K. D. Machado
7. curveoptions: opções para a curva em si. No presente caso, utilizamos axes = normal (eixos coin-
cidindo na origem), color=black (curva na cor preta), orientation = [133,45] (orientação para a
visualização dos eixos) e labels = [x,y,z] (nomes dos eixos). Note que exceto pelos dois primeiros
argumentos de TNBFrame, todos os outros podem vir em qualquer ordem 6 .
Continuando com o problema, temos agora que calcular a curvatura κ da curva, o que é feito utilizando
o comando
t(t2 + 4)
τ= (1.100)
2t4 + 7t2 + 5
O comando Torsion tem os mesmos argumentos que Curvature, e é interessante notar que a curvatura κ é
sempre não-nula, enquanto a torção τ é sempre positiva para t > 0, sendo nula em t = 0. Podemos visualizar
graficamente o comportamento de κ e τ utilizando o comando
plot(curvas, faixas, opç~
oes)
como em
> plot([kappa,tau],t=0..10,color=[black,black],linestyle=[3,1],
> axes=boxed);
6 A biblioteca VectorCalculus tem comandos idênticos aos que existem na biblioteca Student[VectorCalculus], exceto que
eles não possuem saı́das gráficas, possibilidade que, para nós, pode ser bastante explorada. É por isso que estamos utilizando
Student[VectorCalculus].
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 33
K. D. Machado
e o resultado é mostrado na figura 1.8.
2.0
1.5
0.0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
t
1. curvas: as funções a serem plotadas (kappa e tau, dadas pelas equações 1.98 e 1.99, respectivamente).
2. faixa: faixa de valores de t (t=0..10).
3. color: define as cores das curvas, sendo que escolhemos curvas pretas para as duas grandezas.
4. linestyle: tipo da linha, sendo que temos a correspondência
Note que existem várias outras opções para o comando plot, e à medida que as utilizarmos, as comentaremos.
Nosso próximo objetivo é determinar as equações dos planos normal, retificador e osculador. Vamos
começar com o plano normal, que é perpendicular ao versor T̂ , dado pela equação 1.96. Pontos nesse plano
têm coordenadas ~pn = (xn , yn , zn ), e vamos definir essas coordenadas no Maple mediante o comando
> pn:=<xn,yn,zn>;
pn := xn ex + yn ey + zn ez
O próximo passo é definir a curva dada pela equação 1.95,
> r:= <t*cos(t),t*sin(t),t**2/2>;
t2
r := t cos(t) ex + t sin(t) ey + ez
2
34 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Agora, temos que, para que o vetor (~ pn − ~r ) pertença ao plano normal, ele deve ser perpendicular a T̂ , ou
pn − ~r ) · T̂ = 0. Calculamos inicialmente o produto escalar mediante
seja, (~
planonormal :=
1 −2 xn t sin(t) + 2 yn sin(t) + 2 t zn − t3 + 2 yn t cos(t) + 2 xn cos(t) − 2 t
√
2 2 t2 + 1
ou seja,
> collect(planonormal,[xn,yn,zn]);
O comando collect lista os termos de express~ ao colocando-os em evidência de acordo com os fatores dados
em variáveis. A expressão acima deve ser igual a zero, ou seja,
t3
(cos t − t sen t)xn + (sen t + t cos t)yn + tzn = t + (1.101)
2
que é a equação geral do plano normal, obtida em termos do parâmetro t. Cada ponto da curva corresponde
a um valor de t, que substituı́do na expressão acima fornece a equação do plano normal para o ponto
especı́fico. Podemos passar agora ao plano retificador, que deve ser perpendicular ao versor N̂ . A idéia é a
mesma. Primeiro, definimos a posição de pontos no plano retificador por meio de p~r = (xr , yr , zr ), ou
> pr:=<xr,yr,zr>;
pr := xr ex + yr ey + zr ez
> collect(planoretificador,[xr,yr,zr,cos(t),sin(t)]);
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 35
K. D. Machado
1 (4 t3 + 6 t) cos(t) 1 (4 t2 + 4) sin(t)
(− √ √ − √ √ ) xr
2 2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5 2 2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
1 (−4 t2 − 4) cos(t) 1 (4 t3 + 6 t) sin(t)
+(− √ √ − √ √ ) yr
2 2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5 2 2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
zr −5 t2 − 4 t4
+√ √ − √ √
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5 2 2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
Essa é a equação geral do plano retificador e, como ocorre também com o plano normal, ao ser colocado o
valor de t especı́fico para um dado ponto, temos a equação para aquele ponto. O último plano a determinar
é o plano osculador, que deve ser perpendicular ao versor binormal B.~ Um ponto qualquer desse plano tem
a posição ~po = (xo , yo , zo ), ou
> po:=<xo,yo,zo>;
po := xo ex + yo ey + zo ez
O vetor (~ ~ logo (~
po − ~r ) deve ser perpendicular a B, ~ = 0. Calculando inicialmente o produto
po − ~r ) · B
escalar, temos
> collect(planoosculador,[xo,yo,zo,cos(t),sin(t)]);
K. D. Machado
h t cos t 1 (−2t2 − 2) sen t i h 1 (2t2 + 2) cos t
−√ − √ xo + − √
2t4 + 7t2 + 5 2 2t4 + 7t2 + 5 2 2t4 + 7t2 + 5
t sen t i (−4 − 2t2 )zo t4
−√ yo − √ − √ =0
2t4 + 7t2 + 5 2 2t4 + 7t2 + 5 2 2t4 + 7t2 + 5
ou, efetuando simplificações,
K. D. Machado 0 ex
e o resultado está coerente. Portanto, em retatangente devemos ter a equação da reta tangente, ou seja,
> simplify(retatangente);
É importante notar que, ao escolhermos um dado ponto na curva, t é fixado em algum valor e a equação
vetorial da reta tangente acima torna-se função apenas do parâmetro zt . A idéia é similar para a obtenção
das outras duas retas. Vamos partir agora para a reta normal, supondo que pontos nessa reta sejam descritos
por posições dadas por ~rn = (xn , yn , zn ). Note que já usamos xn, yn e zn quando obtivemos a equação do
plano normal, de modo que precisamos “liberar”essas variáveis de seus valores atuais, o que é feito mediante
o comando unassign, ou seja,
> unassign(’xn’):unassign(’yn’):unassign(’zn’);
Em seguida, definimos a posição de um ponto pertencente à reta normal, mediante
> retanormal:=<xn,yn,zn>;
retanormal := xn ex + yn ey + zn ez
O vetor (~rn − ~r ) deve ser paralelo à reta normal se ~rn for a posição de um ponto nela. Assim, devemos ter
(~rn − ~r ) × N̂ = 0, já que N̂ é um versor paralelo à reta normal. Efetuando o produto vetorial, temos
> rn:=(retanormal-r) &x N assuming t::real;
yn − t sin(t)
rn := √ √
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
t2 !
(zn − ) (3 t sin(t) − 2 t2 cos(t) − 2 cos(t) + 2 t3 sin(t))
+ 2 √ √ ex
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
t2
(zn − ) (3 t cos(t) + 2 t2 sin(t) + 2 sin(t) + 2 t3 cos(t))
+ − 2 √ √
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
!
xn − t cos(t)
−√ √ ey
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
(xn − t cos(t)) (3 t sin(t) − 2 t2 cos(t) − 2 cos(t) + 2 t3 sin(t))
+ − √ √
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
!
(yn − t sin(t)) (3 t cos(t) + 2 t2 sin(t) + 2 sin(t) + 2 t3 cos(t))
+ √ √ ez
2 t2 + 1 2 t4 + 7 t2 + 5
38 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Cada componente do vetor rn deve se anular, já que o produto vetorial deve ser nulo. Considerando a
primeira componente, podemos achar zn em função das outras variáveis mediante
> zn:=simplify(solve(rn[1]=0,zn));
1 −2 yn + 2 t sin(t) + 3 t3 sin(t) − 2 t4 cos(t) − 2 t2 cos(t) + 2 t5 sin(t)
zn :=
2 3 t sin(t) − 2 t2 cos(t) − 2 cos(t) + 2 t3 sin(t)
Assim, zn fica em função de yn e t. Em seguida, usamos a segunda componente de rn, para achar xn (xn )
> xn:=simplify(solve(rn[2]=0,xn));
Análise Vetorial
2 yn t2 sin(t) + 2 yn sin(t) − 2 t3 − 2 t + 2 yn t3 cos(t) + 3 yn t cos(t)
xn :=
3 t sin(t) − 2 t2 cos(t) − 2 cos(t) + 2 t3 sin(t)
Conferindo, temos
> simplify(rn);
0 ex
de modo que o vetor rn se anula, conforme esperado. Assim, retanormal corresponde agora à reta normal,
e temos
> collect(retanormal,[yn,cos(t),sin(t),t]);
yn
−
(−2 t2 − 2) cos(t) + (3 t + 2 t3 ) sin(t)
!
1 (−2 t4 − 2 t2 ) cos(t) + (2 t + 3 t3 + 2 t5 ) sin(t)
+ ez
2 (−2 t2 − 2) cos(t) + (3 t + 2 t3 ) sin(t)
ou
que é a equação vetorial da reta normal à curva dada em 1.95, parametrizada por yn . Por fim, devemos
~ Primeiro, vamos defini-la mediante
determinar agora a reta binormal, que é parelela ao versor B.
> retabinormal:=<xb,yb,zb>;
retabinormal := xb ex + yb ey + zb ez
~ = 0. Calculando
Agora, para que o vetor (~rb − ~r ) seja paralelo à reta binormal, deve ocorrer (~rb − ~r ) × B
primeiro o produto vetorial, temos
K. D. Machado
1
rb := − (−2 yb t2 − 4 yb + 3 t3 sin(t) + 4 t sin(t) − 2 zb t sin(t) − 2 zb t2 cos(t)
2
√ 1
−2 zb cos(t) + t4 cos(t) + t2 cos(t)) 2 t4 + 7 t2 + 5 ex − (−2 zb sin(t)
2
+2 zb t cos(t) − 2 zb t2 sin(t) + t2 sin(t) − 3 t3 cos(t) + t4 sin(t) + 2 xb t2 + 4 xb
√
−4 t cos(t)) 2 t4 + 7 t2 + 5 ey + (−xb t sin(t) − yb sin(t) − yb t2 sin(t)
√
K. D. Machado
de forma independente. Note que os versores da base TNB não são tão relevantes aqui, por um motivo
simples. Em cada ponto, a superfı́cie tem infinitos versores tangentes a ela, o que faz com a definição desses
versores não seja tão clara. Entretanto, só há uma única reta ortogonal à superfı́cie em cada ponto, de modo
que um versor ortogonal pode ser definido de forma inequı́voca. Esse é o versor que procuramos. Considere
inicialmente que fixamos o parâmetro v em algum valor, digamos v0 , e, ao mesmo tempo, permitimos que
u varie. Assim, teremos uma função ~r = ~r(u, v0 ), que descreverá uma curva no espaço, de forma muito
similar àquela discutida anteriormente. Em particular, a taxa de variação de ~r(u, v0 ) com u é um vetor que é
tangente à curva ~r(u, v0 ). Como essa curva pertence à superfı́cie, o vetor assim obtido é tangente à superfı́cie
∂~r ∂~r
~n = V~u × V~v = × (1.109)
∂u ∂v
Conhecendo-se um vetor normal à superfı́cie, é possı́vel determinar a equação do plano que é tangente à
superfı́cie no ponto considerado. Vejamos um exemplo de aplicação, envolvendo o Maple.
plot3d(curva, opç~
oes)
Os comandos plot e plot3d têm vários argumentos em comum, e a diferença básica entre eles é que
plot é especı́fico para gráficos bidimensionais, e plot3d, como o nome indica, é apropriado para gráficos
tridimensionais. Pontos da superfı́cie são dados pela equação
K. D. Machado
1.0
0.5
r 0.0
−1.0 0.0
v
−0.5 −0.5
0.0
0.5 −1.0
u 1.0
z = x2 − y 2 (1.111)
Esta é a equação de um parabolóide hiperbólico. Parabolóides hiperbólicos são exemplos de superfı́cies
quádricas, e a equação geral de um parabolóide hiperbólico é
y2 x2 z
2
− 2 = (1.112)
b a c
Assim, no presente caso, temos c = −1 e a2 = b2 = 1. Agora, definimos a equação vetorial da superfı́cie, por
meio de
> r:=<u,v,u**2-v**2>;
r := u ex + v ey + (u2 − v 2 ) ez
Em seguida, calculamos a derivada parcial em relação a u, isto é,
> Vu:=diff(r,u);
Vu := ex + 2 u ez
de modo que
V~u = ı̂ + 2u k̂
Derivando agora ~r em relação a v, achamos
> Vv:=diff(r,v);
Vv := ey − 2 v ez
ou
V~v = ĵ − 2v k̂
Para determinarmos um vetor normal à superfı́cie, usamos a equação 1.109, o que resulta em
> vn:=Vu &x Vv;
vn := −2 u ex + 2 v ey + ez
42 1. DERIVADAS VETORIAIS
ou
K. D. Machado
~n = −2uı̂ + 2v ĵ + k̂
que corresponde ao versor
> n:=vn/Norm(vn);
2u 2v 1
n := − √ ex + √ ey + √ ez
−2xp + 4yp + zp − 3 = 0
que é a equação do plano tangente ao ponto considerado. Com isso, o problema está resolvido. Vejamos
agora mais um exemplo muito interessante.
Exemplo 1.8. Mostre que o versor θ̂ da base do sistema de coordenadas polares pode ser obtido do versor
ρ̂.
Na seção ?? introduzimos o sistema bidimensional de coordenadas polares descrito pelas coordenadas
ρ e θ, e obtivemos as transformações entre essas coordenadas e as coordenadas retangulares, bem como entre
a base polar P e a base retangular R2 . Essas relações foram obtidas de forma basicamente geométrica, mas
1.2. APLICAÇÕES EM GEOMETRIA 43
K. D. Machado
podemos seguir também uma outra abordagem com relação à obtenção dos versores da base polar. Considere
inicialmente a posição de um ponto do plano em coordenadas retangulares, dada por
~r = xı̂ + y ĵ
Das transformações ?? sabemos que x = ρ cos θ e y = ρ sen θ, de modo que podemos escrever
dV~
V~ · =0
du
obtivemos que a derivada de um vetor de módulo fixo fornece um vetor perpendicular a ele. O versor ρ̂ é
função da coordenada θ, então, derivando-o com relação a essa coordenada teremos um vetor perpendicular
a ρ̂. Explicitamente, temos
dρ̂
~a = = − sen θı̂ + cos θ ĵ
dθ
onde ~a representa o vetor calculado a partir da derivada de ρ̂. Note que, comparando o resultado com a
equação ??, vemos que ocorre
dρ̂
θ̂ = (1.113)
dθ
Nesse caso, o vetor que resulta da derivação já está normalizado, sendo, portanto, um versor. Além disso,
a curva descrita no plano pelo versor ρ̂ quando θ varia é uma circunferência de raio unitário, e o versor θ̂
é tangente a essa curva em cada ponto dela. Quando o sistema de coordenadas cilı́ndricas é considerado, a
única alteração é a inclusão do versor k̂ para dar conta da terceira dimensão.
Exemplo 1.9. Mostre que os versores da base do sistema de coordenadas esféricas também têm relação
entre si.
As coordenadas esféricas foram introduzidas na seção ?? e, como ocorre com as coordenadas polares,
a base esférica pode ser obtida de um modo relativamente simples. Considere inicialmente a posição de um
ponto do espaço em coordenadas retangulares, dada por
~r = xı̂ + y ĵ + z k̂
Considerando as transformações descritas pelas equações ??, podemos escrever
44 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
~r = r sen θ cos φı̂ + r sen θ sen φ ĵ + r cos θ k̂
e, para o primeiro versor da base, podemos escolher, pela sua utilidade, um versor que seja paralelo ao vetor
posição da partı́cula, de modo que obtemos o primeiro versor mediante
K. D. Machado
É importante recordar que já demonstramos a ortogonalidade dos versores r̂, θ̂ e φ̂ na seção ??. As derivadas
obtidas acima serão importantes em breve. Vejamos agora algumas aplicações em Fı́sica, notadamente em
Mecânica.
d~r
~v =
dt
Podemos reescrever essa expressão mediante uma regra da cadeia envolvendo o parâmetro ℓ, o comprimento
de arco, isto é,
d~r dℓ
~v =
dℓ dt
Relembrando a equação 1.47,
d~r d~r
T̂ = =
|d~r | dℓ
vemos que a velocidade pode ser escrita como
dℓ
T̂
~v = (1.116)
dt
Note que sabemos que a velocidade ~v é tangente à curva no ponto considerado, o que é confirmado pela
expressão 1.116 acima. Calculando o módulo dessa equação, temos
dℓ dℓ
~v · ~v = T̂ · T̂
dt dt
ou, como T̂ tem módulo unitário,
dℓ 2
v2 =
dt
46 1. DERIVADAS VETORIAIS
e então,
K. D. Machado
dℓ
v = |~v | = (1.117)
dt
ou seja, o módulo da velocidade é dado pela expressão 1.117. Podemos escrever também, usando as equações 1.116
e 1.117,
~v = v T̂ (1.118)
d~v
Análise Vetorial
~a =
dt
ou, fazendo uso da equação 1.118,
d
~a = (v T̂ )
dt
que fica
dv dT̂
~a =T̂ + v
dt dt
Podemos reescrever essa expressão considerando uma regra da cadeia, ou seja,
dv dT̂ dℓ
~a = T̂ + v
dt dℓ dt
Agora, empregamos as equações 1.49 e 1.117,
dT̂
= κN̂
dℓ
para obter
dv
~a = T̂ + v 2 κ N̂
dt
ou, mediante a equação 1.50,
1
̺=
κ
achamos
dv v2
~a = T̂ + N̂ (1.119)
dt ̺
Conseqüentemente, a aceleração da partı́cula está no plano definido por T̂ e N̂ , ou seja, o plano osculador. A
velocidade dela também pertence a esse plano, pois é paralela ao versor T̂ . Com relação às duas componentes
da aceleração, podemos interpretá-las de um modo interessante. A componente na direção de T̂ está associada
com a variação do módulo da velocidade, e é chamada de aceleração tangencial. Portanto, se o módulo de ~v
for constante, essa componente é nula. A outra componente, na direção do versor normal N̂ , está relacionada
com o raio de curvatura ̺ da trajetória descrita pela partı́cula. Se a trajetória for uma linha reta, então
̺ → ∞, e essa componente, chamada de aceleração centrı́peta, se anula. No exemplo 1.2 estudamos um dos
tipos mais simples de movimento que partı́culas podem executar, o MCU, no qual |~v | é fixo e só há aceleração
centrı́peta. Vejamos agora uma outra questão relevante com relação à cinemática.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 47
1.3.2
K. D. Machado
Transformações entre Referenciais
Considere a seguinte questão: uma pessoa está num transatlântico, de férias, num cruzeiro marı́timo.
No navio há uma pista de atletismo. A pessoa está correndo nessa pista e se pergunta se seria possı́vel
correr com uma dada velocidade de modo que ela ficasse parada para uma pessoa situada em uma ilha
próxima. Para resolver esse problema, precisamos introduzir a idéia de sistemas de referência e, em seguida,
devemos determinar como fazer transformações entre sistemas de referências. Um sistema de referência em
Fı́sica consiste num sistema de coordenadas acoplado a um ente chamado observador, o qual é capaz de
~p = m~v
A distinção entre sistemas inerciais e não-inerciais passa pela primeira lei de Newton, ou lei de inércia,
que é
Definição 1.1 (Primeira Lei de Newton ou Lei de Inércia). Num referencial inercial, uma partı́cula sujeita
a uma força resultante nula move-se com momento linear constante.
A primeira lei de Newton também pode ser enunciada de outra forma, a saber, o estado de movimento
de uma partı́cula, medido em relação a um sistema de referência inercial, só é alterado se sobre ele atuar uma
força resultante não-nula. Note que os dois enunciados acima para a primeira lei sugerem como podemos
identificar um sistema de referência inercial. Considere que observamos, num dado sistema, o movimento de
um partı́cula. Nesse referencial temos dois equipamentos, um que mede forças e outro que mede momentos
lineares. O primeiro equipamento indica que a força resultante sobre a partı́cula é nula. O segundo nos diz
que a partı́cula move-se mantendo seu momento linear constante ao longo do movimento. Assim, a conclusão
a que chegamos é que o nosso sistema de referência é inercial. Caso contrário, estamos num sistema de
referência não-inercial.
Existe alguma diferença entre medirmos grandezas num referencial inercial ou num não-inercial? A
resposta é um sonoro sim. De fato, há uma diferença crucial entre os dois tipos de referenciais. Apenas num
referencial inercial valem as leis de Newton, que são os pilares da Mecânica. Tais leis perdem a validade num
referencial não-inercial, e coisas estranhas passam a ocorrer. Em referenciais não-inerciais, para explicar os
movimentos observados é preciso lançar mão de forças fictı́cias que surgem do nada, não sendo produzidas
por nenhum agente fı́sico, o que é extremamente desconfortável do ponto de vista conceitual. Entretanto,
é possı́vel, matematicamente, transformar resultados e previsões obtidos considerando-se referenciais inerci-
ais para os não-inerciais, e vice-versa, de um modo relativamente simples, o que será visto posteriormente.
Podemos, também, efetuar transformações entre diferentes referenciais inerciais, visto que eles são comple-
tamente equivalentes entre si, conforme vamos demonstrar em seguida. Para tanto, considere inicialmente
que temos um dado sistema de referência inercial, em que há um observador O, que é o responsável por
efetuar medições. Esse observador mede posições no espaço dadas pelo vetor ~r. Além disso, temos um se-
gundo observador, O′ , que está num outro sistema de referência e que é o responsável pelas medições nesse
sistema. O observador O′ mede posições, assim como O, e para O′ os pontos do espaço são descritos pelo
vetor ~r ′ . A posição do observador O coincide com a origem do sistema de referência inercial, e a posição de
48 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
O′ também coincide com a origem do seu sistema de referência. A posição de O′ medida pelo observador O
~ conforme ilustra a figura 1.10.
vale R,
z’
P
z
r’
r
~
~r = ~r ′ + R (1.120)
′
Agora, vamos considerar que o observador O esteja se movendo com velocidade constante em relação ao
observador O. Por hipótese, ele não executa rotações. O observador O vê o ponto P se mover com velocidade
constante (por hipótese). O observador O′ também vê P se mover, e queremos saber como é o movimento
para ele. Vamos derivar a equação 1.120 com relação ao tempo, ou seja,
d~r d~r ′ ~
dR
= +
dt dt dt
ou
~
~v = ~v ′ + V (1.121)
~ é a velocidade de O′ medida por O e ~v ′ é a velocidade de P
onde ~v é a velocidade de P medida por O, V
′
medida por O . Essa equação fornece o modo de efetuar a transformação de velocidades entre o referencial
O e O′ , lembrando que estamos considerando apenas uma translação de O′ em relação a O. Agora, se, por
~ são constantes, então,
hipótese, ~v e V
~
~v ′ = ~v − V (1.122)
′
é também constante, ou seja, o ponto P se move, em relação a O , também com velocidade constante. Se
esse ponto corresponde a um objeto de massa m, então O mede um momento linear p~ = m~v constante para o
ponto e, conforme vimos há pouco, o observador O′ mede um momento linear p~ ′ = m~v ′ também constante.
Vamos agora calcular a aceleração de P medida por O′ , isto é, derivando ?? em relação ao tempo, temos
d~v d~v ′ ~
dV
= +
dt dt dt
~ é constante, temos
ou, como V
~a = ~a ′ (1.123)
Agora, como ~a = 0, já que ~v é constante, temos que o ponto P, que é visto por O com velocidade constante,
e sem aceleração, é visto por O′ do mesmo modo, apenas com uma velocidade ~v ′ diferente, mas constante.
Para prosseguir, precisamos enunciar a segunda lei de Newton para a Mecânica, isto é,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 49
K. D. Machado
Definição 1.2 (Segunda Lei de Newton). Num referencial inercial, a força resultante F~ que atua sobre uma
partı́cula produz nela uma variação em seu momento linear p~, de modo que a taxa temporal de variação de
p~ está relacionada a F~ por
d~
p
F~ = (1.124)
dt
Note que, se a massa m do objeto for constante, então essa expressão se reduz a
m~a = m~a ′
ou, usando a equação 1.125,
F~ = m~a ′ (1.126)
Assim, a força medida por O e aplicada ao ponto P é dada por F~ , e O′ vê, também, a mesma força
sendo aplicada em P, lembrando sempre que O′ está apenas se transladando em relação a O. No presente
caso, como P está se movendo com ~ p constante e O é um referencial inercial, a força resultante F~ é nula
e O′ também mede P sujeito a uma força resultante nula. Além disso, O′ verifica que P se move com
momento linear p~ ′ fixo. Assim, considerando agora a primeira lei de Newton para o referencial O′ , chegamos
a conclusão de que ele é também um referencial inercial. Conseqüentemente, se um dado referencial O′ se
move com velocidade constante V ~ em relação a um referencial O sabidamente inercial, então O′ é também
um referencial inercial completamente equivalente a O. As acelerações e forças, medidas por ambos, serão as
mesmas, e as posições e velocidades podem ser transformadas de um para o outro mediante as equações 1.120
e 1.121, que são conhecidas como transformações de Galileu. Com isso, podemos responder agora a questão
formulada pela pessoa correndo no transatlântico no inı́cio da discussão, a saber, seria possı́vel correr com
uma dada velocidade de modo que ela ficasse parada para uma pessoa situada em uma ilha próxima. A
resposta é sim, basta efetuar uma composição apropriada de velocidades. Definimos O como sendo a pessoa
na ilha, que é um referencial inercial. O′ será um mastro do navio, que se move junto com ele com velocidade
constante V ~ = ~vn,i em relação a O, sendo, portanto, inercial. A pessoa, correndo no navio, tem uma
velocidade constante ~v ′ = ~vp,n em relação ao navio. Portanto, a velocidade ~v = ~vp,i da pessoa em relação à
ilha é dada por
~vp,n = −~vn,i
A introdução acima foi feita para levantar a questão da definição dos referenciais inerciais e não-
inerciais em Fı́sica, incluindo também as duas primeiras leis de Newton. Note que obtivemos uma relação
entre grandezas medidas em dois sistemas de referência inerciais diferentes. A questão agora é obter relações
entre um sistema inercial e um outro sistema qualquer, que pode ser, inclusive, não-inercial, sujeito a
translações e também rotações. Precisamos, então, definir algumas outras grandezas relevantes para esse
estudo, pois agora precisaremos tratar de grandezas angulares, como velocidades e acelerações angulares,
50 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
por exemplo. A primeira dessas grandezas é o equivalente angular à posição de um ponto, dado pelo vetor
~r. Trata-se da posição angular θ, medida a partir de alguma posição angular de referência θ0 , usualmente
considerada como sendo nula (θ0 = 0), conforme ilustramos na figura 1.11 para o caso mais simples de uma
rotação executada no plano xy em torno do eixo z. É importante notar que toda rotação é feita em torno
de algum eixo, o eixo de rotação, que pode, no caso mais geral, variar de direção ao longo do tempo.
y
Uma questão relevante surge agora. Sabemos que a posição de um ponto é uma grandeza vetorial,
e que se uma partı́cula passa de uma posição para outra num certo intervalo de tempo, ela executa um
deslocamento, que é uma grandeza vetorial. Se a partı́cula sai de um ponto e chega num segundo ponto, ela
tem um deslocamento ∆~r1 . Em seguida, ela sai do segundo ponto e chega a um terceiro, de modo que ela
tem agora um deslocamento vetorial ∆~r2 . O deslocamento resultante é a soma dos dois deslocamentos feitos,
e essa soma é comutativa. Além disso, se dividirmos ∆~r pelo intervalo de tempo correspondente, teremos
a velocidade média da partı́cula no intervalo considerado, e velocidade é também uma grandeza vetorial. A
pergunta agora é: posições e deslocamentos angulares são vetores? Se forem, podemos definir uma grandeza
equivalente à velocidade associada com rotações, isto é, uma velocidade angular vetorial? A resposta a essa
pergunta deve ser dada com certa cautela e rigor matemático. Vamos considerar, inicialmente, um objeto
qualquer, disposto como na figura 1.12.
O y
Vamos girá-lo de 90◦ no sentido anti-horário em relação ao eixo x, de modo que obtemos a figura 1.13.
Em seguida, vamos girá-lo em torno do eixo y, no sentido horário, também de 90◦ , e o resultado é a
figura 1.14. O resultado final das duas rotações feitas na ordem acima é produzir um objeto que está paralelo
ao eixo x e que pertence a um plano paralelo ao plano xy.
Vejamos agora o que ocorre se invertemos a ordem em que as rotações são feitas. Assim, começamos nova-
mente com o objeto disposto como na figura 1.12, e agora executamos primeiro uma rotação em torno de y,
no sentido horário, de 90◦ , o que resulta na figura 1.15.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 51
K. D. Machado z
O y
O y
x
Figura 1.14: Rotação do objeto da figura 1.13 de 90◦ em
relação ao eixo y no sentido horário.
Note que o objeto está no plano xy. Em seguida, executamos uma rotação em torno do eixo x de 90◦ no
sentido anti-horário, e o resultado é apresentado na figura 1.16. Assim, o objeto após as duas rotações está
paralelo ao eixo z, e pertence ao plano xz. Esta configuração é diferente daquela obtida no caso anterior, que
envolvia as mesmas rotações só que feitas na ordem inversa. Conseqüentemente, a ordem em que as rotações
são feitas é importante, e a operação de rotação não é comutativa. Assim, não existe uma das propriedades
importantes quando se fala de vetores, que é a comutação de sua soma. Portanto, rotações de ângulos finitos
não podem ser consideradas como vetores, pois não possuem propriedades de vetores.
Vamos recordar nossa definição de velocidade como sendo a taxa instantânea de variação da posição
de uma partı́cula com relação ao tempo, ou seja,
d~r
~v =
dt
Note que d~r corresponde a um deslocamento muito pequeno, infinitesimal, que é feito no intervalo de tempo
também muito pequeno, infinitesimal, dt. Podemos então pensar que o importante, no que se refere a rotações,
não são as rotações feitas de ângulos finitos, conforme apresentamos acima, que são não-comutativas, mas sim
rotações infinitesimais, feitas em intervalos de tempos também infinitesimais. Eventualmente, se respeitarmos
essa condição, os deslocamentos angulares poderiam ser considerados como vetores, e devemos verificar essa
possibilidade, o que faremos em seguida. Para tanto, vamos considerar a figura 1.17.
K. D. Machado z
O y
O y
dV~
V~ · =0
du
que é válida se V~ tiver módulo constante, temos que
d~r
~r · =0
dt
d~
r
de modo que ~r ⊥ dt ou ~r ⊥ ~v , para uma rotação infinitesimal. Considere agora que
R R
sen φ = =
|~r | r
de modo que
R = r sen φ
Então, como |d~r | = dℓ = R dθ, temos, para o módulo de d~r,
K. D. Machado eixo de
rotação
dr
R dq
dq
e d~r é perpendicular a esse plano. O ângulo entre d~θ e ~r é o ângulo φ da figura, de modo que o módulo do
produto vetorial entre eles é
|d~θ × ~r | = dθ r sen φ
Comparando com a equação 1.127, temos
|d~θ × ~r | = |d~r |
Agora, considere o vetor que resulta do produto vetorial entre d~θ e ~r. Ele deve ser perpendicular a ambos, de
modo que deve estar no plano de rotação, deve ser paralelo ao arco infinitesimal descrito pelo ponto e deve
estar no mesmo sentido que a rotação ocorre. Além disso, deve ter o módulo acima. Todos esses requisitos
são satisfeitos pelo vetor d~r, de modo que podemos escrever
K. D. Machado
Com isso, o vetor ~r0 passa a ser ~rn = ~r0 + d~r1 . Em seguida, executamos uma rotação de um ângulo dθ2 em
torno de um eixo qualquer, partindo agora de ~rn . Assim, temos
K. D. Machado
Assim, o vetor ~r0 torna-se, ao final das duas rotações,
~r0 + (d~
θ1 + d~θ2 ) × ~r0 = ~r0 + (d~θ2 + d~θ1 ) × ~r0
ou
(d~
θ1 + d~θ2 ) × ~r0 = (d~θ2 + d~θ1 ) × ~r0
ou ainda,
[(d~
θ1 + d~θ2 ) − (d~θ2 + d~θ1 )] × ~r0 = 0
Como ~r0 é um vetor qualquer,
d~r = d~θ × ~r
de modo que podemos definir a velocidade angular de um ponto em rotação em torno de um eixo, dada pela
taxa de variação temporal da posição angular do ponto, ou seja,
d~θ
~ω = (1.138)
dt
Com a definição 1.138, podemos demonstrar uma relação importante que envolve a equação 1.128,
d~r = d~θ × ~r
Vamos dividir a equação por dt, obtendo
d~r d~θ
= × ~r
dt dt
ou
~ × ~r
~v = ω (1.139)
Assim, a velocidade de um ponto em rotação em torno de um eixo está relacionada à velocidade angular
desse ponto. A velocidade angular é, da mesma forma que d~θ, um vetor que está paralelo ao eixo de rotação.
Outra grandeza importante é a aceleração angular, definida por
d~ω d2 ~θ
α
~= = 2 (1.140)
dt dt
56 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado eixo de
rotação
dV
R dq
dq
Vamos considerar agora um vetor V~ qualquer, que execute uma rotação de um ângulo d~θ com velo-
cidade angular ω
~ em relação a um sistema de coordenadas considerado fixo, como descrito pela figura 1.18.
Considerando o que fizemos para o vetor ~r, o vetor dV~ pode ser escrito como
dV~ d~θ
= × V~
dt dt
ou
dV~
= ~ω × V~ (1.142)
dt
Note que, se o vetor V~ não girar em relação ao sistema de referência, ~ω = 0 e o vetor V~ não se altera,
conforme já podı́amos esperar. É importante reforçar que a relação acima ocorre quando o módulo de V~ é
fixo no sistema de referência adotado.
Vamos considerar agora uma situação um pouco diferente. Suponha que existam dois referenciais, O e
O′ . O, por hipótese, é um referencial inercial e fixo, enquanto O′ gira, em relação a O, com uma velocidade
angular ~ω . As origens de O e O′ coincidem, como mostra a figura 1.19.
V~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ (1.143)
O vetor V~ também pode ser escrito em termos do referencial O′ . Nesse caso, teremos componentes em geral
diferentes, isto é,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 57
K. D. Machado z
y’
z’
V
O’
O y
′ ′
V~ = Vx′ ı̂′ + Vy′ ĵ + Vz′ k̂ (1.144)
A derivada de V~ em relação ao tempo feita pelo observador O em seu próprio sistema de referência é dada
por
dV~ dVx dVy dVz
= ı̂ + ĵ + k̂ (1.145)
dt O dt dt dt
onde indicamos que a derivada é feita no sistema O. Note que, para O, a sua base cartesiana é fixa. Podemos
calcular também a derivada de V~ feita no sistema O′ . Nesse caso, devemos lembrar que, para O′ , sua base
também é fixa, apesar de O ver a base de O′ girar com velocidade angular ω ~ . Note que, pela relação que
existe entre os dois referenciais, O′ vê a base de O girar com velocidade angular −~ω . Entretanto, devemos
lembrar que, por hipótese, O é inercial e está fixo, de modo que existem profundas diferenças entre os dois
referenciais, conforme veremos em seguida. Continuando com a discussão, a derivada feita no sistema O′ é
dV~ dVx′ ′ dVy′ ′ dVz′ ′
= ı̂ + ĵ + k̂ (1.146)
dt O′ dt dt dt
A questão agora é: como os dois observadores podem compatibilizar suas previsões para as derivadas de V~ ?
Para responder a essa questão, devemos determinar como o observador O obtém, em seu próprio sistema
de referência, a derivada em relação ao tempo de V~ escrito no sistema de referência O′ , ou seja, queremos
calcular
dV~ d ′ ′
= (V ′ ı̂′ + Vy′ ĵ + Vz′ k̂ )
dt O dt O x
Aqui devemos considerar que a base de O′ não é fixa para O, de modo que temos
′ ′
dV~ dVx′ ′ ′ dı̂
′ dVy′ ′ ′ dĵ dVz′ ′ ′ dk̂
= ı̂ + V + ĵ + V + k̂ + V
dt O dt x
dt dt y
dt dt z
dt
ou
′ ′
dV~ dVx′ ′ dVy′ ′ dVz′ ′ ′ dı̂
′
′ dĵ ′ dk̂
= ı̂ + ĵ + k̂ + V + V + V
dt O dt dt dt x
dt y
dt z
dt
ou ainda, comparando com a equação 1.146,
58 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado ′ ′
dV~ dV~ ′ dı̂
′
′ dĵ ′ dk̂
= + Vx + Vy + Vz (1.147)
dt O dt O′ dt dt dt
′ ′
Agora, devemos considerar que os versores ı̂′ , ĵ e k̂ da base de O′ , apesar de não terem orientação fixa no
espaço, têm módulo fixo. Conforme vimos anteriormente, se um dado vetor V~ tiver módulo constante, sua
derivada com relação ao tempo é dada pela equação 1.142,
′ ′
dı̂′ dĵ ′ dk̂ ′
ω × ı̂′
=~ ~ × ĵ
=ω = ~ω × k̂ (1.148)
dt dt dt
Utilizando as equações 1.148 em 1.147, achamos
dV~ dV~ ′ ′
= + Vx′ ~ω × ı̂′ + Vy′ ~ω × ĵ + Vz′ ω
~ × k̂
dt O dt O′
ou
dV~ dV~ ′ ′
= + ~ω × (Vx′ ı̂′ + Vy′ ĵ + Vz′ k̂ )
dt O dt O′
ou ainda, usando a equação 1.144,
dV~ dV~
= + ~ω × V~ (1.149)
dt O dt O′
A equação 1.149 expressa o modo pelo qual os dois observadores O e O′ podem compatibilizar seus resultados
para a taxa de variação temporal da grandeza V~ medida por eles em seus respectivos referenciais. Note que,
no caso de o referencial O′ não sofrer rotação, ω
~ = 0 e as derivadas nos dois sistemas são iguais, e este é
um resultado já esperado (você pode explicar por que?) 8 . Em geral, se ~ω k V~ , ~ω × V~ = 0, e as derivadas
também são iguais. Um resultado interessante ocorre quando V~ = ω ~ , ou seja, quando V~ é a velocidade
′
angular de O em relação a O. Nesse caso, temos
d~ω d~ω
= + ~ω × ~ω
dt O dt O′
ou seja,
α
~O = α
~ O′ (1.150)
de modo que as acelerações angulares medidas por O e O′ são as mesmas. Antes de estudarmos algumas
outras grandezas relevantes, vamos determinar como ocorre a relação entre as derivadas segundas de V~ em
relação ao tempo nos dois referenciais. Vamos então calcular a derivada temporal da equação 1.149, isto é,
d2 V~ d h dV~ ~
i
= + ω
~ × V
dt2 O dt O dt O′
ou
8 Note que os valores das componentes de V~ nos dois sistemas não são necessariamente iguais, mas a taxa de variação de V~
sim, se ocorre ~
ω = 0.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 59
K. D. Machado
d2 V~ d dV~ d
= + (~ω × V~ )
dt2 O dt O dt O′ dt O
Usando novamente a equação 1.149, temos
d2 V~ d dV~ dV~ d
= + ~ω × + (~ω × V~ ) + ~ω × (~ω × V~ )
dt2 O dt O′ dt O′ dt O′ dt O′
A equação acima estabelece a relação existente entre as derivadas segundas de um vetor V~ qualquer obtidas
por um observador O e outro O′ . Note novamente que, se O′ não executar rotação, ~ω = 0 e as derivadas nos
dois sistemas serão iguais.
Para o desenvolvimento das equações 1.149 e 1.151, supusemos que as origens de O e O′ coincidem.
~ como
Pode agora relaxar essa hipótese, permitindo que o observador O′ seja encontrado numa posição R,
mostra a figura 1.20.
z’ P
z r’ y’
r R O’
O y
x’
x
~ + ~r ′
~r = R
para um ponto P do espaço, situado na posição ~r para o observador O e na posição ~r ′ para O′ . Agora,
calculamos a velocidade, mediante a derivada de ~r em relação ao tempo, feita no referencial O (inercial, por
hipótese), isto é,
d~r ~
dR ′
= + d~r
dt O dt O dt O
60 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Em seguida, usamos a equação 1.149 para expressar a derivada de ~r ′ feita por O para grandezas calculadas
por O′ , visto que ~r ′ está escrito no sistema de O′ . Obtemos, então,
d~r ~
dR ′
= + d~r + ~ω × ~r ′ (1.152)
dt O dt O dt O′
ou
~ + ~v ′ + ω
~ × ~r ′
~ + ~a ′ + 2~ω × ~v ′ + α
~a = A ~ × ~r ′ + ~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.155)
Se o sistema O′ não gira em relação a O, a expressão acima torna-se
~ + ~a ′
~a = A (1.156)
~ é nula, temos
e, se O′ move-se com velocidade constante em relação a O, de modo que a aceleração A
~a = ~a ′ (1.157)
Vamos interpretar agora essas equações. Em primeiro lugar, na equação 1.153,
~ + ~v ′ + ω
~v = V ~ × ~r ′
temos os seguintes termos:
Sua interpretação é razoavelmente simples. O observador O′ mede uma certa velocidade ~v ′ para P em seu
referencial. Como O′ pode se mover executando uma translação combinada com uma rotação, ele precisa
corrigir sua velocidade levando em conta esses fatores, incluindo, portanto, um termo relacionado à sua
~ e um fator ligado à rotação (~ω × ~r ′ ). Com isso, ele obtém a velocidade medida pelo observador
translação (V)
inercial O. Note que O′ será inercial, conforme vimos anteriormente, quando o observador O′ se mover
com velocidade constante em relação a O. Isso significa que O′ não pode executar rotações ou translações
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 61
aceleradas, ou seja, ~
K. D. Machado
~ deve ser constante para que O′ seja inercial. Vejamos agora a
ω deve ser nulo e V
interpretação da equação 1.155,
~ + ~a ′ + 2~ω × ~v ′ + α
~a = A ~ × ~r ′ + ~ω × (~ω × ~r ′ )
a qual é composta pelos seguintes termos:
A interpretação aqui é um pouco mais complicada, pois existem vários termos envolvidos. Quando
O′ mede a aceleração de P, ele encontra o valor ~a ′ . Como O′ gira, um ponto P fixo em relação a O′
está girando, em movimento circular, em relação a um eixo observado por O, e para que isso ocorra deve
haver uma aceleração centrı́peta ~acentrı́peta, orientada na direção do versor normal N̂ à curva que define
a trajetória do ponto P, podendo ocorrer também uma aceleração paralela à curva, ou tangencial (~at ),
orientada paralelamente ao versor tangente T̂ , conforme descrito pela equação 1.119. Se P não for fixo em
relação a O′ , então é preciso incluir um outro termo, relacionado à velocidade de P, chamado de aceleração
de Coriolis ~aC , que surge devido ao movimento de P em relação a O′ . Por fim, o próprio referencial O′
pode estar se transladando com uma aceleração A ~ em relação a O, e todos os fatores acima devem ser
considerados para que as acelerações medidas por O e O′ sejam compatı́veis. A equação 1.155 é chamada
de teorema de Coriolis, e estabelece uma relação muito importante entre dois referenciais que executem
algum tipo de movimento um em relação ao outro. Em particular, ela é válida quando O′ é um referencial
não-inercial, de modo que torna possı́vel o estudo de movimentos nesses referenciais. Um exemplo simples
é o de um movimento na superfı́cie da Terra, que é um sistema de referência não-inercial girante. Esse
assunto faz parte do domı́nio da Dinâmica, e começaremos seu estudo na próxima seção. Antes, porém,
vamos desenvolver um exemplo de aplicação.
Exemplo 1.10. Um prato fonográfico de raio R gira em torno de um eixo vertical com uma velocidade
angular ω ~ constante. Uma formiga, situada sobre esse prato, anda radialmente sobre ele com velocidade
constante quando vista a partir do centro do prato por um observador O′ que gira junto com o prato, tendo
eixos x′ e y ′ paralelos a ele e z ′ na direção vertical e no mesmo sentido que ~ω. Um observador inercial O está
situado coincidente com O′ . Considere que, em t = 0 os eixos x e y de O coincidam com os respectivos eixos
x′ e y ′ de O′ . Determine a velocidade e a aceleração da formiga determinada pelo observador O sabendo que
ela anda paralelamente ao eixo x′ .
A velocidade da formiga, quando vista por O′ , é constante, e vamos representá-la por ~vf′ . Considerando
que o eixo x′ esteja paralelo ao trajeto executado pela formiga quando vista por O′ , podemos escrever sua
posição como ~rf′ = ~vf′ t = vf′ tı̂′ , onde vf′ é o módulo de ~vf′ e t é o tempo, lembrando que ela parte do centro
do prato. Como as origens dos dois sistemas coincidem, temos R ~ = 0, de modo que V
~ =0eA ~ = 0. Assim,
a equação 1.153 torna-se
~vf = ~vf′ + ω
~ × ~rf′
′
Escrevendo ω
~ = ω k̂ , onde ω é o módulo de ~ω , temos
′
~vf = vf′ ı̂′ + ω k̂ × (vf′ tı̂′ )
62 1. DERIVADAS VETORIAIS
ou
K. D. Machado
′
~vf = vf′ ı̂′ + ωvf′ t ĵ (1.158)
′
Agora, precisamos escrever ı̂′ e ĵ em termos do tempo t, já que esses versores não são fixos. Considerando
que em t = 0 os eixos x e x′ coincidem, assim como os eixos y e y ′ , temos, para um instante de tempo t
posterior, a figura 1.21.
~vf = vf′ (cos ωtı̂ + sen ωt ĵ) + ωvf′ t(− sen ωtı̂ + cos ωt ĵ)
ou
~vf = vf′ (cos ωt − ωt sen ωt)ı̂ + vf′ (sen ωt + ωt cos ωt) ĵ (1.160)
que expressa a velocidade da formiga em relação ao referencial inercial O. Podemos determinar agora a
aceleração da formiga em relação a O, mediante o uso da equação 1.155,
~ + ~a ′ + 2~ω × ~v ′ + α
~a = A ~ × ~r ′ + ~ω × (~ω × ~r ′ )
que fica, lembrando que ~af′ = 0, pois a formiga se move para O′ com velocidade constante, e que α
~ = 0, já
que ~ω também é constante,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 63
K. D. Machado ′ ′ ′
~af = 2ω k̂ vf′ ı̂′ + ω k̂ × (ω k̂ × vf′ tı̂′ )
ou
′
~af = 2ωvf′ ĵ − ω 2 vf′ tı̂′
e, substituindo as equações 1.159, achamos
~af = (−2ωvf′ sen ωt − ω 2 vf′ t cos ωt)ı̂ + (2ωvf′ cos ωt − ω 2 vf′ t sen ωt) ĵ
ou ainda,
~af = −ωvf′ (2 sen ωt + ωt cos ωt)ı̂ + ωvf′ (2 cos ωt − ωt sen ωt) ĵ (1.161)
O mesmo resultado pode ser obtido se derivarmos a equação 1.160 em relação ao tempo, ou seja,
d~vf
= vf′ (−ω sen ωt − ω sen ωt − ω 2 t cos ωt)ı̂
dt
+ vf′ (ω cos ωt + ω cos ωt − ω 2 t sen ωt) ĵ
ou
Definição 1.3 (Lei de Ação e Reação). Num referencial inercial, quando duas partı́culas A e B interagem,
elas produzem forças uma sobre a outra de modo que, à ação produzida por A sobre B corresponde uma
reação de B sobre A, que tem mesmo módulo, mesma direção mas sentido oposto à ação produzida por A
sobre B. As forças consideradas ocorrem em corpos distintos e ocorrem ao mesmo tempo.
A lei de ação e reação estabelece um dos pilares da Fı́sica, a lei de conservação do momento linear
de um sistema. Para tanto, considere que temos um sistema isolado de agentes externos, formado por dois
corpos A e B, que podem interagir um com o outro. Nesse caso, a força resultante produzida sobre B é
devida ao corpo A, e vice-versa. Da segunda lei de Newton, expressa pela equação 1.124, temos
64 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado d~
pB
F~A→B = (1.162)
dt
onde F~A→B é a força resultante exercida por A sobre B, e p~B é o momento linear de B. De forma similar,
podemos escrever também
d~
pA
F~B→A = (1.163)
dt
d~
p d~
pA d~
pB
= + (1.165)
dt dt dt
ou, utilizando as equações 1.162 e 1.163,
d~p
= F~B→A + F~A→B (1.166)
dt
Agora, temos que a terceira lei de Newton estabelece que a força produzida por A sobre B tem mesmo
módulo, mesma direção mas sentido oposto à força produzida por B sobre A, de modo que
d~
p
= 0, sistema isolado (1.168)
dt
ou seja, o momento linear total do sistema isolado formado por A e B não varia à medida que A e B
interagem, sendo uma constante do movimento. Retornando agora em 1.165, achamos
d~
pA d~
pB
0= +
dt dt
ou
d~
pA d~
pB
=− (1.169)
dt dt
isto é, a variação que ocorre no momento linear de A ocorre, com sinal oposto, no momento linear de B. Note
que o sistema foi suposto como sendo isolado. Quando ele não é isolado, agentes externos podem produzir
forças sobre ele fazendo com que o momento linear total do sistema não seja mais constante. A variação de
p~, neste caso, é dada pela segunda lei de Newton, e está ligada à força resultante agindo no sistema.
É importante notar que as leis de Newton, assim como todas as outras leis da Fı́sica, são matematizações de princı́pios fı́sicos
verificados na Natureza. Assim, experimentalmente se observa que ocorre a conservação do momento linear, por exemplo, e esse fato
é formalizado pela terceira lei de Newton, que é um “resumo”da experimentação. É importante reforçar esse ponto porque, às vezes,
temos a impressão de que a Natureza se dobra às leis, quando de fato o que ocorre é o contrário.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 65
1.3.4
K. D. Machado
Dinâmica em Referenciais Girantes
As leis de Newton são válidas apenas em referenciais inerciais. Entretanto, em várias situações, é
mais interessante utilizar sistemas de referência não-inerciais para a resolução de problemas, e um exemplo
simples ocorre quando precisamos analisar movimentos feitos na superfı́cie da Terra, que é um objeto que tem
um movimento de rotação e que é usado com freqüência como sistema de referência. Para essas situações,
é interessante compararmos como observadores inerciais e não-inerciais analisam os movimentos em seus
referenciais. Considere, por exemplo, um carrossel num parque. Próximo a ele há um caminho retilı́neo por
9 Aqui estamos supondo que podemos desprezar a curvatura da Terra, pois o comprimento do caminho é muito menor que o
raio desta.
10 Aqui temos mais uma aproximação, pois estamos desconsiderando a rotação da Terra, o que faria com que o eixo do carrossel
girasse no espaço, de modo que o sistema O também não seria, rigorosamente falando, inercial.
66 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
F~ = m~a , (massa constante, referencial inercial)
A expressão 1.155 fornece a relação entre acelerações medidas por um referencial inercial O e um outro
qualquer, O′ , que executa algum tipo de movimento em relação ao referencial inercial O. Então, multiplicando
essa equação pela massa da partı́cula, que é o nosso sistema, temos
~ + m~a ′ + 2m~ω × ~v ′ + m~
m~a = mA α × ~r ′ + m~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.170)
F~ = mA
~ + m~a ′ + 2m~ω × ~v ′ + m~
α × ~r ′ + m~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.171)
Análise Vetorial
′
Note agora que o referencial O gostaria de analisar suas grandezas de uma forma similar àquela usada por
O. Em particular, ele gostaria de poder escrever uma segunda lei de Newton da mesma forma como O faz.
A equação acima nos mostra como ele pode fazer isso. Vamos reescrever a equação 1.171 como
m~a ′ = F~ − mA
~ − 2m~ω × ~v ′ − m~
α × ~r ′ − m~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.172)
′
Assim, para que O descreva o movimento mediante uma segunda lei de Newton, na forma
F~ ′ = F~ − mA ~ − 2m~ω × ~v ′ − m~
α × ~r ′ − m~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.174)
Aqui fica clara a questão das forças fictı́cias mencionadas acima. F~ é a resultante das forças que agem sobre
o sistema quando ele é analisado pelo referencial inercial. Este termo é o único que tem origens fı́sicas. Os
outros termos precisam ser criados pelo observador O′ para explicar o movimento observado por ele. Nessa
equação, temos os seguintes termos:
• F~ : resultante das forças reais agindo sobre o sistema, como medida por O (inercial).
• F~ ′ : resultante das forças que O′ supõe estarem agindo sobre o sistema, para que ele siga uma segunda
lei de Newton similar àquela determinada por O.
~ força fictı́cia criada por O′ relacionada à sua translação em relação a O.
• −mA:
α × ~r ′ : força fictı́cia criada por O′ relacionada à sua rotação em relação a O.
• −m~
• F~centrı́fuga = −m~ω × (~
ω × ~r ′ ): força centrı́fuga (força fictı́cia) usada por O′ para explicar, por exemplo,
o motivo da pessoa se “desprender”do banco do carro quando este faz uma curva.
• F~C = −2m~ω × ~v ′ : força de Coriolis (força fictı́cia), também criada por O′ para explicar a “força”que
surge quando o ponto P está em movimento no sistema O′ .
Das forças fictı́cias acima, duas são mais “interessantes”, a força centrı́fuga, que é um termo de uso corri-
queiro 11 e a força de Coriolis. Assim, vamos estudá-las mais detidamente. Com relação à força centrı́fuga, já
vimos alguns exemplos interessantes envolvendo seu uso para explicar o movimento. É interessante verificar
sua relação com a aceleração centrı́peta vista por um referencial inercial. Para isso, considere a figura 1.22.
Na figura vemos um ponto situado na posição ~r em relação ao observador inercial O. Este ponto gira
em relação a um eixo com velocidade angular ω ~ . Para que ele tenha esse movimento, alguma força resultante
real deve agir nele, orientada na direção e sentido do vetor ω~ × (~ω × ~r ). Esta força resultante precisa existir
para que o ponto execute a trajetória circular, caso contrário ele se moveria em linha reta, segundo a primeira
K. D. Machado w × (w × r )
R w×r
-w × (w × r )
lei de Newton. Por outro lado, para um observador O′ que gire com velocidade angular ω ~ , o ponto parece
estar parado, de modo que ele considera que ele está sujeito a uma força resultante nula. Para que isso ocorra,
ele cria um força centrı́fuga na direção e sentido do vetor −~ω × (~ω × ~r ), que compensa a força centrı́peta
de modo a produzir uma resultante nula. A força centrı́peta corresponde a alguma força real, produzida
por algum agente fı́sico 12 . Já a força centrı́fuga não pode ser associada a nenhum agente, pois é uma força
fictı́cia.
Com relação à força de Coriolis, vemos que ela depende da velocidade do objeto que se move no refe-
rencial O′ . Podemos entender sua origem se considerarmos, por exemplo, uma plataforma circular horizontal
que pode girar em torno de seu eixo. Uma pessoa, situada no seu centro sobre um pedestal, que não gira
junto com a plataforma, faz o papel de referencial inercial O. Considere inicialmente que a plataforma esteja
parada, e que haja uma pessoa na plataforma. Nesse caso, quando a pessoa sobre o pedestal atira algum
objeto para a pessoa na plataforma, ambas observam um movimento parabólico 13 num plano vertical que
contém as duas pessoas. Considere que a plataforma comece a girar bem lentamente. A pessoa no pedestal
arremessa novamente um objeto para a pessoa na plataforma. A pessoa no pedestal vê, mais uma vez, o
objeto descrever um movimento parabólico, de modo que ele cai exatamente onde ele caiu antes. Como a
plataforma gira, este ponto situa-se um pouco atrás da pessoa na plataforma girante ou, mais precisamente,
a pessoa na plataforma situa-se um pouco à frente do ponto. A pessoa, no pedestal, explica o fato de o
objeto não cair mais nas mãos da pessoa na plataforma de um modo simples, apenas incluindo o giro da
plataforma. A pessoa na plataforma, por sua vez, não constata ou prefere não constatar sua própria rotação,
mas vê o objeto se mover em seu próprio sistema de referência. Para ela, a razão de o objeto cair atrás dela
é a existência de uma força, relacionada à velocidade do objeto medida em seu próprio referencial, que o
desvia da trajetória parabólica que ele descrevia antes da rotação da plataforma. Essa força é a força de
Coriolis e, se perguntarmos para a pessoa na plataforma qual o agente que produz essa força, novamente
não obteremos uma resposta satisfatória, visto que essa é uma força fictı́cia.
Um exemplo de sistema móvel importante é a própria Terra, que gira em torno de seu eixo de modo
que ela é, rigorosamente falando, um sistema de referência não-inercial. Assim, se quisermos usar a superfı́cie
12 Poderia ser uma força gravitacional, uma tração exercida por um cabo, uma força elétrica, enfim, alguma força real.
13 Fazendo-se a hipótese de que a resistência do ar seja desprezada, assim como variações da aceleração da gravidade com a
altura.
68 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
da Terra como referencial para o estudo de movimentos feitos próximos à superfı́cie, devemos saber como
relacionar grandezas inerciais e não-inerciais. Para tanto, considere um observador inercial fixo situado no
centro da Terra de modo que um de seus eixos seja paralelo ao eixo de rotação da Terra. Os outros dois,
conseqüentemente, estão num plano perpendicular ao eixo de rotação, já que o sistema é ortogonal. O outro
sistema de referência, também ortogonal, fica na superfı́cie da Terra, e sua origem O′ está situada numa
~ em relação a O. A figura 1.23 apresenta os dois sistemas de referência. Note que a velocidade
posição R
angular da Terra vale ~ ω , conforme indicado na figura, e a posição de um ponto P no sistema de referência
O vale ~r. No referencial O′ , a posição de P vale ~r ′ .
z y’
O’
R r’
^
R x’ P
w
r
O y
Para o referencial O′ , a força observada por ele sobre uma partı́cula de massa m situada no ponto P
vale, de acordo com a expressão 1.174,
F~ ′ = F~ − mA
~ − 2m~ω × ~v ′ − m~
α × ~r ′ − m~ω × (~ω × ~r ′ )
Vamos fazer algumas considerações com relação à essa equação. Em F~ temos a força resultante medida por
O, que é inercial, dada pela soma da força gravitacional atrativa m~g exercida pela Terra sobre o objeto em P
com as outras forças quaisquer existentes que sejam de origem não-gravitacional. Assim, podemos escrever
F~ = m~g + F~ (1.175)
onde F~ é a resultante das forças de origem não-gravitacional que agem sobre o objeto de massa m situado
no ponto P. Com isso, obtemos
F~ ′ = m~g + F~ − mA
~ − 2m~ω × ~v ′ − m~
α × ~r ′ − m~ω × (~ω × ~r ′ ) (1.176)
Em seguida, podemos escrever A ~ em termos de outras grandezas. Note que o módulo de R
~ é constante.
Então, pela equação 1.142, temos
dV~
= ~ω × V~
dt
a qual é válida para um vetor qualquer V~ de módulo constante. Portanto,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 69
K. D. Machado ~
dR ~
= ~ω × R
dt
e
d dR
~
~
= ~ω × (~ω × R)
dt dt
ou
A ~
~ = ~ω × (~ω × R) (1.177)
Assim, mediante o uso da equação 1.177, a equação 1.176 pode ser escrita como
~
~gef = ~g − ~ω × (~ω × R) (1.180)
A Terra se deformou até sua superfı́cie orientar-se, em cada ponto, perpendicularmente ao vetor ~gef . Isso
inclui os oceanos, cuja superfı́cie também tem, como vetor normal, um vetor paralelo a ~gef . Com a definição
de ~gef , podemos agora orientar o eixo z ′ paralelamente a ~gef , de modo a simplificar as equações para o
movimento do objeto no referencial O′ . Note que nos polos ~gef = ~g e, à medida que nos movemos sobre a
70 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado -w × (w × R)
g
gef
w
R
superfı́cie da Terra em direção a latitudes menores, o módulo de ~gef diminui, chegando a um valor mı́nimo
no equador, onde ocorre ~gef k ~g e gef = g − ω 2 R. Assim, um objeto que tenha um certo peso nos polos terá
um peso menor no equador. A explicação disso, no referencial inercial O, é que é preciso que haja, sobre
o prumo, por exemplo, uma resultante que faça o papel de força centrı́peta para que ele efetivamente gire
juntamente com a Terra. Assim, a força exercida pelo fio sobre o prumo não é igual ao peso (real) do prumo
(mg, em módulo), nem está, em geral na mesma direção que ele, caso contrário o prumo não giraria com a
Terra. Apenas nos polos e no equador o fio de prumo está orientado na mesma direção que o peso do prumo.
Nos polos, o peso é igual à tração do cabo, visto que nesse local o prumo não gira, e no equador a tração
tem seu valor mı́nimo e orienta-se paralelamente ao peso, mas tem módulo menor que ele. Com relação à
forma elipsoidal da Terra, a explicação de O é parecida. Podemos considerar inicialmente uma esfera que
não executa um movimento de rotação. Na superfı́cie dessa esfera delimitamos uma certa quantidade de
massa m, que está inicialmente em equilı́brio sob a ação de duas forças, seu peso (a atração gravitacional da
esfera), que é radial e orientado para o centro da esfera, e a reação normal das outras massas ao seu redor,
que tem mesma direção que o peso, ou seja, é radial, mas está orientada para fora da esfera, como mostra a
figura 1.25.
z
^ mg
R
w=0
O y
x
Figura 1.25: Elemento de massa numa esfera que não executa rotação.
Se a esfera da figura 1.25 é um corpo rı́gido, as diversas massas que a formam interagem fortemente de
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 71
K. D. Machado
modo que, ao girá-la, a força centrı́peta necessária para manter cada massa em seu lugar executando um
movimento circular em torno do eixo é automaticamente produzida. No entanto, se a esfera não é rı́gida,
como é o caso da Terra, as massas “escorregarão”umas sobre as outras, de modo a chegar a uma situação em
que a normal produzida pelas outras massas sobre uma delas, combinada com o peso da massa em questão,
ajuste-se para produzir uma resultante que atue como força centrı́peta. No caso da Terra, isso aconteceu de
forma a produzir uma esfera achatada nos polos e apresentando uma protuberância no equador, conforme
mostra a figura 1.26.
Voltando à questão da análise feita pelo observador O′ , podemos, com o uso da equação 1.180, escrever
a equação 1.179 como
Exemplo 1.11. Considere uma partı́cula suspensa por um fio em equilı́brio a uma certa altura Z medida a
partir da superfı́cie da Terra. Prolongando-se a linha reta paralela ao fio em direção à Terra marca-se um
ponto P na sua superfı́cie. No instante de tempo t = 0, essa partı́cula é solta, e cai em direção à Terra.
Ao cair, por causa da rotação da Terra, a partı́cula não cai no ponto P, mas sim num outro ponto, Q.
Determine a deflexão que ocorre, isto é, a distância entre P e Q, desprezando as forças exercidas pelo ar e
considerando que Z ≪ R, onde R é o raio da Terra.
Para facilitar a escrita das componentes vetoriais vamos usar o sistema de coordenadas descrito na
figura 1.27. O eixo x′ está orientado ao longo de um meridiano, no sentido norte-sul, e o eixo y ′ está orientado
ao longo de um paralelo, no mesmo sentido que a Terra gira (oeste-leste). O eixo z ′ , conforme já comentamos,
orienta-se na direção do vetor ~gef , mas com sentido oposto. O sistema de eixos está localizado na latitude
α, conforme mostra a figura.
Para estudar o movimento da partı́cula em queda livre, precisamos escrever os termos relevantes
da equação 1.181. Note que, como a partı́cula está em queda livre sob a ação da gravidade, e estamos
desconsiderando eventuais forças exercidas pelo ar, a resultante das forças não-gravitacionais é nula, isto é,
F~ = 0. Assim, a equação 1.181 torna-se
K. D. Machado N
gef
z’
z y’
O’
K. D. Machado
Como o ponto de onde a partı́cula cai tem uma altura pequena quando comparada com o raio da Terra,
podemos considerar o módulo de ~gef como sendo constante em primeira aproximação. A velocidade da
partı́cula no referencial O′ pode ser escrita como
′ ′
~v ′ = vx′ ı̂′ + vy′ ĵ + vz′ k̂ (1.187)
′
ω × ~v , ou seja, usando as equações 1.185 e 1.187, achamos
Agora efetuamos o produto vetorial ~
′ ′ ′
ω × ~v ′ = (−ω cos αı̂′ + ω sen α k̂ ) × (vx′ ı̂′ + vy′ ĵ + vz′ k̂ )
dvz′
≃ −gef a′z =
dt
Esta equação pode ser imediatamente integrada, considerando como condição inicial vz′ (0) = 0, já que temos
uma queda livre, ou seja,
Z vz′ Z t
dvz′
dt ≃ − gef dt
0 dt 0
ou
K. D. Machado Z z′ Z t
dz ′
dt ≃ − gef t dt
Z dt 0
ou
gef t2
z ′ (t) ≃ Z − (1.191)
2
dvy′
a′y = ≃ −2ω(−gef t) cos α
dt
onde usamos a equação 1.190 para vz′ . Integrando essa equação considerando vy′ (0) = 0, temos
Z vy′ Z
dvy′ t
dt ≃ 2ωgef t cos α dt
0 dt 0
ou
dvx′
a′x = ≃ 2ω 2 gef t2 sen α cos α
dt
Então, considerando vx′ (0) = 0, temos
Z ′
vx Z t
dvx′
dt ≃ 2ω 2 gef t2 sen α cos α dt
0 dt 0
ou
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 75
d2 x′ dy ′
a′x = 2
= 2ωvy′ sen α = 2ω sen α (1.196)
dt dt
que fica, no Maple,
> edo1:=diff(x(t),t$2) = 2*omega*sin(alpha)*diff(y(t),t);
d2 d
edo1 := dt2 x(t) = 2 ω sin(α) ( dt y(t))
Note que edo representa equação diferencial ordinária. Podı́amos usar qualquer variável, apenas estamos
usando esse nome para reforçar a idéia de que é uma equação diferencial. É importante relembrar o comando
diff, que calcula a derivada de qualquer função em relação à variável indicada. Para uma derivada de ordem
n em relação a t, acrescentamos t$n ao comando diff. Para y ′ , temos, da expressão 1.189,
d2 y ′ dz ′ dx′
a′y = = −2ω(vz
′
cos α + vx
′
sen α) = −2ω cos α + sen α (1.197)
dt2 dt dt
ou, no Maple,
> edo2:=diff(y(t),t$2) =
> -2*omega*(diff(z(t),t)*cos(alpha)+diff(x(t),t)*sin(alpha));
d2 d d
edo2 := dt2 y(t) = −2 ω (( dt z(t)) cos(α) + ( dt x(t)) sin(α))
Por fim, para a componente z ′ , temos, pela equação 1.189,
d2 z ′ dy ′
a′z = = 2ωvy
′
cos α − g ef = 2ω cos α − gef (1.198)
dt2 dt
ou, no Maple,
> edo3:=diff(z(t),t$2) = 2*omega*diff(y(t),t)*cos(alpha) - gef;
d2 d
edo3 := dt2 z(t) = 2 ω ( dt y(t)) cos(α) − gef
Agora que definimos as equações diferenciais, devemos definir as condições iniciais apropriadas ao problema.
No presente caso, como a partı́cula está em queda livre, sua velocidade inicial é nula, ou seja, temos vx′ (0) =
vy′ (0) = vz′ (0) = 0. Além disso, com relação à posição inicial, temos x′ (0) = y ′ (0) = 0 e z ′ (0) = Z, a altura
de onde ela começou a cair. Estas condições iniciais são definidas no Maple na forma abaixo.
76 1. DERIVADAS VETORIAIS
>
K. D. Machado
ci:=x(0)=0,D(x)(0)=0,y(0)=0,D(y)(0)=0,z(0)=Z,D(z)(0)=0;
ci := x(0) = 0, D(x)(0) = 0, y(0) = 0, D(y)(0) = 0, z(0) = Z, D(z)(0) = 0
Note que todas as condições foram dadas numa mesma linha. Além disso, para representar a derivada de
uma das variáveis dependentes que aparecem nas equações diferenciais, usamos o comando D, que tem como
argumentos a variável em questão e também o valor da variável independente. Então, D(x)(0) indica dx dt
aplicada ao ponto t = 0. Em seguida, já que definimos as equações diferenciais e as condições iniciais a que
elas estão sujeitas, podemos partir para a sua resolução, usando o comando
> assign(%);
Com isso, o valor de x(t) é atribuı́do à variável x(t), o valor de y(t) é atribuı́do à variável y(t) e o valor
de z(t) é atribuı́do à variável z(t). Podemos verificar x′ (t) explicitamente mediante
> x(t);
1 sin(α) cos(α) gef (cos(2 ω t) + 2 t2 ω 2 − 1)
4 ω2
ou seja,
′gef sen α cos α cos(2ωt) + 2t2 ω 2 − 1
x (t) = (1.199)
4ω 2
′ ′
Este é o resultado para a coordenada x (t). Para y (t), temos
> y(t);
1 cos(α) gef (−sin(2 ω t) + 2 ω t)
4 ω2
ou
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 77
K. D. Machado
gef cos α 2ωt − sen(2ωt)
′
y (t) = (1.200)
4ω 2
e, finalmente, para a variável z ′ (t) temos
> z(t);
1 gef cos(2 ω t) cos(α)2 − 2 gef t2 ω 2 + 2 gef t2 ω 2 cos(α)2 − cos(α)2 gef + 4 Z ω 2
~
F~centrı́fuga = m~ω × (~ω × R)
que foi a suposição feita para o cálculo da força sobre a partı́cula no referencial não-inercial. É possı́vel
incluir estas dependências no cálculo, visando torná-lo mais preciso. No entanto, esse não é nosso objetivo
aqui, pois queremos apenas uma estimativa.
Os resultados dados pelas equações 1.199–1.201 são exatos. Podemos verificar agora o que ocorre com
essas respostas quando levamos em conta o fato de que ω é muito pequeno. É interessante, então, expandir
essas expressões em série de Taylor em torno do ponto ω = 0, o que nos dará uma aproximação para esse
limite. Vamos considerar inicialmente x′ (t), dado por 1.199. O comando para obter uma série de Taylor é
taylor(funç~
ao, variável, ordem)
onde
1. funç~
ao: é a função que se quer expandir.
2. variável: corresponde à variável em torno da qual queremos a expansão.
3. ordem: um número inteiro não-negativo que indica a ordem do maior termo da expansão. Se o argumento
ordem não for explicitado, o comando taylor resultará numa expansão da função até termos de sexta
ordem, se houver.
Aplicando esse comando para o nosso caso, temos
> xT:=simplify(taylor(x(t),omega=0));
1
xT := sin(α) cos(α) gef t4 ω 2 + O(ω 4 )
6
ou
15 Note que a função cos(2ωt) que aparece na equação 1.199 foi expandida até a sexta ordem em ω.
78 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
ω 2 gef sen α cos α 4
x′ (t) ≃ t
6
vemos que eles correspondem perfeitamente. Partindo agora para y ′ (t), achamos
> yT:=simplify(taylor(y(t),omega=0));
1 1
yT := cos(α) gef t3 ω − cos(α) gef t5 ω 3 + O(ω 4 )
ωgef cos α 3
y ′ (t) ≃ t
3
que foi obtida anteriormente. Note que a próxima correção envolve um termo da ordem de ω 3 , que é muito
menor que o primeiro, que apresenta um fator ω. Por fim, temos a solução para z ′ (t),
> zT:=simplify(taylor(z(t),omega=0));
gef t2 1
zT := (Z − ) + gef t4 cos(α)2 ω 2 + O(ω 4 )
2 6
ou
gef t2 1
zT = Z − + gef ω 2 t4 cos2 α + O(ω 4 ) (1.204)
2 6
Ao compararmos esse resultado com o obtido por nós em primeira aproximação, dado pela equação 1.191,
gef t2
z ′ (t) ≃ Z −
2
vemos que eles concordam muito bem. Assim, nosso cálculo inicial estava correto em primeira aproximação.
O próximo passo consiste em acharmos o tempo que a partı́cula leva para cair até o solo, de modo que
podemos utilizar esse tempo para determinar o quanto ela se move em x′ e y ′ de modo a, em seguida,
calcular a deflexão. A idéia, então, é resolver a equação 1.204 para zT = 0, ou seja,
> T:=solve(zT=0,t);
√ √
Z 2 1 Z 3 2 cos(α)2 2
T := √ + ω + O(ω 4 ),
Z gef 3 (Z gef )(3/2)
√ √
Z 2 1 Z 3 2 cos(α)2 2
−√ − ω + O(ω 4 )
Z gef 3 (Z gef )(3/2)
Note que usamos o comando solve para obter o valor de T, que é o tempo que a partı́cula leva para cair.
Existem dois valores matemáticos possı́veis para T, mas apenas o primeiro tem significado fı́sico. Além disso,
o resultado está expresso em termos de uma série, e precisamos convertê-lo para uma forma polinomial, o
que é feito com o comando
convert(express~
ao, opç~
ao)
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 79
mostrado abaixo.
K. D. Machado
> tempo:=simplify(convert(T[1],polynom)) assuming Z>0;
√ √
1 Z 2 (3 gef + Z cos(α)2 ω 2 )
tempo :=
3 gef (3/2)
A variável tempo contém o valor do tempo na forma de um polinômio em ω, obtido mediante o comando
convert, em que a express~ ao T[1], que se apresenta na forma de uma série, é convertida utilizando o
K. D. Machado
superfı́cie sobe e vai em direção aos polos. Dos polos saem massas de ar frio, que se movem em direção ao
equador. Quando uma massa de ar frio vem do polo sul em direção ao equador, ela sofre, por causa da força
de Coriolis, um desvio para a esquerda, tendendo a ir para o oeste. Enquanto isso, a massa de ar que sai do
equador em direção aos polos também é desviada para à esquerda de sua direção de movimento, tendendo
então a ir para o leste. Estabelece-se, assim, uma circulação de ar no sentido sul-oeste-norte-leste, ou seja,
no mesmo sentido do movimento executado pelos ponteiros do relógio, que é a responsável pela formação de
ventos em regimes anti-ciclônicos no hemisfério sul. No hemisfério norte, ao contrário, as forças que surgem
no referencial não-inercial são tais que massas de ar vindas do polo norte em direção ao equador sejam
Exemplo 1.12. Um outro problema bastante relevante consiste no pêndulo de Foucault, que é formado por
uma massa m suspensa por um cabo muito comprido, de modo que a amplitude das oscilações do pêndulo
é muito pequena quando comparada com o comprimento L do cabo. Esse pêndulo, quando posto a oscilar
próximo à superfı́cie da Terra, sofre a ação das forças fictı́cias que surgem quando estamos num referencial
não-inercial, o que faz com que o plano de oscilação do pêndulo gire (exceto se estiver exatamente nos polos)
e descreva uma volta completa no decorrer de um dia. Obtenha as equações de movimento desse pêndulo.
O primeiro passo para obter as equações do pêndulo consiste em considerar um sistema de referência
apropriado. Para esse problema, o sistema de referência apresentado na figura 1.27 também é indicado, sendo
que o eixo z ′ corresponde à direção definida pelo cabo do pêndulo quando este está na posição de equilı́brio.
A figura 1.28 apresenta os elementos essenciais para o problema.
gef
N z’
L
z g y’
O’
T
x
w b
a x’
O
y
Da mesma forma como ocorre no exemplo 1.11, a velocidade angular é dada pela equação 1.185,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 81
K. D. Machado ′
~ = −ω cos αı̂′ + ω sen α k̂
ω
e a aceleração efetiva da gravidade vale, pela equação 1.186,
′
~gef = −gef k̂
A velocidade pode ser escrita como na equação 1.187,
Além da atração gravitacional, temos também a tração T~ na corda agindo sobre a massa m do
pêndulo, de modo que a equação 1.181 fica
T~
− 2~ω × ~v ′
~a′ = ~gef + (1.209)
m
A componente da tração na direção z ′ pode ser escrita como
L − z′ R
cos γ = sen γ =
L L
x′ y′
cos ξ = sen ξ =
R R
de modo que as equações 1.210 e 1.211 ficam
x′
Tx′ = T (1.212a)
L
y′
Ty′ =T (1.212b)
L
L − z′
Tz′ =T (1.212c)
L
ou seja, vetorialmente ficamos com
x′ ′ y′ ′ L − z′ ′
T~ = −T ı̂ − T ĵ + T k̂ (1.213)
L L L
Reunindo agora as equações 1.186, 1.207 e 1.213 em 1.209, obtemos
82 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
x′ ′ y′ ′ L−z ′ ′
′ ′ −T L ı̂ −T L ĵ +T L k̂
~a = −gef k̂ +
m
′ ′
− 2 −ωvy′ sen αı̂′ + ω(vz′ cos α + vx′ sen α) ĵ − ωvy′ cos α k̂
′
~a′ = (2ωvy′ sen α − ζ 2 x′ )ı̂′ − 2ω(vz′ cos α + vx′ sen α) + ζ 2 y ′ ĵ
′
+ ζ 2 (L − z ′ ) − gef + 2ωvy′ cos α k̂
que, até o momento, expressa a aceleração da massa m do pêndulo de forma exata, para qualquer compri-
mento L do cabo. Dessa equação obtemos três equações diferenciais, a saber,
d2 x′
= 2ωvy′ sen α − ζ 2 x′ (1.215a)
dt2
d2 y ′
= −2ω(vz′ cos α + vx′ sen α) − ζ 2 y ′ (1.215b)
dt2
d2 z ′
= ζ 2 (L − z ′ ) − gef + 2ωvy′ cos α (1.215c)
dt2
As equações diferenciais de segunda ordem desse conjunto de equações são acopladas, e não é simples resolvê-
las em geral. Podemos recorrer ao Maple, mas as expressões obtidas não são facilmente interpretadas, além
de serem enormes. Por causa disso, precisamos efetuar algum tipo de aproximação nas equações acima, de
modo a obter dados fı́sicos relevantes sem grande perda de rigor matemático. Assim, se fizermos a hipótese
de que o comprimento do cabo é muito maior do que a amplitude de oscilação do pêndulo, temos como
conseqüência o fato de que a posição do pêndulo fica praticamente sempre no plano x′ y ′ , de modo que a
componente z ′ (t) pode ser aproximada por z ′ (t) ≃ 0, o que faz com que, também de forma aproximada,
vz′ (t) ≃ 0, e então, a′z (t) ≃ 0. Conseqüentemente, a resultante de forças na vertical é aproximadamente nula,
de modo que ocorre
T ≃ mgef (1.216)
Com isso, a equação 1.214 torna-se
r r
mgef gef
ζ≃ = (1.217)
mL L
e as equações 1.215 passam a ser
d2 x′
≃ 2ωvy′ sen α − ζ 2 x′ (1.218a)
dt2
d2 y ′
≃ −2ωvx′ sen α − ζ 2 y ′ (1.218b)
dt2
d2 z ′
≃0 (1.218c)
dt2
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 83
ou
K. D. Machado
d2 x′
+ ζ 2 x′ ≃ 2ωvy′ sen α (1.219a)
dt2
d2 y ′
+ ζ 2 y ′ ≃ −2ωvx′ sen α (1.219b)
dt2
d2 z ′
dp
= vx′ (t) + ivy′ (t) (1.221)
dt
e, derivando mais uma vez, achamos
d2 p
= a′x (t) + ia′y (t) (1.222)
dt2
Assim, utilizando agora as equações 1.218a e 1.218b em 1.222, temos
d2 p
≃ 2ωvy′ sen α − ζ 2 x′ + i(−2ωvx′ sen α − ζ 2 y ′ )
dt2
ou
d2 p
+ ζ 2 x′ + iζ 2 y ′ ≃ 2ωvy′ sen α − 2iωvx′ sen α
dt2
ou ainda,
d2 p
+ ζ 2 (x′ + iy ′ ) ≃ 2ω sen α(vy′ − ivx′ ) = −2iω sen α(ivy′ + vx′ )
dt2
e, finalmente, utilizando as equações 1.220 e 1.221,
d2 p dp
+ ζ 2 p ≃ −2iω sen α
dt2 dt
ou
d2 p dp
+ 2iω sen α + ζ 2 p ≃ 0 (1.223)
dt2 dt
que é uma equação similar à equação de um oscilador harmônico amortecido, com a diferença de que o termo
de amortecimento, que envolve a derivada primeira de p, aqui é imaginário puro. Para resolver essa equação,
supomos que a solução seja dada por
K. D. Machado dp
= sAest (1.225)
dt
e
d2 p
= s2 Aest (1.226)
dt2
Utilizando as equações 1.224–1.226 em 1.223, ficamos com
√ 2 2 2
p+ (t) = A+ es+ t = A+ e(−iω sen α+i ω sen α+ζ )t
√ 2 2 2
p− (t) = A− es+ t = A− e(−iω sen α−i ω sen α+ζ )t
d2 p0
+ ζ 2 p0 ≃ 0 (1.229)
dt2
que é a equação de um oscilador harmônico simples, cuja resolução segue os moldes do que foi feito há pouco
para a equação 1.223, de modo que temos
K. D. Machado
Assim, substituindo as equações 1.220 e 1.233 em 1.232, achamos
x′ (t) + iy ′ (t) ≃ [cos(ω sen α t) − i sen(ω sen α t)][x′0 (t) + iy0′ (t)]
de modo que
ou ainda,
x′ (t) + iy ′ (t) ≃ x′0 (t) cos(ω sen α t) + y0′ (t) sen(ω sen α t)
+ i[y0′ (t) cos(ω sen α t) − x′0 (t) sen(ω sen α t)]
resultando em
onde usamos a equação 1.185 para expressar a componente de ω ~ na direção z ′ para simplificar um pouco
as equações. As equações acima indicam que o plano de oscilação do pêndulo de Foucault (descrito pelas
coordenadas x′ (t), y ′ (t) e z ′ (t)) faz um ângulo θp = ωz t com o plano de oscilação de um pêndulo idêntico
colocado para oscilar mas que não gira junto com a Terra (representado pelas coordenadas x′0 (t), y0′ (t) e
z0′ (t)), de modo que o plano do pêndulo de Foucault gira com uma freqüência angular ωz , acompanhando o
giro da Terra, e pode ser usado para demonstrar justamente que a Terra executa uma rotação em torno de
seu eixo.
Para esse sistema de partı́culas, definimos uma grandeza chamada centro de massa (CM), cuja posição
é obtida mediante
n
X
mi (~ri − ~rCM ) = 0 (1.236)
i=1
86 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado z
mi
ri
rCM
ou, como a posição do centro de massa é uma constante em relação à soma, temos
n
X n
X
~rCM mi = mi~ri
i=1 i=1
de modo que
P
n P
n
mi~ri mi~ri
i=1 i=1
~rCM = Pn = (1.237)
M
mi
i=1
onde
n
X
M= mi (1.238)
i=1
é a massa total do sistema de partı́culas, que é uma constante em relação ao tempo. Note que o centro
de massa não precisa necessariamente estar localizado em alguma das partı́culas do sistema. Um exemplo
simples consiste em considerar duas partı́culas de massas iguais, separadas por uma distância d. O centro
de massa se encontra entre elas, a uma distância d2 de cada massa. Vamos considerar agora um sistema de
referência O′ com origem no centro de massa do sistema, de modo que a posição das partı́culas em relação
a O′ vale ~ri′ , como mostra a figura 1.30.
K. D. Machado z
ri’
mi O’
ri
rCM
d~rCM
~vCM = (1.241)
dt
temos
n
1 X
~vCM = mi~vi (1.242)
M i=1
Retornando agora à equação 1.240, achamos
K. D. Machado
mi~vi = mi~vCM + mi~vi′
Agora, relembramos que o momento linear de uma partı́cula, dado pela equação ??, é dado por ~p = m~v , o
que faz com que a equação acima possa ser escrita como
ou, utilizando 1.245 e também o fato de que ~vCM não envolve o ı́ndice i, temos
n
X
P~ = ~vCM mi + P~ ′ (1.246)
i=1
onde
n
X
P~ ′ = p~i′ (1.247)
i=1
é o momento linear total do sistema medido em relação à origem O′ , que coincide com o centro de massa.
Utilizando 1.238, a equação 1.246 torna-se
P~ = M~vCM + P~ ′ (1.248)
Para simplificar essa expressão, vamos calcular a posição do centro de massa CM em relação à origem O′ ,
que coincide com o centro de massa, ou seja, usando a equação 1.237, temos
P
n
mi~ri′
′
~rCM = i=1
M
ou, como o centro de massa coincide com O′ , temos ~rCM
′
= 0, e achamos
n
X
mi~ri′ = 0 , (origem no CM) (1.249)
i=1
P~ = M~vCM (1.252)
Análise Vetorial
Essa equação indica que o sistema formado por partı́culas cujas massas não variam possui um momento
linear total que é dado pelo produto da massa total M por uma velocidade especial, a velocidade do centro
de massa do sistema. Essa equação é muito similar à sua correspondente para o caso de uma partı́cula, isto é,
p~ = m~v , com a diferença de que a velocidade a ser considerada é a velocidade centro de massa do sistema de
partı́culas, não uma velocidade especı́fica de alguma partı́cula. Oportunamente retornaremos a essa equação
mas, no momento, vamos obter outro resultado importante. Vamos considerar novamente a expressão 1.245
para o momento linear total do sistema de partı́culas,
n
X
P~ = ~pi
i=1
d~
p
F~ =
dt
onde F~ é a força resultante agindo na partı́cula. Então, podemos escrever
d~
pi
F~i = (1.254)
dt
onde F~i é a força resultante agindo na partı́cula i. Essa força é dada por dois fatores. Os agentes externos ao
sistema produzem uma força resultante F~iext sobre a partı́cula i, ao passo que as outras partı́culas internas
ao próprio sistema produzem forças sobre i, e a sua resultante vale F~iint . Então, temos
onde F~ijint é a força produzida pela partı́cula j sobre a partı́cula i. Note que, obviamente, F~iiint = 0. Tendo
isso em mente, podemos escrever também
n
X
F~iint = F~ijint (1.256)
j=1
90 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Com o uso de 1.256, a equação 1.255 torna-se
n
X
F~i = F~iext + F~ijint (1.257)
j=1
Xn
d~
pi
= F~iext + F~ijint
X n XX n n
dP~
= F~iext + F~ijint (1.259)
dt i=1 i=1 j=1
Devemos agora manipular essa equação. A primeira consideração refere-se ao fato de que, ao somarmos todas
as forças externas agindo sobre as partı́culas, teremos a força resultante produzida por agentes externos ao
sistema, ou seja,
n
X
F~ ext = F~iext (1.260)
i=1
Com relação ao segundo termo do lado direito da equação 1.259, podemos reescrevê-lo numa forma mais
simétrica como
n X
X n n n
1 X X ~ int ~ int
F~ijint = (F + Fji ) (1.261)
i=1 j=1
2 i=1 j=1 ij
Lembrando agora que a força exercida pela partı́cula i sobre a j constitui um par de ação e reação com a
força exercida pela partı́cula j sobre a i, temos
F~ijint = −F~jiint
Isso faz com que a equação 1.261 torne-se
n n
1 X X ~ int ~ int
(F + Fji ) = 0 (1.262)
2 i=1 j=1 ij
dP~
= F~ ext
dt
ou, eliminando o superescrito ext, para simplificar a notação, temos
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 91
K. D. Machado dP~
F~ = (1.264)
dt
onde F~ é a força resultante produzida sobre o sistema de partı́culas pelos agentes externos. Note que essa
expressão é análoga à segunda lei de Newton para uma partı́cula, onde agora P~ é o momento linear total
do sistema de partı́culas, e F~ é a força resultante externa produzida sobre o sistema. Devemos lembrar que
essa expressão é válida apenas num sistema de referência inercial. Uma consequência imediata de 1.264 é
P~ = M~vCM
Derivando essa equação em relação ao tempo, temos, como M é constante,
dP~ d~vCM
=M
dt dt
ou, usando 1.264,
F~ = M~aCM (1.265)
onde ~aCM é a aceleração do centro de massa medida em relação ao sistema de referência inercial O. Novamente
a semelhança com a segunda lei de Newton para partı́culas é grande, mas devemos lembrar que a aceleração
envolvida é a do centro de massa, e não a de alguma partı́cula especı́fica do sistema. Vejamos agora o que
ocorre com respeito ao momento angular.
Antes de iniciarmos é importante relembrar que, para uma partı́cula de massa m e momento linear
p~ = m~v , podemos calcular o seu momento angular em relação a uma dada origem O mediante ??,
~ℓO = ~rO × p~
onde ~rO é a posição da partı́cula em relação à origem O. Quando não for possı́vel fazer confusão com relação
à origem O adotada, o subscrito O pode ser omitido. Vamos calcular agora a derivada temporal do momento
angular, ou seja,
d~ℓ d
= (~r × ~p )
dt dt
ou
d~ℓ d~r d~
p
= × ~p + ~r ×
dt dt dt
Agora, temos que ~v = d~ r
e, pela segunda lei de Newton, F = ~ d~
p
onde F~ é a força resultante sobre a
dt dt ,
partı́cula. Então, obtemos
d~ℓ
= ~v × ~p + ~r × F~
dt
Como ~v e p~ são vetores múltiplos um do outro, temos ~v × ~p = 0, e achamos
d~ℓ
= ~r × F~
dt
Agora, relembramos que o torque resultante agindo sobre a partı́cula é obtido por meio de
92 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
T~ = ~r × F~
de modo que achamos
d~ℓ
T~ = (1.266)
dt
É importante notar que tanto o torque como o momento angular são calculados com relação à mesma origem,
d~ℓO
Análise Vetorial
T~O = (1.267)
dt
Note que chegamos a uma equação muito similar à segunda lei de Newton translacional, dada pela equa-
ção 1.124, só que agora envolvemos grandezas associadas com rotações. Por isso, essa equação é conhecida
como segunda lei de Newton rotacional. Quando o torque resultante sobre a partı́cula se anula, temos que o
momento angular ~ℓ é constante. Vejamos agora o que ocorre quando temos um sistema de partı́culas.
Vamos considerar novamente o sistema de n partı́culas de massas mi definido anteriormente, cada
uma com momento linear p~i = mi~vi . Cada partı́cula está situada na posição ~ri , de modo que o momento
angular de cada partı́cula, em relação à origem O inercial, é
que fica
~
ℓi = ~rCM × mi~vCM + ~rCM × ~pi′ + ~ri′ × mi~vCM + ~ri′ × p~i′ (1.270)
O último termo do lado direito pode ser identificado com o momento angular da partı́cula i em relação à
origem O′ situada no centro de massa do sistema de partı́culas, isto é
K. D. Machado n
X
L~O = L~ = ~ℓi (1.273)
i=1
onde efetuamos algumas manipulações algébricas e definimos o momento angular total em relação à origem
O′ , situada no centro de massa, por meio de
n
X
L~ ′ = ~ℓi=1′ (1.275)
i=1
A equação 1.274 pode ser simplificada se considerarmos as expressões 1.238, 1.247, 1.249 e 1.251, ou seja,
P~ = M~vCM
vemos que podemos escrever a equação 1.276 como
L~ = ~rCM × P~ + L~ ′ (1.277)
que tem a seguinte interpretação: o momento angular total de um sistema de partı́culas em relação a uma
origem inercial O pode ser obtido somando-se dois termos. O primeiro é o momento angular total do sistema
em relação a uma origem O′ situada no centro de massa. O segundo consiste em um termo que considera
que toda a massa do sistema está concentrada num ponto, situado no centro de massa do sistema, que tem
uma velocidade ~vCM , um momento linear M~vCM e um momento angular, em relação a O, que vale
L~ = L~CM + L~ ′ (1.279)
ou, explicitando as origens consideradas,
X d n
dL~
= (~ri × p~i )
dt i=1
dt
94 1. DERIVADAS VETORIAIS
ou
K. D. Machado
dL~ X d~ri X n
pi
n
d~
= × p~i + ~ri ×
dt i=1
dt i=1
dt
que fica
Xn Xn
dL~
= ~vi × p~i + ~ri × F~i (1.282)
onde F~i é a força resultante agindo sobre a partı́cula i, dada pela soma das forças externas atuando sobre i com
Análise Vetorial
as forças internas produzidas pelas outras partı́culas do sistema sobre i, isto é, recordando a equação 1.257,
n
X
F~i = F~iext + F~ijint
j=1
Utilizando essa expressão, e notando que ~vi × ~pi = 0, a equação 1.282 fica
dL~ X
n Xn
= ~ri × F~iext + F~ijint
dt i=1 j=1
ou
Xn Xn Xn
dL~
= ~ri × F~iext + ~ri × F~ijint (1.283)
dt i=1 i=1 j=1
O torque gerado pelas forças externas sobre uma partı́cula i é dado por
Note que o torque total externo produzido sobre o sistema é dado por
n
X
T~ ext = T~iext (1.286)
i=1
Além disso, o termo que está relacionado à dupla somatória no lado direito da equação 1.285 pode ser escrito
na forma simétrica
n X
X n n n
1 XX
~ri × F~ijint = (~ri × F~ijint + ~rj × F~jiint )
i=1 j=1
2 i=1 j=1
Agora, como, pela terceira lei de Newton, temos F~ijint = −F~jiint , podemos escrever
n X
X n n n
1 XX
~ri × F~ijint = (~rj − ~ri ) × F~ijint
i=1 j=1
2 i=1 j=1
temos
K. D. Machado
n X
X n n n
1 XX
~ri × F~ijint = ~rij × F~ijint
i=1 j=1
2 i=1 j=1
de modo que a equação 1.285 fica
n n
dL~ 1 XX
= T~ ext + ~rij × F~ijint (1.288)
dL~
= T~ ext , F~ij k ~rij (1.289)
dt
A hipótese acima faz parte do que se chama de terceira lei de Newton na forma forte, que estabelece que a
força exercida por uma partı́cula i sobre a j tem mesma direção, mesmo módulo mas sentido oposto ao da
força produzida por j sobre i e, além disso, as forças orientam-se na direção da reta que passa pelas duas
partı́culas 16 . Portanto, quando um sistema de partı́culas que siga a terceira lei de Newton na sua forma
forte for submetido a um torque resultante externo, o momento angular total desse sistema apresentará uma
taxa de variação que está relacionada ao torque mediante a equação 1.289.
Vamos obter o equivalente à equação 1.288 só que agora utilizando o centro de massa como origem
para o cálculo de torques e momentos angulares. Nesse caso, consideramos inicialmente a equação 1.277,
L~ = ~rCM × P~ + L~ ′
e vamos derivá-la em relação ao tempo, obtendo
dL~ dL~ ′
= ~vCM × P~ + ~rCM × F~ + (1.290)
dt dt
onde F~ = F~ ext , a qual é dada pela equação 1.260,
n
X
F~ ext = F~iext
i=1
P~ = M~vCM
o que faz com que 1.290 fique sendo
Xn
dL~ dL~ ′
= ~vCM × M~vCM + ~rCM × F~iext +
dt i=1
dt
16 ~ij = −F
A forma fraca da terceira lei de Newton é aquela a que estamos acostumados, ou seja, F ~ji , sem nenhuma restrição
adicional com respeito à direção das forças.
96 1. DERIVADAS VETORIAIS
ou
K. D. Machado
Xn
dL~ dL~ ′
= ~rCM × F~iext +
dt i=1
dt
Podemos utilizar agora a equação 1.286 para reescrever o primeiro termo do lado esquerdo da equação acima,
Análise Vetorial
ou seja,
n
X n n n
1 XX X dL~ ′
T~iext + ~rij × F~ijint = ~rCM × F~iext +
i=1
2 i=1 j=1 i=1
dt
X n n n
dL~ ′ 1 XX
= (~ri − ~rCM ) × F~iext + ~rij × F~ijint
dt i=1
2 i=1 j=1
X n n n
dL~ ′ 1 XX
= ~ri′ × F~iext + ~rij × F~ijint (1.291)
dt i=1
2 i=1 j=1
O primeiro termo do lado direito da equação acima é o torque total produzido pelas forças externas calculado
em relação à origem situada no centro de massa, de modo que
n
X
T~ext
′
= ~ri′ × F~iext (1.292)
i=1
Note que, se a forma forte da terceira lei de Newton for válida (~rij k F~ijint ), então o segundo termo do lado
direito na equação acima se anula, o que ocorre, por exemplo, num corpo rı́gido. Nesse caso, a expressão
acima fica
dL~ ′
= T~ext
′
, Fij k ~rij (1.294)
dt
Essa forma é interessante, pois ela tem a mesma forma matemática que a lei de conservação do momento
angular que ocorre para uma partı́cula num referencial inercial. Note, entretanto, que a origem considerada
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 97
K. D. Machado
é o centro de massa, que não precisa ser necessariamente inercial. Oportunamente veremos exemplos de
aplicação dessa relação (veja o exercı́cio ?? do capı́tulo ??). Podemos agora analisar o que ocorre com a
energia cinética do sistema de partı́culas. A velocidade da partı́cula i, medida com relação a um referencial
inercial O, pode ser escrita mediante a equação 1.243,
vi2 = vCM
2
+ 2~vCM · ~vi′ + vi′2
mi
Multiplicando essa equação por 2 , temos
mi 2 mi 2 mi ′2
v = v + mi~vCM · ~vi′ + vi
2 i 2 CM 2
ou
mi 2 mi ′2
Ki = vCM + mi~vCM · ~vi′ + vi
2 2
onde
mi 2
v
Ki =
2 i
é a energia cinética da partı́cula i, dada por ??. Vamos agora somar todas as energias cinéticas das partı́culas
do sistema, ou seja,
n
X n
X n
X n
X
mi 2 mi
Ki = vCM + mi~vCM · ~vi′ + vi′2
i=1 i=1
2 i=1 i=1
2
que torna-se, considerando a equação 1.238,
Xn Xn
M 2 mi ′2
K= vCM + ~vCM · mi~vi′ + vi
2 i=1 i=1
2
pois
n
X n
X mi
K= Ki = vi2 (1.295)
i=1 i=1
2
é a energia cinética total do sistema. Utilizando a expressão 1.250,
n
X
mi~vi′ = 0 , (origem no CM)
i=1
achamos
2 n
X mi vi′2
M vCM
K= + (1.296)
2 i=1
2
de modo que a energia cinética do sistema de partı́culas é dada por um fator que envolve o movimento de
Mv 2
translação do centro de massa ( 2CM ) e por outra que está relacionada ao movimento das partı́culas que
98 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado Pn
formam o sistema em relação ao centro de massa ( i=1 mi vi′ 2
2 ). O primeiro fator é a energia cinética de
translação, ou seja,
2
M vCM
KT = (1.297)
2
O segundo fator, quando o sistema de partı́culas é um corpo rı́gido, está associado à rotação desse corpo
rı́gido em torno do centro de massa. Nesse caso, temos a energia cinética de rotação, ou seja,
K = KT + KR (1.299)
Essa separação da energia cinética em dois fatores é bastante útil, conforme veremos futuramente em alguns
exemplos de aplicação. Para escrever a expressão 1.298 de uma outra forma que seja mais interessante, vamos
considerar inicialmente a figura 1.31, que mostra um corpo rı́gido que executa uma rotação em torno de um
eixo fixo.
Um corpo rı́gido é caracterizado pelo fato de que os pontos do objeto não alteram suas distâncias
relativas enquanto o objeto executa um movimento. Assim, dados dois pontos, de posições ~ri′ e ~rj′ , a distância
relativa
~ × ~r
~v = ω
que fornece a velocidade de um ponto em torno de um eixo de rotação fixo no espaço em termos da velocidade
angular de rotação em torno do eixo. Este é um caso particular da equação 1.142,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 99
K. D. Machado dV~
= ~ω × V~
dt
que estabelece a taxa de variação temporal de um vetor V~ que executa uma rotação mantendo |V~ | constante.
Assim, para o ponto i, podemos escrever
ω × ~ri′ ) · (~
(~ ω × ~ri′ ) = (~ω · ~ω )(~ri′ · ~ri′ ) − (~ω · ~ri′ )(~ri′ · ~ω )
ou
mi vi′2
Ki′ =
2
ou, usando 1.304,
mi ω 2 di′2
Ki′ =
2
100 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
A energia cinética do corpo rı́gido pode ser obtida somando-se as energias cinéticas de todas as partı́culas,
ou seja,
n
X
KR = Ki′
i=1
ou
n
X mi ω 2 di′2
I = md2
que dá o momento de inéria I de uma partı́cula de massa m situada a uma distância d de um dado eixo.
Assim, podemos escrever
Ii′ = mdi′2
e
n
X n
X
I′ = mi di′2 = Ii′2 (1.306)
i=1 i=1
de modo que a energia cinética do corpo rı́gido fica
I ′ ω2
KR = (1.307)
2
Como o corpo rı́gido executa uma rotação em torno de um eixo, e nessa expressão temos explicitamente
a velocidade angular, é comum chamar dizer que a equação 1.307 fornece a energia cinética de rotação do
corpo rı́gico. Note que esta expressão é similar àquela referente à energia cinética
mv 2
K=
2
que é, em geral, chamada de energia cinética de translação. Note que a origem O′ para o cálculo de 1.307
situa-se em algum ponto do eixo de rotação do corpo rı́gido. Se o eixo de rotação passar pelo centro de massa
do objeto, e se a origem O′ for escolhida no centro de massa, então a expressão 1.299 pode ser escrita como
K = KT + KR
ou, usando 1.297 e 1.307,
2
M vCM ICM ω 2
K= + (1.308)
2 2
onde o primeiro termo do lado direito é a energia cinética de translação do centro de massa, e o segundo
termo é a energia cinética de rotação em torno do centro de massa. Note que ICM é calculado, neste caso,
considerando o centro de massa como origem 17 . Vamos passar agora a outro ponto importante.
17 Para avançarmos ainda mais, precisamos introduzir integrais vetoriais e o tensor momento de inércia, o que será feito
posteriormente, a partir do capı́tulo ??.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 101
1.3.6
K. D. Machado
Velocidade e Aceleração em Coordenadas Polares
Na seção ?? definimos o sistema de coordenadas polares e sua relação com as coordenadas retangulares.
Definimos também a base desse sistema de coordenadas e as equações de transformação relacionando a base
polar com a base retangular. Vimos também, no exemplo 1.8, que o versor θ̂ pode ser obtido de ρ̂ por meio
de uma derivada apropriada. Já sabemos como representar a posição de um ponto em coordenadas polares,
mediante a equação ??,
d~r
~v =
dt
temos
d dρ dρ̂
~v = (ρ ρ̂) = ρ̂ + ρ
dt dt dt
O versor ρ̂ é dado pela equação ??,
dρ̂ dθ
~v = ρ̇ ρ̂ + ρ
dθ dt
onde usamos a notação em que uma derivada temporal é representada por um ponto acima da grandeza que
foi derivada. Considerando, pela equação 1.113, que
dρ̂
θ̂ =
dθ
temos
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂ (1.309)
que expressa a velocidade de uma partı́cula em coordenadas polares. Podemos escrever essa velocidade como
~v = vρ ρ̂ + vθ θ̂ (1.310)
onde
vρ = ρ̇ (1.311a)
vθ = ρθ̇ (1.311b)
A componente radial da velocidade é dada por vρ , enquanto que vθ é a componente tangencial da velocidade.
Derivando novamente a expressão 1.309 em relação ao tempo temos a aceleração da partı́cula, ou seja,
d~v
~a =
dt
ou, utilizando a equação 1.309,
102 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado d
~a = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
dt
que fica
dθ̂
= − cos θı̂ − sen θ ĵ
dθ
ou
dθ̂
= −ρ̂ (1.313)
dθ
Portanto, a equação 1.312 torna-se, usando também 1.113,
~a = aρ ρ̂ + aθ θ̂ (1.315)
onde
aρ = ρ̈ − ρθ̇2 (1.316a)
aθ = 2ρ̇θ̇ + ρθ̈ (1.316b)
sendo que aρ é a componente da aceleração na direção radial e aθ é a componente na direção do versor θ̂, ou
tangencial. Vejamos como ficam as expressões para velocidade e aceleração acima para dois tipos de movi-
mentos de grande importância, o movimento circular uniforme (MCU) e o movimento circular uniformemente
variado (MCUV).
Exemplo 1.13. Obtenha ~v e ~a para uma partı́cula executando um MCU de raio R com velocidade angular
~ constante. Usar coordenadas polares para expressar as respostas.
ω
Considerando a partı́cula que executa o MCU, temos que sua posição é dada por
~r = R ρ̂ (1.317)
onde R é o raio da órbita, de modo que ρ = R. A velocidade dessa partı́cula deve ter apenas uma componente
tangencial, pois o movimento é circular e não deve haver movimento na direção radial. Assim, temos, pela
equação 1.309,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 103
K. D. Machado
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
dθ
Como ρ = R, ρ̇ = 0. Além disso, ω = dt = θ̇, de modo que
~v = ωR θ̂ , MCU (1.318)
~a = −ω 2 R ρ̂ , MCU (1.319)
Exemplo 1.14. Determine ~v e ~a para uma partı́cula executando um MCUV de raio R com aceleração
angular α
~ constante. Usar coordenadas polares para expressar as respostas.
Considerando a partı́cula que executa o MCUV, temos que sua posição é dada por
~r = R ρ̂ (1.320)
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
ou
~v = ωR θ̂ (1.321)
ou
~a = −ω 2 R ρ̂ + αR θ̂ (1.322)
Nesse caso, além da aceleração centrı́peta, responsável pela trajetória curva da partı́cula, há também uma
aceleração responsável pela variação do módulo da velocidade da partı́cula, relacionado à aceleração angular
α
~.
Após vermos esses exemplos, podemos passar ao estudo do movimento de uma partı́cula sujeita a um
tipo de força chamado de força central, para obter relações importantes para esse movimento.
104 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Exemplo 1.15. Considere uma partı́cula de massa m fixa sujeita à ação de uma força central, isto é, de
uma força cuja direção coincide com a direção da posição da partı́cula medida a partir de um ponto suposto
imóvel chamado de centro de força. Assim, a força atuando na partı́cula pode ser escrita como F~ = F r̂,
onde F pode ser positivo (força repulsiva) ou negativo (força atrativa). Exemplos de forças centrais são a
força gravitacional exercida por uma estrela sobre um planeta (como a que o Sol exerce sobre a Terra) e
a força elétrica entre duas cargas, quando consideramos que a origem do sistema de coordenadas situa-se
sobre uma das cargas, suposta fixada numa dada posição 18 . Outro exemplo importante é o da força elástica
produzida por uma mola presa por uma das extremidades a um dado ponto, que seria o centro de força.
F=F^
r
p
m m
p
r r
F=F^
r
centro de centro de
força (repulsiva) força (atrativa)
T~ = ~r × F~ = ~r × F r̂ = 0
Conseqüentemente, lembrando que, para uma partı́cula de massa m temos, pela equação 1.266,
d~ℓ
T~ =
dt
~
onde ~ℓ é o momento angular da partı́cula, achamos que dtℓ = 0, ou seja, ~ℓ é um vetor que se mantém constante
d
durante todo o movimento da partı́cula. É importante ressaltar que tanto módulo, como direção e também
o sentido de ~ℓ são constantes.
K. D. Machado
O momento angular de uma partı́cula é obtido mediante a equação ??,
~ℓO = ~r × p~
ou seja, é calculado por meio de um produto vetorial. Sendo assim, ~ℓ é perpendicular ao plano formado
por ~r e p~, que são, respectivamente, a posição e o momento linear da partı́cula. Como ~ℓ é constante ao
longo do movimento, se ~r e p~ estão num dado plano em algum instante do movimento, eles permanecem
nesse plano durante todo o movimento, pois ~ℓ é perpendicular a esse plano e é constante. Por causa disso,
trajetória
Análise Vetorial
y
p
F=F^
r
m
l
r (t)
centro de q(t)
força r x
Note, na figura, que orientamos os eixos de modo que o momento angular ~ℓ e o eixo z sejam paralelos e no
mesmo sentido. Vamos recordar agora a posição e a velocidade de um ponto em coordenadas polares, dadas
pelas equações ??,
~r = ρ ρ̂
e 1.309,
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
respectivamente, e vamos calcular ~ℓ, ou seja,
~
ℓ = ~r × p~ = ρ ρ̂ × m(ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂)
o que resulta em
~ℓ = mρ2 θ̇ k̂ (1.324)
É importante frisar que ρ = ρ(t) e θ = θ(t), de modo que θ̇ = θ̇(t). Assim, tanto ρ quanto θ e, conseqüen-
temente, θ̇, são grandezas que podem variar à medida que o tempo passa e o movimento prossegue. No
entanto, o momento angular dado por 1.324, que envolve uma combinação particular das funções ρ(t) e θ̇(t),
permanece constante.
Considere agora o que ocorre quando a posição da partı́cula de massa m passa de um valor ~r para
~r + d~r, como mostra a figura 1.34. Nesse caso, o vetor posição “varre”uma área triangular dA, destacada na
figura.
106 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado y
dr
r +dr m
l dA
r(t)
Relembrando a interpretação geométrica do produto vetorial, notamos que a área destacada pode ser
dada pela metade do módulo do produto vetorial entre os vetores ~r e d~r, conforme indica a equação ??,
−−→ −−→
|AB × BC|
S△ =
2
~ de tal modo que dA
Vamos definir um vetor área dA ~ = n̂ dA, onde n̂ é um versor normal à área considerada.
~ corresponde à área destacada na figura. Para efetuar o produto vetorial, precisamos de ~r, dado
Assim, |dA|
pela equação ??,
~r = ρ ρ̂
e também de d~r, que precisa ser calculado. Podemos proceder de dois modos. No primeiro, considere que
dρ̂
d~r = dρ ρ̂ + ρ dρ̂ = dρ ρ̂ + ρ dθ
dθ
que fica, usando a equação 1.113,
d~r = dρ ρ̂ + ρ dθ θ̂ (1.325)
Note que, dividindo a expressão acima por dt, temos
d~r dρ dθ
= ρ̂ + ρ θ̂
dt dt dt
ou
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
que é a velocidade dada pela equação 1.309. Assim, o segundo método consiste em multiplicar a equação 1.309
por dt, ou seja,
~v dt = ρ̇ dt ρ̂ + ρθ̇ dt θ̂
que fica
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 107
K. D. Machado d~r dρ dθ
dt = dt ρ̂ + ρ dt θ̂
dt dt dt
ou seja,
d~r = dρ ρ̂ + ρ dθ θ̂
que é a equação 1.325 obtida anteriormente. Voltando ao problema em questão, vamos calcular
~r × d~r = ρ2 dθ k̂ (1.326)
Assim, o vetor área fica
~= ~r × d~r
dA
2
ou
ρ2 dθ ~=
k̂dA
2
A área dA é varrida num certo intervalo de tempo dt, de modo que podemos escrever
~
dA ρ2 dθ
dt = dt k̂
dt 2 dt
~
dA
onde a grandeza dt é chamada velocidade areal, isto é, é a taxa temporal com que a área é varrida. Temos
então,
~
dA
~vA = (1.327)
dt
e podemos escrever
~
dA ρ2 θ̇
= k̂
dt 2
Agora, relembramos a equação 1.324 para o momento angular da partı́cula,
~ℓ = mρ2 θ̇ k̂
~
dA ~ℓ
= (1.328)
dt 2m
Como ~ℓ é um vetor constante, e sendo m também uma constante, essa equação estabelece que a velocidade
areal é uma constante, ou seja, o vetor posição da partı́cula varre áreas iguais em intervalos de tempo
iguais. Em gravitação, essa relação corresponde à segunda lei de Kepler, mas veja que ela vale também
em outras situações. A única restrição feita foi o fato de que a força agindo na partı́cula de massa m era
uma força central. Portanto, qualquer movimento feito sob a ação de uma força central, seja atrativa ou
repulsiva, é realizado com uma velocidade areal constante, que é uma das constantes do movimento, sendo
proporcional ao momento angular da partı́cula. De fato, a segunda lei de Kepler é uma conseqüência da
lei de conservação de momento angular. Podemos obter agora a equação diferencial que descreve a órbita
108 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
executada pela partı́cula. Para isso, recordamos que a força é radial, de modo que em coordenadas polares
temos F~ = F ρ̂. A aceleração nesse sistema de coordenadas é dada pela expressão 1.314,
~ℓ = mρ2 θ̇ k̂
2ρ̇θ̇ + ρθ̈ = 0
Note que esse é o termo aθ da aceleração, de modo que podemos escrever, para o nosso problema,
~a = (ρ̈ − ρθ̇2 ) ρ̂
Utilizando agora a segunda lei de Newton, achamos
ℓ2
F = mρ̈ − mρ
m 2 ρ4
ou
ℓ2
mρ̈ −=F (1.332)
mρ3
Assim, temos duas equações diferenciais acopladas que regem o movimento, dadas pelas expressões 1.331
e 1.332 ou, explicitamente, por
d2 ρ ℓ2
m − = F (ρ, θ; t) (1.333a)
dt2 mρ3
dθ ℓ
= (1.333b)
dt mρ2
Note que, se F = F (ρ), a equação 1.333a é uma equação diferencial desacoplada, e pode, em princı́pio,
ser formalmente resolvida, de modo a obter ρ = ρ(t). Em seguida, a equação 1.333b pode ser formalmente
resolvida. Se F = F (ρ, θ), a resolução das equações torna-se um processo bem mais complicado, pois elas
estarão acopladas.
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 109
K. D. Machado
d~r = dρ ρ̂ + ρ dθ θ̂ + dz k̂ (1.334)
sendo que, para a velocidade de um ponto em coordenadas cilı́ndricas, obtemos
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂ + ż k̂ (1.335)
e a aceleração é escrita como
d~r
~v =
dt
e que, em coordenadas esféricas, a posição de um ponto é dada pela equação ??,
~r = r r̂
temos
d dr dr̂
~v = (r r̂) = r̂ + r (1.337)
dt dt dt
Recordando que r̂ é dado pela equação ??,
∂r̂
θ̂ =
∂θ
e, pela equação 1.115,
110 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado 1 ∂r̂
φ̂ =
sen θ ∂φ
de modo que achamos
dr̂
= θ̇ θ̂ + sen θ φ̇ φ̂ (1.338)
dt
~v = vr r̂ + vθ θ̂ + vφ φ̂ (1.340)
onde
vr = ṙ (1.341a)
vθ = rθ̇ (1.341b)
vφ = r sen θ φ̇ (1.341c)
d~r dr dθ dφ
= r̂ + r θ̂ + r sen θ φ̂
dt dt dt dt
Multiplicando essa expressão por dt, achamos
d~r dr dθ dφ
dt = dt r̂ + r dt θ̂ + r sen θ dt φ̂
dt dt dt dt
de modo que obtemos, para um deslocamento infinitesimal d~r escrito em coordenadas esféricas,
Podemos obter a equação 1.342 diretamente utilizando as equações de transformação ?? e ??, além da posição ~
r de um ponto
~
r = xı̂ + y ĵ + z k̂
d~
r = dxı̂ + dy ĵ + dz k̂ (1.343)
Agora, temos que as coordenadas x, y e z são relacionadas às coordenadas r, θ e φ por meio das equações ??. Assim, para x temos,
por ??,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 111
K. D. Machado
x = r sen θ cos φ
de modo que
∂x ∂x ∂x
dx = dr + dθ + dφ
∂r ∂θ ∂φ
ou
y = r sen θ sen φ
e assim,
∂y ∂y ∂y
dy = dr + dθ + dφ
∂r ∂θ ∂φ
ou
z = r cos θ
Conseqüentemente,
∂z ∂z
dz = dr + dθ
∂r ∂θ
ou
d~
r = (dr sen θ cos φ + r cos θ dθ cos φ − r sen θ sen φ dφ)(sen θ cos φ r̂ + cos θ cos φ θ̂ − sen φ φ̂)
+ (dr sen θ sen φ + r cos θ dθ sen φ + r sen θ cos φ dφ)(sen θ sen φ r̂ + cos θ sen φ θ̂ + cos φ φ̂)
ou
2 2 2 2
d~
r = dr sen θ cos φ r̂ + dr sen θ cos θ cos φ θ̂ − dr sen θ cos φ sen φ φ̂ + r cos θ sen θ dθ cos φ r̂
2 2 2
+ r cos θ dθ cos φ θ̂ − r cos θ dθ cos φ sen φ φ̂ − r sen θ sen φ cos φ dφ r̂
− r sen θ cos θ cos φ sen φ dφ θ̂ + r sen θ sen2 φ dφ φ̂ + dr sen2 θ sen2 φ r̂ + dr sen θ cos θ sen2 φ θ̂
+ dr sen θ sen φ cos φ φ̂ + r cos θ sen θ dθ sen2 φ r̂ + r cos2 θ dθ sen2 φ θ̂ + r cos θ dθ sen φ cos φ φ̂
+ r sen2 θ cos φ sen φ dφ r̂ + r sen θ cos θ sen φ cos φ dφ θ̂ + r sen θ cos2 φ dφ φ̂ + dr cos2 θ r̂
d~
r = dr r̂ + r dθ θ̂ + r sen θ dφ φ̂
que é a expressão 1.342 obtida anteriormente. O mesmo desenvolvimento pode ser feito para coordenadas polares ou cilı́ndricas, e é
d~v d
~a = = (ṙ r̂ + rθ̇ θ̂ + r sen θ φ̇ φ̂)
dt dt
ou seja,
dr̂ dθ̂
~a = r̈ r̂ + ṙ + ṙθ̇ θ̂ + rθ̈ θ̂ + rθ̇
dt dt
d dθ dφ̂
+ ṙ sen θ φ̇ φ̂ + r (sen θ) φ̇ φ̂ + r sen θ φ̈ φ̂ + r sen θ φ̇
dθ dt dt
Fazendo uso da equação 1.338, achamos
dθ̂
~a = r̈ r̂ + ṙ(θ̇ θ̂ + sen θ φ̇ φ̂) + ṙ θ̇ θ̂ + rθ̈ θ̂ + rθ̇
dt
dφ̂
+ ṙ sen θ φ̇ φ̂ + r cos θ θ̇ φ̇ φ̂ + r sen θ φ̈ φ̂ + r sen θ φ̇ (1.347)
dt
Precisamos calcular agora as derivadas dos versores θ̂ e φ̂. O versor θ̂ é dado pela equação ??,
K. D. Machado dθ̂ ∂ θ̂ dθ ∂ θ̂ dφ
= + (1.348)
dt ∂θ dt ∂φ dt
Agora, temos que calcular
∂ θ̂ ∂
= (cos θ cos φı̂ + cos θ sen φ ĵ − sen θ k̂)
∂θ ∂θ
ou
∂ θ̂ ∂
= (cos θ cos φı̂ + cos θ sen φ ĵ − sen θ k̂)
∂φ ∂φ
o que resulta em
∂ θ̂
= − cos θ sen φı̂ + cos θ cos φ ĵ
∂φ
ou
∂ θ̂
= cos θ φ̂ (1.350)
∂φ
Assim, reunindo as equações 1.349 e 1.349 em 1.348, achamos
dθ̂
= (−r̂)θ̇ + (cos θ φ̂)φ̇
dt
ou
dθ̂
= −θ̇ r̂ + cos θ φ̇ φ̂ (1.351)
dt
Partindo agora para a derivada de φ̂, recordamos que esse versor é dado pela equação ??,
dφ̂ dφ̂ dφ
=
dt dφ dt
ou
dφ̂
= (− cos φı̂ − sen φ ĵ)φ̇ (1.352)
dt
Precisamos reescrever essa equação e, para isso, vamos usar as equações ??,
K. D. Machado
dφ̂
= −φ̇ cos φ(sen θ cos φ r̂ + cos θ cos φ θ̂ − sen φ φ̂)
dt
+ sen φ (sen θ sen φ r̂ + cos θ sen φ θ̂ + cos φ φ̂)
ou
ou ainda,
dφ̂
= −φ̇(sen θ r̂ + cos θ θ̂) (1.353)
dt
Agora utilizamos as equações 1.351 e 1.353 na equação 1.347, obtendo
que fornece a aceleração de uma partı́cula em coordenadas esféricas. Podemos escrever também
~a = ar r̂ + aθ θ̂ + aφ φ̂ (1.355)
onde
Exemplo 1.16. Considere uma esfera de raio R fixada a um eixo que passa pelo centro da mesma. Sobre
essa esfera traçamos meridianos e paralelos, como fazemos com a superfı́cie da Terra. Considerando que
o eixo da esfera corresponde ao eixo z, os meridianos correspondem às curvas feitas sobre a superfı́cie da
esfera com ângulos φ fixos e os paralelos são as curvas obtidas sobre a superfı́cie quando os ângulos θ são
fixos. Considere uma partı́cula que esteja restringida a se mover sobre um meridiano. Obtenha sua velocidade
e aceleração em coordenadas esféricas. Repita o processo para uma partı́cula que se move apenas sobre um
paralelo.
Primeiro, consideramos que a partı́cula se move sobre um meridiano que corresponde a um dado
ângulo fixo φ. Sua velocidade, em esféricas, é dada pela equação 1.339, lembrando que, se a partı́cula deve
se mover sobre a esfera, então r = R e ṙ = 0, de modo que temos, considerando também φ̇ = 0,
1.3. APLICAÇÕES EM MECÂNICA 115
K. D. Machado
~v = Rθ̇ θ̂ , meridiano (1.357)
Note que a velocidade tem apenas uma componente vθ , já que a distância radial é fixa, assim como o ângulo
φ. Para determinar a aceleração, recordamos que r̈ = 0 e φ̈ = 0, o que faz com que a equação 1.354 fique
Após estudarmos algumas aplicações envolvendo derivadas de grandezas vetoriais, vamos, no próximo
capı́tulo, passar ao tema de operadores e operações diferenciais vetoriais.
116 1. DERIVADAS VETORIAIS
K. D. Machado
Capı́tulo 2
Vetoriais
C ontinuando com o estudo das derivadas vetoriais, neste capı́tulo introduzimos a idéia de operadores
diferenciais vetoriais, e apresentamos várias aplicações desses operadores na forma de operações diferenciais
vetoriais, as quais têm grande uso na formalização de vários tópicos de Fı́sica. Vamos começar introduzindo
o operador diferencial ∇ e a operação vetorial conhecida como gradiente.
df
df = dx (2.1)
dx
Considere agora que a função f seja uma função de três variáveis, ou seja, f (x, y, z). Nesse caso, ao variar
x, y e z de valores infinitesimais dx, dy e dz, a variação df que ocorre em f pode ser calculada mediante
∂f ∂f ∂f
df = dx + dy + dz (2.2)
∂x ∂y ∂z
Nosso objetivo é reescrever essa expressão de uma forma mais interessante, que envolva grandezas vetoriais.
O primeiro ponto a lembrar é a equação 1.343,
d~r = dxı̂ + dy ĵ + dz k̂
que estabelece o valor, em coordenadas retangulares, de um deslocamento infinitesimal d~r. Vamos reescrever
a equação 2.2 da seguinte forma:
h ∂f ∂f ∂f i
df = ı̂ + ĵ + k̂ · (dxı̂ + dy ĵ + dz k̂) (2.3)
∂x ∂y ∂z
Note que, formalmente, as equações 2.2 e 2.3 são iguais. O termo entre parênteses corresponde ao vetor d~r
dado por 1.343, enquanto o termo entre colchetes é uma função vetorial, que pode ser escrita da seguinte
forma:
118 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado h ∂
∂f ∂f ∂f ∂ ∂ i
ı̂ + ĵ + k̂ = ı̂ + ĵ + k̂ f (2.4)
∂x ∂y ∂z ∂x ∂y ∂z
onde o termo entre colchetes na equação 2.4 é um operador diferencial vetorial, chamado nabla ou del, e
representado pelo sı́mbolo ∇, ou seja, em coordenadas retangulares temos
∂ ∂ ∂
∂f ∂f ∂f
ı̂ + ĵ + k̂ = ∇f (2.6)
∂x ∂y ∂z
A aplicação do operador ∇ em uma função escalar f consiste numa operação chamada de gradiente de f ,
ou seja,
grad f = ∇f (2.7)
Em coordenadas retangulares, o gradiente de uma função f (x, y, z) torna-se, então, utilizando as equações 2.4
ou 2.5,
∂f ∂f ∂f
grad f = ∇f = ı̂ + ĵ + k̂ (2.8)
∂x ∂y ∂z
Com o uso da equação 2.8, a expressão 2.3 pode ser simplificada para
df = ∇f · d~r (2.9)
Note que, na forma dada pela equação 2.9, o cálculo da diferencial total df torna-se independente do sistema
de coordenadas utilizado. Antes de passarmos ao estudo de aplicações matemáticas e fı́sicas do gradiente,
vamos utilizar o Maple para calcular gradientes de algumas funções.
1. f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2
p
2. f (x, y, z) = x2 + y 2 + z 2
Essa é uma ótima oportunidade para introduzirmos alguns comandos do Maple, que serão muito úteis
ao longo do texto. Iniciamos carregando a biblioteca Student[VectorCalculus], mediante
> with(Student[VectorCalculus]):
Warning, the assigned names <,> and <|> now have a global binding
Warning, these protected names have been redefined and unprotected: *,
+, -, ., D, Vector, diff, int, limit, series
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 119
K. D. Machado
O operador ∇ pode ser visualizado mediante os comandos
Esses comandos apresentam o operador utilizando o sistema de coordenadas corrente e, como ainda não
fizemos nenhuma alteração envolvendo sistemas de coordenadas, o sistema corrente é, por padrão, o sistema
de coordenadas retangulares bidimensional. Então, temos, utilizando o comando Gradient(),
K. D. Machado
grad f = ∇f = 2xı̂ + 2y ĵ + 2z k̂
Podemos agora visualizar o campo vetorial dado por grad f = ∇f . Para isso, vamos carregar uma biblioteca
gráfica chamada plots, que define vários comandos associados à confecção de gráficos, em particular aquele
que vamos usar. Iniciamos com
> with(plots);
1.0
0.5
0.0
z
−0.5
−1.0 −1.0
−0.5
−1.0
−0.5 0.0
x
0.0 0.5
y 0.5
1.0 1.0
Note que o primeiro argumento do comando corresponde à função vetorial que se quer visualizar (no caso,
gf). Em seguida, vêm as faixas de valores para as coordenadas. Depois, usamos o comando arrows, que
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 121
K. D. Machado
define o modo como os vetores são desenhados. As opções nesse caso são THIN (setas finas), SLIM (setas
médias), THICK (setas mais grossas) e `3-D` (setas tridimensionais). A opção grid controla quantos vetores
serão desenhados em cada direção. As outras opções já foram vistas anteriormente. Vamos obter agora o
gradiente da função g. Definimos primeiramente a função, mediante
> g:=sqrt(x**2+y**2+z**2);
p
g := x2 + y 2 + z 2
ou seja,
xı̂ + y ĵ + z k̂
grad g = ∇g = p
x2 + y 2 + z 2
Visualizando, temos
> fieldplot3d(gg,-1..1,-1..1,-1..1,arrows=THICK,scaling=
> constrained,axes=frame,grid=[5,5,5],orientation=[35,62]);
o que resulta na figura 2.2.
1.0
0.5
0.0
z
−0.5
−1.0
−1.0
−0.5
−1.0
−0.5 0.0
x
0.0 0.5
y 0.5
1.0 1.0
p
Figura 2.2: Gráfico vetorial do gradiente da função g = x2 + y 2 + z 2 .
Por fim, vamos calcular agora o gradiente da função h. Primeiro, vamos definir a função, ou seja,
> h:=2*x*y**2*exp(-z) - z*sin(x*y);
h := 2 x y 2 e(−z) − z sin(x y)
Em seguida, calculamos o gradiente,
> gh:=Nabla(h);
122 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
gh := (2 y 2 e(−z) − z cos(x y) y) êx + (4 x y e(−z) − z cos(x y) x) êy +
(−2 x y 2 e(−z) − sin(x y)) êz
ou
grad h = ∇h = 2y 2 e−z − yz cos(xy) ı̂
1
z
0
−2
−1
−1
0 y
2 1
1 2
0
−1
x −2
log ou log[v]: os tamanhos dos vetores que serão desenhados são dados pela expressão tamanho = eln(módulo/módulo máxim
Por padrão, v = 2, de modo que é possı́vel utilizar simplesmente log nesse caso, que foi o que fizemos.
Note que deve-se ter v > −1.
maximal ou maximal(v): o tamanho é dado pela razão entre o módulo do vetor em questão e o maior
módulo dos vetores do campo vetorial, reescalado pelo fator v, cujo valor padrão é v = 1.
average ou average(v): o tamanho é dado pela razão entre o módulo do vetor em questão e o valor médio
dos módulos dos vetores do campo vetorial. O valor padrão de v nesse caso é v = 2. Essa opção é útil
quando há regiões em que os vetores têm valores muito pequenos, pois eles serão reescalados e a sua
visualização será melhorada.
fixed ou fixed(v): o tamanho dos vetores é fixado em v vezes (por padrão v = 0,9) o valor do módulo do
maior vetor do campo vetorial. Deve-se ter v 6 1 ao usar essa opção.
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 123
K. D. Machado
Agora que calculamos alguns gradientes, podemos voltar à questão das propriedades e aplicações
relativas à essa operação matemática. Para introduzirmos o assunto, vamos considerar um exemplo. Suponha
que você esteja interessado em averigüar o tipo de solo de uma dada região. A resistência mecânica do solo
no local é dada por uma função R(~r ) = R(x, y, z). Uma pergunta relevante é: considere um dado ponto
situado numa posição ~r. Quando passamos desse ponto para um ponto situado infinitamente próximo do
K. D. Machado
Ao fazer a derivada direcional, consideramos pontos que estão sobre a reta descrita por essas equações, de
modo que tais pontos têm posições dadas por ~rd e, então, f = f (~rd ). Para calcular a derivada no ponto ~r,
devemos considerar t = 0 na equação 2.10, de modo que a derivada direcional torna-se
df t=0 ∂f t=0 dxd t=0 ∂f t=0 dyd t=0 ∂f t=0 dzd t=0
= + +
dt v̂ ∂xd v̂ dt v̂ ∂yd v̂ dt v̂ ∂zd v̂ dt v̂
ou, como ~rd (t = 0) = ~r, temos
df t=0 h ∂f ∂f ∂f i
= ı̂ + ĵ + k̂ · (v̂x ı̂ + v̂y ĵ + v̂z k̂)
dt v̂ ∂x ∂y ∂z
ou, utilizando a equação 2.6,
df t=0
= ∇f · v̂ (2.12)
dt v̂
que estabelece que a derivada direcional da função f está relacionada ao gradiente dessa função. É importante
recordar que a derivada direcional é a taxa de variação de f no ponto ~r na direção e sentido definidos pelo
versor v̂. Desse modo, podemos estabelecer agora o significado do gradiente de uma função. Considere
novamente a equação 2.12. Podemos reescrevê-la mediante o uso da expressão ?? que define o produto
escalar entre dois vetores, ou seja,
df t=0
= |∇f ||v̂| cos α
dt v̂
ou
df t=0
= |∇f | cos α
dt v̂
onde α é o ângulo entre o versor v̂ (que define a direção em que se está calculando a derivada direcional) e o
vetor ∇f (lembrando que grad f = ∇f é um vetor). Façamos a hipótese de que ∇f 6= 0. Então, nesse caso,
a maior taxa de variação de f , ou seja, a maior derivada direcional de f , ocorre quando a direção definida
por v̂ corresponde à direção de ∇f , de modo que v̂ = ∇f c , onde ∇f
c = ∇f . Nesse caso, α = 0, e temos
|∇f |
df t=0
d = |∇f |
dt v̂=∇f
Assim, o gradiente de uma função f fornece dois dados importantes: primeiro, seu módulo corresponde à
maior taxa de variação da função f . Segundo, essa maior taxa de variação acontece na direção e sentido
definidos pelo vetor gradiente. Conseqüentemente, na direção de ∇f , mas no sentido oposto, temos a direção
em que ocorre o maior decrescimento da função f e, numa direção perpendicular a ∇f a função não varia,
pois α = π2 e cos α = 0. Quando ∇f = 0 num dado ponto, temos que a derivada direcional de f em qualquer
direção nesse ponto se anula, de modo que a função f é estacionária e o ponto é um extremo da função f .
Note que é possı́vel definir uma derivada direcional para uma grandeza vetorial V~ , assim como para uma função escalar f .
onde Vi (x, y, z), i = x, y, z, são funções escalares. A derivada direcional de Vi é dada pela equação 2.12,
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 125
Agora, temos
∂V ∂Vi ∂Vi
i
v̂ · ∇Vi = (v̂x ı̂ + v̂y ĵ + v̂z k̂) · ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
∂ ∂ ∂
v̂ · ∇ = (v̂x ı̂ + v̂y ĵ + v̂z k̂) · ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
ou
∂ ∂ ∂
v̂ · ∇ = v̂x + v̂y + v̂z (2.15)
∂x ∂y ∂z
∂ ∂ ∂
(v̂ · ∇)Vi = v̂x + v̂y + v̂z Vi
∂x ∂y ∂z
ou
dVi t=0
= (v̂ · ∇)Vi
dt v̂
Multiplicando essa expressão por êi , onde êi = ı̂, ĵ, k̂, temos
dVi t=0
êi = êi (v̂ · ∇)Vi
dt v̂
Agora, temos que êi é um vetor fixo com relação ao parâmetro t e também com relação às coordenadas (x, y, z), de modo que podemos
escrever
d t=0
(Vi êi ) = (v̂ · ∇)(Vi êi ) (2.17)
dt v̂
dV~ t=0
= (v̂ · ∇)V~ (2.18)
dt v̂
que estabelece a derivada direcional do vetor V~ na direção do versor v̂. Vejamos agora alguns exemplos interessantes.
126 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Exemplo 2.2. A altura de um morro é descrita aproximadamente pela função
Para respondermos às questões acima, vamos utilizar novamente o Maple, como forma de exercitar
seu uso. Iniciamos com
> with(Student[VectorCalculus]):
Warning, the assigned names ‘<,>‘ and ‘<|>‘ now have a global binding
Em seguida, vamos visualizar a função que descreve a altura h(x, y) do morro, dada pela expressão 2.19,
mediante
> h:=12-2*x**2+12*x-x*y-y**2+10*y;
h := 12 − 2 x2 + 12 x − x y − y 2 + 10 y
> plot3d(h,x=0..6,y=0..6,axes=framed,orientation=[86,67]);
o que resulta na figura 2.4.
40
30
20
0
1
2
10 3 y
4
5
0 6
5 4 3 2 1 0
6
x
K. D. Machado
Agora, temos que levar em conta o fato de que no cume do morro a função h possui um extremo, de
modo que sua variação dh, em qualquer direção, se anula. Assim, calculamos inicialmente o gradiente dessa
função, ou seja,
> gh:=Del(h);
o que resulta em
dh = ∇h · d~r
de modo que, num extremo, temos que ter ∇h = 0. Podemos obter as coordenadas do cume mediante essa
condição, ou seja, vamos utilizar o comando solve do Maple para obter essas coordenadas. O comando fica
> solve({gh[1]=0,gh[2]=0});
o que resulta em
{y = 4, x = 2}
Nessa posição, a altura do morro vale (note o uso do comando subs)
> subs(x=2,y=4,h);
44
Portanto, as coordenadas do cume são (2, 4, 44).
Continuando, a direção de maior variação no ponto (1, 2) é dada pelo gradiente nesse ponto, o que
pode ser feito por meio do comando
evalVF(V,p)
que tem como argumentos o campo vetorial V e o ponto p onde V deve ser calculado, escrito na forma de um
vetor. Temos, então,
> v1:=evalVF(gh,<1,2>);
o que resulta em
v1 := 6 êx + 5 êy
ou seja, na direção (e sentido) do vetor
~v1 = 6ı̂ + 5 ĵ
a altura do cume apresenta sua maior taxa de variação no ponto (1, 2). O valor da taxa é dado pelo módulo
do gradiente, isto é,
> Norm(v1);
√
61
A próxima questão refere-se à taxa de variação de h no ponto (3, 2) na direção definida pelo vetor
~v = 2ı̂ − 3 ĵ. Para obtê-la, vamos utilizar a equação 2.12,
128 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado df t=0
= ∇f · v̂
dt v̂
e o primeiro passo é normalizar o vetor ~v , o que pode ser feito com o comando
Normalize(V)
Vamos passar agora uma outra propriedade relacionada ao gradiente. Inicialmente considere uma
função f qualquer. As superfı́cies obtidas quando a função f é igual a uma constante são chamadas de
superfı́cies de nı́vel de f . Se f = f (x, y, z), então as superfı́cies de nı́vel de f são obtidas mediante f (x, y, z) =
c, onde c é uma constante. Note que temos uma equação que envolve as três variáveis x, y e z, e eventualmente
uma delas pode ser escrita em termos das outras duas, de modo a obtermos z = z(x, y) ou y = y(x, z) ou
ainda x = x(y, z). Quando f é uma função de duas variáveis, as superfı́cies de nı́vel tornam-se curvas de
nı́vel, já que temos f (x, y) = c, e quando f é uma função de uma única variável, as superfı́cies de nı́vel
restringem-se a pontos, pois, nesse caso, ocorre f (x) = c. Para fixar, vejamos alguns exemplos.
Exemplo 2.3. Considere que a temperatura T dentro de um balão esférico seja dada pela função T (x, y, z) =
x2 + y 2 + z 2 . Quais são as superfı́cies de nı́vel nesse caso?
As superfı́cies de nı́vel, que são chamadas isotermas, correspondem às superfı́cies obtidas quando
fazemos T (x, y, z) = c, onde c é uma constante. Obtemos, então,
x2 + y 2 + z 2 = c
√
o que corresponde à equação
√ de uma esfera de raio c. Portanto, as isotermas são esferas, e o que as
caracteriza é o seu raio c.
h(x, y) = 10 + x2 − 2y 2
K. D. Machado
Para ilustrar as curvas de nı́vel, vamos utilizar o Maple, que dispõe de duas funções que podem ser uti-
lizadas com esse fim. A primeira delas é um comando que faz parte da subbiblioteca MultiVariateCalculus
da biblioteca Student. Assim, vamos inicialmente carregar essa biblioteca, ou seja,
> with(Student[MultivariateCalculus]);
onde
2. z=K: a equação do plano de intersecção com a superfı́cie, sendo que K representa um único valor, uma
lista de valores ou uma faixa de valores para a coordenada z do plano.
130 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
3. x=a..b e y=c..d: definem o domı́nio da função f .
4. opç~
oes: lista de opções disponı́veis para formatar a visualização. Tais opções incluem
Outra forma de visualização de curvas de nı́vel que pode ser utilizada envolve o comando
da biblioteca plots. Tal comando utiliza muitas das opções associadas à confecção de gráfico já vistas, além
de algumas outras. O gráfico de curvas de nı́vel para a altura do morro é obtido mediante
> with(plots):
Warning, the name changecoords has been redefined
seguido de
> contourplot3d(10+x**2-2*y**2, x=-1..1, y=-1..1, filled=true,
> scaling=constrained, colouring=[blue,red], contours=10,
> numpoints=900, tickmarks=[3,3,3], axes=framed,
> orientation=[40,70]);
o que resulta no gráfico apresentado na figura 2.6. Com relação às opções utilizadas, temos
filled=true/false: define se o gráfico será preenchido (true) ou apresentará apenas as curvas de nı́vel
(false).
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 131
K. D. Machado
11
10
8
−1
−1
0 0
y 11 x
numpoints=n: define o número de pontos do gráfico. O padrão corresponde a uma matriz de 25 × 25 pontos,
num total de 625 pontos.
Agora que visualizamos as curvas de nı́vel, podemos obter a equação que as descreve. Nesse caso,
temos
h(x, y) = 10 + x2 − 2y 2 = k
ou
x2 − 2y 2 = k − 10
que pode ser colocada na forma
x2 y2
− k−10 = 1
k − 10 2
que descreve equações de hipérboles, de modo que as curvas de nı́vel, nesse caso, são hipérboles.
Tendo definido superfı́cies e curvas de nı́vel, podemos passar agora a uma propriedade importante
relacionada ao gradiente. Considere uma função f (x, y, z) = k, onde k é uma constante. Esta equação
descreve uma superfı́cie de nı́vel de f . Considere agora dois pontos P e Q situados numa mesma superfı́cie
de nı́vel de f . Vamos representar por ∆~rP Q a posição relativa de Q em relação a P. O vetor ∆~rP Q não
precisa ter nenhuma orientação especı́fica com relação à superfı́cie de nı́vel se P e Q são dois pontos afastados
mas, se considerarmos que estes pontos estão muito próximos, ou seja, se Q tende a P, então ∆~rP Q → d~r
e, nesse caso, d~r é um vetor tangente à superfı́cie de nı́vel em P. Podemos agora calcular a variação de f
132 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
quando passamos de P a Q. Como temos dois pontos infinitamente próximos, a variação em f é dada pela
equação 2.9,
df = ∇f · d~r
Mas, devemos lembrar que escolhemos P e Q sobre uma mesma superfı́cie de nı́vel, de modo que df = 0, ou
seja,
Considerando que ∇f 6= 0 no ponto considerado, a equação acima estabelece que ∇f ⊥ d~r. Como d~r é
Análise Vetorial
tangente à superfı́cie de nı́vel, conclı́mos que ∇f é perpendicular à superfı́cie de nı́vel no ponto considerado.
Com isso, torna-se simples determinar a equação de planos tangentes a uma dada superfı́cie. Vejamos um
exemplo.
Exemplo 2.5. Uma superfı́cie S é descrita pela equação xy 2 − 2xz + y 2 = 4. Determine a equação do plano
que tangencia a superfı́cie em P(1,1,-1).
É interessante visualizarmos a superfı́cie, o que faremos utilizando o Maple. Como a superfı́cie é dada
implicitamente pela equação acima, vamos introduzir um novo comando, para gráficos de equações implı́citas.
O comando é
para gráficos bidimensionais. Este comando é um dos que são definidos dentro da biblioteca plots, de modo
que é preciso carregar essa biblioteca. Iniciamos definindo a superfı́cie, mediante
> s:=x*y**2-2*x*z+y**2;
s := x y 2 − 2 x z + y 2
Em seguida, carregamos a biblioteca plots, ou seja,
> with(plots):
Note o uso de dois pontos (:) para evitar a saı́da longa do comando. Utilizamos agora o comando impliciplot3d,
lembrando que queremos o gráfico de s=4.
> implicitplot3d(s=4,x=-7..7,y=-7..7,z=-4..4, axes=framed,
> orientation=[195,80], numpoints=1500, tickmarks=[3,3,3]);
o que resulta na figura 2.7.
Agora, calculamos o gradiente da equação que descreve a superfı́cie. Primeiro, carregamos a subbiblioteca
VectorCalculus,
> with(Student[VectorCalculus]):
Warning, the assigned names <,> and <|> now have a global binding
Warning, these protected names have been redefined and unprotected: *,
+, -, ., D, Vector, diff, int, limit, series
2.1. OPERADOR ∇ E GRADIENTE 133
K. D. Machado
4
5
−4 0 x
−5
5 0 −5
y
K. D. Machado
O operador ∇, ao agir sobre uma função escalar f , produz como resultado uma função vetorial, dada
por ∇f . O operador ∇ também pode atuar sobre funções vetoriais, mediante um produto escalar ou um
produto vetorial. Vejamos então essas duas operações relevantes.
div V~ = ∇ · V~ (2.21)
Note que, por ser o resultado de um produto escalar, o divergente de uma função vetorial V~ resulta em uma
função escalar, cujas variáveis são as mesmas das da função V~ . Em coordenadas retangulares, considerando
o operador ∇ definido por 2.5 e uma função vetorial V~ = V~ (x, y, z) dada por
V~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ (2.22)
onde
temos
∂ ∂ ∂
div V~ = ∇ · V~ = ı̂ + ĵ + k̂ · (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂x ∂y ∂z
ou seja,
∂
∇ · V~ = ı̂ · (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂x
∂ ∂
+ ĵ · (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂) + k̂ · (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂y ∂z
ou ainda,
∂ ∂ ∂
∇ · V~ = ı̂ · (Vx ı̂) + ı̂ · (Vy ĵ) + ı̂ · (Vz k̂)
∂x ∂x ∂x
∂ ∂ ∂
+ ĵ · (Vx ı̂) + ĵ · (Vy ĵ) + ĵ · (Vz k̂)
∂y ∂y ∂y
∂ ∂ ∂
+ k̂ · (Vx ı̂) + k̂ · (Vy ĵ) + k̂ · (Vz k̂)
∂z ∂z ∂z
K. D. Machado
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
∇ · V~ = ı̂ · ı̂ + ı̂ · Vx + ı̂ · ĵ + ı̂ · Vy + ı̂ · k̂ + ı̂ · Vz
∂x ∂x ∂x ∂x ∂x ∂x
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
+ ĵ · ı̂ + ĵ · Vx + ĵ · ĵ + ĵ · Vy + ĵ · k̂ + ĵ · Vz
∂y ∂y ∂y ∂y ∂y ∂y
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
+ k̂ · ı̂ + k̂ · Vx + k̂ · ĵ + k̂ · Vy + k̂ · k̂ + k̂ · Vz
Como ı̂, ĵ e k̂ não dependem de x, y ou z, vários termos se simplificam na equação acima, restando apenas
Análise Vetorial
∂Vx ∂Vy ∂Vz
∇ · V~ = + + (2.24)
∂x ∂y ∂z
Vejamos agora alguns exemplos de cálculos de divergentes.
~r = xı̂ + y ĵ + z k̂
Utilizando a equação 2.24, temos
∂x ∂y ∂z
∇ · ~r = + +
∂x ∂y ∂z
ou seja,
∇ · ~r = 3 (2.25)
É interessante visualizarmos o campo vetorial descrito pelo vetor ~r. Para tanto, vamos utilizar o Maple.
Vamos precisar de duas bibliotecas, uma para definir o campo vetorial e outra para o pacote de gráficos.
Iniciamos com
> with(plots):
seguido de
> with(Student[VectorCalculus]):
Em seguida, definimos o campo vetorial ~r, mediante o comando VectorField
> r:=VectorField(<x,y,z>);
r := x ex + y ey + z ez
Em seguida, utilizamos o comando fieldplot3d para obtermos o gráfico vetorial de ~r, ou seja,
> fieldplot3d(r,x=-1..1,y=-1..1,z=-1..1, grid=[5,5,5],
> axes=normal, tickmarks=[3,3,2], orientation=[30,80],
> arrows=`3-D`, view=[-2..2,-2..2,-2..2]);
o que resulta na figura 2.8 abaixo.
Podemos também calcular o divergente usando o Maple. Nesse caso, vamos utilizar o comando
Divergence(V)
136 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Figura 2.8: Gráfico do campo vetorial dado pelo vetor posição ~r.
1 Note que estamos supondo que as bibliotecas plots e Student[VectorCalculus] já foram previamente carregadas.
2.2. DIVERGENTE E ROTACIONAL 137
K. D. Machado V := y ex − x ey
Em seguida, podemos visualizar essa campo mediante o comando fieldplot, isto é,
> fieldplot(V,x=-1..1,y=-1..1, grid=[10,10], axes=normal,
> tickmarks=[1,1], arrows=THICK);
o que resulta na figura 2.9.
Conforme dissemos antes, existem dois modos de operar ∇ diretamente sobre uma função vetorial.
O primeiro modo envolve um produto escalar, resultando no divergente da função vetorial. O outro modo
se dá por meio de um produto vetorial, quando então temos o rotacional do campo vetorial. Temos, então,
para um dado campo vetorial V~ ,
rot V~ = ∇ × V~ (2.26)
Por ser o resultado de um produto vetorial, o rotacional de V~ é, também, uma função vetorial, e suas
variáveis são as mesmas de V~ . Em coordenadas retangulares, com V~ dado pela equação 2.22,
138 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
y
Análise Vetorial
V~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂
∂ ∂ ∂
rot V~ = ∇ × V~ = ı̂ + ĵ + k̂ × (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂x ∂y ∂z
ou seja,
∂
∇ × V~ = ı̂ × (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂x
∂ ∂
+ ĵ × (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂) + k̂ × (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂y ∂z
ou ainda,
∂ ∂ ∂
∇ × V~ = ı̂ × (Vx ı̂) + ı̂ × (Vy ĵ) + ı̂ × (Vz k̂)
∂x ∂x ∂x
∂ ∂ ∂
+ ĵ × (Vx ı̂) + ĵ × (Vy ĵ) + ĵ × (Vz k̂)
∂y ∂y ∂y
∂ ∂ ∂
+ k̂ × (Vx ı̂) + k̂ × (Vy ĵ) + k̂ × (Vz k̂)
∂z ∂z ∂z
K. D. Machado
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
∇ × V~ = ı̂ × ı̂ + ı̂ × Vx + ı̂ × ĵ + ı̂ × Vy + ı̂ × k̂ + ı̂ × Vz
∂x ∂x ∂x ∂x ∂x ∂x
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
+ ĵ × ı̂ + ĵ × Vx + ĵ × ĵ + ĵ × Vy + ĵ × k̂ + ĵ × Vz
∂y ∂y ∂y ∂y ∂y ∂y
∂Vx ∂ı̂ ∂Vy ∂ ĵ ∂Vz ∂ k̂
+ k̂ × ı̂ + k̂ × Vx + k̂ × ĵ + k̂ × Vy + k̂ × k̂ + k̂ × Vz
É importante notar que essa forma simples, que lembra o produto vetorial entre dois vetores usuais ~a e ~b,
só pode ser escrita no sistema de coordenadas retangulares. Nos outros sistemas tanto o divergente como o
rotacional serão dados por expressões mais complicadas. Vejamos agora alguns cálculos de rotacionais.
∇ × ~r = 0 (2.29)
Assim, vemos que ~r tem rotacional nulo, sendo portanto um campo irrotacional. Tais campos também são
chamados de conservativos ou lamelares.
∇ × V~ = −2 k̂
Note que o comando para efetuar o produto vetorial é &x. Podemos usar também o comando
Uma questão relevante é a interpretação do que significa o divergente e o rotacional de uma dada função vetorial. Nesse caso,
diferentemente do que ocorre com o gradiente, que tem uma interpretação razoavelmente simples, para esclarecer a interpretação do
divergente e do rotacional precisamos associá-los com grandezas ainda não definidas, que envolvem integração vetorial, e que precisam
esperar até o capı́tulo ??. Entretanto, os nomes das operações dão uma pista com relação ao que elas estão associadas. Considere o
campo vetorial ilustrado na figura 2.8. Esse campo possui um divergente não-nulo, e positivo. Suponha que, apenas para uma ilustração,
pó de serra fosse jogado nesse campo, e as partı́culas de pó adquirissem velocidades representadas pelos vetores da figura. Tais partı́culas
iriam então se mover divergindo de uma posição central. Suponha que desenhássemos o campo vetorial −~
r . Nesse caso, os sentidos de
todos os vetores da figura 2.8 seriam alterados, e partı́culas de pó iriam ser transportadas convergindo para um ponto central. Convergir
as partı́culas de pó iriam circular mas não afastar-se ou aproximar-se umas das outras, de modo que o divergente, nesse caso, deve
ser nulo, como é, de fato. Entretanto, as partı́culas rotacionam, de modo que o rotacional deve ser diferente de zero. Já no caso da
figura 2.8, as partı́culas se afastam mas não giram, indicando que o rotacional deve ser nulo, ou seja, o campo é irrotacional.
Além das três operações vistas acima, a saber, gradiente, divergente e rotacional, existe mais uma
relevante. Considere uma função escalar qualquer f . O gradiente dessa função é ∇f , e corresponde a uma
função vetorial V~ = ∇f . Se calcularmos o divergente de V~ , teremos uma outra função escalar, dada por
∇ · V~ . Mas, como V~ = ∇f , temos então
∇ · V~ = ∇ · (∇f ) = ∇ · ∇f = ∇2 f
O operador
2.2. DIVERGENTE E ROTACIONAL 141
K. D. Machado
∇2 = ∇ · ∇ (2.30)
é chamado de operador laplaciano, e a operação ∇2 f corresponde ao laplaciano da função escalar f . Tal
operação é de grande importância em várias áreas de Fı́sica, em particular no Eletromagnetismo, em Gra-
vitação e no estudo de fluidos. No sistema de coordenadas cartesiano, o operador laplaciano torna-se
h ∂ ∂ ∂ i h ∂ ∂ ∂ i
∇ · ∇ = ı̂ + ĵ + k̂ · ı̂ + ĵ + k̂
∂ h ∂ i ∂ h ∂ i ∂ h ∂ i
∇ · ∇ = ı̂ · ı̂ + ı̂ · ĵ + ı̂ · k̂
∂x ∂x ∂x ∂y ∂x ∂z
∂ h ∂ i ∂ h ∂ i ∂ h ∂ i
+ ĵ · ı̂ + ĵ · ĵ + ĵ · k̂
∂y ∂x ∂y ∂y ∂y ∂z
∂ h ∂ i ∂ h ∂ i ∂ h ∂ i
+ k̂ · ı̂ + k̂ · ĵ + k̂ · k̂
∂z ∂x ∂z ∂y ∂z ∂z
o que resulta em
∂2 ∂2 ∂2
∇2 = ∇ · ∇ = + + (2.31)
∂x2 ∂y 2 ∂z 2
Assim, o laplaciano de uma função f = f (x, y, z) torna-se
∂ 2f ∂2f ∂2f
∇2 f = 2
+ 2 + 2 (2.32)
∂x ∂y ∂z
Vejamos agora um exemplo de aplicação.
Laplacian(F)
onde F pode ser tanto uma função escalar quanto uma função vetorial, conforme veremos em seguida.
Recordando que já estamos considerando que carregamos a biblioteca relacionada aos cálculos vetoriais,
iniciamos com a definição da função f , ou seja,
> f:=2*x**2-y**3+z;
f := 2 x2 − y 3 + z
Em seguida, usamos o comando Laplacian(f) para calcular o laplaciano.
> Laplacian(f);
4−6y
Ao utilizar o comando Laplacian() sem uma função como argumento, o Maple retorna o valor do
laplaciano no sistema de coordenadas em uso. Nesse caso, temos
> Laplacian();
2 2
∂ ∂
( ∂x 2 SF (x, y)) + ( ∂y 2 SF (x, y))
142 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Note que, como não fizemos nenhuma definição anterior para o sistema de coordenadas em uso, por padão o
sistema considerado é o sistema de coordenadas retangulares bidimensional. Podemos agora definir o sistema
de coordenadas cartesianas tridimensional, por meio de
> SetCoordinates(’cartesian’[x,y,z]);
cartesian x, y, z
e, nesse caso, temos
Note que é possı́vel calcular o laplaciano de uma função vetorial, ou seja, ∇2 V~ . Em coordenadas retangulares, essa operação
torna-se
∇2 V~ = ∇2 (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
Como exemplo, considere uma função U~ = x2 ı̂ + yz 3 ĵ + y 2 k̂. Para calcular seu laplaciano, definimos inicialmente no Maple
> U:=VectorField(<x**2,y*z**3,y**2>);
e o laplaciano fica
> Laplacian(U);
ou seja,
∇ U~ = 2ı̂ + 6yz ĵ + 2 k̂
2
A partir das operações de divergente e rotacional, é possı́vel classificar campos vetoriais em algumas
categorias, de acordo com propriedades especı́ficas associadas a essas operações. Sendo V~ uma função vetorial,
ela pode ser classificada como
K. D. Machado
Beltrami solenoidal: tem-se ∇ · V~ = 0 e V~ × ∇ × V~ = 0.
Laplaciano: tem-se ∇ · V~ = 0 e ∇ × V~ = 0.
Com relação às operações envolvendo gradientes, divergentes, rotacionais e laplacianos, existem algu-
mas propriedades gerais bastante relevantes. Tais propriedades são
∇(f + g) = ∇f + ∇g
∇ · (f V~ ) = ∇f · V~ + f ∇ · V~ (2.34d)
∇ × (f V~ ) = ∇f × V~ + f ∇ × V~ (2.34e)
∇ · (V~ × U~ ) = U~ · (∇ × V~ ) − V~ · (∇ × U~ ) (2.34f)
∇ × (V~ × U~ ) = (U~ · ∇)V~ − U~ (∇ · V~ ) − (V~ · ∇)U~ + V~ (∇ · U~ ) (2.34g)
∇(V~ · U~ ) = (U~ · ∇)V~ + U~ × (∇ × V~ ) + (V~ · ∇)U~ + V~ × (∇ × U~ ) (2.34h)
∇ × ∇f = 0 (2.34i)
∇ · (∇ × V~ ) = 0 (2.34j)
∇ × (∇ × V~ ) = ∇(∇ · V~ ) − ∇2 V~ (2.34k)
onde f e g são funções escalares e V~ e U~ são funções vetoriais. Vamos demonstrar algumas dessas relações,
enquanto outras ficarão como exercı́cio para o leitor.
∇ · (V~ + U~ ) = ∇ · V~ + ∇ · U~
Demonstração. Para demonstrar a identidade 2.34b, vamos considerar que V~ e U~ podem ser escritos como
V~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ U~ = Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
Então,
V~ + U~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ + Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
ou
K. D. Machado
∇ · (V~ + U~ ) = ∇ · V~ + ∇ · U~
que é a identidade 2.34b, agora demonstrada.
Exemplo 2.12. Demonstre a identidade 2.34h,
V~ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ U~ = Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
Assim,
V~ · U~ = Vx Ux + Vy Uy + Vz Uz
e
∂ ∂ ∂
∇(V~ · U~ ) = ı̂ + ĵ + k̂ Vx Ux + Vy Uy + Vz Uz
∂x ∂y ∂z
ou
∂
∇(V~ · U~ ) = ı̂ Vx Ux + Vy Uy + Vz Uz
∂x
∂
+ ĵ Vx Ux + Vy Uy + Vz Uz
∂y
∂
+ k̂ Vx Ux + Vy Uy + Vz Uz (2.35)
∂z
Agora, calculamos
∂ ∂ ∂
V~ · ∇ = Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂ · ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
∂ ∂ ∂
V~ · ∇ = Vx + Vy + Vz
∂x ∂y ∂z
e assim,
∂ ∂ ∂
~ ~
(V · ∇)U = Vx + Vy + Vz Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
∂x ∂y ∂z
ou
∂
(V~ · ∇)U~ = Vx Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
∂x
∂
+ Vy Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
∂y
∂
+ Vz Ux ı̂ + Uy ĵ + Uz k̂
∂z
2.2. DIVERGENTE E ROTACIONAL 145
ou ainda,
K. D. Machado
∂Ux ∂Ux ∂Ux
(V~ · ∇)U~ = Vx + Vy + Vz ı̂
∂x ∂y ∂z
∂Uy ∂Uy ∂Uy
+ Vx + Vy + Vz ĵ
∂x ∂y ∂z
∂Uz ∂Uy ∂Ux ∂Uz ∂Uy ∂Ux
∇ × U~ = − ı̂ + − ĵ + − k̂
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y
e, portanto,
ı̂ ĵ k̂
V Vy Vz
x
V~ × (∇ × U~ ) =
∂Uz ∂Uy ∂Ux ∂Uz ∂Uy ∂Ux
∂y − ∂z ∂z
−
∂x ∂x
−
∂y
ou
" #
∂Uy ∂Ux ∂Ux ∂Uz
V~ × (∇ × U~ ) = Vy − − Vz − ı̂
∂x ∂y ∂z ∂x
" #
∂Uz ∂Uy ∂Uy ∂Ux
+ Vz − − Vx − ĵ
∂y ∂z ∂x ∂y
" #
∂Ux ∂Uz ∂Uz ∂Uy
+ Vx − − Vy − k̂
∂z ∂x ∂y ∂z
ou ainda,
" #
∂U y ∂U z ∂U x ∂U x
V~ × (∇ × U~ ) = Vy + Vz − Vy − Vz ı̂
∂x ∂x ∂y ∂z
" #
∂Uz ∂Ux ∂Uy ∂Uy
+ Vz + Vx − Vz − Vx ĵ
∂y ∂y ∂z ∂x
" #
∂Ux ∂Uy ∂Uz ∂Uz
+ Vx + Vy − Vx − Vy k̂
∂z ∂z ∂x ∂y
K. D. Machado
(V~ · ∇)U~ + V~ × (∇ × U~ ) =
" #
∂Ux ∂Ux ∂Ux ∂Ux ∂Ux ∂Uy ∂Uz
Vx + Vy + Vz − Vy − Vz + Vy + Vz ı̂
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂x
" #
∂Uy ∂Uy ∂Uy ∂Uy ∂Uy ∂Uz ∂Ux
ou
" #
∂U x ∂U y ∂U z
(V~ · ∇)U~ + V~ × (∇ × U~ ) = Vx + Vy + Vz ı̂
∂x ∂x ∂x
" # " #
∂Ux ∂Uy ∂Uz ∂Ux ∂Uy ∂Uz
+ Vx + Vy + Vz ĵ+ Vx + Vy + Vz k̂
∂y ∂y ∂y ∂z ∂z ∂z
Para obter a expressão de (U~ · ∇)V~ + U~ × (∇ × V~ ), é suficiente considerar a equação acima e intercambiar
V~ por U~ , e vice-versa, ou seja,
" #
~ ~ ~ ~ ∂Vx ∂Vy ∂Vz
(U · ∇)V + U × (∇ × V ) = Ux + Uy + Uz ı̂
∂x ∂x ∂x
" # " #
∂Vx ∂Vy ∂Vz ∂Vx ∂Vy ∂Vz
+ Ux + Uy + Uz ĵ+ Ux + Uy + Uz k̂
∂y ∂y ∂y ∂z ∂z ∂z
ou ainda,
2.2. DIVERGENTE E ROTACIONAL 147
K. D. Machado
(V~ · ∇)U~ + V~ × (∇ × U~ ) + (U~ · ∇)V~ + U~ × (∇ × V~ ) =
" #
∂Ux ∂Vx ∂Uy ∂Vy ∂Uz ∂Vz
Vx + Ux + Vy + Uy + Vz + Uz ı̂
∂x ∂x ∂x ∂x ∂x ∂x
" #
∂Ux ∂Vx ∂Uy ∂Vy ∂Uz ∂Vz
+ Vx + Ux + Vy + Uy + Vz + Uz ĵ
Como
d db da
(ab) = a + b
dr dr dr
as derivadas acima podem ser reescritas como
ou
∇ × ∇f = 0
148 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Demonstração. Vamos iniciar considerando o gradiente de f , dado pela expressão 2.8,
∂f ∂f ∂f
∇f = ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
Portanto,
ı̂ ĵ k̂
∇ × ∇f = 0
que é a propriedade 2.34i. Note que essa propriedade estabelece que o gradiente de uma função f é uma
função vetorial irrotacional, ou lamelar, ou ainda conservativa. De outro modo, ela estabelece que, se um
dado vetor V~ for irrotacional, ou seja, se ocorrer ∇ × V~ = 0, então V~ pode ser escrito na forma de um
gradiente de uma função escalar f apropriada, isto é, V~ = ∇f . Esta função f é chamada, normalmente, de
função potencial escalar do vetor V~ . Essa propriedade é bastante importante em Fı́sica, principalmente em
Eletromagnetismo e Gravitação. Nas seções ?? e ?? veremos alguns exemplos de aplicação. Vejamos mais
uma propriedade relevante.
∇ · (∇ × V~ ) = 0
~ ∂ ∂ ∂
∇ · ∇ × V = ı̂ + ĵ + k̂ ·
∂x ∂y ∂z
" #
∂V ∂Vy ∂V ∂Vz ∂V ∂Vx
z x y
− ı̂ + − ĵ + − k̂
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y
2.2. DIVERGENTE E ROTACIONAL 149
ou
K. D. Machado
∂ ∂Vz ∂Vy ∂ ∂Vx ∂Vz ∂ ∂Vy ∂Vx
∇ · ∇ × V~ = − + − + −
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y
que fica
∂ 2 Vz ∂ 2 Vy ∂ 2 Vx ∂ 2 Vz ∂ 2 Vy ∂ 2 Vx
∇ · ∇ × V~ = − + − + −
Agora, considerando que V~ tem segundas derivadas contı́nuas, podemos trocar a ordem em que elas são
feitas, de modo a obter
Análise Vetorial
∂ 2 Vz ∂ 2 Vz ∂ 2 Vy ∂ 2 Vy ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx
= = =
∂x∂y ∂y∂x ∂z∂x ∂x∂z ∂y∂z ∂z∂y
e, portanto,
∂ 2 Vy ∂ 2 Vy ∂ 2 Vz ∂ 2 Vz ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx
∇ · ∇ × V~ = − + − + −
∂x∂z ∂x∂z ∂x∂y ∂x∂y ∂z∂y ∂z∂y
ou
∇ · ∇ × V~ = 0
o que demonstra a identidade 2.34j. Nesse caso, temos que o rotacional de um campo vetorial V~ qualquer, que
é também uma função vetorial, possui divergência nula, sendo um campo solenoidal. Por outro lado, se um
dado campo vetorial U~ tem divergência nula, então tal campo pode ser escrito como o rotacional de um outro
campo vetorial V~ , ou seja, se ∇ · U~ = 0 então U~ = ∇ × V~ . A função vetorial V~ , nesse caso, é chamada
de função potencial vetorial de U~ , e também temos aplicações dessa propriedade em Eletromagnetismo.
Vejamos uma última propriedade.
∇ × (∇ × V~ ) = ∇(∇ · V~ ) − ∇2 V~
K. D. Machado
∂ ∂Vy ∂Vx ∂ ∂Vx ∂Vz
∇ × (∇ × V~ ) = − − − ı̂
∂y ∂x ∂y ∂z ∂z ∂x
∂ ∂Vz ∂Vy ∂ ∂Vy ∂Vx
+ − − − ĵ
∂z ∂y ∂z ∂x ∂x ∂y
∂ ∂Vx ∂Vz ∂ ∂Vz ∂Vy
+ − − − k̂
∂x ∂z ∂x ∂y ∂y ∂z
2
Análise Vetorial
~ ∂ Vy ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx ∂ 2 Vz
× ×
∇ (∇ V ) = − − + ı̂
∂y∂x ∂y 2 ∂z 2 ∂z∂x
2
∂ Vz ∂ 2 Vy ∂ 2 Vy ∂ 2 Vx
+ − − + ĵ
∂z∂y ∂z 2 ∂x2 ∂x∂y
2
∂ Vx ∂ 2 Vz ∂ 2 Vz ∂ 2 Vy
+ − − + k̂
∂x∂z ∂x2 ∂y 2 ∂y∂z
Agora, somamos e subtraı́mos alguns termos, de modo a obter grandezas conhecidas. Temos então
2
~ ∂ Vy ∂ 2 Vz ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx ∂ 2 Vx
∇ × (∇ × V ) = + + − − − ı̂
∂y∂x ∂z∂x ∂x2 ∂x2 ∂y 2 ∂z 2
2
∂ Vz ∂ 2 Vx ∂ 2 Vy ∂ 2 Vy ∂ 2 Vy ∂ 2 Vy
+ + + − − − ĵ
∂z∂y ∂x∂y ∂y 2 ∂y 2 ∂x2 ∂z 2
2
∂ Vx ∂ 2 Vy ∂ 2 Vz ∂ 2 Vz ∂ 2 Vz ∂ 2 Vz
+ + + − − − k̂
∂x∂z ∂y∂z ∂z 2 ∂z 2 ∂x2 ∂y 2
ou, considerando que V~ tem derivadas contı́nuas até segunda ordem,
2 2
~ ∂ Vy ∂ 2 Vz ∂ 2 Vx ∂ ∂2 ∂2
∇ × (∇ × V ) = + + ı̂ − + 2 + 2 (Vx ı̂)
∂x∂y ∂x∂z ∂x2 ∂x2 ∂y ∂z
2 2 2
2
∂ Vz ∂ Vx ∂ Vy ∂ ∂2 ∂2
+ + + ĵ − + 2 + 2 (Vy ĵ)
∂y∂z ∂y∂x ∂y 2 ∂y 2 ∂x ∂z
2 2 2
2
∂ Vx ∂ Vy ∂ Vz ∂ ∂2 ∂2
+ + + k̂ − + 2 + 2 (Vz k̂)
∂z∂x ∂z∂y ∂z 2 ∂z 2 ∂x ∂y
Temos, agora,
∂ ∂Vy ∂Vz ∂Vx ∂ ∂Vz ∂Vx ∂Vy
∇ × (∇ × V~ ) = + + ı̂ + + + ĵ
∂x ∂y ∂z ∂x ∂y ∂z ∂x ∂y
∂ ∂Vx ∂Vy ∂Vz ∂2 ∂2 ∂2
+ + + k̂ − + 2 + 2 (Vx ı̂ + Vy ĵ + Vz k̂)
∂z ∂x ∂y ∂z ∂x2 ∂y ∂z
ou
∂ ∂
∇ × (∇ × V~ ) = (∇ · V~ ) ı̂ + (∇ · V~ ) ĵ
∂x ∂y
2
∂ ∂ ∂2 ∂2 ~
+ (∇ · V~ ) k̂ − + + V
∂z ∂x2 ∂y 2 ∂z 2
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 151
ou ainda,
K. D. Machado
~ ∂ ∂ ∂
∇ × (∇ × V ) = ı̂ + ĵ + k̂ (∇ · V~ ) − ∇2 V~
∂x ∂y ∂z
e, finalmente,
∇ × (∇ × V~ ) = ∇(∇ · V~ ) − ∇2 V~
∇2 V~ = ∇(∇ · V~ ) − ∇ × (∇ × V~ ) (2.37)
Nessa forma, torna-se mais simples calcular o laplaciano de um campo vetorial em outros sistemas de
coordenadas. Nesse sentido, é interessante verificarmos agora como ficam as expressões para as operações
vetoriais vistas nos sistemas de coordenadas a que estamos acostumados a tratar, ou seja, coordenadas
polares, cilı́ndricas e esféricas.
p
ρ= x2 + y 2
y
θ = arctg
x
e também as equações ?? para mudança da base retangular para a base polar,
ı̂ = cos θ ρ̂ − sen θ θ̂
ĵ = sen θ ρ̂ + cos θ θ̂
além, é claro, do operador ∇ em coordenadas retangulares bidimensionais, dado pela expressão 2.5,
∂ ∂
∇ = ı̂ + ĵ (2.38)
∂x ∂y
Agora, consideramos que x = x(ρ, θ), de modo que temos
∂ ∂ρ ∂ ∂θ ∂
= + (2.39)
∂x ∂x ∂ρ ∂x ∂θ
Agora, precisamos obter algumas derivadas. Iniciamos com
152 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado∂ρ x ρ cos θ
= p = = cos θ (2.40)
∂x 2
x +y 2 ρ
onde utilizamos a equação ??. Em seguida, achamos, utilizando ??,
h ∂ sen θ ∂ i
∇ = (cos θ ρ̂ − sen θ θ̂) cos θ −
∂ρ ρ ∂θ
h ∂ cos θ ∂ i
+ (sen θ ρ̂ + cos θ θ̂) sen θ +
∂ρ ρ ∂θ
ou
∂ θ̂ ∂
∇ = ρ̂ + (2.47)
∂ρ ρ ∂θ
que é o operador ∇ em coordenadas polares. Note que podemos conferir explicitamente essa expressão se
considerarmos que, para uma função f qualquer, devemos satisfazer a equação 2.9,
df = ∇f · d~r
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 153
K. D. Machado
e que, em polares, temos, pela equação 1.325,
d~r = dρ ρ̂ + ρ dθ θ̂
Considerando que f = f (ρ, θ), temos
∂f ∂f
df = dρ + dθ (2.48)
∂ρ ∂θ
∂f ∂f θ̂ ∂f θ̂ ∂f
∇f · d~r = ρ̂ · dρ ρ̂ + ρ̂ · ρ dθ θ̂ + · dρ ρ̂ + ρ dθ θ̂
∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ρ ∂θ
ou ainda,
∂f ∂f
∇f · d~r = dρ + dθ = df
∂ρ ∂θ
Assim, o gradiente de uma função f = f (ρ, θ) em coordenadas polares torna-se
∂f θ̂ ∂f
∇f = ρ̂ + (2.49)
∂ρ ρ ∂θ
Vejamos agora alguns exemplos.
1.0
0.5
0.0
É interessante notar que ∇f corresponde a um vetor conhecido. Vamos determiná-lo convertendo o resultado
para coordenadas cartesianas, por meio do comando MapToBasis,
> simplify(MapToBasis(V,cartesian[x,y]));
êx
ou seja, ∇f = ı̂ em retangulares, isso porque f = ρ cos θ = x em retangulares.
Exemplo 2.17. A temperatura em graus Celsius de uma chapa circular de raio R e muito fina é descrita,
aproximadamente, por
4 cos θ
T (ρ, θ) = + 25
ρ+2
onde ρ é medido em centı́metros. Determine a taxa de variação da temperatura no ponto P(1, π3 ) na direção
radial.
Vamos utilizar o Maple para efetuar os cálculos. Iniciamos carregando as bibliotecas necessárias.
> with(Student[VectorCalculus]):
> with(plots):
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 155
K. D. Machado
Em seguida, mudamos para o sistema de coordenadas polares,
> SetCoordinates(’polar’);
polar r, θ
e definimos a temperatura
> T:=(4/(r+2))*cos(theta) + 25;
4 cos θ 4 sen θ
J~ = ∇T = − ρ̂ − θ̂
(ρ + 2)2 ρ(ρ + 2)
Podemos visualizar esse gradiente por meio de
> fieldplot(J, r=0..2, theta=0..2*Pi, scaling=constrained,
> arrows=THICK, grid=[6,21], fieldstrength=log, tickmarks=[4,4]);
o que resulta na figura 2.12.
0
−2 −1 0 1 2
−1
−2
ou seja,
dT π 2
Análise Vetorial
Vejamos agora como fica o divergente em coordenadas polares. Precisamos considerar uma função
vetorial V~ = V~ (ρ, θ) dada por
V~ = Vρ ρ̂ + Vθ θ̂ (2.50)
onde
Vρ = Vρ (ρ, θ) Vθ = Vθ (ρ, θ)
∂ ∂ θ̂ ∂ θ̂ ∂
∇ · V~ = ρ̂ · (Vρ ρ̂) + ρ̂ · (Vθ θ̂) + · (Vρ ρ̂) + · (Vθ θ̂)
∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ρ ∂θ
ou ainda,
∂Vρ ∂ ρ̂ ∂Vθ ∂ θ̂
∇ · V~ = ρ̂ · ρ̂ + ρ̂ · Vρ + ρ̂ · θ̂ + ρ̂ · Vθ
∂ρ ∂ρ ∂ρ ∂ρ
θ̂ ∂Vρ θ̂ ∂ ρ̂ θ̂ ∂Vθ θ̂ ∂ θ̂
+ · ρ̂ + · Vρ + · θ̂ + · Vθ
ρ ∂θ ρ ∂θ ρ ∂θ ρ ∂θ
Com o uso das equações 1.113 e 1.313,
dρ̂ dθ̂
θ̂ = = −ρ̂
dθ dθ
achamos
∂Vρ Vρ 1 ∂Vθ
∇ · V~ = + +
∂ρ ρ ρ ∂θ
de modo que o divergente, em coordenadas polares, torna-se
1 ∂(ρVρ ) 1 ∂Vθ
∇ · V~ = + (2.51)
ρ ∂ρ ρ ∂θ
Vejamos um exemplo de aplicação.
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 157
K. D. Machado
Exemplo 2.18. Um fluido está escoando por um ralo, e as velocidades das partı́culas em cada ponto formam
um campo de velocidades dado aproximadamente por
1
~v = − ρ̂ + θ θ̂
ρ2
Determine o divergente desse campo vetorial de velocidades, e verifique se ele é solenoidal.
Utilizando o Maple, temos
> with(plots):
e de
> SetCoordinates(’polar’);
polar r, θ
o que permite que o campo vetorial ~v possa ser definido mediante
> v:= VectorField(<- 1/r**2,theta>);
1
v := − êr + θ êθ
r2
Agora, calculamos o divergente,
> Divergence(v);
r 2 +1
r3
ou seja,
r2 + 1
∇ · ~v =
r3
de modo que o campo vetorial não é solenoidal. Vamos verificar explicitamente nossa expressão 2.51,
1 ∂(ρVρ ) 1 ∂Vθ
∇ · V~ = +
ρ ∂ρ ρ ∂θ
para esse caso. Temos, então,
1 ∂ 1 1 ∂
∇ · ~v = ρ − 2 + (θ)
ρ ∂ρ ρ ρ ∂θ
ou seja,
1 1 ρ2 + 1
∇ · ~v = + =
ρ3 ρ ρ3
O gráfico do campo vetorial pode ser obtido mediante
> fieldplot(G, r=0..1, theta=0..2*Pi, coords=’polar’,
> arrows=THICK, grid=[4,13], tickmarks=[3,3]);
o que resulta na figura 2.13.
158 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado 1
−1 0 1
−1
∂ h ∂ i ∂ h θ̂ ∂ i θ̂ ∂ h ∂ i θ̂ ∂ h θ̂ ∂ i
∇2 = ρ̂ · ρ̂ + ρ̂ · + · ρ̂ + ·
∂ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ρ ∂θ ∂ρ ρ ∂θ ρ ∂θ
ou
∂ ρ̂ ∂ ∂ ∂ ∂ θ̂ 1 ∂ ∂ 1 ∂
∇2 = ρ̂ · + ρ̂ · ρ̂ + ρ̂ · + ρ̂ · θ̂
∂ρ ∂ρ ∂ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ∂ρ ρ ∂θ
θ̂ ∂ ∂ θ̂ ∂ ρ̂ ∂ θ̂ ∂ ∂ θ̂ ∂ θ̂ 1 ∂
+ ρ̂ · + · + · ρ̂ + ·
ρ ∂ρ ∂θ ρ ∂θ ∂ρ ρ ∂θ ∂ρ ρ ∂θ ρ ∂θ
θ̂ ∂ 1 ∂ θ̂ θ̂ ∂ ∂
+ · θ̂ + ·
ρ ∂θ ρ ∂θ ρ ρ ∂θ ∂θ
que torna-se
∂2 θ̂ ∂ θ̂ 1 ∂ 1 ∂2
∇2 = + · θ̂ + · (− ρ̂) +
∂ρ2 ρ ∂ρ ρ ρ ∂θ ρ2 ∂θ2
ou
∂2 1 ∂ 1 ∂2
∇2 = + +
∂ρ2 ρ ∂ρ ρ2 ∂θ2
que pode ser escrito como
1 ∂ ∂ 1 ∂2
∇2 = ρ + 2 2 (2.52)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ
Assim, o laplaciano de uma função escalar f = f (ρ, θ) fica
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 159
K. D. Machado 1 ∂ ∂f 1 ∂ 2f
∇2 f = ρ + 2 2 (2.53)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ
Podemos utilizar o Maple para obter o mesmo resultado, mediante
> with(Student[VectorCalculus]):
> SetCoordinates(’polar’);
o que resulta, após algumas manipulações, na expressão 2.53. Vejamos agora outro sistema de coordenadas.
∂ θ̂ ∂ ∂
∇ = ρ̂ + + k̂ (2.54)
∂ρ ρ ∂θ ∂z
de modo que o gradiente de f = f (ρ, θ, z) fica
∂f θ̂ ∂f ∂f
∇f = ρ̂ + + k̂ (2.55)
∂ρ ρ ∂θ ∂z
O divergente de uma função vetorial V~ = V~ (ρ, θ, z) também é obtido diretamente da expressão 2.51,
e fica
1 ∂ ∂ 1 ∂2 ∂2
∇2 = ρ + 2 2+ 2 (2.57)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ∂z
e
1 ∂ ∂f 1 ∂2f ∂2f
∇2 f = ρ + 2 2 + 2 (2.58)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ∂z
Podemos verificar essas expressões utilizando o Maple. Começamos com
> with(Student[VectorCalculus]):
e definimos o sistema de coordenadas cilı́ndricas, por meio de
160 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
>
K. D. Machado
SetCoordinates(’cylindrical’);
cylindrical r, θ, z
Em seguida, utilizamos o comando Del(), ou seja,
> Del();
∂
∂ SF (r, θ, z) ∂
( ∂r SF (r, θ, z)) êr + ∂θ
r êθ + ( ∂z SF (r, θ, z)) êz
> Divergence();
Análise Vetorial
∂ ∂ ∂
( ∂r (r VF 1 (r, θ, z)))+( ∂θ VF 2 (r, θ, z))+( ∂z (r VF 3 (r, θ, z)))
r
> Laplacian();
!!
∂
∂ ∂ ∂ ∂θ SF (r, θ, z) ∂ ∂
( ∂r (r ( ∂r SF (r, θ, z)))) + ∂θ + ( ∂z (r ( ∂z SF (r, θ, z))))
r
r
que está de acordo com a equação 2.58. A próxima operação relevante é o rotacional, que pode ser determinado
mediante o comando Curl(),
> Curl();
∂ ∂
( ∂θ VF 3 (r, θ, z)) − ( ∂z (r VF 2 (r, θ, z)))
êr
r
∂ ∂
+(( ∂z VF 1 (r, θ, z)) − ( ∂r VF 3 (r, θ, z))) êθ
∂ ∂
( ∂r (r VF 2 (r, θ, z))) − ( ∂θ VF 1 (r, θ, z))
+ êz
r
ou seja,
h 1 ∂V ∂Vθ i h ∂V ∂Vz i h∂ ∂Vρ i k̂
z ρ
∇ × V~ = − ρ̂ + − θ̂ + (ρVθ ) − (2.59)
ρ ∂θ ∂z ∂z ∂ρ ∂ρ ∂θ ρ
É importante conferirmos essa expressão diretamente, pois assim procedendo ilustraremos como as mani-
pulações devem ser feitas em outros sistemas de coordenadas. Iniciamos considerando que
V~ = Vρ ρ̂ + Vθ θ̂ + Vz k̂ (2.60)
onde
K. D. Machado
∂ ∂ ∂
∇ × V~ = ρ̂ × (Vρ ρ̂) + ρ̂ × (Vθ θ̂) + ρ̂ × (Vz k̂)
∂ρ ∂ρ ∂ρ
θ̂ ∂ θ̂ ∂ θ̂ ∂
+ × (Vρ ρ̂) + × (Vθ θ̂) + × (Vz k̂)
ρ ∂θ ρ ∂θ ρ ∂θ
∂ ∂ ∂
+ k̂ × (Vρ ρ̂) + k̂ × (Vθ θ̂) + k̂ × (Vz k̂)
dρ̂ dθ̂
θ̂ = = −ρ̂
dθ dθ
temos
seguido de
K. D. Machado
> fieldplot3d(V, r=0..1, theta=0..2*Pi, z=-1..1,
> coords=’cylindrical’, arrows=THICK, grid=[3,7,4], axes=normal,
> tickmarks=[3,3,1], orientation=[16,61]);
o que resulta na figura 2.14. Vamos calcular primeiro sua divergência, isto é,
−1
0
−1
0
1
1
> simplify(Divergence(V));
2 cos(θ) + 2 z
> U:=simplify(Curl(V));
U := −r êr + (2 z + sin(θ)) êz
ou seja,
de modo que V~ é não é irrotacional. A figura 2.15 apresenta uma visualização do campo vetorial U~ = ∇ × V~ ,
obtido mediante
> fieldplot3d(U, r=0..1, theta=0..2*Pi, z=-1..1, grid=[3,7,3],
> axes=normal, arrows=THICK, coords=’cylindrical’,
> tickmarks=[3,3,3], orientation=[18,65]);
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 163
K. D. Machado
1
−1
0
1
1
Análise Vetorial
−1
p
r= x2 + y 2 + z 2
p
x2 + y 2
θ = arctg
z
y
φ = arctg
x
e pelas relações inversas ??,
x = r sen θ cos φ
y = r sen θ sen φ
z = r cos θ
Para obter o operador ∇, vamos precisar também das equações de transformação entre a base retangular e
a esférica, dada por ??,
K. D. Machado
∂ ∂r ∂ ∂θ ∂ ∂φ ∂
= + + (2.63)
∂x ∂x ∂r ∂x ∂θ ∂x ∂φ
Vamos calcular inicialmente
∂r 1 2x r sen θ cos φ
= p = = sen θ cos φ (2.64)
∂x 2 x2 + y 2 + z 2 r
√x
Análise Vetorial
∂θ z x2 +y 2 x z
= x 2 +y 2 = 2 2 2
p
∂x 1 + z2 z +x +y x + y2
2
∂ ∂r ∂ ∂θ ∂ ∂φ ∂
= + + (2.68)
∂y ∂y ∂r ∂y ∂θ ∂y ∂φ
de modo que
∂r 1 2y r sen θ sen φ
= p = = sen θ sen φ (2.69)
∂y 2 x2 + y 2 + z 2 r
além de
√y
∂θ z x2 +y 2 y z
= 2 2 = 2 + x2 + y 2
p
∂y 1 + x z+y
2
z x 2 + y2
e também
1
∂φ x x r sen θ cos φ cos φ
= 2 = = = (2.71)
∂y 1 + xy 2 x2 + y 2 r2 sen2 θ r sen θ
Portanto, 2.68, com o uso das equações 2.69–2.71, torna-se
K. D. Machado ∂ ∂r ∂ ∂θ ∂ ∂φ ∂
= + + (2.73)
∂z ∂z ∂r ∂z ∂θ ∂z ∂φ
O primeiro cálculo resulta em
∂r 1 2z r cos θ
= p = = cos θ (2.74)
∂z 2 x2 + y 2 + z 2 r
e o último fica
∂φ
=0 (2.76)
∂z
Utilizando as equações 2.74–2.76 em 2.73, achamos
∂ ∂ sen θ ∂
= cos θ − (2.77)
∂z ∂r r ∂θ
Agora, reunimos as equações ??, 2.67, 2.72 e 2.77 no operador ∇ dado por 2.5, isto é,
h ∂ cos θ cos φ ∂
∇ = (sen θ cos φ r̂ + cos θ cos φ θ̂ − sen φ φ̂) sen θ cos φ +
∂r r ∂θ
sen φ ∂ i h ∂
− + (sen θ sen φ r̂ + cos θ sen φ θ̂ + cos φ φ̂) sen θ sen φ
r sen θ ∂φ ∂r
cos θ sen φ ∂ cos φ ∂ i h ∂ sen θ ∂ i
+ + + (cos θ r̂ − sen θ θ̂) cos θ −
r ∂θ r sen θ ∂φ ∂r r ∂θ
ou
K. D. Machado
∂ sen θ cos θ ∂ ∂ cos2 θ ∂
∇ = r̂ sen2 θ + r̂ + θ̂ sen θ cos θ + θ̂
∂r r ∂θ ∂r r ∂θ
1 ∂ ∂ cos θ sen θ ∂ ∂ sen2 θ ∂
+ φ̂ + r̂ cos2 θ − r̂ − θ̂ sen θ cos θ + θ̂
r sen θ ∂φ ∂r r ∂θ ∂r r ∂θ
ou, finalmente,
∂f θ̂ ∂f φ̂ ∂f
∇f = r̂ + + (2.79)
∂r r ∂θ r sen θ ∂φ
Para obter a forma das outras operações, vamos utilizar o Maple. Aqui devemos lembrar que o sistema de
coordenadas esféricas pré-definido no Maple não corresponde à nossa convenção usual, de modo que temos
que definir um sistema de coordenadas na forma que estamos utilizando. Já fizemos isso na seção ?? (ver
exemplo ??, página ??). Nesse caso, precisamos da biblioteca VectorCalculus. Vejamos todos os passos.
Iniciamos com
> with(VectorCalculus):
Warning, these names have been rebound: &x, *, +, -, ., <,>, <|>,
BasisFormat, Binormal, CrossProduct, Curl, Curvature, D, Del,
Divergence, DotProduct, Flux, GetCoordinates, Gradient, Laplacian,
LineInt, MapToBasis, Nabla, Norm, Normalize, PathInt,
PrincipalNormal, RadiusOfCurvature, ScalarPotential, SetCoordinates,
SurfaceInt, TNBFrame, TangentVector, Torsion, Vector, VectorField,
VectorPotential, diff, evalVF, int, limit, series
seguido de
> assume (r>=0,0<=theta,theta<=Pi,0<=phi,phi<2*Pi);
lembrando que o comando assume indica as hipóteses feitas sobre as variáveis r, θ e φ, o que corresponde,
nesse caso, ao domı́nio dessas variáveis. Em seguida, criamos o sistema de coordenadas esfericas, mediante
> AddCoordinates(esfericas[r,theta,phi],[r*sin(theta)*cos(phi),
> r*sin(theta)*sin(phi),r*cos(theta)]);
esfericas
e mudamos para esse sistema de coordenadas, por meio de
> SetCoordinates(esfericas[r,theta,phi]);
esfericas r ˜, θ˜, φ˜
Conferindo, temos
> GetCoordinates();
esfericas r ˜, θ˜, φ˜
Vamos conferir o gradiente de f , ou seja,
> Del();
∂ ∂
SF (r ˜, θ˜, φ˜) ∂φ˜ SF (r ˜, θ˜, φ˜)
( ∂r∂ ˜ SF (r ˜, θ˜, φ˜)) êr + ∂θ˜
êθ + êφ
r˜ r ˜ sin(θ˜)
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 167
K. D. Machado
o que corresponde à equação 2.79. O divergente de uma função V~ = V~ (r, θ, φ), dada por
V~ = Vr r̂ + Vθ θ̂ + Vφ φ̂ (2.80)
onde
h∂ ∂Vθ i r̂
∇ × V~ = (sen θVφ ) −
∂θ ∂φ r sen θ
h 1 ∂V ∂ i θ̂ h ∂ ∂Vr i φ̂
r
+ − (rVφ ) + (rVθ ) − (2.82)
sen θ ∂φ ∂r r ∂r ∂θ r
Por fim, o laplaciano de uma função escalar f é dado por
> Laplacian();
∂
!!!
∂φ˜ SF (r ˜, θ˜, φ˜)
+ ∂
∂φ˜ /(r ˜2 sin(θ˜))
sin(θ˜)
ou seja,
1 ∂ 2 ∂f 1 ∂ ∂f 1 ∂2f
∇2 f = r + sen θ + (2.83)
r2 ∂r ∂r r2 sen θ ∂θ ∂θ r2 sen2 θ ∂φ2
de modo que o operador laplaciano vale
168 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
1 ∂ 2 ∂ 1 ∂ ∂ 1 ∂2
∇2 = 2
r + 2 sen θ + 2 (2.84)
r ∂r ∂r r sen θ ∂θ ∂θ r sen θ ∂φ2
2
Exemplo 2.20. A temperatura em graus Celsius de uma região esférica no espaço é dada por T (r, θ, φ) =
2r2 sen θ + rφ sen2 θ + 25. Obtenha J~ = ∇T , verifique se ele é solenoidal ou irrotacional, e calcule também
∇ × ∇f = 0
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 169
K. D. Machado
o rotacional de J~ deve ser nulo, pois J~ = ∇T . Conferindo, temos
> simplify(Curl(J));
0 êr
Por fim, o laplaciano de T fica
> simplify(Laplacian(T));
onde
Exemplo 2.21. Calcular o gradiente de f (~r ) = Arn , onde r = |~r | é o módulo do vetor posição e A é uma
grandeza que independe de ~r.
Nesse caso, podemos utilizar a expressão 2.79,
∂f θ̂ ∂f φ̂ ∂f
∇f = r̂ + +
∂r r ∂θ r sen θ ∂φ
170 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
para calcular o gradiente em coordenadas esféricas. Como f (~r ) depende apenas de r, temos
Exemplo 2.22. Dada uma função f (~r ) = f (r), onde r é o módulo do vetor posição, qual seu gradiente?
Note que a função num dado ponto depende apenas da distância r desse ponto à origem. Utilizando
a equação 2.79 para calcular o gradiente em coordenadas esféricas, temos
∂f θ̂ ∂f φ̂ ∂f
∇f = r̂ + +
∂r r ∂θ r sen θ ∂φ
ou
df
∇f (r) = r̂ (2.86)
dr
~r = |~r | r̂ = r r̂
Para calcular seu divergente, podemos utilizar a expressão 2.81 para o divergente em coordenadas esféricas,
1 ∂ 1 ∂ 1 ∂Vφ
∇ · V~ = 2 (r2 Vr ) + (sen θVθ ) +
r ∂r r sen θ ∂θ r sen θ ∂φ
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 171
K. D. Machado
lembrando que, nesse caso, Vr = r e Vθ = Vφ = 0, de modo que achamos
1 ∂ 3
∇ · ~r = (r )
r2 ∂r
ou
∇ · ~r = 3
o que resulta em
1 ∂r θ̂ ∂r φ̂
∇ × ~r = − =0
sen θ ∂φ r ∂θ r
que está em acordo com a expressão 2.29 obtida anteriormente para o sistema de coordenadas retangulares.
Exemplo 2.24. Dada uma função vetorial V~ (~r ) = V (r) r̂, determinar seu divergente e rotacional. Qual a
condição para V~ ser um campo solenoidal?
Para o cálculo do divergente, utilizamos a expressão 2.81, lembrando que Vr = V (r), ou seja,
1 ∂ 2 dV 2r
∇ · [V (r) r̂] = (r V (r)) = + 2 V (r)
r2 ∂r dr r
isto é,
dV 2
∇ · [V (r) r̂] = + V (r) (2.87)
dr r
Para que V~ seja solenoidal, seu divergente deve ser nulo, o que ocorre quando
dV 2
+ V (r) = 0
dr r
ou
dV 2
= − V (r)
dr r
o que pode ser escrito como
dV dr
= −2
V (r) r
e integrando, obtemos
Z Z
dV dr
= −2
V (r) r
ou
172 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
ln V = −2 ln r + ln k
2
onde k é uma constante . Podemos reescrever essa expressão como
k
ln V = ln
r2
e então,
1 ∂V (r) θ̂ ∂V (r) φ̂
∇ × [V (r) r̂] = −
sen θ ∂φ r ∂θ r
ou
∂f θ̂ ∂f ∂f
∇f = ρ̂ + + k̂
∂ρ ρ ∂θ ∂z
que fica, nesse caso,
θ̂ df 1 df
∇f (θ) = = θ̂ (2.89)
ρ dθ ρ dθ
Exemplo 2.26. Uma função vetorial V = V (ρ) θ̂ é função da coordenada ρ no sistema de coordenadas
cilı́ndricas. Determinar seu divergente e rotacional. Sob que condições seu rotacional é nulo?
Para calcular o divergente vamos precisar da equação 2.56,
1 ∂[V (ρ)]
∇ · [V (ρ) θ̂] =
ρ ∂θ
ou seja,
K. D. Machado
∇ · [V (ρ) θ̂] = 0 (2.90)
de modo que qualquer função vetorial da forma V = V (ρ) θ̂ é um campo solenoidal. Quanto ao rotacional,
temos, utilizando a equação 2.59,
h 1 ∂V ∂Vθ i h ∂V ∂Vz i h∂ ∂Vρ i k̂
z ρ
∇ × V~ = − ρ̂ + − θ̂ + (ρVθ ) −
∂ k̂
Análise Vetorial
∇ × [V (ρ) θ̂] = [ρV (ρ)]
∂ρ ρ
ou seja,
h dV V (ρ) i
∇ × [V (ρ) θ̂] = + k̂ (2.91)
dρ ρ
Para que o rotacional se anule, devemos ter
dV V (ρ)
+ =0
dρ ρ
ou
dV V (ρ)
=−
dρ ρ
o que implica em
dV dρ
=−
V (ρ) ρ
e, integrando,
Z Z
dV dρ
=−
V (ρ) ρ
ou
ln V = − ln ρ + ln k
onde k é uma constante de integração. Essa equação pode ser reescrita como
k
ln V = ln
ρ
de modo que, se
k
V (ρ) =
ρ
então o campo vetorial
k
V~ = θ̂
ρ
é irrotacional, pelo menos para ρ 6= 0 4 .
K. D. Machado
Exemplo 2.27. Sejam x = x(t), y = y(t) e z = z(t) as coordenadas de um dado ponto no espaço, ache
dV~ ~
uma expressão para df
dt , onde f = f (x, y, z, t). Em seguida, determine uma equação para dt , onde V =
~
V (x, y, z, t).
Vamos calcular a derivada total de f mediante
dx dy dz
vx = vy = vz =
dt dt dt
temos
df ∂f ∂f ∂f ∂f
= + vx + vy + vz (2.92)
dt ∂t ∂x ∂y ∂z
Vamos calcular agora, usando a expressão 2.8, o produto ~v · ∇f , onde ~v é a velocidade do ponto, ou seja,
∂f ∂f ∂f
~v · ∇f = (vx ı̂ + vy ĵ + vz k̂) · ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
e então,
∂f ∂f ∂f
~v · ∇f = vx + vy + vz
∂x ∂y ∂z
Retornando com esse resultado na expressão 2.92 achamos
df ∂f
= + ~v · ∇f (2.93)
dt ∂t
Aqui é importante notar que, nessa expressão, o termo ∂f∂t dá conta da variação de f com o tempo para uma
df
dada posição (x, y, z) constante, enquanto dt inclui a variação em f associada com a variação no tempo e
dV~
também no espaço. Partindo agora para dt , temos
dV~ ∂ V~ ∂ V~ dx ∂ V~ dy ∂ V~ dz
= + + +
dt ∂t ∂x dt ∂y dt ∂z dt
ou
dV~ ∂ V~ ∂ V~ ∂ V~ ∂ V~
= + vx + vy + vz (2.94)
dt ∂t ∂x ∂y ∂z
Vamos calcular agora o produto ~v · ∇, utilizando a equação 2.5,
∂ ∂ ∂
~v · ∇ = (vx ı̂ + vy ĵ + vz k̂) · ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
ou
∂ ∂ ∂
~v · ∇ = vx + vy + vz
∂x ∂y ∂z
Assim, a operação (~v · ∇)V~ torna-se
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 175
K. D. Machado
∂ ∂ ∂ ~ ∂ V~ ∂ V~ ∂ V~
(~v · ∇)V~ = vx + vy + vz V = vx + vy + vz
∂x ∂y ∂z ∂x ∂y ∂z
de forma que a equação 2.94 pode ser escrita como
dV~ ∂ V~
= + (~v · ∇)V~ (2.95)
dt ∂t
dV~ ∂ V~
Análise Vetorial
= + (vv̂ · ∇)V~
dt ∂t
onde v = |~v | é o módulo da velocidade. Podemos escrever ainda
dV~ ∂ V~
= + v(v̂ · ∇)V~
dt ∂t
Recordando a expressão 2.18 para a derivada direcional de uma função vetorial,
dV~ t=0
= (v̂ · ∇)V~
dt v̂
vemos que
~ = ∇f
A ~ = ∇g
B
~ × B),
Agora, vamos calcular ∇ · (A ~ utilizando a propriedade 2.34f,
∇ · (V~ × U~ ) = U~ · (∇ × V~ ) − V~ · (∇ × U~ )
ou seja,
∇ · (A ~ =B
~ × B) ~ −A
~ · (∇ × A) ~
~ · (∇ × B)
~ = ∇f , temos
Como A
~ = ∇ × (∇f ) = 0
∇× A
onde utilizamos a identidade 2.34i. Da mesma forma,
~ = ∇ × (∇g) = 0
∇× B
Assim, encontramos
∇ · (∇f × ∇g) = ∇ · V~ = 0
de modo que V~ = ∇f × ∇g é solenoidal.
176 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Exemplo 2.29. Considere três funções quaisquer u = u(x, y, z), v = v(x, y, z) e w = w(x, y, z). Diz-se
que há uma relação funcional entre elas se existe uma função F (u, v, w) tal que F (u, v, w) = 0. Mostre que
F (u, v, w) = 0 se, e somente se, ∇u · ∇v × ∇w = 0.
∂F ∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
= + + (2.98)
∂x ∂u ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x
além de
∂F ∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
= + + (2.99)
∂y ∂u ∂y ∂v ∂y ∂w ∂y
e também
∂F ∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
= + + (2.100)
∂z ∂u ∂z ∂v ∂z ∂w ∂z
Supondo que F (u, v, w) = 0, ou seja, que há uma relação funcional entre u, v e w, temos que ∇F = 0. Então,
a equação 2.97 fica
∂F ∂F ∂F
∇F = ı̂ + ĵ + k̂ =0
∂x ∂y ∂z
de modo que as equações 2.98–2.100 tornam-se
∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
+ + =0 (2.101a)
∂u ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x
∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
+ + =0 (2.101b)
∂u ∂y ∂v ∂y ∂w ∂y
∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
+ + =0 (2.101c)
∂u ∂z ∂v ∂z ∂w ∂z
Reescrevendo a equação 2.101a, temos
∂F ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
=− −
∂u ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x
ou
∂F ∂u −1 h ∂F ∂v ∂F ∂w i
=− + (2.102)
∂u ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x
A equação 2.101b pode ser escrita como
∂F ∂v ∂F ∂u ∂F ∂w
=− −
∂v ∂y ∂u ∂y ∂w ∂y
2.3. OPERADORES VETORIAIS EM OUTROS SISTEMAS DE COORDENADAS 177
K. D. Machado
ou, substituindo a equação 2.102,
∂F ∂v ∂u −1 h ∂F ∂v ∂F ∂w i ∂u ∂F ∂w
= + −
∂v ∂y ∂x ∂v ∂x ∂w ∂x ∂y ∂w ∂y
que fica
∂F ∂v ∂u −1 ∂F ∂v ∂u ∂u −1 ∂F ∂w ∂u ∂F ∂w
= + −
∂v ∂y ∂x ∂v ∂x ∂y ∂x ∂w ∂x ∂y ∂w ∂y
∂F ∂u −1 ∂u ∂v ∂v ∂u
−1
=− −
∂u ∂x ∂x ∂y ∂x ∂y
( )
∂w ∂u ∂w ∂u ∂v ∂u ∂v ∂v ∂u ∂w ∂F
× − + − (2.104)
∂x ∂y ∂y ∂x ∂x ∂x ∂y ∂x ∂y ∂x ∂w
∂u −1 ∂u ∂v ∂v ∂u
−1
− −
∂x ∂x ∂y ∂x ∂y
( )
∂w ∂u ∂w ∂u ∂v ∂u ∂v ∂v ∂u ∂w ∂F ∂u
× − + −
∂x ∂y ∂y ∂x ∂x ∂x ∂y ∂x ∂y ∂x ∂w ∂z
−1
∂u ∂v ∂v ∂u ∂w ∂u ∂w ∂u ∂F ∂v ∂F ∂w
+ − − + =0
∂x ∂y ∂x ∂y ∂x ∂y ∂y ∂x ∂w ∂z ∂w ∂z
K. D. Machado
( )
∂w ∂u ∂w ∂u ∂v ∂u ∂v ∂v ∂u ∂w ∂u
− + −
∂x ∂y ∂y ∂x ∂x ∂x ∂y ∂x ∂y ∂x ∂z
∂u ∂w ∂u ∂w ∂u ∂v ∂u ∂u ∂v ∂v ∂u ∂w
− − − − =0
∂x ∂x ∂y ∂y ∂x ∂z ∂x ∂x ∂y ∂x ∂y ∂z
ou
∂u ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w
− + +
∂x ∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y
∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w
− − − =0
∂z ∂y ∂x ∂x ∂z ∂y ∂y ∂x ∂z
de modo que achamos a equação
∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w
+ + − − − =0 (2.105)
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y ∂z ∂y ∂x ∂x ∂z ∂y ∂y ∂x ∂z
que deve ser satisfeita se F (u, v, w) = 0. Vamos calcular agora ∇u · ∇v × ∇w, mediante a equação ??,
∂u ∂u ∂u
∂x ∂y ∂z
∂v ∂v ∂v
∇u · ∇v × ∇w =
∂x ∂y ∂z
∂w ∂w ∂w
∂x ∂y ∂z
ou seja,
∇u · ∇v × ∇w =
∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w
+ + − − −
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y ∂z ∂y ∂x ∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y
ou ainda,
∇u · ∇v × ∇w =
∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w ∂u ∂v ∂w
+ + − − −
∂x ∂y ∂z ∂y ∂z ∂x ∂z ∂x ∂y ∂z ∂y ∂x ∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y
Comparando essa equação com a expressão 2.105, vemos que ocorre
∇u · ∇v × ∇w = 0 (2.106)
2.4. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE SÓLIDOS 179
K. D. Machado
quando há uma relação funcional F (u, v, w) = 0 entre u, v e w, conforme querı́amos demonstrar. Note que
o determinante
∂u ∂u ∂u
∂x ∂y ∂z
u, v, w ∂(u, v, x) ∂v ∂v ∂v
J = = (2.107)
x, y, z ∂(x, y, z) ∂x ∂y ∂z
∂w ∂w ∂w
Após apresentarmos os operadores e operações diferenciais vetoriais, vamos estudar algumas aplicações
envolvendo esse formalismo. Aqui é importante comentar que em vários problemas fı́sicos o uso de operações
vetoriais como gradientes, divergentes e rotacionais simplifica a escrita das equações e, em geral, torna mais
simples a interpretação dessas equações. Vamos apresentar algumas dessas aplicações e equações sem nos
preocuparmos, por hora, com deduções ou argumentações formais associadas a elas pois, em geral, tais
deduções envolvem, em muitos casos, integrações vetoriais, uso de teoremas vetoriais e também a idéia de
tensores, os quais serão vistos posteriormente ao longo do texto. Será feito referência, quando necessário, à
seção onde tais assuntos serão abordados novamente, de modo a guiar o leitor interessado em aprofundar-se
no tópico em discussão. Começamos, assim, com tópicos associados à Mecânica.
A esse processo pode-se associar uma grandeza fı́sica chamada trabalho, que tem uma definição dada
em termos de F~ e envolve o deslocamento feito pela partı́cula ao longo de C. Essa definição é
Z ~
r2
W= F~ · d~rC (2.109)
~
r1
onde d~rC é um vetor tangente à curva. Na seção ?? veremos como resolver efetivamente integrais desse
tipo. Por hora, apenas apresentaremos essa definição. Note que, em geral, espera-se que o trabalho realizado
180 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado z
F
C
drC
m
r1 rC
r2
durante o deslocamento da partı́cula de ~r1 a ~r2 dependa da trajetória C seguida por ela entre os pontos ~r1 e
~r2 , de modo que o trabalho W1 realizado seguindo a curva C1 deve, em princı́pio, ser diferente do trabalho
W2 realizado seguindo a curva C2 . Entretanto, para uma classe particular de forças, o trabalho realizado
independe da trajetória C escolhida, sendo função apenas dos pontos ~r1 e ~r2 . As forças que pertencem a
essa classe especial são chamadas de forças conservativas. Assim, se F~ for uma força conservativa, o trabalho
realizado para ir de um ponto ~r1 a um ponto ~r2 , ou seja,
Z ~
r2
W= F~ · d~rC , F~ conservativa
~
r1
Nesse caso, conforme veremos na seção ??, podemos definir uma grandeza escalar chamada energia potencial,
que está associada à força F~ conservativa por meio de
F~ = −∇U (2.111)
ou seja, a uma dada força conservativa existe uma energia potencial associada de tal modo que a força
corresponde ao gradiente negativo da energia potencial correspondente. Esta relação é bastante importante,
pois fornece um modo de obter a energia potencial a partir da expressão conhecida para a força. Além disso,
recordando a propriedade 2.34i,
∇ × ∇f = 0
válida para uma função escalar f , vemos que uma força F~ é conservativa se for irrotacional, pois
∇ × F~ = ∇ × (−∇U) = −∇ × ∇U = 0
Note que, fisicamente, uma força é conservativa quando o trabalho efetuado sobre uma partı́cula para ir da
posição ~r1 até ~r2 independe da trajetória executada pela partı́cula. Do ponto de vista matemático, forças
conservativas são irrotacionais. Vejamos alguns exemplos.
2.4. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE SÓLIDOS 181
K. D. Machado
Exemplo 2.30. A força gravitacional exercida pela Terra sobre um objeto de massa m situado em suas
proximidades pode ser escrita como
~ = −mg k̂
F (2.112)
onde o eixo z aponta na direção da vertical de prumo no local, com sentido para cima e g é o módulo da
aceleração gravitacional no local. Verifique se essa força é conservativa. Considere que a energia potencial
gravitacional U, nesse caso, seja dada por 5
k̂ mg = mg k̂
de modo que a relação 2.111 é satisfeita.
Exemplo 2.31. A força gravitacional produzida por uma partı́cula pontual de massa m1 sobre uma partı́cula
pontual de massa m2 situada a uma distância r de m1 é dada por ??,
F~ = − Gm1 m2 r̂
r2
onde G é a constante de gravitação universal e r̂ é um versor orientado de m1 para m2 , de modo que
coordenadas esféricas são apropriadas. Verifique se a força gravitacional é conservativa. Considerando que
a energia potencial gravitacional associada seja dada por
Gm1 m2
U(r) = − +k (2.114)
r
onde k é uma constante, verifique se a equação 2.111 é satisfeita por essa energia potencial 6 .
~ é conservativa, precisamos calcular seu rotacional. No exemplo 2.24 obtivemos a
Para verificar se F
expressão 2.88,
5 Obteremos essa expressão no exemplo ?? ao tratarmos de integrações vetorias de campos conservativos na seção ??.
6 Essa expressão também será obtida na seção ??, no exemplo ??.
182 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
∇ × [V (r) r̂] = 0
para o rotacional de uma função vetorial V~ (r) = V (r) r̂. A força gravitacional é uma função desse tipo, onde
Gm1 m2
V (r) = −
r2
de modo que ∇ × F~ = 0, e a força gravitacional é conservativa. Agora, podemos verificar a expressão 2.111,
∂f θ̂ ∂f φ̂ ∂f
∇f = r̂ + +
Análise Vetorial
∂r r ∂θ r sen θ ∂φ
Assim, temos
Gm1 m2 ? h ∂U θ̂ ∂U φ̂ ∂U i
− r̂ = − r̂ + +
r2 ∂r r ∂θ r sen θ ∂φ
ou
h ∂ θ̂ ∂ φ̂ ∂ i Gm1 m2 Gm m
? 1 2
r̂ + + − +k = r̂
∂r r ∂θ r sen θ ∂φ r r2
o que resulta em
Gm1 m2 Gm1 m2
r̂ = r̂
r2 r2
de modo que a equação 2.111 é satisfeita por 2.114.
Exemplo 2.32. No exemplo 1.15 iniciamos o estudo do movimento de uma partı́cula de massa m sujeita
a uma força central, do tipo F~ = F r̂. Lá vimos que o movimento é, na verdade, bidimensional, e que há
conservação do momento angular, o que, por sua vez, resulta na lei das áreas, ou segunda lei de Kepler.
Suponha agora que F~ seja função apenas da distância entre o objeto de massa m, que sente a força, e o
objeto de massa M , que produz a força. Assim, em polares F~ = F~ (ρ) = F (ρ) ρ̂. Mostre que, nesse caso, é
possı́vel obter uma solução formal para a equação da trajetória da partı́cula.
Antes de mais nada, é importante verificarmos que, sendo F~ = F (ρ) ρ̂, F~ é uma força conservativa.
O rotacional em coordenadas cilı́ndricas é dado pela expressão 2.59,
h 1 ∂V ∂Vθ i h ∂V ∂Vz i h∂ ∂Vρ i k̂
z ρ
∇ × V~ = − ρ̂ + − θ̂ + (ρVθ ) −
ρ ∂θ ∂z ∂z ∂ρ ∂ρ ∂θ ρ
Assim, para V~ = V~ (ρ) ρ̂, temos Vρ = V (ρ), Vθ = 0 e Vz = 0, de modo que achamos
∂V (ρ) ∂V (ρ) k̂
∇ × V~ = θ̂ −
∂z ∂θ ρ
ou
∇ × V~ = 0 (2.115)
válida para V~ = V (ρ) ρ̂, comprovando que F~ = F~ (ρ) é irrotacional. Conseqüentemente, de 2.111, temos
F~ = −∇U
2.4. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE SÓLIDOS 183
∂U dU
d2 ρ ℓ2
m − = F (ρ, θ; t)
dt2 mρ3
dθ ℓ
=
dt mρ2
d2 ρ ℓ2 dU
m 2
− =−
dt mρ3 dρ
ou
dU ℓ2
mρ̈ = − + (2.117)
dρ mρ3
Podemos escrever o último termo do lado direito acima mediante
ℓ2 ℓ2 1 d 1 d l2
= − = − (2.118)
mρ3 m 2 dρ ρ2 dρ 2mρ2
Utilizando 2.118 em 2.117, obtemos
dU d ℓ2
mρ̈ = − −
dρ dρ 2mρ2
ou
d ℓ2
mρ̈ = − U+ (2.119)
dρ 2mρ2
Vamos multiplicar a equação 2.119 por ρ̇, ou seja,
d ℓ2
mρ̇ρ̈ = −ρ̇ U+ (2.120)
dρ 2mρ2
Agora, vamos calcular
d mρ̇2 m dρ̇
= 2ρ̇ = mρ̇ρ̈ (2.121)
dt 2 2 dt
e
d ℓ2 d ℓ2 dρ d ℓ2
U+ = U + = ρ̇ U + (2.122)
dt 2mρ2 dρ 2mρ2 dt dρ 2mρ2
Reunindo as equações 2.121 e 2.122 em 2.120, achamos
184 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machadod mρ̇2 d ℓ2
=− U+
dt 2 dt 2mρ2
ou
d mρ̇2 d ℓ2
+ U+ =0
dt 2 dt 2mρ2
ou ainda,
mρ̇2 ℓ2
+U+ =k (2.124)
2 2mρ2
onde k é uma constante. Para identificá-la, considere a equação 1.333b,
dθ ℓ
=
dt mρ2
ou
ℓ = mρ2 θ̇
de modo que 2.124 fica
mρ̇2 m2 ρ4 θ̇2
+U+ =k
2 2mρ2
ou
~v = ρ̇ ρ̂ + ρθ̇ θ̂
Assim, v 2 torna-se
mv 2
+U=k
2
ou, como a energia cinética da partı́cula de massa m vale
mv 2
K=
2
2.4. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE SÓLIDOS 185
temos
K. D. Machado
K+U=k
A soma da energia cinética com a energia potencial fornece a energia mecânica E do sistema, de modo que
k = E. Temos, então,
K+U =E (2.127)
mρ̇2 ℓ2
+U+ =E
2 2mρ2
ou
mρ̇2 ℓ2
=E−U−
2 2mρ2
ou ainda,
2 ℓ2
ρ̇2 = E−U−
m 2mρ2
que fica
s
dρ 2 ℓ2
ρ̇ = = E−U−
dt m 2mρ2
e que pode ser formalmente integrada, para dar
Z ρ
Z t
dρ
dt = s
0 2 ℓ2
ρ0 E−U−
m 2mρ2
ou
Z ρ
dρ
t= s (2.128)
2 ℓ2
ρ0 E−U−
m 2mρ2
Essa é a solução formal para a equação de movimento que descreve o movimento da partı́cula. Se for possı́vel
resolvê-la, obteremos t = t(ρ), a qual pode, em princı́pio, ser invertida para dar ρ = ρ(t). De posse desta,
voltamos à equação 1.333b,
dθ ℓ
=
dt mρ2
e integramos novamente, para encontrar θ = θ(t). Note que apenas em alguns casos particulares é possı́vel
proceder desse modo, devido à complexidade das integrais.
186 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Continuando com sistemas mecânicos formados por partı́culas, considere agora um corpo rı́gido, que
executa uma rotação em torno de um eixo fixo no espaço com uma velocidade angular ~ω . Definindo um
sistema de referência com uma origem O′ situada sobre esse eixo, e girando juntamente com o corpo rı́gido,
temos que a velocidade de um dado ponto do corpo rı́gido medida num referencial inercial O, coincidente
com O′ , é dada por 1.153,
∇ × ~v = ∇ × (~ω × ~r ′ )
Desenvolvendo o produto vetorial utilizando a identidade 2.34g, temos
∇ × ~v = 2~ω (2.130)
de modo que
1
∇ × ~v
~ω = (2.131)
2
Essa expressão indica que o rotacional de um campo vetorial está associado a propriedades rotacionais desse
campo, justificando o nome rotacional. Vejamos agora alguns aspectos associados com a mecânica de fluidos.
2.5.1
K. D. Machado
Equação da Continuidade
Talvez a mais importante das equações relacionadas a fluidos seja a que estabelece a lei de conservação
de massa para um fluido. Para obtermos essa equação, vamos considerar um elemento de volume de forma
paralelepipédica, de volume fixo dV = dxdydz, imerso no fluido, como mostra a figura 2.18.
z
dm
̺= (2.132)
dV
onde dm é um elemento de massa, que ocupa um volume correspondente dV . Sendo assim, podemos escrever
dm = ̺ dV
Agora, considere que o fluido em que o elemento de volume dV da figura 2.18 está imerso move-se, e a
velocidade ~v do fluido é um campo vetorial dado por ~v = ~v (~r, t) = ~v (x, y, z, t). Além disso, a densidade do
fluido também é uma função do tipo ̺ = ̺(~r, t) = ̺(x, y, z, t). Pela figura, a origem situa-se no centro do
paralelepı́pedo, e a densidade nesse ponto, num instante de tempo t, vale ̺(0, t) = ̺0 (t). Quando t passa de
t para t + dt, uma certa quantidade de massa de fluido passa através das paredes do elemento de volume,
e isso altera a quantidade de massa que estava inicialmente dentro do elemento de volume no tempo t.
Para equacionarmos o que ocorre, vamos considerar duas quantidades infinitesimais de massa de fluido que
movem-se através das paredes ABCD e EFGH do elemento de volume dV da figura 2.18. A massa que
passa pela parece ABCD é representada por δm1 , e que passa por EFGH, por δm2 . A figura 2.19 mostra
essas massas em mais detalhes.
ou ainda,
δm1 = (̺vy )y=− dy dxdz dt (2.134)
2
Essa é a massa que entra pela face ABCD no intervalo de tempo dt. Considerando que o produto ̺vy pode
ser expandido em série de Taylor, temos
188 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado z
dy2 dm2
C G
dy1
H dz
D
B
E
Análise Vetorial
A dx
dy
x
Figura 2.19: Massas δm1 e δm2 que atravessam
as paredes paralelas ao plano xz do
elemento de volume dV da figura 2.18.
dy h ∂ i
(̺vy )y=− dy = (̺vy )y=0 − (̺vy ) (2.135)
2 2 ∂y y=0
ou
dy h ∂ i
δm1 = (̺vy )y=0 dxdz dt − (̺vy ) dxdz dt (2.136)
2 ∂y y=0
ou ainda,
δm2 = (̺vy )y= dy dxdz dt (2.138)
2
Essa é a massa que passa através da parede EFGH do elemento de volume dV , para fora dele. Como antes,
podemos expandir ̺vy em série de Taylor, e achar
dy h ∂ i
(̺vy )y= dy = (̺vy )y=0 + (̺vy ) (2.139)
2 2 ∂y y=0
ou
K. D. Machado
dy h ∂ i
δm2 = (̺vy )y=0 dxdz dt + (̺vy ) dxdz dt (2.140)
2 ∂y y=0
Agora, temos que a variação que ocorre na massa dentro do elemento de volume dV , devida à entrada
de δm1 e saı́da de δm2 , vale
δy m = δm2 − δm1
dy h ∂ i
δy m = (̺vy )y=0 dxdz dt + (̺vy ) dxdz dt
2 ∂y y=0
dy h ∂ i
− (̺vy )y=0 dxdz dt − (̺vy ) dxdz dt
2 ∂y y=0
que fica
h∂ i
δy m = (̺vy ) dxdydz dt
∂y y=0
ou, lembrando que dV = dxdydz, e que as grandezas são calculadas na origem, de modo que podemos
simplificar a notação,
∂
δy m = (̺vy ) dV dt (2.141)
∂y
Essa equação expressa a variação de massa de fluido dentro do elemento de volume dV causada pela entrada
de massa pela parede ABCD e saı́da pela parede EFGH, durante um intervalo de tempo dt. Note que um
valor positivo dessa grandeza indica que mais massa saiu do elemento de volume pela parede EFGH do
que entrou pela parede ABCD, de modo que essa grandeza é positiva quando a massa dentro do elemento
de fluido diminui. Essas massas passam através das duas paredes por causa de seu movimento na direção
y, pois o movimento que elas executam nas direções x e z não produzem passagem de massa pelas paredes
paralelas ao plano xz. Consequentemente, se repetirmos o cálculo para as paredes paralelas aos planos xy e
yz, teremos expressões semelhantes para a massa que passa através dessas paredes, ou seja, para movimento
na direção x, através das paredes AEHD e BFGC, temos
∂
(̺vx ) dV dt
δx m = (2.142)
∂x
e, para um movimento do fluido na direção z, através das paredes AEFB e DHGC, achamos
∂
δz m =
(̺vz ) dV dt (2.143)
∂z
de modo que a variação total de massa que ocorre no elemento de fluido dV no intervalo de tempo dt é dado
pela soma das equações 2.141–2.143, ou seja,
δm = δy m + δx m + δz m
ou
∂ ∂ ∂
δm = (̺vy ) dV dt + (̺vx ) dV dt + (̺vz ) dV dt
∂y ∂x ∂z
que pode ser escrita como
190 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
h ∂ ∂ ∂ i
δm = (̺vx ) + (̺vy ) + (̺vz ) dV dt (2.144)
∂x ∂y ∂z
Agora, considere a função vetorial
∂̺
dm(t + dt) = ̺(t)dV + dV dt (2.147)
∂t
Agora, temos que a variação ∆m que ocorre entre as massas dentro do elemento de volume entre os instantes
t e t + dt vale
∂̺
∆m = ̺(t)dV + dV dt − ̺(t) dV
∂t
ou seja,
∂̺
∆m = dV dt (2.148)
∂t
Devemos em seguida considerar as expressões 2.145 e 2.148. Se ∆m é positiva, isso indica que o elemento de
volume ganhou massa no intervalo de tempo dt, e isso corresponde a um δm negativo, de mesmo valor em
módulo. Se o elemento de volume perdeu massa, δm é positivo enquanto ∆m é negativo, de mesmo valor
em módulo. Sendo assim, temos a relação
∆m = −δm
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 191
ou
K. D. Machado
∂̺
dV dt = −∇ · (̺~v )dV dt
∂t
que fica
∂̺
+ ∇ · (̺~v ) = 0 (2.149)
∂t
∂̺
+ ∇ · J~ = 0 (2.151)
∂t
e tem uma interpretação razoavelmente direta. Se num dado ponto há um fluxo de matéria saindo desse
ponto, de modo que o divergente de J~ é positivo, a consequência imediata é que a densidade nesse ponto
diminui com o tempo, o que faz com que ∂̺∂t seja negativa. Por outro lado, se massa se concentra num dado
ponto, a densidade nesse local aumenta com o passar do tempo, e isso está associado com um divergente
negativo de J~ .
A equação 2.149 pode ser reescrita de outra forma. Primeiro, considerando a identidade 2.34d, temos
∇ · (̺~v ) = ∇̺ · ~v + ̺∇ · ~v
Além disso, da expressão 2.93, tiramos
d̺ ∂̺
= + ~v · ∇̺
dt ∂t
Reunindo essas duas equações em 2.149, ficamos com
d̺
− ~v · ∇̺ + ∇̺ · ~v + ̺∇ · ~v = 0
dt
ou
d̺
+ ̺∇ · ~v = 0 (2.152)
dt
que pode também ser escrita como
1 d̺
∇ · ~v = − (2.153)
̺ dt
de modo que ∇ ·~v pode ser interpretado como dando o negativo da taxa relativa de crescimento da densidade
̺, ou então dando a taxa de decrescimento da densidade num dado ponto. Se o fluido tem densidade constante,
ou seja, é um fluido incompressı́vel, então ocorre d̺
dt = 0, o que faz com que ocorra
∇ · ~v = 0 (2.154)
e o campo de velocidades do fluido é solenoidal. A grandeza
D = ∇ · ~v (2.155)
é chamada dilatação, e, para um fluido incompressı́vel, a dilatação D é nula.
192 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Um escoamento estacionário é caracterizado por ser aquele em que a densidade do fluido e a velocidade
em um dado ponto não são funções explı́citas do tempo, apenas da posição ~r. Nesse caso, ∂̺
∂t = 0, e a equação
da continuidade 2.151 fornece
∇ · J~ = 0 (2.156)
Assim, um escoamento estacionário é caracterizado por ter uma densidade de corrente J~ solenoidal. Como
J~ = ̺~v , temos, para escoamento estacionário,
~v · ∇̺ = −̺∇ · ~v (2.157)
Note que essa é uma equação diferencial que relaciona ̺ e ~v . Vejamos alguns exemplos de aplicação.
~v = axtı̂ + byt2 ĵ
onde a e b são constantes e t é o tempo. Obtenha a densidade do fluido, considerando que em t = 0 ela vale
̺(0) = ̺0 , sendo ̺0 uma constante. Esse fluido é incompressı́vel?
Para determinar se o fluido é incompressı́vel, vamos calcular a dilatação D dada pela equação 2.155,
ou seja,
∂ ∂
D = ∇ · ~v = ı̂ + ĵ · (axtı̂ + byt2 ĵ)
∂x ∂y
que fica
D = at + bt2
Como D é não-nulo, o fluido é compressı́vel. Utilizando agora a equação de continuidade na forma dada
em 2.153, temos
1 d̺
∇ · ~v = −
̺ dt
ou, como o lado esquerdo corresponde à dilatação D,
1 d̺
= −(at + bt2 )
̺ dt
Reescrevendo, temos
d̺
= −(at + bt2 )dt
̺
e, integrando essa expressão, achamos
Z ̺ Z t
d̺
=− (at + bt2 )dt
̺0 ̺ 0
ou
̺ at2 bt3
ln =− +
̺0 2 3
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 193
que fica
K. D. Machado
̺ at2 bt3
= e−( 2 + 3 )
̺0
ou
at2 3
+ bt3 )
̺ = ̺0 e−( 2
Exemplo 2.34. Um fluido em escoamento estacionário tem um campo de velocidades dado por
Análise Vetorial
a x a y
~v = 1+ 2 ı̂ + ĵ
̺ x + y2 ̺ x2 + y 2
Este fluido satisfaz a equação de continuidade? Onde ficam os pontos de estagnação, isto é, os pontos onde
~v = 0?
Como o fluido está em escoamento estacionário, ele deve satisfazer a equação 2.156,
∇ · J~ = 0
onde J~ = ̺~v . Nesse caso, temos
x ay
J~ = a 1 + 2 2
ı̂ + 2 ĵ (2.158)
x +y x + y2
Vamos agora usar o Maple para efetuar os cálculos necessários. Iniciamos com
> with(plots):
> with(Student[VectorCalculus]):
e, em seguida, definimos o campo vetorial J~, mediante
> J:=VectorField(<a*(1+(x/(x**2+y**2))),a*y/(x**2+y**2)>);
x ay
J := a (1 + 2 ) êx + 2 êy
x + y2 x + y2
É interessante visualizarmos o campo vetorial J~. Para isso, utilizamos o Maple, mediante o comando
fieldplot, ou seja,
> fieldplot(subs(a=1,J),x=-2..1,y=-1..1,arrows=THICK,grid=[6,6]);
onde substituı́mos o parâmetro a por um valor numérico (a = 1), para poder obter o gráfico vetorial, que é
mostrado na figura 2.20.
Agora, podemos verificar se o escoamento é estacionário, mediante o cálculo do divergente de J~, ou seja,
> simplify(Nabla . J);
0
Como ∇ · J~ = 0, temos um escoamento estacionário. Os pontos de estagnação são aqueles em que ~v = 0.
Então, inicialmente definimos ~v , mediante
> v:=J/rho;
x
a (1 + )
x2 + y 2 ay
v := êx + êy
ρ ρ (x2 + y 2 )
194 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado 1,0
y
0,5
x
Análise Vetorial
K0,5
K1,0
Agora, utilizamos o comando solve para obter os pontos de estagnação, isto é,
> solve({v[1]=0,v[2]=0},{x,y});
{y = 0, x = −1}
de modo que em P(−1, 0), temos o ponto de estagnação, onde ~v = 0.
∇ · ~v = 0
que, em retangulares em duas dimensões, fica
∂vx ∂vy
+ =0
∂x ∂y
ou seja,
∂vx ∂
= − (2 senh y)
∂x ∂y
ou
∂vx
= −2 cosh y
∂x
que pode ser integrada, para dar
Z Z
∂vx = − 2 cosh y ∂x
ou
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 195
K. D. Machado
vx = −2x cosh y + f (y)
Como em x = 0 temos vx = cosh y, temos
vx (x = 0) = f (y) = cosh y
de modo que
0,5
196 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Exemplo 2.36. Um escoamento tridimensional de um fluido incompressı́vel é descrito por
v = A (1 − e−aρ2 )
θ
ρ
vz = 3az
onde a e A são constantes. Obtenha o campo de velocidades desse escoamento.
O escoamento acima está descrito em coordenadas cilı́ndricas, de modo que, como ∇ · ~v = 0, pois o
1 ∂(ρvρ )
= −3a
ρ ∂ρ
que, integrada, resulta em
Z Z
∂(ρvρ ) = − 3aρ ∂ρ
ou
3aρ2
ρvρ = − + f (θ, z)
2
ou ainda,
3aρ f (θ, z)
vρ = − +
2 ρ
Note que vρ , em ρ = 0, ou seja, no eixo de rotação, não pode ser infinita por razões fı́sicas, de modo que
devemos ter f (θ, z) = 0. Então,
3aρ
vρ = −
2
e
3aρ A 2
~v = − ρ̂ + (1 − e−aρ ) θ̂ + 3az k̂ (2.160)
2 ρ
Podemos visualizar esse campo vetorial mediante o uso do Maple. Iniciamos com
> with(plots):
> with(Student[VectorCalculus]):
seguido pela definição das coordenadas cilı́ndricas
> SetCoordinates(’cylindrical’[rho,theta,z]);
cylindrical ρ, θ, z
Agora, definimos o campo vetorial. Aqui, usamos a = 1 e A = 1 na equação 2.160.
> v:=VectorField(<-3*rho/2,(1-exp(-rho**2))/rho,3*z>);
2
3ρ 1 − e(−ρ )
v := − êρ + êθ + 3 z êz
2 ρ
Para visualizarmos o campo vetorial, utilizamos o comando fieldplot3d, isto é,
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 197
>
>
K. D. Machado
fieldplot3d(v,rho=0..2,theta=0..2*Pi,z=-1..1, grid=[6,8,9],
coords=cylindrical, arrows=THICK, orientation=[25,75],
> axes=normal, tickmarks=[0,0,0]);
o que resulta na figura 2.22.
C G
H dz
D
B F y
A E
dx
dy
x
Note que, apesar das figuras 2.18 e 2.23 serem similares, há uma importante diferença entre elas. Na
figura 2.18, o elemento de volume dV é fixo no espaço, e o fluido passa por ele, enquanto que na figura 2.23,
198 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
o elemento de volume dV corresponde a uma porção de fluido, que eventualmente se move com o passar do
tempo. O elemento de fluido dV está sujeito à pressão exercida pelo fluido que o circunda, e então o fluido
circundante exerce forças sobre dV . Considerando o que ocorre na direção y, temos as forças mostradas na
figura 2.24, exercidas pelo fluido circundante.
É interessante notar que, como o fluido está sendo considerado como ideal, sem viscosidade, não há atrito interno entre partes
do fluido nem entre o fluido e as eventuais superfı́cies sólidos com as quais ele está em contato, de modo que, na figura 2.24, não há
passam a existir, e devem ser levadas em conta na determinação da força resultante sobre o elemento de volume dV . Efetuaremos tal
Análise Vetorial
procedimento na seção ??.
C G
H dz
D dF2
B F
dF1 y
A E dx
dy
Seguindo a mesma idéia utilizada na obtenção da equação da continuidade, vamos considerar o que
ocorre nas faces ABCD e EFGH. A resultante das forças é dada por
f
P= (2.162)
A
Assim, podemos escrever
f = PA
Consequentemente, como no nosso caso a área é dada por dA = dxdz, obtemos
dF1 = P1 dxdz
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 199
e
K. D. Machado
dF2 = P2 dxdz
onde P1 = P(y = − dy
2 )
e P2 = P(y = dy
2 ).
Considerando que a pressão no centro do elemento de volume, na
origem, vale P0 , podemos expandir em série de Taylor essas pressões, para obter
dy h ∂P i
P1 = P0 −
∂P
dF~y = −dV ĵ (2.165)
∂y
Essa é a força produzida na direção y. Considerando agora as outras duas direções, encontramos
∂P
dF~x = −dV ı̂ (2.166)
∂x
e
∂P
dF~z = −dV
k̂ (2.167)
∂z
de modo que a força total exercida pelo fluido sobre o elemento de volume dV é dada pela soma das equa-
ções 2.165–2.167, ou seja,
∂P ∂P ∂P
dF~ = −dV ı̂ − dV ĵ − dV k̂
∂x ∂y ∂z
ou
200 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado h ∂P ∂P ∂P i
dF~ = −dV ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
e, recordando a expressão 2.8 para o gradiente de uma função f ,
∂f ∂f ∂f
∇f = ı̂ + ĵ + k̂
∂x ∂y ∂z
achamos, para a força F~ produzida pelo fluido circundante sobre o elemento de volume de fluido dV ,
dF~t = dF~ + dR
~
O elemento de volume dV tem uma certa massa, dada por
dm = ̺ dV (2.169)
Esta massa, sujeita à força resultante dF~t , adquire uma aceleração, de modo que podemos escrever
d~v
dF~t = dm
dt
ou
d~v
dm = dF~ + dR
~
dt
ou ainda, substituindo 2.168,
d~v ~
dm = −dV ∇P + dR
dt
Podemos escrever também
d~v dV ~
dR
=− ∇P + (2.170)
dt dm dm
Vamos definir a força resultante externa por unidade de massa como sendo
~
~ = dR
F (2.171)
dm
Utilizando as equações 2.169 e 2.171 em 2.170, além de 2.132, obtemos
d~v ∇P
= ~F − (2.172)
dt ̺
que é a equação de Euler para fluidos não-viscosos. Utilizando a expressão 2.95 para a velocidade ~v , temos
d~v ∂~v
= + (~v · ∇)~v
dt ∂t
que, substituı́da na equação 2.172, fornece
∂~v ~ − ∇P
+ (~v · ∇)~v = F (2.173)
∂t ̺
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 201
K. D. Machado
que é outra forma da equação de Euler. Note que, para um escoamento estacionário, ~v não é função explı́cita
de t, de modo que ∂~ v
∂t = 0 na equação acima. Podemos aplicar a equação de Euler a uma situação de grande
interesse, como segue.
Exemplo 2.37. Considere uma situação hidrostática, onde uma certa quantidade de fluido em repouso está
sujeita ao seu próprio peso, causado por um campo gravitacional uniforme. Determine a equação de Euler
para esse fluido, e a resolva, se possı́vel.
Considerando que o fluido está numa situação hidrostática, ele está em equilı́brio com velocidade
~ = ∇P
F (2.174)
Análise Vetorial
̺
~ = dm ~g, de
e, como a força externa é uma força gravitacional, correspondendo ao peso do fluido, temos dR
~
modo que a força externa por unidade de massa vale F = ~g . Assim, a equação 2.174 fica
∇P = ̺~g (2.175)
Se o fluido for incompressı́vel, então ̺ é uma constante, e essa equação pode ser integrada. Definindo um
sistema de eixos de modo que o eixo z coincida com a direção de ~g, mas tenha sentido positivo para cima,
temos ~g = −g k̂. Nesse caso, achamos
∂P ∂P ∂P
ı̂ + ĵ + k̂ = −̺g k̂
∂x ∂y ∂z
de onde vemos que P independe de x ou y, e que
∂P
= −̺g (2.176)
∂z
Supondo que a origem dos eixos seja colocada na superfı́cie livre do fluido, onde a pressão vale P0 , obtemos,
mediante uma integração,
Z P Z z
∂P = − ̺g ∂z
P0 0
ou
P − P0 = −̺gz
ou ainda,
P = P0 − ̺gz (2.177)
que é uma conhecida equação da hidrostática, chamada de teorema de Stévin.
Se a densidade ̺ não for constante, isto é, o fluido não é incompressı́vel, então a equação 2.175 ainda é válida mas não pode
imediatamente integrada. Mas, se o fluido, além de equilı́brio mecânico, estiver em equilı́brio térmico, então ela pode ser manipulada
dG = −S dT + V dP (2.178)
onde G é o potencial termodinâmico de Gibbs. Dividindo essa equação pela massa do sistema considerado, obtemos grandezas por
1
dG = −S dT + dP (2.179)
̺
202 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
onde G é o potencial de Gibbs por unidade de massa e S é a entropia por unidade de massa. No equilı́brio térmico, T é constante e
achamos
dP
dG = (2.180)
̺
podemos escrever
Análise Vetorial
dG = ∇G · d~
r dP = ∇P · d~
r
∇P · d~
r
∇G · d~
r=
̺
ou
h ∇P i
∇G − · d~
r=0
̺
∇P
∇G = (2.181)
̺
~
g = −∇G (2.182)
G = gz (2.183)
∇G = −∇G
ou
∇(G + G ) = 0
G+G =k
ou
G + gz = k (2.184)
K. D. Machado
Podemos obter uma terceira forma da equação de Euler, se calcularmos ∇(v 2 ). Temos que
∇(v 2 ) = ∇(~v · ~v )
e, utilizando a identidade 2.34h,
1
(~v · ∇)~v = ∇(v 2 ) − ~v × (∇ × ~v ) (2.185)
2
Substituindo a equação 2.185 na 2.173, achamos
∂~v 1 ~ − ∇P
+ ∇(v 2 ) − ~v × (∇ × ~v ) = F
∂t 2 ̺
ou, rearranjando termos,
2
∂~v ~ − ∇P − ∇ v
− ~v × (∇ × ~v ) = F (2.186)
∂t ̺ 2
A grandeza
ξ~ = ∇ × ~v (2.187)
é chamada vorticidade do fluido, e ela está associada com as propriedades rotacionais do fluido. Quando
ξ~ = 0 em todo o fluido, diz-se que o fluido é irrotacional, e nesse caso, dada a propriedade 2.34i,
∇ × ∇f = 0
temos que ~v pode ser escrito como
~v = ∇V (2.188)
onde V é uma função escalar que faz o papel de potencial escalar para a velocidade do fluido. Nesse caso, o
fluxo de fluido é chamado de fluxo potencial, e o tratamento matemático do escoamento pode ser simplificado.
Voltando à equação 2.186, e introduzindo 2.187 e trocando a ordem em que o produto vetorial que envolve
ξ~ é feita, temos
2
∂~v ~ ~ − ∇P − ∇ v
+ ξ × ~v = F (2.189)
∂t ̺ 2
Vamos agora tomar o rotacional dessa expressão, ou seja,
2
∇×
∂~v ~ − ∇ × ∇P − ∇ × ∇ v
+ ∇ × (ξ~ × ~v ) = ∇ × F (2.190)
∂t ̺ 2
204 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Considerando novamente a propriedade 2.34i, vemos que o último termo do lado direito se anula. O primeiro
termo do lado esquerdo envolve uma derivação com relação ao tempo e derivações espaciais, as quais são
independentes entre si, de modo que podemos escrever
∂~v ∂
∇× = (∇ × ~v )
∂t ∂t
Então,
∇ × (f V~ ) = ∇f × V~ + f ∇ × V~
de modo que temos
1 1 1
∇× ∇P = ∇ × ∇P + ∇ × ∇P
̺ ̺ ̺
e, utilizando novamente a identidade 2.34i,
1 1
∇× ∇P = − 2 ∇̺ × ∇P
̺ ̺
Assim, voltando em 2.191,
∂ ~ + 1 ∇̺ × ∇P
(∇ × ~v ) + ∇ × (ξ~ × ~v ) = ∇ × F
∂t ̺2
~ por unidade de massa for uma força conservativa, então ∇ × F
Se a força resultante F ~ = 0, e temos
∂ 1
(∇ × ~v ) + ∇ × (ξ~ × ~v ) = 2 ∇̺ × ∇P (2.192)
∂t ̺
~ pode ser escrita como
Nesse caso, F
~ = −∇U
F (2.193)
onde U é uma energia potencial por unidade de massa, e a equação de Euler na forma 2.173 torna-se
∂~v ∇P
+ (~v · ∇)~v = −∇U − (2.194)
∂t ̺
Por sua vez, a equação de Euler na forma 2.172 fica
d~v ∇P
= −∇U − (2.195)
dt ̺
enquanto a expressão 2.189 fica sendo
∂~v ~ ∇P v2
+ ξ × ~v = −∇U − −∇ (2.196)
∂t ̺ 2
É interessante notar que, para fluidos ideiais, em que a viscosidade é nula e não há trocas de calor entre partes do fluido, há
dQ
¯ = T dS (2.197)
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 205
K. D. Machado
onde S é a entropia do sistema, T sua temperatura absoluta e dQ
¯ a quantidade de calor trocada durante um processo em que ocorre
uma variação dS na entropia do sistema. Note que, da mesma forma que o trabalho infinitesimal considerado na seção 2.4 (ver pág. ??),
só faz sentido falar em fluxo de calor durante um processo termodinâmico entre dois estados, um inicial e um final. Dividindo essa
dQ
¯ = T dS (2.198)
massa. Como estamos considerando um fluido ideal, em que não há trocas de calor, temos
Análise Vetorial
dQ
¯ =0 (2.199)
dS = 0
dS
=0 (2.200)
dt
Assim, as partı́culas do fluido, em seu movimento, se comportam de tal forma que a equação 2.200 é satisfeita. Lembrando a relação 2.93,
temos
dS ∂S
= +~
v · ∇S
dt ∂t
ou
∂S
+~
v · ∇S = 0 (2.201)
∂t
que é mais uma equação associada à fluidos ideais, conhecida como equação adiabática. Ela pode ser reescrita na forma de uma equação
∂ ∂̺ ∂S
(̺S) = S+̺
∂t ∂t ∂t
∂ ∂S
(̺S) = −S∇ · J~ + ̺
∂t ∂t
∂
(̺S) = −S∇ · J~ − ̺~
v · ∇S
∂t
ou
∂
(̺S) = −S∇ · J~ − J~ · ∇S (2.202)
∂t
∇ · (SJ~) = ∇S · J~ + S∇ · J~
K. D. Machado ∂
(̺S) = −∇ · (SJ~) (2.203)
∂t
ou
∂
(̺S) = −∇ · (̺S~
v)
∂t
ou ainda,
É importante notar que a equação 2.200 não implica que todas as partı́culas de fluido tenham a mesma entropia, e sim que ela
varia no tempo e no espaço como mostra a equação 2.201. Se, entretanto, ocorrer que S tem o mesmo valor para qualquer ponto do
fluido, então diz-se que o escoamento é isentrópico, e caracterizado pelo valor constante de S. Nesse caso particular, podemos utilizar
dH = T dS + V dP (2.205)
onde H é a função termodinâmica entalpia. Considerando grandezas por unidade de massa, temos
1
dH = T dS + dP (2.206)
̺
dP
dH = (2.207)
̺
df = ∇f · d~
r
dH = ∇H · d~
r dP = ∇P · d~
r
∇P · d~
r
∇H · d~
r=
̺
ou
h ∇P i
∇H − · d~
r=0
̺
e, como d~
r é qualquer, devemos ter
∇P
∇H = (2.208)
̺
∂
v ) + ∇ × (ξ~ × ~
(∇ × ~ ~ − ∇ × (∇H)
v ) = ∇×F
∂t
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 207
K. D. Machado
e, usando também a identidade 2.34i,
∂
v ) + ∇ × (ξ~ × ~
(∇ × ~ ~
v ) = ∇× F (2.209)
∂t
~ for conservativa, então essa equação de Euler torna-se
Se F
∂
v ) + ∇ × (ξ~ × ~
(∇ × ~ v) = 0 (2.210)
∂t
Se o fluido não for isentrópico, então S não tem o mesmo valor em todos os pontos do fluido. Nesse caso, podemos obter uma
Análise Vetorial
relação interessante a partir da equação 2.192, efetuando o produto escalar dessa equação com ∇S, ou seja,
∂ 1
∇S · v ) + ∇S · ∇ × (ξ~ × ~
(∇ × ~ v ) = 2 ∇S · ∇̺ × ∇P (2.211)
∂t ̺
1
Agora, devemos lembrar que ̺ ∝ V e P, do ponto de vista termodinâmico, é uma função de S e V . Portanto, podemos escrever também
S = S(̺, P), de modo que existe uma função F (S, ̺, P) = 0, ou seja, há uma relação funcional entre S, ̺ e P. No exemplo 2.29 vimos
F (u, v, w) = 0 ⇔ ∇u · ∇v × ∇w = 0
∇S · ∇̺ × ∇P = 0 (2.212)
~
∂ξ
∇S · + ∇S · ∇ × (ξ~ × ~
v) = 0 (2.213)
∂t
onde usamos a definição 2.187 para a vorticidade. Considere agora a identidade 2.34f,
∇ · (V~ × U~ ) = U~ · (∇ × V~ ) − V~ · (∇ × U~ )
∇ · [∇S × (ξ~ × ~
v )] = (ξ~ × ~
v ) · (∇ × ∇S) − ∇S · ∇ × (ξ~ × ~
v)
e, usando 2.34i,
∇ · [∇S × (ξ~ × ~
v )] = −∇S · ∇ × (ξ~ × ~
v) (2.214)
~
∂ξ
∇S · − ∇ · [∇S × (ξ~ × ~
v )] = 0 (2.215)
∂t
a × (~b × ~
~ c) = (~ c)~b − (~
a·~ a · ~b)~
c
K. D. Machado
∇S × (ξ~ × ~ v )ξ~ − (∇S · ξ~ )~
v ) = (∇S · ~ v
~
∂ξ
∇S · v )ξ~ − (∇S · ξ~ )~
− ∇ · [(∇S · ~ v] = 0
∂t
ou
∇ · (f V~ ) = ∇f · V~ + f ∇ · V~
v )ξ~ ] = ∇(∇S · ~
∇ · [(∇S · ~ v ) · ξ~ + (∇S · ~ ~
v )∇ · ξ (2.217)
∇ · [(∇S · ξ~ )~ ~) · ~
v ] = ∇(∇S · ξ v + (∇S · ξ~ )∇ · ~
v (2.218)
~
∂ξ
∇S · v ) · ξ~ − (∇S · ~
− ∇(∇S · ~ v )∇ · ξ~ + ∇(∇S · ξ
~) · ~ ~ )∇ · ~
v + (∇S · ξ v=0
∂t
ξ~ = ∇ × ~
v
e, por 2.34j,
∇ · (∇ × V~ ) = 0
achamos
~
∂ξ
∇S · v ) · ξ~ + ∇(∇S · ξ~ ) · ~
− ∇(∇S · ~ v + (∇S · ξ~ )∇ · ~
v=0
∂t
∂S
= −~
v · ∇S
∂t
e então,
~
∂ξ ∂S
∇S · +∇ · ξ~ + ~
v · ∇(∇S · ξ~ ) + (∇S · ξ~ )∇ · ~
v=0 (2.219)
∂t ∂t
∂ ∂∇S ~ ~
∂ξ
(∇S · ξ~ ) = · ξ + ∇S ·
∂t ∂t ∂t
Trocando a ordem da derivação temporal com a espacial no primeiro termo do lado direito, temos
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 209
K. D. Machado ∂ ∂S ~
∂ξ
(∇S · ξ~ ) = ∇ · ξ~ + ∇S · (2.220)
∂t ∂t ∂t
∂
(∇S · ξ~ ) + ~
v · ∇(∇S · ξ~ ) + (∇S · ξ~ )∇ · ~
v=0 (2.221)
∂t
~ temos
Aplicando a relação 2.93 para ∇S · ξ,
1 d̺
∇·~
v=−
̺ dt
d 1 d̺
(∇S · ξ~ ) − (∇S · ξ~ ) = 0 (2.222)
dt ̺ dt
Calculemos agora
d ∇S · ξ
~ 1 d ~ ) − 1 d̺ (∇S · ξ~ )
= (∇S · ξ
dt ̺ ̺ dt ̺2 dt
ou
d ∇S · ξ~ 1 d ~ ) − 1 d̺ (∇S · ξ~ )
= (∇S · ξ
dt ̺ ̺ dt ̺ dt
d ∇S · ξ~
=0 (2.223)
dt ̺
~
∇S·ξ
que é a equação procurada. Ela estabelece uma lei de conservação para a grandeza ̺ , que permanece constante para cada partı́cula
K. D. Machado dP ∂P dP ∂P dP ∂P
∇P = ı̂ + ĵ + k̂
dP ∂x dP ∂y dP ∂z
ou então, usando 2.225,
1 ∂P ∂P ∂P
∇P = ı̂ + ĵ + k̂
̺ ∂x ∂y ∂z
∇P
∇P = (2.226)
̺
Análise Vetorial
∂~v
+ (~v · ∇)~v = −∇U − ∇P
∂t
ou
∂~v
+ (~v · ∇)~v = −∇(U + P) (2.227)
∂t
Por sua vez, a equação de Euler na forma 2.195 fica
d~v
= −∇U − ∇P
dt
ou
d~v
= −∇(U + P) (2.228)
dt
Vejamos agora uma aplicação interessante dessa equação.
Exemplo 2.38. Considere um recipiente cilı́ndrico, contendo um fluido piezotrópico, situado próximo à
superfı́cie da Terra. O eixo do recipiente coincide com a vertical de prumo no local, e está inicialmente
parado. Esse recipiente é então girado, até atingir uma velocidade angular ~ω, que é mantida constante.
Determine uma relação para a pressão P num ponto qualquer do fluido e as coordenadas desse ponto quando
o fluido atinge a situação estacionária dentro do recipiente. Obtenha também a equação que representa a
curva que a superfı́cie do fluido descreve na situação estacionária. Considere que a origem do sistema de
coordenadas esteja colocada no eixo do recipiente e coincide com a superfı́cie do fluido nesse ponto, como
mostra a figura 2.25, e que o fluido tenha uma viscosidade muito pequena.
Para que possamos relacionar a pressão com as coordenadas, devemos partir para a resolução da
equação de movimento das partı́culas de fluido. Como a viscosidade do fluido é muito pequena, podemos
aplicar a equação de Euler vista anteriormente. Para isso, vamos precisar conhecer a força externa, por
unidade de massa, agindo no fluido. No presente caso, essa força corresponde ao peso de um elemento de
fluido dividido por sua massa, ou seja, corresponde simplesmente à aceleração da gravidade ~g, que pode ser
escrita como
~g = −g k̂ (2.229)
onde g é o módulo de ~g no local considerado, suposto constante. Agora, considere que, se U = gz, temos
h ∂ ∂ ∂ i
∇U = ∇(gz) = ı̂ + ĵ + k̂ (gz)
∂x ∂y ∂z
ou
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 211
K. D. Machado g
z
∇U = g k̂
de modo que
~ = ~g = −∇U
F (2.230)
Então, podemos utilizar a equação de Euler na forma 2.228,
d~v
= −∇(U + P)
dt
onde U = gz, de modo que temos
d~v
= −∇(gz + P) (2.231)
dt
Para prosseguirmos, notamos que o vetor posição ~r de uma dada partı́cula de fluido, na situação estacionária,
é um vetor que possui módulo constante, e que gira com velocidade angular ~ω. Então, de acordo com o que
vimos na seção 1.3.2, a velocidade do ponto é dada por 1.139,
~ × ~r
~v = ω (2.232)
Podemos obter a aceleração derivando novamente essa expressão, ou seja,
d~v d
= (~ω × ~r )
dt dt
que fica
d~v
= ~ω × (~ω × ~v )
dt
ω × (~ω × ~v ) = −∇(gz + P)
~ (2.233)
Análise Vetorial
O duplo produto vetorial da expressão acima pode ser desenvolvido se lembrarmos a propriedade ??, isto é,
ω × (~
~ ω × ~r ) = (~ω · ~r )~ω − (~ω · ~ω )~r
ou, como a posição de uma partı́cula de fluido é dada por ~r = xı̂ + y ĵ + z k̂, e ~ω = ω k̂, temos
~ω · ~r = ωz
e então,
∇(x2 + y 2 ) = 2xı̂ + 2y ĵ
de modo que
1
∇(x2 + y 2 )
xı̂ + y ĵ = (2.235)
2
Vamos agora substituir a equação 2.235 na 2.234, para achar
ω2
ω × (~ω × ~r ) = −
~ ∇(x2 + y 2 )
2
Com isso, a equação 2.233 fica
ω2
− ∇(x2 + y 2 ) = −∇(gz + P)
2
ou, como ω é uma constante,
h ω2 i
∇ (x2 + y 2 ) − (gz + P) = 0
2
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 213
K. D. Machado
o que indica que o termo entre colchetes é uma constante, ou seja,
ω2 2
(x + y 2 ) − (gz + P) = α
2
onde α é uma constante. Podemos reescrever essa equação como
ω2 2
P= (x + y 2 ) − gz − α (2.236)
P − P0 ω2 2
= (x + y 2 ) − gz − α (2.238)
̺ 2
válida para um fluido incompressı́vel. Nesse caso, podemos determinar a constante α, visto que, na origem,
a pressão vale a pressão atmosférica de referência, isto é, P(0, 0, 0) = P0 . Então, temos, aplicando em 2.238,
0=0−0−α
o que faz com que α = 0 nesse caso. Assim, a equação 2.238 torna-se
̺ω 2 2
P(x, y, z) = (x + y 2 ) − ̺gz + P0 (2.239)
2
que é a pressão em qualquer ponto do fluido, situado nas coordenadas (x, y, z). Considerando a superfı́cie livre
do fluido, que está sujeita à pressão atmosférica, temos que, para pontos (xS , yS , zS ) situados na superfı́cie,
vale, utilizando 2.239,
̺ω 2 2
P0 (xS , yS , zS ) = (xS + yS2 ) − ̺gzS + P0
2
ou seja,
ω2 2
zS = (x + yS2 ) (2.240)
2g S
que é a equação que descreve a forma da superfı́cie livre do fluido girando, e que corresponde a um para-
bolóide, o que resolve o problema. A figura 2.25 foi feita já ilustrando essa curva. Vejamos mais um exemplo
interessante.
214 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Exemplo 2.39. Mostre que, para um fluido sujeito a forças conservativas escoando barotropicamente, o
escoamento segue a equação de Helmholtz
d ~ω ω
~
= · ∇ ~v (2.241)
dt ̺ ̺
~ está associado à vorticidade ξ~ por ~ω = 21 ξ.
onde ω ~
Para obter a equação pedida, vamos partir da expressão 2.196 para a equação de Euler,
~ = −∇U
F
Como o escoamento é barotrópico, vale a relação 2.226,
∇P
∇P =
̺
de modo que obtemos
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇U − ∇P − ∇
∂t 2
ou
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇ U + P + (2.242)
∂t 2
Agora, vamos calcular o rotacional da equação 2.242, ou seja,
∂~v v2
∇×+ ξ~ × ~v = −∇ × ∇ U + P +
∂t 2
Utilizando a propriedade 2.34i, ficamos com
∂~v
∇× + ξ~ × ~v = 0
∂t
ou
∂~v
= −∇ × (ξ~ × ~v )
∇× (2.243)
∂t
Devemos agora fazer algumas manipulações dos dois lados dessa equação. No lado esquerdo, a operação de
rotacional pode ser trocada de ordem com a derivação temporal, pois são independentes, de modo que
∂~v ∂ ∂ ξ~
∇× = (∇ × ~v ) = (2.244)
∂t ∂t ∂t
~ Para o lado direito, vamos precisar da identidade 2.34g,
onde usamos a equação 2.187 para ξ.
K. D. Machado
∇ · (∇ × V~ ) = 0
obtemos ∇ · ξ~ = ∇ · (∇ × ~v ) = 0, e chegamos a
dξ~ ∂ ξ~
= + (~v · ∇)ξ~ (2.246)
dt ∂t
de modo que a equação 2.245 pode ser escrita como
dξ~ ∂ ξ~
− − (ξ~ · ∇)~v + ξ(∇
∇ × (ξ~ × ~v ) = ~ · ~v ) (2.247)
dt ∂t
Em seguida, substituimos as equações 2.244 e 2.247 em 2.243, obtendo
∂ ξ~ dξ~ ∂ ξ~
=− + + (ξ~ · ∇)~v − ξ(∇
~ · ~v )
∂t dt ∂t
ou
dξ~ ~
+ ξ(∇ · ~v ) = (ξ~ · ∇)~v (2.248)
dt
Agora, considere a equação da continuidade dada por 2.153,
1 d̺
∇ · ~v = −
̺ dt
Vamos calcular
d 1 1 d̺
=− 2
dt ̺ ̺ dt
de modo que
d 1 1 d̺
̺ =−
dt ̺ ̺ dt
Portanto,
d 1
∇ · ~v = ̺ (2.249)
dt ̺
Utilizando 2.249 em 2.248, temos
dξ~ ~ d 1
+ ξ̺ = (ξ~ · ∇)~v (2.250)
dt dt ̺
Vamos utilizar agora que ξ~ = 2~
ω, e vamos dividir toda a equação 2.250 por 2̺, obtendo
1 d~ω d 1 ~ω
+ ~ω = · ∇ ~v (2.251)
̺ dt dt ̺ ̺
216 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Por fim, considere a derivada temporal de ω
~
̺, dada por
d ~ω d 1 1 d~ω
= ~ω +
dt ̺ dt ̺ ̺ dt
de modo que 2.251 fica
d ~ω ω
~
= · ∇ ~v
dt ̺ ̺
d ξ~ ξ~
= · ∇ ~v (2.252)
dt ̺ ̺
Considerando ainda a mecânica de fluidos, uma importante equação pode ser obtida manipulando-se
algumas das expressões já vistas. Tal equação é a equação de Bernoulli, que está associada à conservação de
energia no fluido. Vamos partir da expressão 2.196,
∂~v ~ ∇P v2
+ ξ × ~v = −∇U − −∇
∂t ̺ 2
que é uma das formas da equação de Euler, para fluidos não-viscosos e sujeitos a forças externas conservativas.
Se o fluido se move isentropicamente (entropia constante), então, pela expressao 2.208, temos
∇P
∇H =
̺
onde H é a entalpia por unidade de massa de fluido, e a equação de Euler fica
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇U − ∇H − ∇
∂t 2
ou
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇ U + H + , escoamento isentrópico (2.253)
∂t 2
Por outro lado, se o escoamento for barotrópico, vale a relação 2.226,
∇P
∇P =
̺
onde P = P(P) é dada por 2.224,
Z P
dP
P=
P0 ̺
de modo que a equação de Euler 2.196 fica
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇U − ∇P − ∇
∂t 2
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 217
ou
K. D. Machado
∂~v ~ v2
+ ξ × ~v = −∇ U + P + , escoamento barotrópico (2.254)
∂t 2
Note que as expressões 2.253 e 2.254 são similares, mas correspondem a condições diferentes para o tipo de
escoamento do fluido. Além disso, o escoamento pode ser isentrópico e barotrópico e, neste caso, H = P.
Suponha agora que o fluxo é estacionário, ou seja, ~v não é função explı́cita do tempo, o que faz com
∂~v
= 0, fluxo estacionário (2.255)
Análise Vetorial
∂t
Neste caso, as equações 2.253 e 2.254 tornam-se
v2
~v × ξ~ = ∇ U + H + fluxo isentrópico estacionário (2.256a)
2
v 2
~v × ξ~ = ∇ U + P + fluxo barotrópico estacionário (2.256b)
2
Uma linha de corrente corresponde à curva que é tangente à velocidade do fluido num dado ponto do espaço,
num dado instante de tempo. Portanto, sendo d~r um vetor tangente à linha de corrente num dado ponto,
o vetor d~r
dt pode ser identificado com a velocidade do fluido no ponto considerado. Considere que façamos
o produto escalar das equações dadas em 2.256 com d~r = ~v dt, um vetor tangente a uma dada linha de
corrente, ou seja,
2
~ = d~r · ∇ U + H + v
d~r · (~v × ξ) fluxo isentrópico estacionário
2
v 2
~ = d~r · ∇ U + P +
d~r · (~v × ξ) fluxo barotrópico estacionário
2
Recordando a equação 2.9,
df = ∇f · d~r
e usando que d~r = ~v dt, temos
2
~ =d U+H+ v
dt ~v · (~v × ξ) fluxo isentrópico estacionário
2
v 2
~ =d U+P +
dt ~v · (~v × ξ) fluxo barotrópico estacionário
2
Note que o produto vetorial ~v × ξ~ é perpendicular tanto a ~v como a ξ~ em cada ponto, de modo que o lado
esquerdo das equações acima é nulo, restando
v2
d U+H+ =0 fluxo isentrópico estacionário (2.259a)
2
v 2
d U+P + =0 fluxo barotrópico estacionário (2.259b)
2
As equações 2.259 são válidas ao longo das linhas de corrente, e podem ser integradas para resultar em
218 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
v2
U+H+ =α fluxo isentrópico estacionário (2.260a)
2
v2
U+P + =β fluxo barotrópico estacionário (2.260b)
2
onde α e β são constantes, que podem ter valores diferentes de uma linha de corrente para outra. Elas repre-
v2
gz + H +=α fluxo isentrópico estacionário (2.262a)
2
v2
gz + P + =β fluxo barotrópico estacionário (2.262b)
2
e, se o fluido for incompressı́vel, ou seja, ̺ é uma constante, então, lembrando que, pela equação 2.207,
dP
dH =
̺
temos, integrando essa equação,
Z P
dP P − P0
H= =
P0 ̺ ̺
onde P0 é a pressão em algum ponto de referência. Por outro lado, P = P(P) é dada por 2.224,
Z P
dP
P=
P0 ̺
e, se o fluido é incompressı́vel, achamos a equação 2.237,
Z P
dP P − P0
P= =
P0 ̺ ̺
Assim, no caso de fluido incompressı́vel, as equações 2.262 tornam-se idênticas, isto é,
P − P0 v2
gz + + =γ (2.263)
̺ 2
ou
k
̺v 2 z }| {
̺gz + P + = γ + P0
2
ou ainda,
̺v 2
̺gz + P +=k (2.264)
2
ao longo de uma linha de corrente, sendo que k pode variar entre linhas de corrente diferentes. Podemos
escrever, ainda,
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 219
K. D. Machado ̺v12 ̺v 2
= ̺gz2 + P2 + 2
̺gz1 + P1 + (2.265)
2 2
que relaciona a os valores das grandezas em dois pontos diferentes. Essa é a forma mais conhecida da equação
de Bernoulli, e representa, basicamente, a conservação da energia mecânica, por unidade de massa, de fluido.
Os dois primeiros termos estão ligados à energia potencial, enquanto o último representa a energia cinética,
ambas por unidade de massa de fluido.
∇ × ~v = ξ~ = 0
Neste caso, ~v pode ser escrito como o gradiente de uma função potencial escalar, como em 2.188,
~v = ∇V
e as equações 2.253 e 2.254 tornam-se
∂ v2
(∇V) = −∇ U + H + escoamento isentrópico irrotacional (2.266a)
∂t 2
∂ v2
(∇V) = −∇ U + P + escoamento barotrópico irrotacional (2.266b)
∂t 2
A operação de derivada temporal pode ser trocada de ordem com o operador ∇, de modo que
∂ ∂V
(∇V) = ∇
∂t ∂t
Assim, as equações 2.266 tornam-se
∂V v2
∇ = −∇ U + H + escoamento isentrópico irrotacional
∂t 2
∂V v2
∇ = −∇ U + P + escoamento barotrópico irrotacional
∂t 2
ou
∂V v2
∇ +U+H+ =0 escoamento isentrópico irrotacional (2.268a)
∂t 2
∂V v2
∇ +U+P + =0 escoamento barotrópico irrotacional (2.268b)
∂t 2
Portanto, as funções entre parênteses nas equações acima são constantes com relação às coordenadas espa-
ciais, de modo que podemos obter imediatamente
∂V v2
+U+H+ = α(t) escoamento isentrópico irrotacional (2.269a)
∂t 2
∂V v2
+U+P + = β(t) escoamento barotrópico irrotacional (2.269b)
∂t 2
220 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
onde α(t) e β(t) são funções apenas, no máximo, do tempo. É importante reforçar que as equações 2.269
são válidas em qualquer ponto do fluido, ou seja, as funções α e β são as mesmas para todo o fluido, e não
mudam de uma linha de corrente para outra. É uma condição diferente da considerada na obtenção de 2.260.
Se o fluido estiver sujeito à força gravitacional, U = gz, e achamos
∂V v2
+ gz + H + = α(t) escoamento isentrópico irrotacional (2.270a)
∂t 2
v2
gz + H + =α esc. estacionário isentrópico irrotacional (2.271a)
2
2
v
gz + P + =β esc. estacionário barotrópico irrotacional (2.271b)
2
e, por fim, se o fluido for incompressı́vel, H = P e, usando a equação 2.237, ficamos com
P − P0 v2
gz + + =γ
̺ 2
ou
k
̺v 2 z }| {
̺gz + P + = γ + P0
2
ou ainda,
̺v 2
̺gz + P + =k (2.272)
2
onde k é uma constante, e essa expressão é a equação de Bernoulli para escoamentos estacionários irrotaci-
onais isentrópicos ou barotrópicos de um fluido incompressı́vel e não-viscoso, ou seja, para um fluido ideal.
Note que a constante k é a mesma para qualquer ponto do fluido, não apenas numa dada linha de corrente.
Essa expressão pode ser escrita como
̺v12 ̺v 2
̺gz1 + P1 + = ̺gz2 + P2 + 2 (2.273)
2 2
onde os pontos 1 e 2 são quaisquer dois pontos do fluido. Vejamos uma aplicação da equação de Bernoulli.
Exemplo 2.40. Um tanque cilı́ndrico contém água em seu interior. O tanque não tem tampa, de modo que
a superfı́cie superior da água, que fica a uma altura z2 a partir da base do tanque, está sujeita à pressão
atmosférica P0 . Surge um pequeno buraco no tanque, por causa de um defeito de fabricação, a uma altura
z1 . Determine a velocidade com que a água escoa pelo buraco, supondo que a água é incompressı́vel, e está
escoando num fluxo irrotacional, estacionário e barotrópico. Despreze a viscosidade da água.
Como o fluido é ideal, e está escoando em condições também ideais, podemos utilizar a equação de
Bernoulli para determinar a velocidade pedida. Considere dois pontos no fluido, um na região do buraco
que surge no tanque, que será o ponto 1, e outro na superfı́cie livre do fluido, o ponto 2, como mostra a
figura 2.26.
K. D. Machado
Figura 2.26: Tanque com fluido com um pequeno buraco em sua lateral.
̺v12 ̺v 2
̺gz1 + P1 + = ̺gz2 + P2 + 2
2 2
No ponto 1, a pressão a que o fluido está sujeito é a pressão atmosférica, pois é uma superfı́cie livre, já
que o ponto 1 está fora do tanque, mas bem próximo a ele. Portanto, P1 = P0 . No ponto 2, conforme já
comentamos, P2 = P0 . Portanto, achamos
̺v12 ̺v 2
P0 + = ̺g(z2 − z1 ) + P0 + 2
2 2
ou
Podemos fazer a hipótese de que a superfı́cie livre do lı́quido é muito maior do que a área do pequeno
buraco no tanque. Nesse caso, a velocidade (em módulo) v2 com que o ponto 2 desce é muito menor que
a velocidade (também em módulo) v1 com que a água sai do tanque. Assim, achamos, aproximadamente,
chamando h = z2 − z1 ,
v12 = 2gh
ou
p
v1 = 2gh (2.274)
Essa expressão é conhecida como lei de Torricelli, e a velocidade de saı́da do fluido depende apenas da
diferença de altura entre o buraco e a superfı́cie superior do fluido, além do valor do módulo da aceleração
da gravidade no local. Podemos melhorar a aproximação considerando uma relação entre as áreas destas
duas superfı́cies, mas para isso precisaremos de uma versão apropriada da equação de continuidade, o que
desenvolveremos na seção ??. Vejamos agora outra equação relaciona ao transporte de energia pelo fluido.
222 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
2.5.3
K. D. Machado
Equação do Fluxo de Energia
A equação de continuidade estabelece como se dá o transporte de massa pelo fluido, e é uma lei de
conservação que está associada a eles. A equação de Euler está ligada às forças que atuam no fluido, e
também dá origem a uma lei de conservação, relacionado com momento linear. Nosso interesse agora é obter
uma equação que estabeleça como ocorre o transporte de energia pelo fluido. Para isso, vamos considerar um
elemento de volume fixo no espaço, como fizemos na obtenção da equação de continuidade (ver figuras 2.18
e 2.19). A energia cinética contida nesse elemento de volume é dada por
dK ̺v 2
K= = (2.275)
dV 2
A energia potencial armazenada nesse elemento de volume pode ser escrita como
dU = (̺ dV )U
onde U é a energia potencial por unidade de massa de fluido. Assim, a energia potencial por unidade de
volume, ou densidade volumétrica de energia potencial, torna-se
dU
U= = ̺U (2.276)
dV
A soma das densidades volumétricas de energia cinética e potencial fornece a densidade volumétrica de
energia mecânica, dada por
E=K+U (2.277)
ou, usando 2.275 e 2.276,
̺v 2
E= + ̺U (2.278)
2
∂E
Nosso interesse está em obter uma equação para a grandeza ∂t , ou seja, para
∂E ∂ ̺v 2
= + ̺U
∂t ∂t 2
ou
∂E ∂ ̺v 2 ∂
= + (̺U) (2.279)
∂t ∂t 2 ∂t
Vamos iniciar manipulando essa equação. Considere inicialmente o primeiro termo do lado direito, que pode
ser desenvolvido da seguinte forma:
∂ ̺v 2 v 2 ∂̺ ̺ ∂(v 2 )
= + (2.280)
∂t 2 2 ∂t 2 ∂t
Agora, temos que
∂ ̺v 2 v 2 ∂̺ ∂~v
= + ̺~v · (2.281)
∂t 2 2 ∂t ∂t
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 223
K. D. Machado
Usamos agora a equação da continuidade 2.151,
∂̺
+ ∇ · J~ = 0
∂t
lembrando que J~ é dado por 2.150,
J~ = ̺~v
∂ ̺v 2 v2 ∂~v
= − ∇ · J~ + J~ · (2.282)
Análise Vetorial
∂t 2 2 ∂t
Em seguida, utilizamos a equação de Euler na forma 2.173,
∂~v ~ − ∇P
+ (~v · ∇)~v = F
∂t ̺
∂~
v
para substituir o termo ∂t da equação 2.282, ou seja,
∂ ̺v 2 v2 h
~ − ∇P
i
= − ∇ · J~ + J~ · −(~v · ∇)~v + F
∂t 2 2 ̺
que fica
∂ ̺v 2 v2 ~ − J~ · ∇P
= − ∇ · J~ − J~ · (~v · ∇)~v + J~ · F (2.283)
∂t 2 2 ̺
Precisamos agora da equação 2.185, que estabelece que
1
∇(v 2 ) − ~v × (∇ × ~v )
(~v · ∇)~v =
2
vamos efetuar o produto escalar dessa equação com ̺~v , ou seja,
1
̺~v · (~v · ∇)~v = ̺~v · ∇(v 2 ) − ̺~v · [~v × (∇ × ~v )]
2
Como o último termo é perpendicular a ~v , por causa do produto escalar, e lembrando que J~ = ̺~v , ficamos
com
1
J~ · (~v · ∇)~v = J~ · ∇(v 2 ) (2.284)
2
Utilizando 2.284 em 2.283, achamos
∂ ̺v 2 v2 v2
~ − J~ · ∇P
= − ∇ · J~ − J~ · ∇ + J~ · F (2.285)
∂t 2 2 2 ̺
Agora, precisamos da relação 2.206,
1
dH = T dS + dP
̺
que precisa ser manipulada utilizando a equação 2.9,
df = ∇f · d~r
ficando então
1
∇H · d~r = T ∇S · d~r + ∇P · d~r
̺
224 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
ou
K. D. Machado
h 1 i
∇H − T ∇S − ∇P · d~r = 0
̺
Como d~r é arbitrário, devemos ter o termo entre colchetes sendo nulo, ou seja,
1
∇H = T ∇S + ∇P
̺
∂ ̺v 2 v2 v2
= − ∇ · J~ − J~ · ∇ + J~ · F
~ − J~ · (∇H − T ∇S)
∂t 2 2 2
ou
∂ ̺v 2 v2 v2
= − ∇ · J~ − J~ · ∇ + J~ · F
~ − J~ · ∇H + T J~ · ∇S
∂t 2 2 2
ou ainda,
∂ ̺v 2 v2 v2
= − ∇ · J~ − J~ · ∇ + H + J~ · F
~ + T J~ · ∇S (2.287)
∂t 2 2 2
Agora, queremos manipular o termo que envolve ̺U, no dado direito de 2.279. Iniciamos recordando
que, da Termodinâmica, temos
H = U + PV (2.288)
onde U é a energia interna e H a entalpia. Considerando grandezas por unidade de massa, e lembrando que
̺= mV , temos
P
H = U+ (2.289)
̺
Outra relação importante da Termodinâmica é
dU = T dS − P dV (2.290)
m
Note que, como ̺ = V , podemos escrever
m
dV = − d̺ (2.291)
̺2
Portanto, a equação 2.290 fica
mP
dU = T dS + d̺ (2.292)
̺2
e, considerando grandezas por unidade de massa, temos
P
dU = T dS + d̺ (2.293)
̺2
Agora, vamos partir para o termo
∂ ∂̺ ∂U
(̺U) = U+̺ (2.294)
∂t ∂t ∂t
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 225
K. D. Machado
O segundo termo do lado direito usa a equação 2.295, e fica
∂U ∂S P ∂̺
̺ = ̺T +̺ 2
∂t ∂t ̺ ∂t
ou, usando a equação de continuidade 2.151,
∂U ∂S P
̺ = ̺T − ∇ · J~
∂t ∂t ̺
∂ P
(̺U) = −U∇ · J~ − T J~ · ∇S − ∇ · J~
∂t ̺
ou
∂ P
(̺U) = − U + ∇ · J~ − T J~ · ∇S
∂t ̺
ou ainda, recordando a equação 2.289 para a entalpia por unidade de massa,
∂
(̺U) = −H∇ · J~ − T J~ · ∇S (2.297)
∂t
Agora, reunimos as expressões 2.287 e 2.297 em 2.279, ou seja,
∂E v2 v2
= − ∇ · J~ − J~ · ∇ + H + J~ · F
~ + T J~ · ∇S − H∇ · J~ − T J~ · ∇S
∂t 2 2
ou
∂E v2 v2
=− + H ∇ · J~ − J~ · ∇ + H + J~ · F
~ (2.298)
∂t 2 2
Agora, vamos considerar a função vetorial
2 2
~J = v + H J~ = ̺ v + H ~v (2.299)
2 2
e vamos calcular seu divergente, recordando a identidade 2.34d,
∇ · (f V~ ) = ∇f · V~ + f ∇ · V~
ou seja,
226 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado v2 v2
v2
∇ · ~J = ∇ · + H J~ = ∇ + H · J~ + + H ∇ · J~ (2.300)
2 2 2
∂E
Análise Vetorial
= −∇ · ~J + J~ · F
~ (2.302)
∂t
As expressões 2.301 ou 2.302 estabelecem as relações para transporte de energia pelo fluido. O vetor ~J é
a densidade de fluxo de energia, e corresponde à energia que passa através de uma área perpendicular ao
vetor J~ (e, portanto, ao vetor ~v ) por unidade de área e por unidade de tempo. Sua interpretação será mais
clara quando voltarmos a estudar essa equação na seção ??. O segundo termo, do lado direito, pode ser
identificado com a potência fornecida, por unidade de volume, ao fluido pelas forças externas agindo sobre
ele.
A equação 2.301 pode ser reescrita de uma outra forma, que também é interessante. Vamos substituir
a equação 2.289 para a entalpia, por unidade de massa, nessa equação, resultando em
2
∂E v P ~
= −∇ · +U+ J + J~ · F
~
∂t 2 ̺
ou
2 PJ~
∂E v
= −∇ · + U J~ − ∇ · + J~ · ~F
∂t 2 ̺
∂E
= −∇ · (E~v ) − ∇ · (P~v ) + J~ · F
~ (2.303)
∂t
ou
∂E
+ ∇ · (E~v ) = −∇ · (P~v ) + J~ · F
~ (2.304)
∂t
Note que essas expressões são similares à equação de continuidade 2.151 e à equação 2.203 para a entropia.
Para ficar ainda mais similar, podemos definir a energia mecânica por unidade de massa E, de modo que
E = ̺E (2.305)
∂
(̺E) + ∇ · (̺E~v ) = −∇ · (P~v ) + J~ · F
~ (2.306)
∂t
Para interpretarmos mais claramente os termos acima, precisamos manipular integrais vetoriais, conforme
veremos na seção ??. Vejamos agora uma equação para o fluxo de momento linear pelo fluido.
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 227
2.5.4
K. D. Machado
Equação do Fluxo de Momento Linear
Da mesma forma como transporta energia, o fluido também transporta momento linear, e queremos
uma equação que descreva esse transporte. Uma certa massa de fluido tem um momento linear dada por
p~ = m~v . Definindo o momento linear por unidade de volume ~p, ficamos com ~p = ̺~v , que é a densidade
volumétrica de momento linear. Note que, recordando a equação 2.150, verificamos que ~p = J~ , fornecendo
uma nova interpretação para a grandeza densidade de corrente como sendo a quantidade de momento linear
transportada por uma certa quantidade de massa de fluido, dividida pelo volume que essa massa ocupa.
∂~p ∂ J~ ∂
= = (̺~v ) (2.307)
Análise Vetorial
∂t ∂t ∂t
Desenvolvendo a derivada, temos
∂~p ∂̺ ∂~v
= ~v + ̺
∂t ∂t ∂t
Agora, utilizamos a equação de continuidade 2.151 e a equação de Euler 2.173, obtendo
∂~p h i
~ − ∇P
= −(∇ · J~ )~v + ̺ −(~v · ∇)~v + F
∂t ̺
ou
∂~p
= −(∇ · J~ )~v − (̺~v · ∇)~v + ̺F
~ − ∇P
∂t
ou ainda,
∂~p
= −(∇ · J~)~v − (J~ · ∇)~v + ̺F
~ − ∇P (2.308)
∂t
ou, finalmente,
∂~p
= −(∇ · J~ + J~ · ∇)~v + ̺F
~ − ∇P (2.309)
∂t
que pode também ser reescrita como
∂~p ~ − ∇P
= −(∇ · ~p + ~p · ∇)~v + ̺F (2.310)
∂t
Para efetuar mais alguma simplificação nessa equação precisamos introduzir tensores, de modo que teremos
que aguardar até a seção ??.
d~v ∇P
= ~F −
dt ̺
ou por 2.173,
∂~v ~ − ∇P
+ (~v · ∇)~v = F
∂t ̺
é apropriada quando o fluido em questão é não-viscoso, ou, pelo menos, quando ele pode ser considerado
como tendo uma viscosidade muito pequena, de modo que, numa primeira aproximação, o fluido possa
ser considerado como sendo não-viscoso. Quando este não é o caso, é preciso considerar explicitamente a
228 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
viscosidade do fluido, o que dá origem a outras equações. Para o desenvolvimento dessas equações, é preciso
considerar tensores, o que será feito apenas no capı́tulo ??. Aqui, vamos apenas apresentar uma dessas equa-
ções, a saber, a equação de Navier-Stokes, tendo em conta que o fluido é isotrópico, ou seja, tem coeficientes
de viscosidade que não variam ao longo do fluido. Nesse caso, a equação de Navier-Stokes fica
d~v ~ − ∇P + ν∇2~v + λ + ν ∇(∇ · ~v )
=F (2.311)
dt ̺ 3
ζ
λ= (2.314)
̺
sendo que ζ é chamada de segunda viscosidade. Tanto η quanto ζ estão associadas à dissipação de energia
mecânica no fluido por meio de atritos internos. Num fluido não-viscoso, tem-se η = ζ = 0, e a equação
de Euler nas formas 2.172 ou 2.173 torna-se um caso particular da equação de Navier-Stokes. Outros casos
particulares relevantes também podem ser estudados. Considere, por exemplo, que tenhamos um fluido
incompressı́vel, de modo que sua dilatação D, dada por 2.155,
D = ∇ · ~v
se anula. Nesse caso, a equação de Navier-Stokes para fluidos viscosos incompressı́veis fica
d~v ~ − ∇P + ν∇2~v
=F (2.315)
dt ̺
ou
∂~v ~ − ∇P + ν∇2~v
+ (~v · ∇)~v = F (2.316)
∂t ̺
Outro exemplo importante é o de um fluido escoando muito lentamente, no qual a viscosidade seja
muito alta. Nesse caso, faz a suposição de que d~
v
dt pode ser desprezado em 2.315, obtendo-se
~ − ∇P + ν∇2~v = 0
F
̺
ou
~ − ∇P + η∇2~v = 0
̺F (2.317)
Um fluido escoando dessa forma está num escoamento de Stokes e, se ~F for também desprezı́vel frente aos
outros termos, ficamos com
∇P = η∇2~v (2.318)
Certos fluxos de metais lı́quidos, fluxos capilares, fluxos de lubrificantes, fluxos poliméricos e fluxos em
dispositivos microeletromecânicos (MicroElectroMechanical Systems - MEMS) são exemplos de fluxos de
Stokes, e são descritos pelas equações 2.317 e 2.318. Vejamos alguns exemplos de aplicação dessas equações.
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 229
K. D. Machado
Exemplo 2.41. Vamos estudar um fluxo unidimensional estacionário bastante simples, considerando que
um fluido incompressı́vel está colocado entre duas placas paralelas muito longas, separadas por uma distância
L, conforme mostra a figura 2.27.
Por hipótese, a placa superior, situada em y = L, tem uma velocidade ~vsup = V~ = V ı̂ constante com
relação à placa inferior, que, no sistema de referência adotado, está parada, ou seja, ~vinf = 0. Estamos
interessados em determinar, para a situação estacionária, o campo de velocidades ~v do fluido e a pressão P
no mesmo. O fluido está escoando horizontalmente, sujeito apenas à força gravitacional.
Dada a simetria do problema, temos que o campo de velocidades do fluido é tal que ~v = ~v (y) = vx (y)ı̂,
e a pressão P é função apenas de y, ou seja, P = P(y). Como o fluido está escoando horizontalmente, sujeito
apenas à força gravitacional, temos F ~ = ~g = −g ĵ. A equação de Navier-Stokes 2.316 fica, então,
∇P
(~v · ∇)~v = −g ĵ − + ν∇2~v (2.319)
̺
Agora, temos que simplificar alguns termos. Primeiro, temos que
h ∂ ∂ i ∂
~v · ∇ = vx ı̂ · ı̂ + ĵ = vx
∂x ∂y ∂x
de modo que
∂ ∂vx
(~v · ∇)~v = vx (vx ı̂) = vx ı̂ =0 (2.320)
∂x ∂x
onde usamos o fato de que vx = vx (y). O termo ∇2~v fica
h ∂2 ∂2 i d2 vx
∇2~v = + (vx ı̂) = ı̂ (2.321)
∂x2 ∂y 2 dy 2
Por fim, o termo ∇P fica
h ∂ ∂ i dP
∇P = ı̂ + ĵ P = ĵ (2.322)
∂x ∂y dy
Reunindo as expressões 2.320–2.322 em 2.319, e multiplicando por ̺, ficamos com
dP d2 vx
−̺g ĵ − ĵ + η 2 ı̂ = 0
dy dy
ou
dP d2 vx
+ ̺g ĵ − η 2 ı̂ = 0 (2.323)
dy dy
230 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
Temos então duas equações escalares, a saber,
dP
= −̺g (2.324a)
dy
d2 vx
=0 (2.324b)
dy 2
A primeira equação, dada em 2.324a, pode ser resolvida por integração direta, já que ̺ é constante pois o
P(y) − P0 = −̺gy
ou ainda,
d2 vx dvx
=0 ⇒ = k1
dy 2 dy
onde k1 é uma constante. Uma nova integração resulta em
Z Z
dvx = k1 dy
ou
vx (y) = k1 y + k2 (2.326)
onde k2 é uma outra constante de integração. Podemos achar os valores de k1 e k2 sabendo que o fluido deve
respeitar vx (y = 0) = 0 e vx (y = L) = V . Portanto, da primeira condição temos
vx (0) = k2 = 0
e, da segunda, temos
V
vx (L) = k1 L = V ⇒ k1 =
L
o que faz com que tenhamos
Vy
vx (y) = (2.327)
L
e então,
y~
V~v (y) = (2.328)
L
Note que o comportamento do campo de velocidades é linear com y. Este é um exemplo de um escoamento
de Couette, em que não há componente do gradiente de pressão na direção da velocidade. Um outro exemplo
de escoamento de Couette é visto nos exercı́cios (veja o exercı́cio ??).
K. D. Machado
Exemplo 2.42. Considere novamente as duas placas paralelas do exemplo 2.41, só que agora ambas tem
velocidade nula e, além disso, as direções x e y são horizontais. O fluido, como antes, é incompressı́vel, e
há uma taxa de variação de pressão na direção paralela à velocidade. Determine o campo de velocidades e a
pressão para esse escoamento no estado estacionário.
Novamente considerando a simetria da situação, devemos ter ~v = vx (y)ı̂ e P = P(x, y), visto que o eixo
∇P = η∇2~v (2.329)
Agora, temos que
h ∂ ∂ i ∂P ∂P
∇P = ı̂ + ĵ P= ı̂ + ĵ (2.330)
∂x ∂y ∂x ∂y
enquanto que, por 2.321, temos
h ∂2 ∂2 i d2 vx
∇2~v = 2
+ 2
(vx ı̂) = ı̂
∂x ∂y dy 2
e assim, substituindo 2.321 e 2.330 em 2.329, ficamos com
∂P ∂P d2 vx
ı̂ + ĵ = η 2 ı̂
∂x ∂y dy
o que resulta em duas equações, a saber
∂P
=0 (2.331a)
∂y
∂P d2 vx
=η 2 (2.331b)
∂x dy
A equação 2.331a indica que P não é função de y, de modo que a equação 2.331b pode ser escrita como
dP d2 vx
=η 2 (2.332)
dx dy
Agora, devemos interpretar a equação acima. Do lado esquerdo, temos uma função P = P(x) que está sendo
derivada com relação a x, o que resulta numa função apenas de x. Do lado direito, temos uma função
vx = vx (y) que é função apenas de y, e que está sendo derivada com relação a y, resultando numa função
apenas de y. Portanto, temos uma função apenas de x que é igual a uma função apenas de y, o que só pode
ocorrer se essa função for a função constante. Assim, temos
dP
=k (2.333)
dx
onde k é uma constante, e também
d2 vx
η =k (2.334)
dy 2
232 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
K. D. Machado
A equação 2.333 pode ser integrada, para resultar em
Z P Z x
dP = k dx
P0 0
ou
P = P0 + kx (2.335)
ky
b= + k2
η
dvx
onde k2 é uma constante. Como b = dy , temos
dvx ky
= + k2
dy η
e, integrando,
Z Z
ky
dvx = + k2 dy
η
o que resulta em
ky 2
vx (y) = + k2 y + k3 (2.336)
2η
onde k3 é mais uma constante de integração. Podemos achar agora os valores de k2 e k3 , já que devemos ter
vx (0) = 0 e vx (L) = 0, pois as placas estão paradas. Considerando a primeira condição, temos
vx (0) = k3 = 0
e, para a segunda condição, achamos
kL2 kL
vx (L) = + k2 L = 0 ⇒ k2 = −
2η 2η
Portanto, a equação 2.336 fica
ky 2 kLy
vx (y) = −
2η 2η
ou
ky
vx (y) = (y − L) (2.337)
2η
e, vetorialmente,
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 233
K. D. Machado ky
~v (y) = (y − L)ı̂ (2.338)
2η
Note que, como k = dP dx , vemos que, se k < 0, ou seja, a pressão cai à medida que x aumenta, os valores de
vx dados pela expressão 2.337 acima são positivos, atingindo o valor máximo em y = L2 , ou seja, no ponto
médio entre as placas. Além disso, o campo de velocidades é parabólico e simétrico em torno do ponto médio.
Se k > 0, os vetores velocidade trocam de sentido, indicando que o fluido escoa no sentido da diminuição da
pressão, como aliás poderı́amos esperar. Esse tipo de escoamento é chamado de fluxo de Poiseuille. Vejamos
Análise Vetorial
Exemplo 2.43. Um tubo cilı́ndrico, de seção reta circular de raio R e comprimento L, transporta um fluido
incompressı́vel, em estado estacionário, sujeito a uma diferença de pressão entre seus extremos dada por
∆P = Pd − Pe , onde Pd é a pressão em sua extremidade direita e Pe a pressão na extremidade esquerda,
e tem-se Pe > Pd , como mostra a figura 2.28. Obtenha o campo de velocidades ~v e a pressão P para este
escoamento.
Inicialmente devemos ressaltar que o sistema exibe simetria cilı́ndrica em torno do eixo do tubo, de
modo que vamos utilizar coordenadas cilı́ndricas para resolver o problema. Por causa disso, escolhemos o
eixo z na figura 2.28 sendo paralelo ao eixo do cilindro. Por causa dessa simetria, a velocidade ~v tem apenas
componente vz , que deve depender apenas da coordenada ρ, ou seja, ~v = ~v (ρ) = vz (ρ) k̂. A pressão P, em
princı́pio, deve ser uma função P = P(ρ, z), sendo independente da coordenada cilı́ndrica θ. Considerando o
estado estacionário, e supondo F ~ = 0, a equação que precisamos é a equação de Navier-Stokes 2.316,
∇P
+ ν∇2~v
(~v · ∇)~v = − (2.339)
̺
e vamos precisar dos operadores em coordenadas cilı́ndricas. O operador ∇ é dado por 2.54,
∂ θ̂ ∂ ∂
∇ = ρ̂ + + k̂
∂ρ ρ ∂θ ∂z
de modo que
h ∂ θ̂ ∂ ∂ i ∂
~v · ∇ = vz k̂ · ρ̂ + + k̂ = vz
∂ρ ρ ∂θ ∂z ∂z
234 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
Portanto, achamos
K. D. Machado
∂
(~v · ∇)~v = vz [vz (ρ) k̂] = 0 (2.340)
∂z
Precisamos agora de
h ∂ θ̂ ∂ ∂ i ∂P ∂P
∇P = ρ̂ + + k̂ P= ρ̂ + k̂ (2.341)
∂ρ ρ ∂θ ∂z ∂ρ ∂z
1 ∂ ∂ 1 ∂2 ∂2
Análise Vetorial
∇2 = ρ + 2 2+ 2
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ∂z
Assim, temos
h1 ∂ ∂ 1 ∂2 ∂2 i 1 ∂ ∂vz
∇2~v = ρ + 2 2 + 2 [vz (ρ) k̂] = ρ k̂ (2.342)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂θ ∂z ρ ∂ρ ∂ρ
Reunindo as equações 2.340–2.342 em 2.339, obtemos, já multiplicando por ̺,
∂P ∂P 1 ∂ ∂vz
− ρ̂ − k̂ + η ρ k̂ = 0
∂ρ ∂z ρ ∂ρ ∂ρ
ou
∂P ∂P η ∂ ∂vz
ρ̂ + k̂ = ρ k̂
∂ρ ∂z ρ ∂ρ ∂ρ
o que origina duas equações,
∂P
=0 (2.343a)
∂ρ
∂P η ∂ ∂vz
= ρ (2.343b)
∂z ρ ∂ρ ∂ρ
A equação 2.343a indica que P não é função de ρ, ou seja, P = P(z) apenas. Assim, Pd e Pe são as pressões
em qualquer ponto da seção reta do fluido nas extremidades direita e esquerda do tubo. Com relação à
equação 2.343b, ela pode ser escrita como
dP η ∂ ∂vz
= ρ (2.344)
dz ρ ∂ρ ∂ρ
e devemos fazer uma análise similar a que fizemos no exercı́cio anterior. O lado esquerdo de 2.344 depende
apenas de z, pois P = P(z) e há uma derivada com relação a z. O lado direito, por sua vez, envolve a função
vz (ρ), que depende apenas de ρ, e derivadas com relação a ρ, resultando em alguma função apenas de ρ.
Para que os dois lados possam ser iguais, ambos devem ser iguais a uma constante, ou seja, temos
dP
=k (2.345)
dz
onde k é uma constante, ao mesmo tempo que
η d dvz
ρ =k (2.346)
ρ dρ dρ
A equação 2.345 pode ser resolvida rapidamente, ou seja,
2.5. APLICAÇÕES EM MECÂNICA DE FLUIDOS 235
K. D. Machado Z P Z z
dP = k dz
Pe ze
o que resulta em
dvz kρ2
ρ = + k2
dρ 2η
onde k2 é uma constante. Manipulando novamente, temos
dvz kρ k2
= +
dρ 2η ρ
e, mediante mais uma integração,
Z Z h
kρ k2 i
dvz = + dρ
2η ρ
ou
kρ2
vz (ρ) = + k2 ln ρ + k3 (2.349)
4η
onde k3 é uma nova constante de integração. A expressão 2.349 precisa permanecer finita quando ρ → 0, de
modo que a constante k2 deve se anular, ou seja, k2 = 0. Ficamos então com
kρ2
vz (ρ) = + k3 (2.350)
4η
Agora, em ρ = R a velocidade do fluido deve se anular, visto que as paredes do tubo estão paradas, o que
faz com que tenhamos vz (R) = 0, e
kR2 kR2
0= + k3 ⇒ k3 = − (2.351)
4η 4η
e assim,
236 2. OPERADORES E OPERAÇÕES DIFERENCIAIS VETORIAIS
k 2
vz (ρ) = (ρ − R2 ) (2.352)
4η
ou, substituindo o valor de k dado por 2.348,
∆P 2
~v (ρ) = (ρ − R2 ) k̂ (2.354)
4ηL
Novamente temos um perfil parabólico para ~v , e a velocidade máxima ocorre para ρ = 0. Este é outro
exemplo de escoamento de Poiseuille.
Existem outras equações importantes envolvendo fluidos, além da equação de Euler. Em particular, há
equações envolvendo a viscosidade do fluido. Porém, tais equações vão necessitar da introdução de tensores,
entidades algébricas que veremos oportunamen