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J. MARQUES
DIOGO FARIA
***
Cunha Leal, vice-presidente do Benfica no início dos anos 90, foi diretor
executivo da Liga durante quatro anos, entre 2002 e 2006. Para além disso, foi, na
prática, presidente interino deste organismo, numa altura em que Valentim
Loureiro se encontrava suspenso por motivos judiciais (de abril de 2004 a abril
de 2005). O seu mandato esteve muito longe de ser isento de polémicas, e quase
todas tiveram um denominador comum: a proteção do clube da Luz. Recuperamos
três exemplos.
A primeira grande controvérsia rebentou a 24 de maio de 2004, antevéspera
de o FC Porto se sagrar campeão europeu em Gelsenkirchen. Nesse dia, foi
noticiado pela SIC que Ricardo Rocha, defesa-central do Benfica contratado ao
Sporting de Braga em 2002, se encontrava irregularmente inscrito desde essa
altura. O acordo entre a equipa de Lisboa e este jogador fora assinado a 15 de
janeiro daquele ano, para entrar em vigor a partir do início da época desportiva
de 2002/2003. No entanto, segundo os regulamentos em vigor naquela altura, os
contratos só poderiam ser firmados a partir de 1 abril. A aceitação deste registo
pelos serviços da Liga, onde entrou a 8 de maio, careceu, portanto, de legalidade.
Isso significa que, entre 2002 e 2004, Ricardo Rocha disputou 56 jogos pelo
Benfica em competições nacionais nas quais pura e simplesmente não podia
participar.
As eventuais consequências desta inscrição irregular, à data em que foi
descoberta e denunciada, eram muito claras: poderiam ser impugnados todos os
jogos em que o atleta tivesse participado e que ainda não tivessem sido objeto de
homologação. Uma vez que os resultados são homologados 30 dias após a disputa
das partidas, eram abrangidos apenas três confrontos: Sporting-Benfica, Benfica-
União de Leiria (ambos para o campeonato) e FC Porto-Benfica (para a Taça de
Portugal). Caso fossem atribuídas penas de derrota aos encarnados em cada um
destes jogos, como ditava o Regulamento de Competições da Liga, o Benfica
desceria do segundo para o terceiro lugar do campeonato e perderia a Taça de
Portugal.
Face à gravidade da situação, o clube da Luz apressou-se a reagir. O momento
mais marcante desta história ocorreu quando Luís Filipe Vieira invadiu o estúdio
do programa Dia Seguinte, da SIC Notícias, onde se estava a discutir esta
questão2. Foi um episódio insólito, que causou um incómodo evidente a todos os
participantes, principalmente pela profunda deselegância revelada pelo
presidente do Benfica. Vieira apareceu nervoso, irritado, exibindo tiques de fala
que, entretanto, foi perdendo (quanto não fazem as assessorias de imagem e de
comunicação…) e revelando um egocentrismo que agora gosta de apontar a
outros: “Vocês hoje têm uma audiência fantástica, então vindo cá eu… de certeza
que aumentou. Já estão os telefones a tocar por todo o lado para saberem que eu
estou cá”. Compensou a ausência de argumentos válidos para explicar a inscrição
irregular do jogador – foi incapaz de reconhecer (e de contrariar) que o contrato
foi assinado dois meses e meio antes da data que era imposta pelos regulamentos
– com a dureza que habitualmente se reconhece em quem entra em debates
perdidos com um estado de espírito alterado: pura e simplesmente tentou ao
máximo evitar que mais alguém falasse. Deixou, para além disso, ameaças
implícitas no ar, que não podem deixar de ser lidas como mensagens dirigidas à
comunicação social responsável pela descoberta deste telhado de vidro: “Quando
se começar a falar do Benfica, têm que ter respeitinho. É que o tempo da
bandalheira acabou no Benfica. Quem nos tratar mal, nós tratamos mal”3.
Cunha Leal entrou em ação logo no dia seguinte. Em conferência de imprensa
na sede da Liga, anunciou perentoriamente: “A inscrição de Ricardo Rocha é
válida” e por isso mesmo não existia “nenhuma razão para retirar a Taça de
Portugal ou o 2.º lugar ao Benfica”. De acordo com o diretor executivo da Liga, o
facto de o contrato ter sido homologado por aquele organismo e pela Federação
Portuguesa de Futebol tornava a sua validade indiscutível, sendo ignorada a
circunstância de ter sido assinado numa data muito anterior àquela que era
definida pelo Regulamento de Competições. Que se saiba, este foi o primeiro
grande favor prestado por Cunha Leal ao Benfica. Na prática, o caso morreu aí,
com a “vitória” dos encarnados nessa conferência de imprensa realizada na Rua
da Constituição, no Porto. A 2128 quilómetros de distância, na Arena AufSchalke,
em Gelsenkirchen (Alemanha), José Mourinho ministrava o último treino antes da
final da Liga dos Campeões. No dia seguinte, o FC Porto bateu o Mónaco por 3-0
e tornou-se campeão europeu. Estas coincidências de datas não deixam de ser
curiosas: em 31 de maio de 2002, o Benfica estava feliz por conseguir um lugar
importante na Liga, enquanto o FC Porto festejava, a 1 de junho, a contratação de
um jogador importante nos sucessos que se seguiriam; a 25 de maio de 2004, o
Benfica exultava com uma nova vitória na secretaria e ao arrepio dos
regulamentos, enquanto o FC Porto, no dia seguinte, conquistava o troféu mais
importante do mundo a nível de clubes. Objetivos diferentes originaram
resultados diferentes. Luís Filipe Vieira bem tinha avisado que a prioridade eram
os lugares na Liga…
Um caso em que a atuação de Cunha Leal não foi muito diferente aconteceu
pouco após o arranque da temporada seguinte. À sexta jornada do campeonato, o
FC Porto, que já tinha derrotado o Benfica na Supertaça Cândido de Oliveira
(vitória por 1-0 com golo de Quaresma), deslocava-se à Luz, em partida marcada
para 17 de outubro. As semanas que antecederam este jogo foram marcadas pela
polémica em torno dos bilhetes disponibilizados aos adeptos portistas. Seguindo
uma linha cronológica, a história é fácil de contar: a 29 de setembro, o FC Porto
fez saber ao Benfica que pretendia 2600 ingressos para os seus adeptos, tomando
como valor de referência os 5% da lotação do estádio que os regulamentos
internacionais determinam que sejam disponibilizados à equipa visitante; a 7 de
outubro, o clube da Luz, alegando razões de segurança, anunciou que cedia apenas
1008 bilhetes, o que motivou uma reação de Fernando Gomes, vice-presidente e
administrador da SAD do FC Porto (atual presidente da FPF), que criticou esta
decisão e apelou à intervenção da Liga no sentido de fazer cumprir as normas;
Luís Filipe Vieira reagiu uma semana antes do clássico, exigindo um pedido de
desculpas de Fernando Gomes, que a não acontecer teria como consequência a
não disponibilização de qualquer bilhete aos adeptos azuis e brancos; no dia
seguinte, confirmava-se a ameaça: uma vez que o FC Porto não se retratou, o
Benfica não enviaria um único ingresso para o Dragão; entretanto, surgiram
notícias que davam conta de que as claques portistas, os Super Dragões e o
Coletivo Ultras 95, tinham conseguido adquirir, em casas do Benfica espalhadas
por todo o país, milhares de bilhetes para os mais diversos setores do Estádio da
Luz – estava, então sim, criado um sério problema de segurança, reconhecido por
entidades como o Sindicato dos Profissionais de Polícia, a Federação Portuguesa
de Futebol, a Secretaria de Estado do Desporto e o Ministério da Administração
Interna; o FC Porto apenas confirmou a sua participação neste jogo na véspera da
sua realização, quando foi obtida a garantia de que os adeptos portistas seriam
concentrados num setor próprio do recinto, devidamente resguardados do
contacto direto com os rivais lisboetas. A história da partida também é simples: o
FC Porto marcou cedo, por Benni McCarthy, e o resultado não se alterou. A
polémica criada pelo Benfica, uma vez mais, acabou com uma derrota no campo.
Na secretaria já não foi bem assim.
A atuação de Cunha Leal neste caso foi discreta, mas ainda assim, uma vez
mais, perfeitamente alinhada com os interesses encarnados. A 15 de outubro,
antevéspera do confronto, o diretor executivo da Liga deu conta publicamente da
disponibilização pelo FC Porto aos organismos competentes de documentação
relacionada com esta polémica. Informou, no entanto, que entre esses documentos
não se encontrava o pedido dos bilhetes por escrito, o que significaria que das
Antas nunca teria saído uma requisição formal. Estaria assim legitimada a atuação
do Benfica que, muito objetivamente, só pode ser considerada condenável. Em
primeiro lugar, porque procurou condicionar a natureza festiva e espetacular do
futebol, cerceando o acesso dos adeptos de uma das equipas ao recinto que
acolheria o jogo. Para além disso, alegando infundadas razões de segurança,
acabou por criar um problema gravíssimo que poderia ter tido consequências
inimagináveis. Como é evidente, seria muito mais seguro concentrar num único
setor 2600 adeptos do FC Porto, como o Benfica recusou, do que lidar com o
mesmo número de aficionados distribuídos um pouco por todo o estádio. A
solução encontrada pelo clube da Luz para remediar a situação acabou também
por não ser a mais feliz: 3000 portistas foram encaminhados para uma secção do
estádio com cerca de 1800 cadeiras. A sobrelotação a que se assistiu poderia ter
redundado numa tragédia que felizmente não aconteceu, mas que teria Cunha Leal
como um dos principais culpados, dada a sua atuação enquanto responsável
máximo pelo organismo que tutelava a organização do campeonato nacional.
O episódio de favorecimento ao Benfica mais famoso deste período é, sem
dúvida, o Estorilgate, ainda hoje muitas vezes recordado. Aconteceu na mesma
época 2004/2005. À trigésima jornada de um campeonato disputado em 34
rondas, a equipa da Luz deslocava-se ao terreno do Estoril. Só que o terreno do
Estoril, desta vez, localizou-se… no Algarve. Nesta reta final da competição, a
luta pelo título envolvia quatro equipas: o Benfica (na frente, com 55 pontos), o
Sporting, o Sporting de Braga (ambos a apenas um ponto do primeiro lugar) e o
FC Porto (a quatro pontos da liderança). Tratou-se de uma luta invulgarmente
competitiva, nivelada por baixo (o Benfica que conquistou esta liga foi, de longe,
o pior campeão dos últimos largos anos), com constantes oscilações na tabela das
principais equipas, ao longo de várias semanas. Em cada jornada, qualquer
pormenor assumia um carácter quase decisivo: uma bola que vai à barra, um golo
mal anulado, um penálti poupado a um adversário (a equipa da Luz teve
imensos…), etc. A alteração do estádio onde se realizaria um jogo estava muito
longe de ser um pormenor. Era, na verdade, um verdadeiro “pormaior”. A
mudança do recinto onde se disputou o Estoril-Benfica significou que a equipa da
Luz passou de uma situação em que jogava fora, num terreno mais curto, num
estádio com adeptos da equipa adversária, nas mesmas condições que os seus
rivais na luta pelo título tiveram de enfrentar, para outra em que, apesar de não
jogar em casa, passou a dispor de circunstâncias muito mais favoráveis do que o
seu oponente, que jogou verdadeiramente fora, num estádio com 30 000 adeptos a
torcer pelos pupilos de Luís Filipe Vieira. Tudo se torna mais estranho se
tivermos em conta que o Estoril, à 29.ª jornada, tinha 26 pontos, 21 deles
conquistados em casa, e lutava para não descer de divisão (estava a quatro pontos
da linha de água). Na prática, ao aceitar jogar no Algarve, a equipa da linha de
Cascais punha em causa as hipóteses de pontuar, num jogo que à partida seria
sempre difícil, algo que se torna ainda mais incompreensível se tivermos em
conta o sufoco em que se encontrava na tabela classificativa. Como é que isto foi
possível? Ou, citando Luís Filipe Vieira, “o que passou se”?
A resposta a esta questão passa, em primeira medida, pela identificação de
duas das personagens envolvidas neste imbróglio. José Veiga era, desde o final da
época anterior, diretor-geral do futebol do Benfica. Deteve, até outubro de 2004,
80% do capital da SAD do Estoril, o que significa que chegou a dirigir um clube
(o Benfica) ao mesmo tempo que era proprietário de outro (o Estoril) que
disputava a mesma competição. Por sua vez, o presidente da SAD do Estoril era
António Figueiredo, benfiquista fanático e antigo vice-presidente do clube da Luz,
atualmente comentador da CMTV e assumido recetor das cartilhas de Carlos
Janela. Ou seja, na época 2004/2005, Veiga e Figueiredo eram, face ao Benfica e
ao Estoril, duas figuras híbridas, cujas posições de destaque na condução
desportiva dos respetivos clubes teciam uma inevitável teia de interesses entre a
Segunda Circular e o António Coimbra da Mota. E o administrador estorilista,
particularmente, não tinha qualquer problema em escondê-lo. Quando
questionado, dias antes do jogo, sobre a equipa pela qual torceria naquele jogo,
deu uma resposta inequívoca: “Espero que o resultado não impeça o Benfica de
ser campeão e o Estoril de se manter”4.
Os desejos de António Figueiredo não se concretizaram plenamente: o
Benfica foi campeão, mas o Estoril desceu. No Algarve, o vermelho foi a cor
dominante do jogo: o vermelho do Benfica, que acabou por vencer por 2-1, e o
vermelho dos cartões exibidos aos jogadores canarinhos. A sequência dos factos
foi a seguinte: o Estoril colocou-se em vantagem, aos 11 minutos; aos 25, surge a
primeira expulsão; mesmo a jogar contra dez, o Benfica só consegue empatar aos
75; três minutos depois, o Estoril fica a jogar com nove; aos 82, Mantorras lá
resolveu. Tudo foi caricato neste jogo, até o calçado do árbitro Hélio Santos, de
Lisboa, que foi cedido pelo Benfica. Carlos Xavier, à data treinador-adjunto do
Estoril, comentou assim estes acontecimentos: “No Estoril, quando fui adjunto de
Litos, passei por uma situação incrível. O presidente deixou que a equipa
descesse para a segunda divisão a troco de ir jogar contra o Benfica ao Algarve
apenas por causa da receita. Perdemos porque dentro do campo as coisas estavam
todas feitas, ao ponto de mais tarde eu e o Litos termos sido ouvidos pela Polícia
Judiciária sobre o que se tinha passado. O jogo foi comprado, ou vendido, neste
caso”5.
No meio disto tudo, qual a atitude de Cunha Leal? De forma uma vez mais
discreta e eficaz, limitou-se a ser o facilitador que validou institucionalmente uma
farsa que colocou em causa a verdade desportiva e influenciou decisivamente o
desfecho de um campeonato. No fundo, aconteceu o mesmo nos episódios
anteriores. Enquanto diretor executivo da Liga, Cunha Leal representou para o
Benfica uma garantia de que as suas artimanhas nunca seriam obstaculizadas pelo
organismo responsável pela organização dos campeonatos profissionais em
Portugal. O clube da Luz teria sempre o respaldo, numa expressão feliz de Rui
Santos (insuspeito de qualquer afeição pelo FC Porto), das “cunhas desleais”6…
Muito mais haveria a contar sobre a nefasta passagem desta figura pela
direção da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Terminamos com um facto
que é elucidativo do seu carácter e das intenções com que exerceu estas funções:
em 2007, um ano depois de deixar a Liga, integrou o elenco de um filme dirigido
pelo marido de Leonor Pinhão baseado numa obra de Carolina Salgado.
O caso das SMS de Fernando Gomes que vão parar à caixa de correio
eletrónico de Pedro Guerra é uma espécie de cereja no topo do bolo dos
exemplos de controlo das instituições do futebol português pelo Benfica. O
próprio facto de ser alguém com a irrelevância institucional de Guerra a receber
estes documentos é altamente significativo: a ascendência da turma de Vieira
sobre as autoridades do futebol português é de tal forma grande que até alguém
como Pedro Guerra, que gosta de se apresentar como um mero colaborador do
clube, tem acesso a este tipo de contactos e de informação. Somos incapazes de
imaginar o que é que poderão receber e saber figuras como Luís Filipe Vieira,
Domingos Soares de Oliveira, Paulo Gonçalves, etc. Para finalizar, o que importa
salientar é que nesta situação são duas as instituições que estão em causa, e o que
se verifica é que o clube da Luz acaba por beneficiar da influência objetiva que
detém sobre uma delas (a Liga) para aceder a um instrumento que lhe permite
influenciar a outra (a FPF). Nem com muita criatividade seria fácil conceber um
mecanismo mais totalitário e ao mesmo tempo eficaz de controlo de quem manda
no futebol português.
EM RESUMO
1
A Bola, 2 de junho de 2002, p. 3.
2
À data em que escrevemos este texto, o vídeo estava disponível no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=KrQ47toeF7Y&t=616s
3
Dez anos mais tarde, era a vez de Adão Mendes dizer que “quem prejudica o Benfica sabe que é castigado”.
4
http://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/estoril/detalhe/antonio-figueiredo-espero-que-nao-
impeca-benfica-de-ser-campeao.html
5
Sábado, 4 de dezembro de 2015.
6
Record, 16 de maio de 2008: “As cunhas desleais não honram o futebol nem os lugares, quando se percebe
que o objetivo é prejudicar o FC Porto.”
7
Não porque, entretanto, o Benfica não tenha exercido qualquer domínio sob as instituições do futebol, mas
porque esse controlo se fez sentir mais ao nível da justiça desportiva, como se verá mais à frente.
8
Os delegados da Liga são agentes desportivos (no máximo dois por cada jogo), a quem, entre outras
atribuições, compete “fiscalizar o bom cumprimento das normas regulamentares na organização e realização
do jogo”. Cf. Regulamento de competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional,
artigo 65.
9
Personagem que será apresentada com mais detalhe noutro capítulo.
10
“Eu enquanto Presidente da AG e o Mário enquanto Presidente da Comissão Executiva, (sic) espetámos
uma faca, talvez facalhão, numa das cabeças da hidra, o Joaquim Oliveira. O Pinto da Costa agora mais frágil
vem por arrasto, porque o J Oliveira está falido.”
11
“Em principio (sic) vou produzir o meu despacho relativamente ao requerimento de AG que solicita a
destituição do Mário Figueiredo no dia 12. Vou enviar-lho antecipadamente. Vou-lhe enviar também o teor do
requerimento assinado pelo Porto, Braga, Académica, Belenenses, Estoril e Tondela. Isto é absolutamente
confidencial.”
12
Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, artigo 55, § 1.
O tetracampeonato do Benfica é uma mentira. Esta é a conclusão a que chega
qualquer analista da Liga portuguesa que se esforce por olhar com alguma
objetividade para os últimos quatro anos. Trata-se de uma mentira global, como
se dá conta neste livro, que abrange os mais diversos domínios do fenómeno
futebolístico (a organização das competições, a justiça, a comunicação, etc.). Uma
das suas facetas mais evidentes, mais indesmentíveis e mais facilmente
inteligíveis por qualquer adepto de futebol é a arbitragem. O Benfica beneficiou,
ao longo das últimas épocas, de uma quantidade absurda de situações anómalas,
que incrementaram os seus resultados e diminuíram os dos seus adversários. Sem
esse suporte, o clube da Luz teria sido incapaz de ganhar, pelo menos, dois desses
quatro títulos. Não é difícil demonstrá-lo. E não acreditamos que coisas destas,
tão estranhas e tão recorrentes, aconteçam por acaso. Ao longo da última década e
meia, o Benfica trabalhou muito, e bem, para criar este cenário.
Talvez a questão mais difícil de responder sobre as últimas épocas seja: nos
últimos quatro anos, que campeonato é que o Benfica ganhou de forma mais
escandalosa? O de 2014/2015 ou o de 2016/2017? A “liga do colinho” ou a “liga
Salazar”? Admitimos que é extremamente complicado selecionar uma das
hipóteses. Por isso, optamos por avançar com alguma informação objetiva e
deixar esse julgamento nas mãos do leitor13.
Vítor Pereira foi, durante dez anos (entre 2006 e 2016), o principal rosto da
arbitragem portuguesa, primeiro como presidente da Comissão de Arbitragem da
Liga, depois como líder do Conselho de Arbitragem da FPF. Foi uma década em
que este ex-árbitro foi quase permanentemente contestado por um número
significativo de clubes, entre os quais não se inclui o Benfica. As polémicas que o
envolveram davam um livro, pelo que só daremos conta de algumas das mais
significativas.
As nomeações dos árbitros foram um dos principais objetos de crítica da
atuação de Vítor Pereira, desde logo pela forma como eram efetuadas: Pinto da
Costa revelou, em fevereiro de 2016, que apesar de a comissão de nomeações
integrar três elementos, estas eram decididas por apenas um deles, o próprio
presidente do Conselho de Arbitragem, uma vez que os restantes, discordando da
sua atuação, se abstinham em todas as votações14. Se olharmos às escolhas
efetuadas ao longo destes dez anos, encontramos inúmeros casos, no mínimo,
“estranhos”.
Por exemplo, porque é que João Capela, entre março de 2013 e fevereiro de
2016, só serviu para arbitrar jogos do FC Porto realizados fora do Dragão? E
porque é que, entre os oitos jogos dos Dragões que apitou nesse período, três
foram deslocações (tradicionalmente complicadas) à Madeira? E tem algum
significado o facto de o FC Porto ter ganho apenas três dessas oito partidas? É
apenas uma coincidência que nessa altura o mesmo juiz tenha arbitrado também
oito jogos do Benfica, que por acaso ganhou todos?
Porque é que Bruno Paixão, após ter tido influência direta na única derrota do
FC Porto em três edições consecutivas do campeonato (derrota por 3-1 frente ao
Gil Vicente, em janeiro de 2012), só quase três anos depois é que serviu para
apitar um jogo dos Dragões? E porque é que, no mesmo período, este árbitro foi
escolhido para sete jogos do Benfica? É um acaso o facto de os encarnados
apenas terem perdido uma dessas partidas e logo graças a um penálti que o juiz
“não viu” e foi assinalado por um assistente?
Como notou Pinto da Costa numa entrevista a O Jogo em fevereiro de 2015,
como é que se compreende que para o FC Porto-Vitória de Guimarães, num
momento em que as duas equipas eram líderes do campeonato em igualdade
pontual, tenha sido nomeado um árbitro como Paulo Baptista que, para além de
não ser internacional, tinha descido de divisão e sido repescado poucos meses
antes? E o que justifica que na primeira volta do mesmo campeonato o árbitro
Manuel Mota tenha apitado três jogos do FC Porto, quando vários outros
internacionais não arbitraram qualquer jogo do clube?
Não temos respostas para todas estas perguntas. Apenas registamos que o
processo e os critérios das nomeações estavam longe de ser claros e inteligíveis
pelo público em geral, e que esta aparente ausência de uma lógica nas escolhas
coincidiu com um período em que o FC Porto foi tendencialmente muito
prejudicado e o Benfica muito beneficiado.
Também estranha neste mandato foi a promoção de árbitros à categoria de
internacionais. De acordo com as regras da FIFA, podem alcançar esse estatuto os
juízes que, entre outros requisitos, “tenham arbitrado regularmente jogos da
divisão principal do seu país durante pelo menos dois anos”15, critério que não
tem eco no Regulamento de Arbitragem da FPF16. Em novembro de 2015, o
Conselho de Arbitragem concedeu este estatuto a quatro árbitros, nas seguintes
condições:
Salta à vista uma dupla precocidade destes árbitros: por um lado, tinham
todos uma muito reduzida experiência na primeira categoria (de uma época, nos
dois primeiros casos, e de duas, nos restantes); por outro, alcançaram o estatuto
de internacionais após terem arbitrado um número de jogos muito reduzido na
primeira liga, sendo difícil conceber que se enquadrem no critério definido pela
FIFA. Muito justamente, estes juízes ficaram conhecidos por “internacionais
proveta” e são um dos mais excêntricos legados de Vítor Pereira como presidente
do CA.
Mas não foram apenas as nomeações e as promoções esquisitas que marcaram
este período. Os contactos que o principal responsável pelo CA mantinha com os
árbitros e as instruções que lhes passava também deram que falar e são
indiciadores dos interesses que o podem ter movido ao longo destes dez anos. Em
outubro de 2015, o ex-árbitro Marco Ferreira, em entrevista ao jornal espanhol
As, não teve papas na língua: “Não vou dizer que o Benfica pede ao Vítor Pereira
que fale com os árbitros para favorecer o clube. Não digo isso. O que digo é que
ele faz isso porque sabe que o Benfica é o único clube que o apoia. Por isso, não
quer que nenhum árbitro que não goste do Benfica apite os seus jogos. O Benfica
nunca falou comigo e nunca pediu para os favorecer. Mas Vítor Pereira sim.” O
antigo juiz madeirense acrescentou : “Numa semana em que eu tinha um jogo do
Benfica, ele telefonava a dizer que tinha de ter cuidado, que o jogo tinha de correr
bem. E só o fazia antes de jogos do Benfica. Nunca me telefonou antes de um jogo
do FC Porto, por exemplo. Não só a mim, mas a muitos companheiros…”. Marco
Ferreira é mesmo mais detalhado em relação ao conteúdo de alguns desses
contactos: “Nomeou-me para um Rio Ave-Benfica. Nessa semana ligou-me duas
vezes, quarta e quinta-feira. Na quinta-feira disse-me que tinha de fazer um bom
jogo, senão não me nomeava para o Benfica-FC Porto, que era em abril. Disse
que eu tinha de ter cuidado, pois ‘eram os que se queixavam’ e ‘era o jogo do
título para o Benfica’. Eu disse que não, que não era o jogo do título para o
Benfica porque levava quatro pontos de vantagem com respeito ao FC Porto. E
ele contestou-me: ‘É muito diferente jogar contra o FC Porto em abril com uma
diferença de quatro pontos e com uma de dois ou um.’ Isto, do meu ponto de vista,
é grave, porque estava claramente a referir-se ao Benfica”. As instruções de Vítor
Pereira chegariam ao ponto de recomendar uma excessiva tolerância em relação
ao comportamento do treinador encarnado: “Antes do Sp. Braga-Benfica foi mais
ou menos a mesma conversa. Disse-me que o jogo tinha de correr bem e que eu
não devia ligar ‘caso viesse ruído do banco’. Ele disse-me isso porque, no
Boavista-Benfica, expulsei o treinador do Benfica no intervalo. Vítor Pereira
tinha medo que o expulsasse outra vez”. Marco Ferreira não tem dúvidas em
relação ao impacto que estas conversas podiam ter nos seus colegas: “Eles têm
medo que Vítor Pereira acabe com as suas carreiras como acabou com a minha.
Sou um exemplo para eles daquilo que se pode passar. Eu era árbitro
internacional e nunca na história de Portugal um árbitro internacional tinha
descido à segunda categoria”17. A serem verdade, as acusações deste ex-árbitro
são gravíssimas, pois indiciam que Vítor Pereira, enquanto presidente do
Conselho de Arbitragem da FPF, estava ativamente (e não apenas passiva ou
tacitamente) ao serviço do Benfica, o que pode constituir um fator-chave para a
compreensão de escândalos como os de 2014/2015.
Estranhamente, o Conselho de Justiça da FPF não atribuiu qualquer relevância
às revelações de Marco Ferreira, tendo arquivado o inquérito a que deram
origem: “As três situações concretas que Marco Ferreira denunciou nas
declarações que prestou não indiciam, com um mínimo de objetividade, que Vítor
Pereira tivesse tentado que ele arbitrasse de modo a favorecer qualquer equipa
(no caso o Benfica), pelo que não existem razões para se instaurar qualquer
processo disciplinar nem ordenar a abertura de qualquer inquérito”18. O antigo
presidente do Conselho de Arbitragem anunciou uma queixa-crime contra o ex-
árbitro, cujo desfecho é desconhecido. Em sua defesa apareceu (quem mais
poderia ser?) Luís Filipe Vieira que, porventura numa demonstração de gratidão,
não teve dúvidas em considerar que “houve cobardia nos ataques a Vítor
Pereira”19.
13
Os dados em que nos baseámos têm origem no famoso “tribunal” do jornal O Jogo, o único órgão da
imprensa escrita que, há vários anos, dispõe de um painel de três antigos árbitros que, a cada jornada, analisam
e julgam os lances de arbitragem mais polémicos dos jogos do FC Porto, Benfica e Sporting.
14
http://www.dn.pt/desporto/fc-porto/interior/pinto-da-costa-diz-que-vitor-pereira-controla-todas-as-
nomeacoes-5045471.html
15
http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/82/17/33/circularno.1551-
2017fifarefereeinginternationallists_neutral.pdf
16
Segundo este documento, podem ser promovidos a internacionais árbitros que cumpram os seguintes
requisitos: “a. Seja classificado nos 12 (doze) primeiros lugares durante, pelo menos, 2 (duas) épocas
consecutivas ou seja classificado nos 12 (doze) primeiros lugares na primeira época desportiva, no caso de ter
tido média superior a 16 valores no Curso de Formação de Elite Nível 3; b. Tenha idade mínima de 25 e
máxima de 36 anos em 30 de junho do ano da indicação; c. Comprove conhecimento da língua inglesa, nos
termos definidos pelo Conselho de Arbitragem. d. Para além dos critérios acima enunciados na atribuição da
categoria, o Conselho de Arbitragem tem ainda em consideração o mérito, a experiência, o potencial, a
personalidade e a participação em cursos nacionais e internacionais”. Cf. Artigo 55 do Regulamento de
Arbitragem, disponível em: http://www.fpf.pt/Portals/0/Documentos/RegimentosRegulamentos/CO_022.pdf
17
http://www.dn.pt/desporto/benfica/interior/marco-ferreira-diz-que-vitor-pereira-lhe-pediu-para-favorecer-o-
benfica-4852671.html
18
http://www.maisfutebol.iol.pt/benfica/sporting/arquivado-inquerito-a-vitor-pereira-por-acusacoes-de-marco-
ferreira
19
http://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/detalhe/vieira-houve-cobardia-nos-ataques-a-vitor-
pereira.html
20
http://observador.pt/2017/06/11/corrupcao-no-futebol-afinal-o-protagonista-da-pedro-guerra-foi-marco-
ferreira/
21
http://www.ojogo.pt/futebol/noticias/interior/nota-de-rui-costa-no-fc-porto-benfica-teve-a-maior-descida-de-
sempre-8583155.html
22
Estas transcrições correspondem integralmente aos emails trocados, não podendo ser alegada qualquer
manipulação ou descontextualização da informação.
Quando, no dia 14 de julho de 2017, o Expresso, o Jornal de Notícias e O
Jogo divulgaram o acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de
Futebol que ilibou Jorge Nuno Pinto da Costa e o FC Porto de todas as acusações
que lhes tinham sido movidas no âmbito do processo “Apito Final”, caiu por terra
uma das maiores encenações de que o futebol português foi palco ao longo dos
últimos anos. E, para além disso, confirmou-se juridicamente uma ideia que não
podia deixar de assaltar qualquer adepto comum: a justiça desportiva que tem
sido praticada em Portugal, muito mais vezes do que seria suposto e aceitável,
não tem sido justa. Mas o “Apito Final”, infelizmente, é apenas a ponta de um
icebergue. A história dos últimos 15 anos de justiça desportiva em Portugal é,
também ela, uma história de favorecimento do Benfica em detrimento do FC Porto
e de outros rivais.
Mais difícil do que dar conta das injustiças do futebol português é tentar
perceber o que as justifica. Se é evidente que ao longo dos últimos anos o FC
Porto tem sido sucessivamente prejudicado em matérias de justiça desportiva –
ao contrário do Benfica –, perceber o que está na origem desse fenómeno exige a
análise de outros fatores que, à primeira vista, poderão não ser tão evidentes.
A construção deste cenário implica, antes de mais, a colocação das pessoas
certas nos lugares certos. Regressamos, de novo, à afirmação de Luís Filipe
Vieira sobre os lugares na Liga, que mais não é do que o reflexo de um programa
político global de controlo do futebol nacional. No caso concreto da disciplina,
esse projeto concretizou-se plenamente com a eleição de Ricardo Costa para a
liderança da Comissão Disciplinar da Liga, como já percebemos pelas passagens
anteriores. Durante quatro anos, assistiu-se a uma sucessão de equívocos de tal
forma recorrentes, descarados e unidirecionais que só podem ser explicados por
três motivos: 1) uma ignorância jurídica que o currículo académico do
“benfiquista de Canelas” torna inverosímil; 2) um fanatismo clubístico inibidor de
qualquer racionalidade; 3) uma atuação em função de uma agenda político-
desportiva própria ou alheia, que não tinha em consideração os princípios da
equidade, legalidade e transparência. Porque temos perfeita noção de que ser
adepto de um clube implica um compromisso emocional muito forte, e porque
sabemos que mesmo enquanto desempenhou funções como presidente da CD da
Liga Ricardo Costa frequentava regularmente o Estádio da Luz, ainda que
incógnito, só nos podemos inclinar para a segunda opção…
Para além do controlo destes lugares-chave, o Benfica tem sido bastante
eficaz em exercícios de sedução de decisores disciplinares. Exemplos disso são
as ofertas de convites para jogos na Luz, reveladas pelo Expresso a 24 de junho
de 2017, que em vários casos tiveram como beneficiários membros do Conselho
de Disciplina da FPF. Naturalmente, a cedência de convites, em si, não é um
problema, mas este caso é especial. Por um lado, o facto de vários elementos
desse órgão disciplinar procurarem recorrentemente obter ingressos para assistir
a jogos em casa dos encarnados é indiciador da existência de um vínculo, pelo
menos emocional, entre eles e o Benfica. O que, como é evidente, também é
legítimo. O que não é legítimo é que alguém se aproveite do exercício de uma
função que exige equidistância em relação a todos os clubes para alimentar
preferências clubísticas que são individuais e que não podem ser, de forma
alguma, associadas ao desempenho de tarefas no domínio da justiça. Por outro
lado, estas ofertas não são aceitáveis se tivermos em conta o que as justifica. Num
dos emails divulgados pelo Expresso, Paulo Gonçalves fundamenta a cedência de
convites a membros do CD para o Benfica-Juventus de 2014: “Como livraram o
JJ [Jorge Jesus] da suspensão aplicando somente uma multa pela expulsão
aquando do SLB x FCP, ficaram cheios de moral”. Ou seja, é um benefício do
órgão disciplinar aos encarnados que justifica a oferta, numa lógica que só parece
poder ser entendida como de troca ou retribuição de favores.
A relação entre convites para jogos do Benfica e benefícios à equipa da Luz
perante a justiça fica mais clara se analisarmos as sugestões de ofertas de
convites para acompanhar o Benfica na final da Liga Europa de 2014 (derrota
frente ao Sevilha, em Turim), que foram apresentadas por Paulo Gonçalves a Luís
Filipe Vieira. Entre os beneficiários encontravam-se Nuno Cabral, à data
delegado da Liga, e Emídio Fidalgo, “responsável pela nomeação dos delegados
na Liga e decisivo nos pareceres que emitiu…”. Ou seja, tendo o Benfica
beneficiado, seguramente, da intervenção de Emídio Fidalgo no plano disciplinar,
no âmbito das funções que exercia na Liga, decidiu premiá-lo com uma oferta que,
neste caso, tem até um valor material relevante, pois incluía viagens e alojamento,
para além do ingresso para assistir ao vivo a uma final europeia.
Novo email de 2016 prova que esta prática era recorrente. João Pedro Simões
Dias, antigo delegado da Liga, solicita entradas para um jogo na Luz contra o
Nacional da Madeira, mostrando disponibilidade para as pagar. Paulo Gonçalves
transmite instruções para que sejam cedidas: “Desenrasca por favor. Ele era
também delegado da Liga e foi suspenso por dois anos após um processo
disciplinar instaurado então pela CD da Liga por não ter relatado uns fatos (sic)
no túnel de acesso aos balneários aqui no Estádio da Luz. Com essa omissão,
safou-me a mim e ao Nuno Gomes de uma sanção, mas lixou-se. É boa gente,
benfiquista indefetível e sempre foi defensor na blogosfera do nosso estimado
líder”. As palavras do assessor jurídico da SAD do Benfica são suficientemente
claras para quase dispensarem explicações. Neste caso, com a oferta de bilhetes,
pretendia-se retribuir: 1) uma ação deliberada de um delegado da Liga em
benefício do clube de Carnide; 2) o benfiquismo “indefetível” desse antigo agente
desportivo; 3) o culto do “estimado líder” Luís Filipe Vieira, promovido pela
mesma figura na blogosfera.
Se dúvidas ainda houvesse sobre a pertinência e legitimidade deste tipo de
ofertas, o presidente da FPF, Fernando Gomes, e o líder da sua Comissão de
Disciplina, José Manuel Meirim, trataram de as esclarecer recentemente. A 7 de
julho deste ano, soube-se que o principal responsável federativo “enviou uma
carta aos presidentes dos órgãos sociais da federação a recordar que os seus
integrantes não podem, por regra, solicitar qualquer tipo de oferta a qualquer
agente desportivo, mesmo que seja um bilhete para um jogo de futebol. Na
prática, Fernando Gomes quer assegurar que não há elementos dos órgãos sociais
da federação em estádios de futebol. Para o líder federativo, não existe qualquer
vantagem para o exercício de funções ao nível de arbitragem, disciplina ou justiça
na presença de elementos destes órgãos nas tribunas dos estádios”28. Na mesma
data, também foi divulgado que José Manuel Meirim, no princípio da temporada
2016/2017, proibiu os membros da Comissão de Disciplina de assistirem a jogos
de futebol a convite dos clubes, procurando concretizar assim um esforço de
credibilização do exercício daquelas funções. São os principais responsáveis
pelo setor, portanto, que com estas atitudes confirmam que a prática encarnada
neste domínio está longe de ser recomendável.
Tendo todos estes elementos em conta, torna-se mais inteligível o quadro de
benefícios permanentes ao Benfica e prejuízos impostos ao FC Porto, que tem
marcado o panorama da justiça desportiva portuguesa ao longo dos últimos anos:
o clube da Luz, para além de ser muito eficaz a fazer chegar as pessoas certas aos
lugares certos, é também bastante generoso a premiar ilegitimamente todos
aqueles que contribuem para a sua quase imunidade disciplinar.
EM RESUMO
Fig. 7: À esquerda, O Jogo faz o destaque jornalístico que se impõe,
perante um alegado escândalo de corrupção associado à equipa da Luz. À
direita, na primeira página de A Bola do mesmo dia, o caso é ignorado
por completo.
Ou seja, a intervenção de Luís Filipe Vieira neste trabalho é quase tão grande
como a do próprio jornalista: quase nula, como antes se disse. O que é vendido
ao leitor como um trabalho jornalístico – uma entrevista, por definição, resulta da
interação entre um entrevistador e um entrevistado – não passa, afinal, de um
instrumento de pura propaganda em que o objeto de questionamento e de
confronto tem controlo absoluto sobre o que é publicado. Uma entrevista do
presidente do Benfica a A Bola trata-se, na verdade, de um artigo de opinião
travestido – com uma designação, uma apresentação formal e um arranjo gráfico
diferentes. Um artigo de opinião que, tal como os discursos de Vieira, nem sequer
é de sua autoria. Que Vieira e o Benfica procurem impor a sua propaganda à
opinião pública de uma forma tão descarada é revelador de uma imaturidade
democrática e de um espírito totalitário desconcertantes. Que A Bola se sujeite a
ser palco destas encenações, é um testemunho da baixeza que um jornalismo
servilista pode atingir.
EM RESUMO
29
https://www.publico.pt/2016/11/23/sociedade/noticia/retrato-dos-jornalistas-portugueses-40-anos-licenciado-
e-trabalha-em-lisboa-1752329
30
Ivo Miguel Costa Neves, A (im)parcialidade da imprensa diária desportiva em Portugal: os casos de
FC Porto, SL Benfica e Sporting CP. Dissertação de mestrado apresentada à Universidade do Porto, 2016.
Uma das revelações mais impactantes do Porto Canal nos últimos tempos tem
a ver com um aspeto verdadeiramente estruturante da comunicação oficial do
Benfica, que ultrapassa o domínio estrito da imprensa e merece, por isso,
tratamento à parte: a existência de cartilhas. Estes documentos, que a maioria das
pessoas, até há alguns meses, não fazia ideia que existiam, estão na origem de um
volume muito significativo da informação e da argumentação que invadem o
espaço público de discussão desportiva e que condicionam a formação das
opiniões de adeptos, quer do Benfica quer dos restantes clubes.
OS CARTILHEIROS
01/08/2015: “Quem quer trazer uma nova esperança ao Futebol Português não
andar constantemente a guerrear o Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF,
Vitor Pereira, e a fomentar a divisão entre os árbitros.”
Rejeição do videoárbitro
Apesar das suas limitações, o videoárbitro é, há vários anos, encarado por
muitos em Portugal como um dos instrumentos que podem ser utilizados ao
serviço de uma arbitragem mais credível. Durante muito tempo, o Benfica, que à
partida será sempre o clube mais prejudicado por qualquer coisa que contribua
para o aumento da verdade desportiva das competições, instruiu os seus
cartilheiros no sentido de se mostrarem contra esta inovação. Curiosamente, o
próprio Carlos Janela, há dois anos, já usava um argumento que agora os adeptos
de rivais do clube de Carnide invocam e que suscita uma forte oposição para os
lados da Luz: as transmissões televisivas são falíveis e manipuláveis.
06/09/2015: “Atualmente está mais que provado que a forma mais eficaz de
fazermos passar um embuste, uma mentira, uma solução milagrosa ou vender
“gato por lebre”, é usar uma linguagem aparentemente cientifica ou métodos
científicos ou de instrumentos científicos como as Novas Tecnologias. É isto que
fazem os Ruis Santos desta vida, os charlatães!”
27/03/2017: “O lider dos Superdragões está autorizado pela FPF a ser o lider
da Claque Oficial de apoio à Selecção A? O Fernando Madureira, lider dos
Superdragões, grupo de adeptos do Porto que atacam ameaça, vandaliza e invade
centros de treinos dos árbitros, está autorizado pela Federação Portuguesa de
Futebol, a liderar a Claque Oficial de apoio à Selecção Nacional? O lider dos
Superdragões, jogador e capitão de equipa do Canelas, clube que joga nas
Distritais da AF Porto em que os restantes clubes, 12 equipas no total,
denunciaram à AF Porto, à FPF e à UEFA, como sendo uma equipa violenta e
com práticas mafiosas e contra a qual se recusaram a jogar, é o lider da Claque
Oficial da FPF?”
EM RESUMO
Ao Benfica não basta um controlo bastante abrangente da informação
veiculada pela comunicação social. A generalidade das opiniões emitidas
publicamente por adeptos do clube é também ela objeto de controlo apertado,
através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do clube,
desenvolvido por Carlos Janela. Com as cartilhas, o clube procura uniformizar o
pensamento e o discurso dos comentadores benfiquistas, que abdicam da sua
liberdade intelectual para veicularem a voz oficial, tantas vezes fundamentada em
mentiras e em factos distorcidos. Os objetivos são essencialmente três:
1. Assegurar que no Benfica não exista diversidade de opiniões em relação a
matérias consideradas fundamentais pela direção do clube, forjando-se
assim artificialmente uma unidade aparente entre os adeptos do clube que
não é confirmada pela realidade.
2. Influenciar os adeptos benfiquistas, depositando esperanças na sua
capacidade de absorção e posterior reprodução do discurso oficial.
3. Condicionar também a formação da opinião pública supostamente externa
ao universo do Benfica, influenciando quer a imprensa, quer os adeptos de
clubes adversários, através da veiculação de informação falsa ou
deturpada e da repetição ad nauseam de argumentos e de mistificações
que eventualmente acabam por ser absorvidos.
31
http://www.maisfutebol.iol.pt/belenenses-carlos-janela-agredido-por-dois-socios
32
Veja-se, por exemplo, o artigo de Pedro Adão e Silva no Record de 3 de maio de 2017, intitulado “Campeão
da democracia”.
33
Para que o leitor possa ter uma experiência tão aproximada quanto possível do que é a leitura de uma
cartilha de Carlos Janela, optámos por manter a ortografia e a sintaxe originais. Os erros linguísticos não são,
portanto, da nossa autoria, apesar de assumirmos a responsabilidade pela sua publicação.
Uma grande parte dos adeptos do futebol português, quando pensa na BTV, é
assaltada pela recordação de dois senhores desesperados, em frente a uma
câmara, enquanto descrevem o golo de Kelvin que praticamente assegurou ao FC
Porto o título nacional de 2012/2013. Diz o senhor da esquerda: “Kelvin vai
adiantando, atenção que isto é perigoso, estamos já na compensação, olha o Porto,
Kelvin, o remate… e o golo.” No que é completado pelo da direita: “Como é que
é possível? Como é que é possível um golo nesta altura? Um golo desta forma,
cruzado, bastante denunciado…”. Se nos alhearmos das inúmeras situações
ridículas que, há quase dez anos, vêm fazendo as delícias dos apoiantes dos rivais
do Benfica, constatamos que na verdade a BTV tem sido, sobretudo, um
instrumento de poder ao serviço da turma liderada por Luís Filipe Vieira,
fundamental, a diversos níveis, para o domínio do submundo do futebol português
que os encarnados alcançaram ao longo dos últimos anos.
OS DIREITOS TELEVISIVOS
AS TRANSMISSÕES DA BTV
Quatro épocas completas e outra em curso de transmissões de jogos caseiros
do Benfica na BTV são tempo suficiente para uma avaliação sustentada desta
singularidade no panorama audiovisual e desportivo internacional. E o balanço,
na ótica da verdade desportiva, não podia ser mais negativo. Como seria de
esperar, qualquer telespectador se apercebe de que as emissões da BTV são
tendenciosas, não asseguram qualquer tipo de equidade em relação aos
participantes na competição em causa, contribuem para o enviesamento da
opinião pública a favor do Benfica e, no mínimo, têm potencial para influenciar o
videoárbitro a favor do clube da Luz. A melhor forma de o demonstrar é
apresentando exemplos concretos:
• 24 de fevereiro de 2017. O Benfica recebe o Desportivo de Chaves
e, logo aos 17 minutos, adianta-se no marcador com um golo de Mitroglou.
O ponta de lança grego beneficia de uma falta sobre um central flaviense
para se colocar em posição privilegiada para desviar a bola de cabeça
para a baliza. A falta é evidente e não dá para esconder. Ainda assim, a
BTV esforça-se. As repetições que são transmitidas exibem perspetivas
longínquas do lance. Os planos mais aproximados, que exibiriam na sua
plenitude a irregularidade do golo encarnado e que eram tecnicamente
possíveis face aos meios técnicos disponíveis, são ignorados.
• 1 de abril de 2017. O FC Porto disputa no Estádio da Luz o primeiro
lugar isolado no campeonato. Ainda antes dos dois minutos, numa jogada
disputada perto da bandeirola de canto, o benfiquista Samaris agride Alex
Telles com um soco na cara. Em direto, o lance é transmitido sob o ponto
de vista de quem está nas costas dos jogadores. O movimento do grego é
inequívoco, mas a natureza do seu gesto poderia ser confirmada com ainda
maior veemência se fosse exibida uma imagem obtida através da câmara
que se encontra para lá da linha de baliza. Ela existe e, na mesma
transmissão, foi aproveitada para esclarecer outros lances. Em relação a
este, que deveria ter resultado numa expulsão que deixava o Benfica em
inferioridade numérica com mais de 88 minutos de jogo pela frente,
alguém achou que seria dispensável.
• 29 de abril de 2017. O Estoril enfrenta o Benfica na Luz e, aos 6
minutos, dois jogadores canarinhos isolam-se, beneficiando de posição de
fora de jogo. O árbitro assistente assinala (bem) a irregularidade, que a
BTV se apressa a confirmar (bem) através de uma linha. Um minuto e
cinco segundos depois, dois atletas do Estoril voltam a isolar-se
completamente. O árbitro assistente, uma vez mais, anula esta jogada de
dois para zero, mas desta vez incorre num erro. Nas repetições, a BTV já
não recorre à linha de fora de jogo, que demonstraria cabalmente um erro
grave a favor do Benfica numa jogada que tinha tudo para ser decisiva
para o resultado (mesmo que depois não o viesse a ser para a distribuição
dos pontos). No espaço de um minuto, a dualidade de critérios
impressiona ao ponto de ser quase chocante.
• 9 de agosto de 2017. Aos 71 minutos, o Benfica vai batendo o Braga
na Luz por 3-1, quando os minhotos reduzem através de Ricardo Horta. O
árbitro assistente anula o golo e o videoárbitro não intervém. O lance é
milimétrico, mas uma análise geométrica, a posteriori, revela que o golo
deveria ter sido validado. Na BTV, terá sido a consciência de que o golo
foi limpo e de que o árbitro cometeu um erro que beneficiou o Benfica a
justificar, uma vez mais, a não utilização da linha de fora de jogo.
• 8 de setembro de 2017. O Benfica vai vencendo o Portimonense por
2-1 quando, aos 89 minutos, os algarvios restabelecem a igualdade. O
golo começa por ser validado, mas o videoárbitro acaba por intervir e dar
conta da existência de um fora de jogo no arranque da jogada. Entretanto, a
BTV tinha exibido uma imagem do lance com uma linha que demonstrava
que o avançado estava em posição irregular. Uma linha que, por não se
encontrar junto ao pé do último defensor encarnado e por ter sido traçada
num frame em que a bola já tinha partido do pé do jogador do
Portimonense que faz o último passe (e não no momento do passe), dá a
entender que o fora de jogo, que existe, é mais evidente do que na
realidade. Este erro ou esta manipulação têm uma influência muito direta
na perceção que qualquer pessoa (adeptos do Benfica, do Portimonense,
de outros clubes, árbitros, videoárbitros, etc.) cria do lance através da sua
análise televisiva.
Estes cinco exemplos muito recentes são bem significativos da forma como a
BTV trabalha a transmissão dos jogos caseiros do clube da Luz. Não nos parece
exagerado falar em manipulação e em fraude: há recursos que são utilizados
quando se pretende demonstrar que o Benfica foi prejudicado ou não foi
beneficiado, mas que são deixados na gaveta quando o seu uso é inconveniente; há
câmaras que deixam de existir quando poderiam servir para exibir infrações
encarnadas; os planos mais aproximados ou mais afastados também são
escolhidos em função das conveniências. Durante os primeiros quatro anos destas
transmissões, a principal consequência destes truques era o condicionamento da
opinião pública sobre as arbitragens dos jogos do Benfica: graças a certas
escolhas muitas vezes subtis, mas raramente (ou nunca) inocentes, quase se
poderia pensar que, pelo menos nos jogos em casa, a turma de Vieira não é tão
beneficiada quanto costuma ser. Influencia-se assim os adeptos, mas também os
jornalistas, os árbitros que estão de fora, os responsáveis pela aplicação da
justiça, os dirigentes das instituições que organizam a competição ou têm outras
responsabilidades no futebol português. Desde o arranque de 2017/18, o
panorama torna-se ainda mais grave. Com a introdução do videoárbitro, as
transmissões manipuladas da BTV passam a ter potencial para, em direto,
condicionar as decisões das equipas de arbitragem. Apesar de tanto o
videoárbitro como o seu assistente, que acompanham os jogos a partir de uma
cabine localizada na Cidade do Futebol, em Oeiras, terem acesso a todas as
imagens de todas as câmaras utilizadas na transmissão em clean feed (ou seja,
sem qualquer elemento adicional, como o cronómetro, o painel do marcador ou as
linhas de fora de jogo), a verdade é que nesse mesmo espaço têm acesso a um
ecrã que vai exibindo a transmissão proporcionada ao público em geral pela BTV
ou pela Sport TV. E se é certo que o protocolo do videoárbitro, mesmo
recomendando a disponibilização dessas imagens, determina que elas não podem
ser consideradas para tomada de decisões, não deixa de ser também evidente que
em lances de grande dúvida, tendo o videoárbitro à frente uma imagem que
contém elementos gráficos que podem ajudar a discerni-la, acaba por tornar-se
quase humanamente impossível que as mesmas sejam ignoradas. Dessa forma,
colocar ou não uma linha consoante interessa ou não ao Benfica deixa de ser uma
mera opção editorial que valoriza ou desvaloriza uma transmissão e passa a ser
uma decisão dependente do livre-arbítrio de quem dirige o canal e é
superiormente responsável pelo que é transmitido, que pode ter impacto direto na
arbitragem e na verdade desportiva dos jogos e das competições. A BTV
funciona, assim, como um instrumento do Benfica que permite a criação de uma
nova verdade desportiva (que, muitas vezes, de verdade tem muito pouco),
compreendendo-se, por isso, por que motivo Pedro Guerra, há alguns meses, a
propósito da forma como os jogos são filmados e transmitidos, disse uma frase
que na sua extrema simplicidade acaba por ser profundamente reveladora: “Eu sei
como é que essas coisas se fazem”.
UM ESPAÇO DE CENSURA
FAKE NEWS
EM RESUMO
34
http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/slb_confirma_agrave_cmvm_que_benfica_tv_vai_transmitir_jogos_da_liga
35
É muito interessante o artigo de Elle Hunt sobre este fenómeno publicado no The Guardian: “What is fake
news? How to spot it and what you can do to stop it”. https://www.theguardian.com/media/2016/dec/18/what-
is-fake-news-pizzagate
O futebol é um espaço privilegiado de manifestações de irracionalidade dos
adeptos, seja sob a forma de paixões assolapadas, seja como ódios que com
alguma frequência resvalam para situações de violência. Nenhum clube é imune a
umas ou às outras. Dos maiores aos mais pequenos, todos são apoiados por
indivíduos que, de forma mais ou menos organizada, protagonizaram momentos
infelizes, tanto nos estádios durante os jogos como noutros contextos. No
panorama do futebol português, o Benfica é um caso à parte. Por um lado, porque
os seus adeptos estão associados a um (incomparavelmente) maior histórico de
violência; por outro, porque as suas claques constituem um caso excecional no
panorama legal e institucional do desporto português, pelo nível de impunidade
fomentado por uma relação (ilegítima) com o clube – uma realidade que a
imprensa portuguesa muitas vezes esquece, mas que até a France Football já
destacou como um dos “sinais de declínio” do futebol português da atualidade36.
UM HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA
Nos últimos 21 anos, a gravidade dos atos cometidos por membros das
claques do Benfica, supostamente no quadro do apoio ao clube, é inimaginável e
muito significativa, mesmo se pensarmos à escala internacional. Recordamos
apenas meia dúzia dos que fizeram correr mais tinta.
Estes seis casos são apenas uma amostra curta do terror que, com mais
frequência do que é admissível num país civilizado, um grupo de adeptos do
Benfica espalha pelos estádios portugueses. É evidente que é preciso ter cuidado
com as considerações que se tece a este propósito. Todos os clubes têm adeptos
que em certos momentos se excedem. E, em abstrato, nenhum clube pode ser
responsabilizado por atos que não tem como controlar ou evitar. O caso muda de
figura quando existe um enquadramento legal que enforma as atividades das
claques e quando, mesmo perante o incumprimento assumido, reiterado e até
orgulhoso dos preceitos legais, os clubes continuam a apoiá-las ilegitimamente.
O APOIO DO CLUBE
EM RESUMO
36
Nicolas Vilas, “Portugal. Les signes du déclin”. France Football. N.º 3724 (19 de setembro de 2017), pp.
60-61.
37
http://www.record.pt/especial/detalhe/very-light-nao-foi-acidente-936085.html
38
Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, e pela Lei n.º
52/2013, de 25 de julho. Os diplomas estão disponíveis online em: http://www.gmcs.pt/pt/lei-n-392009-de-30-
de-julho
39
http://tribunaexpresso.pt/benfica/2017-07-31-Como-e-que-se-regula-as-claques--O-IPDJ-explica-1
40
http://observador.pt/especiais/claques-como-nasceram-de-que-forma-evoluiram-no-que-se-tornaram-com-
polemicas-e-violencia-pelo-meio/
41
http://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/sporting/detalhe/nuno-saraiva-mostra-fatura-de-red-
pass-com-referencia-a-claque-nn.html
42
Estes documentos, cuja veracidade nunca foi contestada pelas partes envolvidas, foram publicados no blogue
Benficaleaks: http://benficaleaks.blogspot.pt/2017/04/e-agora-o-benfica-vai-continuar-negar-o.html
43
https://www.ojogo.pt/futebol/1a-liga/porto/noticias/interior/francisco-j-marques-denuncia-funcionario-do-
benfica-a-ajudar-no-name-boys-na-supertaca-8687516.html
44
http://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/liga-nos/benfica/detalhe/ipdj-confirma-que-benfica-da-apoio-
ilegal-as-claques.html
45
https://www.ojogo.pt/futebol/1a-liga/benfica/noticias/interior/benfica-impedido-de-jogar-na-luz-por-causa-das-
claques-jogo-com-braga-em-risco-8673735.html
46
https://www.dn.pt/desporto/benfica/interior/o-benfica-nao-quer-ser-campeao-da-pre-epoca-8675252.html
47
https://sol.sapo.pt/artigo/398584/claques-a-margem-da-lei
O Benfica é um clube de regime. E isso significa que é um clube que serve o
regime e se serve do regime, na mesma medida em que o regime se serve do
Benfica. Qual regime? Todos os regimes, como se verá. O facto de a turma da Luz
ser, pelo menos desde meados do século passado, o clube nacional que tem mais
adeptos, colocou-o numa situação privilegiada no que toca às relações com o
poder político. Favorecer o Benfica, aos olhos de muitos decisores, equivale a
beneficiar, pelo menos indiretamente, uma fatia importante da população. A
circunstância de se tratar de um clube sedeado na capital de um país
profundamente centralizado exponencia essa posição favorável muito singular.
Para justificar estas ideias, nem seria necessário avançar mais informações ou
argumentos. Tudo o que se escreveu nos sete capítulos anteriores só é possível,
precisamente, por se estar a falar de um clube ao qual o poder vai permitindo
(quase) tudo. Ainda assim, há alguns sinais muito concretos e evidentes que dão
conta da estreita relação entre o Benfica e o poder político que importa assinalar.
EM RESUMO
48
http://tribunaexpresso.pt/arquivos-expresso/2017-01-25-Fui-ter-com-o-Salazar-oito-vezes.-O-Coluna-so-me-
dizia-para-estar-caladinho-eu-so-queria-perguntar-ao-homem-porque-nao-me-deixava-sair
49
https://www.publico.pt/2002/06/04/economia/noticia/ferreira-leite-despachou-a-favor-do-benfica-148689
50
http://expresso.sapo.pt/politica/2015-09-16-O-golo-de-Vilarinho-que-lesionou-Durao-Barroso-2
51
http://observador.pt/2015/03/18/parecer-juridico-pede-camara-lisboa-fundamente-isencao-taxas-ao-benfica/
52
https://www.publico.pt/2015/02/25/local/noticia/helena-roseta-diz-que-isencao-de-taxas-ao-benfica-ascende-
a-46-milhoes-1687371
53
http://www.cmjornal.pt/cm-ao-minuto/detalhe/benfica-entra-na-campanha-em-oeiras
“Em Portugal, a grande maioria das pessoas encosta-se ao poder. É bom que
haja a perceção de que quem manda ou quem tem o poder é o Benfica” – Carlos
Janela
Ao longo deste livro viu-se que nos últimos 15 anos houve um clube que foi
trilhando um caminho que o conduziu ao controlo do futebol português. O projeto
começou, talvez ingenuamente, por ser assumido publicamente, mas com o passar
do tempo foi-se tornando cada vez menos transparente. Os resultados, contudo,
estão à vista. Existe, em Portugal, um regime “nacional-benfiquista” que se
manifesta plenamente nos domínios das instituições do futebol, da arbitragem, da
justiça desportiva, da comunicação social e das relações com o poder político.
Um controlo que ainda vai sendo assumido, normalmente através dos teclados de
alguns dos rostos deste polvo encarnado quando escrevem para alguns dos seus
congéneres: “Hoje o Benfica manda e os outros não mexem nada”, afirmou Adão
Mendes, um dos rostos do polvo.
O resultado de 15 anos de trabalho de Luís Filipe Vieira é este. O futebol
português é dominado por um polvo encarnado. Um molusco com tentáculos que
chegam a todo o lado, com força suficiente para adulterar a verdade desportiva.
Uma organização que já é mais do que um clube de regime. O Benfica é o regime.
Mas, como todos os regimes, acabará por cair pela força da justiça. Até porque
ainda fica muito por contar.
Ao longo desta obra são referidos os nomes de várias figuras – algumas mais
conhecidas do que outras – que, de forma mais ou menos direta, se encontram
ligadas às atividades de manipulação do futebol português pelo Benfica. Este
anexo tem como objetivo identificá-las e apresentá-las de forma breve. A
diversidade dos seus perfis é um espelho da vastidão e do alcance dos tentáculos
do polvo encarnado.
Adão Mendes
Sindicalista profissional entre 1985 e 2012, foi árbitro da primeira categoria
na transição das décadas de 80 para 90. Ficou conhecido como “o árbitro
vermelho” por ser comunista. Tornou-se, posteriormente, observador de árbitros
da Liga, função de que foi expulso em 1997, por ser considerado “tecnicamente
inepto”54. Ainda assim, viria a integrar durante vários anos o Conselho de
Arbitragem da Associação de Futebol de Braga, até ser afastado, em 2011, pelo
presidente dessa Associação, no quadro de um esforço de renovação que tinha
como objetivo conferir-lhe “maior rigor e transparência”55. Participou em trocas
de emails com Paulo Gonçalves e Pedro Guerra, revelando a existência de um
núcleo de oito árbitros que ofereciam garantias ao Benfica, dando conta do seu
papel na evolução da carreira de um deles, comunicando contactos previamente
estabelecidos com Luís Filipe Vieira e procurando obter benefícios para o seu
filho, também árbitro, junto do Conselho de Arbitragem da FPF, através da
intermediação do assessor jurídico da SAD encarnada.
André Ventura
Licenciado e Doutor em Direito, é professor da Universidade Nova de Lisboa
e da Universidade Autónoma de Lisboa. É primo de Pedro Guerra e afilhado de
casamento de Rui Gomes da Silva. Militante do PSD, integra o seu Conselho
Nacional e assume publicamente a ambição de vir a ser líder do partido. Apesar
de, em 2015, ter afirmado que a cidade de Sintra “é a única que verdadeiramente
me apaixona e cujos problemas verdadeiramente me preocupam”, foi, dois anos
depois, candidato a presidente da Câmara Municipal de Loures, tendo dado nas
vistas pelo carácter racista e xenófobo do seu discurso. Foi diretor de campanha
de Luís Filipe Vieira nas últimas eleições do Benfica. É, há vários anos,
comentador da CMTV e integra a lista dos cartilheiros de Carlos Janela desde
2014.
António Costa
Licenciado em Direito. É, desde 2015, primeiro-ministro de Portugal, após ter
sido, entre 2007 e 2014, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Enquanto
exerceu esta função, o seu executivo apresentou uma proposta de perdão de taxas
municipais ao Benfica de perto de cinco milhões de euros, que viria
posteriormente a ser retirada, perante a reprovação generalizada. Enquanto líder
do Governo, é presença assídua no camarote presidencial do Estádio da Luz.
António Figueiredo
Vice-presidente do Benfica durante o mandato de Manuel Damásio, apoiou
publicamente Luís Filipe Vieira na sua primeira candidatura à liderança do clube.
Entretanto, tornou-se presidente do Estoril e protagonizou o caso “Estorilgate”’.
Na altura, afirmou publicamente: “Espero que o resultado não impeça o Benfica
de ser campeão”. Carlos Xavier, à data treinador adjunto da equipa de Cascais,
resumiu o caso: “O presidente deixou que a equipa descesse para a segunda
divisão a troco de ir jogar contra o Benfica ao Algarve”. É comentador da CMTV
e, desde 2009, um dos cartilheiros do Benfica.
António Galamba
Frequentou dois cursos do Ensino Superior, que não concluiu. Político
profissional desde muito jovem, a sua carreira esteve, desde cedo, associada à
Juventude Socialista, a cujos órgãos superiores pertenceu durante vários anos.
Tornou-se deputado pela primeira vez em 1995, sendo sucessivamente reeleito
até 2009. Foi o último governador civil de Lisboa. Assume-se como “consultor de
empresas”, sendo atualmente funcionário da WL Partners, de Luís Bernardo. É
autor de uma crónica semanal no jornal i e dos discursos e entrevistas de Luís
Filipe Vieira.
António Rola
Antigo árbitro de futebol, integrando a primeira categoria entre as épocas de
1990/91 e 1996/97. Nunca alcançou o estatuto de internacional. Em 2002, na
altura do arranque do vieirismo, foi contratado pelo Benfica como assessor para
as questões de arbitragem. Atualmente, é comentador na BTV, sendo um dos
recetores da cartilha de Carlos Janela, e tem uma coluna de opinião no jornal i.
Barbieri Cardoso
Inspetor da PIDE a partir de 1948, tornou-se subdiretor da polícia política do
Estado Novo em 1962. Era considerado por muitos o “cérebro” da organização e
esteve envolvido na conceção de operações como a que culminou com o
assassinato de Humberto Delgado. Pelo menos na época desportiva de 1973/74,
usufruiu do estatuto de “Convidado dos órgãos sociais” do Benfica, que lhe
proporcionava livre acesso ao Estádio da Luz.
Carlos Janela
Natural de Famalicão, começou no clube da terra a carreira como dirigente
desportivo. Era diretor para o futebol quando, em 1988, rebentou um escândalo
de corrupção que culminou com a descida de divisão da equipa. Mais tarde, viria
a desempenhar funções semelhantes tanto no Sporting como no Belenenses, e,
segundo a imprensa, esteve perto de ingressar no Benfica durante a presidência de
Luís Filipe Vieira. Nos últimos anos, apresenta-se como “gestor de ativos
desportivos” – apesar de ninguém saber bem que ativos desportivos é que gere –
e é presença habitual nos painéis de comentários de diversas televisões e rádios.
É, pelo menos desde 2014, o autor das famosas cartilhas do Benfica. Apesar
disso, continua a ser apresentado como comentador supostamente independente na
CMTV.
Domingos Amaral
Escritor e jornalista, integrou as redações ou colaborou como cronista em
jornais e revistas como O Independente, Correio da Manhã, Diário de Notícias,
Grande Reportagem, Record, GQ e Maxmen. Integra frequentemente painéis de
comentário desportivo na qualidade de adepto do Benfica, recebendo as cartilhas
de Carlos Janela desde 2014.
Durão Barroso
Foi deputado, secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro de Portugal.
Entre 2004 e 2014, foi presidente da Comissão Europeia. Chegou a líder do
Governo na sequência das legislativas de 2002, em que contou com o apoio ativo
e empenhado do Benfica e dos seus órgãos sociais, conforme demonstraram
publicamente Luís Filipe Vieira e Manuel Vilarinho. Foi o seu executivo que
aceitou ações do clube da Luz não cotadas em Bolsa como garantia do pagamento
de avultadas dívidas fiscais.
Ferreira Nunes
Natural de Coimbra, foi vice-presidente do Conselho de Arbitragem da
Federação Portuguesa de Futebol, responsável pelas classificações dos árbitros,
quando Vítor Pereira dirigia esse organismo. Durante o seu mandato ocorreram
várias coisas estranhas: pelo menos um árbitro de quem o Benfica não gostava
desceu de categoria de forma, no mínimo, caricata; outro que o clube da Luz
apreciava particularmente foi impedido de descer, apesar de as suas
classificações assim o determinarem; a maior descida de sempre na nota de um
árbitro aconteceu na sequência de uma ordem de Luís Filipe Vieira nesse sentido.
Após deixar o Conselho de Arbitragem, continua envolvido em polémicas: em
Coimbra, de onde é natural, foi objeto de debate público a sua nomeação para
administrador das Águas de Coimbra, apesar de não ter habilitações para ocupar
a função; tencionou candidatar-se a presidente da Associação de Futebol de
Coimbra, buscando junto de Paulo Gonçalves apoio jurídico e enviando para o
Benfica a fatura de um parecer jurídico; no verão de 2017, através do seu
pseudónimo Frankc Vargas, continuava a contactar os árbitros, criticando a
descida de categoria de um dos juízes que Adão Mendes identifica como “padre”.
É presença assídua na tribuna de honra do Estádio da Luz, como convidado
especial do seu presidente.
Jaime Antunes
Economista e empresário, trabalhou no Jornal do Comércio e dirigiu o
Semanário Económico, o Diário Económico (foi proprietário de ambos) e a
revista Expansão. Foi dirigente e candidato à presidência do Benfica, em 2003,
contra Luís Filipe Vieira. É comentador na CMTV e recebe as cartilhas de Carlos
Janela desde 2009.
João Gabriel
Foi jornalista da TSF, da SIC e da TVI, destacando-se como repórter
internacional. Abandonou o jornalismo para assessorar Jorge Sampaio durante os
dez anos em que foi Presidente da República. Posteriormente, tornou-se diretor de
comunicação do Benfica, cargo que exerceu entre 2008 e 2016. Durante esse
período, assumiu-se como arquiteto de uma política de comunicação agressiva e
terrorista, estando ligado à génese das cartilhas, à transformação da imagem de
Luís Filipe Vieira (que se tornou um especialista na leitura de discursos redigidos
por outros) e ao estreitamento das relações com diversos órgãos de comunicação
social.
João Gobern
Antigo jornalista de A Capital, Sete, Correio da Manhã Rádio, O
Independente, Visão, Focus, Sábado. Foi diretor da revista de televisão e social
TV Guia. A convite de Carlos Daniel, tornou-se comentador de futebol da RTP, na
qualidade de independente. Viria a ser afastado dessas funções após ser apanhado
em direto a festejar um golo do Benfica, durante o programa em que supostamente
se expressaria com isenção – não causa surpresa, portanto, que agora se saiba que
já nessa altura recebia as cartilhas. Poucos meses depois, assumiu o papel de
representante dos encarnados no Trio d’Ataque, da RTP 3. É um dos
comentadores mais apreciados por Luís Filipe Vieira, ao ponto de considerar que
Gobern “merece” estar perto de si na tribuna presidencial da Luz.
José Calado
Ex-jogador de futebol, com a formação repartida entre o Belenenses e o Casa
Pia, representou o Benfica entre 1995/96 e 2000/01. Nos últimos anos, tem sido
comentador na BTV e na CMTV. Recebe as cartilhas desde 2012 e é um dos seus
mais fiéis e rigorosos intérpretes.
Leonor Pinhão
Filha do jornalista Carlos Pinhão e mulher do realizador João Botelho. Autora
do livro Eu, Carolina, assinando com o pseudónimo “Carolina Salgado”.
Comentadora desportiva há vários anos, colabora com a SIC e o canal Q, sendo
autora de crónicas semanais nos jornais A Bola, Record e Correio da Manhã.
Luís Aguilar
Jornalista, colaborou com órgãos de comunicação social como A Bola,
Record, Sábado e Playboy. Autor de diversos livros sobre futebol. Apesar de ser
conhecido como adepto fervoroso do Benfica, é apresentado pela TVI 24, de que
é comentador há vários anos, como analista isento e independente. Autor de
diversas declarações de amor ao clube da Luz nas redes sociais.
Luís Bernardo
Foi assessor de imprensa dos primeiros-ministros António Guterres e José
Sócrates. É proprietário da empresa de comunicação WL Partners, que emprega
António Galamba, e que beneficiou de diversos contratos de ajuste direto
assinados com autarquias (câmaras e juntas de freguesia) governadas pelo PS.
Substituiu João Gabriel como diretor de comunicação do Benfica e deu
continuidade às principais linhas da sua política, com destaque para a
uniformização do pensamento e do discurso dos comentadores através das
cartilhas de Carlos Janela.
Luís Mateus
Licenciado em Comunicação Social, iniciou a carreira no jornalismo no jornal
A Bola. Após passar pelo site terraportugal.com, tornou-se subdiretor do
Maisfutebol em 2001. Ocupou esse cargo até 2016, quando passou a dirigi-lo em
substituição de Luís Sobral. É, ainda, comentador do programa Maisfutebol, da
TVI 24. Tendo em conta as funções que ocupa, é responsável por uma linha
editorial que hostiliza frequentemente o FC Porto e protege o Benfica, de que é
um exemplo flagrante a ausência de notícias sobre o “caso dos emails”.
Mário Figueiredo
Licenciado em Direito e advogado, foi presidente da Liga entre 2012 e 2014.
Antes, tinha sido advogado do Marítimo. Durante o seu mandato assistiu-se à
degradação da situação financeira da Liga, causando polémica as viagens que
realizou, por exemplo, aos Estados Unidos, para fins que não foi possível apurar.
Uma das suas principais promessas eleitorais, a negociação conjunta dos direitos
televisivos dos clubes, esbarrou com o arranque das transmissões dos jogos do
Benfica na BTV. Sabe-se agora que Mário Figueiredo assumia em privado que
esteve sempre ao lado deste clube e do seu presidente, aceitando (e até
solicitando) sugestões de nomeação de delegados da Liga que lhe eram
apresentadas por Paulo Gonçalves.
Nuno Cabral
Delegado da Liga entre 2013 e 2016, colaborava simultaneamente com o
Benfica, a quem fornecia análises das arbitragens de todos os jogos. Para além
disso, fazia chegar ao clube informações sobre a vida privada e íntima de árbitros
e de elementos das estruturas dirigentes do futebol, tanto nacionais como
distritais. Como recompensa pelos serviços prestados, foi um dos convidados
especiais do Benfica para a final da Liga Europa de 2014, que culminou com a
derrota encarnada frente ao Sevilha. Em email enviado a Paulo Gonçalves, deu
conta da sua vontade de ser um “menino querido” do Benfica.
Nuno Farinha
Jornalista, passou por publicações como Gazeta dos Desportos, Foot, Nova
Gente, TV 7 Dias e TV Guia, de que foi diretor. Atualmente, é diretor adjunto do
Record. Gosta de se afirmar adepto do Barcelona, ainda que em tempos já tenha
expressado publicamente o seu benfiquismo primário: “Eu sou um deles! Dos que
sofrem, dos que gritam, dos que vão à Luz sempre que a vida permite, dos que
discutem, dos que se exaltam, dos que amam o Benfica”. Apesar deste perfil, foi
comentador supostamente isento da RTP e hoje em dia não se coíbe de efetuar, no
Record, análises às arbitragens do Benfica, substituindo os especialistas Jorge
Faustino e Marco Ferreira e fazendo passar uma esponja sobre os lances em que o
seu clube é escandalosamente beneficiado.
Octávio Ribeiro
Foi jornalista, entre outros órgãos de comunicação social, da RTP, da TVI e
do Diário de Notícias e, desde 2002, do Correio da Manhã, de que é diretor, tal
como da CMTV. Pelo meio, foi assessor de um dos governos de Cavaco Silva, a
convite de Marques Mendes. Ficaram famosas as refeições que partilhava com
João Gabriel, quando este exercia as funções de diretor de comunicação do
Benfica, não sendo de estranhar, portanto, a proximidade entre o CM e a CMTV e
este clube.
Paulo Gonçalves
Advogado, natural do Porto e descrito pelo site bancada.pt como “portista
ferrenho e fanático”56, iniciou a carreira nos assuntos do Direito desportivo no
FC Porto. Foi, posteriormente, para o Boavista, clube de que foi diretor-geral.
Nessa altura, organizava conferências de imprensa para acusar o Benfica de
pressões sobre os árbitros57. Em 2007, mudou-se para o clube da Luz, passando a
desempenhar a função de assessor jurídico da SAD encarnada, que ainda exerce.
Segundo José Guilherme Aguiar, “faz tudo o que Vieira lhe diz”58. De acordo com
os emails que têm sido revelados pelo Porto Canal e pelo Expresso, é o principal
operacional dos encarnados nas estratégias de controlo do futebol português: era
ele que combinava com Mário Figueiredo a nomeação de delegados da Liga; era
ele que recebia as faturas dos pareceres jurídicos de Ferreira Nunes; era ele que
sugeria a Vieira que convidasse Nuno Cabral para a final da Liga Europa de
2014; era a ele que Vieira mandava baixar as notas de árbitros; era a ele que
Adão Mendes recorria para obter favores do Conselho de Arbitragem da FPF, etc.
É, provavelmente, o principal cérebro do polvo.
Pedro Guerra
Suposto antigo jogador de futebol, foi durante vários anos jornalista de O
Independente. Foi nessa altura que denunciou atividades criminosas de Luís
Filipe Vieira e que se destacou pelos contactos promíscuos com magistrados do
Ministério Público59. Entre 2002 e 2005, foi assessor de Paulo Portas, quando
este era ministro da Defesa, tornando-se posteriormente assessor do grupo
parlamentar do CDS. Nessas funções, ficou conhecido por não convocar para
conferências de imprensa os jornalistas que eram incómodos para o governante
que servia. Para além disso, foi polémico o despacho da sua nomeação, que o
identificava como licenciado, apesar de não possuir qualquer grau académico
superior. Foi, pelo menos entre 2011 e 2017, assalariado do Benfica e da BTV, de
que foi diretor de conteúdos. Recebe as cartilhas de Janela desde 2012 e já
propagou a sua doutrina na CMTV e na TVI24. A sua fama está associada não só
aos seus comentários, mas também a episódios como aquele em que ligou para a
BTV, usando um outro nome (“Fernando Santos”, que são os nomes intermédios
do seu nome completo: Pedro Fernando Santos Alves Guerra), para defender
ferozmente Luís Filipe Vieira60. Recentemente, ficou-se a saber que Pedro Guerra
desenvolveu, ao longo dos últimos anos, uma série de contactos que podem
indiciar o envolvimento em atividades ilícitas ou, pelo menos, ilegítimas, de que
são exemplo as referências de Adão Mendes a árbitros que dão garantias ao
Benfica, a cedência de documentação confidencial pelo presidente da
Assembleia-Geral da Liga e o acesso a SMS do presidente da Federação
Portuguesa de Futebol.
Ricardo Costa
Advogado, consultor e professor universitário de Direito, foi presidente da
Comissão Disciplinar da Liga entre 2006 e 2010. É popularmente conhecido
como “o benfiquista de Canelas”. Na Liga, destacou-se pela sanha persecutória
em relação ao FC Porto, tendo sido um dos responsáveis por uma condenação do
clube no âmbito da justiça desportiva cujos fundamentos viriam a ser arrasados
em várias instâncias da justiça civil. Foi autor de um parecer jurídico solicitado
por Ferreiras Nunes a Paulo Gonçalves, cuja fatura foi enviada para o Benfica.
Ricardo Palacin
Jornalista, colaborou com a RTP, a SIC e a Televisão de Macau. Foi diretor
executivo da SIC Radical e é diretor da BTV desde a fundação do canal.
Apresenta semanalmente, há vários anos, o programa Lanças Apontadas, que
alcançou notoriedade quando divulgou um ranking dos clubes mais corruptos da
Europa, supostamente publicado a 12 de janeiro de 2017 pelo jornal inglês Daily
Mail, que veio a provar-se ser falso.
Telmo Correia
Advogado, é deputado do CDS desde 1999. Foi ministro do Turismo no
Governo de Santana Lopes. Comentador da BTV e da Antena 1, recebe as
cartilhas de Carlos Janela desde 2009 e é um dos mais empenhados seguidores da
linha nacional-benfiquista e vieirista de análise político-desportiva. É um
elemento importante da relação entre o Benfica e o Parlamento.
Vítor Pereira
Antigo árbitro internacional, entre 2006 e 2016 foi sucessivamente presidente
da Comissão de Arbitragem da Liga e do Conselho de Arbitragem da Federação
Portuguesa de Futebol. De acordo com o antigo árbitro Marco Ferreira, ligava
aos árbitros nas vésperas de participarem nos jogos do Benfica com
recomendações de cuidado, algo que não fazia quando se tratava de outros clubes.
Após deixar a FPF, colaborou com a Confederação Brasileira de Futebol e é,
atualmente, presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Grega.
E-mails trocados entre Luís Filipe Vieira e Mário Figueiredo, divulgados
pela imprensa em junho de 2017.