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Lou Carrigan apresenta:

© 1986 – ANTONIO VERA RAMIREZ


Publicado no Brasil pela Editora Monterrey Ltda.
Título original: “Una Espia Para La Eternidad”
Tradução de Izabel Xrisô Baroni - Capa de Benicio
Colaboração de Eduardo Pinheiro Neto
® 510809 – 510530
INTROITO
Mister Cavanagh, o chefe do Grupo de Ação da CIA,
deteve o carro na frente do chalé que era seu domicílio
particular já há algum tempo, localizado em bairro
exclusivamente residencial que não ficava muito longe de
Washington e nem tampouco de Langley, onde estava
instalada a Central da CIA que ele chefiava.
Naquela tarde estava sentindo-se cansado depois de um
dia decepcionante quando, nada tinha conseguido para
desvendar os vários mistérios da espionagem internacional,
dos casos que deviam ser resolvidos com alguma urgência.
Agora, só queria chegar em casa, escutar uma música suave,
preparar um aperitivo e depois algo apetitoso para o jantar.
Um plano perfeito que pelo menos, em nada podia ser
comparado com os que tinham que organizar diariamente
para depois distribui-los por seus agentes que se
encontravam em todas as partes do mundo, prestando
colaboração valiosa à CIA.
Instintivamente, olhou com desconfiança para o carro que
estava estacionado a quase quarenta metros do chalé, na
avenida solitária e silenciosa. Teve a impressão de ter visto
duas pessoas sentadas no banco dianteiro e franziu o cenho.
Porém, logo em seguida pensou que estava voltando para
casa depois de uma jornada de trabalho e que,
afortunadamente, ainda existiam muitas pessoas normais e
pacíficas vivendo no mundo, pessoas que nada tinham a ver
com a espionagem ou com os espiões.
Apertou o botão de controle remoto para abrir a garagem.
Entrou com o carro e apertou outro botão similar para arriar
a porta. Saiu do carro, fechou-o e depois entrou por uma
porta que ia dar diretamente no vestíbulo da casa.
Eram quase sete horas da tarde e o sol começava a
descambar no ocidente.
Até agora tudo ia muito bem. Até podia dizer que estava
prometendo uma noite perfeita.
Despia o casaco quando a campainha tilintou. Teve um
gesto de irritação, mas se aproximou da porta do vestíbulo e
olhou pelo olho mágico.
Viu dois jovens. Um homem e uma mulher. Seus rostos
estavam ligeiramente deformados pelo olho mágico, mas
depois de examiná-los por alguns segundos, concluiu que
não os conhecia. Naquela noite só desejava descansar porque
estava sentindo-se exausto e não tinha vontade de receber
ninguém. Imediatamente sentiu-se novamente desconfiado,
mas classificou sua maneira de pensar como incoerente e
pueril. Resolveu abrir.
Abriu a porta e ficou petrificado quando viu os rostos dos
jovens que estavam parados a sua frente. Parecia que o
coração queria arrebentar as paredes do tórax tal a força que
expulsava. Estava vendo dois rostos desconhecidos e ao
mesmo tempo, subitamente, tinha a impressão de estar vendo
um rosto muito conhecido e amado. Talvez fosse apenas uma
ilusão, um delírio provocado pelo excesso de trabalho que
vinha fazendo ultimamente, sem se importar com o peso dos
anos que carregava às costas.
Os dois jovens o fitavam com atenção, sorrindo
levemente. O sorriso de ambos quase provocava um infarto
em Mister Cavanagh. Eram idênticos entre si e novamente o
faziam lembrar-se de outro sorriso que conhecia já há anos, o
sorriso de uma pessoa que era muito querida por ele.
— Perdoe-me, o senhor é Mister Cavanagh? —
perguntou o jovem em inglês perfeito.
— Sim.
— Nós somos Héctor e Bridget Diosdado. Viemos da
Argentina especialmente para conversar com o senhor, isto
se nos puder ceder alguns minutos.
Mister Cavanagh estava lívido. Queria respirar e não
podia, queria falar, mas a voz desaparecera de sua garganta.
Sua única reação, foi afastar-se da porta para permitir que os
jovens entrassem.
Eram pouco mais de oito horas da manhã e Brigitte
estava tomando uma ducha quando o telefone começou a
chamar no quarto de banho. Normalmente ela nem teria se
preocupado com as chamadas insistentes porque Peggy
poderia atendê-lo na cozinha. Certamente era onde ela
estava, a fim de preparar o desjejum para ambas.
Porém àquela manhã tudo estava diferente. Ela estava
esperando um telefonema de Número Um quando então
combinariam o local e o horário do encontro.
Fechou a torneira, enrolou-se na toalha e atendeu
rapidamente:
— Sim?
— Brigitte, sou eu — soou a voz de Mister Cavanagh. —
Preciso vê-la hoje de manhã.
— Não posso. Estou esperando um telefonema de Um e
não gostaria que quando ele chamasse, não me encontrasse
em casa. Talvez eu vá depois do almoço. Concorda?
— Não. É urgente. Peça para Pitzer providenciar um
helicóptero para trazê-la e um carro que a apanhe quando
este pousar. Eu a estou esperando em minha casa.
— Quer dizer que não preciso ir à Central?
— Não. Deve vir diretamente a minha casa e quanto mais
cedo melhor.
— Está bem. Chegarei aí dentro de duas horas.
— Obrigado e até lá.
Cavanagh desligou e Brigitte também. Depois se enxugou
lentamente, vestiu um roupão e foi para o quarto. Abriu o
armário e escolheu um vestido branco para usar àquela
manhã e em seguida, apanhou sua indefectível maletinha
vermelha estampada de florezinhas azuis que colocou em
cima da cama. Muitos a julgariam uma bolsa normal, mas
era nesta que a espiã mais famosa do mundo carregava todos
os apetrechos que vinha usando há anos, como as lentes de
contato que mudavam a expressão de seus olhos em questão
de segundos, as perucas que quase trocavam seu aspecto
totalmente, os recheios de plástico que lhe deformavam as
feições. Fora a pistolinha nacarada de madrepérola, o rádio
que, sem dúvida alguma era seu mais eficaz auxiliar, além
dos gases letais, narcóticos e a coleção de passaportes falsos
que sempre facilitavam o serviço que devia realizar.
Não sabia o que era , mas algo importante devia estar
acontecendo. Já era amiga de Cavanagh há muitos, muitos
anos, desde quando ainda era uma espiã inexperiente, no
verdor dos anos e pôde salvar sua vida quando ambos
trabalhavam no cumprimento daquela missão simples na
aparência. O serviço estava sendo realizado em Buenos
Aires...
Levou alguns segundos perdida em pensamentos
distantes, mas reagiu e comentou à meia voz:
— Se Cavanagh me quer, irei preparada para enfrentar
qualquer contingência. Algo muito sério deve estar
ocorrendo...
❖❖❖
Parou o carro na frente do chalé e olhou a sua volta. Tudo
parecia normal. O chalé fora construído em uma avenida
residencial que só tinha casas de luxo e como sempre,
naquela manhã continuava com seu aspecto normal: nenhum
movimento e silêncio quase absoluto. Um pouco atrás, tinha
visto um carro de consertos da telefônica parado na esquina e
agora, um pouco mais à frente, quase a cinquenta metros do
chalé estava um automóvel moderno estacionado. Observou-
o com mais atenção e' confirmou que estava vazio.
Olhou o relógio de pulso, já eram quase dez e meia de
uma manhã magnífica.
Desligou o motor. Apanhou a maleta vermelha. Fechou o
carro e saiu. Antes que pudesse apertar a campainha, a porta
foi aberta e o chofer em pessoa ficou parado no umbral da
mesma.
Avaliou-o com um olhar e concluiu que o caso não era
tão perigoso como havia temido, mas nem por isso menos
sério porque seu velho amigo estava muito tenso e
angustiado.
— Me chamou e eu já estou aqui — disse Brigitte,
beijando-o nas faces. — O que aconteceu?
— Venha comigo — sussurrou o velho espião.
Ela entrou na casa e ele fechou a porta. Levou-a para uma
das salas que estavam à esquerda do vestíbulo. Brigitte foi a
primeira a entrar.
Frente à porta estavam dois jovens, de pé, olhando
fixamente para ela com olhar bastante ansioso. Brigitte assim
que os viu teve a impressão que c coração ia estourar dentro
do peito e que as pernas não tinham mais forças para mantê-
la na posição vertical. Sentiu como se fosse desmaiar. Levou
a mão direita ao peito, tentando acalmar-se, seus lábios
tremiam e ela não encontrava forças para falar. Depois de
algum tempo conseguiu apenas murmurar:
— Meu Deus...
Cavanagh aproximou-se dela e retirou a maleta que ainda
continuava segurando com a mão esquerda. Pôs a mão em
seu braço com a intenção de levá-la até uma poltrona, mas a
espiã continuou parada no mesmo lugar, como se estivesse
cravada no chão. Apenas seus olhos continuavam móveis e
passavam de um rosto para o outro, incessantemente. Ambos
eram lindos... lindos!
O rapaz devia ter mais de um metro e oitenta e corpo de
atleta. Tinha um rosto belíssimo, de linhas duras e másculas,
cabelos negros e ondulados e seus olhos eram azuis, tão
azuis como o azul-anil do céu. A jovem também era alta,
com mais de um metro e setenta e cinco, dona de um corpo
esbelto e muito harmonioso. Também tinha olhos azuis, mas
seu olhar era mais malicioso e suas pupilas brilhavam como
se tivessem uma miríade de estrelas. Os cabelos também
eram negros e ondulados, mas seu maior encanto se centrava
na covinha que tinha bem no meio do queixo.
A espiã olhava para a jovem e parecia estar vendo a
adolescente Brigitte Montfort contemplando-se no espelho.
A garota era uma cópia da imagem que antigamente ela
própria via refletida no cristal. E essa mesma impressão se
repetia quando olhava para o rapaz de feições enérgicas. Este
tinha os pômulos salientes como a maioria dos eslavos...
iguaizinhos aos da espiã mais perigosa do mundo.
— Talvez nós devêssemos ter-lhe telefonado antes —
falou Héctor com um timbre de voz muito agradável.
A moça deu alguns passos à frente e segurou sua mão.
— Não seria muito apropriado a agente Baby perder os
sentidos, mamãe. Procure ficar calma.
De um momento para o outro, tal como sempre acontecia
quando se encontrava diante de uma situação difícil ou
perigosa, ela se acalmou e conseguiu dominar-se
completamente, embora o rosto continuasse pálido como o
de um cadáver.
Tudo aconteceu de repente. Desviou o olhar para
Cavanagh que, também estava pálido, angustiado.
— Você me mentiu! — exclamou com voz trêmula. —
Não entendo por que, mas VOCÊ ME MENTIU! Mentiu no
primeiro dia e manteve a mentira por todos os anos que
passou convivendo comigo e eu pensando que fosse meu
amigo! Você não passa de um grande... velhaco!
Cavanagh não respondeu. Já trabalhava há muitos anos
com Baby e jamais tinha sabido que era algum dia, a garota
mais mimada da CIA tivesse insultado um colega.
Reconhecia que merecia aquele tratamento, mas tivera
motivos para agir daquela forma...
— Naquele dia só pensei em seu bem e... no bem de
todos — murmurou.
— Falou que meus filhos tinham morrido e agora me diz
que fez tudo por MEU BEM!
— E pelo bem de todos — insistiu Cavanagh.
A espiã mais famosa do mundo o fitou com fúria e de
novo olhou para os jovens.
— Só posso presumir que seu pai também não morreu —
murmurou.
— Naquele acidente, não — respondeu o rapaz. — Papai
faleceu exatamente há uma semana na nossa fazenda, no
Pampa.
— Nada sei sobre essa fazenda.
— Papai comprou-a em nome de outra pessoa e agora
nosso advogado está tratando do caso para passá-la para
nosso nome. Para meu nome e o de minha irmã. Nada
oferecemos a você porque desde que o pai nos pôs a par de
nossa história, soubemos que você é uma mulher rica e
famosa. Até poucos meses atrás, pensávamos que nossa mãe
tinha morrido quando ainda éramos bebês.
— E eu pensando que meus filhos tinham falecido
naquele desastre horrível. Nunca poderia imaginar que tinha
dois filhos que já têm vinte anos... Passei todos este tempo
sem saber de vocês. Vivi sendo enganada por aqueles que
diziam me amar... Tenho dois filhos lindos e nem como eles
se chamam!
— Eu me chamo Bridget — disse a moça, abraçando-a
com carinho. — E ele é Héctor. Q-janto a você, não
precisamos saber mais nada porque desde que soubemos
quem era nossa mãe vasculhamos toda sua vida e ficamos
sabendo de tudo que se relaciona com você.
— E agora somos seus admiradores mais entusiastas —
sorriu Héctor.
Não cansava de contemplar os filhos que tinham
retornado de forma tão inesperada. Os dois eram lindos,
tinham olhos azuis e sorrisos encantadores. Eram tão
maravilhosos que mais pareciam fruto de um sonho do que
duas pessoas da vida real.
E subitamente, Brigitte Montfort começou a soluçar.
❖❖❖
O pranto da senhorita Montfort desorientou ainda mais os
três sujeitos que estavam na escuta, usando aparelhagem das
mais modernas que fora instalada no interior de uma
camioneta modelo grande. O veículo tinha janelas amplas
nas partes laterais, mas os vidros colocados tanto nestas,
como no para-brisa eram feitos de um material especial que
impedia que alguém de fora pudesse ver o interior do carro,
mas não prejudicava a visão que eles tinham do exterior.
Estavam estacionados a menos de duzentos metros da
casa de Cavanagh em uma rua transversal, diante de uma
casa desocupada e esta impedia que continuassem vendo o
que acontecia no chalé, mas de certo modo também os
protegia porque os agentes da C/A não tinham condição de
ver aquele carro estranho parado horas a fio em um bairro
estritamente residencial.
De qualquer modo, a vantagem sempre seria deles porque
se de um momento para o outro, resolvessem ver o que
estava acontecendo no chalé, só precisavam pôr o carro em
marcha, aproximá-lo da esquina e olhar através dos vidros
especiais.
Tudo estava sob controle.
Os três homens se entreolharam e um comentou em voz
baixa:
— A coisa está ficando mais interessante do que se podia
esperar. Ontem à noite soubemos que a famosíssima e
“solteiríssima” Brigitte Montfort é mãe de dois filhos
gêmeos e se não entendemos mal, ela também é a agente
mais famosa do mundo. Nada mais, nada menos do que a
agente Baby.
— Creio que não deveríamos estar tão surpresos. Tudo se
encaixa perfeitamente e não nos esqueçamos que estamos
controlando a casa do chefe do Grupo de Ação da CIA.
— Acho melhor eu ir avisar Ottobermayer. Vou trazê-lo
comigo. É bom que fique na escuta conosco e tome as
decisões que julgar conveniente. Continuem escutando e
gravando.
❖❖❖
— Está se sentindo melhor? — perguntou Bridget com
um sorriso magnífico, olhando para a mãe que estava sentada
entre eles no sofá.
— Estou muito bem. Sempre soube controlar minhas
emoções... Não costumo chorar como uma tola. °
— Chorar não é dos tolos, mamãe — protestou Bridget.
— Ê uma reação normal das pessoas que têm sentimentos.
— Concordo — respondeu, olhando para Cavanagh. —
Eu jamais o perdoarei!
— Nós também ficamos enfurecidos contra papai quando
ele nos confessou que você estava viva e que nós dois não
éramos órfãos conforme supúnhamos — sorriu Bridget. —
Mas não tivemos outro remédio senão perdoá-lo.
— Por quê?
— Mamãe, que pergunta! — riu a jovem. — Nós
perdoamos papai porque gostávamos dele, porque nós o
amávamos! E também, quando nos explicou porque tinham
aquela mentira e quais os resultados — observou ela, —
acabou convencendo-nos porque vime; que realmente suas
intenções eram nobres e generosas. Sei que tanto ele como
Mister Cavanagh estavam certos, embora nos sacrificando.
— Verdade? — perguntou Brigitte, olhando com menos
hostilidade para o chefe. — Quais eram suas intenções e por
que forjaram a mentira?
— Papai e Mister Cavanagh eram bem jovens naquela
época, mas depois que conheceram melhor a moça que a
CIA tinha enviado para colaborar no caso de Buenos Aires,
concluíram que seu destino poderia ser um caminho muito
mais amplo do que dar de mamar e mudar fraldas em dois
bebês, dia e noite. Pensaram que a jovem poderia ajudar
muita gente no futuro. Papai também falou que naquele
tempo era um sujeito pobre e achou que não tinha o direito
de forçá-la a uma vida de intelectual pobretão. Que se por
acaso tivesse chegado aos Estados Unidos como marido ou
companheiro sul-americano de uma mulher com seu futuro,
isso não seria bom para nenhum dos dois, embora fosse mais
prejudicial a você. Disse-nos. que foi difícil tomar uma
decisão definitiva, mas que Mister Cavanagh ajudou-o
muito, muito mesmo quando disse que você tinha um destino
fulgurante para ser palmilhado e que anulá-lo, seria como
prejudicar a humanidade inteira.
— E eu estava certo ao fazer tal afirmação — disse
Cavanagh —, ou você vai negar que conseguiu solucionar e
contornar problemas e conflitos tremendos que poderiam ter
causado a morte de milhares de pessoas ou até mesmo
desencadeado a terceira guerra mundial? Se você tivesse
dedicado sua vida às crianças, jamais teria feito todo o bem
que fez. Se Baby não tivesse arriscado a vida pelo bem-estar
da humanidade, talvez nem mesmo a própria humanidade
existisse agora!
— Pare de falar tantas barbaridades! —- disse Brigitte.
— Talvez eu esteja exagerando um pouco, mas não são
barbaridades — retrucou Cavanagh com firmeza. — Você
melhor do que ninguém sabe o que teria acontecido no
mundo se a agente Baby não tivesse intervido.
— Bem, eu podia ter sido a mãe para meus filhos e
também a agente Baby que sou. Ninguém precisava...
— Pare de falar disparates, Brigitte. Em primeiro lugar,
uma mulher com dois filhos se dedica mais a estes do que a
humanidade em geral. Em segundo lugar, você teria agido de
forma diferente. Não teria feito tudo que fez, temendo que
algum inimigo pudesse descobrir que tinha dois filhos e
vingar-se nas crianças. Também a agente Baby se tivesse
dois filhos esperando-a em casa, jamais teria se exposto a
perigos como você fez todos estes anos. Não por falta de
coragem, mas porque primeiramente, sempre ia pensar nas
crianças que a esperavam... Suas decisões, intervenções
teriam sido diferentes. E não me venha dizer que não, porque
você nunca foi um robô. É uma pessoa normal como todas as
outras!
— Mister Cavanagh tem toda razão — riu Bridget. —
Mamãe, você tem que nos contar muitas coisas! Papai
sempre se comunicava com Mister Cavanagh para pedir-lhe
notícias suas. Somente por isso quando nos disse que nossa
mãe estava viva, pôde nos explicar quem você era: uma
jornalista famosa do “Morning News” e uma espiã tão
famosa como a jornalista... Mas agora quero saber tudo!
— Quanto tempo faz que souberam de tudo?
— Pouco mais de dois anos — disse Héctor.
— Pouco mais de dois anos! — quase gritou a divina. —
Há dois anos sabem que estou viva e nunca me procuraram!
— Papai nos fez prometer que somente iríamos procurá-
la depois de sua morte.
— E se ele ainda vivesse mais cem anos?
— Não, mamãe — disse Bridget docemente.
— Papai quando conversou conosco já estava muito
doente. Sabia que não tinha muito tempo de vida e não
queria que você o visse enfermo. Foi por isso que quando
veio vê-la pela última vez...
— O quê? Ele me veio ver! — exclamou Brigitte.
— Não veio uma, mas esteve várias vezes em Nova
Iorque só para vê-la de longe — explicou Héctor. — E na
última vez, nós o acompanhamos. Passamos dois dias
seguindo você. Eu ao volante do carro e Bridget cuidando de
papai no banco de trás. Nós a seguimos por toda Nova
Iorque e quando ele decidiu que precisávamos voltar para a
Argentina, disse-nos: Filhes, sei que nunca mais a verei, mas
isso não importa porque ela sempre esteve em minha vida
desde c dia em que nos conhecemos.
Brigitte novamente pensou que fosse desmaiar e fechou
os olhos, enquanto as lágrimas deslizavam por suas faces.
Enquanto isso acontecia no seu corpo físico, a parte
espiritual ia sendo arrastada para onde estavam parte das
melhores recordações de sua vida...
❖❖❖
— Suponho que seja a agente ianque que é capaz de
resolver todos os casos que surjam a sua frente — falou,
sorrindo.
— O senhor quem é?
— Sou Héctor Diosdado. Nem perca seu tempo
procurando localizar-me em seu arquivo mental, pois tenho
certeza que jamais ouviu alguém falar de mim. Sou apenas
um patriota argentino que atualmente considera a
intervenção da CIA válida, a fim de evitar-se danos maiores.
Porém vou dizer-lhe uma coisa,-mocinha: Sou um homem
que nunca gostou da CIA.
— Nem eu gosto — respondeu a jovem senhorita
Montfort, sorrindo.
— E quer que eu acredite?
— O senhor é um grosseiro.
Héctor Diosdado segurou seu rosto com ambas as mãos e
beijou Brigitte Montfort nos lábios. Ela não se moveu, não
reagiu, não resistiu e nem correspondeu. Deixou-o fazer, mas
estremeceu quando a carícia se tornou mais profunda e
íntima. De repente, Héctor deixou de beijá-la, fitou-a nos
olhos, enquanto recitava suavemente:
Nesses olhes azuis como o céu vejo vida e alegria
Queira Deus que muito cedo, algum dia, possam ser meu
consolo e companhia

— Eu gostei do verso — sorriu Brigitte.


— E não gostou do beijo?
— Também.
— Verdade? — surpreendeu-se Héctor.
— Por que negar, se gostei realmente? Não sou nenhuma
tolinha, senhor Diosdado.
— Infelizmente eu continuo sendo estúpido.
— Não concordo — respondeu a norte-americana com
voz zangada. — Um homem que beija como o senhor e
recita versos bonitos não pode ser um estúpido.
— Menos mal e já que estamos conversando com toda
lealdade e franqueza vou dizer-lhe que felizmente não é a
cretina vaidosa que eu estava esperando encontrar.
— O quê?
— Quando me avisaram que uma agente da CIA viria de
Nova Iorque encontrar-se conosco nesta casa velha, eu não
gostei da ideia. Por que tinham que mandar logo uma mulher
para colaborar com Cavanagh em caso tão difícil? Estamos
procurando nos acercar de um grupo de loucos que está
tramando nada menos que uma revolta militar na Argentina.
E por que tinham que mandar uma agente para colaborar
com o residente da CIA em Buenos Aires?... No mesmo
instante, quase pude ver um mulheraço de bíceps
avolumados e com um gênio semelhante a de um gorila
viúvo a minha frente.
Brigitte Montfort soltou uma gargalhada e naquele
momento, Cavanagh entrou na sala onde o portenho e a
norte-americana conversavam, logo após terem chegado à
casa onde fora instalado? o quartel general da CIA para
aquela missão por demais perigosa.
— Pelo que vejo, uma grande camaradagem acaba de
nascer — sorriu Cavanagh, um homem jovem, bem
apessoado e agradável.
— Em absoluto — refutou a agente. — Este presunçoso e
eu jamais nos entenderemos.
— Quem é presunçoso, Diosdado? — surpreendeu-se
Cavanagh.
— E ele não é um vaidoso, um orgulhoso?
— Claro que não!
— Melhor para ele. O que vamos fazer aqui?
— Primeiro, ter calma e esperar — respondeu Cavanagh,
acendendo um cigarro. — Precisamos ficar aguardando mais
dois ou três dias para ver se conseguimos fazer um contato e
se este se efetivar realmente, talvez possamos evitar muitas
mortes e derramamento de sangue, fora outras complicações
que já me pareciam inevitáveis.
— Tudo bem, vamos esperar — respondeu Brigitte. —
Qual será meu trabalho?
— Respondendo sua pergunta com toda franqueza: se o
contato que estamos esperando foi feito, sua atuação já não
será tão relevante come nos planos iniciais. A ideia era
introduzi-la em uma mansão de Mar dei Plata como
empregado nos serviços de quarto, uma espécie de
camareira, mas se esse contato se tornar uma realidade,
poderei conseguir mais informações e em menor tempo do
que você as conseguiria... E também com menor risco.
— Isso nunca se sabe.
Cavanagh fitou-a de modo especulativo, antes de falar:
— Falaram-me sobre sua eficácia e como sempre acaba
alcançando o objetivo visado, que só falha pouquíssimas
vezes. Portanto, eu me consideraria um verdadeiro idiota se a
expusesse a riscos desnecessários.
— Concordo. Quem está na mansão?
— As pessoas que são responsáveis pelo dinheiro que foi
arrecadado para custear a revolta militar. A ideia inicial era
saber quantos e quais os oficiais de alta patente que aderiram
ao movimento e o que estão pretendendo exatamente. Esse
seria o serviço que ficaria a seu encargo, mas fui procurado
por outro militar que não pensa apoiar o movimento
revolucionário, e no final da conversa, ele me sugeriu a
possibilidade de um bom entendimento entre a CIA e o atual
governo argentino. Este só será viável se nós, agentes da
CIA, resolvermos o assunto sem lutas ou escândalos e sem
que o povo ou o exército em geral tomem conhecimento da
revolta iminente, pois isso só poderia desencadear uma série
de reações que certamente provocaria outros acontecimentos
perigosos para a nação.
— Entendo a situação perfeitamente. Concordo que
esperemos o tempo que for necessário para a realização do
contato, mas opino que talvez também pudéssemos
aproveitar os dias de espera, viajando a Mar dei Plata para
observar a mansão e seus ocupantes.
— Não vejo necessidade de se fazer isso — titubeou
Cavanagh.
— Ela está certa — interveio Héctor. — Se o contato
falhar, nós estaríamos preparados para controlar a mansão e
seus moradores, embora fôssemos obrigados a usar a força.
E tomo a liberdade de lembrar-lhe que quando fui procurá-lo
para fazer-lhe a primeira proposta, essa era a condição
fundamental: que os ocupantes da mansão nunca mais
tivessem condições para tentar algo parecido.
— Isso significa que quer eliminá-los? — perguntou
Brigitte com curiosidade.
— Se essa é a única saída, a única escolha para derrotar
os cabeças do massacre, sim. Foi isso exatamente o que eu
quis dizer, mocinha. Matar todos porque não quero mais
sofrimentos para minha Argentina.
Brigitte Montfort agora o contemplou com mais interesse.
Héctor era alto, musculoso e magro. Era um homem comum
e não chegava a ser bonito, mas os olhos escuros, quase
negros, refletiam inteligência, perspicácia e força.
— Para começar, quem é o senhor e qual é sua
participação no caso? — murmurou a espiã norte-americana.
— Eu sou quem sou e se está interessada, se quer ir a Mar
dei Plata para examinar a mansão, conte comigo. Vou
aguardá-la lá fora e se não sair dentro de cinco minutos,
estamos nos despedindo para só nos reencontrarmos quando
Cavanagh ou os fados do destino nos reunirem novamente.
Entendeu?
Héctor saiu da sala e da casa sem dizer mais nada.
Brigitte sorriu para Cavanagh e lhe perguntou:
— Afinal de contas, quem é esse senhor Diosdado? Você
me pode explicar?
— É um intelectual inconformado com o comportamento
do ser humano. Formou-se em advocacia, mas quando se
enfronhou profundamente nas leis, considerou-as falhas.
Verificou que o ser humano com sua soberba, falsidade e
com a parcialidade das leis vive para humilhar seus
semelhantes. Quando descobriu essas falhas, dei- ou de
exercer a advocacia.
— E o que faz agora?
— Pensa, pinta e escreve.
— O que pensa, o que pinta e o que escreve?
— Poderá perguntar-lhe tudo que deseja saber durante o
trajeto para o Mar dei Plata. Creio que nada perderemos se
você for passear naquela região maravilhosa. Na verdade, o
homem nunca sabe o que pode acontecer nos próximos
minutos de sua vida e o melhor é estar preparado.
❖❖❖
A campainha do telefone fez Brigitte abandonar as
recordações e retornar ao presente. Viu Cavanagh
aproximando-se da lareira para atender a chamada. Notou
que Héctor e Bridget a observavam fixamente e que o sorriso
da moça era um misto de tristeza, admiração e confusão.
Tocos os que se encontravam no chalé sabiam que a situação
não era normal ou comum. E que sua solução tampouco
seria. O que podia acontecer entre uma mãe e dois filhos que
julgava mortos há mais de vinte anos? Filhos que pensava ter
perdido em um “acidente” quando as crianças tinham uma
semana de vida?
— Sim? — atendeu Cavanagh.
—...?
Não, não está acontecendo nada. Fique
tranquilo. Estou ocupado, resolvendo um problema
particular. Pode tomar conta de meu escritório durante o dia
de hoje. Faça o que for necessário.
—...?
— Só se for uma caso de alto risco para algum dos
rapazes. O resto ficará por sua conta. Sim... Não. Eu avisarei
se não for amanhã. Adeus.
Desligou e olhou para Brigitte.
— Creio que o mundo não vai acabar só porque estou
faltando um dia de trabalho.
— Nunca se pode prever o que vai acontecer.
— É verdade, a gente nunca sabe nada com antecedência,
mas vamos desejar que o dia seja calmo. Brigitte, estive
pensando, talvez preferisse ficar sozinha com eles, aqui em
minha casa. Posso sair para pescar, fazer algumas compras
ou até ir a um cinema. Quero dizer que devem permanecer
aqui para conversarem, para... se adaptarem e se
conhecerem.
— Não pense que vai escapar tão facilmente
— disse Brigitte. — Sente-se em qualquer lugar e não
complique mais as coisas.
— Não tínhamos intenção de causar problemas ou
complicações — falou Héctor. — Nem tampouco viemos em
busca de algo material. Só queríamos que você soubesse que
seus filhos estão vivos. Achamos que tinha o direito de saber
disso.
— Ou você preferia continuar pensando que estávamos
mortos? — perguntou Bridget, encarando-a fixamente.
— Claro que não! Eu não quis dizer que a presença de
vocês seja uma complicação. Simplesmente sinto-me
aturdida. Vocês sabiam da verdade há mais de dois anos,
mas eu só tomei conhecimento dela há menos de duas
horas... Temos que começar por algo... O que vocês fazem e
a que se dedicam?
— Quer 'saber o que fazemos além de cuidar da fazenda?
— Sim... Claro.
— Papai quis que nos formássemos em advocacia para
sabermos diferenciar o certo do errado, as verdades das
mentiras. Só por isso hoje somos advogados — Bridget
sorriu luminosamente. — Nós também gostamos de viajar e
aproveitamos as viagens para fazer estudos sobre a
humanidade.
— Temos aprendido muitas coisas —: sorriu Héctor. —
Algumas bem surpreendentes. Papai tinha razão quando
dizia que o mundo é um lugar maravilhoso habitado por
seres cegos.
— Seres cegos?
— Seres que não sabem ver a beleza que há em todas as
coisas e que por isso as pisoteiam. Algum dia, escreveremos
o livro que ele nunca pôde escrever e cujo título nos legou:
Como viver como um ser humano no Paraíso.
— Nós também fazemos outras coisas — riu Bridget. —
Pilotamos avião, sabemos dançar, atirar, atravessar desertos,
lutar sem uso de armas, conversar com estranhos... Somos
dois bichos raros.
O sorriso de Héctor se tornou subitamente malicioso ao
murmurar:
— Somos bichos raros como papai... como mamãe e...
como Número Um.
— Quem falou com vocês a respeito de Um?
— perguntou Brigitte, fuzilando Cavanagh com os olhos.
— Foi esse velho, não foi?
— Não, não fui eu quem falou sobre Número Um com
eles. Lembro-me sim, de ter comentado isso com Héctor já
há algum tempo quando ele me fez perguntas sobre sua vida
sentimental. Agora só posso pensar que foi ele quem falou
sobre esse assunto com os filhos.
— Quer dizer que ele viveu todos estes anos preocupado
comigo?
— E sempre desejando o melhor para você — disse
Bridget. — Papai nos contou que ele e Mister Cavanagh
acertaram quando tomaram a decisão de torná-la a maior
vítima daquela mentira.
— Certo, mas agora sei que ele passou uma vida inteira
sem mim — sussurrou a espiã mais famosa do mundo.
— Papai sempre foi generoso para com o mundo todo, só
não foi generoso para consigo mesmo
— murmurou Héctor.
Brigitte acenou a cabeça confirmando, depois ficou
pensativa e mentalmente, começou a rever centenas de
pequenas passagens que tinham dado colorido a sua vida.
Tinha a impressão de que uma ia atropelando a outra, como
se todas quisessem se juntar para formar um bloco compacto
ou como se todas fizessem questão de desfilar naquela
passeata de recordações.
Depois olhou para os jovens e perguntou:
— O que estão pensando fazer no futuro?
— Vamos prosseguir com os estudos sobre a
humanidade, escrever o livro do qual já temos o título e
algumas anotações feitas por papai e sobretudo, viver
pensando de que modo podemos ajudar alguém.
— Vocês têm dinheiro?
— Temos o suficiente para levar nossos projetos avante
— respondeu Héctor.
— Mamãe, tudo isso não é o mais importante — disse
Bridget, suavemente. — A questão mais importante é saber
se vamos viver separados de você o resto de nossas vidas ou
se você prefere viver perto de nós.
— O que vocês preferem?
— Mamãe, se quiséssemos continuar vivendo longe de
você, simplesmente não teríamos vindo procurá-la!
— Nossa posição é de vantagem porque há dois anos
soubemos que nossa mãe ainda estava viva e tivemos tempo
para conhecê-la e, hoje já estamos acostumados com você.
Também já nos acostumamos com a famosa jornalista do
“Morning News” e com a não menos famosa agente da CIA.
Tivemos tempo para conhecer Brigitte Montfort, e
aprendemos amá-la. Entendemos que ainda esteja em estado
de choque porque faz menos de duas horas que conheceu
seus filhos — sussurrou Héctor com carinho.
Brigitte fechou os olhos.
❖❖❖
— Creio que agora já lhe posso fazer uma pergunta,
Héctor — falou a jovem Brigitte Montfort com um sorriso
esplendoroso. — Eu estou curiosa para saber o que pensa, o
que pinta e o que escreve?
Héctor também sorriu com a pergunta. Contemplava,
extasiado a moça que estava a seu lado na cama,
completamente desnuda: sua pele era macia, suave como a
seda, os olhos azuis refulgiam e ele estava encantado com
sua personalidade marcante. Acabavam de fazer amor e
Héctor Diosdado sabia que jamais iria esquecer-se de
Brigitte Montfort. Jamais!
— Penso na beleza que existe na vida — sussurrou. —
Pinto as visões mais belas que meus olhos podem ver e
escrevo para recordar aos seres humanos que todos nós
possuímos algo muito valioso chamado “sentimentos”.
— Você só fala coisas lindas! — murmurou a jovem.
— Isso não é difícil. Só é necessário se aprimorar o
espírito e a partir de então, os olhos começarão a ver as
belezas que existem e quando isso acontecer, os lábios só
falarão palavras suaves e ternas. Você ficaria magoada se eu
lhe fizesse uma pergunta?
— Não poderia... Pergunta.
— O que forçou você aceitar, o que a impulsionou, por
que concordou com esta aventura que, estamos vivendo
neste instante?
— Jamais tive “aventuras”, só tive “amores”
— respondeu, zangada. — Vários, talvez dezenas, mas
sempre amores, nunca aventuras.
— Ao falar desse modo está querendo dizer que me ama?
— Se eu não estivesse enamorada por você, juro como
não estaria aqui a seu lado, mas não fique muito
entusiasmado porque é fácil alguém j se apaixonar por você.
É um homem de personalidade, de espírito forte, tem um
caráter doce, inteligente, corajoso e decidido... Por que ficou
tão admirado quando eu disse que estou enamorada?
— Nós nos conhecemos há menos de vinte j e quatro
horas, Brigitte. Chegamos hoje de manhã a Mar dei Plata,
estivemos perto da mansão
e depois, como coisa mais natural do mundo, viemos a
este chalé que Cavanagh nos facilitou. Tudo aconteceu com
tanta rapidez...
— Ou você não é tão inteligente como eu supunha ou
então, é um mentiroso. Qual a importância do tempo para um
homem que escreve para recordar que os seres humanos
possuem uma riqueza inestimável chamada “sentimentos”?
O dia começava a escurecer. Estavam num chalé
construído à beira-mar e podiam ouvir o muralhar das ondas.
A beleza de Brigitte Montfort era alucinante, luminosa e
harmoniosa. Contemplou-a, sorrindo e respondeu:
— Eu só queria ter certeza.
— De quê?
— Eu queria saber se realmente você é como eu e sabe o
que significa “sentimentos”.
— Parece que a vida não foi muito bondosa com você,
Héctor.
— Até agora, não, mas no futuro será diferente —
sussurrou com os lábios quase grudados nos dela.
❖❖❖
Brigitte retornou à realidade. Viu que os filhos e
Cavanagh a fitavam sorrindo, percebeu que seus lábios
também sorriam e certamente este sorriso tinha permanecido
enquanto evocava aquelas horas felizes e distantes.
— Na verdade nunca precisei mais do que meia hora para
saber a quem devia e a quem não devia amar. Porém com
vocês foi diferente, assim que os reconheci, eu os amei. E
carece de sentido eu continuar vivendo separada das pessoas
que amo.
— Então... por que você não está vivendo com Número
Um? — perguntou Héctor.
— Talvez tenha chegado o momento de eu mesma me
fazer esta pergunta — murmurou a divina. — Pergunta que
até hoje ainda não me tinha feito.
❖❖❖
— Vocês têm certeza que antes já tinham mencionado
Número Um? — perguntou Ottobermayer com expressão
preocupada.
— Claro. Podemos até passar parte da gravação.
Ottobermayer era um homem de quase um metro e
noventa, rijo e forte como um urso. Tinha cabelos ruivos,
olhos verdes e fazia já alguns anos que vivia regiamente com
o dinheiro que ganhava alugando seus serviços de
mercenário. Os lábios finos se distenderam em um sorriso
cruel.
— Tenho a impressão que este vai ser o grande negócio
de minha vida.
— Vai render o suficiente para que abandonemos tudo e
recomecemos outra vida como a que desejo? — perguntou a
loura que estava ao seu lado.
Ele olhou para ela e sorriu mais abertamente.
— Amor, vai render mais do que o suficiente. Parece que
você ainda não compreendeu o que significa caçar a agente
Baby e o Número Um com uma única paulada?
— Por que está tão eufórico se viemos somente para fazer
isso? — perguntou outro sujeito.
— Sigmund, eu sei por que viemos e de forma alguma,
iria desperdiçar esta oportunidade. E agora me está
ocorrendo uma ideia genial, absolutamente fantástica. Nada
mais falaram que nos pudesse interessar?
— Não. Desde que avisamos você, eles só estão
comentando sobre os filhos de Brigitte Montfort... Devem
ser dois jovens fascinantes.
— Fascinantes? Por que fascinantes?
— São especiais em muitos pontos, escute: têm viajado
bastante e muitas coisas têm ocorrido durante essas viagens,
mas eles sempre encontram um meio para se livrarem dos
apuros. Foi uma pena que também não tivéssemos instalado
uma televisão junto com esta aparelhagem de escuta... Eu
gostaria de vê-los. Sabe, quando estivemos na Tailândia, as
coisas ficaram mais...
— O que entende? — surpreendeu-se o mercenário.
— Presentemente o senhor Bush se encontra em Camp
David com um convidado realmente excepcional: o senhor
Mihail Gorbachev, o líder soviético. Os lituanos que o
contrataram para matar o senhor George Bush esperam que
os Estados Unidos acusem o líder da União Soviética como o
organizador do homicídio que vitimou o presidente dos
Estados Unidos e isso só poderá criar problemas bem sérios
entre as duas nações. Esses problemas de âmbito
internacional se tornariam tão graves que ninguém mais iria
preocupar-se com a Lituânia, um dos menores e mais
insignificantes países do Báltico que tem atravessado
décadas, embalado pelos desejos de independência. Desejos
e sonhos que vêm se arrastando durante todo os anos que
está agregado à mãe Rússia. O povo lituano nunca foi tolo e
aproveitaria as divergências entre as duas nações poderosas,
Rússia e os Estados Unidos, para continuar agindo
sigilosamente em prol da independência da pátria. Portanto,
Ottobermayer, o que realmente estão desejando seus chefes
lituanos não é a morte do senhor Bush concretamente, mas
um meio viável para Lituânia tornar-se um país
independente. Correto?
O mercenário estava tão pálido que mais parecia um
cadáver. Marlene e Kimiun poderiam ser confundidos com
duas estátuas de gesso. O rosto de Cavanagh se tinha
convertido em máscara sarcástica, enquanto os olhos
observavam Ottobermayer atentamente, mas este não
conseguia reagir. Brigitte aguardou em silêncio algum
comentário, que não aconteceu.
— Agora estou curiosa para saber qual a ligação dessa
loucura lituana com Mister Cavanagh. Entendo
perfeitamente que vocês mantêm esta casa sob vigilância e
controle, pelo menos acústico, mas ainda não entendi por
quê. O que esperam conseguir, mantendo Cavanagh sob
vigilância? De que modo Cavanagh poderá ser-lhes útil a fim
do assassinato se tornar uma realidade?
— Cavanagh é o chefe do Grupo de Ação da CIA, e
inicialmente minha ideia era manter sua propriedade sob
vigilância total porque só assim ficaríamos sabendo se aqui
existia algum movimento que pudesse ser perigoso para nós.
Tão logo tudo estivesse sob controle, invadiríamos este chalé
e obrigaríamos Mister Cavanagh fazer o que lhe
ordenássemos. E uma de nossas primeiras providências seria
forçá-lo, a fim de que ele mandasse alguns de seus homens a
Camp Davis para eliminar Gorbachev.
— Eliminar Gorbachev! O senhor não disse que queria
que eu matasse George... o senhor Bush?
— Eu ia mandar a senhorita eliminar ambos. Gorbachev,
por causa dos planos dos lituanos e Bush porque o odeio
com toda minha alma. Somente para matá-lo, aceitei este
trabalho dificílimo, que há muitos até poderia parecer
impossível!
— E praticamente é impossível, senhor Ottobermayer.
Por que odeia o senhor Bush dessa maneira?
— Porque quando ele era o diretor da CIA, propus-lhe
um negócio estupendo que deveria ser realizado na América
do Sul. Não chegava a ser um negócio na expressão da
palavra, mas uma negociata que me teria rendido uma
fortuna e aos Estados Unidos, benefícios sócio-políticos
enormes. Bush recusou minha oferta e ainda me prejudicou
quando soube que eu ia associar-me com alguns chineses, a
fim de realizar o tal negócio. Levei uma boa temporada
sendo perseguido pela CIA.
— Pelo que pude entender, o senhor não é uma caça
muito fácil —: sorriu Baby para surpresa de todos. —
Imagine, nem os agentes da CIA conseguiram pegá-lo.
— Realmente — dessa vez, Ottobermayer sorriu mais
descontraído. — Mas talvez devêssemos dizer que fui um
cara afortunado porque minha caçadora não era a agente
Baby.
— É verdade, a sorte é sua companheira, se não tivesse
uma boa estrela, talvez o senhor Bush solicitasse minha
ajuda. E de mais a mais, rato que foge não cria problemas.
— Fugia, mas agora já não fujo.
— Essa é uma das razões porque gosto de exterminar
todos os ratos. O senhor é um exemplo como eles não devem
ser perdoados. Continua aqui e já está procurando criar
problemas e uma situação por demais desagradável.
— A senhorita considera a situação somente
desagradável? Eu pensava controlar Mister Cavanagh e
agora também estou controlando a agente Baby. Posso entrar
em contato com alguns de seus melhores Simons e avisar:
“Rapazes, se vocês não acabarem com Gorbachev dentro de
quarenta e oito horas, eu matarei Baby, a amada por todos
vocês”. O que não fariam seus Simons queridos se tivessem
que escolher entre a vida de Gorbachev e a morte de Baby?
Brigitte gelou, mas continuou em silêncio. Ottobermayer
riu. Bebeu mais uísque, olhou para Héctor e Bridget s depois
comentou com ironia:
— Sei que esta notícia também causaria sensação: “A
senhorita Montfort é mãe de dois jovens maravilhosos”.
Hoje eu também poderia ficar rico com as coisas que escutei.
Quanto um jornal não pagaria para publicar em primeira mão
que a senhorita Montfort, repórter do “Morning News”, é
nada mais, nada menos do que a agente Baby famosa
internacionalmente? Sinceramente, senhorita Montfort, é
uma mulher corajosa, uma pessoa notável! O que aconteceu
exatamente com seus filhos? Por que levou todos esses anos
pensando que ambos estavam mortos? Nós ouvimos toda a
conversa e a emoção do momento do encontro. O que
aconteceu naquele dia quando as crianças estavam apenas
com uma semana?
— Eles me enganaram — murmurou Brigitte.
— Cavanagh e o pai de meus filhos acharam melhor
enganar-me... Cavanagh ainda não me explicou os motivos
detalhadamente, mas agora as explicações não são mais
necessárias porque eu já compreendi como as coisas
aconteceram.
— E como aconteceram? — perguntou Ottobermayer.
— Por que está querendo saber como tudo ocorreu? Por
quê? Já sei. Está querendo ganhar tempo e enquanto espera,
quer bisbilhotar minha vida, não é?
— Sim, é isso mesmo.
— E o que está esperando? Não, não me diga que está
esperando pelos lituanos?
— Puxa! Seu sexto sentido jamais falha, senhorita
Montfort?
— Quase posso prever porque os está esperando. Eles são
os chefes, as pessoas que dão as ordens que devem ser
obedecidas.
— A senhorita é muito esperta. E esperta demais!
— Ottobermayer, ninguém é esperto demais —
murmurou a espiã. — Até a mim eles conseguiram enganar
naquele dia... E não usaram uma mentira fácil de ser
preparada. Bem verdade que foi arquitetada por Cavanagh,
um homem inteligente e astuto que com o passar dos anos
alcançou um dos postos de comando mais importantes da
CIA e também conseguiram enganar-me porque eu confiava
plenamente em ambos, tanto em Cavanagh como no pai de
meus filhos. Foi essa confiança total que os ajudou bastante.
— Entendo. De que forma a enganaram?
Brigitte levou alguns segundos calada, com o olhar
perdido, ordenando aquelas recordações tão reveladoras
depois de mais de vinte anos. Quando começou a falar
parecia ter esquecido de Ottobermayer e das outras pessoas
que estavam na sala.
— Depois que aquela missão da Argentina terminou,
voltei para os Estados Unidos. Aqueles dias ficaram
marcados para sempre, pois neles conheci Cavanagh e amei
Diosdado... Quase em seguida, tive certeza que estava
grávida. Minha primeira intenção foi comunicar-me com
Héctor. mas lembrei-me que ele ainda estava resolvendo os
arremates finais na companhia de Cavanagh.
Decidi que era melhor esperar e continuei esperando sem
falar com Héctor, porém um dia descobri que já não podia
continuar escondendo meu ventre avolumado. Resolvi ir
imediatamente para Argentina, precisava encontrar-me logo
com ele, mas Héctor estava viajando e seu paradeiro era
desconhecido. Cavanagh estava de viagem marcada para a
Argentina. Contei-lhe o que me estava acontecendo e ele
prometeu que assim que localizasse Héctor o poria a par do
problema, porém isso não ocorreu com muita rapidez porque
Cavanagh precisou agir com muita cautela para não
prejudicar os interesses da CIA. O encontro só ocorreria
alguns meses mais tarde quando finalmente, eu e Héctor nos
reencontraríamos no oeste da Argentina, quando faltava
apenas um mês para eu dar a luz e já fazia quatro que eu
tinha abandonado Nova Iorque. Eu passei os primeiros dois
meses em um chalé nas proximidades de Mar dei Plata que
Cavanagh me tinha arranjado... Depois viajei para os Andes.
Fiquei em uma localidade perto de Mendoza e foi lá que
aconteceu nosso reencontro. Eu e Héctor vivemos dias
maravilhosos, repletos de amor sem sexo, devido a meu
estado avançado de gravidez. Quando o momento chegou,
ele e Cavanagh me transportaram a uma clínica espetacular,
cercada por jardins floridos e perto de Mendoza. Fui muito
bem atendida, tive mais cuidados e atenções do que poderia
ter numa Argentina após uma tentativa de insurreição
militar. Meus filhos nasceram lindos e cinco dias após o
parto, voltamos para os Andes. Dois dias mais tarde,
Cavanagh veio visitar-me e perguntou o que eu pensava
fazer. Até então, ele tinha tratado de tudo com sigilo
absoluto para proteger a mim e às crianças. Por isso, estas
ainda nem registradas estavam. Disse-lhe que queria registrá-
las com meu nome, na embaixada norte-americana de
Buenos Aires. Cavanagh respondeu que antes teria que
resolver alguns assuntos importantes, mas assim que estes
ficassem prontos trataria do registro das crianças. Porém,
continuaria usando da mesma discrição e cuidados.
Naturalmente aceitei seu oferecimento e quatro dias mais
tarde, tornou a visitar-me quando então me comunicou que
tudo já estava providenciado.
Brigitte calou-se de repente. Aspirou fundo e esmigalhou
o toco do cigarro no cinzeiro. Levantou-se impulsivamente.
Kimiun se assustou e apontou a arma em sua direção.
A divina nem sequer olhou-o e se aproximou da janela
que dava para o jardim da parte detrás da casa.
Levou mais de um minuto em silêncio, como se se
encontrasse em local bem distante dali e, depois continuou
contando o que tinha acontecido naquele dia fatídico:
— Cavanagh conseguiu um helicóptero com o qual nos
transportamos até um lugarejo que estava situado entre Rio
Luján e Buenos Aires. Chegamos àquele local quando já era
noite. Havia dois carros escondidos e Cavanagh explicou-
me porque eram dois: Achava que eu deveria ir diretamente
à embaixada onde passaria aquela noite, Héctor e nossos
filhos chegariam pela manhã. Perguntei-lhe por que achava
conveniente aquela separação e, novamente, continuou
apelando para a segurança que vinha usando; disse-me que
se alguém me reconhecesse poderia tentar metralhar-nos ou
colocar uma bomba incendiária sob o carro cu qualquer
outro vandalismo. Eu sabia que nem todos os implicados no
golpe de dez meses atrás tinham sido detidos ou erradicados
do país. Mais uma vez, tive que agradecer por seus zelos e
cuidados. Disse-lhe que era um homem especial porque
pensava em todas as minúcias, em todos os detalhes.
Portanto, depois de fazermos algumas caçoadas sobre os
apuros que Héctor passaria aquela noite, levando e fazendo
mamadeiras, além de mudar fraldas em duas crianças que
não paravam de molhá-las, despedimo-nos. O carro de
Héctor partiu, levando-o com as crianças, eu tomei o outro
que seguiu em direção à Buenos Aires. Cavanagh, por sua
vez, disse-me que ia regressar de helicóptero à base da CIA.
Tudo me pareceu natural e muito bem planejado por aquele
Simon extraordinário que eu havia salvado da morte dez
meses atrás. Bem verdade, que tinha ficado coxo, mas estava
vivo, cheio de energia e de projetos... Eu sabia que Cavanagh
não titubearia em dar sua vida para proteger-me. Sabia que
era um amigo leal, dedicado e jamais poderia ter imaginado
que me estivesse mentindo em algo tão trágico e importante.
Algo crucial em minha vida!
— Você sabe que eu realmente teria dado minha vida por
você — balbuciou Cavanagh. — E o mesmo faria ainda hoje
se fosse preciso. Passei estes anos todos disposto a fazer o
que fosse possível por você, só não motivado por amor
pessoal, mas também por saber que o mundo inteiro
necessitava de sua ajuda, Apesar de ser apenas uma pessoa,
eu sabia que seu trabalho era necessário a toda humanidade.
Você reconhece que estou falando a verdade e sabe que fiz a
melhor escolha que podia optar!
— Entendo, pensou na humanidade' inteira, mas eu lhe
pergunto: Por acaso, Brigitte Montfort também não fazia
parte dessa mesma humanidade?
— Sei que você entende porque fiz o que fiz — sussurrou
o espião.
— Sim, hoje eu o entendo. Entendo-o porquê sempre
confiei em você, mas reconheço que naqueles dias minha
confiança não devia ter sido tão ampla, mas quê motivos eu
tinha para desconfiar de você? Como eu poderia imaginar
que meu amigo tivesse um coração tão duro, a ponto de
provocar minha infelicidade e a maior dor que senti em toda
minha vida? Cavanagh, quero que me responda
sinceramente: Como teve coragem de planejar algo tão
diabólico?
— Acabem com esse falatório e conte logo o que ele fez!
— cortou Ottobermayer.
— Meu carro não tinha percorrido nem quinze metros
quando vi o resplendor das labaredas clareando a noite. Dei a
volta e retornei ao local onde eu e Héctor tínhamos nos
despedido momento antes... O incêndio parecia aumentar de
minuto em minuto e acontecia exatamente nas proximidades
da estrada que ele tinha seguido... Logo depois vi o
helicóptero também retornando e descendo... Continuei por
aquela estrada e quando cheguei próximo ao local do
acidente, Cavanagh já tinha saltado do aparelho e corria para
o carro com um extintor de incêndio. Também comecei
correr para lá, mas Cavanagh me gritou, pedindo que eu não
continuasse porque o carro poderia explodir de um momento
para o outro. Reparei que o chão estava todo manchado de
óleo que tinha vazado e foi então que imaginei o esforço
sobre-humano de Héctor quando tentava controlar o veículo
que certamente, acabou derrapando e se precipitando pelo
barranco. Tinha capotado na queda e agora, estava ardendo
como uma fogueira incandescente... Não quis pensar em
mais nada e comecei a descer pelo barranco. Cavanagh
novamente gritou para eu não me aproximar, mas eu cheguei
bem perto... Ele estava utilizando o extintor, mas as chamas
continuavam crescendo... Queimei um pouco os braços, as
sobrancelhas e os cabelos ficaram meio chamuscados, mas
não pude prosseguir porque senão, também seria envolvida
pelo fogo que continuava se alastrando. Finalmente,
Cavanagh conseguiu controlar o incêndio. Es estava
paralisada, olhava para o carro, esperando que alguém saísse,
mas isso não aconteceu... Cavanagh se aproximou dele s as
luzes do helicóptero clarearam seu interior. E foi então que
ele viu o que havia acontecido... Disse-me que Héctor e
meus filhos estavam presos entre os ferros retorcidos... Não
falou mais nada,, segurou meu braço e me guiou à estrada
novamente.... Disse-me, mais tarde, que achou preferível cu
não ver aquele quadro horrível... Levou-me para o
helicóptero e pelo rádio chamou dois companheiros. Disse-
me que eu ficasse descansada porque ele cuidaria de tudo...
Quando o estado de estupor foi passando, Vi-me dentro de
um carro dirigido por um Simon e já bem. longe dali. O
rapaz queria levar-me para minha casa em Nova Iorque, mas
eu não quis abandonar a
Argentina até saber como tudo havia terminado... Recebi
alguns recados de Cavanagh assegurando-me que nada mais
podia ser feito e que eu devia ter resignação... Passei mais de
um ano sem vê-lo e não sei por quê, comecei a desconfiar
que ele evitava encontrar-se comigo. Mantínhamos contato
constante, mas distante e hoje sei por que ele não se atrevia
olhar para mim e nem suportava meu olhar... Foi isso que
aconteceu, não foi, Simon? Não se encontrava comigo
porque não tinha coragem...
— Sim — confirmou o espião.
— Quer dizer que Cavanagh simulou a morte de Héctor e
das duas crianças? Que tudo foi preparado por ele, que o
incêndio existiu, mas as vítimas estavam a salvo?
— Sim. Tudo foi preparado pelos dois. Assim que me
afastei, Héctor tirou meus filhos do carro, empurrou-o por
cima das manchas de óleo que já estavam espalhadas pelo
chão, ligou o motor, acionou-o e no instante que o carro se
aproximava da ribanceira, ele abandonou-o e o deixou rolar
pelo barranco. Depois desceu correndo, para encharcá-lo
com gasolina e ateou fogo. Em seguida, afastou-se com as
duas crianças. Naquele momento me perdi para sempre, mas
conservaria os filhos, que eram uma parte de mim... Eu
conhecia Héctor muito bem e sei que só agiu daquele modo
porque estava pensando que eu superaria a dor. E foi isso
que aconteceu. Superei-a como sempre superei todos os
medos, desgostos e sofrimentos... Ele temia perder-me, tinha
medo que nossa união terminasse de repente, abruptamente
com mágoas de ambas as partes... Optou por aceitar o plano
de Cavanagh e dessa forma, embora perdendo- me,
continuava tendo uma boa parte de mim a seu lado. Se eu
tivesse insistido e se tivesse olhado para o interior do carro, o
plano teria fracassado, mas acreditei em Cavanagh e o deixei
levar-me de volta para a estrada. Fiquei abobalhada e quando
voltei a mim, já estava longe... O plano foi muito bem urdido
para ser tramado por Héctor, tenho certeza que seu autor foi
Cavanagh.
— Depois todos falam que os mercenários são a escória,
mas quando um plano podre como este é preparado por um
espião, ainda dizem que o safado é inteligente.
— Um espião é um espião — falou Brigitte.
— Mentem porque têm que mentir e quando estão
cumprindo uma missão também se esquecem, que possuem
um coração.
— Então devo entender que nem a agente Baby tem um
coração? — disse Ottobermayer.
Antes que ela tivesse tempo para responder, Cavanagh
interveio:
— Brigitte tem um coração enorme e foi por isso que
manipulei seu destino. Não me arrependo dé ter feito o que
fiz, porque se eu me condoesse de sua dor somente duas ou
três pessoas iam beneficiar-se com a bondade, meiguice e
caridade que existe nesse coração de anjo... Quando forjei o
plano que você considerou podre, eu estava pensando no
bem da humanidade e não me arrependo porque naquele dia,
criei uma espiã para toda a eternidade! E não vai ser você
quem irá prejudicar minha obra, seu brutamontes!
— Não, Simon! — gritou Brigitte quando percebeu que
Cavanagh ia atacar o mercenário gigante.
Este não pareceu surpreso com aquela reação
tempestuosa do espião. Apertou o gatilho e o chefe do Grupo
de Ação da CIA gritou de dor e caiu, rolando pelo chão.
Tinha recebido uma bala na perna direita.
— Não dispare mais! — gritou Brigitte.
Ottobermayer virou a arma para seu peito.
Marlene e Kimiun também apontavam para os dois
jovens, enquanto Cavanagh observava toda a cena, ainda no
chão, sem encontrar algo no qual pudesse apoiar-se para se
levantar. E ao mesmo tempo, sentia o sangue quente
escorrendo pela perna.
Brigitte aproximou-se dele, ajudou-o a ficar de pé e o
amparou até uma das poltronas, onde o deixou sentado.
Depois sorriu com candura.
— Meu amigo, você tem vocação para coxo. Felizmente
sempre pode contar com a ajuda de Baby, não é?
— É se da vez passada não me tivesse ajudado, hoje eu
não estaria precisando de você — murmurou Cavanagh com
a testa perlada de suor.
— Claro, mas felizmente eu estava perto de você em
ambas as ocasiões e, agora faça o favor de ficar calmo.
Serene-se.
— Mate esse homem, minha Baby — pediu Cavanagh,
olhando Ottobermayer fixamente. — Mate-o!
— Não preciso ter pressa — respondeu Baby com tanta
frieza que o mercenário sentiu um friozinho correr pela
espinha.
— Pode não ter pressa, mas eu vou liquidá-la
imediatamente!
— Escute o que vou falar, Ottobermayer: Se eu morrer,
suicide-se em seguida porque meus Simons investigarão
minha morte até localizarem o verdadeiro culpado. Só
descansarão depois que apanharem o criminoso. Tenho
certeza que o encontrarão com facilidade e se isso acontecer,
o senhor vai arrepender-se por não ter seguido meu conselho.
Sou seu seguro de vida, por isso não abuse. Creio que
chegou o momento de conversarmos como duas pessoas
civilizadas. Talvez até possamos encontrar uma saída
vantajosa para ambas as partes. Entendeu onde estou
desejando chegar?
— Evidente.
— Perfeito. Vou até o banheiro para apanhar um estojo
de primeiros socorros para cuidar do ferimento de Cavanagh.
Acompanha-me ou confia em minha palavra?
— Eu a acompanharei, pois ainda não confio em suas
promessas.
— E faz bem em não confiar.
❖❖❖
Os três homens que estavam na camionete trocaram um
olhar preocupado. Vinham escutando tudo perfeitamente e
agora, de um momento para o outro, só havia silêncio na
casa de Cavanagh.
Ficaram na escuta por mais alguns minutos e finalmente,
Sigmund murmurou:
— Aquela mulher está dominando Ottobermayer e o
idiota nem está se apercebendo disso, porém nós que
estamos na escuta podemos entender perfeitamente o que
está acontecendo. Devíamos avisá-lo, alertá-lo...
— Bem que sugeri que cada um de nós trouxesse rádio de
bolso, porém os chefes, ou melhor, o próprio Ottobermayer
achou que esta aparelhagem de som era suficiente — falou
Bekno com certa ironia. — Ele disse que nada mais era
necessário porque o plano estava perfeito.
— Claro, estava perfeito, mas ninguém calculava que a
agente Baby iria entrar em cena — respondeu Sigmund.
— E nem tampouco seus filhos — continuou Spolka. —
A chegada dos meninos modificou tudo. Ela é uma mulher
ardilosa, mas deve estar agindo com muito mais tato, pois
sabe que Mar- lene ou Kimiun poderão matar um dos jovens
facilmente.
— Sim, seu raciocínio concorda com o meu — disse
Sigmund. — Porém se ela continuar controlando
Ottobermayer, eu irei até lá para alertá-lo.
— Acho melhor todos nós permanecermos aqui.
Roenback não deve tardar e quando chegar, virá com os
lituanos. Vamos esperar.
❖ ❖❖
Com ajuda de algumas pinças que sempre trazia na
maleta vermelha, Brigitte conseguiu remover a bala que
estava incrustada na coxa de Cavanagh. As dores foram
grandes e o espião perdeu os sentidos durante aquele
tratamento improvisado.
Baby tinha rasgado sua calça até quase a virilha e quando
ele recuperou os sentidos a colega o enfaixava com uma tira
de gaze.
Repentinamente Brigitte Baby Montfort o fitou de forma
estranha e Cavanagh teve a impressão de que aqueles olhos
azuis desejavam vasculhar seus pensamentos e quase se
surpreendeu quando a escutou perguntando:
— Você gosta de dançar o tango?
Mister Cavanagh entrecerrou os olhos e não respondeu.
Bridget olhava para um e outro, percebendo que as
pálpebras de Cavanagh principiavam a verter lágrimas e
estas já lhe escorriam pelas faces. A moça ficou sensibilizada
com elas e a emoção aumentou quando viu a mãe
acariciando o resto do amigo.
Sorriu e olhou para Brigitte.
— Quer 'dizer que você não lhe guarda rancor, mamãe?
— Ele sabe que não, e é por isso que está chorando. Por
isso e porque deve estar se lembrando de outro dia, quando
eu também lhe perguntei se gostava de dançar o tango.
❖❖❖
— Então o caso já está resolvido e eu posso voltar para
casa? Todo o problema se resolveu tão facilmente? —
perguntou Brigitte.
Cavanagh, um homem jovial, alto, bonitão e de olhos
cinzas, sorriu.
— Exato. O contato funcionou admiravelmente e ainda
esta noite tenho que estar em Buenos Aires. Vou ter uma
entrevista que deverá solucionar o problema ou pelo menos
prepará-lo para ser resolvido.
— Isso significa que a revolta armada foi abafada? —
perguntou Diosdado.
— Trabalhamos bem e conseguimos evitar o massacre!
— Nós trabalhamos? — indagou Brigitte. — Juro como
eu não fiz nada!
— Você diz que não fez nada? — o olhar de Cavanagh
transbordava de malícia. — Tem coragem de dizer que não
fez nada!
— Bem, eu me. apaixonei aqui em Buenos Aires, mas
isso não é...
— Entendo o que você quer falar — interveio Héctor. —
Tenta dizer que os momentos inolvidáveis que nós dois
vivemos nada representaram, não é?
— Você não está sendo justo comigo, Héctor —
respondeu a jovem.
— Perdoe-me, querida — o rapaz enlaçou-a pela cintura
e a puxou para si. — Estou arrependido, fui um bruto, mas
você nem pode imaginar como me sinto amargurado só em
pensar na nossa separação.
— Algum dia talvez possamos ficar longe, mas isso não
aconteceu.
— Não acredito! Você não vai retornar aos Estados
Unidos? Vai ficar aqui comigo?
— Por ora, sim.
— Para sempre? — o rapaz estava exultante.
— Não sei. Você sabe que eu trabalho em Nova Iorque...
mas poderia acontecer o reverso, por exemplo, alguém ir
comigo para Nova Iorque.
— O que eu ia fazer naquela cidade?
— Um homem inteligente como você pode vi ver em
qualquer lugar, tanto em Nova Iorque como em qualquer
parte do mundo, Héctor.
— Embora sabendo que a situação já está praticamente
resolvida, prefiro continuar na minha Argentina e manter-me
bem vigilante até ter certeza que as possibilidades de uma
revolta foram enterradas para sempre.
— Compreendo seu interesse, mas eu tenho que voltar a
meu trabalho...
— Perdoem-me a interrupção — cortou Cavanagh com
um sorriso malicioso. — Se há uma coisa que não tolero, é
escutar as conversinhas de dois namorados. Por isso, vou
deixá-los sozinhos e, de mais a mais, está ficando tarde e eu’
preciso ir para Buenos Aires.
— Onde a entrevista será realizada? — perguntou
Brigitte.
— Na rua de Las Ánimas, número vinte e dois.
— Rua de Las Ánimas não passa de um beco imundo e
deserto que fica localizado fora da cidade. Lá só vivem
ratões e larápios! — exclamou Héctor Diosdado.
— O local não é o mais importante — retrucou o espião.
— Ou você julga que é o lugar que vai influenciar as
negociações?
— Não, claro que não...
— Então, adeus e que ambos sejam felizes e vamos torcer
para a vida nos reunir algum dia.
—- Encontros é o que mais acontecem — respondeu
Brigitte, sorrindo.
Cavanagh também sorriu. Apertou a mão de Héctor e
depois a da moça e, inopinadamente, beijou-a nas duas faces
e em seguida lhe deu um beijo rápido nos lábios. Não falou
mais nada e abandonou a casa de praia que estava localizada
nas proximidades de Mar dei Plata, na qual a senhorita
Montfort tinha vivido horas repletas de amor e felicidade.
Apanhou o carro que estava estacionado na frente ao
chalé e rumou para Buenos Aires.
Repentinamente, sem saber por quê, começou a pensar
em Brigitte Montfort, uma jovem linda que mal estava
iniciando uma vida de espionagem e já prometia se tornar
uma ótima espiã.
Ela não tinha nascido para tomar conta de uma casa ou
cuidar de jardins.
Não.
Não conseguia imaginá-la como uma dona-de- casa
vulgar, preocupando-se com panelas ou com o que ia servir
para o jantar.
— Seria uma verdadeira estupidez! — falou alto o
homem mais forte da CIA da Argentina.
— Cada pessoa nasce com sua estrela própria e a desta
jovem ainda deverá brilhar muito, muito!
Estava anoitecendo quando chegou a Buenos Aires e já
tinha escurecido completamente quando chegou à rua Las
Ánimas. A ruela era pequena e lodosa.
Deixou o carro estacionado na esquina e começou andar.
Imediatamente um homem surgiu à sua frente e perguntou:
— Você é o Cavanagh?
A noite não tinha luar e a iluminação era por demais
deficiente, apenas quatro lâmpadas protegidas com globos de
porcelana. Pensou nas palavras de Héctor, mas tentou
dominar seus maus presságios. Um gato miou ao longe e o
espião norte-americano sorriu porque a letra de um tango
veio à sua mente: y un gato de porcelana para que maulle al
amer... y todo a media luz, a media luz los dos...
O desconhecido começou andar e ele o acompanhou. Só
parou junto a um portão que se encontrava quase no final do
beco e perto de um córrego que corria dentro de uma vala de
madeira com ripas de quase dois metros de altura.
Cavanagh achou o local sórdido.
O homem entrou numa casa velha, com tipo de
abandonada. O espião entrou atrás dele. O desconhecido
fechou a porta e acendeu a luz. O vestíbulo estava vazio, mas
tinha uma escada que levava ao segundo andar. Subiram-na e
o homem abriu a porta de um apartamento grande e o levou
para uma sala também ampla e desarrumada.
Assim que penetrou nesta sala, Cavanagh entendeu que
jogara no escuro e havia perdido a primeira partida do jogo,
pois seu auxiliar estava esparramado em uma poltrona com o
rosto e as mãos cobertos de sangue. O homem que fizera os
primeiros contatos para aquela reunião realizar-se naquele
momento, estava mais morto que vivo.
Cavanagh olhou para os outros indivíduos que estavam
dentro da sala: além do homem que tinha chegado com ele,
havia mais três com aspecto de assassinos profissionais e
além destes, outros três com tipo mais refinado, vestindo-se
com esmero e elegância.
Todos o fitavam com olhares especulativos, semelhantes
aos dos gatos quando se preparam para estraçalhar um
camundongo indefeso.
Um dos que tinham tipo de criminoso aproximou-se dele
e com gestos amáveis tirou a pistola que ele trazia sob a
axila.
Um de seus companheiros riu, e a risada ecoou pela sala
como um uivo de hiena que se preparasse para pular sobre a
vítima.
Os homens com aspecto de matadores profissionais
deviam ter menos de quarenta e cinco anos. Porém dos três
elegantes, um já devia estar beirando os setenta, era um tipo
grandalhão, e barrigudo. Os outros dois não aparentavam
mais de quarenta anos.
O primeiro que falou foi o mais idoso de todos.
— Então você é o tal Cavanagh, o cara que vem nos
aborrecendo há dias?
— Sim e imagino que vocês sejam os vagabundos que até
esta manhã estavam reunidos em uma mansão em Mar dei
Plata, somente para organizarem crimes terríveis. O dia
amanhecia quando me avisaram que vocês tinham zarpado
em um iate. Imaginei logo que tivessem arranjado outro
esconderijo. Sempre soube que porcos só abandonam o
antigo chiqueiro, depois de terem arranjado outro mais
protegido.
— Gringo, sua língua é desavergonhada e afiada. Olhe
para seu amigo — falou o mais velho de todos, mostrando o
contato de Cavanagh. — Veja se ele não se transformou em
um porco traidor? Primeiro nos enganou, fingindo que
simpatizava com nossa causa, mas na realidade colaborava
com a CIA.
— Ele apenas impediu que vocês gastassem o dinheiro
arrecadado nessa revolta armada que só podia trazer luto e
tristeza à nação Argentina.
— Palavras bonitas que têm sentido estúpido — riu um
dos elegantes.
— Creio que essa conversação é pura perda de tempo —.
disse o velho. — Queríamos conhecer Cavanagh antes de
matá-lo. Já o conhecemos, mas... talvez o norte-americano
chegue a um acordo conosco.
— Que tipo de acordo? — perguntou Cavanagh.
— Compreendemos que você não está sozinho em
Buenos Aires, embora tenha dispensado todos os seus
auxiliares. Sabemos, no entanto, que recebeu uma ajuda
especial e também sabemos que um argentino patriota até a
medula o está auxiliando. Nossa informação é correta?
— Faça essa pergunta a seus informantes.
— Estivemos conversando e, se você se tornar mais
maleável, sua situação talvez se modifique.
— Não sou tão tolo a ponto de deixar passar essa
oportunidade. Adoro a vida e penso que...
Os homens ficaram estarrecidos quando uma navalha
apareceu entre seus dedos. Ninguém saberia explicar como
ela tinha aparecido, mas todos eles tinham escutado o ruído
da mola quando a lâmina era liberada.
O homem que havia apanhado a pistola de Cavanagh, foi
o primeiro que compreendeu as intenções do espião. Gritou,
mas nada mais pôde fazer.
Cavanagh passou a lâmina pelo seu pescoço e quase lhe
decepou a cabeça. Em seguida, levantou-o do chão, girou seu
corpo inanimado no ar e o arrojou contra os outros homens
que o fitavam perplexos.
Um dos assassinos aproximou-se rapidamente. Apontou a
arma na direção de Cavanagh que já estava correndo para a
porta. Disparou.
O espião gritou de dor, girou sobre si mesmo, escorregou
pelo assoalho e foi cair no vestíbulo. Naquele instante o
assassino que o tinha ferido já estava saindo da sala e
supostamente desejava rematar sua obra.
Cavanagh jogou a navalha e esta foi enterrar- se na fronte
do homem que agora, berrava de dor.
O espião tentou levantar-se, mas sentiu uma dor atroz nos
quadris. Com dificuldade conseguiu pôr-se na posição ereta
quando dois homens já se aproximavam dele. Abriu a porta
do apartamento e saiu. As pernas bambearam e ele caiu pela
escada abaixo.
As dores eram insuportáveis, mas ele rolou pelo chão até
a porta, levantou-se de novo, encontrou a maçaneta, girou-a
e saiu à rua andando tropegamente. Deu alguns passos e
olhou para trás. Os dois sujeitos vinham em sua perseguição.
As pernas não queriam mais andar. Tropeçou numa pedra
e caiu no solo lodoso. Olhou para os dois sujeitos e viu
quando ambos levantavam as armas para disparar... E foi
então que aconteceu uma coisa que no primeiro momento
parecia ser inexplicável: um dos homens se sentou no chão,
levou alguns segundos parados, imóvel e em seguida, caiu
para trás com os olhos esbugalhados.
O que vinha um pouco atrás, deixou a pistola cair, pôs as
duas mãos no peito e estas ficaram vermelhas de sangue. O
ferimento não era mortal e ele olhou para a entrada do beco.
Cavanagh também olhou naquela direção e viu Brigitte
Montfort a poucos metros de distância, com o braço
estendido.
Plof. Dessa vez o espião escutou o disparo abafado e viu
a centelha saindo do cano da arma que ela segurava. O
sujeito que estava com um rombo no peito, recebeu outro
balaço na cabeça e caiu como um boneco.
Brigitte correu para Cavanagh, estendeu-lhe a mão e o
ajudou a levantar-se.
— Há mais gente? — perguntou.
— Três que não são pistoleiros... Eles estavam na mansão
em Mar del Plata...
— Temos que sair daqui e atravessar a canaleta.
Antes que Cavanagh falasse que não podia locomover-se,
Brigitte pegou o braço dele e o colocou em suas costas, por
cima dos ombros e praticamente o carregou enquanto corria
para a vala. Encostou-o nas ripas de madeira que tinham
quase dois metros de altura, mas o espião não teve forças
para manter-se em pé. Novamente segurou-o, levantou-o e
pulou com ele para o outro lado da vala.
— Deixe-me aqui. Eu não posso ajudá-la... minhas pernas
não me obedecem! Levei um tiro no quadril.
Brigitte ajoelhou-se a seu lado, contemplou-o algum
tempo e perguntou:
— Você pode ficar sozinho alguns minutos?
— Que está pensando fazer?
— Permaneça quietinho e em silêncio.
Brigitte pulou a vala e novamente voltou à rua de Las
Ánimas. Não havia ninguém a vista, melhor assim.
A espiã entrou correndo no edifício onde tinham armado
a emboscada para pegar Cavanagh. Entrou e subiu a escada.
Abriu a porta do apartamento e ficou parada junto ao portal
da sala.
Os três homens ainda continuavam lá e a olhavam
estupefatos. Um dos mais jovens segurava uma pistola com a
qual tinha acabado de matar o contato de Cavanagh. Esse
reagiu rapidamente e apontou a arma em sua direção.
Porém Brigitte foi mais ágil, apertou o gatilho e o cérebro
do sujeito ficou destroçado.
Os outros dois pareceram alarmados e levantaram os
braços.
— Espere podemos conversar — falou o mais velho com
voz trêmula.
A jovem espiã não hesitou um instante. Acionou o gatilho
de sua arma e os matou instantaneamente.
Saiu da casa e correu novamente para o riacho. Saltou-o e
se ajoelhou ao lado de Cavanagh que mordia os lábios e
suava copiosamente.
— Você gosta de dançar o tango? — perguntou, de
repente.
— Nunca... gostei de dançar.
— Menos mal porque o que lhe aconteceu hoje ia privá-
lo de dançar por algum tempo.
Cavanagh sorriu e perguntou:
— O que você fez?
— Nada especial. Apenas fiz meu trabalho.
❖❖❖
Sentia-se como se estivesse voltado de um outro mundo
ou vida... Procurou Brigitte com os olhos e a viu sentada no
sofá também olhando para ele. Era isso exatamente que
acontecia desde quando se conheceram na Argentina há mais
de vinte anos.
Os dois se entendiam com um simples olhar e Cavanagh
tinha certeza de que a amiga sabia o que estivera recordando.
Uma época que permaneceria vivida em sua mente para toda
a vida, porque a memória é um mecanismo prodigioso.
Só voltou realmente ao presente quando fez um
movimento com o pé e sentiu dor na perna inteira. Foi então
que ele se lembrou do que havia acontecido na rua de Las
Ánimas.
— Você não quer vestir uma outra calca? — perguntou
Brigitte com um sorriso maravilhoso.
Cavanagh respondeu que não com a cabeça, enquanto em
sua mente perguntava-se por que ela tinha que preocupar-se
se ele estava com a calça rasgada e a perna toda enfaixada
com gaze? Brigitte algumas vezes tinha reações absurdas...
Suas reações eram absurdas? — perguntou-se novamente
e quando olhou para a colega norte- americana que o fitava
com os olhos azuis maravilhosos compreendeu que seu
oferecimento nada tinha de absurdo. Ela simplesmente lhe
havia oferecido outra calça porque não queria que os lituanos
vissem sua perna machucada. Brigitte achava importante
ocultar o ferimento.
A campainha da porta soou três vezes seguidas e Kimiun
exclamou:
— Roenback já está aqui!
— Vá abrir a porta, mas antes de abri-la, certifique-se
para saber quem chegou realmente — autorizou
Ottobermayer.
Kimiun saiu da sala e vozes abafadas chegaram até eles.
Logo em seguida, o criminoso reapareceu acompanhado por
dois homens de olhos claros e cabelos lisos. Ambos tinham a
pele branca, de um branco pálido, desbotado.
Olharam para Ottobermayer e em seguida, para Brigitte
Montfort.
Um pouco atrás dos lituanos entrou Roenback que se
aproximou rapidamente de Ottobermayer e lhe falou
algumas palavras ao ouvido. Este pareceu concordar com
tudo que estava ouvindo, pois levou o tempo todo sacudindo
a cabeça em sinal de aprovação.
Depois Ottobermayer voltou-se para os lituanos e lhes
falou em russo:
— Não precisam continuar preocupados porque a
situação está sob controle, embora os senhores possam
considerá-la bastante complicada. Porém, são estas
complicações que garantem o sucesso de nosso trabalho.
— Não gostei porque há muita gente metida no negócio
— replicou o lituano mais alto. — Nós queríamos uma coisa
mais discreta, Ottobermayer.
— Parem de preocupar-se, eu já disse. Estou tranquilo
porque tenho todos os trunfos na mão.
— Não entendo, sinceramente. Se tem os trunfos na mão
por que nos mandou chamar?
— São os senhores quem pagam as contas e quero que
sejam os senhores que nos deem a ordem definitiva para se
levar o plano avante.
Os dois lituanos trocaram um olhar. O mais alto sentou-se
em uma poltrona, acendeu um cigarro e olhou para Brigitte.
— A senhora sabe quem somos? — perguntou em inglês.
— Sim.
— A senhora nos conhece? — exclamou com espanto.
— O senhor é Kilmo Zeraw e seu companheiro é Olno
Vierko.
Os dois ficaram pálidos como se fossem desmaiar.
— De onde nos conhece? — perguntou Olno Vierko com
um olhar de perplexidade.
— Há algum tempo atrás, uma pessoa procurou o serviço
secreto britânico para sugerir a eliminação de cinco
personalidades da política e indústria lituana. Na relação
apresentada e entre as fotos que foram entregues aos agentes
ingleses constavam os nomes dos dois.
— E quais eram os outros três?
Brigitte sorriu um sorriso amarelo e não respondeu.
Kilmo Zeraw pareceu um pouco aborrecido com seu silêncio
e sussurrou:
— Creio que esteja blefando... Por que não fala logo o
nome da pessoa que procurou o serviço secreto britânico. E
por que ela queria que fôssemos eliminados?
— Não sei, mas evidentemente ele tinha suas próprias
razões. Deduzo que. os cinco nomes constantes na lista já
representavam uma ameaça ao bom entendimento necessário
no sentido dos problemas poderem ser resolvidos
pacificamente.
— Há mais de cinquenta anos estamos tentando entender-
nos pacificamente como os russos — retrucou Olno Vierko.
— Eu os compreendo, mas não concordo com o modo
como procedem.
— Já sei, garanto como foi alguém da KGB quem propôs
esse lance sujo ao serviço secreto britânico; certamente em
troca de outro favor qualquer que os ingleses esperavam
obter dos russos... — ponderou Kilmo Zeraw.
— Mas como a senhora soube que alguém procurou o
serviço secreto britânico, a fim de propor que fôssemos
eliminados? — perguntou Olno Vierko.
— Tenho amigos espalhados pelo mundo inteiro. Eles me
informam muitas coisas e me solicitam outras tantas. No
momento em que as listas foram remetidas ao serviço secreto
britânico, este não estava aparelhado para atender uma ação
de tal envergadura. E mais uma vez, os agentes ingleses
pediram minha opinião. De início, me propus estudar o caso
e se este me parecesse conveniente, colaboraria com eles.
Depois de alguns dias, quando novamente me encontrei com
meu amigo britânico, expus-lhe meu ponto de vista: aquele
assunto não merecia minha atenção.
— Por quê?
— Porque agora não é o momento de se andar cometendo
assassinatos políticos, em minha opinião, agora é hora de se
dialogar. Meu amigo respondeu-me que concordava
plenamente com minha resposta.
— Então a senhora acha que estamos na hora de dialogar,
tal como Bush e Gorbachev fazem em Camp David, não é
verdade?
— Exatamente.
— E tem certeza de que os dois estadistas não estão
decidindo em benefício próprio o destino de Lituânia?
— Não fale absurdos. Tanto Lituânia, como Letônia e
Estônia são apenas três pequenos pontos problemáticos no
futuro da União Soviética. Eu até diria que quase
insignificantes se forem comparados com os outros assuntos
que estão sendo discutidos naquela conferência.
— A senhora sabe do que estão falando? — interveio
Olno Vierko.
— Claro.
— Quais os assuntos que estão tratando? — perguntou
Kilmo Zeraw.
A senhorita Montfort olhou para um e outro, antes de
responder:
— Desistam porque eu não falarei.
— Senhorita Montfort, se continuar negando-se a
colaborar conosco, nós mataremos seus dois filhos! —
ameaçou o lituano com raiva.
— Façam o que quiserem.
— Está querendo dizer que podemos matar seus filhos e
pensa que vai enganar-nos com essa conversa?
— Não. No entanto, devo respeitar a vontade do homem
que amei e que me amou. Ele foi o pai de meus filhos e teve
razão quando determinou que eu jamais poderia ser uma
espiã de nível se ficasse com as nossas crianças. Foi ele
quem decidiu que eu devia dedicar minha vida para evitar
que certas barbaridades continuassem impunes, para impedir
que alguns homens resolvessem destruir um país, tal como
acontecia na Argentina quando nos encontramos pela
primeira vez... Homens desumanos como vocês dois. Héctor
sacrificou seu amor por mim e meu amor por meus filhos
para que eu pudesse continuar lutando em prol do bem da
humanidade... Não vou desistir agora que ele está morto.
— Quer dizer que prefere não falar sobre os assuntos que
Bush e Gorbachev estão dialogando e permite que matemos
seus dois filhos?
— Não foi isso que eu disse — sorriu Baby friamente.
— Se não foi isso, o que nos quis dizer?
— Disse-lhes que não penso responder a pergunta que me
fizeram, mas daí a permitir que matem meus filhos há um
abismo. Se realmente querem saber o que falei, tentem
transpô-lo.
Todos os presentes a fitavam com fascinação e
incredulidade, exceto Cavanagh que olhava a colega com um
meio sorriso desenhado nos lábios.
O primeiro que falou foi Héctor.
— Agora entendo o que papai estava pensando quando
nos disse que você era uma mulher maravilhosa que soube
construir sua vida. O que mais deseja é vivê-la intensamente,
fazendo coisas que a valorizem e que compensem o ato de
viver... Você a enfrenta com dignidade, sem ter medo de
nada e sempre procurando ser generosa para com todos.
— Tenho dois filhos maravilhosos. Gastei boa parte de
meu tempo escrevendo artigos, reportagens e livros — sorriu
a divina. — Porém ainda me falta plantar uma árvore para
minha passagem pela vida ser completa.
— Mamãe, você é extraordinária! — riu Bridget. — Com
tudo que fez e tem feito, creio que pode ser desculpada por
não ter plantado uma árvore!
— Entretanto, eu ainda tenho vontade de plantá-la. Juro
como não entendo porque nunca fiz isso até agora, pois
oportunidades não me faltaram. Poderia ter plantado não
uma, mas várias, na Vila Tartaruga... Até chega ser curioso
porque sempre gostei de plantas. Plantei muitas roseiras,
reguei muitos canteiros, cuidei de pombos-correios, mas
nunca pensei em plantar uma árvore para completar o
circuito de minha vida... Entendo agora porque não fiz isso,
eu também não sabia que tinha dois filhos lindos vivendo na
companhia do pai... Se eu tivesse desconfiado que ambos
estavam vivos, creio que teria providenciado a árvore. Mas
ainda poderei plantá-la.
— Agora, mãe, quando você vai tratar disso? — sorriu
Héctor.
— Mais cedo do que você está pensando.
— Quando você for à nossa fazenda poderá plantar não
uma, mas milhares de árvores — disse Bridget. — Podemos
terminar com o negócio do gado, pois já há muitas vacas na
Argentina.
— Ainda nos falta dinheiro para iniciarmos a exploração
de petróleo — comentou Héctor.
— Bridget, não se esqueça que temos as terras, mas não o
dinheiro para pôr nosso plano em atividade.
— Não se preocupem com o dinheiro porque eu o tenho
— interveio Brigitte. — Posso dar todo o que precisarem.
Logicamente, se eu participar dos lucros.
— Não acredito que seja tão sovina com seus próprios
filhos! — exclamou Olno Vierko.
— Não sou sovina, absolutamente, mas financio e dirijo
uma organização que se dedica a lutar contra o mal. Sou
responsável pela LOU e também gostaria de poder financiar
uma fundação que lutasse contra a ignorância da vida no
mundo inteiro. E para pôr meus planos em prática, preciso de
muito dinheiro.
— Então os lucros não são para você, mamãe?
— Claro que não, querida. Quando eu chego a qualquer
parte do mundo, sempre sou bem recebida, sempre sou
tratada como uma rainha! Graças aos céus, poderia viver
milhões de anos e manter-me com o que tenho.
— Desconfio que seus anos de vida não serão muito
longos — murmurou Ottobermayer.
Todos os olhos se voltaram para ele, com exceção de
Kilmo Zeraw e Olno Vierko que contemplavam Brigitte com
enlevo e fascinação.
— Sinceramente a senhora deverá ficar na História —
murmurou Vierko.
— Na História, não. Gostei mais quando o Cavanagh me
disse que eu seria uma espiã para a Eternidade.
— E por que essa preferência que não entendi?
— A História pode ser falsificada facilmente pelos
homens, enquanto a Eternidade é eterna, inalterável e sempre
dona de toda verdade.
— Viver a seu lado deve ser algo fenomenal — sussurrou
Olno Vierko. — Pena que agora estamos envolvidos em
amibições mais ao nível dos mortais e queremos que
colabore conosco.
— De acordo.
— Aceita colaborar? — exclamou Ottobermayer. —
Como, se antes negou-nos qualquer ajuda?
— Eu apenas me recusei assassinar os senhores George
Bush e Mihail Gorbachev, mas nunca afirmei que não
colaboraria na felicidade e prosperidade da Lituânia.
Reparem que são duas situações bem diferentes.
— O que poderia fazer pela Lituânia? — perguntou
Kilmo Zeraw.
— Mais, muito mais do que podem imaginar. Posso fazer
mais do que os senhores.
Zeraw mordeu os lábios, Vierko sorriu com dureza e
falou:
— Senhorita Montfort, parece que se diverte, abusando
de nossa paciência e condescendência.
— Analisemos a questão: os senhores acreditam que
realmente poderão colaborar para o progresso da Lituânia
conduzindo-a a uma gusr- ra que só trará destruição, luto e
morte? Uma guerra que levaria o país a uma condição de
derrota perante a União Soviética.
— Nós, os lituanos, temos o direito de lutar por nossa
liberdade!
— Concordo, mas não se esqueçam dos assassinatos e
dos levantes armados. Existem caminhos melhores que só
precisam ser percorridos com paciência e inteligência.
— Está bem, então diga-nos o que faria em nosso lugar...
Ou melhor, o que a senhora pode fazer pela Lituânia.
— Farei tudo que for possível, mas antes precisamos
socorrer Mister Cavanagh. A hemorragia continua e quero
que ele seja atendido por um médico, o mais rápido possível.
— Nem sonhe.
— Se Mister Cavanagh não for atendido eu nada lhes
direi.
— Não queremos que ninguém mais venha a esta casa —
disse Ottobermayer.
— Eu posso chamar um médico, meu amigo de há muitos
anos. Já está aposentado e sei que não lhes causará
complicações. Se eu lhe telefonar e pedir que venha
discretamente, sei que estará aqui dentro de uma hora, mais
ou menos.
Os lituanos cada vez pareciam mais encantados com
aquela mulher inteligente, fascinante e considerada como a
espiã mais perigosa do mundo. Em certo momento, Vierko
olhou para Zeraw e lhe fez um sinal. Ambos caminharam até
um canto da sala e conversaram em voz baixíssima por
alguns minutos. Depois se sentaram novamente nas mesmas
poltronas que tinham ocupado e Kilmo Zeraw falou:
— Vamos fazer-lhe uma contraoferta: permitiremos que
chame esse médico que é seu amigo, a fim dele socorrer
Mister Cavanagh e a senhora ficará obrigada a nos explicar
uma forma pela qual poderíamos solucionar os problemas da
Lituânia. Se nós a aprovarmos, se a considerarmos utilizável,
tudo acabará bem e sem maiores contratempos. Porém se não
gostarmos de sua sugestão pacífica, a senhora terá de
assassinar Bush e Gorbachev. Concorda?
— De acordo.
— Não pensávamos que fosse aceitar essa imposição com
tanta rapidez.
— Sei que minha oferta os convencerá.
— Muito bem, então telefone para o médico. Onde ele
mora?
— Em Ottaville, uma localidade pequenina que está
situada a cinquenta milhas daqui, aproximadamente.
O olhar de Cavanagh continuava atento a todas as
palavras e gestos de Brigitte. Naquele momento compreendia
que nunca a tinha conhecido tão profundamente como
pensava e quase não podia acreditar no que estava ouvindo
porque perto de Ottaville se encontrava uma das bases mais
secretas da CIA que só era acionada em casos de alto risco.
Estava instalada em uma granja de aspecto agradável que
jamais poderia despertar suspeitas. Ligar para aquela base
secreta talvez fosse a melhor tentativa para pode-rem
resolver uma situação bastante perigosa para todos que se
encontravam na residência particular de Cavanagh.
Este continuava surpreendido com a ousadia da colega,
embora sabendo que Brigitte sempre encontrava um meio
para sair de todas as dificuldades.
A espiã mais famosa do mundo aparentemente alheia ao
perigo que os cercava ,começou a discar o número do
telefone sob o olhar atento de Ottobermayer.
❖❖❖
Spolka, Bekno e Sigmund permaneciam no interior da
camioneta e continuavam escutando tudo que falavam no
chalé. Ficaram apavorados quando ouviram o ruído
característico do dial ao ser discado.
— Não acredito, mas Ottobermayer permitiu que ela
desse o telefonema para o médico! — exclamou Bekno.
— Aquela mulher é uma bruxa que enfeitiça os homens.
Só apareceu para prejudicar nossos planos — respondeu
Sigmund. — Ela está controlando perfeitamente toda a
situação. Só me admiro como Ottobermayer sendo o homem
experiente que é se deixou embromar desse jeito!
— Em minha opinião ele está fingindo. Garanto como
está preparando uma boa surpresa para a senhorita Montfort
— disse Spolka.
Os três se calaram e depois Bekno sorriu.
— É, você está certo, Spolka. Conheço Ottobermayer há
algum tempo e ele nunca se portou como um sujeito ingênuo
que se deixasse enganar facilmente. Precisamos saber o que
está acontecendo, pois a tal Baby é uma pessoa perigosa.
Creio que um de nós deveria avisar aquele bestalhão. Spolka,
você podia ir até lá e conversar com ele, peça-lhe também
uma autorização para podermos apanhar dois rádios de
bolso, um ficará com ele e o outro, conosco. Vá, mas tenha
cuidado.
— Para quê cuidado se nunca pisei em lugar mais calmo?
— riu o criminoso, saindo logo em seguida da camioneta.
Naquele instante precisamente, Sigmund e Bekno
escutaram a voz de um homem pelo rádio.
— Sim?
— Aqui é Brigitte Montfort. Preciso falar com o doutor
Pitzer.
— Ele agora não pode atender. Sou vizinho do doutor
Pitzer, mas hoje estou aqui porque preciso de seus cuidados
médicos. Não estou me sentindo muito bem.
— E porque está atendendo o telefone do consultório?
— Doutor Pitzer pediu-me para fazer isso, enquanto ia ao
banheiro — respondeu o homem com voz de riso. — Se a
senhora quiser, se não se importa de esperar, posso chamá-
lo.
— Faça isso, por favor. Diga-lhe que Brigitte precisa lhe
falar.
Os dois criminosos se entreolharam. O telefonema
parecia normal.
Spolka caminhava pela avenida rumo ao chalé quando
notou o carro que vinha um pouco atrás dele. Olhou de
esguelha e no seu interior só viu o motorista. Achou que
seria mais prudente deixá-lo passar. Diminuiu os passos e
não entendeu porque o homem estacionou. Dessa vez olhou
diretamente para o carro e para o motorista. Este tinha o
rosto duro como se fosse entalhado em pedra e olhos tão
negros como noite sem lua. E de repente, sem saber porquê,
notou o cano da pistola apontado para seu peito.
— Aproxime-se com as mãos na cabeça — disse-lhe o
homem.
Spolka teve vontade de não obedecer, mas ao mesmo
tempo pensou que aquele desconhecido não titubearia em
matá-lo. A avenida estava deserta e ninguém que estivesse
na camioneta ou no chalé podia vê-los.
— Entregue-me a arma e se sente no banco traseiro.
Obedeceu, pensando que só precisaria apanhar o punhal
que estava escondido na meia e enterrá-lo na nuca do sujeito.
Ia surpreendê-lo facilmente.
Entrou no carro e quando se sentou, inclinou o corpo
propositalmente para frente e quando os dedos quase
encostavam na bainha do punhal, sentiu o cano da arma
encostado em sua testa.
Plof. A bala penetrou pela fronte, atravessou o cérebro e
acabou saindo pela nuca, esparramando massa encefálica por
todos os lados.
Número Um puxou o morto pela gola do casaco e o
deixou entre os bancos. Ligou o motor do carro, rodou mais
alguns metros e estacionou perto de uma árvore. Abriu o
porta-malas e jogou o cadáver lá dentro. Depois apanhou
uma estopa e tentou limpar um pouco a sujeira e o sangue.
Em seguida, pôs o carro em movimento e se aproximou
da esquina onde a camioneta da companhia telefônica estava
estacionada. Fez sinal aos homens que estavam em seu
interior. Estes pensaram que fosse alguém do grupo de
Ottobermayer que estivesse chegando e Sigmund abriu a
porta.
Número Um não lhe deu tempo para fazer qualquer
pergunta. Acionou o gatilho da pistola e o tipo foi jogado
para o interior do carro. Depois ele também entrou. Bekno
estava assustado, quis reagir, mas uma arma já estava a um
palmo de. seu rosto e naquele instante, ouviram a voz de
Brigitte na aparelhagem de som.
— Desista, Zeraw porque eu nada lhe vou adiantar até o
doutor Pitzer atender Mister Cavanagh.
Número Um sorriu mais aliviado, pelo menos sabia que
ela estava viva.
— Feche as portas do carro — disse a Bekno.
— Quero que me responda honestamente: O que está
acontecendo no chalé de Mister Cavanagh. Você me
responde agora ou eu lhe mando para o inferno.
Naquele instante um homem começou a falar:
— Senhorita Montfort, já fez mais de uma hora que
telefonou e o tal médico não deu sinal de vida!
❖❖❖
— Talvez tenha se atrasado um pouco — respondeu
Brigitte a Zeraw.
— Então vamos continuar esperando, mas se a senhorita
tentar um de seus golpes, juro como seus filhos morrerão!
— Enquanto esperamos, vou ver se faço alguma coisa na
perna de Mister Cavanagh. Vou tentar estancar a hemorragia.
— Eu ajudo você, mamãe — disse Bridget, levantando-
se.
❖❖❖
Número Um por mais que se esforçasse não entendera o
significado da frase: Juro como seus filhes morrerão e agora
depois de ter ouvido as palavras proferidas por Bridget se
sentia zonzo, como se tivesse recebido um golpe na cabeça.
Estava completamente atordoado!
— Quem foi que falou agora? — perguntou.
— Bridget Diosdado. Ela é filha da senhorita Montfort.
Olhou para Bekno com perplexidade e de repente, este
lhe fez uma pergunta que não estava esperando.
— Você é o Número Um, não é?
— Sim — confirmou.
Bekno ficou calado, pensando que nem adiantaria reagir,
pois já conhecia muitas histórias nas quais o espião sempre
era o herói. Muitos afirmavam que Número Um era o espião
mais rápido e perigoso do mundo.
— Por que aquele tal de Ottobermayer falou em “seus
filhos” e não somente em “sua filha”? — perguntou sem
conter a curiosidade.
— A senhorita Montfort é mãe de um casal de gêmeos.
Os jovens também estão na casa de Cavanagh — respondeu
Bekno.
Ficaram alguns segundos calados. Bekno olhou fixamente
para o espião e quando falou, julgava surpreendê-lo.
— Você sabe que a senhorita Montfort também é a
famosa agente Baby da CIA? Nós conseguimos gravar toda a
conversa que se desenrolou na casa de Mister Cavanagh,
desde o instante em que ela chegou e viu os dois filhos que
julgava mortos.
A respiração de Número Um se acelerou. Levantou o
braço, apontou a pistola para o coração do sujeito e apertou o
gatilho.
Bekno caiu com um rombo no peito.
❖ ❖ ,❖
— O médico está demorando — disse Zeraw depois de
olhar o relógio novamente.
— Ele me disse que viria imediatamente. Esperemos —
respondeu Brigitte.
Cavanagh se sentia meio aturdido, mas procurava manter-
se consciente. Não queria desmaiar, embora nada pudesse
fazer para ajudar a colega. E foi então que se lembrou do que
ela lhe tinha dito com muito acerto, realmente ele tinha
vocação para coxo, porque as únicas duas vezes que fora
ferido havia sido nas pernas.
Admirava Brigitte e nunca pensou que ela pudesse ser tão
corajosa, a ponto de recorrer à base secreta da CIA para
informar os colegas que algo estranho estava ocorrendo na
residência particular de Mister Cavanagh e que este tinha
machucado a perna em uma queda muito tola.
A atuação de Brigitte fora magistral e a dos homens de
Ottosville também. O que tinha atendido ao telefone
certamente tinha chamado um dos agentes mais idosos que
trabalhavam na base, para falar com Baby porque esta estava
necessitando do “doutor” Pitzer com urgência.
F agora, o verdadeiro Alan Pitzer já devia ter recebido
uma mensagem em Nova Iorque, na floricultura onde
passava a maior parte do dia.
E assim que soube que Mister Cavanagh estava ferido,
devia ter tomado algumas providências...
— Se o médico não chegar dentro de quinze minutos, a
senhora terá que nos explicar quais são os seus planos —
disse Vierko.
Brigitte estava alheia ao que eles falavam e pensava em
Número Um e onde poderia estar naquele momento.
❖❖❖
Número Um olhou o relógio. Quinze minutos talvez
fossem suficientes para Pitzer chegar ao
chalé, pois sem dúvida já devia estar voando no
helicóptero mais rápido da base de Nova Iorque.
Porém se não chegasse dentro daquele prazo, ele, Número
Um iria à casa de Mister Cavanagh.
Catorze minutos mais tarde. Ele ainda continuava
escutando as conversas dispersas dos que estavam no chalé.
E, de repente, Número Um acreditou estar vendo visões
através dos vidros especiais da camioneta: um motociclista
cortou a frente do veículo e seguiu na direção do chalé.
— Diabos, o que esse homem veio fazer aqui!
— exclamou com ódio e saiu da camioneta.
❖ ❖ ❖.
A motocicleta parou na frente do chalé e o motociclista
desceu rapidamente. Apanhou uma pasta que estava
amarrada ao guidom e se dirigiu para a casa do chefe do
Grupo de Ação da CIA. Subiu os degraus da varanda e
apertou a campainha.
❖❖❖
— Finalmente ele chegou! — exclamou Roenback. —
Abro a porta?
— Vamos os dois — disse Ottobermayer. — Quero
espiar pela janela para ver se não há gente estranha na rua.
Os dois saíram da sala. Brigitte passou a mão pela testa
de Cavanagh. Todos estavam em silêncio e puderam ouvir
quando a porta era aberta. Depois uma exclamação de
surpresa e logo em seguida, a voz de Ottobermayer dizendo
alguma coisa que nem o ouvido aguçado de Baby entendeu.
Depois ouviram passos, Ottobermayer e Roenback
reapareceram em seguida, os dois de pistolas empunhadas
levando pela frente a Frank Minello.
Brigitte quase não acreditava no que estava vendo. O que
Frank viera fazer ali?
Quando ele viu Mister Cavanagh, ficou tão pálido como
um cadáver.
— Chefe o que lhe aconteceu? — perguntou, alarmado.
— Quem é esse tipo? — grunhiu Olno Vierko.
— É um empregado da CIA que trabalha nos escritórios
de Cavanagh. Disse-me que veio trazer-lhe alguns
documentos — respondeu Ottobermayer mostrando a pasta.
— Já foi examinado e não carrega armas, somente uma
carteira de dinheiro e documentos.
— E vocês quem são? — perguntou Minello de cara
fechada. Depois se virou para Brigitte: — Como está,
senhorita Montfort?
— Olá, Frankie — cumprimentou-o, procurando
esconder seu desagrado.
Minello ia dizer mais alguma coisa quando olhou para
Bridget. Sua expressão se modificou e arregalou os olhos
como se estivesse vendo algo irreal. Depois também olhou
para Héctor que sorria bem-humorado e em seguida,
novamente para Brigitte.
— Como... como ela pode... ser tão parecida com... você?
— Bridget Diosdado é minha filha, Frankie, e meu filho é
Héctor Diosdado.
Minello fechou os olhos e se deixou cair numa poltrona.
Kilmo Zeraw estava remexendo na pasta que ele tinha
trazido e repentinamente, gritou encolerizado:
— O que representa esta reportagem esportiva
datilografada?
— Ah!, isso é uma informação cifrada que eu trouxe para
o chefe ver se está perfeita. Como ele não apareceu nos
escritórios, resolvi vir à sua casa, mas começo a desconfiar
que me meti em uma boa embrulhada.
Zilmo Zeraw apanhou a carteira de Frankie e disse:
— Aqui está escrito que você é jornalista e que está
registrado como tal. Não há um documento que declare que é
um funcionário da CIA.
Os dois saíram da sala. Brigitte passou a mão pela testa
de Cavanagh. Todos estavam em silêncio e puderam ouvir
quando a porta era aberta. Depois uma exclamação de
surpresa e logo em seguida, a voz de Ottobermayer dizendo
alguma coisa que nem o ouvido aguçado de Baby entendeu.
Depois ouviram passos, Ottobermayer e Roenback
reapareceram em seguida, os dois de pistolas empunhadas
levando pela frente a Frank Minello.
Brigitte quase não acreditava no que estava vendo. O que
Frank viera fazer ali?
Quando ele viu Mister Cavanagh, ficou tão pálido como
um cadáver.
— Chefe o que lhe aconteceu? — perguntou, alarmado.
— Quem é esse tipo? — grunhiu Olno Vierko.
— É um empregado da CIA que trabalha nos escritórios
de Cavanagh. Disse-me que veio trazer-lhe alguns
documentos — respondeu Ottobermayer mostrando a pasta.
— Já foi examinado e não carrega armas, somente uma
carteira de dinheiro e documentos.
— E vocês quem são? — perguntou Minello de cara
fechada. Depois se virou para Brigitte:
— Como está, senhorita Montfort?
— Olá, Frankie — cumprimentou-o, procurando
esconder seu desagrado.
Minello ia dizer mais alguma coisa quando olhou para
Bridget. Sua expressão se modificou e arregalou os olhos
como se estivesse vendo algo irreal. Depois também olhou
para Héctor que sorria bem-humorado e em seguida,
novamente para Brigitte.
— Como... como ela pode... ser tão parecida com... você?
— Bridget Diosdado é minha filha, Frankie, e meu filho é
Héctor Diosdado.
Minello fechou os olhos e se deixou cair numa poltrona.
Kilmo Zeraw estava remexendo na pasta que ele tinha
trazido e repentinamente, gritou encolerizado:
— O que representa esta reportagem esportiva
datilografada?
— Ah!, isso é uma informação cifrada que eu trouxe para
o chefe ver se está perfeita. Como ele não apareceu nos
escritórios, resolvi vir à sua casa, mas começo a desconfiar
que me meti em uma boa embrulhada.
Zilmo Zeraw apanhou a carteira de Frankie e disse:
— Aqui está escrito que você é jornalista e que está
registrado como tal. Não há um documento que declare que é
um funcionário da CIA.
— “Jornalista esportivo” é a camuflagem que uso. Foi
por isso que inventei uma escrita, cifrada que utilizo nos
meus artigos e reportagens esportivos. Hoje vim aqui porque
queria que o chefe desse sua opinião.
O coração de Brigitte chegou a disparar quando Olno
Vierko ordenou:
— Tirem esse homem daqui e o matem! Não quero mais
vê-lo!
— Nada disso — exclamou a divina. — Aqui não se mata
ninguém! Nós fizemos um trato!
— Fizemos um trato — confirmou Zeraw. — Porém a
situação está ficando mais complicada, esperávamos por seu
amigo médico e aparece esse sujeito que não está carregando
armas e se apresenta como funcionário da CIA e a senhora
continua sem querer nos explicar o plano para...
— Se quiser, posso explicá-lo agora mesmo, mas nada de
mortes.
— Está bem. Minello sente-se na poltrona, fique quieto
enquanto a senhorita Montfort nos explica seu plano.
❖❖❖
Charles Alan Pitzer, naquele momento achava-se
exatamente a menos de trezentos metros do chalé. Estava ao
volante de um Ford modelo antigo que o acompanhava há
décadas e escutava por um aparelho receptor tudo que
falavam na casa de Cavanagh.
Estava preocupado porque a situação parecia piorar de
minuto a minuto. Também tinha levado um choque quando
ouviu Brigitte apresentar os filhos a Frank Minello.
Imediatamente lembrou-se do argentino que tinha
colaborado com a CIA para dissolverem um movimento
armado que estava prestes a estourar em Buenos Aires e Mar
dei Plata.
O momento não era apropriado às recordações.
Apanhou o rádio de bolso e o impulsionou.
— Sim? — respondeu uma voz de homem.
— Fiquem atentos. Frank Minello já entrou na casa e eu
deverei entrar em dois minutos. Entendido?
— Perfeitamente, senhor. Ela está bem?
— Até agora, sim.
Pitzer cortou a ligação e pôs o carro em movimento. Não
tinha percorrido nem cem metros quando o viu parado em
uma esquina, fazendo-lhe sinais. Reconheceu-o
imediatamente e estacionou junto à calçada.
Número Um abriu a porta do Ford e se sentou a seu lado.
Olhou para Pitzer e perguntou:
— Quem foi o autor da ideia mais doida do século?
Como puderam mandar Frank Minello para cá? O imbecil só
pode piorar tudo!
— Concordo com você, mas ele me disse que viria de
qualquer jeito e podia aproveitar o tempo que íamos gastar
nos preparando, para engabelar os criminosos. Também
disse que queria ficar perto de Brigitte e que se fosse preciso,
daria sua vida pela dela.
— Bem, isso ele vem repetindo há anos. Sempre disse
que protegeria Brigitte até a morte. Qual é o sistema de
comunicação que vocês estão usando?
— Minello antes de entrar no chalé, colocou um emissor
ultrassensível na parte superior do portal — explicou Pitzer.
— Estou acompanhando tudo que falam. Um, tenho que
comentar uma coisa desagradável com...
— Está querendo dizer-me que Brigitte é mãe de um
casal de filhos gêmeos que neste momento está lá dentro
com ela?
— Como você soube?
Número Um sorriu, despistou a pergunta e falou:
— Imagino que toda a área esteja cercada.
— Trinta rapazes estão espalhados pelas redondezas.
Mais de vinte já tinham terminado o plantão, mas quando
souberam que ela estava cm perigo fizeram questão de
colaborar.
— Em parte isso é bom, mas o caso não requer muita
gente, Pitzer.
— É, mas se alguém matar Brigitte, todos morrerão!
Ninguém vai escapar vivo.
— Consolo maravilhoso! Seis malfeitores aprisionam
Cavanagh, Brigitte e os dois jovens dentro de um chalé e no
fim, você vem me dizer que se ela morrer, ninguém escapará
com vida! Bem que falam que todos deviam se afastar...
Bem, vamos ver como tudo vai terminar...
— Por que não disse logo que os velhos devem
aposentar-se? — exclamou o espião idoso.
— Merda! Vá à Merda! Sei que sou velho, mas não sou
um ancião e nem me considero inútil! Enquanto eu viver
nenhum cretino vai matar Brigitte Montfort, entendeu?
Pitzer esperava que o colega fosse explodir, mas este
apenas sorriu.
— Tenho pena daquela gente porque nem desconfia com
quem se meteu, apesar deles já saberem que ela é a Baby.
Escutei toda a conversa!
— Se sabem quem é Brigitte porque a mantêm presa? —
perguntou Pitzer com voz apreensiva. — O que estão
querendo, afinal?
— Estão planejando mandá-la a Camp David para matar
Bush e Gorbachev — respondeu Um, abrindo a porta do
carro, mas não conseguiu sair porque Pitzer segurou seu
braço.
— Quero que me desculpe por tê-lo mandado à merda —
murmurou.
— Não se amofine com isso, você mandou, mas eu não
fui — sorriu o espião de rosto pétreo. — Pitzer, se dentro de
meia hora, vocês não resolverem o caso, vou solucioná-lo do
meu jeito! Diga isso à Brigitte. Concorda?
— Plenamente — respondeu Pitzer, ligando o motor do
Ford.
❖❖❖
— Então é com esse plano ingênuo que quer salvar a
Lituânia? — esbravejou Zeraw.
— Eu só lhes pedi que tivessem um pouco mais de
paciência, que confiassem na nova URSS. Desconfio que
ainda não entenderam o jogo de Gorbachev e nem tampouco
o dos Estados Unidos.
— De que jogo está falando?
— Há alguns anos a Rússia teve que escolher se fabricava
canhão ou fabricava manteiga. Preferiu os canhões e agora
não têm manteiga. Porém em épocas de carestia sempre
surge alguém inteligente que sabe tirar proveito da situação
— explicou Brigitte.
— E quem seria essa pessoa inteligente no jogo? —
perguntou Ottobermayer.
— Mihail Gorbachev.
— Como tem coragem de dizer que ele é inteligente? É
um homem que veio mendigar alimentos. Não foi isso que
veio fazer em Camp David?
— Mais ou menos — sorriu a espiã. — Eu e George
tivemos uma reunião secreta há algumas semanas e foi então
que ele me disse que o líder russo lhe tinha solicitado uma
entrevista pessoal, afirmando que esta seria proveitosa para
ambas as partes. George ainda me perguntou:
O que ele está querendo, Brigitte? Qual é a intuição que
você tem? Sabe que confio mais em Brigitte Montfort do que
na sapiência de meus analistas.
— O que você lhe respondeu? — perguntou Vierko.
— Conversei com George e lhe expus meu ponto de
vista.
— Qual ponto de vista?
— Temos que voltar aos canhões e à manteiga. A União
Soviética hoje tem canhões, mas sente falta da manteiga.
Como podem prever, dentro de pouco tempo também terá
problemas sérios de abastecimento, salvo se receber ajuda
dos Estados Unidos. O senhor Gorbachev é um homem
inteligente e reconhece que a situação não é nada agradável.
E é exatamente a manteiga que ele veio pedir a George Bush.
— Não aceito! — quase gritou Minello. — Primeiro a
Rússia se arma e depois vem implorar que os outros
resolvam seus problemas internos!
— Frank, ele sabe que os Estados Unidos só ajudarão se a
Rússia pagar o preço pedido. Tenho certeza que George
seguirá meu conselho.
— E que preço Bush pedirá?
— Acabar com todas as fábricas de armamentos e usar o
que tem em reserva, bem como as tropas excelentemente
preparadas para vigiar a China que anda com ideias de lutar
por uma expansão demográfica e cultural. Desse modo, o
poderio militar soviético estaria sendo usado e os Estados
Unidos ganhariam um aliado fortíssimo para poder controlar
aquele país milenar. Entenderam qual é a situação?
O silêncio era total. Todos tinham entendido a
explicação, mas pareciam hipnotizados. O primeiro que
reagiu foi Zeraw. Tirou um lenço do bolso e o passou pelo
rosto. Depois Ottobermayer desarrolhou a garrafa de uísque
e tomou alguns goles pelo gargalo, enquanto Vierko parecia
estar discursando no idioma lituano.
— Bem que eu sempre disse que sua inteligência é
fenomenal!
— Frankie, não sou superdotada, apenas tenho uma visão
de futuro. Já reparou como o mundo está mudando? Todos
os sistemas coloniais estão em decadência. Todos os países
agora dão chance para as colônias e territórios ocupados
lutarem por sua independência. A democracia se impõe no
mundo inteiro e os sistemas de governo também se
modernizam. Por isso, se nossos convidados forem um
pouquinho pacientes, poderão ter dentro de poucos anos uma
Lituânia livre e próspera, sem ter atravessado um período de
lutas, mortes e derrames de sangue. E agora eu pergunto aos
senhores se ainda há motivo para esta reunião prosseguir? E
neste momento, eu também me faço uma pergunta: Qual é a
estímulo que Baby tem para continuar na ativa quando a
espionagem também está se transformando e se hoje os
espiões já não são peças tão importantes no jogo desta
espionagem? Por este motivo e pelos outros que me
aconteceram neste dia maravilhoso, rico de surpresas que me
foram ímpares e empolgantes, comunico-lhes que a agente
Baby se afastará. Eu me retiro, senhores.. Esta espiã se
despede por toda a eternidade.
Frank Minello começou a dar saltos de alegria.
— Sente-se imbecil! — ordenou Ottobermayer.
— Veja como fala comigo! — retrucou, preparando-se
para esmurrá-lo.
— Sente-se, Frankie — interferiu Brigitte.
Naquele instante a campainha da porta soou.
Zeraw saiu da sala e voltou quase em seguida na
companhia de Charles Alan Pitzer.
— Você examinou a maleta que ele está carregando? —
perguntou Ottobermayer, arrancando a bolsa das mãos de
Pitzer que já não tinha condições físicas para repetir suas
antigas proezas.
Aproximou-se de Cavanagh e olhou para Brigitte, como
lhe perguntando o que queria que ele fizesse, se Cavanagh já
fora atendido?
— Doutor, não é melhor o levarmos para a cama?
— Pelo menos ficaria mais confortável.
— Eu ajudo a carregá-lo — disse Héctor.
— E eu também — falou Minello, levantando-se.
Os quatro carregavam Cavanagh e no instante que o
deitavam, Brigitte perguntou a Pitzer:
— A casa já está cercada?
— Sim.
— Ótimo porque essa gente não pode escapar.
— O que estão cochichando? — gritou Ottobermayer. —
Se querem falar, falem em voz alta.
— Eu estava pedindo desculpas ao doutor Pitzer por tê-lo
chamado. Não precisa ficar tão desconfiado, Ottobermayer, a
situação está resolvida.
— Enquanto a senhora falava, sentíamo-nos fascinados,
mas depois o encantamento foi desaparecendo. Conversamos
e concluímos que não se pode esperar anos e anos para
termos uma Lituânia livre. Os fatos não se desenrolariam de
forma tão simples e ingênua.
— Ottobermayer, podemos deixar esta conversa para
mais tarde. Agora preciso ajudar o doutor Pitzer.
O assassino continuou parado na porta do quarto. E
pouco depois, Kimiun e Roenback vieram juntar-se a ele.
Pitzer abriu a maleta e apanhou o material que tinha
trazido e o colocou nos pés da cama.
— Sei que já faz tempo que o senhor não trata de casos
como este, doutor, mas eu ajudarei no que for possível.
— Ele está aí fora e deverá atacar dentro de vinte minutos
— avisou em voz baixa.
— Já falei para pararem com os cochichos!
— Perdoe-nos — respondeu Baby. — Nós não
costumamos falar em voz alta.
Se Um atacasse o chalé, ia acontecer um verdadeiro
massacre porque quando o tigre se enfurecia destroçava tudo
que pudesse irá-lo. Ela tinha somente vinte minutos para
evitar o morticínio.
Fizeram um novo curativo na perna de Cavanagh e lhe
aplicaram uma injeção para diminuir a dor. O espião dormia.
Olhou o relógio, tinham se passado exatamente dez minutos.
— Bem, já podemos sair daqui porque ele está dormindo.
— Não. Só a senhora sairá, seus filhos e amigos
continuarão aqui, neste quarto. Os nossos companheiros
querem falar com a senhora. Esperam-na na sala.
Brigitte percebeu que Bridget se preparava para reagir,
mas interveio rapidamente:
— Vou ver o que estão querendo comigo. Fiquem quietos
durante minha ausência. Não façam nada, entenderam?
Chegou à sala e reparou os olhares de animosidade que a
cercavam.
— Pensei que tivéssemos chegado a um acordo amistoso
— falou, sorrindo.
— Resolvemos que a senhora irá a Camp David, a fim de
cumprir nosso plano inicial — avisou Zeraw. — Se não
matar Bush e Gorbachev, seus filhos e amigos morrerão.
— Já pensaram nas consequências que esse duplo
assassinato trará?
— Os Estados Unidos e a União Soviética se
engalfinharão em uma luta voraz. E ninguém mais vai
preocupar-se com a situação de Lituânia.
— Parece que estão querendo menosprezar minha
inteligência ou então estão ensaiando uma farsa! —
exclamou a espiã. — Eu irei a Camp Davis, mas voltarei. E
quando chegar, quero encontrar meus filhos e amigos sãos e
salvos. Se encostarem um dedo neles, todos conhecerão a
senhorita Montfort!
— E como vamos saber que matou-os?
— Não acredito! Vocês devem ter um olheiro naquela
região... Por isso, pensem bem, no que pensam fazer —
apanhou a maleta vermelha e saiu da casa.
Abriu o carro que estava estacionado na rua e partiu.
Quase quinhentos metros adiante, abriu a maletinha e
apanhou o maço de cigarro onde tinha seu rádio portátil
camuflado. Apertou o botão e ouviu a voz de Um:
— Sim?
— Onde você está?
— Esperando você na camioneta do serviço telefônico.
Ou prefere que eu vá aí?
— Não. Eu vou.
Desligou o rádio e rodou lentamente para a rua onde tinha
visto a camioneta. As portas traseiras se abriram e Número
Um apareceu. O sangue de Brigitte se acelerou e ela sentiu
um calor gostoso em todas as partes do corpo.
Entrou no veículo. Abraçaram-se e se beijaram com
ternura e amor.
— A bruxa Mabanga predisse que eu ia ter quatro filhos
gêmeos — começou a falar em sussurro.
Ele a interrompeu.
— Já sei que seus filhos voltaram — falou, mostrando-
lhe a aparelhagem de escuta. — Quando cheguei, havia
quatro homens aqui, ouvindo tudo que falavam na casa de
Cavanagh.
— E onde eles estão?
— Um, no porta-malas do meu carro e dois estão
escondidos sob aquele cobertor. Daqui a pouco, estarão
exalando um odor não muito agradável.
— Querido, meus filhos são lindos. Queria explicar
como...
— Não quero que me explique agora o que não me disse
antes.
— Você está zangado?
— Sim. Não porque soube que você tem dois filhos, isso
até me deu alegria. Fiquei triste porque sempre pensei que
não houvesse segredos entre nós. Agora só desejo que eles
influenciem a mãe e que esta abandone a vida de perigos e
de espionagem. Para ser sincero com você, estou ansioso
para conhecê-los.
— Então não está zangado comigo?
— Claro que não — respondeu Número Um lhe dando
um beijo apaixonado. — Nada no mundo me faria ficar
zangado com você. Só acho que eu já deveria saber sobre
seus filhos.
— Não sei explicar o que me acontece, Um
— sussurrou Brigitte. — Reconheço que tenho muita
facilidade para bloquear os pensamentos e esquecer todas as
coisas que me aborrecem ou magoam. E essas recordações
só retornam à luz quando me acontece algo muito
importante... Não sei explicar o que ocorre com meu cérebro.
— Eu entendo. Você procura esquecer-se das coisas que
preferia jamais tivessem acontecido. Como são os jovens?
— Lindos, não somente pelo aspecto físico. Ambos são
simpáticos e têm a beleza do coração. Bridget é igualzinha a
mim!
— Desconfio que vamos ter problemas...
— Está pensando trocar-me por ela que é mais jovem e...
— Nada disso, eu continuo com a original. Porém,
Frankie é bem capaz de contentar-se com a cópia.
— Você tem cada ideia! — riu Brigitte.
— Agora vamos falar de outras coisas porque dentro em
pouco será noite e...
— Você não quer saber como era Diosdado?
— Eu sei como ele era. Era um homem digno que
merecia ter você e por isso, foi o pai de seus filhos. Ele foi
um felizardo, mas eu não o invejo porque hoje você é só
minha!
— Diosdado era um filósofo que gostava de pensar,
escrever e pintar. Um dia, eu lhe perguntei o que pensava, o
que escrevia, o que pintava e ele me respondeu:
Penso na beleza que existe na vida, pinto as visões
mais belas que meus olhos podem ver e escrevo para
recordar aos seres humanos que todos nós possuímos
algo muito valioso chamado “sentimentos”.

— Ele devia ser um home maravilhoso. Mas agora me


explique o que está acontecendo no chalé. Quem são os
lituanos?
— Tão assassinos como os outros. Kilma Zeraw, Olno
Vierko e mais três homens fazem parte de um grupo lituano
que se ligou a alguns russos ladrões que estão enriquecendo
com a roubalheira que andam cometendo na Lituânia. Esse
grupo tem cometido crimes pavorosos que se mantiveram em
segredo até serem descobertos por outro grupo lituano que
trabalhava em prol da independência. A perseguição acirrada
começou, mas tanto os russos como os três lituanos
conseguiram fugir. Dias mais tarde, esses mesmos russos que
trabalhavam com os traidores resolveram eliminá-los.
Tinham medo que sob tortura dissessem seus nomes.
Entraram em contato com o serviço secreto britânico, mas
John Pearson deliberou que somente tomaria alguma
providência quando eu lhe desse alguma notícia. Hoje
deverei entrar em comunicação com o Fantasma.
— O que vai lhe dizer?
— Primeiro usarei meus métodos para obrigar que os dois
que estão no chalé, digam os nomes de seus outros
cúmplices e onde estão escondidos. Assim que eu obtiver
esta informação, passá-la-ei a Pearson que por sua vez a
entregará à KGB. Juro como cada um receberá o castigo que
merece. Os lituanos que estão na casa de Cavanagh usam
Lituânia como um escudo para esconderem as imundices que
andam fazendo. Estão eufóricos, esperando pela guerra que
felizmente não virá. Se esta estourasse teriam muito mais
chances para continuar roubando. Eles que esperem porque
pagarão por tudo que fizeram!
— Querida, os filósofos condenam a vingança.
— Nunca fui vingativa, mas sempre agi com severidade.
Através dos longos anos de espionagem comprovei que o
perverso e o de má índole não escuta argumentos ou
conselhos. Só conhece a lei da força e só compreende a dor
que provoca ao esborrachar o nariz de muita gente, quando
alguém esborracha o seu. Já está demonstrado que só se
extermina o veneno da serpente depois de cortar e decepar
sua cabeça.
— Concordo. Agora, por favor, me desenhe a planta da
casa.
Brigitte apanhou uma folha de papel e rapidamente
esboçou o chalé, assinalando todas as portas, janelas e
pontos de luz.
Número Um examinou o desenho com atenção e
perguntou:
— A claraboia do telhado está exatamente localizada
neste ponto? — falou apontando para o desenho. — Na parte
dos fundos que dá para o pátio interno?
— Sim.
— Esplêndido. E onde deixou Cavanagh?
— Quando eu saí todos ficaram nesse quarto — apontou
Brigitte. — Porém talvez já não esteja mais lá.
— Não acredito que tenhamos grandes dificuldades.
Imagino que a CIA esteja por perto. Pitzer me disse que mais
de vinte homens tinham vindo por vontade própria, somente
para salvarem Baby que estava em perigo.
— Um querido, o que vamos fazer no resto de nossas
vidas?
— Não me pode dar nenhuma sugestão?
— Ao contrário! — exclamou Brigitte. — Elas são tantas
que nem consigo escolher a melhor!
— Espere, porque você sempre soube tomar decisões
acertadas... Mas, meu amor, agora temos que nos dedicar a
algo mais importante, tá?
❖❖❖
Os lituanos se olharam alarmados quando a campainha
soou. Ottobermayer se levantou rapidamente e aconselhou:
— Não adianta ficarmos nervosos antes da hora. Brigitte
Montfort não vai pedir ajuda à CIA, sabendo que podemos
matar seus filhos e amigos.
Ottobermayer saiu da sala e foi abrir a porta. Ficou
assombrado quando viu Brigitte parada a sua frente.
— A senhora já devia estar a caminho de Camp David!
— exclamou.
— Esqueci-me de uma coisa e voltei — disse a divina,
empurrando-o suavemente para o lado.
Quando apareceu na porta da sala Zeraw e Vierko a
fitaram com perplexidade.
— Que diabo está fazendo aqui e por que retornou? —
grunhiu Zeraw.
Ottobermayer segurou seu braço com força, mas Baby
rapidamente girou o corpo e lhe deu uma joelhada no baixo
ventre. O homem gemeu de dor e quase se- sentou no chão,
massageando a região dolorida.
— Você paga filha da... — não pôde terminar o palavrão
porque recebeu um murro na fronte com tanta força que o
baniu do mundo dos vivos.
Os lituanos se entreolharam aterrados e quando se
voltaram para a espiã Brigitte já os mantinha sob a mira da
pistola encastoada de madrepérola que trouxera aderida à
coxa esquerda.
— Permaneçam quietos ou eu atiro!
A ordem era desnecessária porque os homens estavam
paralisados.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Marlene,
entrando precipitadamente na sala.
— O que foi que...
Calou-se ao ver Ottobermayer estirado no chão e os dois
lituanos sentados em cadeiras.
— Puxe uma cadeira e se sente perto deles! — ordenou a
divina.
Marlene fez como se fosse obedecer, mas re-
pentinamente pulou para o lado, meteu a mão sob a saia e
apanhou uma pistola que estava num estojo preso também às
suas coxas.
Plof. Brigitte disparou e a bala foi se alojar no cérebro da
mulher que caiu esparramada no chão.
— Marlene, está acontecendo alguma coisa? —
perguntou Roenback do quarto.
A espiã fez sinal para os outros dois se manterem calados.
❖❖❖
Roenback olhou para Kimiun e murmurou:
— Desconfio que algo está acontecendo na sala. Continue
vigiando esse pessoal, eu vou ver o que está ocorrendo.
Saiu do quarto. Kimiun continuava de arma em punho.
— O primeiro que fizer o menor movimento, leva
chumbo — ameaçou —, menos você, preciosa. Eu e
Roenback vamos disputá-la, sabe?
— Saber, eu não sabia, mas já estava desconfiando —
disse Bridget. — Vocês passaram o tempo todo olhando para
mim. Também estou desconfiando que primeiro vocês vão
matar esses homens para depois se divertirem comigo, não
é?
— Menina, você é esperta como a mãe que tem! —
exclamou Roenback.
— Foi o que eu sempre desejei ser. Desde menina eu
queria ser como Brigitte Montfort!
— Lamento ter que decepcioná-la, beleza, porém sua mãe
não é tão inteligente e esperta como a julga.
— Já estou ficando cansado de ouvir tantas imbecilidades
— riu Frank. — No dia que alguém puder enganar Brigitte, o
mundo termina.
— Pois então deve estar prestes a terminar porque... —
Kimium calou-se ao ver um homem desconhecido, de arma
destravada, parado perto da porta.
Número Um apertou o gatilho e o criminoso caiu morto.
Todos se mantinham quietos e imóveis, embora os dois
espiões mais velhos soubessem que agora estavam salvos
porque não havia ninguém capacitado para derrotar Número
Um. Os dois jovens o fitavam com curiosidade, pois sabiam
que estavam diante do homem que a mãe amava.
Depois Número Um se abaixou, pegou a pistola de
Kimiun e a entregou a Frank Minello.
Repentinamente, um homem gritou:
— Kimiun, ela voltou! Brigitte Montfort está aqui e já
matou Ottobermayer e Marlene! Vigie os outros com
cuidado! Senhorita Montfort, solte a arma e se entregue ou
então, meu companheiro vai matar seus filhos! —
continuava gritando Roenback com desespero. — Solte essa
pistola!
Silêncio e depois passos apressados pelo corredor. O
assassino apareceu na porta do quarto e tinha o rosto
deformado pelo medo.
— Kimiun, rápido, vamos matar estes que estão aqui
porque ela...
Plof. Número Um disparou e o corpo de Roenback foi
jogado para fora do quarto com o crânio destroçado. Em
seguida, ele fez sinal para todos permanecerem no quarto e
se encaminhou para a sala.
Kilmo Zeraw e Olno Vierko entraram em pânico quando
o viram.
— Apresento-lhes Número Um — disse Brigitte. — Nós
dois esperamos que nos digam onde seus três companheiros
lituanos estão escondidos.
— Talvez isso seja possível se fizermos um trato — disse
Vierko.
Número Um se aproximou dele, segurou-o pelo colarinho
e o jogou de encontro à parede. O choque foi tão forte que o
nariz do lituano esborrachou. Em seguida, recebeu outros
golpes até cair morto no chão. Depois o espião se voltou para
Zeraw.
— Não, por favor, não — implorou o lituano. — Eu falo
onde eles estão!
— Adoro pessoas que têm boa-vontade — sorriu a
senhorita Montfort. — Encarregue-se dele, meu amor.
Brigitte abandonou a sala e quando apareceu no quarto,
Frank arremessou a pistola para o alto e correu para abraçá-
la.
— Eu sabia! Eu sabia que você ia dominá-los!
— Para mim isso não é surpresa, pois é o que vem
acontecendo há anos — murmurou Cavanagh.
Brigitte abraçou os filhos e olhou para Pitzer.
— Tio Charlie, creio que devia chamar alguns Simons
para tomarem conta do caso. Só cinco ou seis são suficientes,
os outros podem voltar a seus postos, com o eterno
agradecimento de Baby.
❖❖❖
Onze horas da noite e a situação já estava totalmente
controlada.
A CIA se encarregara de remover a camioneta para uma
de suas oficinas, depois que Número Um retirou todas as
fitas que os assassinos tinham gravado. Todos os cadáveres
foram colocados dentro do carro que Número Um tinha
usado para pôr o corpo do homem que havia matado durante
a tarde. O porta-malas estava abarrotado de cadáveres e
sentado no banco traseiro, somente estava Kilmo Zeraw
bastante machucado, mas ainda vivo e consciente.
Um agente veterano da CIA sentou-se ao volante e Baby
se sentou a seu lado, sem fechar a porta do carro. Olhou para
Zeraw e este compreendeu o que ia acontecer. Piscou várias
vezes quando viu a pistola aparecer em sua mão direita e
ficar encostada no recosto do banco.
— Vocês me perguntaram se eu podia fazer alguma coisa
por Lituânia. Resolvi fazer o que já fiz em centenas de
lugarejos pelo mundo. É isso que posso fazer por Lituânia —
calou-se e disparou.
Em seguida, olhou para o homem que estava ao volante.
— Leve essa sujeira para bem longe.
— Você é quem manda, Baby.

NUNCA É FINAL
A espiã voltou novamente ao chalé de Mister Cavanagh
que agora já fora posto em uma maca para ser transportado à
clínica da CIA.
— Jamais voltarei a esta casa, mas farei o que sempre
desejei: viver num pequeno chalé à beira-mar — disse o
espião veterano.
— Formidável a gente fazer o que sempre desejou —
sorriu Brigitte. — Rapazes, já podem levá-lo a nossa clínica.
— E vocês o que vão fazer? — exclamou Cavanagh.
— Vamos para meu apartamento. Vamos celebrar o
encontro com um brinde de champanha.
— Todos vão estar reunidos, menos eu.
— Vai ver estava precisando receber um castigo — sorriu
Brigitte —, mas não fique tristonho porque vamos tomar
muito champanha juntos, meu amigo.
— Nunca mais com a agente Baby, mas com a senhorita
Montfort — explicou Héctor Diosdado.
— É verdade, Brigitte? — perguntou Minello.
— Acho que sim, Frankie — respondeu, abraçando
Número Um. — Hoje temos muitas coisas para celebrar.
A última coisa que viu e sentiu naquela noite foram os
beijos e as carícias do homem que amava e, naquele
momento ela teve certeza de que efetivamente tinha sabido
construir uma vida que realmente fora colocada ao serviço
de seus semelhantes.
Talvez por isso, a vida agora estava lhe dando tantos
prêmios.
Prêmios estes que a acompanhariam por toda A
Eternidade.
❖FIM? ❖

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo


autor e não têm qualquer relação com nomes ou
personalidades da vida real. Qualquer semelhança terá sido
mera coincidência.
Graças à colaboração e à boa vontade da Editora
Monterrey Ltda., nós, eu e você, pudemos disfrutar das
aventuras de minha amada Brigitte, espiã inigualável que
jamais esqueceremos e que sempre pôde despertar os
melhores sentimentos de seus leitores.
Baby, a espiã divina de olhos azuis, retira-se do cenário
da espionagem para descansar, viver uma vida com amor,
sem os sobressaltos contínuos da profissão mais perigosa do
mundo. Ela sempre foi uma pessoa generosa que se dedicava
a todos os que estivessem precisando de ajuda.
Ela tem direito a este descanso, cercada de paz e amor.
Esta despedida não significa um adeus, porque nossa
espiã querida continuará morando em nossos corações e em
nossas recordações. Nós, eu e vocês, leitores amigos de
Brigitte Montfort, sabemos que ela é e sempre foi, desde seu
nascimento, uma espiã para toda a eternidade.
Por isso, eu agora me despeço de vocês, até algum dia,
com todo o meu a feto e gratidão.
LOU CARRIGAN
QUEM É LOU CARRIGAN?

Antonio Vera Ramírez (Barcelona, 2 de julho de


1934) é um prolífico escritor espanhol conhecido por seu
pseudônimo Lou Carrigan, que usou para escrever
romances de aventura, faroeste, espionagem e ficção
científica.
Nesta série que você tem em mãos ele trabalha a
personagem que mais destaque lhe deu: Brigitte
Montfort, criação de Jose Alberto Gueiros, para a Editora
Monterrey.

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