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Max Weber ECONOMIA E SOCIEDADE Fundamentos da sociologia compreensiva VOLUME | Tracdugao de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbo: (a partir da quinta edigao, revista, anotada ¢ organizada por Johannes Wincklelmann) Revisdo técnica de Gabriel Cohn EDITORA IX UnB imprensaoficial So Paulo, 2004 Capitulo I CONCEITOS SOCIOLOGICOS FUNDAMENTAIS Nota preliminar. © método destas definigbes conceituais introdutérias, dificilmente dispen- Siveis mas que inevitavelmente parecem abstratas ¢ estranhas a realidade, ndo pretende de modo algum ser algo novo. Ao contrario, apenas deseja formular de maneira mais adequada ¢ um pouco mais correta (6 que justamente por isso talvez pareca pedante )aquilo que toda Sociologia empirica de fato quer dizer quando fala das mesmas coisas. Isto se aplica também a0 emprego de expressGes aparentemente nao habituais ou novas. Em comparagio com. artigo “Uber einige Kategorien der verstchenden Soziologie” (‘Sobre algumas categorias da Sociologia Compreen- siva’] em Logos IV (1913, p. 253 ¢ seg. [Gesummelte Aufstize zur Wissenschaftslehre, terceira ed., p. 427 € seg. ]}, a terminologia foi oporcunamente simplificada e, portanto, modificada em varios pontos para ser mais compreensivel. Claro que a exigéncia de popularizagio incondicional rem sempre seria compativel com a maxima precisio conceitual, havendo a primeira de ceder & Glia. Sobre 0 conceito de "compreensio', compare Allgemeine Psychopatologie, de K. Jaspers (algumas observagdes de Rickert, na segunda edicio de Grenzen der naturwissenschaftlichen Begrifssbildung (1913, p. 514-523), e particularmente de Simmel em Problemen der Geschichts- philosophie, também se referem a este conceito) Quanto 4 metodologia, remeto aqui, como id 0 fiz diversas vezes, as exposigdes de F. Gott, no escrito Die Herrschaft des Worts, ainda que esta obra esteja escrita em extlo dificil € nem sempre alcance estruturar completamente © pensamento. Quanto a matéria, refiro-me sobretudo 4 bela obra de F. Ténnies, Gemeinschaft und Gesellschaft; além disso, 40 livro forremente desorientador de R. Stammler, Wirtschaft und Recht nach der materialistichen Geschichtsauffassung, ¢ 4 minha critica a este, em Archiv fir Sozialwissenschalt XXIV (1907, [Gesammehe Aufsiize zur Wissenschaftslehre, terceira edigio, 291 e seg.) a qual jd contém, em grande parte, os fundamentos do.que segue. Da metodologia de Simmel (na Soziologie e na Philosophie des Geldes) distancio-me ao diferenciar logo 0 "'sen- Lido" visado do “sentido” objetivamente vifido, que ele ndo apenas deixa de distinguir como propositadamente permite que se confundam amide § 1. Sociologia (no sentido aqui entendido desta palavra empregada com tantos significados diversos) significa: uma ciéncia que pretende compreender interpretati- vamente @ aGio)social € assim explicé-la causalmente em seu curso-€ €m seus efeitos. Por “agdo” enifende-se, neste caso, jum comportamento humano (tanto faz. tratar-se de um fazer externo ou interno, de omitir ou permitir) sempre que € na medida em que 0 agente ou os agentes © relacionem com um sentido subjetivo. Acio “social”, por sua vez, significa uma aco que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamentojde outros, orientando-se por este em seu curso. 4 MAX WEBER I. Fundamentos metodolégicos 1. *'Sentido” é 0 sentido subjetivamente visado: a)na realidade e, num caso historicamente dado, por um agente, ou B, em média e aproximadamente, numa quantidade dada de casos, pelos agentes, ot b) num tipo puro conceitualmente, construido pelo agente ou pelos agentes Concebidos como tipicos. Nao se trata, de modo algum, de um sentido objetivamente “correto” ou de um sentido “‘verdadeiro” obtido por indagagéo metafisica. Nisso reside a diferenca entre as ciéncias empiricas da aco, a Sociologia e a Histéria, e todas as ciéncias dogmaticas, a Jurispru- deni, aogic, atca ea Esttica, que pretendem investigar em seus objetos o sentido “correto” 2, Os limites entre uma aclo com sentido € um comportamento simplesmente reativo (como aqui o chamamos), nao relacionado com um sentido visado pelo agente, so inteiramente fluidos. Uma parte muito importante de todo comportamento sociologicamente relevante, espe cialmente a acao puramente tradicional (ver abaixo), situa-se na fronteira entre ambos. Em alguns casos de processos psicofisicos nao temos agdes com sentido, isto ¢, compreensiveis ¢, em outros, estas somente existem para Os especialistas; processos misticos €, por isso, nio comunicaveis adequadamente em palavras ndo podem ser compreendicos plenamente pelos que nao tenham facessa a esse tipo de experiéncias Por outro lado, nao € pressuposto da compreensibilidade de uma acio a capacidade de produzir, com os prdprios recursos, uma aco andloga: "Nao @ preciso ser César para compreender César" A possibilidade de “reviver”” completamente a agio é importante para a evidencia da compreensdo, mas nao € condicdo absoluta para a interpre- tagio do sentido. Componentes compreensiveis ¢ nao compreensiveis de um proceso esto miitas vezes misturados € relacionados entre si 3. Toda interpretacao, assim como toda ciéncia em geral, pretende alcancar “evidéncia" Aevidéncia da compreensdo pode ser de carater [a] racignal (e, neste caso, ou légico ou matema- tico), ov [b] intuitivamente compreensivo (emocional, receptivo-artistico). No dominio da acio, é tacionalmente evidente, antes de mais nada, o que se compreende Jatelectualmente, de modo cabal ¢ transpatente, em sua conexdo de sentido visada, Intuitivamente evidente, no caso da acio, € 0 que se revive plenamente em sua conexdo emocional experimentada. Racionalmente Compreensiveis, isto é, neste caso, direta ¢ inequivocamente apreensiveis em seu sentido intelec- tual, sdo principalmente, e em grau maximo, as conexdes de sentido que se encontram na relacdo de proposigées matematicas entre si. Compreendemos inequivocamente o que significa, quanto ao sentido, quando alguém utiliza, pensando ou argumentando, a proposicio 2 2 = 4 ou © teorema pitagorico, ou quando extrai uma cadeia de conclusdes Iégicas de maneira “‘correta”” (conforme nossos habitos de pensar), O mesmo ocorre quando ele, partindo de “‘fatos.de expe- rincia" que consideramos'“conhecidos” e de finalidades dadas, tira em sua acho as consequencias dai inequivocamente resultantes (conforme nossa experiencia) relativas 4 espécie de meios a serem empregados. Toda intérpretagio de uma ago desse tipo, racionalmente orientada por lum fim, possai — quanto compreensio dos meios empregados — um grau maximo de evidéncia Com menor grau de evidencia, mas suficiente para nossas exigencias de explicagdo, compreen- demos também aqueles “eros” (inclusive “enredamento” de problemas) nos quais poderiamos tncorter ou de cuja formagi® podemos ter a experiéncia intltiva, Ao contrario, muitas vezes ndo conseguimos compreender, com plena evidéncia, alguns dos “fins” Gltimos e “valores” pelos quais podem orientar-se, Segundo a experiencia, as acdes de unia pessoa; eventualmente conseguimos apreendé-los intelectualmente mas, por outro lado, quanto mais divergem de nossos, proprios valores ultimos, tanto mais dificuldade encontramos em tornd-los compreensiveis por _pima revivéncia mediante a imaginacio intuitiva, Nessas condigdes, temos de contentar-nos, con- forme © caso, com sua interpretagéo exclusivamente intelectual, ou, eventwalmente, quando até esta tentativa falha, aceitd-los simplesmente como dados. Trata-se, neste caso, de tornar inteligivel para nds o desenrolar da agdo por eles motivadas, a partir de seus pontos de orientagao interpretados intelectualmente na medida do possivel, ou intuitivamente revividos, na maior aproximagio possivel. A esta classe pertencem, por exemplo, muitas acbes virtuosas, religiosas e caritativas para quem é insensivel a elas, do mesmo modo que muitos fanatismos de extremo racionalismo (‘direitos humanos”) para quem, por sua vez, se aborrece radicalmente desses ee a a a ECONOMIA E SOCIEDADE 5 Pontos de orientacdo. Impulsos afetivos (medo, c6lera, ambicdo, inveja, ciime, amor, entusias mo, orgulho, sede de vinganga, piedade, dedicacio, apeténcias de toda espécie) e as reacoes irracionais (do ponto de vista da ago racional, orientada por um fim) que deles resultam podem ser revividos por nés emocionalmente € com tanto mais evidéncia quanto mais suscetiveis sejamos a esses mesmas afetos; em t6do caso, porém, mesmo que ultrapassem absolutamente por sua intensidade nossas préprias possibilidades, conseguimos compreendé-los intuitivamente ¢ aval intelectualmente seus efeitos sobre a orientacao @ os meios da acto. Para a consideragio cientifica que se ocupa Comr construcdo de tipos, todas as conexdes de sentido icracionais do comportamento afetivamente condicionadas € que influem sobre 4 agdo sio investigadas ¢ expostas, de maneira mais clara, como “desvigs” de um curso construido dessa acio, no qual ela é orientada de maneita puramente racional pelo seu fim Na explicagao de um “panico financeiro”, por exemplo, ¢ conveniente averiguar primeiro como se teria proces sado a acko sem influéncias de afetos irracionais, para registrar depois aqueles componentes irracionais como “perturbacdes”. Do mesmo modo, quando se trata de uma aco politica ou militar, € conveniente verificar primeiro como se teria desenrolado a acao caso se tivesse conheci mento de todas as circunstancias ¢ de todas as intengées dos protagonistas e a escolha dos meios ocorresse_de_maneira estritamente racional orientada pelo fim, conforme a experiéncia que consideramos valida Somente esse procedimento possibilitard a imputacio causal dos desvios as irracionalidades. que os condicionam. Em virtude de sua compreensibilidade evidente ¢ de sua inequivocabilidade — ligada a racionalidade —, a construgao de uma agio orientada pelo fim de maneira estritamente racional serve, nesses casos, & Sociologia como tipo (‘tipo ideal”) Permite compreender a aco real, influenciada por irracionalidades de toda espécie (afetas, eros, A i como ''desvio” do desenrolar a ser esperado no caso de um comportamento puramente racional Nessa medica, € somente por esse motivo de conveniéncia metodoldgica, © método da Sociologia “'Compreensiva” € “racionalista”. No entanto, é claro que esse procedimento ndo deve ser interpretado como preconceito racionalista da Sociologia, mas apenas como recurso metodolégico. Nao se pode, portanto, imputar-lhe a crenca em uma predomindncia efetiva do racional sobre a vida. Pois nada pretende dizer sobre a medida em que na realidade ponderagées racionais da relagio entre meios ¢ fins determinam ou nao as aqdes eferivas, (Nao se pode negar, de modo algum, o perigo de interpretacdes racionalistas no lugar errado. Toda a expe- riéncia confirma, infelizmente, sua existéncia. ) 4. Processos € objetos alheios ao sentido sio levados em consideracao por todas as ciéncias ocupadas com a agio: como ocasido, resultado, estimulo ou obstéculo da acao humana. “Alheio ao sentido” nao € idéntico a “inanimado” ou “'ndo-humano””. Todo artefato, uma maquina por exemplo, somente pode ser interpretado e compreendido a partir do sentido que a acdo humana (com finalidades possivelmente muito diversas) proporcionou (ou pretendeu proporcionar) @ sua produgio e utilizacao; sem 0 recurso a esse sentido permanecer4 inteiramente incompreen: sivel. O compreensivel nele € portanto, sua referéncia 4 acd humana, seja como ‘'meio” seja como "fim" concebido pelo agente ou pelos agentes e que orienta suas acbes. Somente nessas categorias realiza-se a compreensao dessa classe de objetos. Alheios ao sentido permanecem, a0 contrario, todos os processos ou estados — animados, inanimados, extra-humanos e humanos — que ndo tenham um contetido de sentido “‘subjetivo", na medida em que ndo entrem em relagdes com a acdo como “meios"” ou “fins”, mas representem apenas a ocasido, 0 estimulo ou © obstéculo desta A grande inundagdo que deu origem 4 formacio do Dollart, no fim do século XII [(1277)], tem (talvez) um significado “‘histérico” como estimulo a certes processos de migracdo de considerdvel alcance A mortalidade e 0 ciclo organico da vida em geral: do desvalimento da crianga até o do ancido, tém naturalmente alcance sociol6gico de primeira ordem em virtude dos dliversos modos em que a acio humana se orientou € se orienta por essas circuns tancias. Outra categoria diferente constituem as proposigdes empiricas suscetiveis de compreen- slo sobre o desenrolar de fenémenos psiquicos e psicofisioldgicos (cansaco, rotina, meméria etc., mas, também, por exemplo, euforias tipicas ligadas a determinadas formas de moruificacdo, diferencas tipicas nos modos de reacio quanto 4 rapidez, maneira, inequivocidade etc.) Mas, em Ultima insténcia, a situagao € a mesma dos outros fatos ndo_suscetiveis de compreensio: do mesmo modo que a pessoa atuante na pratica, a consideragdo compreensiva 0s aceita como “dados" com os quais hd de contar. - 6 MAX WEBER, Hi ainda a possibilidade de que a investigagio furura descubra regularidades ndo suscetiveis Ge compreensio em comportamentos especificas dotados de sentido, por menos que isto tenhia seomocdo até agora, Diferencas na heranga biolégica (das “'ragas"), por exemplo, teriam de ser aceitas pela Sociologia como dagias desde que ¢ na medida em que se pudessem apresen'ar provas estatisticas concludentes de sua influéncia sobre o modo de comportamento sociologi- Pimenre relevante — especialmente, portanto, sobre o modo como se da na acto social a refe- Sancia 20 seu sentido —, do mesmo modo que a Sociologia aceita fatos fisiologicos do po da necessidade de alimentacdo ou dos efeitos da velhice sobre as agGes. E o reeonhecimento Ge seu significado causal nada alteraria, naturalmente, nas tarefas da Sociologia (€ das ciéncias ue se ocupam com a acdo, em geral)- compreender interpretativamenté as ages orientadas Sor um sentido. Ela se limitaria a inserir, em determinados pontos de suas conexdes dle motivos, Mrerpretiyels de maneira compreensivel, fatos:ndo suscetivels.de.compreensio (por exemplo, Tolagbes tipicas de freqdéncia entre detetminadas finalidades das agoes ou do grau de sua raciona: Iidade tipiea ¢ 0 indice craniano ou a cor da pele ou quaisquer outras qualidades fisiologicas hereditérias), o que j4 hoje em dia ocorre nesta area (ver acima). 5. Compreensio pode significar: 1) compreensio atual do sentido visado- de uma acto nclusive de uma manifestagio) “Compreendemos’’, por exemplo, de maneira atual, o sentido da proposicio 2 X 2 = 4 que ouvimos ou lemos (compreensio racional atual de pensamentos), SAkim ataque de cdlera que se manifesta na express4o do rosto, interjeigOes ¢ movimentos rracionais (compreensio irracional atual de afetos), ou o comportamento de um lenhador ot Be Siguém que poe 2 mio na maganeta para fechar a porta Ow que aponta com o fuzil para Sia animal (compreensio cacional atual de ages). Mas, compreensio pode significar também: Syecmpreensto explicatiea. "compreendemos', pelos motivos, que sentido tem em mente aquele que pronuncia ou escreve a proposiclo 2 x 2 = 4, para fazé.lo precisamente nesse momento Cie Ei situacdo, quando o vernos ocupado com um calculo comercial, uma demonstragao cienti- fea, am calcalo tecnico ou outra ac2o a cuja conexfo “pertence” aquela proposicao pelo sentido quenés atribuimos a ela, quer dizer, a proposicio adquire uma conexao de sentido ‘compreensivel Bara nés (compreensio racional de motivacio). Compreendemos-as-acdes de trar lenha ou de Epontar com o fuzil ndo apenas de maneira atual, mas também pelos. motives, quando sabemos Gue o lenhador executa essa acio para ganhar um saldrio ou para consumo préprio ou pasa Ce Satce Gacional), ou enti “porque descarregou uma excitacao” Grracional), ov quando Sabemos que o atirador age assim obedecendo a uma ordem de executar alguém, ou combarendo Sin inimigo (Fagianal), ou por vinganga (de maneira afetiva, € neste sentido, irracional) Fina) mente, compreendemos, pelos motivos, a célera, quando sabemos que a origem dela ¢ o clume, sect de ofendida ou a honra ferida (agao afetivamente condicionada; portanto, irracional pelos trotivos) Todas estas so conexdes de sentido compreensiveis, cuja compreensio considerames Tina explicacao do curso efetivo da agio. “Explicagao” significa, portanto, para uma cing ‘ocupada.com.o sentido da_agio, algo como: apreensdo-da conecto de sentido a que perience cerpatio compreensixel de maneira ajual, segundo seu sentido subjetivamente visado (sobre O significado causal desta “explicacdo'” ver item 6) Em todos estes casos, incluidos os processes Sretros designaremos o sentido subjetivo do evento e também o da conexio-de sentido como Sentido “visado" (ultrapassando assim o uso habitual que fala de “visar”, neste sentido, someme quando se trata de agbes racionais e intencionalmente orientadas por um fim) & “Compreensio” significa em todos estes casos: apreensao interpretativa do sentido ou da conevio de sentido: 2) efetivamente visado no caso individual (na consideracao historica), Gu b) visado em média e aproximadamente (na considerago sociolOgica em massa), ou €) oo ido on conexio de sentido a ser construido. ciontificamente-(como, “ideal-tipico) ) para © tipo puro (ipo ideal) de um fendmeno-irequente. Construsdes ideal-tipicas desia classe slo, por Gxemplo, os canceitos a5 “leis” estabelecicios pela teoria pura-da-econemia, Expdem come re jeseniolaria uma acao humana de determinado cardter se estivesse orientada pelo fim de cist esiritamente racional, sem perturbagio por erros e afetos, e se, além disso, estivesse trientada exclusiva e inequivocamente por um tinico fim_(o-econémico). A agao real decorre gpenas em raras casos (Bolsa) mesmo entdo s6 aproximadamente, tal como fol construlde 79 tipo ideal. (Sobre a finalidade de tais construgdes ver [meu artigo em] Archiv (Ur Sozialwissenschati, ix, p 64 e seg [Gesummelte Aufsdtze zur Wissenschaftslehre, p. 190 € seg] ¢ abaixo «pico 11 ECONOMIA E SOCIEDADE % Toda interpretagéo pretende alcancar evidéncia (t6pico 3) Mas nenhuma interpretacéo, por mais evidente que seja quanto ao sentido, pode pretender, como tal e em virtude desse cardter de evidéncia, ser também a interpretacdo causal vélida, Em si, nada mais é do que uma hipérese. causal de evidéncia particular. 2) Em muitos casos, supostos “motives” e ' repressoes” (isto €, desde logo, motivos nao reconhecidos) ocultam ao préprio agente 0 nexo real da orien- fagao de sua acao, de modo que também seus proprios testemunhos subjetivamente sincero: tém valor apenas relativo, Neste caso, cabe a Sociologia a tarefa de averiguar essa conexao ¢ fixd-la pela interpretacio, ainda que nao tenha sido elevada a consciéncia, ou, o que se aplica maioria dos casos, no 0 tenha sido plenamente, como conexio “visada’” concretamente: um caso-limite da interpretacdo do sentido. b) manifestagGes externas da aco que consideramos “iguais”’ ou "‘parecidas” podem basear-se em conexdes de sentido bem diversas para o respectivo agente ou agentes; e compreendemos'’ também acdes extremamente divergentes, ou até opostas quanto ao sentido, em face de situagGes que consideramos “idénticas” entre si (exemplos na ‘obra de Simmel, Die Probleme der Geschichtsphilosophie). c) Diante ituacdes dadas, os agentes humanos ativos esto freqtientemente expostos a impulsos contrarios que se antagonizam, todos eles “‘compreensiveis” para nés. Mas, seja qual for a intensicladle relativa com que costumam se manifestar as diversas referéncias ao sentido envolvidas na “‘luta dos motivos” igualmente compreensiveis para nds, ¢ algo que, em regra e segundo toda a experiencia, nap se pode avaliar seguramente e, em grande ntimero de casos, nem aproximadamente. Somente o resultado efetivo da lute dos motivos nos esclarece.a esse respeito. Como em toda hipétese, € imprescindivel, portanto, o controle da interpretacao compreensiva do sentido, pelo resultado no curso efetivo da acio, Esse controle s6 pode ser alcancado, com precisio relativa, nos casos especialmente adequades a este fim ¢ infelizmente raros de experiéncias psicoldgicas. Também por meio da estatistica, mas apenas em grau muito variado de aproximacdo, nos casos (igualmente limitados) de fenémencs em massa de natureza enumerdvel e inequivoca quanto a sua imputabilidade De resto, ha apenas a possibilidade de comparar o maior nimero possivel de processos da vida hist6rica ou cotidiana que sejam quase idénticos mas que difiram num Unico ponto decisive: © “motivo” ou “impulso” a ser examinado cada vez com respeito a sua significacao pratica Isto constitu uma tarefa importante da Sociclogia-comparada Em muitos casos, entretanto, 86 resta o meio inseguro da “experiéncia ideal, quer-dizer, a eliminagdo imaginada de certos componentes da cadeia de motivos e a construgio do desenvolvimento entio provavelda-acio, para alcancar uma imputagéo causal. A chamada “‘lei de Gresham", por exemplo, é uma interpretacao racionalmente evidente da agio humana em condigdes dadas e sob o-pressuposto ideal-tipico de uma acéo orientada por seu objetivo, de maneira puramente racional. Até que ponto a agia_real corresponde a essa lei é uma coisa que somente pode ensinar-nos a expasiéncia (expressavel, a principio, em alguma forma “estatistica’”) sobre o desaparecimento efetivo da circulagio das classes de moedas que a regulamentacio monetiria fixa abaixo de seu valor; essa experiéncia comprova, de fato, a validade muito ampla da lei. Na verdade, 0 curso do conhecimento foi este: primeiro existiram as observagoes empiricas ¢ em seguida foi formulada a inwerpretaclo. Sem esta interpretacao bem-sucedicla, nossa pretensdo-a causalidade permaneceria evidentemente insatisfeita. Mas, por outro lado, sem a prova de que o desearolar idealmente construido do.comportamento se realiza em alguma medida na pratica, esse tipo de lei, por mais evidente que seja, seria uma construgdo sem valor algum para.o.conhecimento da agao real. Neste exemplo, € concludente a concordancia entre adequacao de sentido € prova empirica, € h4 ntimero suficiente de casos para considerar a prova suficientemente segura. A brilbante hipétese de Eduard Meyer sobre a importancia causal das batalhas de Maratona, Salamina ¢ Platéia para o desenvolvimento peculiar da cultura helénica (©, com isso, da ocidental) — hipétese exploravel quanto ao sentido ¢ apoiada em processos sintomaticos (atitudes dos ordculos ¢ profetas helénicos para com os persas) — apenas pode ser fortalecida pela prova obtida dos exemplos do comportamento dos persasnos casos-de vitéria Gerusalém, Egito, Asia Menor), portanto, tem de permanecer necessariamente incompleta em muitos aspectos. A considerdvel evidéncia racional da hipétese forcosamente serve de apoio esse ponto, Mas, em muitos casos de imputacdo historica muito evidente na aparéncia, nav. hi possibilidade alguma de uma prova desse tipo. Em conseqiiéncia, a imputagao permanece definitivamente “hipétese”

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