ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual. Uma psicologia da visão criadora.
Tradução de Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: EDUSP, 1980.
FICHAMENTO DO CAPÍTULO 7 - COR
PRINCIPAIS CONCLUSÕES: “Para o nosso presente propósito a diferença mais interessante da
conceituação da cor relaciona-se com o desenvolvimento cultural. Estudos recentes sugeriram que os nomes básicos de cor, relativamente poucos em número, são comuns a todas as línguas, mas também que abarcam diferentes variações de matizes e que nem todas as línguas possuem todos estes nomes. Pesquisa antropológica feita por Brent Berlin e Paul Kay indica que os nomes de cor não ocorrem em seleções arbitrárias. A nomenclatura mais elementar distingue apenas entre obscuridade e claridade e todas as cores são classificadas segundo esta simples dicotomia. Quando uma língua contém o nome de uma terceira cor é sempre o vermelho. Esta nova categoria absorve os vermelhos e alaranjados e a maioria dos amarelos, rosas e púrpuras incluindo o violeta. O restante é dividido entre obscuridade e claridade (preto e branco). Se estes dados, coletados de vinte línguas, forem dignos de fé, eles nos dizem que a lei de diferenciação, que aplicamos ao desenvolvimento da concepção de forma, vale também para a cor.” (p. 322); “Compreendemos agora que, enquanto o mecanismo fisiológico da visão capacita cada ser humano normal a distinguir milhares de nuanças, as categorias perceptivas pelas quais apreendemos e conceituamos o mundo sensório desenvolvem-se do simples ao complexo.” (p. 323); “Por si só, a forma é um meio de identificação melhor do que a cor, não somente porque oferece muito mais tipos de diferença qualitativa, mas também porque suas características distintivas são muito mais resistentes às variações do ambiente. Embora a assim chamada constância de forma não seja de maneira alguma tão segura quanto se considera, notamos que as pessoas são extraordinariamente capazes de reconhecer um objeto, mesmo que o ângulo do qual eles o percebem possa apresentar uma projeção completamente diferente do mesmo. Identificamos uma figura humana de quase todos os pontos de observação. E ainda mais, a configuração é quase inteiramente insensível às mudanças de claridade ou cor do ambiente, enquanto a cor local dos objetos é a mais vulnerável neste aspecto.” (p. 324); “Esta compensação atinge um nível que reduz o efeito da iluminação colorida sobre a cor local dos objetos. Entretanto, justamente por isso, também percebemos a cor da própria iluminação incorretamente. Um efeito de adaptação, descrito por Kurt Koffka e também por Harry Helson, nos faz perceber a cor dominante como 'normal', isto é, como a mais aproximadamente incolor, e todas as cores do campo como transpostas em relação a este nível normal. […] Relacionando com isto, devo também me referir ao efeito da intensidade da luz sobre a cor. Sob forte iluminação os vermelhos parecem particularmente claros porque os cones da retina executam a maior parte do trabalho e são os mais responsivos aos comprimentos de ondas mais longas. A luz mortiça trará os verdes e os azuis para a frente, mas também os fará parecer mais esbranquiçados porque agora os bastonetes retinianos, que são mais responsivos à luz de comprimento de onda mais curta, participam do trabalho, embora não contribuam para a percepção de matiz.” (p. 325); “Ernest Schachtel, contudo, sugeriu que a experiência de cor assemelha-se a do afeto ou da emoção. Em ambos os casos tendemos a ser receptores passivos de estimulação. A emoção não é o produto da mente ativamente organizadora. Ela apenas pressupõe um tipo de abertura, que, por exemplo, uma pessoa deprimida pode não ter. A emoção nos atinge como faz a cor. A configuração, por contraste, parece exigir uma resposta mais ativa. Nós examinamos o objeto, estabelecemos seu esqueleto estrutural, relacionamos as partes com o todo. De modo similar, a mente controladora age sobre os impulsos, aplica princípios, coordena uma variedade de experiências e decide sobre o andamento da ação. Em termos gerais, na visão da cor a ação parte do objeto e afeta a pessoa; mas para a percepção da forma a mente organizadora vai ao encontro do objeto.” (p. 326); “Uma aplicação literal desta teoria poderia levar à conclusão de que a cor produz uma experiência essencialmente emocional, enquanto a forma corresponde ao controle intelectual. Tal formulação parece demasiadamente estreita, particularmente com referência à arte. É provavelmente verdade que a receptividade e rapidez da experiência são mais características para as respostas à cor, enquanto o controle ativo caracteriza a percepção da forma. Mas só se pode pintar ou entender um quadro, organizando-se ativamente a totalidade dos valores da cor; por outro lado, submetemo-nos passivamente à contemplação da forma expressiva. Ao invés de falar de respostas à cor e respostas à forma, podemos, com maior propriedade, distinguir entre uma atitude receptiva aos estímulos visuais, que é encorajada pela cor mas que se aplica também à forma, e uma atitude mais ativa, que prevalece na percepção da forma mas que se aplica também à composição de cor.” (p. 327); “Matisse disse: 'Se o desenho pertence ao espírito e a cor aos sentidos, deve-se desenhar primeiro para cultivar o espírito e ser capaz de conduzir a cor ao caminho do espiritual'. Ele interpreta a tradição segundo a qual a forma é mais importante e mais dignificada do que a cor. Poussin disse: 'As cores na pintura são, por assim dizer, engodos para seduzir os olhos, como a beleza dos versos na poesia é uma sedução para o ouvido'. Pode-se encontrar uma versão alemã deste ponto de vista nas obras de Kant: 'Na pintura, na escultura e na verdade em todas as artes visuais, na arquitetura, horticultura, na medida em que são consideradas belas artes, o 'design' é essencial porque serve como fundamento do gosto somente pelos prazeres oriundos da configuração, não pelo entretenimento da sensação. As cores que iluminam o padrão de contornos pertencem à estimulação. Elas podem dar vida à sensação do objeto mas não podem torná-lo digno de contemplação e belo. Ao invés, são, com frequência, grandemente reprimidas pelas exigências da forma bela e, mesmo onde se admite a estimulação, enobrecida apenas pela forma'.” (p. 327); “Os nomes dos três primeiros pioneiros da teoria da cor podem ser responsáveis pelos três principais componentes do processo a ser explicado. Newton descreveu as cores como devidas às propriedades dos raios que compõem as fontes luminosas; Goethe proclamou a contribuição dos meios físicos e superfícies encontradas pela luz quando ela viaja de sua fonte aos olhos do observador; e Schopenhauer anteviu numa teoria de imaginação, embora estranhamente profética, a função das respostas retinianas dos olhos. 'Como os raios de luz diferem em graus de refrangibilidade,' escreveu Newton em seu relatório de 1672 para a Royal Society, 'assim também diferem em sua disposição para expor esta ou aquela determinada cor. As cores não são qualificações da luz, derivadas das refrações ou reflexões dos corpos naturais (como geralmente se acredita) mas propriedades originais e inatas, que em raios diferentes são diferentes. Alguns raios estão preparados para exibir uma cor vermelha e não outra; alguns um amarelo e não outra, alguns um verde e não outra e assim sucessivamente. Não só não existem raios próprios e particulares para as cores mais importantes, como nem mesmo para todas as suas gradações intermediárias'.” (p. 328); “Estas mesmas três cores, vermelho, verde e violeta foram propostas por Young e mais tarde por Helmholtz como sendo as primárias geradoras mais prováveis para a visão da cor. Nenhum dos dois cientistas pôde tentar provar anatomicamente que assim acontecia. Somente em 1960, experimentos estabeleceram que 'a visão da cor nos vertebrados é mediada por três pigmentos sensíveis à luz, segregados em três tipos diferentes de células receptoras da retina, e que um destes pigmentos é basicamente responsável pela sensação da luz azul, um pela sensação do verde e um pelo vermelho' (MacNichol).” (p. 330, 331); “Na combinação aditiva, o olho recebe a soma das energias da luz que se agrupam num lugar, por exemplo, numa tela de projeção. Por isso o resultado e mais luminoso do que cada um dos seus componentes. Sob condições ideais uma combinação adequada de componentes produz branco ou cinzento claro.[...]A subtração produz sensações de cor com o que sobra depois da absorção. Os vitrais são filtros coloridos, que diminuem a luz externa que passa através deles. As cores locais dos objetos resultam da luz que eles refletem depois que suas superfícies absorveram sua quota de iluminação; uma superfície vermelha absorve tudo, exceto os comprimentos de onda correspondentes ao vermelho. As três primárias geradoras que melhor se adaptam aos filtros subtrativos são um azul esverdeado (ciano), um amarelo e um magenta, dos quais dois quaisquer combinam por subtração com azul, vermelho e verde, respectivamente. Assim as cores que finalmente compõem a imagem são mais ou menos as mesmas que as primárias geradoras do processo aditivo. A combinação aditiva de cor acontece de acordo com algumas regras simples que dependem inteiramente do tipo de estímulo produzido no olho pelas cores participantes. O resultado da subtração, por outro lado, depende não apenas de como as cores aparentam, mas de sua constituição espectral.” (p. 331, 332); “Diferenciamos entre primárias geradoras e fundamentais. A mesma diferença deve agora ser aplicada às cores complementares. As complementares geradoras são cores que, em combinação, produzem um branco ou um cinzento monocromáticos. As complementares fundamentais são cores que, no julgamento do olho, precisam uma da outra e complementam-se mutuamente.” (p. 333); “Não se pode falar 'como uma cor realmente é' num sentido seguro, ela é sempre determinada por seu contexto. Um fundo branco de modo algum é um fundo zero, mas tem fortes idiossincrasias próprias. Wolfgang Schöne mostrou que nas pinturas européias dos séculos XVI ao XVIII a luz é mais importante que a cor e por isso elas são prejudicadas quando apresentadas em paredes brancas ou muito claras.” (p. 335); “Em outras palavras, a teoria musical não se preocupa com os sons que se combinam agradavelmente, mas com o problema de como dar forma adequada a um determinado conteúdo. A necessidade de que tudo se integre num conjunto unificado é só um aspecto deste problema, e, na música, não se satisfaz compondo a obra a partir de um conjunto de elementos que se mesclam facilmente em qualquer combinação.” (p. 339); “Uma vez que as três primárias fundamentais são indivisivelmente puras, elas não podem se relacionar reciprocamente com base em um denominador comum. Cada uma delas exclui completamente as outras duas. A única maneira na qual se pode dizer que se atraem reciprocamente é por seus desempenhos como membros de uma tríade complementar. Isto será examinado brevemente. Por outro lado, elas podem ser relacionadas apenas através de sua claridade ou saturação, não como matizes.” (p. 341); “Os matizes puros nunca podem servir como tais transições. Eles são os pólos. Eles permanecem isolados, ou aparecem no início ou no fim de uma sequência de valores cromáticos; ou marcam um clímax no qual a sequência toma uma outra direção.[...] Matizes não misturados também proporcionam lugares de repouso à composição, com notas-chave, que servem para estabelecer um marco de referência estável para as misturas. [...]As secundárias e outras misturas das primárias derivam seu caráter do fato de serem percebidas como híbridas. Elas têm uma dualidade vibrátil, esforçando-se em direção ao mais forte de seus dois pólos ou tentando, por meio de uma interrelação dinâmica constante, manter o equilíbrio entre seus dois matizes de origem. Numa composição pictórica baseada na tríade secundária alaranjado, púrpura e verde, há interação incessante entre as três. Cada cor tem uma primária em comum em relação a cada uma das outras duas, de modo que cada uma delas é atraída em duas diferentes direções.” (p. 342); “Quando as primárias puras atuam como elementos subordinados numa composição baseada nas três secundárias, elas funcionam como a tríade básica da escala musical: elas constituem o referencial para as várias combinações e também aumentam a tensão, indicando a base da qual as misturas se desviam. Quando, ao contrário, as três primárias constituem o tema dominante, consegue-se uma estabilidade clássica, a preferida, por exemplo, por Poussin. Neste caso, as secundárias numa posição subordinada ajudam a vivificar os acordes estáticos do tema.” (p. 342, 343); “Ambos contêm um elemento comum — o vermelho. Mas no primeiro par, o vermelho mantém a mesma posição estrutural em ambas as cores; ele está subordinado. No segundo par, as posições estruturais são reversas; o vermelho é subordinado em uma cor, dominante na outra. Aparentemente esta contradição estrutural amiúde produz um conflito ou choque e por essa razão, repulsão mútua, enquanto que no primeiro par a correspondência de similaridade estrutural permite que o vermelho estabeleça uma ligação entre o amarelo e o azul. Os dois pares de cores exemplificam dois tipos de misturas. O primeiro tipo pode ser chamado de 'Similaridade da Subordinada' (Figura 235), o segundo, de 'Contradição Estrutural em um Elemento Comum'(Figura 236).” (p. 343, 344); “A diferença do tipo ilustrado na Figura 235 é que, enquanto a similaridade das subordinadas produz duas cores essencialmente diferentes, relacionadas pela mesma mistura, a semelhança da dominante produz duas cores essencialmente idênticas, distintas por misturas diferentes. A mesma cor divide-se em duas escalas distintas, por exemplo, o vermelho para a escala amarelo-vermelha e para a escala azul-vermelha. O efeito parece ser discordante e produzir alguma repulsa mútua. A "Inversão Estrutural" (Figura 238) ocorre quando os dois elementos trocam as posições, isto é, quando a cor que serve como subordinada em uma mistura é a dominante da outra e vice-versa. Por exemplo, combinamos um azul avermelhado e um vermelho azulado. […] Experimentos podem mostrar que isto leva a uma relação harmoniosa.” (p. 344); “O efeito de conflito ou de repulsão mútua não é 'mal' proibido. Ao contrário, é um instrumento precioso para o artista que quer fazer uma proposição articulada em termos de cor. Pode ajudá-lo a destacar o primeiro plano do plano de fundo ou as folhas de uma árvore de seu tronco e galhos, ou impedir que os olhos sigam na composição caminhos indesejáveis. Contudo, a discordância deve se adaptar à estrutura total da obra conforme estabelecida pelos outros fatores perceptivos e pelo assunto. Se ocorre uma discordância onde uma conexão é necessária, ou se a justaposição parece arbitrária, o resultado é a confusão.” (p. 346); “Na maioria dos artigos sobre o assunto, as cores complementares são definidas por sua capacidade de criar um cinzento ou branco acromáticos. Combinados aditiva ou subtrativamente, certos pares ou grupos de cores produzirão este efeito óptica, química ou fisiologicamente.” (p. 346); “Entre todos os grupos de cores que produzem a inteireza, as três primárias fundamentais são ímpares. Elas constituem o único conjunto de complementares no qual todos os constituintes são matizes puros e, portanto, excluem totalmente os outros dois.” (p. 347); “A contradição entre essas duas aplicações tão diferentes do mesmo recurso parecem menos confusa se lembrarmos que a inteireza conseguida pela complementaridade envolve não apenas contraste máximo, mas também neutralização mútua. O contraste é mais evidente quando amplas áreas de cores são colocadas em oposição. Quando as mesmas cores são combinadas em muitas doses pequenas, como por exemplo nos golpes de pincel das pinturas divisionistas, ou quando vistas à distância, elas se combinam por adição tendendo para um cinzento prateado.” (p. 349); “Uma vez que o olho espontaneamente procura e liga as cores complementares, elas são, com frequência, usadas para estabelecer conexões numa pintura entre áreas que se encontram a alguma distância uma da outra. Contudo, um forte duo ou tríade complementar tende a ser tão isolado e auto-suficiente que não apenas ajuda a manter a pintura unida, mas também introduz um problema compositivo. Finalmente, a inteireza que se pode conseguir por meio de pares de complementares serviram, entre os pintores, aos coloristas para tornar o volume tridimensional dos objetos, como frutas e corpos humanos, mais salientes. Mostrei que a terrível competição entre as cores locais dos objetos, por um lado, e as luzes e sombras introduzidas pelo claro escuro, por outro, foi resolvida na pintura ocidental pela introdução de sombras coloridas. Esta técnica, na obra de Rubens ou Delacroix, não apenas serve para criar um meio unitário de representação que traduz a coloração local e os valores de claridade de iluminação pelo mesmo artifício; ela também dá forma à rotundidade de um objeto pictórico de um modo particularmente convincente.” (p. 350); “Devemos enfatizar aqui, uma vez mais, que a ordem de uma composição pictórica estabiliza o caráter de cada cor, tornando-a tão inequívoca quanto necessário para a proposição artística ser válida. Isto significa que a identidade da cor não reside na cor em si, mas é estabelecida por relação.” (p. 351); “A assimilação está intimamente relacionada com a combinação aditiva de cores. Quando os matizes que se justapõem são suficientemente semelhantes, ou quando as áreas que suportam os matizes são suficientemente pequenas, as cores se aproximarão entre si, ao invés de enfatizar o contraste.” (p. 352); “As relações entre matizes não podem ser descritas adequadamente sem referência à saturação e claridade. Experimentos mostraram que a diferenciação de cor depende mais da claridade do que do matiz.” (p. 353); “Goldstein concluiu que as cores correspondentes aos comprimentos de ondas longas combinam com uma reação expansiva, enquanto os comprimentos de ondas curtas favorecem a contração […] Esta reação física encontra paralelo nas observações feitas por Kandinsky sobre a aparência das cores. Ele afirmou que um círculo amarelo revela 'um movimento de expansão a partir do centro que se aproxima quase que sensivelmente do espectador'; um círculo azul 'desenvolve um movimento concêntrico (como um caracol escondendo-se em sua concha) e se afasta do observador.'” (p. 358, 359).
Paloma da Silva Santos – Acadêmica do curso de graduação em Artes Visuais – Licenciatura.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS E DESIGN
Disciplina: Lab formas expressivas tridimensionais III
Professor: Otávio Cabral
Fichamento: Arte e percepção visual – Uma Psicologia da Visão Criadora