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LULA – JULGAMENTO DE RECURSO ADIADO – FIM DE

LINHA PARA UM PROJETO BRASIL-MODERNIZADOR?

Ailton Benedito de Sousa

Começo com um pseudo-evento, termo que invento agora para me


referir a esses fatos que se inserem na ordem do correto, do normal,
mas cuja aberração e insolência não faz outra coisa senão apontar
para sua importância: o concurso nacional para ampliação dos
quadros da polícia federal em 2003 e seguintes.

Saído de décadas de ditadura, o governo Lula, popular, entrega a


reestruturação de um dos pilares de sua segurança à direita. Tinha que
ser assim mesmo?

Caído Getúlio no pós-guerra, cai todo seu esquema de segurança do ex-


ditador. Caído Figueiredo, Sarney e Collor, porém, remanesce e se
revigora o poder policial-militar que renasceu em 1964. Há consenso
entre os que organizam o poder no Brasil quanto a que na máquina de
governo é legítima a função de capitão do mato, não a de baluarte do
sistema, mas a de capitães do mato – logo, conclua-se, aqui há muito
mato e há muitos daqueles e daquelas que precisam no mato se
esconder.

Há pouco tempo, atrás ou à frente desse 2003, tinha ocorrido outro


desses eventos “esconde insolência”, o tal do plebiscito nacional para
desarmar o povo, no qual, Lula, menino-propaganda, aparece na tevê
para aconselhar a população a entregar suas armas, um típico pseudo-
evento, tendo em vista as mudanças estruturais que seu governo
prometera ou prometia, mexer nas estruturas da Nação, vindo à baila
então a observação de De Gaule: ce n’est pas un pays sérieux..

Contrariamente à orientação de toda a militância de esquerda nesse


país, eu me inscrevi no concurso e orientei muitos amigos a nele se
inscreverem, fiando-me num geral bom senso político: todo
movimento inovador tem de instaurar suas fundações de apoio em
bases objetivas, claro. Até aquela data, a polícia federal tinha menos
de 8 mil homens, com o concurso passaria a ter 12 mil, órgão cuja
função no país, dado o passado de quase 400 anos de escravidão, é,
antes de qualquer coisa, punir, prender, torturar, matar, como dizia
Figueiredo: “eu prendo e arrebento.” Sabendo disso, um líder de
esquerda devia se perguntar: “E quem mata e prende impunemente
nesse país, senão a direita no Estado ou vice-versa? Vamos alterar a
composição desse órgão”,

Logo, não é de assustar o fato de a polícia federal ser da direita ou mais


uma vez vice-versa. A esquerda, que em 2003 não assumiu estar
reestruturando o país, estigmatizou o concurso, pois já estigmatizara a
instituição, o mesmo para a justiça em geral, o mesmo para o
ministério público, o mesmo até para os juizados especiais. Acho que,
da esquerda, só eu fiz o concurso... “E já que Lula–PT chegara, era
hora de mudar.” Diga-se de passagem, ainda, que Lula-PT a partir de
2003 e até após o Mensalão corria da “esquerda” como o Diabo corre
da Cruz.

Claro que não fui aprovado e quase saio preso da sala onde fiz a prova.
E de sobra, passei a ser censurado pelos meus pares de esquerda e do
movimento negro conforme a pecha de praxe: “se fez prova pra
polícia, é policial”... Agora, me diga como num quadro
necessariamente ideológica e politicamente bifurcado, não querer ter
representantes numa das bifurcações?..

O dito pensamento de esquerda no Brasil esconde monstros


abomináveis. A questão racial é um deles.

O projeto de poder do PT abria mão de qualquer aproximação com


instrumentos ou instituições de força, poder, guerra, justiça, essas
coisas tradicionalmente do ponto neutro, da Maat, diriam os antigos
egípcios, mas aqui há séculos apropriadas pela direita, não obstante
serem a base da ordem social democrática.

À época, odiava-se o Chávez, ridicularizado não apenas por Lobão


através das revistinhas de moda, então chamadas fanzines, mas
também por Chico Buarque e Lula. A amizade de ambos deve ter
saído abalada depois da visita de Chávez a Brasília sob a cobertura de
uma imprensa imbecil e paga por Washington...

Bem, avançando no tema, diga-se que no Brasil a polícia federal, a


justiça, as forças armadas, ou seja, todo o aparelho de segurança do
Estado nos seus diferente níveis, pela Constituição imaginados
NEUTROS, LAICOS E OBEDIENTES À LEI, passam a ser troféu
de segmentos sociais minoritários ou seitas religiosas e políticas
eso/exotéricas, muitas sem história, sem tradição, aventuras ligadas a
movimentos de moda. Quadro novo em relação aos anos 30, a
começar por nomes como o do Capitão Luis Carlos Prestes ou Capitão
Agildo Barata. Mas voltemos ao governo Lula pós-2003.

É quando vem o Mensalão, lídimo tema de ópera bufa do tipo


“excrementos no ventilador”. À explosão do caso, os gênios da
comunicação petista palaciana orientaram Lula a se fazer bem idiota,
a dar respostas ingênuas e bem imbecis aos ataques do hegemônico
bloco acusatório da mídia de direita...Me lembro de certa entrevista
em que ele se refere até à cachaça que costumava beber. A tática não
deu certo. A imagem do líder operário foi para o esgoto. A experiência
de governo perdeu credibilidade e ninguém deu importância.

E era o momento adequado para que se explicasse a toda a nação os


aspectos esdrúxulos de nosso processo decisório: a Presidência, que se
escolhe como numa disputa entre Vasco e Flamengo, propõe o
orçamento e o Plano Quadrienal de Governo, além de representar esse
Governo e a Nação, mas é o Senado, através das duas “Casas”, que
aprova ou não essas duas propostas e, mais ainda, a elas dá curso ou
não, quando as engaveta, votando o impeachment.

Governar o Brasil é usar o patrimônio federal para impedir que o


Senado/Câmara se unam: vide Temer agora. Era isso que deveria ser
dito ao povo, a explicação da ópera bufa o Mensalão, exigindo
instauração imediata de comissão de reforma da Constituição. Não só o
esquema Lula-PT recuou, como também abriu mão da agenda
governamental. Se no tal modelo brasileiro a iniciativa das ações de
governo é do Executivo, se este a delega a terceiros, pra que Executivo
exógeno? É a fase do governo PMDB-PSDB sob procuração do PT, que
vai chegar a um limite com a Presidente Dilma.

Quando é chamado a eleger seus representantes, o eleitor, ou melhor,


povo, não é informado ou esclarecido sobre os diferentes programas
com que os partidos pretendem conquistar sua preferência...Todos os
programas expostos vão fazer a mesma coisa: isto é, defender seus
interesses...(aqui vale a ambigüidade do termo “seus”).

Por via de conseqüência, dá-se mais voto ao Flamengo, aparentemente


tirando-se o Executivo da disputa, nada terá a ver com a necessidade
de maioria nas “casas”. Pior ainda é que nas duas “casas” que
constituem o Senado o povo abre mão de saber o que vai na cabeça dos
eleitos, dos donos dessas “casas”, ou mesmo de fiscalizar “o que
ocorre lá dentro do muquiço”.

Na operação de “dar” seu voto, procura dar o tanto quanto recebe ali,
na hora, quando simbolicamente se vê frente à frente com o candidato.
Nos municípios rurais, o voto vale uma caixinha de cerveja.

Um exemplo: a Constituição de 1988 começou a reparar o CRIME


dos revolucionários de 1930, isto é, estendeu os benefícios das Leis
Trabalhistas – leia-se: a APOSENTADORIA - ao homem e mulher do
campo, à população rural... pois bem: de 1988 em diante, quem vai
atestar que o decrépito Jeca Tatu, então com 60 anos de idade,
trabalha desde os 7 anos na fazenda do “seu coroné Totonho
Bosta” ou nas terras do Herr Fritzt-Alemão em Mato Grosso do
Sul?.. Se o trabalhador não se submete ao senhor no campo, não se
aposente. Se duvida, venha viver aqui.

Obviamente que o poder para atestar fato tão significativo, uma vida
de trabalho, vai exigir na cabeça dos nossos Jecas Tatus o culto de
uma imagem deificada do “Patrão”, do “Senhor”... E assim entram
em cena os grandes proprietários de terras como José Sarney e seus
pares por todo esse Brasilzão afora...(com isso explica-se o poder
adquirido pelos “fazendeiros” , os caretas do agrobusiness depois de
1988 – Sarney, ACM’s etc.). Eles têm o eleitor nas mãos, pois são eles
que “assinam a carteira” ou dão a “declaração” para o Bolsa-Família,
documentos sem os quais o pobre na zona rural não existe.

E como ao fim e ao cabo, eleições em país nada sério é, também, uma


grande brincadeira, que se eleja também como deputados, para a
diversão de todos, o Bode Cheiroso, o Tiririca, o Mané Cocô e por que
não aquele jogador de futebol baixinho?
Com um pouquinho de esforço, meu leitor começa agora a avaliar o
grau de podridão de todo o tecido de nossas instituições políticas e
sociais. O vício, a fraude, ou melhor, as pústulas putrefatas, de “uma
carne que é pus” contaminam todo o sistema representativo, não
obstante vivermos em fase de ausência absoluta de alternativa a curto
prazo.

Não ocorrendo fatos imponderáveis (o Brasil é, também, o país dos


milagres) Lula desaparece com sua Era, entregando o país a uma
corja de bandidos, seu maior erro...Não acredito que a análise de seus
erros nos venha valer de alguma coisa... O mundo, o Planeta, a
Humanidade, o Brasil, todos entramos partir de agora noutra quadra
de Existência e percepção da Existência.

O que se pode antecipar no geral é que muda a posição dos seres


humanos no Planeta, As narrativas do maldito Renascimento do
século XVI estão mortas, não houve Descobrimentos nas Américas, as
populações no Planeta já se integravam e interagiam há milênio,
necessariamente a partir de outros meios de transportes e vias. A
experiência colonial européia que nos justifica hoje é um crime
continuado, tendo à frente um serial killer solto, impune. Dentro de
poucas décadas essas verdades se superporão a questões adjetivas
como a de salvar esse ou aquele aspecto da frustrada federação
brasileira, um ato falho oriundo de povos desgarrados nas mãos de
europeus canalhas. Perdemos.

Não temos, nunca nos deixaram ter, base para a formação de um


segundo ou terceiro bloco de nações livres nas Américas, razão para
nossa existência... A tal da América Latina devia chamar-se a América
dos Derrotados. Somos a ex-Iugoslávia amanhã... Em língua e
costumes, somos derrotados, herdeiros de derrotados...e bota
derrotado nisso... Cumpre-nos um imenso esforço de superação, que a
maioria não está disposta a assumir. Logo, perdemos.

Ficamos tristes em pensar no foguete brasileiro que explodiu também


em 2003, levando todos – membros das equipes de cientistas e
técnicos – tragédia que alegrou muita gente interna e externamente...
Ficamos triste também em pensar no que farão com o patrimônio
dessa quase nação-potência que os governos Lula-PT legam à história
das Américas, por exemplo, a Transposição do São Francisco, o rio da
unidade nacional, com toda sua infra-estrutura e biomas. O que farão
da Amazônia, dos mares de água-doce reconfirmados, o que farão dos
restos do Pré-Sal? O que farão dos atuais 25 Estados e um Distrito
Federal? O que farão com os nossos 518 anos de História?.. O Futuro
já era, acabou. As imagens das manifestações Fora-Dilma ficam como
agourento lembrete: de um lado jovens em seus dois gêneros
contratados por pools de academias de ginástica, índice do excesso de
comida, ócio e falta do que fazer dos pequenos-burgueses atuais,
bonecos adestrados; de outro, velhos e velhas, a gordura flácida se
esparramando bunda abaixo, as velhas necessariamente de
sobrancelha feita a lápis preto e cabelo tingido de louro, escondendo
um passado sem cor. A feiúra feia, a feia feiúra. A feiúra da feiúra.

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