Você está na página 1de 9

Artigo ção de atividades.

Assim sendo, sua orientação vol-


tou-se para as características organizacionais exigidas
de acordo com a operação da empresa num ambiente
1. Introdução; dotado de certas especificidades.
2. As redes organizacionais; A idéia central é que diferentes exigências ambientais
implicam num determinado nível de diferenciação en-
3. Estado Amplo;
tre os vários grupos internos à empresa. Tal diferencia-
4. Conclusão.
ção refere-se, antes de mais nada, às características que
cada grupo deve assumir para tornar-se capaz de um de-
sempenho eficaz nas suas transações com setores dife-
renciados do ambiente total da empresa. Assim, parte-se
da verificação de que para cada setor da empresa há um

Redes organizacionais e
setor mais relevante do ambiente total.
Há setores da organização que transacionam com seto-
res ambientais nos quais o nível de certeza quanto às in-
Estado amplo* formações que obtém é alto. Outros transacionam com
setores ambientais nos quais o nível de certeza quanto
às informações é mais baixo.
Decorre disso que há casos de empresas que operam em
ambientes onde há uma certa homogeneidade no nível
de certeza quanto às informações advindas de seus vá-
rios setores. Dessa forma, seguindo o modelo de Law-
Fernando Cláudio Prestes Motta
rence e Lorsh, é possível que mercado, tecnologia e ciên-
Professor titular no Departamento de Administração cia possam ser semelhantemente estáveis ou ainda se-
Geral e Recursos Humanos da EAESPIFGV.
melhantemente dinâmicos. Por sua vez, é possível que
haja uma situação diversa, em que varie o nível de cer-
teza entre os setores ambientais e, portanto, haja dis-
paridade em seu dinamismo ou estabilidade.

No primeiro, caso, a relativa homogeneidade ambien-


tal exige da empresa uma certa semelhança no que diz
respeito à estrutura, às práticas administrativas e à or-
ganização dos membros em suas diversas unidades. No
segundo caso, a exigência é de umamaior diferencia-
ção nessas dimensões, o que termina geralmente tam-
bém por implicar diferenças nas formas de pensar, nos
valores e nos comportamentos dos membros. Assim,
haveria tipos de personalidade mais adequados a níveis
maiores ou menores de certeza.
1. INTRODUÇÃO
Considerada, pois, a diferenciação interna como algo
que decorre de exigências ambientais, surge também a
A teoria organizacional passa por uma evolução a par-
necessidade de se considerar o nível de integração inter-
tir do final da década de 60 até nossos dias, que, para
na que as mesmas exigências acabam implicando.
determinados fins, pode ter fixado seu marco inicial na
Os autores assumem a existência de uma forte relação
obra de Lawrence e Lorsh.'
entre diferenciação e integração, no que se refere ao fato
de que quando a diferenciação exigida é alta, a integra-
Esses autores, baseados em suas pesquisas, concluíram ção é mais difícil e complexa do que quando é baixa, si-
que diferentes situações com que se defronta uma em- tuação em que os meios de integração podem ser mais
presa podem acarretar variações estruturais e proces- simples e tradicionais.Dessa forma, nos casos em que
suais no seu interior. as estruturas, as práticas administrativas e as orienta-
ções dos membros são muito diversas, surge a necessi-
Suas pesquisas de campo em 10 empresas dos Esta- dade de desenvolvimento de sistemas de coordenação,
dos Unidos, nas áreas de containers, alimentos em- que podem incluir coordenadores individuais, comitês
pacotados e plásticos, levaram-nos à construção interdepartamentais ou até unidades departamentais in-
de um modelo a que chamaram de diferenciação e tegradoras. Quando, ao contrário, existe uma maior
integração. O fundamental de sua amostra era o fato uniformidade nas dimensões referidas, a hierarquia tra-
de que as empresas funcionavam em ambientes dota- dicional pode ser suficiente para a integração.
dos de características muito diversas. O modelo de diferenciação e integração implica que
muitas organizações trabalhem internamente em níveis
O trabalho de Lawrence e Lorsh tem como marco teó- de rigidez ou flexibilidade estrutural, processual e com-
rico o modelo do sistema aberto, que por si já implica portamental diversos, enquanto outras trabalhem em
a noção de eqüifinalidade, isto é, de que não existem ma- níveis uniformes, o que implica níveis de diferenciação
neiras certas únicas para a administração e a organiza- e integração adequados às exigências ambientais.

Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 27 (2) 5-13 abr./jun. 1987


Nas pesquisas de Lawrence e Lorsh nas indústrias nor- bos selvagens, etc; que pressupõem a mudança conti-
te-americanas de containers, plásticos e alimentos em- nuada e a adaptabilidade.s
pacotados, ficou patente que enquanto as empresas
bem-sucedidas do primeiro tipo de produtos tendiam a Não há nessas visões nenhuma ruptura com a aborda-
uma alta homogeneidade, as do segundo tendiam a uma gem sistêmica tradicional. A novidade está especialmen-
alta heterogeneidade, caracterizando-se as do terceiro te na importância dada à dimensão simbólica, à cultu-
como intermediárias, o que levava a diferentes confi- ra organizacional e no papel conferido ao administra-
gurações de diferenciação e de integração internas. dor, enquanto seu modelador e delineador, e seus de-
Outra variável considerada foi a estrutura de poder in- senvolvimentos. Dessa forma, a criação e a manuten-
terno a essas organizações, que refletia o fato de que ha- ção de valores compartilhados aparecem como condi-
via sempre um subsistema líder que transacionava com ção de êxito da organização, algo que Marx Pages e seus
o setor ambiental mais relevante ou vital para a organi- colaboradores analisaram criticamente em L 'emprise de
zação como um todo. Dessa forma, pesquisa e desen- l'organisaüon, fruto de pesquisa na sucursal francesa
volvimento apareciam como subsistema líder quando de uma grande empresa multinacional.s
o ambiente científico surgia como o mais relevante; ven-
das lideravam quando o ambiente mercadológico assu- Um número muito grande de trabalhos na área organi-
mia essa condição e, finalmente, produção liderava zacional envolve-se, assim, com a problemática da cul-
quando o setor ambiental da tecnologia era o mais vi- tura organizacional nessa década de 80,6 o que talvez se
tal. relacione com as exigências da automação (ou seja, dos
sistemas integrados de produção, do gigantismo orga-
Para alguns estudiosos da teoria organizacional, o tra- nizacional), com as realidades e mitos da empresa ja-
balho de Lawrence e Lorsh constitui o final de uma pri- ponesa, com o alto nível de conflito social na socieda-
meira etapa da aplicação do modelo do sistema aber- de contemporânea, bem como as demandas de coopta-
to. Os anos 70 e o início dos anos 80 revelariam uma ten- ção e as crises de legitimidade das empresas capitalis-
dência diversa, chamada sistema aberto - agente so- tas.
cial.z
De um modo geral, podemos afirmar que o modelo do
James March e Karl Weick seriam autores significati- sistema aberto permitiu à teoria organizacional pensar
vos dessa fase, que procurariam suplantar a noção de não apenas a questão da integração e diferenciação a ní-
agente racional, substituindo-a pela de agente social. vel de uma única organização, mas também a das rela-
Suas idéias estariam comprometidas com o pressupos- ções entre organizações no capitalismo avançado, da
to de que ambientes se tornam mais e mais turbulentos, mesma forma que os estudos sobre cultura organizacio-
ou seja, mais e mais incertos. nal, ao tratarem do nível simbólico nas instituições bu-
rocráticas, refletem a necessidade de modos de interpre-
A visão do ambiente das organizações é a do império da tação da realidade e de comportamentos mais unifor-
desordem, o que levaria a considerar os participantes mes nesse estágio do sistema econômico que vi vencia-
da organização em toda a sua complexidade de agentes mos.
sociais dotados de contradições, absurdos, idiossincra-
Entendo que isto fica muito claro na tendência meto-
sias, forças e fraquezas. O entendimento da complexi-
dológica que prevalece nos Estados Unidos nesta déca-
dade organizacional implicaria a percepção do dinamis-
da, a análise de redes sociais aplicada a organizações,
mo das forças internas, inclusive dos meios e fins de or-
que se volta não para a questão da otimização de uma
ganização, e das forças ambientais externas.3 Isto, por
organização, mas para a otimização de uma determina-
sua vez, levaria à proposta da redução radical ou mes-
da população de organizações. Tal tendência caminha
mo do fim do formalismo nas organizações e da colo-
pari passu com a idéia de aplicar à sociedade como um
cação no centro dos problemas organizacionais da ques-
todo as idéias da chamada teoria X, que divulga no Oci-
tão da mudança e da iniciativa individual.
dente aspectos talvez mitificados da realidade japone-
sa.?
A teoria das organizações, aprisionada desde o início
do século pelas metáforas militares, precisa, segundo Meu objetivo aqui é explorar a hipótese de que a análi-
Weick, abandoná-las para pensar com autonomia e in- se de redes sociais aplicada às organizações, ou seja, o
teligência os problemas colocados pela administração próprio tratamento de redes organizacionais, reflete, no
atual, deixando de lado os antigos procedimentos ba- plano ideológico, a hegemonia do Estado Amplo no ca-
seados na disciplina e no controle militares. Tanto pa- pitalismo avançado, razão pela qual tratarei de expor
ra Weick quanto para March, o novo modelo propos- algo a respeito da análise de redes e da questão do Esta-
to incorpora traços tidos tradicionalmente na conta de do Amplo.
irracionais nos meios empresariais e organizacionais em
geral, parecendo ameaçadores para os executivos for-
mados na velha tradição.
2. AS REDES ORGANIZACIONAIS
A proposta é a de uma flexibilidade maior nas estrutu-
ras, nos processos e nas orientações organizacionais, fle- A análise de redes sociais é aplicada a diversos níveis de
xibilidade esta que implica o deslocamento das metáfo- complexidade social, coerentemente com as tradições
ras militares para metáforas novas vindas do iatismo, da sociologia funcionalista norte-americana. Na pesqui-
da fantasia, das estações espaciais, dos esgotos, das tri- sa antropológica, Edward J. J ay define uma rede como

6 Revista de Administração de EmpreSllB


a "totalidade de todas as unidades conectadas por um sáveis pela atividade de uma rede quanto o desenvolvi-
certo tipo de relacionamento" ,8 definição bastante ge- mento histórico das ligações existentes entre as organi-
ral para aplicar-se a vários níveis de fenômenos. zações integrantes, razão pela qual advoga uma pers-
Partindo dessa definição, Aldrich e Wheten irão apli- pectiva histórica na análise de redes, o que de fato, é in-
car a construção de uma rede pelo encontro "das liga- comum.t!
ções entre todas as organizações numa população em
estudo, sem que seja levado em conta o modo pelo qual De uma forma geral, parte-se sempre de uma organiza-
a população está organizada em conjuntos de organi- ção focal à qual as demais aparecem conectadas e, a par-
zações ou conjuntos de ação. Dado um sistema dotado tir disso, estudam-se esses tipos de conexão. Para a in-
de limites, os investigadores identificam todas as liga- vestigação das unidades locais, o parâmetro mais utili-
ções entre os elementos na população no interior des- zado é o da centralidade. Esse parâmetro é, em geral,
ses limites" . 9 "avaliado através da menor distância para se alcança-
rem as outras, ou pelo menor número de conexões" .14
Na verdade, o uso da análise de redes não é novo no es- Isto significa que quanto menor for a distância entre a
tudo das organizações. Entretanto, sua aplicação mais unidade focal e as demais, maior a integração da rede.
efetiva tornou-se possível com o advento dos compu- As ligações referem-se ao caráter ou natureza das co-
tadores de segunda geração, que tornaram mais fácil a nexões existentes entre as unidades que compõem a re-
utilização de modelos complexos e sofisticados na aná- de. São essas ligações que a análise investiga. Elas po-
lise de redes onde os agentes sociais ou atores são mui- dem ser firmes e estreitas, ou difusas, frouxas e folga-
tos. Assim, muitos estudiosos das organizações como das, sendo, em geral, definidas em termos do grau em
Bacharach e Lawler, Tichy, Pfeffer e Perrow têm ado- que as ocorrências em um elemento da rede são senti-
tado uma abordagem de análise de redes em trabalhos das pelos demais. As ligações difusas, frouxas ou fol-
teóricos. Porém, a pesquisa empírica é escassa, embo- gadas referem-se a mudanças em um elemento que não
ra haja trabalhos recentes, da década de 80 que utilizam se correlacionam de forma perfeita com mudanças em
essa metodologia, como de Bojea e Whetten; Tichy, outros elementos. Tais ligações permitem maior auto-
Tushmann e Frombrun; e Van de Ven e Ferry, confor- nomia, isto é, atendimento às condições locais sem
me nos relata Reed Nelson. 10 ameaça na estabilidade.i>

De qualquer forma, a acreditar no que Perrow parece Aldrich salienta que uma rede de organizações assume
sugerir, "as descobertas não são muito diferentes da- o máximo de estabilidade" quando as relações entre as
quelas que a análise convencional pode prever com me- organizações são de caráter múltiplo, mais do que vol-
nor esforço". 11 Na realidade, os modos de coordena- tadas para um único propósito, cada relação dual é al-
ção atuais ainda são responsáveis pelo êxito da maior tamente estável, e as relações instáveis têm pouco, se têm
parte das organizações, mesmo quando se trata de mo- algum, efeito sobre as outras relações (... ) Uma rede na
dos de coordenação informal, sem que seus administra- qual as relações inter-organizacionais são relativamente
dores precisem recorrer a um instrumental muito ela- independentes através de pares de organizações e, por
borado como o oferecido pela análise de redes sociais. definição, um sistema de acoplamento frouxo, e há mui-
Apesar disso, a análise de redes sociais ~ as técnicas tas razões para se esperar que a maioria das redes caia
quantitativas a ela associadas parecem ser, de fato, mui- nessa categoria".16
to ulilizadas nos Estados Unidos. Para Marcus, a aná-
lise das redes sociais aplicada às organizações é o estu- Essa noção de acoplamento frouxo é utilizada por Karl
do das conexões entre elas, dada uma organização fo- Weick, quando estuda as instituições educacionais e, de
cal. Dessa forma, é possível a observação da freqüên- certa forma, está na base de toda a teoria organizacio-
cia das comunicações entre elas, bem como da influên- nal convencional contemporânea. Entretanto, a teoria
cia exercida pela organização focal sobre as demais, e assume que redes montadas na dependência apenas de
das várias correlações entre variáveis de interesse. A am- ligações frouxas tendem a apresentar uma fragilidade
plitude pretendida pela análise leva também a compa- grande, o que, em certos casos, significa que relações
rações entre unidades, organizações e sociedades diver- informais não podem prescindir de relações formais.
sas, em termos de uma configuração total assumida. 12
É importante observar que a análise permite evidenciar o grande problema que se coloca para as redes organi-
a distribuição desigual de poder no interior da rede, o zacionais é o de sua coordenação. Há redes nas quais
domínio de algumas organizações sobre outras, através se dá uma coordenação horizontal, outras em que se dá
do controle de informações e recursos, ou ainda o fato uma coordenação vertical e outras, ainda, em que a
de as organizações dominantes definirem canais de co- coordenação é diagonal ou multidirecional. Através da
municação, transferirem recursos e estabelecerem pa- coordenação, é exercido o controle e ocorre a distribui-
drões de ação para outras unidades constitucionais da ção de recursos.
rede. Para Stern, a unidade de análise é a totalidade da
rede, a partir da hipótese de que as relações entre os ato- Nos casos em que a coordenação é horizontal, ocorre
res são passíveis de representação por uma série de la- uma baixa autoridade e dominação, o que significa re-
ços. lação mais igualitária e maior autonomia para os agen-
tes. Entretanto, por força de interesses próprios, tal au-
A rede constitui-se, portanto, das unidades organiza- tonomia pode ser trocada por recursos. A coordenação
cionais e das ligações que existem entre elas. Para Stern, horizontal é caracterizada pela negociação, na ausên-
as características estruturais correntes são tão respon- cia de um árbitro para distribuir o fluxo de recursos e

7
Redes organizacionais
informações como ocorre na coordenação vertical, o ções gerais de produção (CGP), comportam-se como
que pode levar a custos mais altos nas transações. tais, ou seja, como unidades de produção última
(UPU).18
As várias organizações que constituem uma rede não
precisam necessariamente estabelecer ou manter rela- "Assim, as UPU e as CGP distinguem-se porque o com-
ções simétricas, embora as relações bilaterais impliquem portamento que caracteriza as primeiras é exclusiva-
maior estabilidade do conjunto. Tal estabilidade pode mente de UPU e o das segundas é simultaneamente de
ser observada em termos de consistência interna e pos- UPU e de CGP".19
sibilidade de crescimento, da mesma forma que na re-
lação com as intervenções externas e na capacidade de Existem diversos tipos de condições gerais de produção.
resposta às demandas ambientais. Há aquelas que dão conta da existência e da reprodu-
ção física do proletariado, como a infra-estrutura sa-
De acordo com Aldrich, "desconsiderando-se o efeito nitária, os hospitais, as creches, etc. Há aquelas que tra-
das intervenções externas, a estabilidade interna de uma tam da realização social da relação entre dominantes e
rede depende de quatro fatores: duplicação e multipli- dominados, como a preparação e a reciclagem da for-
cidade nas relações entre duas organizações ou conjun- ça de trabalho, a repressão, o policiamento, etc. Há
tos de ações; a probabilidade de falência de uma liga- aquelas que garantem a existência física das empresas,
ção e o impacto que a falência de uma ligação tem na como as redes de produção e distribuição de energia e
probabilidade da falência de outras" .17 as redes de transporte. Há aquelas que tratam do pros-
seguimento do processo de trabalho, como a veiculação,
Há uma hierarquia entre as organizações que consti- centralização e armazenamento de informação, e a in-
tuem uma rede. Há aquelas que são dominantes ou que formática é a principal condição geral de produção desse
têm um status mais elevado. São essas organizações que, tipo, bem como as universidades, os laboratórios e os
em larga medida, controlam o fluxo de comunicações centros de pesquisa. Há aquelas que se voltam para a
e as fontes de recursos, principalmente mediante liga- existência física de um mercado para os produtos, uma
ções estreitas ou firmes. Assim, tanto a integração ver- vez que todos aqueles produtos, cujo consumo não é di-
tical quanto a integração horizontal são formas de ga- reto, implicam a construção e a manutenção de insta-
rantir uma posição privilegiada nessa hierarquia. lações. Há, ainda, as condições gerais de produção que
asseguram a existência social de um mercado para os
produtos, das quais as mais importantes são os organis-
3. ESTADO AMPLO mos de redistribuição de rendimentos voltados para um
certo tipo de consumo, como a poupança, a publicida-
No capitalismo não há antagonismo entre concorrên- de, etc.20
cia e integração. As organizações capitalistas são simul-
taneamente concorrenciais e integradas. A inter-relação Ainda para João Bernardo, enquanto as unidades de
das unidades econômicas caracteriza esse sistema eco- produção última, particularizadas e que consubstan-
nômico desde suas origens, passando por todas as fa- ciam mesmo a particularização final do processo geral
ses de sua existência, de modo que se pode afirmar que de produção supõem uma propriedade de forma parti-
o desenvolvimento do capitalismo é o desenvolvimen- cular, as condições gerais de produção, de função inte-
to dessa inter-relação, nos termos da análise feita por gradora, pressupõem a forma de propriedade co-
João Bernardo, na qual me baseio nesse tópico. mum.U
"A dominância das condições gerais ou das unidades
O capitalismo sempre pressupõe uma pluralidade de or- últimas, em cada forma de realização do capitalismo,
ganizações econômicas reciprocamente relacionadas. determina o tipo generalizado de propriedade e, se a do-
Tal inter-relacionamento tem sua base definida em ter- minância das condições gerais de produção for muito
mos das condições gerais de produção. João Bernardo acentuada, a generalização da forma de propriedade de-
procura deixar claro que, ao se referir às condições ge- las decorrente tornar-se-á altamente expansiva e todas
rais de produção, não entende produção num sentido as unidades de produção última ficarão sujeitas ao sis-
técnico, mas sim num sentido social, isto é, a produção tema da propriedade comum. Se os gestores aparecem
é vista como uma relação social complexa e contradi- como agentes sociais da propriedade comum, é porque
tória, que se materializa na tecnologia. Dessa forma, as decorrem das condições gerais de produção" .22
condições gerais de produção não se limitam ao que, em
geral, se chama infra-estrutura, mas constituem a base Essa análise torna claro que as condições gerais de pro-
do funcionamento total das unidades econômicas em re- dução definem o campo de existência dos tecnoburocra-
lações recíprocas. tas em primeira instância, bem como esclarece o con-
ceito de "monopólio do Estado capitalista" , aplicado
Da mesma forma, chama a atenção para o fato de que a formações como a soviética, na quais, como afirma
cada condição geral de produção depende de outras con- Marc Paillet, "a revolução tecnoburocrática modificou
dições gerais de produção. Assim, as organizações que o circuito e a repartição da mais-valia, uma vez produ-
constituem condições gerais de produção são passíveis zida. Ela deu novos senhores à indústria. Ela não tocou
de apresentar um duplo aspecto. Como base do inter-re- as modalidades de produção. Assim, a condição ope-
lacionamento das unidades econômicas, revelam seu rária foi mantida em seu nível mais essencial, que é o mo-
comportamento de condições gerais de produção (CGP) do pelo qual os proletários buscam sua subsistência:
e, enquanto empresas, que decorrem de outras condi- vendendo sua força de trabalho contra um salário. A

8 Revista de Administração de Empreso&


tecnoburocracia. Além disso, é importante lembrar que
permanência das estruturas de produção é um aspecto
essencial da exploração de classe" .23 existem empresas que se incluem nas condições gerais
de produção, nas quais a classe burguesa tem uma po-
De qualquer forma, voltando à identificação das con- sição subordinada.25
dições gerais de produção, é preciso ter em mente que
o que João Bernardo faz não é uma tipologia de organi- A evolução histórica amplia e reforça esses campos so-
zações, mas uma divisão de funções. Uma mesma or- ciais, da mesma forma que os limita. A evolução capi-
ganização pode assim desempenhar mais de uma des- talista tem-se caracterizado por uma integração crescen-
sas funções, como as instituições escolares, que tanto te dos processos econômicos, embora haja recuos epi-
podem habilitar e moralizar a mão-de-obra, quanto pro- sódicos nessa tendência. Como mostra João Bernardo,
duzir informações gerenciais. estamos diante de uma lei de desenvolvimento que de-
corre dos seus mecanismos estruturais básicos, que im-
É importante considerar que, enquanto base do inter-re- plicam a recuperação pelo sistema das reivindicações
lacionamento das unidades econômicas, as condições que surgem nas lutas operárias, através da inauguração
gerais de produção garantem que o desenvolvimento de novos ciclos de mais-valia relativa, que pressupõem
global da produtividade e a realização da mais-valia re- o inter-relacionamento cada vez maior das unidades
lativa se processem plenamente. Em cada formação so- econômicas, que é exigido pelo aumento da produtivi-
cial há, em um dado momento histórico, certas condi- dade em qualquer uma delas.
ções gerais de produção que aparecem como centrais.
Seu bloqueio, por alguma razão, resulta em desecono- "O processo mais econômico que se oferece ao capital
mias para as empresas e em estagnação geral da produ- consiste em atuar sobre o primeiro termo da relação da
tividade, precipitando uma crise. É dessa forma que as mais-valia. O proletário, ao reduzir o tempo de traba-
condições gerais de produção significam a condição tec- lho que despende, age sobre o segundo termo dessa re-
nológica de um dado sistema capitalista integrado. lação. A resposta do capitalista incide no primeiro ter-
mo, pela diminuição do tempo de trabalho incorpora-
É, de resto, a inter-relação das unidades econômicas do na força de trabalho. Isso significa que o capitalista
concorrenciais, característica do capitalismo, que ser- procura tornar mais produtivos os processos de fabri-
ve de base para a compreensão do fenômeno tecnobu- co de bens consumidos pelos trabalhadores. Não pode
rocrático, no que se refere à definição da tecnoburocra- fazê-lo, porém, sem aumentar também a produtivida-
cia enquanto classe social, um dos temas mais polêmi- de no fabrico das máquinas que irão produzir aqueles
cos do século XX. Enquanto que a burguesia pode ser bens. E assim por diante. Em conclusão, ao agir sobre
definida em termos do funcionamento de uma empre- o primeiro termo da relação da mais-valia, em respos-
sa como unidade em isolamento, a definição da tecno- ta à luta operária, o capitalista desencadeia um meca-
burocracia deve partir do funcionamento de uma uni- nismo global de aumento da produtividade de que se es-
dade econômica, seja ela pública ou privada, enquan- tende a toda a economia. É este o processo de desenvol-
to unidade em relação com o processo econômico glo- vimento da mais-valia relativa. O desencadear de uma
bal. luta e a resposta imediata do capitalista definem, assim,
um ciclo de mais-valia relativa ... "26
Tal relação, como coloca João Bernardo, ocorre tanto
em nível da organização material dos processos produ- Dessa forma, em cada estágio do capitalismo, as uni-
tivos, quanto em nível da organização do mercado de dades econômicas estão mais integradas, em termos da
trabalho, dessa última função encarregando-se os tec- economia global, do que no estágio anterior, quando
noburocratas que dirigem os sindicatos burocratizados. as condições são de maior isolamento. Essa verdadeira
Assim definidas, burguesia e tecnoburocracia aparecem sucessão de estágios de inter-relacionamento das unida-
como classes capitalistas, a última aparecendo como des econômicas reforça a integração das empresas nos
aquela classe que, na visão de Makhaiski, não passou mecanismos globais da economia, tornando a tecnobu-
desapercebida de Marx, como querem muitos, e "que rocracia das unidades de produção última mais e mais
eliminaria os plutocratas, elementos arcaicos, freio a um importante com relação à burguesia. Além disso, como
desenvolvimento maior e melhor da produção (... )"24 também indica João Bernardo, reduz o grau de parti-
Essa classe, cuja existência deve-se às unidades econô- cularização de funcionamento das condições gerais de
micas em inter-relação, sustenta uma forma de proprie- produção, diminuindo a importância da burguesia nesse
dade que é coletiva à sua globalidade, o que implica que campo.
o lugar de cada tecnoburocrata na distribuição da ma-
is-valia passa por sua relação com os aparelhos de po- Tais processos podem levar a burguesia a ser elimina-
da, o que não implica, como lembrava já James Bur-
der.
nham, "que todos os seus membros individuais e suas
famílias desapareçam. Alguns deles podem ser encon-
Se é verdade que, em função de seu caráter mais parti-
trados, talvez proeminentemente encontrados, meta-
cularizado, as unidades de produção última constit~í-
morfoseados econômica e socialmente, nas fileiras da
ram o campo privilegiado de existência da burguesia,
nova classe dirigente" ;27 mas a burguesia pode também
é preciso considerar a separação crescente entre propne-
tornar-se circunscrita às pequenas e médias empresas,
dade e controle e o fato de que nenhuma empresa pode
marginalizada por um processo de afastamento da pro-
existir, a não ser em relação às condições gerais de pro-
dução e conversão em classe rentista, ou uma combina-
dução, constituindo, portanto, estas unidades econô-
micas também um campo privilegiado de existência de ção das duas últimas possibilidades.

9
Redes organizacionais
o que esse tipo de análise indica é que as classes sociais executivo e judiciário, forma esta a que João Bernar-
não existem senão em luta e que mesmo duas classes ca- do chama Estado Restrito, que foi a instituição respon-
pitalistas não fogem à regra, ou seja, a aliança burgue- sável pela coordenação ou ainda pela articulação das ~i-
sia-tecnoburocracia oculta um movimento histórico em versas unidades econômicas em épocas em que elas am-
que a trajetória ascendente da segunda implica a traje- da podiam ser tidas como relativamente isoladas. As-
tória descendente da primeira, bem como mostra a di- sim, quanto mais fragmentado fosse o funcionamento
versidade dos campos de origem da tecnoburocracia, das várias empresas, maior a importância da instituição
que se desenvolve a partir das unidades de produção úl- articuladora, isto é, do Estado Restrito.
tima e das condições gerais de produção, e em cada um
desses tipos de unidades econômicas, a partir de aspec- As funções do Estado Restrito são de coordenação das
tos variados de suas múltiplas articulações. diversas unidades econômicas num processo integrado.
Já foi dito que o campo da existência da tecnoburocra-
Segundo João Bernardo, é ainda importante ter em cia se define como resultante do funcionamento das uni-
mente, para a compreensão da diversidade dos campos dades econômicas em relação com o processo econômi-
de origem da tecnoburocracia, a que chama classe dos co global. Assim, o Estado Restrito, em sua função
gestores, que a divisão investimentos estatais e investi- coordenadora, constitui um dos campos de existência
mentos particulares não se sobrepõe necessariamente à dessa tecnoburocracia. É bem verdade que ele pode su-
divisão condições gerais de produção e unidades de pro- bordinar-se aos interesses sociais da burguesia, na me-
dução última. As primeiras têm sido um campo privi- dida em que essa seja a classe dirigente no sistema capi-
legiado dos investimentos estatais, mas também há in- talista global, mas, de qualquer forma, a execução de
vestimentos particulares nesse setor. Pode, assim, ocor- suas funções está em mãos dos tecnoburocratas.
rer que o aparelho tradicional de Estado confira aos bur-
gueses, que se encarregam das condições gerais de pro- Quando, porém, definimos o Estado como o aparelho
dução, alguns de seus poderes de soberania, como por de poder das classes dominantes, ele ultrapassa em mui-
exemplo, a aquisição dos terrenos necessários à sua ins- to os limites do Estado Restrito. A extorsão da mais-va-
talação. Também são numerosos os casos em que o Es- lia apóia-se, desde os períodos iniciais do sistema capi-
tado e não apenas os burgueses detém unidades de pro- talista, num outro aparelho de poder a que João Ber-
dução última. nardo chama Estado Amplo, que, na realidade, é tão
amplo quanto o são as classes dominantes.
Nos estágios iniciais do capitalismo, o isolamento das
unidades econômicas era maior, dada a baixa integra- Deve-se considerar que no interior da empresa o capi-
ção do processo econômico global, o que fazia com que talista é legislador. Trata-se de um quarto poder que os
os campos de existência dos gestores fossem mais dis- teóricos dos três poderes clássicos desconsideram. Es-
persos. Isto não significa que não existissem enquanto. se poder refere-se à organização da mão-de-obra, à im-
classe, mas sim que não se comportavam enquanto clas- posição da disciplina fabril e precisa ser considerado,
se unificada. João Bernardo vê o período mais impor- quando se pensa mais amplamente a questão do Esta-
tante do início dessa unificação como provavelmente o do.
dos anos 1914a 1918. A partir de sua unificação, a di-
versidade de seus campos de origem passa a constituir Todos os mecanismos que, no interior das unidades eco-
um fator decisivo de ampliação de sua área de poder .28 nômicas, garantem às classes dominantes a extorsão da
Tal fato toma-se mais imediatamente compreensível mais-valia, constituem o Estado Amplo. Dessa forma,
quando consideramos a questão da complexidade das as classes sociais ocupadas com o funcionamento des-
formas de Estado. se Estado Amplo são exatamente aquelas cujo campo
de existência está em cada unidade econômica, seja ela
As diversas formas de Estado que o Ocidente conheceu uma unidade de produção última, seja ela uma condi-
tenderam para o Estado regulador, modalidade intrin- ção geral de produção. No momento atual do capita-
secamente relacionada com o estágio do capitalismo, a lismo internacional, as funções do Estado Restrito são
que geralmente chamam capitalista monopolista de Es- executadas por tecnoburocratas, enquanto as funções
tado, quando alguns dos processos e setores mais es- do Estado Amplo podem tanto estar a cargo da tecno-
tratégicos para a vida social, como a automação, a ener- burocracia quanto da burguesia. Todavia, quanto mais
gia nuclear, a comunicação de massa, a informática, etc, a economia se integra e mais se unifica a classe tecno-
localizam-se nos grandes oligopólios ou no próprio Es- burocrática, mais importante se torna sua participação
tado, fazendo com que o controle social esteja cada vez no Estado Amplo.u
mais nas mãos da tecnoburocracia privada ou públi- As lutas operárias têm sido dirigidas contra o Estado
ca.29 De um modo geral, quanto mais forte o poder
Amplo. A resposta a essa luta tem sido a integração de
dessa tecnoburocracia, maior a importância dada à for-
novas instituições ao Estado Amplo, como os grandes
mação do consenso, o que leva Negri a pensar que quan-
sindicatos ou os partidos políticos ditos de vanguarda,
to menor consenso, menos controle; que quanto menos
que têm um papel disciplinador e organizador da força
controle, menor legitimidade; e que quanto menos le-
de trabalho, reproduzindo amplamente o capitalismo,
gitimidade, menor poder para os dirigentes e maior po- muito mais que constituindo uma ameaça de ruptura.
der para a sociedade deverá haver.w
Enquanto o Estado Restrito se define sempre em fun-
Entretanto, estamos habituados a pensar no Estado de ção dos problemas internos das classes dominantes, or-
uma forma única, geralmente como poder legislativo, ganizando-se de forma centralizada na ditadura ou dis-
10
Revista de Administraç40 de Empresa,
persa na democracia, segundo as formas de acumula- pe a precisão dos limites do Estado Restrito, fundin-
ção do capital, o Estado Amplo define-se na relação en- do-se os tecnoburocratas do Estado Restrito com os das
tre classes dominantes e dominadas. Assim, no proces- condições gerais de produção e das unidades de produ-
so econômico global, Estado Amplo e Estado Restrito ção última.
estão inter-relacionados, como um dos aspectos da re-
lação entre a extorsão da mais-valia e sua distribuição . De modo geral, quanto mais o Estado Restrito se demo-
João Bernardo chama a atenção, contudo, para o fato cratiza em termos de sufrágio, mais seus órgãos coop-
de não haver nenhuma conjugação preferencial de da- tados pelo Estado Amplo se autonomizam, destacan-
das formas organizacionais do Estado Restrito com da- do-se de seus setores mais tradicionais. Dá-se, portan-
das formas organizacionais do Estado Amplo. Assim, to, como analisa João Bernardo, um esvaziamento de
enquanto o primeiro pode apresentar-se democrático, poderes do Estado Restrito, resultante da limitação de
o segundo pode ser altamente repressivo, num modelo sua capacidade de ação e da cisão de suas instituições.
de acumulação dispersa de capital. De modo inverso, O processo econômico global passa, assim, a ser hege-
o Estado Restrito pode ser ditatorial e o Estado Amplo monicamente coordenado pelo Estado Amplo, que ar-
relativamente permissivo. Finalmente, tanto o Estado ticula os tecnoburocratas das grandes empresas, os tec-
Restrito como o Amplo podem ser, respectivamente, de- noburocratas dos sindicatos que gerem a força de tra-
mocrático e relativamente permissivo; ou ditatorial e re- balho e os tecnoburocratas dos setores que o Estado
pressivo. Amplo coopta do Estado Restrito. Trata-se de um siste-
ma de poder que corresponde à hegemonia do Estado
As relações entre Estado Restrito e Estado Amplo, em Amplo com relação ao Estado Restritov e que, pelo
termos de capitalismo internacional, obedecem a algu- menos tendencialmente, parece indicar a hegemonia tec-
mas etapas históricas. Assim, o século XIX foi uma épo- noburocrática.
ca em que as unidades econômicas funcionaram em um
grau elevado de participação, o Estado Amplo apresen- Esse processo tem no desenvolvimento das empresas
tando-se muito fragmentado e o Estado Restrito multinacionais um elemento decisivo, já que os apare-
assumindo uma grande importância. Trata-se de uma lhos de poder nelas consubstanciados não encontram
fase em que os campos de existência da tecnoburocra- correspondência nos organismos do Estado Restrito,
cia não se encontravam unificados e o Estado Restrito onde as fronteiras nacionais constituem um elemento
era local exclusivo das classes dominantes, que tinham fundamental.v o que significa que o Estado Amplo de-
não só o monopólio do sufrágio quanto o da elegibi- ve ser pensado em termos da internacionalização da eco-
lidade. nomia.

Já a passagem para o século XX assiste ao desenvolvi-


mento das lutas sociais e à aceleração dos ciclos de ma- 4. CONCLUSÃO
is-valia relativa. O capital se concentra e progride a in-
tegração das unidades econômicas, com a conseqüente O Estado Amplo é um sistema informal de organização,
tendência para a unificação dos campos de existência na medida em que, mesmo sendo a sede do poder, não
da tecnoburocracia. A clareza dos limites do Estado há uma expressão jurídica que o traduza. Sua hegemo-
Restrito torna-se menor e sua esfera de ação se restrin- nia caracteriza o capitalismo em todos os países atual-
ge, enquanto que certas funções de coordenação eco- mente existentes. Aqueles países de descolonização re-
nômica são assumidas pelo Estado Amplo. É uma época cente como os da África, Sudeste Asiático e Polinésia
de democratização do Estado Restrito, no qual, entre- integraram-se diretamente nesse estágio, sem reprodu-
tanto, se desenvolvem mecanismos que tornam menos zir a evolução histórica dos atuais paises desenvolvidos.
decisiva a ação de sua parte eleita, isto é, a administra-
ção pública deixa de se constituir em simples auxiliar bu- Essa hegemonia varia em sua configuração, em termos
rocrático do poder legislativoe do executivo, adquirindo de três grandes grupos. Os dois primeiros referem-se aos
uma autonomia crescente. De fato, são setores do Es- países desenvolvidos. Nos países da OCDE, como os Es-
tado Restrito que passam para o Estado Amplo. tados Unidos, Canadá, Japão, Grã-Bretanha, França,
Alemanha Ocidental, Itália, etc; ela não levou à assimi-
A I Guerra Mundial levou, em diversos países, a uma lação completa dos aparelhos do Estado Restrito, que
aceleração muito rápida desse processo e, entre eles, a subsistem apesar de sua importância muito reduzida.
Rússia parece ter sido aquele que, como salienta Ber-
nardo, criou de forma mais radical as condições insti- Nos países do Comecon, como a União Soviética e os
tucionais para a etapa seguinte, que se esboça naquilo demais da Europa Oriental, o centro de poder de Esta-
que podemos mais propriamente chamar de século XX, do começou por afirmar-se no Estado Restrito, moven-
em consonância com a periodização feita por Polanyi, do-se em direção ao Estado Amplo, que assimilou de
com objetivos diversos.v tal forma o primeiro que não são hoje distinguíveis, no
No século XX, a inter-relação das unidades econômi- que se refere ao exercício do poder. Nesses países, o Es-
tado Restrito aparece como face publicitária de seu re-
cas torna-se tão estreita que a importância econômica
do Estado Restrito decresce substancialmente, no sen- gime e o marxísmo-leninismo como discurso legitima-
tido de que a coordenação do processo econômicoglo- dor.
bal passa a ser realizada diretamente ao nível da dire-
ção das grandes empresas. Ao mesmo tempo, a unifi- Nos países do chamado Terceiro Mundo, a importân-
cação dos campos de existência da tecnoburocracia rorn- cia central das importações de capital exige um grau ele-

11
Rede,o~núQdOnaü
vado de centralização na acumulação de capital. O Es- Entretanto, o que aqui foi dito é fruto de uma especu-
tado Restrito pode, por essa razão, parecer muito for- lação sobre dois referenciais teóricos diversos, basea-
te. Entretanto, o que de fato ocorre é a autonomização da em um conhecimento ainda muito incipiente da aná-
das instituições econômicas e administrativas no inte- lise de redes sociais aplicada às organizações e que uma
rior do Estado Restrito, num esvaziamento de seu po- pesquisa de maior fôlego poderá confirmar, desenvol-
der. Essas instituições destacam-se do Estado Restrito, ver ou refutar.
articulando-se às grandes empresas nacionais e multi-
nacionais que compõem o Estado Amplo. Portanto,
nesses países, a forma assumida pela hegemonia do Es-
tado Amplo é a de uma articulação entre instituições saí-
das do Estado Restrito, as grandes empresas, principal-
mente as multinacionais e, em vários casos, também os
sindicatos burocratizados.
*O autor agradece a Maria Ester de Freitas e Allain
Abstraindo-se, porém, dessas configurações assumidas Joly, cujos trabalhos finais da disciplina Desenvolvi-
pela hegemonia do Estado Amplo enquanto fenômeno mentos da Teoria das Organizações, por ele administra-
mundial, é preciso considerar que nas etapas descritas da, foram sumamente importantes para este artigo.
desse processo as lutas operárias vão se reorientando,
dirigindo-se progressivamente contra o Estado Amplo.
Isto pode levar à crise do populismo e daqueles parti-
dos marxistas-Ieninistas cujos dirigentes se orientam pa-
ra a reorganização do Estado Restrito.

Um outro fato importante perceptível em alguns países


é o surgimento de uma quarta etapa, depois da crise eco-
nômica de 1974. Nesses países, a burguesia, numerica- Professor titular no Departamento de Administração
mente considerável, brada pela limitação da interven- Geral e Recursos Humanos da EAESP-FG V.
ção econômica do Estado e pressiona pela privatização 1 Ver Lawrence, Paul & Lorsh, Jay W. Organization and en-
das empresas públicas. Isto que aparentemente pode su- vironment. Cambridge, Harvard University Press, 1967; Law-
gerir uma vitória sobre a tecnoburocracia, de fato não rence, Paul & Lorsh, J ay W. Developing organizations: diag-
o é, já que o que a burguesia está fazendo é ajudar a der- nosis and action. Massachusetts, Addison-Wesley, 1969.
rubar o Estado Restrito e favorecer a hegemonia do Es- 2 Ver Peter, Thomas J. & Waterman Robert H. In search of
tado Amplo, tornando-se paulatinamente uma classe tu- excel/ence. New York, Harper & Row, 1982.
telada pela tecnoburocracia internacional.as
3 Ver Scott, W. Richard. Theoretical perspectives. In: Meyer,
Também já foi dito que, no processo de integração eco- Marshall W. et alii. Environments and organizations. São
Francisco, Jossey-Bass, 1978.
nômica crescente que leva à hegemonia do Estado Am-
plo, a derrota de determinadas formas de luta operária 4 Ver March, James G. The technology of foolishness. In:
traduz-se em medidas capitalistas de aumento da pro- Leavitt, Harold; Pondy, Louis R. & Bojie, David M. ed. Rea-
dutividade e, portanto, em maior integração das unida- dings in managerial psychology. Chicago, University of Chi-
cago Press, 1980; March, James G.&Olsen, Johan P.Ambi-
des econômicas, dada a sua interdependência. O pro- guity and choice in organizations. Bergen, Universitets For-
cesso caracteriza-se, pois, por uma série de ciclos de ma- laget, 1976; Weick, Karl. Thesocialpsychology oforgamring.
is-valia relativa. As diversas teorias das organizações re- Massachusetts, Addison-Wesley, 1979; e Weick, Karl W. Edu-
fletem esses ciclos como sua expressão ideológica.36É cational organizations as loosely coupled systems. Adminis-
assim que deve ser vista a seqüência que vai do tayloris- trative Science Quarterly, Ithaca, 21 (1) 1976.
mo mais explícito às novas versões assumidas pela abor- 5 Ver Pages, Max et alii. L 'emprise de l'organisation. Paris,
dagem sistêmica ou à teoria z. Presses Universitaires de France, 1979.

6 Ver, por exemplo, Bolman, Lee & Deal, Terence. Modem


Da mesma forma, a análise de redes aplicadas às orga-
approaches to understanding and managing orgnizations. Sá
nizações, com todos os seus conceitos de centralidade, Francisco, Jossey-Bass, 1985; Schein, Edgard. Organizatio-
ligações frouxas e estreitas e assim por diante, sua ên- nal culture and leadership, San Francisco, Jossey-Bass, 1985;
fase sobre populações de organizações e não-organiza- e Smircich, Linda, Studying organizations and cultures. In:
ções particularizadas sugere uma teoria política do Es- Morgan, Gareth ed. Beyond method: strategies for social re-
search. London, Sege, 1983.
tado Amplo como expressão ideológica de sua hegemo-
nia. 7 Boa parte dessa introdução baseia-se em Motta, Fernando
C. Prestes. Teoria das organizações: evolução e crítica. São
Deve-se notar que, aparentemente, a análise de redes so- Paulo, Pioneira, 1986,35-40.
ciais aplicada às organizações' 'traz em si a ambigüidade
8 Jay, Edward J. The concepts of "field" and "network" in
básica do processo ideológico, que consiste no seguin- anthropological research. Man, 64: 138. In: Aldrich, Howard
te: vincula-se ela às determinações sociais reais, enquan- & Wheten, David A. Organizations-sets, action-sets and net-
to técnica (... ), e afasta -se dessas determinações sociais works: making the most of simplicity. In: Nystrom, Paul C.
reais, compondo-se num universo sistemático organi- & Starbuck, William H., ed. Handbook of organization de-
signo London, Oxford University Press, 1981.
zado, refletindo deformadamente o real, enquanto ideo-
logia" .J7
9 Aldrich, Howard & Wheten, David A. Organizations-sets,

12 Revista de Administração de Empresas


action-sets, action-sets and networks: making the most of sim- 23 Paillet, Marc. Marx contre Marx la societé tecnobureau-
plicity. op. cito p. 387. cratique. Paris, DenoellGonthier, 1971. 60. .

10 Ver Nelson, Reed. O uso da análise de redes sociais no es- 24Makhaishi, Jan Waclaw. Le socialisme des intellectuels.
tudo das estruturas organizacionais. Revista de Administra- Paris, Seuil, 1979., p. 16 e 17.
ção de Empresas, Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas,
24 (2): 150, out-dez. 1984. 25 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-
tado, op. cito p. 89 e 90.
II Perrow, Charles. Complex organizations: a criticai essay.
ed Illinois, Scott Foresman, 1979.p. 226; e ver para as demais 26 Bernardo, João. A autonomia nas lutas operárias. In: Bru-
considerações do parágrafo, do mesmo autor, La théorie des no, Lúcia & Saccardo, Cleusa, og. Organização, trabalho e
organisations dans une société d'organisations. In: Francine, tecnologia. São Paulo, Atlas, 1986. p. 104-105.
Séguin-Bernard & Chanlat, Jean-François. L 'analyse des or-
ganisations, uneanthologiesociologique. t. 1:Lesthéoriesde 27 Burnham James, The managerial revolution. Bloorning-
I'organisation. St. Jean-sur Richelieu, Prefontaine, 1983. ton, Indiana University Press, 1960. p. 70.
p.461-71.
28 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-

12 Ver Marcus, Philip M. Redes sociais e organizações com- tado. op. cito p. 91-92.
plexas. Revista Brasileirade Administração da Educação, Por-
29 Ver Lenoir, Ives. La technocratie française. Paris, Pau-
to Alegre, 2 (2): 84-5, julldez. 1984.
vert,1977.
13 Ver Stern, Robert. The development of an interorganiza-
tional control network: the case of Intercolegiate Athletics. 30 Ver Negri, Antonio. La classe ouvriere contre I'État. Pa-
In: Administrative ScienceQuarterly, lthaca, Cornell Univer- ris Galilée, 1978.p. 286; ver também Motta, Fernando C. Pres-
sity, v. 24, june 1979. tes. Organização epoder: empresa, Estado e escola. São Pau-
lo, Atlas, 1976. p. 135.
14 Ver Marcus, Philip. op. cito p. 88.
31 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-

15 Ver Stern, Robert N. op. cito tado. op. cito p.135.

16 Aldrich, Howard E. Organizations and evironments. En-


32Polanyi, Karl. The great transformation. New York, Ri-
glewood Cliffs, Prentice Hall, 1979. p 333. nehart, 1974.
33 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-
17 Id. Ibid. p. 332.
tado. op. cito 93-97.
18 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-
34 Ver Bruno, Lúcia. Gestores: prática de uma classe no vá-
tado. In: Ensaio. São Paulo, 14:88 1985.As observações fei-
tas sobre o Estado Amplo baseiam-se neste artigo. cuo de uma teoria, In: Bruno, Lúcia & Saccardo Cleusa, org.
Organização, trabalho e tecnologia, op. cito p. 140.
19 !d. ibid. p. 88.
35 Ver Bernardo, João. Gestores, Estado e capitalismo de Es-
20 Id. ibid. p. 88 e 89. tado, op. cito p. 97-98.

21 Ver Bernardo, João. Marx crüico de Marx. Porto, Afron- 36 Id. ibid. p. 95.
tamento, 1977; v.3, p. 125.
37 Tragtenberg, Maurício. Burocracia e ideologia. São Pau-
22 Id. ibid. p. 125. lo, Ática, 1974. p 89.


Renove
sua assinatura
a tempo,
Nas livrarias da FGV
Rio - Praia de Botafogo, 188
- Av. Presidente Wilson, 228-A
810 Paulo - Av. Nove de Julho, 2.029
Brasília - CLS 104, Bloco A, loja 37

13
Redes organizacioTlllis

Você também pode gostar