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SAÚDE

'Terapia de respiração' me deu o melhor


barato da minha vida
Por Anders Haubart Madsen; Traduzido por Marina Schnoor
Fev 8 2018, 9:00am

Respirar fundo ouvindo uma batida techno pode ser igual a viajar
com drogas alucinógenas.

Fotos por Amanda Hjernø.

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Matéria publicada originalmente na VICE Dinamarca.


Somos dez pessoas, sentadas nos nossos colchonetes num salão em Aarhus,
Dinamarca. O chão está cheio de tambores, chocalhos e tamborins, e cada um de
nós recebeu uma venda e um balde para vômito. Cinco assistentes estão aqui
para nos apoiar na jornada em que estamos prestes a embarcar, hiperventilando
para o que supostamente vai ser o melhor barato das nossas vidas.

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Nosso instrutor, o psicoterapeuta Bjarne Roursgaard, está no chão também, de


frente para nós e dando os últimos toques numa playlist de techno que ele
montou cuidadosamente para a ocasião. Quando termina, ele nos dá algumas
diretrizes básicas. “Se solte completamente”, ele diz. “Não se preocupem com o
que os outros vão pensar — já vimos todas as reações possíveis.” Ele continua
dando uma lista de várias emoções que os participantes antes de nós sentiram.
“Raiva, perda, alegria. Até excitação sexual.” Ele nos diz que devemos embarcar
em qualquer sentimento que surja na sessão. “Expresse os sentimentos, vocês
têm que ser capazes de encarar qualquer trauma ou sensação retidos no seu
corpo.”

Terapia de respiração é vendida como uma viagem similar a que você tem
usando drogas alucinógenas, só que essa disciplina acredita oferecer um barato
muito mais potente e não vai foder com a sua cabeça como as drogas podem
fazer. É um processo relativamente simples: você só hiperventila até o ponto em
que o sangue no seu cérebro ca saturado de oxigênio, depois ca tão tonto que
parece que você está entrando em outra dimensão.
O psiquiatra tcheco Stanislav Grof, 86 anos, é um dos pioneiros da terapia
psicodélica. Ele usa alucinógenos para tratar uma variedade de transtornos
psicológicos. Em sua pesquisa, Grof a rmava que usar LSD podia ser um jeito
e caz de tratar ansiedade e depressão em pacientes com doenças terminais. Mas
depois que muitos países começaram a criminalizar o ácido nos anos 60, ele e a
esposa Christina começaram a trabalhar com uma ferramenta menos
controversa: respiração. A dupla descobriu que terapia de respiração pode
expandir a consciência do mesmo jeito que o LSD, e pode ajudar pacientes a
superar — ou pelo menos aprender a lidar com — todos os tipos de traumas
pessoais.

Leia: Tudo que você devia saber antes de começar a terapia

No salão em Aarhus, Roursgaard está nos ensinando mais alguns exercícios. Ele
nos diz que estudou engenharia química, mas também treinou para ser
psicoterapeuta, e atualmente trabalha com um “xamã peruano” para aprimorar
seus conhecimentos do que ele chama de “Terapia de Respiração Xamãnica”.
A marca particular de Roursgaard de terapia é inspirada no conceito de Grof de
Respiração Holotrópica — uma técnica que envolve mais de três horas de
respiração rápida e profunda. Na nossa sessão, fazemos tudo isso em sincronia
com a playlist techno que ele montou. Como parte de suas sessões de nal de
semana mais caras, o psicoterapeuta também oferece ayahuasca aos
participantes — mas ele diz que não há realmente necessidade disso. “Já vi
pessoas indo mais fundo com terapia de respiração do que com ayahuasca”, ele
me diz.

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Começo a sessão deitando de costas e colocando a venda. O baixo emanando


dos alto-falantes no chão me atravessa, enquanto os assistentes de Roursgaard
andam pela sala, tocando tambores e chocalhos. Enquanto a música vai cando
mais alta, tento me concentrar em exalar profundamente do meu diafragma no
ritmo da música, enquanto descanso os braços ao lado do meu corpo.

Assim que minha respiração começa a car mais lenta e perder o ritmo, um
assistente aparece pairando por cima de mim, me instruindo para voltar à
sincronia. Depois de dez minutos, começo a me sentir tonto mas ainda
relativamente normal — muito consciente e em controle das minhas emoções.
O LSD virtual é uma viagem muito gostosa
Será possível chapar com realidade virtual?
Vice Débora Lopes / 5 de set de 2017

Logo depois, o resto do meu corpo começa a sentir os efeitos da sessão. No


começo, noto pequenos espasmos no meu peito. Tento direcionar minha
respiração para eles — e, quase no segundo em que faço isso, sou
sobrecarregado com raiva e começo a gritar. Incontrolavelmente, meus
pensamentos se voltam para seis meses atrás, quando minha namorada, com
quem estive por 13 anos, terminou comigo. Essa onda repentina de raiva parece
ligada ao término, apesar de eu nunca ter sentido isso antes. É uma experiência
completamente nova e incrível, então decido me soltar completamente — me
render as emoções surgindo dentro de mim.

Meus gritos são quase completamente encobertos por todos os barulhos vindo
dos outros na sala. Me seguro um pouco enquanto mantenho minha respiração.
Sinto câimbra nos dedos, uma sensação que eu estava esperando, já que o
oxigênio no meu corpo só está interessado em entrar no meu cérebro.

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Aí noto um estranho tremor logo acima do meu coração. Foco em hiperventilar


de novo, mas por mais fundo que eu inale e exale, parece que nada acontece.
Segundos depois, um assistente paira sobre mim de novo, lentamente se
abaixando e colocando dois dedos no meu peito — bem entre minhas costelas.
Imediatamente soltou um rugido das profundezas do meu ser, enquanto lágrimas
escorrem pelas minhas bochechas. É muito bom, apesar de eu não saber de onde
isso está vindo, ou por quê.
Há algumas pesquisas que apoiam a ideia da terapia de respiração, como um
estudo de pesquisadores na Universidade Stanford, que descobriu que sintomas
de transtorno de stress pós-traumático em um grupo de veteranos de guerra
foram drasticamente reduzidos depois de uma série de sessões de terapia de
respiração. Outro estudo da Associação Multidisciplinar de Estudos
Psicodélicos (uma organização sem ns lucrativos trabalhando para
conscientizar e pesquisar substâncias psicodélicas) revisou respostas de 482
voluntários que zeram terapia de respiração, e descobriu que 82% deles
tiveram as chamadas “sensações transpessoais”, experiências fora do corpo que
pareciam transcender as fronteiras do que signi ca ser um indivíduo. Dezesseis
por cento dos participantes descreveram sentir alguns efeitos, enquanto 2%
deles não experimentaram nada.

"Experimentei emoções que nem sabia que tinha."

Voltando ao meu colchonete em Aarhus, de nitivamente estou experimentando


alguma coisa. Choro por 15 minutos direto, depois começo a rir. Pela primeira
vez desde que a sessão começou, imagino se não estou enlouquecendo.

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Mais uma vez, decido abraçar inteiramente as emoções rodopiando pelo meu
corpo e caio totalmente na risada, o que me faz sentir melhor do que nunca.

Quando nossa sessão de 50 minutos acaba, somos instruídos a usar os 20


minutos seguintes para relaxar e voltar lentamente à respiração normal. Durante
a viagem, eu estava consciente de que podia voltar ao meu estado normal
simplesmente tirando a venda.

Não posso dizer o que aconteceu comigo exatamente nessa sessão de Respiração
Holotrópica, mas me sinto mais leve de corpo e mente. Também experimentei
emoções que nem sabia que tinha, ou não sabia como entrar em contato com
elas, simplesmente exionando meus pulmões ao som de techno.

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TAGGED: LSD, TECHNO, TERAPIA, SAÚDE MENTAL, EMOÇÕES

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