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Análise de Filmes - Conceitos e Metodologias - Manuela Penafria PDF
Análise de Filmes - Conceitos e Metodologias - Manuela Penafria PDF
Manuela Penafria*
VI Congresso SOPCOM, Abril de 2009
ticulação entre os mesmos. Trata-se de fa- mam esta nossa posição a respeito da crítica
zer uma reconstrução para perceber de que (propositadamente retiramos os títulos dos
modo esses elementos foram associados num filmes e realizadores criticados):
determinado filme. Não se trata de construir . . . o estreante X sabe trabalhar bem as at-
um outro filme, é necessário voltar ao filme mosferas. . .
tendo em conta a ligação entre os elemen- . . . . o filme X não tem ambições significa-
tos encontrados. O filme é o ponto de parti- tivas para lá de contar a sua história com al-
da para a sua decomposição e é, também, o guma eficácia nem pretensões a querer ser
ponto de chegada na etapa de reconstrução mais do que um pequeno drama familiar e
do filme (Cf. Vanoye, 1994). Este segundo as interpretações sólidas dos actores. . .
movimento em direcção ao filme evita cair ao contrário de X, Y apresenta muito mais
em interpretações/observações desproposita- humor e uma capacidade para efabular. . .
das ou pouco pertinentes. . . . é um daqueles filmes que não se en-
Já a crítica tem como objectivo avaliar, ou caixa numa única gaveta. . .
seja, atribuir um juízo de valor a um deter- . . . . o miúdo de doze anos espantosamente
minado filme - trata-se de determinar o va- interpretado pelo estreante X. . .
lor de um filme em relação a um determina- . . . é um filme de época, mas não é de
do fim (o seu contributo para a discussão de época apenas por nostalgia ou facilidade e
um determinado tema, a sua cinematografia, usa a sua época como um modo de falar de
a sua beleza, a sua verdade, . . . ). Este tipo coisas universais e intemporais. . . .
de discurso não é pois uma análise propri- . . . .belíssimos planos do terraço. . . .
amente dita, mas poderá beneficiar do tra- . . . .o filme X evita o sentimentalismo
balho de análise que consideramos anteri- lamecha e utiliza com destreza a montagem
or a uma atribuição de um juízo de valor. intercalada entre as histórias das suas per-
Ou seja, consideramos que a atribuição de sonagens. . . .
um juízo de valor deverá ser suportada por . . . .o mundo da música soul serve mes-
uma decomposição do filme em causa. E a mo só de pretexto para alguns “cameos” con-
nosso ver, a crítica de cinema encontra-se frangedores e um par de actuações musicais
algo afastada dessa actividade que poderia a que os actores se entregam com gosto mas
servir-lhe de suporte e dar-lhe uma maior que Y filma sem arte nem entusiasmo. . . .
consistência de discurso: a análise. Não raro, . . . o que torna, então, X num dos melhores
a crítica de cinema utiliza frases feitas que filmes de terror que vimos recentemente é o
poderiam ser aplicadas a outros filmes que modo metódico e distendido como mantém a
não os criticados. O mais das vezes, a crítica tensão, a atmosfera inquietante que cria sem
coloca de lado as características singulares precisar de carregar no sangue e nas tripas,
e a especificidade de cada um dos filmes. O a encenação precisa e cuidada com que tudo
discurso crítico encontra-se carregado de ad- se encadeia - a utilização da música, então,
jectivos que, no nosso entender, poderiam ser é exemplar, quer sejam as discretas orques-
aplicados a filmes indiferenciados. De uma trações electrónicas de YY ou as canções ju-
recolha a criticas de cinema recentes desta- diciosamente colocadas de HH . . .
camos os seguintes exemplos e que confir- . . . . é um filme sincero e honesto . . . .
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Estas afirmações mostram que o X pode- terpretativa, em grande parte porque o cine-
ria ser substituído por um título que não o ma apresenta uma grande imediaticidade da-
criticado. São portanto, expressões gerais, da a sua natureza imagética. A arte enquan-
demasiado gerais quando deveria estar em to experiência vem, segundo a autora, sendo
causa uma maior especificidade de modo que substituída por esse discurso único e redutor.
o julgamento fosse mais consistente. Do seu artigo destacamos um ponto essen-
Na crítica de cinema, não nos apercebe- cial, que o cinema não deve ser interpreta-
mos da actividade de análise na sua primeira do apenas no seu conteúdo (história contada,
etapa de decomposição de um filme; e se a diálogos,. . . ), mas deve ter em conta os seus
primeira etapa não se nos afigura como e- aspectos formais. Embora a interpretação do
xistente, temos como consequência que a se- conteúdo possa ser útil quanto ao contexto
gunda etapa, a de reconstrução do filme ten- cultural, político e social de um filme, não
do em conta os elementos decompostos, não nos permite distingue um filme de um livro
está, de igual modo, presente. Não quer is- ou de uma peça de Teatro. As diferenças do
to dizer que a crítica não faça interpretação, meio usado são então diluídas quando é ac-
apenas afirmamos que a mesma não é fei- cionada uma interpretação de conteúdo. A
ta, na grande maior parte dos casos, a par- sua proposta vai no sentido da análise, que
tir da decomposição dos (ou de apenas al- permite ver mais e ouvir mais – enquanto ex-
guns) elementos de um determinado filme. periência dos sentidos –, em vez de escavar
Sendo assim, podemos supor que a interpre- significados ocultos.
tação afastada da actividade de análise não Apesar de referirmos aqui o texto de Su-
toma o filme como seu ponto de chegada, san Sontag, não encontramos na actual críti-
pelo que as interpretações vagamente se refe- ca de cinema uma mesma grelha de interpre-
rem ao filme e sofrem de uma carga adjectiva tação que esteja de acordo com determinado
que os qualifica abstractamente. enfoque de carácter teórico. Como já disse-
“Against interpretation” é o título de um mos, a grande maioria da crítica refere-se aos
texto de 1961 (incluído num livro com o filmes como se os mesmos fossem objectos
mesmo título) no qual a sua autora, Susan indiferenciados. E, em geral, confunde-se fa-
Sontag, se insurge contra o modo como as cilidade de escrever do autor da crítica com a
obras de arte eram analisadas. Sontag não sua capacidade de criticar (ou se quisermos,
é contra a interpretação, mas contra a uti- de analisar). Realçámos o texto de Sontag
lização da mesma grelha de interpretação so- porque a partir dele podemos afirmar que a
bre obras distintas. Usar uma mesma grelha análise deve suportar a crítica de cinema; e
tem consequência uma interpretação reduto- é precisamente isso que consideramos faltar
ra, prescritiva em vez de descritiva. O exem- na crítica.
plo que Sontag aponta são as interpretações Se a análise pode ser distinta da crítica e
Freudianas que reduzem, no caso que nos in- se pode (e deve) servir de pressuposto à críti-
teressa, todos os filmes a um mesmo discur- ca, importa agora avançarmos para uma ain-
so (complexos de édipo, luta de classes,. . . ) da que breve referência ao passado.
Ainda assim, no seu texto, o cinema é apon- A análise de filmes não é uma activi-
tado como escapando a toda essa euforia in- dade recente, podemos dizer que terá nasci-
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dade ou naquilo que o aproxima, por exem- tor do filme e daí saírem prejudicadas as pos-
plo, de um determinado género. E essa opor- síveis observações sobre o lugar que o filme
tunidade poderia ser melhor aproveitada. instaura/reserva para o espectador. O analista
Assim sendo, consideramos que sendo a poderá considerar-se um interpretador livre,
tarefa do analista/crítico analisar um filme mas a partir desta sua posição o realizador,
sugerimos o seguinte: a partir de Canudo e na sua legítima situação de criador, é deixa-
Delluc, que a escrita sobre cinema possa de- do de lado.
pender das competências do analista e do seu Estas considerações levantam-nos mais
olhar particular lançado sobre os filmes des- uma questão: poderá a análise constituir-se
de que o mesmo tenha por detrás uma ac- como uma disciplina autónoma? A análise
tividade de suporte sólido - a análise - e que aparenta ser uma actividade subsidiária de
essa actividade seja o ponto de partida para a outros interesses. O crítico e o teórico do
criação de conceitos que possam substituir a cinema procuram, pela análise, localizar e
adjectivação. Sugerimos, também, seguindo confirmar os seus pressupostos. Mas, a essa
Eisentein, que a análise seja feita por objec- questão apenas podemos responder que sim,
tivos (por exemplo, determinar em que me- pelo interesse da afirmação de uma área de
dida um determinado filme pertence a um estudos dentro da academia e, também, pela
determinado género), que a análise seja de- possibilidade da análise de filmes ser capaz
talhada, (pelo menos, sobre alguns planos do de elaborar a sua actividade mediante uma
filme seleccionados tendo em conta os objec- metodologia de carácter universal ou, pelo
tivos estabelecidos); seguindo Susan Sontag, menos, o mais abrangente possível.
que a análise seja uma actividade fundamen- Tendo em conta as dificuldades que a acti-
tal e a seguir por todos aqueles que escrevem vidade de análise coloca e a eventual possi-
sobre cinema. bilidade de criação de uma metodologia úni-
Mas, a análise coloca problemas. No ca que permita chegar a uma interpretação
imediato, analisar um filme na sua totali- pertinente de um filme e que a mesma possa
dade afigura-se uma tarefa quase intermi- contribuir para um conhecimento aprofunda-
nável. Mas, o principal problema é o fac- do da praxis cinematográfica, a questão que
to do filme não ser citável; por exemplo, na nos ocupará a seguir prende-se com os pro-
análise/crítica literária são usadas palavras cedimentos a adoptar na análise de um filme.
que se referem a palavras, na análise/crítica
de filmes são usadas palavras que se ref-
2. Como analisar?
erem a imagens e sons. Outros problemas
que a actividade de análise coloca prendem- Antes de mais, enunciamos os tipos de
se com a relação que o analista estabelece análise de que temos conhecimento:
com o filme. Se o analista racionalizar de- a) análise textual. Este tipo de análise con-
masiado o visionamento de um filme o mes- sidera o filme como um texto, é decorrente
mo passa a ser um objecto sobre o qual é da vertente estruturalista de inspiração lin-
exercido controlo e a afectação emocional guística dos anos 60/70 e tem como objec-
poderá sair prejudicada por esse processo tivo decompor um filme dando conta da es-
racional. O analista poderá considerar-se au- trutura do mesmo. O filme é dividido em
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mensagem/ponto de vista sobre determina- ficar ou, pelo menos, discutir uma metodolo-
do tema), ou como composição poética se os gia de análise. Neste sentido, propomos uma
efeitos que produz são, essencialmente, sen- primeira escolha do analista: uma análise in-
timentos e emoções (em geral, filmes com terna ou uma análise externa ao filme. Na
forte componente dramática). Ainda que este primeira, a análise centra-se no filme em
tipo de análise se aplique a filmes convém si enquanto obra individual e possuidora de
notar que pode ser aplicada à contemplação singularidades que apenas a si dizem re-
de qualquer outra obra de arte. speito. Se a análise é feita a um único filme
d) análise da imagem e do som. Este tipo de é sempre possível analisá-lo tendo em con-
análise entende o filme como um meio de ta a filmografia do seu realizador de mo-
expressão. Este tipo de análise pode ser de- do a identificar procedimentos presentes nos
signado como especificamente cinematográ- filmes, ou seja, identificar o estilo desse re-
fico pois centra-se no espaço fílmico1 e alizador. Na segunda, o analista considera o
recorre a conceitos cinematográficos, por e- filme como o resultado de um conjunto de re-
xemplo, verificar o uso do grande plano por lações e constrangimentos nos quais decor-
diferentes realizadores; para um determina- reu a sua produção e realização, como se-
do poderá ser apenas um plano para dar in- jam o seu contexto social, cultural, político,
formação ao espectador (por exemplo, nos económico, estético e tecnológico.
filmes de Griffith) e, noutro caso, estarmos Independentemente da escolha por uma
perante uma utilização mais dramática e pes- análise interna ou externa, há uma questão
soal deste tipo de plano (por exemplo, no que nos parece essencial para ambas. Um
filme A Paixão de Joana D’Arc, de Drey- procedimento de análise muito comum con-
er). Com este tipo de análise encontramos, siste em retirar fotogramas de um filme. Es-
sobretudo, o modo como o realizador con- ses fotogramas são um suporte fundamental
cebe o cinema e como o cinema nos permite para a reflexão já que permitem fixar algo
pensar e lançar novos olhares sobre o mundo movente, as imagens de um filme. Propomos
(por exemplo, determinado realizador apre- aqui que esse procedimento seja produtivo
sentar sempre uma visão pessimista da hu- em outros momentos de reflexão. Para tal é
manidade). necessário que esses fotogramas não sejam
Cada tipo de análise instaura a sua própria apenas utilizados para embelezar o texto, há
metodologia, no entanto, parece-nos que op- que transformá-los num instrumento de tra-
tar por apenas um tipo de análise, poderá balho. Assim, deverá ser criada uma nume-
o analista ficar com a sensação de dever ração que possa estabelecer um laço efec-
cumprido mas, também, com a sensação de tivo com o filme do qual foram retirados.
que muito terá ficado por dizer acerca de um Apresentamos a seguinte proposta: usar dois
determinado filme ou conjunto de filmes. conjuntos de números, o primeiro deve di-
Mais concretamente, cumpre-nos especi- zer respeito à relação do fotograma com o
1
plano e o outro à posição do plano no que
O campo e o fora-de-campo fazem parte de um
mesmo espaço imaginário que se designa por espaço diz respeito à montagem. Por exemplo, supo-
fílmico ou cena fílmica. nhamos que foram retirados quatro fotogra-
mas de um filme e que a numeração é: 1(1);
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filmes nos quais não é detectável a presença presentada uma tipologia de diferentes tipos
da câmara. Raramente é usado como o úni- de fora-de-campo (fora-de-campo com a per-
co ponto de vista; omnisciente – para que sonagem principal, fora-de-campo com ob-
um filme apresente este ponto de vista é jectos,. . . .).
necessário que sejam dadas indicações ao es- Um outro modo, menos sistemático para a
pectador sobre o que as personagens pen- análise de um filme é uma espécie de diálogo
sam. Nestas situações é vulgar recorrer-se que o analista pode estabelecer com o filme,
à voz em off (também denominada voice- colocando-lhe questões tais como: Qual é o
over); ambíguo – consiste em alternar en- tema do filme? Qual a cena principal? Como
tre um ponto de vista na terceira pessoa e é que essa cena se interliga com as restantes?
um ponto de vista na primeira pessoa plano Quem é a personagem principal? . . .
subjectivo. Isto pode ser feito dentro de um Esta nossa proposta é incompleta porque,
plano ou com vários planos através do re- como já aqui defendemos, antes de adop-
curso da montagem. Ou, apresentar num tarmos qualquer procedimento, é necessário
mesmo plano diferentes pontos de vista. 3- definir qual o(s) objectivo(s) da análise. De
Sentido ideológico. Aqui pretende-se veri- qualquer modo, avançamos com esta peque-
ficar qual a posição/ideologia/mensagem do na proposta como ponto de partida para um
filme/realizador em relação ao tema(s) do posterior aprofundamento e discussão.
filme. Para finalizar, reafirmamos que a análise
iv) Cena principal do filme. De modo a de filmes é uma actividade fundamental -
tornar a nossa proposta exequível sugerimos e diríamos urgente - nos discursos sobre
que seja feita uma decomposição da cena cinema. Apenas pela análise será possível
principal do filme, uma decomposição plano verificar e avaliar, efectivamente, os filmes
a plano. Detectar qual a cena principal do naquilo que têm de específico ou de seme-
filme não é uma tarefa fácil. Por tal, é aqui lhante em relação a outros. Mas, a análise de
colocada em último lugar nestes pontos que filmes não é apenas uma actividade a partir
dizem respeito a uma análise interna de um da qual é possível ver mais e melhor o cine-
filme. ma, pela análise também se pode aprender a
v) Conclusões. Por forma a interpretar fazer cinema.
o valor cinematográfico de um determina-
do filme este ponto dedicado às conclusões
3. Bibliografia
exige a elaboração de um texto no qual se
apresentem as características (ou regras de AUMONT, Jacques; Marie, Michel (1999),
funcionamento) do espaço fílmico analisa- L’Analyse des Films, Nathan, 2a Ed.,
do e identificar o lugar reservado ao espec- [original, 1988].
tador, ou seja, o grau de envolvimento que
um filme permite ao seu espectador. Esta é, BELLOUR, Raymond (1995), L’Analyse du
também, uma oportunidade para uma quali- Film, Calmann-Lévy.
ficação do realizador ou do filme analisado. BOYD, David (1989), Film and the Inter-
Por exemplo, se um filme utilizou por di- pretative Process, A Study of Blow Up,
versas vezes o fora-de-campo poderá ser a-
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