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E-book digitalizado em 26/05/2016 por: Levita Digital

Com exclusividade para:

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Observação importante

Tenho visto na internet uma quantidade enorme de livros


evangélicos digitalizados e disponibilizados.

Primeiramente gostaria de agradecer a quem efetuou a


digitalização e tirou um período de seu tempo para tal e para
disponibilizá-la para todos.

Porém tenho percebido também uma preocupação com a


quantidade e não necessariamente com a qualidade dos arquivos,
muitos materiais com conteúdos incríveis em formato PDF, tipo
imagem que não dá para se fazer pesquisas e as vezes até com
falhas ou baixa qualidade. Bons tempos da Susanacap que tinha
uma organização e zelo enorme pelas digitalizações e correções, a
mesma não lançava um livro enquanto a revisão não fosse feita.

De qualquer forma agradeço a todos mas acredito que é algo


que devemos pensar.
DOZE CRISTÃOS
INTRÉPIDOS

William L. Coleman

Traduzido por
Luiz Aparecido Caruso

ISBN 0-8297-1283-6
Primeira publicação: 1979

Traduzido do original:
A Dozen Daring Christians

Editora Vida
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ÍNDICE

1. BARNABÉ: Viu o que havia de melhor em todas as pessoas

2. ESTÊVÃO: Viveu o Espírito de Cristo

3. TIMÓTEO: Tinha uma personalidade sensível, disposta

4. APOLO: Afável e capaz, ele preencheu a lacuna

5. PEDRO: Era uma "rocha" de formação lenta

6. FILIPE: Homem financeiramente responsável

7. CORNÉLIO: Cavalheiro, preparou o caminho para você e


para mim

8. DORCAS: Prestativa e generosa, recebeu um milagre

9. TIAGO: A princípio céptico, tornou-se um dirigente firme e


leal

10. SILAS: Calmo porém corajoso, podia-se contar com ele

11. MARCOS: Cresceu na fé

12. PAULO (I Parte): Zeloso e franco, inspirou paixão nos outros

13. PAULO (II Parte): Prosseguindo sempre, não perdeu de vista


a visão de Cristo
Sumário

PREFÁCIO ..................................................................................................... 6
BARNABÉ ...................................................................................................... 7
ESTÊVÃO .................................................................................................... 15
TIMÓTEO .................................................................................................... 24
APOLO ........................................................................................................ 33
PEDRO ........................................................................................................ 41
FILIPE .......................................................................................................... 49
CORNÉLIO................................................................................................... 57
TIAGO ......................................................................................................... 71
SILAS ........................................................................................................... 78
MARCOS ..................................................................................................... 87
PAULO - I Parte .......................................................................................... 93
PAULO - II Parte ....................................................................................... 102
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PREFÁCIO
Falemos sobre um jantar. Imaginemos essas pessoas todas assentadas ao
redor duma mesa — que doze fascinantes pessoas com as quais falar. Elas
presenciaram tudo o que aconteceu. Cada uma delas pode contar histórias
assombrosas sobre bondade e amor. Se as cutucarmos, podem lembrar-se de
algumas horríveis atitudes de vingança, revestidas de crueldade e
mesquinhez.
As primeiras pessoas que dirigiram a igreja vieram de uma mistura de
origens e experiências. Eram fabricantes de tendas, pescadores, viúvas,
fariseus, gentios, judeus. Tentaram fundir tudo isso num cadinho, mas às vezes
constituíam uma mistura estranha. Os temperamentos ainda podiam ferver, o
racismo podia exibir sua feia estrutura, e alguns podiam deixar de perdoar.
Todavia, quer estivessem no palácio dum rei, quer acorrentados numa
prisão, tinham uma coisa em comum: cada um deles viveu, sacrificou-se e
estava disposto a morrer por Jesus Cristo.
Enquanto você lê esses capítulos, espero que possa imaginar cada uma
dessas pessoas assentadas ao redor duma mesa. Olhe bem nos olhos delas
enquanto falam daqueles anos de pioneirismo. Preste cuidadosa atenção
quando elas lhe contarem como Deus é bom na pessoa do Cristo vivo.

William L. Coleman Aurora, Nebraska


CAPÍTULO 1

BARNABÉ

Viu o que havia de melhor em todas as pessoas

Os apelidos são coisa comum entre as crianças. Quando eu era pequeno,


havia um amigo que brincava em nosso "playground" a quem chamavam de
"Orelhudo". Conheci-o por dois anos sem saber qual era seu verdadeiro nome.
Para mim ele sempre foi Orelhudo. Em geral, merecemos nossos novos nomes
por causa de algum característico que nos distingue: cabelos crespos, mal-
ajambrado ou mesmo um excesso de banha.
Barnabé pertenceu ao grupo dos primeiros cristãos; ganhou um apelido
por ser bondoso. Seus pais, que moravam em Chipre, deram-lhe o nome de
José. Contudo, ele era uma pessoa tão atenciosa e generosa, que seus amigos
cristãos o chamaram de Barnabé, que significa "Filho da consolação", e o nome
lhe assentava bem. Barnabé era levita, da família sacerdotal dos judeus.
Não temos pormenores acerca de sua conversão, mas uma vez que ele
tinha parentes em Jerusalém, pode ser que se tenha tornado cristão em uma
das visitas a eles. Grande número de judeus dispersos haviam voltado a
Jerusalém para comemorar a festa do Pentecoste. Talvez ele tenha ouvido falar
de Cristo nesta ocasião e resolveu não voltar a Chipre.
Lucas, o autor, parece especialmente orgulhoso deste convertido. Ele o
apresenta em Atos 4:36, provavelmente como um exemplo da maneira cristã
de partilhar.
Algumas das dificuldades que aqueles primeiros cristãos enfrentaram
devem ter sido dramáticas e comoventes. Muitos devem ter sido alijados de
suas famílias por causa da nova fé que abraçaram. Tanto gentios como judeus
achavam difícil ver seus parentes abraçarem a causa de um nazareno
crucificado.
Muitos outros se viram abruptamente às voltas com sérios problemas
financeiros. Alguns foram imediatamente despedidos de seus empregos assim
que se tornou conhecida sua conversão a Cristo. Esta praxe devia perseguir os
novos crentes por muitos anos. Os jovens que criam na ressurreição podiam
ser expulsos de seus lares sem renda ou empregos.
Dessa maneira, o grupo de crentes sentiu-se na obrigação de sustentar os
necessitados. Imediatamente aceitaram-se uns aos outros e trabalhavam juntos
para solucionar seus problemas. Cada um deles viu-se envolvido nos braços
amorosos e amigos dos que podiam ajudar. A igreja onde Barnabé se
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congregava para a adoração era terna, amorosa e interessada. A necessidade


de um irmão passou a constituir-se em problema de todos.
Era uma congregação cosmopolita. Os que possuíam recursos
econômicos entrelaçavam-se com escravos e trabalhadores. Misturavam-se
numa bela forma. E fácil imaginar alguns, crentes que sempre tinham sido
pobres. Exerciam trabalho servil ou, talvez, vivessem na condição de escravos.
A economia desses tais não se alterou com a nova fé. Ela sempre foi de
desespero.
À medida que a igreja crescia e se espalhava, suas preocupações
continuavam as mesmas. Ela procurava aliviar a pressão financeira que
oprimia a tantos. A ajuda dirigia-se às viúvas que não tinham sustento algum.
Essa ajuda era encaminhada para as áreas batidas pela fome e às vezes levava
um missionário a viajar pelo continente. Esta praxe humanitária apresentava
problemas; todavia, a igreja primitiva recusou esquivar-se desta oportunidade.
Barnabé possuía um terreno e foi um dos primeiros discípulos a
responder às necessidades da igreja vendendo sua propriedade e entregando-
lhe o produto da venda. Ele podia ter guardado o dinheiro; o Cristianismo não
exigia dele suas possessões; meramente lhe dava a oportunidade de sacrificar-
se em benefício das pessoas, repartindo com elas aquilo que ele tinha. Barnabé
respondeu ao desafio de imediato. Não preferiu ver-se embaraçado pelas
responsabilidades de um imóvel. O dinheiro seria aplicado no sustento de
novos crentes que se curvavam sob o peso de viver para o Cristo ressurreto.
Em apenas dois versículos (36 e 37), Lucas faz uma substanciosa e
emocionante apresentação do Filho da consolação. Temos aí uma sugestão do
gigantesco estoque de bondade e generosidade de Barnabé.
Logo no início do livro de Atos, outro apelido se torna óbvio com relação
a Barnabé. Poder-se-ia chamá-lo de "Filho de quem arrisca tudo". Para um mal-
afamado convertido por nome Paulo, para uma igreja assolada pela tragédia,
e para um apóstolo rejeitado, de nome Marcos, Barnabé tornou-se ousado,
paciente e amoroso. Ele estabeleceu um padrão que a igreja tem admirado no
decorrer dos séculos.
A igreja primitiva nunca desfrutou o luxo da paz. Desde o primeiro dia
de vida seus antagonistas se alinharam, de pedras nas mãos e ódio nos olhos.
Depois que Estêvão foi morto por uma turba hostil os cristãos saíram de
Jerusalém em busca de sua própria segurança (Atos 8). Os únicos cristãos que
ficaram na cidade sagrada foram os designados "apóstolos". A reputação de
Barnabé crescera tão depressa que ele foi considerado apóstolo. Permaneceu
na cidade que agora era seu lar.
Deve ter sido enorme a pressão exercida sobre os cristãos locais. Os que
ficaram corriam risco a todo instante; diariamente havia prisões de homens e
mulheres. Eram arrancados de seus lares e encarcerados. Certamente outras
mortes se seguiriam. Homens tais como o odiento Saulo de Tarso dirigiam uma
campanha implacável contra as pessoas que criam na ressurreição de Jesus.
Barnabé cruzou o caminho de Saulo (também chamado Paulo) de uma
forma rara. Após sua espetacular conversão (Atos 9), Paulo procurou contacto
com os apóstolos cristãos e unir-se a eles. Mas o entusiasmo deles não era lá
dos maiores.
Os cristãos tremiam ao ouvir pronunciar o nome daquele homem. Deus
pediu diretamente a Ananias que fosse prestar auxílio ao ex-perseguidor, e o
homem de Deus tratou de evitá-lo. Como podia alguém confiar no gigante que
arrastava todos para a prisão? Por fim Ananias cedeu e foi ajudar o novo crente
lutador.
Paulo defrontou-se com uma monumental pressão em sua nova fé. Os
judeus procuravam matá-lo por ele haver-se voltado para Jesus Cristo.
Finalmente ele teve de fugir de Damasco e viajar para Jerusalém. Ao tratar de
estabelecer contacto com os discípulos ali, eles fizeram tudo por evitá-lo.
Mas, de algum modo, Paulo encontrou-se com o Filho da consolação.
Barnabé arriscou-se. Se esta fosse uma conspiração bizarra, os apóstolos pode-
riam pagar com a própria vida. Mas Barnabé não tinha como escapar à
responsabilidade pessoal, de modo que resolveu tornar-se mediador. Ele tinha
ouvido falar de outra pessoa que havia sido seu Mediador.
Barnabé descreveu para os apóstolos a conversão de Paulo e delineou o
ministério de pregação que se havia seguido.
Esse encontro entre os discípulos e Paulo e Barnabé tinha de ser uma das
mais significativas conferências da história. Só podemos especular a respeito
do que teria acontecido se os apóstolos tivessem expulsado Paulo naquele dia.
Que teria isso significado para sua fé pessoal? Como tal atitude afetaria o
caminho do Cristianismo?
O que em realidade sabemos é que Barnabé resolveu virar a chave e abrir
a porta para Paulo. A História sempre tratará Paulo como um dos maiores
dirigentes do Cristianismo e do mundo. Mas os que leem o livro de Atos
conhecem a história que há por trás disso. Barnabé permitiu que o famoso
apóstolo se apoiasse em seus ombros.
Parece haver uma qualidade invariável com referência a Barnabé. Ele se
dispõe a dar tudo quanto tem e a assumir enormes riscos pessoais. Não
obstante, ele não se importa em ficar em segundo lugar.
A conversão de Paulo se fez seguir de relativa paz, especialmente nas
áreas ao redor de Jerusalém. Não parece obra do acaso que Lucas mencione a
paz a esta altura (Atos 9:31). Ele acaba de falar da conversão e da incorporação
do principal perseguidor. Sua força explicava o grande impulso de
antagonismo durante aqueles primeiros anos.
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Se alguém duvida de que um homem pudesse causar tanto impacto


sobre a igreja, considere os fatos posteriores. Após sua conversão Paulo foi o
grande e ímpar líder do Cristianismo. Seria difícil exagerar a bravura natural e
espiritual de Paulo.
O evangelho espalhou-se rapidamente e as pessoas responderam à
proclamação. Fenícia, Chipre e Antioquia ouviram as boas-novas e logo se
formaram coletividades de crentes (Atos 11:19, 20). Quando chegou a
Jerusalém a notícia concernente aos convertidos, os apóstolos saltaram de
alegria. Reuniram-se em sessão e resolveram enviar Barnabé a Antioquia para
ensinar aos novos crentes e ajudá-los no crescimento de sua fé.
Barnabé nunca pestanejou. Foi o primeiro a deixar a cidade. E qual foi a
primeira coisa que fez ao chegar a Antioquia? "Exortou-os." Que mais poderia
fazer o corajoso Filho da consolação ou da exortação (o nome Barnabé também
significa "Filho da exortação")?
Barnabé não somente funcionou como professor, mas foi um evangelista
de primeira classe. Muitas pessoas chegaram a compreender e aceitar a morte
e ressurreição de Jesus Cristo pelo ministério de Barnabé.
Era típico do apóstolo pensar continuamente em outras pessoas. Seus
pensamentos logo se voltaram para seu amigo Paulo. Ele queria saber que tipo
de ministério reclamava seus talentos. Barnabé partiu para Tarso e pediu a
Paulo que viesse ajudá-lo em Antioquia. Há um mundo de coisas para fazer:
ensinar, pregar e orar; era uma recente e entusiasta congregação que
necessitava de ensino, pregação e oração.
Paulo consentiu e logo estavam de novo ombro a ombro. Passaram um
ano em Antioquia e viram Deus operar milagres. A palavra cristão cristalizou-
se aqui, e pela primeira vez os crentes começaram a usar este título.
Durante a estada deles em Antioquia surgiu uma inesperada
oportunidade para que os cristãos mostrassem sua benevolência. Alguns
profetas pertencentes à igreja de Jerusalém vieram visitá-los e fizeram uma
predição espantosa. Ágabo profetizou uma terrível fome que varreria todo o
Império Romano.
E fácil, dentro de um período de dez anos, apontar o tempo desta
calamidade. Cláudio foi imperador desde o ano 41 até 54 de nossa era. Durante
seu governo espalhou-se pelo império uma série de privações. Muitas colheitas
más e fomes mantiveram o zé povinho em sérias aperturas. Provavelmente, a
terra toda nunca esteve improdutiva ao mesmo tempo; mas de quando em
quando uma série de terríveis reveses varria-a de um extremo ao outro.
Os cristãos responderam com rapidez à iminente crise. Haviam
aprendido bem os princípios de repartir com os outros. Não havia melhor
mestre do que Barnabé, que se desfez de quanto tinha para seguir a Cristo.
Cada pessoa dava "conforme as suas posses" (Atos 11:29). Nada de
pressão. Nada de preconceito. Nada de discriminação. O sentimento era novo
e divertido. A preocupação era autêntica.
Coletado o que puderam angariar, era preciso nomear emissários para
fazerem a entrega. Barnabé e Paulo foram escolhidos para levar aquela carga
de amor. É quase certo que a dádiva era feita na forma de dinheiro. Anos mais
tarde Paulo lembrou-se da lição e estimulou a igreja de Corinto a fazer a mesma
coisa (1 Coríntios 16:1 e ss).
Barnabé e Paulo completaram sua missão em Jerusalém e regressaram a
Antioquia (Atos 12:25). Desta vez trouxeram consigo um homem chamado
João, também conhecido por Marcos. Mais tarde este homem se tornaria o
pomo de discórdia entre os famosos parceiros. Pode ser que Marcos fosse
primo de Barnabé (Colossenses 4:10).
O povo de Antioquia aprendera a amar tanto a Barnabé como a seu
amigo Paulo. O poder de Deus manifestava-se claramente à medida que seu
ministério continuava a alcançar muitos. A igreja local agora tinha ótimos e
qualificados mestres e, em vez de tornar-se complacente, os olhos dos parceiros
começaram a ver de novo terras longínquas.
Certo dia, enquanto a congregação local adorava a Deus e jejuava, o
Espírito Santo comunicou-se com os irmãos (Atos 13:2). Não sabemos como o
Espírito realizou isto, mas podemos conjeturar. O fato mais importante aqui é
a disposição dos cristãos de aceitar essa comunicação. A mensagem dizia que
enviassem Barnabé e Paulo numa viagem missionária. Em obediência,
inclusive com regozijo, eles impuseram as mãos sobre os dois e os enviaram a
uma grande aventura.
Encontramos na Bíblia uma rica herança acerca da prática de impor ás
mãos. Jacó deu início ao ritual (Gênesis 48:14) e Jesus o honrou (Mateus 19:15)
Muitas vezes essa prática esteve incorporada nos ministérios de cura. Na igreja
primitiva, as mãos estavam associadas com os dons espirituais (Atos 8:15-18;
19:6). Timóteo foi instruído a viver à altura do dom que lhe foi conferido pela
imposição de mãos (1 Timóteo 4:14).
Hoje, em várias denominações, os cristãos ainda usam a cerimônia em
ocasiões especiais. Amiúde acha-se associada com os cultos de ordenação.
Alguém certa vez ponderou que é a imposição de mãos vazias sobre cabeças
ocas. Contudo, o culto trouxe profundo significado para Barnabé e Saulo.
O companheiro de viagem deles era de novo o jovem Marcos. Ele devia
participar das assombrosas aventuras ao longo do caminho, visto como não
lhes faltavam emoções. Em Pafos, um mágico judeu, por nome Elimas, tentou
impedir-lhes o ministério. Paulo o repreendeu e o perturbador ficou cego por
algum tempo.
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Em Antioquia de Pisídia Paulo pregou na sinagoga e criou uma grande


agitação. Muitos judeus queriam conhecer mais acerca de Jesus, e convidaram
os missionários a voltar no sábado seguinte. Não somente houve conversão de
judeus, mas também muitos gentios se voltaram para Jesus Cristo. Em
realidade, o alvoroço foi tal que eles foram obrigados a sair da cidade e das
redondezas.
Com intrepidez, Barnabé e seu grupo dirigiram-se para Icônio. Muitas
pessoas ouviram-nos com favor, não obstante outros não o tenham feito. Logo
eles tiveram de abandonar a cidade, por causa das pedras que voavam em
direção deles.
Em Listra a equipe obteve tanto êxito (Atos 14:6 e ss.), tanto êxito que
depois da cura de um coxo a multidão confundiu-os com deuses e quis
oferecer- -lhes sacrifícios. Contudo, não demorou muito para que viessem
alguns judeus de Antioquia e de Icônio e persuadissem as multidões em Listra
a apedrejar a Paulo, uma vez que ele era o orador principal. Foi apedrejado,
mas levantou-se, e no dia seguinte Paulo, Barnabé e Marcos partiram para
Derbe, com toda certeza envoltos num misto de emoções.
De volta a Antioquia, reuniram os cristãos a fim de apresentar-lhes um
relatório especial. Muitas cidades haviam sido visitadas. Houve conversões,
organizaram-se igrejas e havia em curso um ensino vital.
Deus abrira a porta da fé não somente aos judeus mas agora diretamente
aos gentios.
De novo se fez sentir a cooperação de Barnabé; ele era ministro de
reconciliação. Agora Deus tinha uma tarefa gigantesca para ele realizar. Havia
sido convocado um concílio em Jerusalém para resolver uma das maiores
questões com que a igreja se havia defrontado (Atos 15). Em resumo era o
seguinte: Muitos judeus cristãos se ressentiam do fato que os gentios entravam
diretamente para a igreja. Achavam eles que primeiramente os gentios deviam
tornar-se judeus mediante a circuncisão. Depois disso poderiam tornar-se
cristãos.
Por absurdo que este argumento nos pareça, a lógica daqueles homens
não era infundada. Eles insistiam em que o Antigo Testamento ainda estava
em vigor; portanto, era preciso observar as regras.
O que não entendiam era que a antiga lei tinha sido substituída pela nova
(Colossenses 2:9-23). Agora, toda gente precisava saber que a porta que conduz
a Cristo estava aberta a todos. Se este argumento caísse por terra, o
Cristianismo se tornaria meramente outra seita judaica.
Chegado o momento de Barnabé e Paulo apresentarem seu testemunho
perante o concílio, a multidão guardou total silêncio. Os dois parceiros
narraram à audiência o que eles tinham visto Deus realizar entre os gentios.
Havia conversão entre eles; o número estava crescendo; eles estavam
amadurecendo na fé e enviando missionários. Como poderia a igreja em
Jerusalém jogar água fria nessas congregações em desenvolvimento? Como
poderiam exigir que os gentios se fizessem judeus?
A batalha foi ganha. O concílio concordou em enviar a mensagem: Dizer
aos gentios que se abstivessem de alimentos contaminados por ídolos, de
imoralidade sexual e da carne de animais sufocados quando o sangue não
houvesse sido convenientemente derramado. Façam o melhor que puderem
para não escandalizar os judeus que observam tais leis; não se preocupem,
porém, em tornar-se judeus. Vocês são bem-vindos à igreja de Jesus Cristo.
E quem devia ir e contar aos gentios acerca da feliz decisão? Quem mais
poderia ser? Barnabé e Paulo não podiam ser esquecidos; eles eram bons
demais. E assim a comitiva contou com mais dois homens: Barsabás e Silas. E
puseram pés na estrada.
O ministério de Barnabé era essencialmente de exortação e reconciliação.
Mas, nem mesmo o grande apóstolo podia apaziguar a todos. Finalmente veio
o dia em que ele e seu irmão íntimo, Paulo, não puderam chegar a um acordo.
O problema que os feria girava em torno de um homem que conhecemos
anteriormente — João Marcos. Fomos apresentados a Marcos quando Barnabé
e Paulo o trouxeram de Jerusalém. Em sua primeira aventura missionária,
Marcos viajou ao lado deles como assistente. Mas quando saíram de Pafos e
rumavam para Perge, na Panfília, Marcos resolveu regressar a Jerusalém (Atos
13:13).
O autor do livro não explica o motivo por que Marcos deixou a comitiva.
É possível que Lucas esteja sendo benévolo. Contudo, ele é suficientemente
resoluto para incluir a desavença entre Paulo e Barnabé. Seja qual for o motivo
da separação, Paulo está visivelmente transtornado. Seu sentimento é tão forte
que ele se recusou a aceitar a companhia de Marcos nesta viagem.
Barnabé e Paulo resolveram separar-se porque o desentendimento entre
eles foi grande (Atos 15:39). Não foi um mal-entendido ou um conflito de
personalidades. Não estavam a lamuriar-se por causa de insultos com objetivo
errado. Não houve troca de ofensas entre os amigos de toda hora, mas suas
diferenças de opinião estavam traçadas com clareza.
O filho da consolação resolveu arriscar o pescoço uma, vez mais. Paulo
achava que ele já não podia contar com Marcos e pode bem ser que o apóstolo
estivesse certo. Não sabemos por que Marcos desista talvez seu modo de
raciocinar fosse imaturo, Mas Barnabé também estava certo. Ele ia dar ao primo
nova oportunidade.
Barnabé levou Marcos consigo e ambos se dirigiram a Chipre para
divulgar o evangelho. Só podemos conjeturar sobre o que teria acontecido se
Marcos tivesse sido rejeitado. Poderia tê-lo tornado mais forte, como também
poderia levá-lo a definhar-se.
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Cremos, em realidade, que ele é o mesmo Marcos que prosseguiu e veio


a escrever o segundo evangelho. Mais tarde ele reconciliou-se com Paulo
(Colos- senses 4:10; Filemom 24), e uniu-se a ele como assistente no ministério.
Paulo confiou em Marcos e o enviou para ajudar a instruir Timóteo (2 Timóteo
4:11).
Barnabé tornou-se de novo um elemento de ligação. Marcos precisou de
Barnabé para continuar seu trabalho como missionário.
Houve, provavelmente, ocasiões em que Barnabé se arriscou e levou a
pior. Se tal aconteceu, Lucas omite esses fatos. Mas ele retrata um cristão
ousado que não teve medo de dar oportunidade a outras pessoas.

Algo sobre o que pensar


1. Que é que nos ensina a igreja primitiva acerca de repartir as coisas
que possuímos?
2. Sua igreja local serve a uma mistura de pessoas ou se constitui
basicamente de um só nível social? Isso é bom ou mau?
3. Os cristãos modernos arriscam-se por personagens
"questionáveis"? Explique.
4. Os períodos de espera para receber o batismo e filiar-se à igreja são
bons e úteis? Por que sim ou por que não?
5. Como funciona em sua igreja o programa de assistência social? Ele
ajuda indivíduos, congregações ou nações? Que podemos aprender do
exemplo de Antioquia?
6. Descreva a situação no Concílio de Jerusalém. As igrejas locais
estão hoje abertas a todas as raças e nacionalidades?
7. Que nos ensina o exemplo de Barnabé acerca de dar nova
oportunidade a uma pessoa? Os cristãos de nossos dias demonstram esta
atitude?
CAPÍTULO 2

ESTÊVÃO

Viveu o Espírito de Cristo

Numa aula de redação criativa, um aluno do quinto ano escreveu uma


sentença a respeito de determinada nacionalidade. Seu ódio por este grupo
étnico era chocante. Era especialmente perturbador porque, com toda a certeza,
ele nunca conhecera uma pessoa daquele país.
Com muita freqüência nossos preconceitos se arraigam profundamente
muito depois de havermo- -nos esquecido de como começaram. A primeira
igreja em Jerusalém passou por esta mesma inquietude. Os primeiros
convertidos provinham de variados grupos étnicos, e às vezes vinham à tona
preconceitos que se achavam como que sepultados.
Algumas vezes nos esquecemos do êxito que os israelitas tiveram na
evangelização. Os fariseus se consagraram à conversão dos pagãos por todo o
mundo romano. Jesus os elogiou, por seu zelo, embora houvesse censura em
suas palavras (Mateus 23:15).
Muitos gregos estavam cansados da filosofia árida de aproximar-se de
Deus. Os romanos muitas vezes desgostosos com os imperadores que
reclamavam posição divina. Seus excessos de embriauez e sede sanguinária
deixaram milhares vazios e em busca de alguma coisa.
Estevão, grego de nascimento, foi um dos milhares que se converteram ao
Judaísmo nessa ocasião. Os Judeus da Palestina chamavam de "helenistas" aos
Judeus de origem grega. Durante a celebração do Pentecoste, os helenistas
percorriam grandes distâncias para adorar em Israel. Quando tomaram conhe-
cimento do evangelho do Cristo ressurreto, muitos responderam e se fizeram
cristãos. Seja como for, Estêvão se fez cristão. Fora isto, nada sabemos acerca
de sua vida anterior.
No princípio era fácil aceitar o Cristianismo. A novidade e a
camaradagem estendiam-se como os braços maternos num dia friorento. Mas
depois de algum tempo a novidade perdeu seu frescor e as cegas diferenças
étnicas começaram a criar conflitos. A tolerância deu margem à impaciência
enquanto o zelo se afundava em duras realidades.
O primeiro grave revés de ordem étnica surgiu quando se punha em
prática uma das mais nobres causas. Os cristãos haviam divisado um sistema
que ajudava a cuidar das viúvas. Era uma atividade natural para qualquer
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grupo de herança judaica. A preocupação deles pelas viúvas era compassiva e


contava com a garantia de Deus (Malaquias 3:5). A igreja do Novo Testamento
tomou sobre si esta responsabilidade e o fez com entusiasmo (1 Timóteo 5:3, 9;
Tiago 1:27).
Seria difícil imaginar como começou o problema; não se pode ter certeza
se a situação foi exagerada. Contudo, podemos estar certos de que o
preconceito e a desconfiança estavam na base do agravamento.
A acusação dos gregos contra os hebreus era a seguinte: As viúvas gregas
estavam sendo financeiramente negligenciadas. Por certo, eram os judeus que
manejavam os fundos de atendimento às viúvas, e sua distribuição. Seja lá
como for, homens com séria preocupação estavam permitindo que seus senti-
mentos retalhassem uma situação que de outro modo seria amorável.
Alguns de nós podemos lembrar-nos de quando cristãos de nossos
tempos tropeçaram na mesma cegueira étnica. Quando eu era adolescente, três
crianças de cor foram expulsas de nossa igreja em Washington, D.C. Uma
professora ativa havia trazido três jovens da vizinhança à Escola Bíblica de
Férias, e dentro de dez minutos os três foram levados para fora. A dedicada
professora foi advertida no sentido de não ser criadora de problemas.
Quando os doze apóstolos ouviram falar do conflito, com sabedoria
resolveram deixar que outros lidassem com a questão. A sugestão deles foi
nomeai sete homens de altas qualificações espirituais. Cada homem devia
possuir três característicos fundamentais: boa reputação, ser cheio do Espírito
Santo e dar provas de sabedoria. Vida cristã simples, mas profunda. Mais tarde
as diretrizes seriam ampliadas para incluir outras virtudes e restrições (1
Timóteo 3:8 e ss.).
Esses sete homens honrados constituíram-se nos primeiros diáconos da
igreja. Em diferentes denominações e grupos o ofício inclui uma série de
responsabilidades. A palavra diácono significa simplesmente "servir". Esses
diáconos satisfaziam a uma necessidade específica dos primeiros cristãos. A
contribuição desses homens tanto prevenia a erupção de um vulcão potencial
como ajudava a um grupo de crentes necessitados. A decisão tomada lançou
Estêvão a uma possibilidade de liderança. Dos sete designados, seu nome
aparece em primeiro lugar. Suas qualificações eram elidas e sólidas. O zelo
cristão corria-lhe peias veias.
Agora ele tinha um cargo, um ofício, um título. Mas também sabia que
não precisava criar departamentos em sua vida cristã pessoal. Ele se considera-
va antes de tudo um cristão comum.
Às vezes as discussões sobre os dons espirituais tendem a criar
compartimentos em nossa mente. Devido às cercas imaginárias que
levantamos ao nosso redor, há muitas aventuras que nem chegamos a tentar.
Vemo-nos como pássaros de uma perna só e de uma só asa. E qualquer pessoa
sabe que uma criatura com tais limitações deve tomar muito cuidado com os
lugares onde voa.
A auto-imagem tem grande relação com nosso desempenho. Se me vejo
como uma pessoa sem criatividade, por certo isto virá a ser verdadeiro. Se o
retrato que tenho de mim mesmo é como nada tendo para oferecer, então não
terei o que oferecer e não desejarei tê-lo.
Chame a uma pessoa de comum e provavelmente ela crerá nisso, e viverá
à altura do que crê. Diga a alguém que ele não é do tipo executivo e talvez ele
pare de sonhar. Eduque uma criança para pensar que é inferior e ela poderá
tornar-se um belo fracasso.
Chamaram a Estêvão de diácono e ele gostou do nome. Acima de tudo,
era uma honra. Mas não tentaram dizer-lhe que ele não podia fazer outras
coisas também. Ele queria uma vida cristã aventurada, plena, colorida. Ele
distribuiria as dádivas com entusiasmo, mas também queria dar mostras das
outras variedades do serviço cristão ao longo do caminho.
Uma vez que os diáconos cuidavam dos negócios da igreja, os cristãos já
não tinham de gastar suas energias lutando entre si. Havia concórdia, e eram
muitos os que resolviam tornar-se cristãos (Atos 6:7).
Estêvão foi instrumento nesses casos. Algo maravilhoso acontecera em
sua vida e ele se movimentava como um político em vésperas de eleição.
Qualquer pessoa que estivesse parada ia ouvir dele o que Cristo realizou em
sua vida.
Seu zelo levou-o sem demora a uma sinagoga em Jerusalém. A cidade
estava cheia de casas de adoração, mas esta era especial porque era uma
sinagoga destinada a ex-escravos. Chamados libertos, outrora eles viviam em
Cirene, Alexandria, Cilicia e Ásia. Eram judeus helenistas como o próprio
Estêvão. Um lugar muito natural para o novo diácono pregar.
Não havia dificuldade para se conseguir falar na sinagoga. Mestres
itinerantes muitas vezes eram convidados a dirigir-se à assembléia (Atos 13:14
e ss.). Também era comum que alguém se levantasse para fazer objeções a
comentários do orador. Suas interrupções eram claramente dirigidas contra al-
guém e amiúde agressivas. Bons oradores como Estêvão já aguardavam essas
interrupções e vinham bem protegidos com as armas da prova.
É possível que Saulo de Tarso estivesse assentado na congregação para
ouvir Estêvão. Isto, por certo, explicaria seu envolvimento mais tarde na morte
de Estêvão (Atos 8:1).
As sinagogas nem sempre eram os lugares plácidos e monótonos que
normalmente retratamos. Às vezes as pessoas oravam em voz alta, e até com
exagero. Não faziam as coisas desordenadamente, mas também não eram
solenes e rígidos.
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Pode-se afirmar com segurança o conteúdo do debate. Estêvão estava,


numa linguagem figurada, com toda a corda de sua nova crença num Messias
ressurreto. Convicto e articulado, ele estava preparado para percorrer os
corredores da erudição.
Lucas, o meticuloso historiador, narra-nos como foi a batalha. Membros
da congregação apresentaram seus contra-argumentos e protestos, mas em
vão. Pois a cada objeção Estêvão respondia com a sabedoria e lógica do Antigo
Testamento. (Nada há de errado em incorporar a ambas, como o próprio Saulo
faria mais tarde.)
Teria Estêvão ultrapassado os umbrais do decoro? Foi ele insultante
demais e exorbitante em sua apresentação? Lucas, o escritor, não lhe tece a
mínima crítica. Portanto, podemos sentir-nos seguros de que a forte
hostilidade da congregação concentrava-se na doutrina que ele pregava e não
em sua personalidade. Estêvão não foi acusado de mau comportamento. Ele
estava procedendo corretamente e sua atitude era sadia. Se a multidão se
julgava ofendida por sua mensagem, a culpa não era de Estêvão.
Lembro-me de um jovem que se vangloriava da perseguição que havia
sofrido. As pessoas não gostavam de ouvi-lo por causa de sua mensagem. Em
realidade a maioria não o suportava devido à sua personalidade antipática.
Não entendiam, necessariamente, o assunto de sua conversa, mas estavam
seguros de que não lhes agradava. Um ponto difícil de fazer qualquer fanático
compreender.
No caso de Estêvão, a oposição não se manifestou bondosa assim.
Incapazes de contra-argumentar ou de derrubar sua lógica, os adversários
reuniram testemunhas que prestassem depoimento contra Estêvão. Pediu-se a
algumas dessas testemunhas que mentissem perante o conselho, testemunhos
tão semelhantes aos que foram reunidos contra Jesus (Mateus 26:59, 60).
Quando começaram a divulgar a história por toda parte, ela assumiu
proporções violentas. Seus detratores acusaram Estêvão de blasfêmia, não
somente contra Moisés mas também contra Deus.
Moisés sempre servira como cobertura de segurança. Todo aquele que
desejasse parecer piedoso poderia agarrar-se ao nome do velho patriarca. Era
o mesmo que muitos partidários políticos hoje fazem, tomando algum nome
respeitável do passado como sua bandeira.
A multidão furiosa alegava que Estêvão era inimigo de Moisés. O líder
do deserto ficaria acachapado se pudesse ouvir como seu nome era
enxovalhado. Acusaram Estêvão de falar contra o templo e contra a lei. Era a
mesma acusação desgastada feita contra Jesus não muito tempo antes — a
acusação de que Jesus de Nazaré destruiria o templo. Essas falsas testemunhas
tirariam nota zero num exame de originalidade.
O texto de Atos 6:11-14 seria uma boa passagem para os cristãos lerem
diariamente antes do café da manhã. Então passaríamos as doze horas
seguintes tomando cuidado com aquilo que dizemos dos outros. É fácil
distorcer uns poucos comentários de sorte a atingirem proporções
insuportáveis, e espichar e desfigurar a observação de uma pessoa é um crime
abominável. Deveríamos todos ser obrigados a chupar limões azedos.
O Sinédrio reunido fez cara feia ao ouvir aquelas acusações. Era, na
verdade, uma questão séria. Menearam as cabeças e cofiaram as barbas. O
choque sofrido era evidentemente incurável. Acharam fácil crer nas falsas
testemunhas porque era o que desejavam fazê-lo.
Não sabemos com certeza que expressão se estampava no rosto de
Estêvão. Sabemos que seu rosto levou os presentes a pensar num anjo (6:5).
Estamos certos tambénude que contrastava com os rostos que pontilhavam o
Sinédrio. De um lado estavam os raivosos e inseguros. Tentavam decidir se
matariam de novo. Do outro lado, estavam pacificamente assentados,
plenamente cônscios de quem era Estêvão e de qual era sua posição.
Caifás, sumo sacerdote, ouviu o que se dizia. Aquela situação toda trazia-
lhe lembranças detestáveis. Não muito tempo antes ele havia condenado a
Jesus de Nazaré naquela mesma sala. Supunha-se que aquela providência
acabaria com essa história de cristãos. Mas para complicar-lhe as coisas, o
corpo de Jesus havia desaparecido e essa pequena seita estava crescendo.
Talvez ele tivesse de matar de novo. E pode ser que de novo... ele estava
decidido a extinguir esta seita, não importava quanto sangue fosse derramado.
Após ouvir os depoimentos, Caifás assumiu a presidência como havia feito no
julgamento de Jesus, e perguntou a Estêvão se as acusações eram verdadeiras.
Uma vez que o acanhamento não era um de seus característicos, o
inflamado diácono deu um salto diante da oportunidade de poder replicar.
Parecia- -lhe que o momento era oportuno para expor sua posição, e ele
resolveu dar uma aula de história dos judeus no mesmo curso do processo.
Lucas dedicou considerável espaço no registo do notável discurso (Atos 7:1-
53). Ainda assim, provavelmente ele omitiu longos trechos.
Havia um firme propósito no esboço que Estêvão apresentou do Antigo
Testamento. Os exemplos que ele apresentava das operações de Deus eram
pertinentes à sua defesa. Em essência, a acusação contra ele era de dizer que
Deus podia viver muito bem sem o templo. Sua resposta foi que Deus não
depende do edifício.
O argumento de Estêvão mostrou que Abraão, Jacó, José e o próprio
Moisés encontraram-se com Deus sem o benefício de uma estrutura
permanente. Seu discurso chega ao auge em Atos 7:48, 49: "Entretanto, não
habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O
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céu é o meu trono, e a terra o estrado dos meus pés; que casa me edificareis,
diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?"
Que acusação estava Estêvão procurando derrubar? Que a adoração que
eles devotavam a Deus se tornara cristalizada. Eles não desejavam receber
nenhuma informação nova procedente do céu. Não havia dúvida quanto ao
que Deus se assemelhava, quanto ao que ele queria ou mesmo quanto ao lugar
onde ele tinha sua habitação. As portas de suas mentes estavam fechadas e as
chaves havia muito tempo que tinham caído no Mar Morto.
Os líderes judeus haviam cometido suicídio religioso. Haviam perdido a
humildade, e se não pudessem recapturá-la, casos tais como esse geralmente
seriam fatais.
Houve, certa vez, uma igreja que sofreu do mesmo mal. O trabalho
começou num edifício pequeno, com um punhado de crentes. A congregação
cresceu rapidamente. Logo havia pessoas até encostadas pelas paredes. Novos
convertidos ouviam com corações ansiosos.
Os observadores na comunidade elogiaram-nos pelo evidente milagre.
O pastor louvou-os pelo trabalho árduo e pela consagração. Logo os crentes
começaram a crer no que ouviam e era aquele tal de cumprimentar-se uns aos
outros, dando-lhes tapinhas nas costas.
Não demorou muito para que perdessem sua humildade. Afinal de
contas, eles eram a nata dos evangélicos da região. Ao convencer-se de sua
própria beleza, logo começaram a debicar-se uns aos outros. Então instalou-se
o farisaísmo e começou a cata de picuinhas. Eram cinco grupos diferentes, cada
um deles a puxar a brasa para sua sardinha. Consumidos pelo orgulho,
afogaram-se em sua própria arrogância.
Estêvão sugeria que a mesma coisa havia acontecido com o Sinédrio.
Destituídos de humildade, eles eram rígidos e frágeis nas mãos de Deus. O
vigoroso diácono não queria que falhassem neste ponto, de modo que
procurou atingir o alvo com cuidado.
Ele estivera citando Isaías 66:1, mas agora fala com independência. A
começar de Atos 7:51, ele apresenta seu próprio comentário redatorial. Estêvão
chama a sua audiência de "homens de dura cerviz e incircuncisos", duas formas
descritivas que eles não poderiam ignorar. Consideravam-se a si próprios
obedientes a Deus, e por certo eram circuncidados.
Podemos discutir o tacto que Estêvão usou, porque os primitivos cristãos
não eram mais infalíveis do que a presente safra. Todavia, Lucas não atacou a
mensagem de Estêvão ou seu método de apresentá-la. O Sinédrio continuava
obstinado. Não se impressionaram com Jesus e votaram pela sua condenação.
Não havia motivo algum para que Estêvão esperasse melhor tratamento para
um dos discípulos de Jesus.
Chega o dia de entregar a mensagem sem rodeios, e Estêvão resolveu
que esta era a hora. Ele não estava longe demais de sua base. As acusações que
ele apresentou eram idênticas àquelas arrasadoras apresentadas por Jesus
Cristo: "Qual dos profetas vossos piis não perseguiram?" (Atos 7:52a; Mateus
23:37).
Para a integridade do Sinédrio, a acusação tinha de ser chocante.
Naqueles anos todos eles haviam ensinado estar do lado dos profetas. Eram
palavras duras de proferir ou de ouvir sem mais nem menos.
Contudo, surge de novo o problema da humildade. Como podemos ser
confiantes e humildes ao mesmo tempo? Um verdadeiro ardil, mas
absolutamente essencial. O seguidor de Cristo tem de conhecer aquilo em que
crê (2 Timóteo 1:12). Não obstante, deve também ser aberto e flexível.
Amiúde desejamos que nos ensinem aquilo que já sabemos. Há conforto
em ensaiar novamente o que nos é familiar. Com muita freqüência temos medo
de aprender algo novo. Às vezes consideramos pecado a mudança de nossa
maneira de pensar. Esta falta de abertura qualifica-nos para o Sinédrio do
século vinte.
Para dizer a coisa de modo suave, Estêvão não era benquisto por seu
auditório devido às suas observações. A linguagem de Lucas é gráfica. O
coração daquela gente estava serrado pelo meio. Todos nós podemos
identificar — pensamos que nosso coração foi quebrado; o deles foi cortado
bem no centro.
O rilhar de dentes é de mais difícil compreensão. Alguns dos mais
competentes comentadores crêem que os membros do Sinédrio literalmente
saltaram sobre Estêvão e começaram a morder-lhe a carne. Contudo, talvez
uma explicação melhor seja que meramente rangiam os dentes. O ranger de
dentes era uma forma israelita de revelar angústia e desespero. Eles rilhavam
os dentes de forma ameaçadora.
Pode-se considerar Jó o pai da expressão. Ele descreveu seus infelizes
consoladores como rangendo os dentes (Jó 16:9). Contudo, é quase certo que
eles não o estavam mordendo. Jesus usou a mesma expressão diversas vezes
(Mateus 13:50; 22:13; 25:30).
Os membros do Sinédrio estavam como animais bravios preparando-se
para o ataque. Estêvão não podia duvidar de qual seria o veredicto deles. Ele
ergueu os olhos para o céu e viu a glória de Deus e Jesus em pé à destra do Pai.
Estêvão contou aos ouvintes o que Deus lhe havia mostrado.
Não é fácil para os cristãos gentios do século vinte avaliar esta cena. A
visão de Estêvão parecia absoluta blasfêmia. Tratava-se do mesmo grupo que
condenou a Jesus Cristo. Como podia Cristo estar em pé à destra de Deus?
Eles gritavam e tapavam os ouvidos. Aquilo era dose forte demais para
eles. Numa onda humana eles arremeteram contra Estêvão. Podemos estar
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seguros de que ele não foi tratado com gentileza. Eram punhos, pés, joelhos e
cuspo que voavam de todos os lados como se fossem mísseis. Rompera-se a
represa e não havia como deter a inundação.
A execução de Estêvão não foi puramente um ato de uma multidão
desvairada, nem foi inteiramente ilegal. A pena capital estava dentro dos
limites de poder do Sinédrio. A turba presente reagiu furiosamente, dominada
pelo ódio, mas dentro do contexto de um julgamento.
O depoimento de testemunhas era necessário para completar qualquer
julgamento (Levítico 24:14; Deuteronômio 17:7), e havia testemunhas
disponíveis ali. Elas tiraram suas vestes exteriores porque se esperava que elas
atirassem as primeiras pedras. Depois disso, normalmente se usava um
montão de pedras para sepultar a vítima.
Se o apedrejamento de Estêvão foi executado como a maioria dos demais,
ele foi atirado de um penhasco. Isto muitas vezes causava consideráveis
ferimentos e às vezes matava a vítima. Uma das testemunhas atirou a primeira
pedra na esperança de esmagar-lhe o peito. A seguir, todos na multidão eram
convidados a adiantar-se e atirar pedras. Tinha de ser um modo miserável de
morrer.
Os judeus não se esmeravam por fazer a pena capital parecer agradável.
Nem o faziam os romanos no uso da crucificação. O propósito da execução era
dissuadir os vivos de quebrar a lei.
Se Estêvão foi apedrejado segundo o método tradicional, obviamente ele
sobreviveu à queda. Seus adversários apanharam pedras que podiam ter quase
sessenta centímetros de largura e as arremeteram contra a vítima na vala.
Imediatamente Estêvão se pôs a orar.
Lucas registra dois fatos muitíssimo impressionantes acerca das palavras
de Estêvão, possivelmente as únicas que proferiu. Ele pediu a Jesus Cristo que
o recebesse, o que constitui mais uma prova de que o mártir grego considerava
a Jesus como Deus. Sua segunda preocupação relacionava-se com seus exe-
cutores. Estêvão não queria que Deus lhes imputasse este pecado. Nada de
vingança. Ele seguia o espírito do Cristo moribundo. O jovem diácono havia
feito algo mais do que aprender versículos; ele havia adquirido um espírito.
Estêvão tornou-se um excelente quadro para afixar avisos de votos de
felicidade. Se ele pôde pedir perdão para os que o assassinavam, isto nos dá
grande esperança. Por certo podemos desejar o bem para o mecânico de
automóveis que se esqueceu de apertar o bujão do óleo de nosso carro.
Podemos estender nossa mão de afeto ao vizinho que põe seu estéreo a
funcionar no volume máximo.
Estêvão "adormeceu", mas violentamente. Adormecer ou dormir tornou-
se um eufemismo que se ajustava bem à morte entre os cristãos. Mesmo nessas
condições, é possível uma aceitação pacífica da morte.
A esta altura caminha para o centro do cenário o mais famoso convertido
na história da cristandade. Saulo de Tarso foi testemunha de todos esses
procedimentos.
Saulo era natural de uma cidade da Cilicia e possivelmente tenha ouvido
Estêvão falar na sinagoga dos libertos. Seja lá como for, ele deu plena
aprovação aos que executavam Estêvão. A maneira calma pela qual o diácono
enfrentou a morte e o olhar em seu rosto causaram efeito duradouro sobre
Saulo (Atos 22:20).
Existe a possibilidade de que Saulo tenha feito a Lucas, o historiador, um
relato de testemunha ocular. Em sua morte, Estêvão pode ter proporcionado
um trampolim para o Cristianismo, maior do que ele jamais sonhara.

Algo sobre o que pensar


1. Há preconceitos entre seu grupo local de cristãos? Contra grupos
étnicos? Contra os pobres ou contra os ricos? Contra os jovens ou contra os
velhos?
2. Estêvão agiu com prudência em sua fala à sinagoga dos libertos?
Sofria ele da falta de tacto? Alguns cristãos desviam-se de você?
3. Tem você amigos que parecem particularmente em paz sob a
tensão? Desempenha a fé algum papel aí?
4. São os cristãos humildes? Deveriam sê-lo?
5. Foi Estêvão muito rude em Atos 7:51-52? De que maneira os
cristãos "francos" afetam você?
6. Qual a atitude de Estêvão para com seus executores? Que nos
ensina ela a respeito de desejar o bem aos nossos inimigos?
7. A seu ver, que parte desempenha Paulo nesta execução?
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CAPÍTULO 3

TIMÓTEO

Tinha uma personalidade sensível, disposta

Os jovens constituem uma mistura saudável de sabor e


imprevisibilidade. O entusiasmo deles faz que nossos olhos chispem de
espanto. As surpresas que eles nos causam mantêm-nos em estado de alerta e
até um pouquinho ansiosos.
Provavelmente seja esta a melhor maneira de descrever Timóteo. Sua
consagração e energia tocavam as raias do deslumbramento. Isso sem contar
que ele acrescentou alguns fios de cabelo branco às cãs de Paulo.
Não sabemos ao certo como Timóteo chegou a conhecer a Cristo como
experiência pessoal. Paulo refere-se a ele como seu "filho", mas isto não
significa, necessariamente, que ele o tenha introduzido no seio da cristandade.
Em algum ponto do caminho ele cruzou com um consagrado discípulo e se
converteu.
Os antecedentes de Timóteo incluíam uma família mista. Sua mãe era
judia e seu pai, grego. Devido a diferenças religiosas não solucionadas, seu
preparo veio a ser uma combinação tanto de consagração como de negligência.
Foi educado como judeu, mas não completamente. Como conseqüência, os
judeus diziam que ele era grego enquanto os gregos diziam que ele era judeu.
É por este motivo que os casamentos mistos eram desestimulados entre
os judeus. Os mais conservadores consideravam herético casar-se com um não-
- udeu e o proclamavam de viva voz. Como de costume, os filhos sofriam com
as discussões entre os adultos. Se Timóteo fosse como os outros, ele teria
ouvido mais de uma vez as críticas que lhe faziam.
Não que Timóteo não tivesse pais que não cuidassem dele. Sua mãe,
Eunice, é uma das poucas mães elogiadas pessoalmente no Novo Testamento
(2 Timóteo 1:5). Sua avó, Lóide, também é reconhecida por sua fiel
contribuição. Uma mãe firme deve ter ajudado muito, mas a vida ainda pode
ser dura em um mundo de preconceitos e de intolerância.
O ódio entre judeus e samaritanos remontava a 400 anos. No fundo, o
problema deles era o preconceito. Os samaritanos eram uma raça mista e os
outros não toleravam essa mistura. Inclusive os gregos que se convertiam ao
Judaísmo não mereciam a confiança de alguns grupos raciais. O ódio parece
afetar as pessoas em todo o mundo.
Timóteo entrou para a vida cristã com alegria e emoção. Ele
assemelhava-se mais ao esplendor matutino do que a uma pessoa: novo, terno,
vivo e ansioso.
Os cristãos de sua cidade natal tinham-no em alta estima e não faziam
segredo disso. Listra estava a meio caminho entre Icônio e Derbe. A reputação
de Timóteo era ótima nos três lugares. Listra não era uma cidade fácil para os
crentes praticantes, pois ali havia um templo dedicado a Júpiter, que servia
como centro do culto pagão (Atos 14:13), e a acolhida aos pregadores não era
agradável.
Seja lá como for, pelo fato de haver nascido meio- -judeu, Timóteo não
foi circuncidado. Em circunstâncias normais isto não constituiria grande
problema, e seus amigos greco-judeus nunca considerariam este fato como
problemático. Mas sua nova vida e sua ambição de servir a Cristo estavam
apresentando algumas dificuldades estranhas.
A circuncisão era praticada entre os judeus desde os tempos de Abraão
(Gênesis 17:10-14). Mais tarde veio a ser elemento de distinção entre crentes e
não- -crentes. O assunto tornou-se em debate de tal modo acalorado que
Antíoco Epifanes proscreveu a prática. Em resposta, Matatias circuncidou à
força muitos judeus.
A medida que aumentava o número dos gregos que se tornavam judeus,
o rito foi declinando entre os convertidos, talvez por diversos motivos. Para
começar, os adultos não estariam tão ansiosos por submeter-se à circuncisão.
O ato era dolorido, na melhor das hipóteses, e na pior delas, era embaraçante.
Também, alguns greco-judeus recusaram-se a circuncidar os filhos.
Quando Timóteo se tornou cristão, este mero descuido tornou-se um
problema. Timóteo desejava servir a Cristo e Paulo desejava levá-lo consigo
em suas viagens. Mas, nas regiões que eles deviam visitar havia muitos judeus.
Eles desconfiavam dos judeus-gregos e desprezavam os que não eram cir-
cuncidados.
Não podemos menosprezar a enorme consagração de Timóteo. Ele não
se tornou cristão pela metade e não queria tomar seu discipulado
levianamente. Ele era livre para rejeitar a circuncisão. Se outros não gostassem
disso, não adiantava fazer cara feia. Mas Timóteo resolveu abrir mão de sua
liberdade cristã.
Somente as pessoas fortes podem fazer isso. Os fracos e inseguros têm
maior dificuldade para livrar-se. Não que pudéssemos culpar Timóteo se ele
fizesse valer seus direitos. Podia fazê-lo. Na realidade, é muitíssimo provável
que Paulo se pusesse ao lado do jovem se essa fosse a direção escolhida. Ele
defendeu o direito de Tito de recusar a circuncisão (Gálatas 2:3). Afinal de
contas, a circuncisão não significava nada uma vez que Cristo havia cumprido
a lei.
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Mas Timóteo viu aí uma oportunidade de dar de si mesmo. Ambos os


lados do problema eram claramente dignos de defesa. A liberdade era um
conceito válido e não deveria ser desconsiderado. O serviço era também um
artigo valioso e não menos importante. Timóteo resolveu escolher um
enquanto Tito tomou o outro. Dois excelentes homens competindo por duas
excelentes causas.
Algumas vezes as pessoas devem escolher entre duas coisas boas. Esta
parece uma posição invejável, mas não obstante é difícil. Fazemos doações à
Fundação do Câncer, para o Exército de Salvação ou dividimos o dinheiro
entre as duas instituições? Duas boas alternativas, mas ambas difíceis, apesar
de tudo.
Trata-se de uma crise ética. Se Tito estava certo, como o podia estar
Timóteo? Mas isto só atinge proporções angustiantes se nos acostumamos às
soluções simplistas. Na realidade, duas pessoas podem discordar agudamente
e ambas estar certas. As pessoas que celebram a santa ceia uma vez por
trimestre podem estar tão certas quanto aquelas que a servem mensal ou
semanalmente. O verdadeiro conflito surge quando um dos grupos crê que ele
está exclusivamente certo.
O direito apresenta-se com diferentes matizes. O mal também. É direito
trabalhar, jogar tênis, dormir. Três diferentes pessoas podem escolher uma
destas atividades para fazê-la à hora do almoço, e as três estão certas. Aprender
isto é o primeiro passo para o devido apreço àqueles que discordam de nós.
Timóteo, apresentamos-te nosso agradecimento por te haveres
circuncidado. Tu ensinaste muita coisa acerca da flexibilidade de servir a
Cristo.
Era Tito menos cristão pelo fato de rejeitar a circuncisão? De maneira
nenhuma. Timóteo poderia apontar o dedo da autojustiça para seu irmão. Às
vezes os cristãos se sacrificam e depois menosprezam os que não o fazem. É
uma prática infeliz. É como a pessoa que faz regime para emagrecer e então
critica os que não o fazem. Ou como a pessoa que resolve abster-se de
sobremesas e a seguir põe-se a julgar aqueles que gostam de comê-las. É uma
atitude mesquinha. Felizmente, Timóteo resistiu a esta condimentada tentação.
Com a crise da circuncisão removida, Paulo, Silas e Timóteo partiram
"para os lados do mar" (Atos 17:14). Toda a Ásia Menor parecia uma porta
aberta e não faltava elemento estimulante.
Não demorou muito para que Timóteo entrasse no grosso da batalha.
Encontramo-lo em Beréia com Paulo e Silas quando as coisas ficaram difíceis
(Atos 17:13).
Alguns que não eram crentes percorreram todo o caminho desde
Tessalônica simplesmente para criar obstáculos aos discípulos. Logo as
multidões foram alvoroçadas e o trio estava em evidente perigo. Uma vez que
Paulo era o centro da controvérsia, os crentes da localidade acharam que a
melhor coisa seria ele sair dali.
Timóteo e Silas ficaram em Beréia e tentaram consolidar o trabalho até
que Paulo finalmente tomou o caminho de Atenas e mandou buscar seus
colaboradores.
Ao tempo em que Timóteo e Silas se reuniram a Paulo, ele já estava em
Corinto. Os dois devotados amigos desempenharam um importante papel
nesta conjuntura da vida do apóstolo.
As coisas não iam bem para Paulo. Em diversas cidades ele havia
enfrentado oposição e franca hostilidade. Agora ele havia começado a fabricar
tendas para manter-se. Felizmente, encontrou dois colegas de profissão, Áqüila
e Priscila, que também fabricavam tendas. Estes eram judeus que haviam sido
expulsos de Roma no governo de Cláudio, no ano 49 de nossa era.
Para Paulo, Timóteo e Silas devem ter parecido tão bons como um cheque
de devolução de imposto. Era bem difícil ser parte de uma causa impopular. A
solidão tornava o trabalho bem mais difícil. Pessoas expressivas, os três amigos
não andavam como manequins, dando-se as mãos. É fácil vê-los abraçando-se,
dando palmadinhas nas costas e acariciando a cabeça uns dos outros. Seus
sorrisos provavelmente logo passaram a gargalhadas, enquanto seus corações
saltavam como potros brincalhões.
A amizade é um tônico extraordinário. Os discípulos eram
singularmente humanos e definitivamente necessitavam uns dos outros.
Timóteo havia viajado muitos quilômetros para tornar realidade esta reunião.
Faz poucos anos, um missionário amigo realizou uma reunião a 480
quilômetros distantes de minha casa. Terminado o trabalho, ele mandou a
família de volta para a Pensilvânia. Charlie tomou um avião e veio visitar-me
e passou comigo uns quatro ou cinco dias. Que estímulo! Simplesmente
imagine que ele fez isso, desviando-se de sua rota, para entrar em , contacto
conosco. Se Timóteo ajudou a Paulo tanto quanto Charlie me ajudou, é-me fácil
avaliar o relato bíblico.
Timóteo não somente foi em pessoa, mas seu arsenal continha dois
elementos essenciais. Em primeiro lugar, o jovem cristão trouxe boas notícias.
As coisas caminhavam bem em Tessalônica (1 Tessalonicenses 3:6). Os novos
cristãos tinham boa reputação e davam testemunho de que não desistiriam.
Todos quantos transitavam pelo porto estavam comentando a respeito dessas
vidas transformadas. Em segundo lugar, o apóstolo estava em necessidade de
assistência financeira. Ele não passou a fabricar tendas por mero exercício.
Nem estava Paulo tentando impressionar a população. Na realidade, ele estava
sem dinheiro, quebrado. Sua capacidade de pregar o evangelho estava
seriamente prejudicada porque ele tinha de encontrar emprego.
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Timóteo e Silas haviam trazido recursos financeiros dos cristãos de


Filipos. Isto veio dar novo ânimo a Paulo e ele jamais se esqueceu da
generosidade daqueles irmãos. Foram os únicos que se preocuparam com o
apóstolo durante os dias de seu "abatimento" (Filipenses 4:15; 2 Coríntios 11:8
e ss.).
É verdade que Paulo desempenhou o importante papel na abertura de
Corinto para o evangelho, mas aqueles que levaram a cabo os papéis de
sustento eram igualmente vitais. Se os crentes em Filipos não tivessem coletado
dinheiro, a obra teria sido consideravelmente mais difícil. Se Timóteo não se
mostrasse disposto a levar aquela oferta, Paulo teria continuado a trabalhar
com artigos de couro. Timóteo tornou-se o elemento essencial de ligação. Paulo
agora entregava-se exclusivamente à pregação da Palavra. As fibras da
amizade estavam-se tornando mais fortes entre Timóteo e Paulo. Em Corinto,
desenvolveu-se uma nova dimensão de vontade. Timóteo adquiriu novas
responsabilidades. Sua personalidade cresceu, com suas muitas
complexidades e forças.
Todo cristão tímido neste mundo deveria receber estímulo do exemplo
de Timóteo. Parece que ele tinha uma desagradável mistura de impulso e aca-
nhamento. Timóteo queria entrar no fogo intenso da batalha, mas ao mesmo
tempo se mostrava reticente. Nos tempos modernos, seus imitadores são tão
abundantes quanto pombos num parque.
Paulo ia pôr Timóteo a trabalhar, mas a obra estava sujeita a problemas
do momento. Seja lá como for, Timóteo não trazia uma aura de confiança e
autoridade. Seu comportamento não fazia justiça à sua capacidade. A
consagração de Timóteo não era menor do que a de qualquer outra pessoa. Seu
conhecimento e seu jeito de realizar o trabalho eram excelentes. Mas, de certo
modo, ele tinha dificuldade em convencer as pessoas de que ele podia
controlar a situação.
Um sargento de polícia contou-me que ele tinha um oficial em situação
idêntica. O policial tinha a altura mínima que os regulamentos permitiam. Em
consequência, muitas pessoas tinham problemas em tomá-lo a sério. Até o
preenchimento de um aviso de multa poderia tornar-se uma experiência
azarada. As pessoas apoquentavam-no, insultavam-no, ameaçavam-no e
inclusive brigavam com o jovem oficial. Felizmente ele podia cuidar de si
mesmo. Mas às vezes isso tornava seu trabalho o desafio que ele desejava.
Timóteo dispunha das ferramentas. Mas havia alguma dúvida quanto a
poder ele conseguir que sua mensagem fosse compreendida no que se referia
à sua capacidade. Para complicar as coisas, foi designado para Corinto que era
um território difícil. Provavelmente assemelhava-se mais a um bar de porto do
que a uma igreja. Os convertidos eram rudes e cruéis. Eles chegavam a
embriagar-se em algumas das festas da igreja. Uns poucos deles viviam em
franco pecado sexual e a congregação não tinha coragem para agir.
Provavelmente a igreja necessitava de um instrutor à moda antiga, meio
estilo militar, mas o que a estava pastoreando era um poeta. Ele era sensível às
necessidades das pessoas e tinha uma tremenda compaixão, mas Timóteo não
sabia que o esperava uma situação difícil de críticas duras.
Paulo percebeu que a situação na igreja de Corinto estava deteriorando.
Pediu à congregação local que desse uma oportunidade a Timóteo. Ele tinha
muita coisa para oferecer. Paulo sabia que o grupo podia ser duro com
qualquer pessoa e pediu-lhes que estivessem em paz com o jovem (1 Coríntios
16:10- 11).
Mas essa igreja não era em nada agradável. Eles estavam-se tornando
agressivos. O respeito que tinham por Paulo desfazia-se rapidamente. Timóteo
poderia ter sido muito útil (1 Coríntios 4:17), mas aquela gente não estava
disposta a ouvir.
Por fim, Timóteo deixou Corinto. Não sabemos ao certo quais as
circunstâncias que o levaram a sair ou quais os seus sentimentos. Estava ele
desiludido? Houve palavras amargas? Qualquer que fosse o motivo, para ele
seria melhor mudar-se. Paulo enviou Tito para tomar o lugar de Timóteo.
As mãos de Timóteo teriam estado perfeitamente limpas em Corinto.
Talvez toda a escala de seus talentos nunca pudesse ser devidamente
aproveitada naquele ambiente. Às vezes homens de bem são apagados por
congregações impacientes. Elas desacatam a moderação e só entendem
dogmatismo e autoridade absoluta. A pessoa que se dispõe a dar e receber é,
às vezes, tragada por um grupo arrogante de cristãos.
É difícil avaliar o que esta experiência representou para a confiança de
Timóteo. Sabemos, porém, que ela não parece ter alterado seu espírito animado
e amoroso. Ele continuou sua estreita ligação com Paulo e viajou muito.
Timóteo visitava as igrejas locais para indagar a respeito de seu bem-estar.
Evidentemente ele voltou à região de Filipos ie prestou assistência aos crentes
em Colossos. Timóteo visitou toda a Macedónia.
Por fim, Timóteo disse adeus à itinerância e resolveu tornar-se pastor da
igreja de Éfeso, pelo menos por algum tempo. A igreja cresceu. A Palavra foi
pregada e muitas outras comunidades foram atingidas. Tiveram de pagar o
preço da oposição proveniente tanto dos judeus como dos pagãos, mas ao fim,
estava estabelecida uma formidável igreja.
Muito embora Timóteo se estabelecesse em Éfeso, o amor e a
preocupação de Paulo por ele ainda se faziam sentir a despeito da distância. O
apóstolo escreveu duas cartas pessoais a fim de dar a Timóteo conselhos sobre
o trabalho pastoral. Essas cartas foram incluídas no Novo Testamento como 1
e 2 Timóteo. Também a Tito foi escrita carta semelhante.
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Quando Paulo deixou Timóteo em Éfeso, ele estava plenamente cônscio


dos problemas que havia na igreja. Muitas pessoas da localidade se ressentiam
com a presença de uma congregação cristã. Muitas vezes os que se convertiam
vinham de antecedentes pagãos. Alguns deles levavam para dentro da igreja
suas superstições e as divulgavam. A despeito de todo o seu progresso, a
comunhão de crenças também criou uma tensão prejudicial.
Mas o que nos interessa particularmente nas Epístolas Pastorais é a luz
que elas jorram sobre a personalidade de Timóteo. Vemo-lo como um discípulo
acanhado que paga um alto preço por isso. Não obstante esse persistente
obstáculo, Timóteo fica em Éfeso. Paulo procurou estimulá-lo e ajudou a aliviar
a carga. Os conselhos do apóstolo têm sido usados com grandes benefícios
pelos cristãos de todos os séculos.
As palavras que Paulo empregou para animar a Timóteo são de primeira
classe. Elas têm vigor, paladar e ousadia. Paulo "exorta", "ordena" a "combater
o bom combate"; ele "insta" com Timóteo a que "pregue" a verdade à sua
congregação. Nada havia de hesitante quanto ao apóstolo Paulo. Ele queria que
seu seguidor na fé captasse o mesmo espírito.
Um dos problemas que pareciam molestar Timóteo era sua relativa
mocidade. A questão de sua pouca idade tinha de ser um fator aparente e não
real. Afinal de contas, ele tinha idade suficiente para ficar acordado até tarde!
Nesta ocasião já fazia quinze anos que ele estava associado com Paulo.
Provavelmente isto o colocava na faixa dos 35-40 anos. Empregava-se a palavra
mocidade para descrever oficiais militares de 40 anos de idade.
Talvez Timóteo aparentasse menos idade do que a verdadeira (maldição
que não aflige a maior parte de nós). As vezes os que parecem jovens
ressentem-se do fato. Alguns de nós deixamos crescer bigode ou mudamos
nosso modo de vestir para dar um aspecto amadurecido. É embaraçante
conhecer alguém e pensar que se trata de uma irmã apenas e descobrimos que
ela é a mãe.
Temos de crer que Timóteo parecia jovem. Algumas congregações nunca
se adaptam a um pastor com ares de juventude. Elas andam à procura de
sabedoria com um leve toque de cabelos grisalhos. O resultado é que perdem
alguns excelentes mestres e conselheiros.
Com toda probabilidade, a falta de confiança de Timóteo fazia-o parecer
ainda mais jovem. Num esforço por ser justo ele tentava ver todos os aspectos.
Outros interpretavam esta atitude como indecisão. Resolveram tirar vantagem
dele. Menosprezavam sua mocidade (1 Timóteo 4:12).
Paulo assegurou a Timóteo que ele tinha os dons, e que não deveria
permitir que ninguém fizesse pouco caso dele. Não havia necessidade de
mudar. Ele devia permanecer ali e fazer o que era certo. Alguns jovens são
tolos, mas outros são sábios como os séculos.
As durezas e pressões da vida estavam começando a deixar suas marcas
no jovem Timóteo. Como acontece com muitos outros, a tensão que já se
prolongava por um longo período estava começando a causar dano. Timóteo
procurou não ligar para os insultos. Havia ocasiões em que ele retrucava. Não
era fácil para um homem sensível, amante da paz.
Qualquer que fosse a exata natureza de suas enfermidades, sabemos que
eram intensas. Alguns estudiosos da Bíblia especulam dizendo que nesta
ocasião ele estava inválido, mas tudo isso é difícil de determinar. A
recomendação de Paulo para que Timóteo tome um pouco de vinho para fins
medicinais (1 Timóteo 5:23) demonstra em realidade uma preocupação sincera
pela saúde do companheiro. Se os sofrimentos de Timóteo fossem causados
pela tensão, certamente ele teria motivos de sobra. De quando em quando,
muita coisa lhe desabava sobre a cabeça. Em alguns lugares o pastorado
assemelha-se muito à situação do primeiro século em Éfeso. Há um número
demasiado grande de pastores tomando leitelho para acalmar os efeitos de
uma úlcera.
Muitas vezes uma congregação se divide em quatro ou cinco grupos. O
grupo A julga que o pastor é evangelista. O grupo B considera-o um homem
que vive a cumprimentar a todos, a segurar a mão de todos: é um massagista.
Já os pertencentes ao grupo C retratam o mesmo homem como um mestre em
fazer esboços e analisar verbos. Os componentes do grupo D procuram
sermões eloquentes e palpitantes com vistas a manter a congregação calma e
entretida. O pessoal do grupo E deseja um administrador que possa organizar
a máquina e mantê-la funcionando. Não é de admirar que alguns pastores
estejam em chamas por todos os lados.
Felizmente, outras congregações têm a cabeça no lugar e são razoáveis.
Esperam que seu pastor leve uma vida equilibrada, satisfatória. Este relaciona-
mento é mais proveitoso em todos os sentidos.
Timóteo era um discípulo perfeitamente qualificado. Seu forte não era a
evangelização ou o pastorado. Mas era um coração capaz, consagrado,
disposto. Paulo viu todas estas qualidades nele. Mencionou-as e recomendou
seu espírito sociável.

Algo sobre o que pensar


1. Você consideraria a questão de rebatizar-se para poder filiar-se a
uma igreja local? O exemplo de Timóteo com respeito à circuncisão ajuda-nos
a decidir o assunto?
2. Pode você pensar numa situação em que duas pessoas diferem
consideravelmente e ambas estão certas?
3. Sua igreja local, seu grupo, sua classe ou sua família têm facilidade
para fazer amigos? Por que isto funciona tão bem?
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4. Seus dirigentes cristãos são pessoas solitárias? Os membros de seu


grupo sentem-se livres para viver socialmente com eles? Você se importaria se
eles tivessem amigos especiais?
5. Estamos em busca de dirigentes "super-heróis"? Há ênfase demais
sobre o dirigente político, a estrela de cinema, ou o jogador de futebol cristãos?
Pode um cristão inteligente, mas tímido, encontrar um lugar na liderança?
6. As igrejas e outros grupos cristãos exigem demais de seus
dirigentes? Há pressões em demasia sobre seus atuais dirigentes? Como
podemos ajudar a melhorar a situação?
7 Na sua opinião, por que Timóteo necessitava de algo para acalmar-lhe
o estômago?
CAPÍTULO 4

APOLO

Afável e capaz, ele preencheu a lacuna

Estava eu a caminho para conversar com um psicólogo que residia cerca


de cento e poucos quilômetros de onde eu morava. Ele havia lido meu
manuscrito sobre suicídio, antes de sua revisão final. Não havia dúvida de que
eu necessitava da ajuda que ele me pudesse dar. Mas eu ainda estava
ambivalente, para empregar linguagem da psicologia. Como me comportaria
eu quando meu livro recebesse crítica cerrada? Afinal de contas, era criação
minha e eu sabia que não gostaria de ver outra personalidade estampada nele.
Este deve ser um problema que afeta todos nós. Por fora reconhecemos
a necessidade de ajuda. Por dentro, ressentimo-nos com a crítica pessoal.
Por certo Apolo deve ter enfrentado o mesmo conflito. Ele se achava
ocupado na obra do Senhor e era extremamente capaz. Confiante de sua vida
pessoal, Apolo não estava necessariamente em busca de conselho.
As Escrituras dizem-nos diversas coisas com referência aos seus
antecedentes. Ele fazia parte da antiga comunidade judaica que vivia em
Alexandria, capital do Egito. Uma grande parte da cidade fora destinada aos
habitantes de nacionalidade hebraica. Tinham seu próprio governo,
semelhante a um prefeito, que defendia a causa dos direitos dos judeus. A
influência judaica devia ser grande, pois os judeus compunham um terço da
cidade. Mantinham uma grande universidade e biblioteca.
Apolo entrou para o Novo Testamento com este rico cabedal
cosmopolita. Alguma coisa exercera influência sobre ele de sorte que tomou
conhecimento do evangelho do Cristo ressurreto. A transição podia ter sido
difícil. Praticamente, para todo judeu a conversão representava uma alta
cirurgia emocional. A maior porcentagem de seus amigos tinha de ficar
chocada e sentir-se insultada com sua nova fé.
O Cristianismo espalhou-se até Alexandria por várias formas. Paulo e
Lucas passaram grande parte de seu tempo descrevendo seu aumento entre
Jerusalém e Roma. Em anos vindouros, Clemente, Orígenes e Panteno, bem
como o judeu helenista Filo, ensinaram em Alexandria. As boas-novas
espalhavam-se rapidamente. O martírio de Estêvão também ajudara a dar asas
à missão.
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Deste ambiente proveio um consagrado cristão por nome Apolo. Suas


qualidades eram impressionantes. Ele era eloquente, tinha um brilhante
conhecimento das Escrituras e um ardente desejo de servir. Esses atributos
estavam sob a guarda de uma coragem mais do que suficiente.
Apolo não somente possuía confiança em si mesmo, mas também levava
a aura de tal confiança. As pessoas podiam dizer que ele tinha tudo isso junto.
Ele não tinha uma palavra insegura nem olhos vacilantes. Bem versado e
capaz, Apolo não estava à busca de conselho; ele é que o dava.
A palavra eloquente (logios) literalmente significa lógico. Erudito, hábil,
dotado, havia sentido sólido no que ele dizia. Sua mente férrea fazia-se
acompanhar de um coração ardoroso. Ele sentia paixão pelo que fazia e não
atuava meramente pelo intelecto.
Este conjunto de elevadas qualidades mostra que ele era inteligente. Suas
metas estavam bem definidas e sua missão estabelecida. Ele não era do tipo
que procura crítica ou que provavelmente se assenta tranquilo à espera de que
ela venha.
Apolo havia sido instruído "no caminho do Senhor". Há motivo para
crer-se que este se tornou o nome coloquial para os cristãos. Eles eram a gente
do "caminho". A frase aparece originalmente no Antigo Testamento (Salmo
1:6), mas Jesus lhe deu novo significado. Cristo referiu-se a si próprio como "o
caminho" (João 14:6). Parece que tanto os primitivos crentes como seus
detratores adotaram o termo.
Lucas diz-nos que Félix estava bem familiarizado com o Caminho (Atos
24:22). Paulo disse a Félix: "Porém, confesso-te isto que, segundo o Caminho, a
que chamam seita, assim eu sirvo ao Deus de nossos pais..." (Atos 24:14; cf.
19:9).
Só podemos conjeturar sobre a maneira como o termo é usado quando se
aplica a Apolo. Todavia, é interessante vê-lo empregado duas vezes com refe-
rência ao egípcio (Atos 18:25, 26). É possível que o título já estivesse adquirindo
popularidade.
A despeito de suas excelentes credenciais, Apolo fazia algo de modo
incorreto. Com toda a probabilidade não se tratava de um erro que abalasse a
terra, mas era o suficiente para irritar seus auditórios. E quando isso acontece,
bastam uns pequeninos grãos de areia para pôr toda uma máquina fora de
funcionamento.
Temos de supor que o problema era de somenos, porque o autor não lhe
dá importância. Depois de proclamar suas excelentes credenciais, Lucas resu-
me-as dizendo que Apolo falava com grande fervor e ensinava com precisão a
respeito de Jesus (v. 25). Como é que muitas pessoas recebem os elogios
exuberantes lançados a Apolo? Ele ensinava com precisão a verdade de Jesus
Cristo. Certamente era um elevado cumprimento.
Mas as pessoas eram sensíveis, melindravam-se facilmente do mesmo
modo como amiúde acontece em nossos dias. Talvez procurassem seus
acariciados temas ou suas particularidades favoritas num sermão. Se isso
faltasse, alguns auditórios se revoltariam imediatamente. Um grupo apega-se
tão pesadamente à profecia que mede toda boa pregação por esse modelo.
Qualquer desvio das linhas mestras que adotaram é suficiente para fazê-los
ranger os dentes.
Provavelmente todos nós sofremos do mesmo tipo de chibolete (Juízes
12:6). Quando alguém o diz de uma maneira que nos agrada, nossos olhos
brilham como ouro. Quando é mal pronunciado, encolhemo- -nos mais
rapidamente do que nosso salário.
O itinerário de Apolo trouxe-o a Éfeso, grande porto marítimo da Ásia.
Não sabemos ao certo como foi que o Cristianismo chegou pela primeira vez
àquela região; talvez peregrinos judeus o trouxessem ao regressarem de
Jerusalém.
Devido a seus antecedentes judaicos, o principal interesse de Apolo era
a sinagoga local. Elas se achavam abertas aos oradores cristãos, embora as
hostilidades começassem a inflamar-se. Muitos convertidos eram
arrebanhados dessas reuniões. A maioria considerava o Cristianismo como um
movimento judeu com um eleitorado hebreu. Talvez Paulo tenha falado nesta
mesma sinagoga (Atos 18:19).
Havia no auditório duas pessoas que exerceriam dramático efeito sobre
a vida de Apolo. Priscila e Áqüila resolveram arriscar-se e investir seus conhe-
cimentos na vida de alguém. Um negócio arriscado pode produzir boas
recompensas.
Certa igreja menonita, no estado de Kansas, convidou um orador
especializado em juventude para falar à sua congregação numa noite. Era uma
pessoa interessante que tinha algo particularmente desafiador para dizer.
Contudo, alguns de seus maneirismos eram irritantes. Mesmo seu apelo para
consagração foi apresentado de tal modo que escandalizou diversas pessoas.
Um homem que se achava presente resolveu aproveitar a oportunidade.
Logo após o culto ele se dirigiu ao orador e convidou-o a tomar café com sua
família. O jovem aceitou com entusiasmo típico.
Durante aquela hora de descontração o membro da igreja foi ousado
bastante para fazer-lhe duas sugestões. Ele disse a seu hóspede: "O senhor
poderia ter um excelente ministério entre os menonitas. Realmente
necessitamos do que o senhor tem para dizer." Então, com delicadeza explicou
as duas coisas irritantes.
Por que envolver-se? Provavelmente nunca se encontrariam outra vez,
mas este cavalheiro desejava ajudar. Sentir-se-ia insultado o jovem? Ignoraria
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ele o conselho? Este homem sentiu que valia a pena correr o risco, e na verdade
ele ajudou um jovem pastor.
Priscila e Áqüila resolveram lançar-se à mesma aventura. Apolo estava
fazendo bom trabalho. Pol que deveria ele dar-lhes ouvidos? Mas este casal
arriscou-se.
Áqüila era um hebreu que morava em Ponto, na Itália. Cláudio havia
dado ordens para que todos os judeus deixassem o país, por isso ele e sua
esposa Priscila tiveram de sair. Não sabemos em que local se fizeram cristãos,
mas os dois se encontraram com Paulo em Corinto. Eram fabricantes de tendas
e assim se associaram profissionalmente com o apóstolo.
Quando Paulo deixou Corinto e foi para Éfeso, levou consigo Áqüila e
Priscila. Paulo foi para Roma, porém o casal ficou para trabalhar na
evangelização. Marido e esposa frequentavam a sinagoga e foi ali que ouviram
Apolo.
Agora eles tinham de resolver se deviam envolver- -se no caso.
Correriam o risco de ver-se rejeitados tentando ajudar a Apolo? Seria preciso
energia e um pouco de intrepidez. Correram o risco.
Esta situação particular era potencialmente explosiva por dois motivos,
pelo menos. Um problema era usar de tacto suficiente para ganhar a confiança
de Apolo. O segundo era a questão de uma mulher dar conselho a um cristão
experiente. Qualquer desses motivos poderia causar dor de cabeça.
O problema do tacto foi tratado com suavidade. Em vez de levantar uma
objeção em público, calma e delicadamente eles convidaram Apolo para ir à
casa deles. Quem quer que tenha ouvido a troca de palavras ásperas no salão
de uma igreja pode avaliar esta atitude. Não havia jeito de dizer como o egípcio
aceitaria esta intromissão. Se ele se mostrasse arrogante e insultado, a cena
poderia ter sido feia.
É fácil proferir algumas observações nada lisonjeiras ao passar por um
salão. Elas estão carregadas de emoção, mas pouca compreensão ou
compaixão; é a crítica onde o coração não entra para ajudar. A apresentação de
tais propostas em particular muitas vezes constitui a diferença entre o calor e
a luz.
Muitas pessoas interessadas podiam ajudar seu pastor se aprendessem a
fazê-lo com moderação. Em primeiro lugar, devem dirigir-se a ele com
bondade e bom senso de humor. Com frequência os pastores melhoram
consideravelmente mediante a atuação de um membro amável, paciente.
A segunda dificuldade era a presença de uma mulher corrigindo um
homem. Na maioria das culturas seria difícil de aceitar, e os hebreus não consti-
tuíam exceção.
Talvez seja significativo que Lucas coloque o nome de Priscila antes do
nome do marido. Em alguns casos isto nada significa, mas aqui pode ter
importância. A senhora Áqüila estava, provavelmente, assumindo a liderança
na discussão. Isto não quer dizer que ela sempre o fizesse. Mas nesta ocasião
parece que ela era a mais agressiva — é possível que ela fosse também mais
encantadora.
Não há necessidade de ver as mulheres nos postos de liderança como
imoderadas e mandonas. Elas também podem ser inteligentes, decisivas e
úteis. Muitas situações poderiam ser melhoradas ouvindo- -se o bom conselho
das mulheres. Talvez muitos maridos pudessem evitar considerável agonia se
dessem ouvidos mais frequentemente a suas esposas.
Felizmente, Priscila não era inibida demais e assim podia ajudar. Por
outro lado, Áqüila nada tinha de inseguro e dessa maneira podia permitir a
ajuda da esposa. Priscila tinha uma contribuição a fazer, e não seria o esposo
que a impediria de fazê-lo. Talvez seja por isto que Paulo fala desse casal com
tanta frequência (Romanos 16;3; 1 Çoríntios 16:19; 2 Timóteo 4:19).
Priscila e Áqüila pareciam maduros bastante para tratar do assunto. A
questão agora era Apolo. Como receberia ele a crítica nessas circunstâncias? A
resposta é breve. O conselho deles provavelmente não tomou muito tempo, e
o problema foi solucionado. Não há sinal de discussão acalorada ou de
melindres feridos.
Depois da discussão de caráter íntimo, o autor não nos diz se Apolo foi
rebatizado. Em realidade, ele ignora por completo as alterações. Lucas faz isto
porque a mudança foi de curta duração? Pareceria tolice para nós ou talvez nos
escapasse por completo? Afinal de contas, o que naquele tempo constituiu um
problema urgente pode não significar nada para nós hoje. Lucas não considera
o caso digno de menção.
Fosse qual fosse a situação, os três emergem dela como gigantes.
Cresceram juntos — Apolo não foi insistente em fazer as coisas a seu próprio
modo, e Áqüila e Priscila não estavam resolvidos a impor coisa alguma.
De imediato Apolo tornou-se aceitável aos crentes locais. O selo da
aprovação foi aposto e todos ofereciam estímulo. Como poderiam ajudar? Qual
seria o próximo passo? Que ministério Apolo tinha em mente?
Era um quadro inteiramente novo — tão diferente dos milhares de outros
desacordos que terminam em amargura.
Apolo achou que devia partir para a Acaia. Lá ele mudaria para sua
principal cidade: Corinto. O evangelista itinerante estava destinado a
desempenhar um importante papel nesta região.
Os cristãos de Éfeso ficaram tão contentes com seu novo amigo que
escreveram cartas de apresentação. Esta era uma prática comum, uma vez que
os estranhos podiam alegar qualquer coisa. Uma carta cordial seria
extraordinariamente útil em ajudar a quebrar o gelo.
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Em Corinto ele se tornou amigo dos cristãos e evangelizou aos judeus.


Deve ter sido um estímulo para ele o grupo de crentes ali. De bom grado era
recebida qualquer assistência.
Paulo tinha ido para Corinto e havia pregado na sinagoga. Durante um
ano e meio o apóstolo viveu na comunidade cristã. Como consequência, havia
poucos estranhos ao "Caminho" quando Apolo se foi.
O egípcio estava destinado a deixar considerável marca em Corinto. Ele
discutia com os judeus face a face, em debates públicos. Esses debates eram
comuns e levavam muitos a mudar de idéia de ambos os modos (veja os
capítulos sobre Estêvão e sobre Paulo), e frequentemente se realizavam em face
de enorme hostilidade.
O método de Apolo era uma apresentação bíblica intensiva. Os
primitivos cristãos criam poder provar a messianidade de Jesus com base no
Antigo Testamento, uma vez que Jesus cumpriu muitas profecias com
exatidão. Ao ver-se confrontados com a prova, muitos judeus se persuadiam,
mas outros não.
Em debate público, Apolo devia ser uma figura impressionante. Era
inteligente, poderoso e convincente. Sua mensagem poderia ser paralisante a
seus oponentes.
Por certo, algumas autoridades das sinagogas eram bem versadas nas
Escrituras. Outras, contudo, praticamente as ignoravam. Haviam gasto tanto
tempo discutindo acerca das tradições dos pais que as Escrituras se tornaram
território estranho para elas (Marcos 7:8-12). Haviam cometido enganos
simples oriundos de elementar ignorância do que dizia o Antigo Testamento.
Quando os rabinos se viam mal publicamente, os resultados eram
previsíveis. Parte da multidão se punha ao lado dos dirigentes sitiados; outros
eram atraídos para a fria lógica bíblica apresentada pelos judeus cristãos.
Apolo exerceu um ministério diferente em Corin- to P ÍUI O o precedera e
fizera trabalho pioneiro. Isto não significa que todos na cidade tinham ouvido
falar1 do Cristo ressurreto, porém muitos tinham ouvido. Houve conversões e
estabeleceu-se um núcleo de cristãos. Paulo havia plantado a semente; agora
Apolo estava regando o jardim.
Lucas pinta um retrato de Apolo como o ápice da cortesia. Capaz, porém
não insultante. Um homem de convicção, mas polidamente ajustável. Ele é um
eco distante de alguns famosos dirigentes cristãos. Apolo não é o oprimido
executivo cristão à testa de uma sociedade de "ministério". Ele não parece estar
preocupado com quem recebe o crédito. Nossa sociedade está cheia de pessoas
que superestimam sua própria importância. Pensam que aquilo que fazem é a
coisa mais significativa do mundo. Tais dirigentes cristãos são uns maçantes
terríveis. Deixam de ver a si mesmos como parte de um quadro; chegam a ver-
se a si mesmos como o próprio quadro.
Alguns dos apelos feitos por correspondência mostram quão agudo é o
problema. Outros exigem tempo num púlpito local. Será que não podemos ver
quão decisiva é sua causa? Será que eles não podem ver quão pequena é
realmente a contribuição que fazem para o quebra-cabeças gigantesco?
Apolo era flexível, ilustre e modesto. Seu desejo era preencher a lacuna
onde ele estava. Nem mais nem menos do que isso o fazia feliz.
Outras pessoas desejaram virar a cabeça do egípcio, porém ele resistiu.
Durante seu extenso ministério em Corinto ele reuniu um grande cortejo de
convertidos. Alguns ficaram confusos. Sentiam-se atraídos para Jesus Cristo
mas também tinham uma forte preferência por Apolo. Os cristãos começaram
a dividir-se em grupos. Os que seguiam a Apolo tornaram-se orgulhosos e
sectários (1 Coríntios 3:4- 7).
Em condições normais, Corinto representava um estranho sortimento de
cristãos. Havia sérias brechas entre os crentes por causa de diferenças
econômicas. Os ricos não eram bons para com os pobres e estes tinham pouca
tolerância para com os privilegiados. Alguns eram glutões e se embebedavam
nas festividades da igreja. Alguém descreveu a situação como tendo mais
aparência de uma missão evangélica num bairro miserável do que de uma
igreja.
No fundo histórico da congregação havia uma mistura de Judaísmo e
paganismo. Ao tentarem misturar-se, repeliam-se uns aos outros. Começaram
a polarizar-se por causa de suas diferenças. Logo havia partidos separados em
vez da unidade no corpo de Jesus Cristo. Um grupo levantava com orgulho a
cabeça e dizia: "Somos do partido de Paulo." Certamente estavam alegres
porque não cometiam os graves enganos que os outros cristãos haviam
cometido.
Outro grupo replicava: "Mas nós pertencemos ao partido de Apolo." Eles
se pavoneavam enquanto se ajoelhavam em oração. Suas ênfases, e em alguns
casos suas origens, eram diferentes. Cada grupo era competitivo e orgulhoso.
As divisões em seitas eram naturais, porém mesquinhas.
À medida que esta atitude se desenvolvia, Apolo foi convocado de novo
para mostrar seu verdadeiro vigor. Alguns cristãos queriam tratá-lo como seu
guru especial. Ele seria o dirigente do partido deles.
A oferta era tentadora. Dava-lhe "nome" e uma dose de prestígio — difícil
de resistir para qualquer pessoa que aspira ao ministério. Mas ele resistiu.
Quando Paulo escreveu falando dos partidos que se guerreavam em Corinto
ele não fez crítica de espéciealguma ao missionário egípcio. Como ele próprio,
Apolo não havia feito tentativa alguma para incitar este espírito. Ele não tinha
sede de poder ou de aclamação. Era um consagrado servo de Cristo e feliz por
ser contado entre eles.
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Algo sobre o que pensar


1. Por que é tão difícil de lidar com a crítica?
2. Faça algumas sugestões sobre como corrigir um irmão em Cristo.
3. Pode você mencionar alguns "chiboletes" que seu grupo cristão
procura?
4. Pode você citar uma ocasião em que aceitou a crítica para seu
benefício?
5. Você se sentiria molestado de ser corrigido por uma mulher?
Explique-se.
6. Acha você que os apelos cristãos para levantar dinheiro são
exagerados?
7. As divisões entre os cristãos são saudáveis ou prejudiciais?
CAPÍTULO 5

PEDRO

Era uma "rocha" de formação lenta

Por que teria Jesus Cristo escolhido um vulcão para pintar em seu cenário
nesta terra? Sem dúvida ele tinha suas razões para fazê-lo. Não temos dúvida
também de que ele conhecia as personalidades que escolheu para seus
discípulos. Ter-lhe-ia sido igualmente fácil reunir uma dúzia de tranquilos
executivos principiantes. Em vez disso, ele reuniu um amplo sortimento de
fogos de artifício.
Se considerarmos os discípulos como fogos de artifício, Pedro não era
uma estrelinha. Não há uma luz quieta para representá-lo. Simão era como um
foguete com um fusível defeituoso. Não havia jeito de saber quando ele
detonaria, ou se detonaria.
Sejam quais forem os problemas que Pedro tenha enfrentado como
discípulo, ele brilha como couraça nova no livro de Atos. No decorrer dos doze
primeiros capítulos ele é, indiscutivelmente, o personagem principal na igreja
cristã. Como parteira que atendeu ao nascimento da igreja, Pedro é responsável
pelo parto seuro do Cristianismo, pelo aroma saudável e pelas vestes quentes.
Ela chegou com faces robustas e um grito tranquilizador. O pescador
encarregou-se dessa parte.
Jesus não cometeu o engano que muitos de nós teríamos cometido. Com
frequência somos atraídos para personalidades agradáveis, firmes e até mesmo
previsíveis. Elas são as mais seguras. Cristo via potencial além da fachada. Se
Pedro era barulhento, esse fato não perturbava o Messias. Quando Pedro era
impetuoso, Jesus era paciente. Mesmo quando Simão agia de modo covarde,
Cristo podia facilmente ver além dessa atitude. Pedro conseguiria chegar lá.
Ele só precisava de tempo e compreensão.
É interessante ver quanto ele melhorou após a ressurreição. Não
obstante, Pedro nunca conseguiu aparar por completo todas as arestas de sua
personalidade. Pedro e Paulo, dois gigantes de Deus, defrontaram-se e
trocaram palavras ásperas. Mas, a verdade é que nenhum dos apóstolos
chegou a aproximar-se da perfeição.
A personalidade de Pedro é um grito contra os clamores modernos por
conformidade. Muitas organizações cristãs parecem pensar que sua força
reside em que todos se curvem perante elas. Querem que todos pensem da
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mesma maneira, que tenham o mesmo estilo de vida e jubilosamente aceitem


todo programa que lhes for apresentado. Os grupos gostam de exercer
influência sobre a personalidade do cristão — sabemos que ele é "espiritual"
quando se "conforma". Felizmente, Jesus podia ver muito mais profundo.
Os cristãos de nossos tempos deveriam ter trabalhado com os discípulos.
Aquela dúzia dourada era muito flexível.
Pedro entrelaçava-se estreitamente no Cristianismo. Ele havia
experimentado quase todas as suas partes. Seus melhores amigos e sócios de
pescaria, Tiago e João, foram os primeiros seguidores de Cristo. André, irmão
de Simão, foi um dos primeiros crentes.
Dentre todas as multidões e dentre os discípulos, Cristo tinha três amigos
particulares. Suas necessidades de ter uns poucos amigos verdadeiramente
íntimos eram muito parecidas com as nossas. O trio íntimo constituía-se de
Pedro, Tiago e João.
Se a vida de Cristo teve profundo efeito sobre o pescador Pedro, a
ressurreição foi explosiva. Já não era o vacilante e volúvel seguidor; a
determinação de Pedro, após a ressurreição de Cristo, tornou-se inabalável. Ele
era claramente um homem transformado quando Cristo ascendeu ao céu.
Pedro fez sugestões, pregou sermões e enfrentou face a face as autoridades
oponentes.
Após a ressurreição, a primeira grande decisão que os cristãos tiveram
de enfrentar como grupo foi a substituição de Judas. Simão tomou a dianteira
e sugeriu que os 120 escolhessem o décimo-segundo discípulo. Rápida e
eficientemente, Matias foi escolhido e os cristãos estavam em atividade outra
vez (Atos 1:15 e ss.). Jesus chamou a Pedro "a Rocha" porque ele sabia de que
material o pescador era feito.
O potencial de Pedro começou a manifestar-se de modo gráfico no
Pentecoste. Cinquenta dias haviam decorrido desde a crucificação de Cristo e
agora o Espírito começava a atuar com força especial (Atos 2). Os judeus se
haviam ajuntado de todos os cantos da terra para comemorar a festa do
Pentecoste. A ocasião era ideal para explicar as boas-novas de Jesus Cristo.
Nesta reunião, Pedro foi o principal orador e defensor da fé. Os cristãos
não estavam embriagados como alguns chegaram a pensar. Eles estavam
cheios a: poder do Espírito Santo. Pedro explicou aos cépticos de onde tinha
vindo aquele poder. Antes de concluir, Simão descreveu o fantástico milagre
que Deus havia operado enviando Jesus Cristo à terra. Agora, mediante a
crença no Messias, era possível libertar-se da culpa do pecado. Jesus era o
ungido de Deus.
A reação foi enorme. Três mil se apresentaram imediatamente para
serem batizados. O perdão de Jesus Cristo era a melhor notícia que já tinham
ouvido. O batismo era a resposta apropriada para os que creram.
Sem hesitação, os apóstolos e seus colegas cristãos começaram um
programa de treinamento — um curso de discipulado (Atos 2:42-47). A
comunhão entre eles era forte e eram generosos em repartir o que possuíam.
Ainda não estavam derramando dinheiro para a construção de edifícios e
execução de programas. A primeira preocupação que tinham era prover para
todos, de sorte que ninguém passasse necessidades. Muitos abriram mão de
tudo quanto tinham. Outros coletaram suprimentos para enviar às regiões
batidas pela fome. O padrão se estabelecera com os primeiros milhares de
convertidos (Atos 4:32-37), e em alguns lugares a prática ainda continua,
embora haja milhões de crentes.
Ninguém duvidava de que os cristãos de pós- -ressurreição eram tão
fervorosos como quando Cristo andou entre eles. Quando Pedro e João
curaram o coxo junto à Porta Formosa (Atos 3:2), todos souberam que o
Cristianismo estava vivo e ia bem. Pedro aproveitou a oportunidade para
pregar o evangelho.
Os sacerdotes e os saduceus ficaram imediatamente contrariados. Eles
fizeram tudo para eliminar esta ameaça cristã, e contavam com a crucificação
para pôr um paradeiro nessa tolice de Messias. Mas agora ela estava furiosa
como um incêndio florestal.
Pedro e João foram presos e conduzidos perante o Sinédrio. Pedro era
um pescador diferente daquele que eles haviam conhecido pouco tempo antes,
na prisão de Jesus (Mateus 26:29 e ss.). Desta vez, nada de indecisão ou
covardia. Ele se levantou intrépido perante seus velhos inimigos, os sumos
sacerdotes Anás e Caifás. Mas desta vez ele lhes dizia que Jesus Cristo, a quem
os sacerdotes haviam executado, estava vivo. Deus o ressuscitara dos mortos
(Atos 4:5-12).
Poucas coisas há tão poderosas na propagação do evangelho como vidas
transformadas. Uma adolescente narrava as lutas que ela enfrentava com sua
fé em Jesus Cristo. Às vezes sua fé era forte e vital. Outras vezes era como uma
carroça com um eixo quebrado. Mas havia uma coisa de que ela estava segura
— seus pais eram pessoas completamente novas. Desde que Cristo os
encontrara, eles foram quase totalmente transformados. Este fato vivo sempre
ajudava quando ela se sentia abatida.
Os julgadores de Pedro maravilhavam-se em face do que viam e ouviam.
Finalmente o concílio resolveu soltar os dois; contudo, estipularam que já não
podiam ensinar no nome de Jesus. Os sacerdotes subestimaram o pescador. Ele
já não era o homem que tinha sido intimidado por uma criada (Mateus 26:69).
Pedro não tinha a mínima intenção de desistir do ensino, e deixou clara a sua
posição.
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O Sinédrio fez novas ameaças a Pedro e João, mas estes cristãos não se
deixavam intimidar. Haviam acertado suas contas com Deus e não iam ser
demovidos de sua fé.
O concílio agora se sentia um tanto receoso das crescentes multidões.
Elas eram um grupo em expansão, que no momento excedia a casa dos 5.000
(Atos 4:4). O dia de lidar com uma dúzia de tipos variegados ou com 120
desorganizados já passara. Agora era bom que o Sinédrio tomasse cuidado
com o que fazia.
Pedro voltou diretamente ao trabalho de pregação. Os ventos eram fortes
e eles tinham a intenção de manter as velas enfunadas.
A jovem igreja estava cheia de entusiasmo e disposta ao sacrifício, mas
ao mesmo tempo havia problemas internos. Um dos primeiros, e de gravidade,
envolvia dinheiro, e Pedro lançou-se direto no meio do problema. Conforme
sabemos, muitos vendiam espontaneamente seus bens pessoais e davam o -
produto da venda aos apóstolos, embora não fossem, de modo algum,
obrigados a fazê-lo.
Ananias e Safira eram um casal cristão que concordou em vender seus
bens e doar o produto da venda aos apóstolos para o fundo de socorro.
Estavam ansiosos por agradar seus novos amigos, mas infelizmente o casal
permitiu que sua avidez lhes eliminasse o bom senso. Talvez tivessem boas
intenções. Desejavam desesperadamente ser aceitos. Fazendo- -lhes justiça,
podemos dizer que talvez desejassem também dar parte de seus bens para
ajudar os outros. Mas houve um ponto onde os motivos se misturaram, e eles
resolveram mentir.
O casal vendeu uma propriedade como muitos outros haviam feito, mas
se viram torturados entre guardar uma parte do dinheiro e dá-lo todo à igreja.
Como poderiam eles ser aceitos como cristãos de primeira linha e ainda
guardar parte do dinheiro? Essa a pergunta que se faziam. Havia somente um
modo. Não era preciso dar todo o dinheiro. Bastava aparentar que haviam
dado.
Isto parece desonesto e enganoso? Sem dúvida. Mas também é
incompreensível. Ananias e Safira seriam bons santos padroeiros para muitos
de nós. Todos temos feito coisas ridículas para impressionar uns aos outros.
Com demasiada frequência, depois que nos tornamos cristãos continuamos na
mesma vida de antes. Levamos nossas inseguranças para dentro da igreja.
Alguns de nós comparecemos a concertos cristãos que não poderíamos
nem mesmo começar a apreciar. Outros dão testemunho porque Maria e
Joaquim o fazem. Outros ainda concordam com doutrinas peculiares nas quais
realmente não creem. Todos se curvam à pressão para impressionar uns aos
outros. Quanto mais mudamos, tanto mais somos os mesmos.
De algum modo, Pedro soube de imediato o que havia acontecido. Em
sua mente não podia haver concessões aqui. Não se poderia permitir que a
igreja começasse baseada em premissas enganosas como esta.
Pedro confrontou a Ananias e certificou-se de que todos entendessem a
situação. Ninguém tinha de dar sua propriedade (Atos 5:4) — competia a eles
guardar ou dar. Mas não tinham o direito de enganar. Procuravam mentir a
seus companheiros. Em realidade, haviam mentido a Deus.
Ao ouvir esta severa condenação, Ananias caiu morto, imediatamente. A
morte foi ocasionada por causas naturais ou sobrenaturais? Nenhum de nós
pode dizê-lo com certeza. Os jovens que estavam ali presentes tomaram o
corpo e o sepultaram sem demora.
Possivelmente a cena toda pareça cruel e destituída de amor, mas para
Pedro a questão era crucial. Ele não podia permitir que a igreja emergente
crescesse em corrupção. Se o permitisse, ela estaria em pé de igualdade com as
religiões pagãs locais.
Se a atitude de Pedro tivesse persistido no decorrer dos séculos, a igreja
teria estado em melhores condições, Alguns tratamentos dispensados a negó-
cios cristãos têm sido mais do que obscuros. Mais de uma carta tem
representado mal as condições financeiras de organizações cristãs.
Uma revista cristã publicou um apelo especial feito por uma organização
missionária. O edifício da sede fora destruído num incêndio e estavam levan-
tando uma grande soma para construir novo prédio. Disse o repórter que a
carta deixou de mencionar que o edifício estava totalmente coberto por seguro.
Talvez alguns de nós estejamos mais preocupados com a imagem do que
com a honestidade. Felizmente, em sua maioria os indivíduos e as
organizações são cuidadosos ao extremo; contudo, há prática artificiosa
suficiente para preocupar-nos a todos.
Quando lemos o livro de Atos, dois problemas se repetem na igreja
primitiva. Um deles é a igualdade; há muito debate sobre a admissão dos
gentios. O segundo é o dinheiro (o fundo de assistência às viúvas, Simão o
mago, alívio da fome). Esses problemas eram as arestas duras que estavam
sendo batidas na bigorna da imaturidade.
A igreja moderna pode encontrar boas diretrizes acompanhando o
progresso que a igreja fez. Em alguns lugares, ambos esses problemas são
tratados de forma excelente. Outros grupos têm problemas ainda piores nessas
áreas do que os teve a igreja do primeiro século.
Pedro não podia aceitar ligeiramente o problema do engano, mas seria
difícil considerarmos o apóstolo culpado na morte de Ananias. Três horas
depois o pescador interrogou a Safira com igual firmeza. Ela repetiu a mentira
anterior. Pedro lhe disse sem rodeios o que havia acontecido a seu esposo.
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Quando Safira soube da morte do marido, ela teve um colapso e caiu aos
pés de Pedro. Dentro de um segundo ela também estava morta. Os mesmos
homens que haviam sepultado seu esposo levaram-na também (Atos 5:10).
Surge uma pergunta quanto ao verdadeiro cristianismo de Ananias e
Safira. É uma pergunta justa, mesmo que seja impossível dar-lhe resposta. O
que eles fizeram não era evidentemente cristão. Pedro foi dramático neste
ponto. Contudo, o comportamento não pode ser o critério absoluto para se
julgar uma crença. Tenho feito muitas coisas que eu não consideraria cristão.
Perdoem-me, mas tenho suspeita de que vocês também o têm feito.
Pode um não-crente mentir ao Espírito Santo? Não há evidência
suficiente aqui para provar que não eram cristãos. Apenas o bastante para
demonstrar enorme imaturidade. Somos membros de um grande clube.
A verdadeira mensagem do relato se encontra em Atos 5:11. Um
tremendo temor espalhou-se por toda a igreja. A mensagem fundamental do
evangelho é paz e livramento do medo; no entanto, há medo saudável. A
ausência total de medo seria um perigo. "Quanto aos que vivem no pecado,
repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam" (1
Timóteo 5:20).
Pedro continuou com um espantoso ministério. Ele não teve um
assistente de relações públicas ou um secretário de imprensa — ele não
necessitava de nenhum. As notícias do poder de Cristo espalhavam- -se
naturalmente. As pessoas eram, literalmente falando, transportadas por
quilômetros apenas para que pudessem aproximar-se do apóstolo. Este
ministério de cura servia como prova irrefutável da miraculosa energia do
evangelho.
Os sumos sacerdotes ficaram tão irritados com a publicidade, que
mandaram prender de novo o apóstolo. Foram indelicados o bastante para
lembrar a Pedro que eles lhe haviam proibido pregar a Cristo. Pedro, por sua
vez, lembrou-lhes que ele tinha a obrigação primária de obedecer a Deus (5:29).
Quando o concílio ouviu sua resposta agressiva, resolveram que Pedro
necessitava de uma cirurgia de emergência que lhe tirasse a vida.
Gamaliel, doutor da lei e fariseu, interveio e salvou a pátria (Atos 5:34).
O respeitado sábio tinha peso em suas considerações. Ele era lembrado com
grande reverência entre os judeus. O Mishna alega que Israel não conheceu
outro rabino como ele. Um de seus mais famosos alunos foi outro fariseu por
nome Saulo de Tarso (Atos 22:3).
Gamaliel persuadiu o Sinédrio a afastar-se dos cristãos. Numa forma de
transigência, eles batiam nos cristãos e os soltavam. É quase com indiferença
que lemos de surras aplicadas aos discípulos. Não me sinto mal quando leio a
esse respeito em meu confortável escritório. Pouco se ganha em deter-se na
dor; inclusive os apóstolos não se preocupavam com isso. Eles saíam
"regozijando-se" (Atos 5:41). Não obstante, era uma experiência violenta.
Muitas vezes eles tinham as costas dilaceradas e a cura era lenta.
Essas surras eram frequentes na igreja primitiva (Atos 16:22; 16:37; 18:17;
21:32; 22:19). Em alguns países, ainda hoje podem ser frequentes.
Os apóstolos quase correram de volta ao templo. Começaram a pregar
de novo o evangelho que estavam proibidos de anunciar. O ministério de
Pedro continuou como dantes, sem diminuição.
Um dos mais famosos milagres de Pedro foi a ressurreição de Dorcas
(Atos 9:36). Nenhum convertido apresentou mais repercussões para Pedro do
que Cornélio (Atos 10, 11). Pedro não tinha certeza de que Deus queria salvar
os gentios, por isso a conversão do centurião gentio foi um marco no
crescimento espiritual de Pedro. Ela provou que inclusive as Rochas podiam
mudar.
Não somente Pedro batizou Cornélio, mas viajou para Jerusalém a fim
de defender seus atos. O discurso de Pedro perante o concílio foi monumental
para criar uma atitude aberta com relação aos convertidos gentios (Atos 15).
Às vezes retratamos Pedro como um cacarejo pobremente coordenado.
Saímos perdendo com isso. Os que conheceram o homem amavam-no grande-
mente. Ele necessitava desta afeição pessoal, uma vez que a oposição o tratava
com franca hostilidade. Numa de suas frequentes idas para a prisão, seus
amigos em Jerusalém oraram incansavelmente pelo livramento do homem
(Atos 12:5 e ss.), e Deus o livrou de modo miraculoso.
Neste incidente da prisão, Pedro dormia tão profundamente que a luz
brilhante do anjo nem chegou a despertá-lo. O anjo teve de cutucá-lo. Pedro
dormia em paz, muito embora Herodes pudesse tê-lo executado.
O pescador permaneceu vigoroso a vida toda e proporcionou excelente
liderança. Escreveu duas epístolas instrutivas. Na segunda ele demonstrou
uma crença apaixonada na volta de Cristo.
Pedro, longe de ser um cristão inconstante, sofreu grandes tormentos de
consciência. No decorrer da vida ele meditou continuamente no problema dos
convertidos gentios. Perante o concílio de Jerusalém (Atos 15) o apóstolo
defendeu o pleno direito deles. Mas outras vezes ele tinha pensamentos
diferentes que o faziam sofrer.
As faces sorridentes dos cristãos gentios faziam-no disposto a aceitá-los.
Por certo a visão que ele recebeu de Deus o impulsionava (Atos 10). Não
obstante, seus fortes escrúpulos continuavam a remorder.
Em algum ponto ao longo do ministério de Pedro, ele e Paulo
desavieram-se por causa do problema. O pescador havia regressado e agora
rejeitava a aceitação plena dos gentios. Paulo diz-nos que lhe resistiu face a face
em virtude do problema (Gálatas 2:11-14).
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Com que frequência esperamos demasiado de nossos dirigentes!


Esquecemo-nos de suas emoções e dificuldades. Pedro era de carne e osso. Às
vezes havia vacilações. Ele era um bocado parecido conosco.
Pedro viajou muito e com frequência levava a esposa em suas viagens (1
Coríntios 9:5). Diz a tradição que ele morreu como mártir pela fé.

Algo sobre o que pensar


1. São os cristãos "facciosos" na escolha que fazem de personalidades?
Esquivamo-nos de pessoas que não sejam como nós?
2. Será que a igreja sofreria por estimular mais a individualidade? Há
pressão demais para que nos conformemos? Não há pressão suficiente?
Explique.
3. Qual foi a atitude dos primeiros cristãos relativa às possessões?
Repartimos nossos bens com outras pessoas? Deveríamos fazê-lo?
4. Observa você alguma fraude no manejo das finanças entre os
cristãos? Em caso afirmativo, que se poderia fazer para corrigir a situação?
5. Por que a Bíblia menciona com tanta frequência o problema do
dinheiro?
6. Qual é o melhor modo de fazer publicidade de sua igreja ou grupo?
Como procedeu Pedro?
7. Estão os cristãos prontos para mudar de idéia quando estão
errados? Qual é sua experiência nesse campo?
CAPÍTULO 6

FILIPE

Homem financeiramente responsável

Poderia a jovem igreja de Cristo sobreviver à corrupção financeira? Os


primitivos cristãos não enfrentaram nenhuma questão mais grave do que esta.
É exatamente o mesmo quebra-cabeça com que muitas vezes a igreja se
defronta hoje. Em que medida o dinheiro tem prejudicado o testemunho que
damos de Jesus Cristo? Filipe, o evangelista, incursiona rapidamente por este
problema e ajuda a estabelecer alguns princípios orientadores.
Sempre que se lida com dinheiro existe a perspectiva de corrupção. No
primeiro século, o tinir da prata muitas vezes virava a cabeça dos dirigentes
religiosos. O mundo romano viu o suborno das autoridades religiosas como
coisa normal, como prática aceitável. O Judaísmo, com seus altos padrões e sua
elevada reputação, não estava imaculado (1 Samuel 8:3). O próprio
Cristianismo enfrentou graves escândalos durante sua existência embrionária.
Lembramo-nos de Ananias e Safira aos quais nos referimos no capítulo
anterior. Uma vez que a igreja se constituiria de seres humanos, o problema
financeiro seria certo.
Filipe era um cristão capaz, cheio do Espírito, que gozava de boa
reputação na comunidade. Este consagrado crente de origem helenista foi
indicado para o cargo de diácono na mesma ocasião em que o foram Estêvão e
os demais que completaram os sete. (Não se deve confundir este Filipe com o
apóstolo dos relatos dos evangelhos.)
Quando Estêvão foi apedrejado e morto, a perseguição contra a igreja
adquiriu violência. A pressão era tão intensa que os cristãos se viram forçados
a fugir de Jerusalém.
Saulo encabeçava a caça aos cristãos. Seria difícil exagerar o papel que
ele desempenhava. Ele realizava o que o Sinédrio não conseguia com todo o
seu poder. Saulo caçava os crentes para a segurança de Jerusalém.
O arquiperseguidor era insuperável em arrastar homens e mulheres de
seus lares, aprisionando-os e em alguns casos matando-os. Saulo fazia este
trabalho como uma águia que persegue um roedor.
Os cristãos viviam atemorizados. Como consequência, milhares deles
espalharam-se pelas províncias da Judéia e de Samaria. Com isso, em vez de
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apenas uma cidade receber as boas-novas, agora ela se divulgaria numa área
de quase duzentos quilômetros quadrados.
A despeito de nossos planos elaborados para espalhar o evangelho,
grande parte do trabalho se faz por meio de migrações. Uma nação captura
prisioneiros de outro país. Esses novos escravos levam o Cristianismo consigo.
As pessoas são expulsas de sua terra (como os menonitas) e levam consigo a
história de Jesus Cristo. Os exércitos entram em outros países e seus soldados
e capelães falam sobre o Messias. É difícil saber quais os acontecimentos
causados por Deus e quais os que ele meramente usou. Bem, talvez não haja
tanta importância em sabê-lo. O ponto importante é como utilizar tais situações
com real proveito.
Uma vez que os cristãos começaram a mudar-se de Jerusalém, a vida foi-
lhes mais fácil. Por fim, invadiram também os estados gregos (Atos 11:19).
Filipe logo se viu localizado numa cidade da Samaria. Esta era uma
região ideal para pregar o evangelho. A população constituía-se de mestiços
desprezados pelos judeus. Aqueles, por sua vez, não perdiam o sono por causa
de seus vizinhos do sul. Ao pregar ali, Filipe mostrou a ampla compaixão do
evangelho.
Que acontecimento espetacular! Algumas atividades ministeriais são
silenciosas e sutis. Outras são exatamente como a comemoração de uma grande
data nacional. A visita de Filipe foi uma festa de rojões e estrelinhas! A cidade
estava cheia de possessos do demônio. Lucas, o escritor, é específico quanto à
existência deles, mas francamente pouco sabemos a respeito. Que tipo de
pessoa estava sujeita à possessão? Era uma situação total ou algo que vinha e
desaparecia? Será que alguns casos não eram epilepsia mal diagnosticada?
Provavelmente era tudo isso aí.
Havia um grande número de pessoas sujeitas a fenômenos estranhos,
alguns deles de origem satânica. Alguns eram de ordem nacional; a maioria
era incompreensível. Hoje em dia há muitas comparações interessantes com
aquela situação. As pessoas fazem coisas estranhas, coisas difíceis de
identificar.
Uma coisa sabemos: Filipe causou um forte impacto sobre a comunidade.
Muitos que anteriormente estavam possuídos de espíritos "imundos" (Atos
8:7), tiveram esses espíritos expelidos. Pessoas que haviam falado com vozes
incontroláveis, já não tinham tais vozes. OS que outrora se atiravam ao fogo
agora eram pessoas estáveis. O milagre não era insignificante. Pessoas antes
aleijadas agora dançavam pelas ruas. Outros que tinham corpos retorcidos e
doloridos, estavam eretos como pinheiros.
Vivo numa pequena cidade que talvez seja um pouco maior do que
aquela que Filipe visitou (somos cerca de 4.000 habitantes). Que aconteceria se
alguém viesse à nossa cidade e curasse a todos? Meu amigo se veria livre de
sua bengala; a senhora de cabelos brancos deixaria de manquejar. A criança
surda poderia jogar fora seu aparelho de ouvido. Tento imaginar o impacto
sobre nossa comunidade. A pessoa que realizasse esses milagres teria atrás de
si um cortejo em um minuto. Pois bem, é fácil ver por que houve grande
"alegria" naquela cidade (Atos 8:8).
Filipe teve uma carinhosa recepção. As pessoas abriam os braços para
receber este homem extraordinário. Também ouviam atentamente ao que ele
dizia. Suas palavras faziam sentido. Filipe encontrara solo fértil e estava
colhendo ricas recompensas para Jesus Cristo.
A despeito de toda esta evidente prosperidade espiritual, uma pessoa
compreendeu o evangelho apenas pela metade. Simão era um homem que
valia a pena conhecer. Ele teria sido um personagem fascinante em quaisquer
circunstâncias, mas adicionou uma dimensão estranha, ímpar, à vida de Filipe.
O povo desta cidade samaritana tinha grande respeito por Simão.
Consideravam-no um homem bom, que tinha o poder de Deus. Era um
feiticeiro, senhor de uma considerável capacidade. O feiticeiro mantinha uma
posição singular em qualquer cidade do primeiro século. Provavelmente
poderíamos compará-lo mais proximamente a um mágico. Não o cavaleiro de
chapéu preto, com uma vassoura, que estamos acostumados a imaginar, mas
as habilidades de um feiticeiro corriam ao longo das mesmas linhas.
Não sabemos ao certo que tipo de maravilhas ele realizava, mas eram
evidentemente impressionantes. Possivelmente ele podia conjurar vozes e sons
e realizar curas de alguma natureza. Fosse qual fosse o processo empregado,
ele havia ganho considerável respeito, e a cidade prestava-lhe homenagem.
Os cristãos eram menos receptivos a esses curandeiros. Eles são
chamados de enganadores, imorais; e são colocados na mesma categoria dos
mentirosos e dos assassinos (Gálatas 5:19-21; 2 Timóteo 3:8}.
A pregação de Filipe não foi eficaz somente com as massas; ela atingiu
Simão o mago. Outros concordavam em ser batizados em nome de Jesus Cristo;
acreditavam ser ele o Messias que perdoava os pecados. A fila de convertidos
encompridou-se. Simão foi movido pelo que viu e ouviu. Também achou fácil
crer e pediu o batismo. Quando o escritor descreve a fé que Simão revelou, não
o faz com reservas, não há notas de advertência ao pé da página, porém mais
adiante há motivo para duvidar de sua sinceridade. Contudo, a esta altura, sua
fé parece ser aceita pelo que revela.
Ainda que tardiamente, algumas lições há dignas de ponderação com
respeito a milagres. No Novo Testamento eles são usados como apologética
válida. Não somente Jesus e seus discípulos fizeram uso deles, mas o Antigo
Testamento está literalmente cheio deles. Não podemos negar, porém, que
Jesus Cristo tinha verdadeiro medo de milagres como meio de conversão.
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Muitos dos milagres que Jesus operou ele os fez por compaixão e não
visando à conversão. Ele se comovia. A dor, o desfiguramento e a morte
definitivamente o preocupavam. Jesus alimentou multidões porque estavam
famintas.
Ele considerava os milagres uma boa introdução ao evangelho, mas
estava atento a eles. Numa ocasião, pelo menos, muitas pessoas desejaram crer
nele por causa de seus milagres, e ele retirou-se (João 2:23 e ss.). Quando os
fariseus forçaram Cristo a produzir um sinal, ele revoltou-se. Jesus declarou
que uma geração má e adúltera pede um sinal (Mateus 12:39).
Filipe pregou a Jesus Cristo e seu reino (Atos 8:12), de maneira que
nenhuma falta de sinceridade da parte de Simão pode ser lançada sobre o que
ele ouviu. Ele pode ter-se pasmado tanto pelos milagres que ouviu pouca coisa
da mensagem. Ou, é possível que tenha crido no poder de Cristo. Ele poderia
ter aceito o Messias somente nesta base — fé sem rendição.
Encontramo-nos na espinhosa posição de julgar a fé alheia. Que é que
uma pessoa crê? Com que profundidade? Com que sinceridade? Geralmente
terminamos em posição incômoda e deficiente na tentativa de medir os outros.
Como de costume, teremos de contentar-nos em deixar o julgamento para
Deus.
Pedro e João haviam permanecido em Jerusalém nos dias da mais forte
perseguição.'Não sabemos como era a vida; mas estamos certos de que os
riscos pessoais eram altos. Ao receberem notícias das conversões em Samaria,
fizeram planos para a viagem ao norte. Chegados a Samaria, impuseram as
mãos sobre os novos convertidos e cada um deles recebeu o Espírito Santo.
Francamente, não estamos seguros da forma como o Espírito se
manifestou. Os que receberam o Espírito falaram em línguas como aconteceu
no dia de Pentecoste? É muito provável que sim. Houve outros indícios?
Também é possível. Podemos estar razoavelmente seguros de que a prova era
muitíssimo visível. Simão viu algo poderoso e desejou possuí-lo. Sua mente
correu veloz e, naturalmente, para sua antiga forma de vida. Havia um modo
lógico e prático de receber este dom. Simão o compraria.
Recebeu Simão a próva do Espírito Santo? É possível que tenha recebido
o poder, e então se ofereceu para comprar a franquia de sorte que ele, por sua
vez, pudesse revendê-la a outros? Praticamente falando, qualquer coisa é
possível. O autor não diz que Simão estava excluído de receber o Espírito. Ele
nunca se refere a Simão como a um não- -crente.
Quando Simão se ofereceu para comprar o poder, ele preparou para si
mesmo um lugar na história. Daí para a frente, sempre que um clérigo tentasse
comprar um posto mais elevado, sua tentativa era chamada de "simonia".
Houve tempo em que esta era uma prática mais ou menos frequente. Se um
indivíduo desejasse tornar-se bispo, podia oferecer- -se para comprar o cargo.
Quase sempre o conseguia.
Mas Pedro respondeu à oferta com uma língua contundente. A sugestão
deixou-o furioso. Disse a Simão que esperava que seu dinheiro perecesse com
ele. Pedro insistiu em que o mago não estava realmente convertido e deveria
arrepender-se de imediato (Atos 8:22).
Para o apóstolo, Simão mago estava em "fel de amargura" (Atos 8:23) e
em laço de iniquidade. O julgamento de Pedro foi rápido e incisivo. Não
poderia haver lugar para o plano de Simão. Não se poderia permitir a ninguém
nem mesmo imaginar que tal coisa seria ou poderia ser tolerada.
Simão ficou boquiaberto com a resposta. Afinal de contas, era apenas
uma simples transação. Em nada diferia de qualquer oferta que ele tivesse feito
a qualquer outro espírita ou mágico.
O problema aqui envolvido é mais importante do que a pessoa de Simão.
É difícil imaginar o mago, mas o princípio não. Simão pode ter sido um cristão
novo e meramente recorreu ao que melhor lhe pareceu. Talvez ele não
percebesse o total campo de ação da moralidade cristã. Por certo muitos
cristãos ainda usam seu antigo conjunto de ética. Alguns não acham que sua fé
cristã tenha alguma coisa que ver com as escolhas pessoais.
Mas o princípio prevalece: Deus não está impressionado com dinheiro.
Se investigarmos os ensinos de Cristo sobre o assunto, descobriremos que ele
tem um quase desprezo pelas riquezas. Ele nunca consideraria a concessão de
favores ou de prestígio aos financeiramente capazes.
É óbvio que o problema de conceder favores aos ricos infestou a igreja
primitiva. Tiago falou vigorosamente contra isto (Tiago 2:1-4).
Filipe desempenhou um importante papel neste momento histórico. Ele
apresentou o evangelho a Simão. Encontramos o expedito evangelista envolvi-
do também em fazer que a igreja andasse direito desde o primeiro dia.
Havia chegado o momento de espalhar o evangelho por toda a Samaria.
Em sua viagem de volta a Jerusalém, Pedro, João e Filipe detiveram-se em
diversos lugares a fim de anunciar as boas-novas. Quando Filipe chegou a
Jerusalém, recebeu uma visita definida do Anjo do Senhor (Atos 8:26). Ele
queria que Filipe deixasse a cidade grande e fosse para o deserto de Gaza.
Uma famosa estrada corria ao sudoeste de Jerusalém na direção do Egito.
Essa estrada atravessava as planícies da Filístia e seguia nas proximidades do
Mar Mediterrâneo. Nos tempos modernos, o território entre Gaza e Egito é
conhecido pelo nome de Faixa de Gaza. É uma rota importante para quem vai
a Israel, ao Egito e a outras nações.
Filipe não parece questionar a estratégia de deixar a cidade cheia de
gente e dirigir-se para uma de pequena população. Afinal de contas, os planos
de Deus sempre têm sido benéficos, embora amiúde surpreendentes. Esta não
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parecia ser a ocasião oportuna para começar a questioná-los. Além do mais,


Jerusalém ainda podia ter sido um lugar incômodo para um diácono cristão
residir.
A caminho de Gaza, Filipe encontrou um eunuco etíope sentado em sua
carruagem. Este servo de Candace, rainha dos etíopes, é um dos mais interes-
santes personagens da Bíblia. Estritamente falando, ele não pertencia à região
que atualmente denominamos Etiópia. Provavelmente se faz referência à
Núbia, mais ao norte, correndo do Nilo ao sul de Assuã para Cartum.
O etíope ocupava um cargo importante no palácio. Era o tesoureiro da
rainha. Candace não era o nome da rainha, mas de sua dinastia, de modo que
haveria diversas rainhas com este nome durante gerações.
Quando pensamos em seu carro, erramos ao retratar uma carruagem
aberta como as utilizadas no Ocidente. Com toda a probabilidade tratava-se de
um carro elegantemente coberto, representando todo o esplendor do prestígio.
Os eunucos, quer estivessem a serviço de uma rainha ou encarregados do
harém de um rei, geralmente eram castrados, de modo que não constituíssem
ameaça às mulheres. Contudo, outras vezes "eunuco" era o título de um cargo.
Neste caso, os homens ocupavam a posição mas não sofriam mudança
fisicamente.
Este homem era um gentio temente a Deus. Tornou-se crente no Deus de
Israel, porém não era judeu no sentido oficial. É possível que seu "status" como
eunuco o impedisse de ser aceito como judeu. Os judeus tinham normas
estritas contra receber eunucos como parte de sua congregação (Deuteronômio
23:1). Todavia, estava predito o tempo quando tais restrições seriam suspensas
(Isaías 56:3 e ss.).
O eunuco, cujo nome desconhecemos, lia o livro de Isaías enquanto
viajava. Talvez parte de seu encanto fosse o capítulo 56. Quando Filipe o alcan-
çou, seu espanto se fixava em Isaías, capítulo 53.
Filipe correu em direção a ele. O evangelista tinha um senso de missão e
de entusiasmo. É interessante observar como corremos para algumas situações
e nos desviamos de outras. Nosso entusiasmo revela- -nos algo acerca de nossa
compaixão.
Filipe olhou para o rolo e perguntou ao eunuco se entendia o que estava
lendo. O etíope estava completamente perplexo. A passagem falava de alguém
que seria morto. Não obstante, esta pessoa permaneceria humilde e não diria
uma palavra sequer (Isaías 53:7).
Este era o momento propício para Filipe. A partir desta passagem do
Antigo Testamento o diácono falou ao eunuco acerca de Jesus Cristo.
Não estamos inteirados de tudo quanto conversaram. Talvez Filipe haja
feito um esboço de tudo o que havia acontecido desde a crucificação. Pode ser
que ele tenha descrito a ressurreição, o Pentecoste, e até mesmo a perseguição.
De qualquer maneira, ele ergueu a Cristo e deixou que o etíope o visse
claramente. Nesse ínterim, ele deve ter mencionado os milhares que receberam
avidamente o batismo em nome do Messias.
Viajavam no carro enquanto conversavam. A verdade raiou com brilho
na mente do viajante. Jesus era o Messias prometido. Sua crucificação não
diminuía em nada esse fato. O que o eunuco lia em Isaías confirmava-o ainda
mais.
Os dois passaram por um rio. Alguns dizem tratar-se do Wadi-el-Hesi,
ao nordeste de Gaza. É só conjetura. Ao ver a água, o entusiasmo do etíope
explodiu de alegria. "Que impede que eu seja batizado agora mesmo?"
perguntou ele. Ele creu, e evidentemente contou a Filipe como se sentia.
Não encontramos no Novo Testamento discussão a favor do batismo em
água nem contra. É uma conclusão previamente aceita. Você crê? Então
demonstre-o mediante o batismo. Este era o modo normal e aceito de
identificar-se com Jesus Cristo e com a nova vida.
Filipe estava tão entusiasmado quanto o crente. "Pare o carro. Façamos
isso."
Como pode um discípulo cristão receber um eunuco na qualidade de
pleno irmão em Cristo? Filipe simplesmente continuou esta magnífica prática
de aceitação. Homens, mulheres, judeus, gentios, estrangeiros, todos podem
vir a Cristo como estão. O eunuco não sofre restrições. Ele não traz um selo
especial que o faz um irmão condicional ou de segunda classe. As portas estão
escancaradas.
É um insulto ao nome de Cristo onde quer que deixe de existir hoje esta
política de porta aberta. Algumas igrejas ainda rejeitam pessoas por motivos
de raça ou de antecedentes. É um sistema estranho que teria causado
estranheza a Filipe.
O evangelista deixou o eunuco imediatamente após o batismo. O Espírito
o arrebatou, porém não sabemos como o fez. Foi voando pelo ar? Tomou o
próximo carro que se dirigia para o norte? Talvez se sentira compelido a partir
e meramente se foi embora.
De qualquer modo, seu trabalho estava concluído. Ele tinha viajado cerca
de oitenta quilômetros simplesmente para falar a um homem. Enquanto se
retirava, com certeza ia assobiando uma melodia alegre. A seguir Filipe
encontra-se cerca de trinta quilômetros ao norte, em Azoto, a velha cidade de
Asdode. Ali ele anunciou o evangelho como fazia praticamente em todas as
cidades que visitava. Nesta viagem ele pregou em todo o caminho de volta
para Cesaréia.
O diácono pode ter-se acomodado em Cesaréia. Por fim ele constituiu
família ali. A última vez que o encontramos nas Escrituras, ele é o orgulhoso
pai de quatro filhas. Eram todas evangelistas. Anunciavam o mesmo
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evangelho de Cristo que seu pai passou a vida divulgando (Atos 21:8). Paulo,
em visita àquela região, fez uma parada em sua viagem para ver o veterano
guerreiro.
Filipe era o resumo de um excelente espírito cristão. Sem pretender
ganhar fama para si próprio, ele abriu novos campos em nome do Salvador
ressurreto.

Algo sobre o que pensar


1. O dinheiro recebe excessiva ênfase em seus grupos cristãos? Você
se vê bombardeado por apelos de todos os lados? Estão alguns grupos
abusando da coleta de dinheiro? Explique.
2. Por que você se tornou cristão? Foi um milagre realizado antes de
sua decisão? Segundo sua opinião, qual é o meio mais eficaz para se anunciar
o evangelho?
3. Pessoalmente, que acha você dos milagres hoje em dia?
4. Acha você que Simão era cristão? Explique.
5. Os cristãos de nossos dias sofrem perseguição? A perseguição
ajuda ou prejudica a igreja?
6. Dever-se-ia divulgar o evangelho mais nas áreas urbanas ou nas
rurais? Isso faz alguma diferença?
7. Ainda discriminamos contra pessoas de outras raças e
antecedentes? Como podemos melhorar a situação?
CAPÍTULO 7

CORNÉLIO

Cavalheiro, preparou o caminho para você e para mim

Homem de inteira confiança, Cornélio era um oficial competente no


exército romano estacionado em Cesaréia. Ele tinha responsabilidade,
reconhecimento e mais dinheiro do que a média das pessoas. É correto dizer
que ele comandava respeito. Ele dispunha de considerável poder se resolvesse
usá-lo.
Cornélio estava longe do lar, mas estava acostumado a essa vida. Visto
como os exércitos romanos ocupavam diversas nações, os soldados mudavam-
se com frequência. Alguns oficiais eram cruéis e tacanhos; outros eram
bondosos e justos. Cornélio en- quadrava-se na segunda categoria.
Embora fosse generoso com o povo da região que ele ocupava, sua
filantropia não pode confundir-se com fraqueza. O amor que ele dedicava ao
imperador e ao império chegava ao ponto mais alto. Se fosse preciso
desembainhar a espada, Cornélio não hesitaria.
Ele parece ser um homem bem-acabado e seguro.
Não há sede de vingança mesquinha. Não há necessidade de exercer
violência simplesmente para flexionar os músculos.
Como centurião, Cornélio tinha 100 homens sob seu comando, e tinha
considerável peso sobre o soldado de infantaria e sobre a população local. Seis
desses grupos de 100 homens formavam uma coorte. A coorte que Cornélio
comandava era conhecida como italiana. Quando se reuniam dez coortes, elas
recebiam o nome de legião, com uma força de 6.000 homens.
Os centuriões são mencionados no Novo Testamento sem nenhuma
observação que os desmereça. O primeiro centurião mencionado vivia em
Cafarnaum. Era de espírito magnânimo. Homem atencioso, ele amava a nação
de Israel e fez grandes contribuições para a construção da sinagoga local.
Convém que não percamos o significado deste fato. Cafarnaum ficava na
Galiléia. Nesta região havia grande número de rebeldes e fanáticos.
Frequentemente atacavam os soldados romanos e viviam de contínuo lutando
por sua liberdade. Neste território tenso teria sido duplamente difícil relaxar
ou ser bondoso. Não obstante, este soldado profissional esforçava-se por
merecer o respeito. Os judeus que o conheciam não lhe poupavam elogios.
Recomendaram-no a Jesus com insistência.
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Jesus respondeu ao apelo curando o servo do centurião que se achava às


portas da morte. Este foi o primeiro gentio a entrar no ministério de Jesus
Cristo (Lucas 7:1-10).
Mais tarde foi um centurião que esteve junto à cruz e disse:
"Verdadeiramente este era Filho de Deus" (Mateus 27:54b).
Cornélio encaixava-se na mesma mistura que os outros nobres
centuriões. Ele possuía devoção a Deus e não ocultava esse fato. Os que faziam
parte de sua família comungavam de seu entusiasmo pelas coisas espirituais e
eternas.
Embora ele tivesse uma parcela saudável de energia humana, Cornélio
percebeu que a vida é mais do que dinheiro, poder, servos e prestígio. Essas
não eram qualidades que satisfizessem. Era necessário ter comunicação com o
Pai Celestial para ser completo.
Normalmente, o centurião vivia sob considerável tensão. Ele era o
sustentáculo do exército romano. Se ele não funcionasse direito, a coorte e a
legião eram inúteis. Na maioria dos casos ele fazia carreira militar. Membro da
classe comum, o centurião médio havia-se distinguido e era notado por sua
capacidade. Coragem era a mais proeminente qualidade. Se o país fosse
atacado, esperava-se que o centurião defendesse seu terreno ou morresse
lutando.
Os deveres específicos do centurião abrangiam três áreas. Ele era
responsável pela disciplina de sua tropa. É por isso que o centurião tinha um
ramo de videira como seu emblema. Quando necessário ele o usava em seus
homens. Em circunstâncias normais, ele não somente batia em seus soldados
mas podia executá-los.
A segunda responsabilidade era manter as tropas em forma. Elas tinham
de fazer exercícios regularmente. O centurião fazia inspeções regulares e tinha
jurisdição final sobre os suprimentos.
Sua mais importante função era exercida na própria batalha. Uma vez lá,
ele era totalmente responsável pelo desempenho de seus homens.
Foi na vida de um centurião amistoso que Deus resolveu agir
misteriosamente. Deus estava eliminando o abismo que havia entre judeus e
gentios. Ele queria demonstrar seu amor a ambos igualmente.
Cornélio recebeu uma visão durante as primeiras horas da tarde. Um
anjo de Deus assustou-o — soldado intimorato ou não. O centurião fixou os
olhos no visitante. Sabia que não se tratava de um sonho. Ele estava bem
acordado e gozava de boa saúde. Imediatamente Cornélio perguntou: "Que é
Senhor?" (Atos 10:4b).
Dois ingredientes são óbvios no homem: Ele é aberto, e está disposto. O
homem é um aventureiro criativo. Muitos de nós provavelmente ainda estaría-
mos tomando aspirina e esperando que a visão desaparecesse. Cornélio, para
sua total surpresa, espera que Deus faça coisas fora do comum. Desde o começo
ele aceita este fato como uma mensagem da parte de Deus.
Por certo Deus pode conceder visões hoje. Muitos de nós nunca teremos
uma visão, mas o princípio da comunicação tem de permanecer vital. Deus
pode falar-nos, tanto individual como coletivamente. Ele o tem feito de forma
regular através da história. Talvez ela venha como uma "orientação" silenciosa;
para outrem pode ser uma voz. Outra vezes é uma circunstância. Certamente
ela vem através das Escrituras. Se crermos que Deus não comunicará, prova-
velmente teremos todos os nossos portões fechados de qualquer maneira. Os
cristãos que crêem que ela pode acontecer têm maior probabilidade de sentir
uma orientação definida.
O anjo anunciou a intenção de Deus de recompensar o serviço
consagrado. Visto como as orações de Cornélio e suas esmolas visavam à honra
de Deus, elas tinham sido aceitas. Em resposta, Deus conferiria algo especial
ao seu servo.
As esmolas parecem tocar um sino especial para Deus. Embora muitos
de nós as tenhamos posto a cozinhar em fogo lento, a Bíblia trata-as com
enorme calor. O Antigo Testamento traça diretrizes definidas para a ajuda aos
pobres. A compaixão dos israelitas era bem conhecida e estava em nítido
contraste com as nações circunvizinhas.
Uma pessoa necessitada podia entrar em qualquer campo e comer o que
desejasse se estivesse com fome (Deuteronômio 23:24, 25). Era proibido aos
agricultores ceifar tudo quanto os campos produzissem — os cantos dos
campos não eram ceifados, para que os necessitados pudessem segar e recolher
alguma coisa (Levítico 23:22). Um israelita não podia cobrar juros sobre o
dinheiro emprestado a uma pessoa pobre (Levítico 25:35, 36).
Quando Jesus principiou seu ministério, ele continuou a mesma atitude
generosa. Disse aos fariseus que eles deviam esquecer-se da linguagem estrita
da lei. Eles estariam em muito melhores condições se pudessem conservar o
espírito da lei e ajudar os pobres (Lucas 11:41).
Jesus tinha pouca paciência com os teólogos de gabinete. Que mérito
havia em guardar todas as festividades se realmente não se importavam com
os pobres?
Depois de proferir a parábola do rico insensato, Jesus disse aos discípulos
que vendessem o que tinham e dessem esmolas (Lucas 12:16 e ss.).
Cornélio viu o ato de dar como algo que estava no coração do Deus
amoroso. Cornélio provou que ele tinha cuidado e Deus resolveu apor seu selo
de aprovação nesse gesto.
Deus desejava explicar o evangelho de Jesus Cristo a um soldado gentio.
Então, por que não o fazia ele mesmo? Por que o anjo do Senhor não anunciou
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as boas-novas a Cornélio? Em vez disso, o anjo explicou uma série de passos


que Cornélio poderia dar para descobrir a verdade.
Parece haver dois motivos por que Deus não lhe disse diretamente. Um
é que ele escolheu pessoas para levar a sua Palavra. Somos, basicamente, as
mãos, os pés e a voz de Deus neste mundo (Mateus 28:19). O segundo motivo
para proceder dessa maneira é conservar seus seguidores em unidade (João
17). Definitivamente, Deus não queria uma igreja judaica e uma igreja gentia.
Era importante que se tornassem uma desde o princípio.
As instruções dadas a Cornélio foram claras. Ele devia enviar
mensageiros a Jope (hoje está anexada a Tel-Aviv). Lá eles encontrariam Simão
Pedro. Simão estava hospedado na casa de Simão, o curtidor, localizada junto
à praia. As instruções pareceram suficientes, de modo que o anjo se retirou.
O centurião estava acostumado a receber e a dar ordens. Sem dizer uma
palavra, pôs o plano em ação. Cornélio convocou dois servos e um soldado. Os
três fariam a viagem de um dia em direção do sul e encontrariam o dinâmico
apóstolo.
O soldado que Cornélio escolheu para a viagem é descrito como um
homem devoto ou piedoso. Existe algo de contagioso com respeito a este tipo
de justiça. Ela não parece pretensiosa ou atravancada com pesos difíceis. A
consagração deste trio parecia sincera e mais tarde teve de prová-lo que o era
ainda mais.
Até aqui esta reunião histórica movia-se como um piquenique em dia de
verão. Tudo estava no lugar certo. Agora Deus tinha de fazer seu trabalho pelos
lados de Jope.
Para compreendermos o que estava para acontecer é preciso que
avaliemos os antecedentes de Pedro. Sempre lhe fora ensinado que uma pessoa
poderia chegar-se a Deus somente fazendo-se judia. Mas Cristo já tinha vindo,
e Pedro estava encontrando dificuldade para separar as coisas. Tem um gentio
de tornar-se judeu antes que possa tornar-se cristão? Até aqui somente os
judeus gentios chegaram a ser batizados. O grupo de Cornélio estava a
caminho para ajudar a clarear a mente de Pedro.
Pelo menos no momento a questão parecia clara para Pedro,
Naturalmente, é preciso que o indivíduo se torne judeu antes que possa fazer-
se cristão. No esforço de Deus para abrir a mente de Pedro ele usou a mesma
forma de comunicação que havia usado com Cornélio. Enquanto orava no
eirado da casa, Pedro entrou em transe e teve uma visão (Atos 10:10- 15).
Na visão, descia do céu um lençol branco. Era seguro misteriosamente
nos quatro cantos. Dentro do lençol havia uma grande variedade de animais
quadrúpedes, aves e répteis.
Disse uma voz: "Pedro, mata e come." Pedro fez objeção, porque alguns
dos animais não eram limpos. Então a voz disse: "Ao que Deus purificou não
consideres comum." Pela terceira vez a voz falou e então o lençol foi recolhido
ao céu. Até que ponto uma visão pode ser desnorteante? Pedro cofiou a barba,
coçou a cabeça. Felizmente não lhe foi dado muito tempo para ponderar.
Enquanto lutava para entender a visão, chegaram à porta da casa do curtidor
os três mensageiros vindos de Cesaréia. O Espírito de Deus falou diretamente
a Pedro. Ele devia ir com o trio visitante e nada de fazer perguntas. Tudo sairia
bem.
O valente apóstolo foi modelado no mesmo molde de Cornélio. Ele
lançou-se diretamente ao portão e apresentou-se aos visitantes. Convidou-os a
passar a noite com ele. No dia seguinte partiriam para onde quer que fosse.
Deus não teve de dar a ordem a Pedro duas vezes.
Na manhã seguinte Pedro reuniu alguns de seus amigos cristãos e ambos
os grupos partiram juntos de Jope. Viajaram um dia todo e chegaram a
Cesaréia. Que aventura! Deus havia traçado um plano e eles estavam ansiosos
por segui-lo.
Cornélio aguardava emocionado. Ele havia reunido os parentes e amigos
íntimos. Podemos supor sem medo de errar que ele regularmente falava de
Cristo com todos quantos conhecia. Ele pode ter tido em sua casa uma reunião
de igreja sem igreja.
Teria sido fascinante saber o que eles estudavam. Será que liam o Antigo
Testamento? Oravam em ignorância e pediam a direção de Deus? Estavam
meramente trocando opiniões e andando sem rumo? Fosse qual fosse o
processo, a sinceridade deles era indiscutível. E como buscavam a Deus
honestamente, o Senhor resolveu honrar essa busca.
Quando Cornélio viu que Pedro se aproximava, correu para o apóstolo e
caiu-lhe aos pés. É interessante notar como este oficial era humilde. Ele parecia
ser uma definição viva da verdadeira mansidão. Cornélio tinha o poder de
exigir e mandar. Também tinha a humildade para aceitar sugestões, servir e
mostrar respeito a outros. Coragem e maleabilidade eram sua combinação
áurea.
A mansidão tem recebido um mau nome, mas realmente ela é uma
qualidade heroica. Jesus Cristo disse-nos que os mansos herdarão a terra
(Mateus 5:5). Francamente, isto é embaraçoso para muitos de nós. Retratamo-
nos como confiantes e decididos. A palavra manso soa como retirar-se
covardemente.
Jesus Cristo referiu-se a si mesmo como manso e humilde de coração
(Mateus 11:29). Não há necessidade de explicar em minúcias o que é a
mansidão. É uma qualidade nobre que nos permite servir aos outros e
aprender deles.
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Às vezes os cristãos, em sua avidez por comunicar a fé, perdem a


humildade. Sentimo-nos tão orgulhosos por sermos filhos do Rei! Se não
formos cuidadosos, tornamo-nos arrogantes em lugar de úteis.
Cornélio tinha uma boa compreensão da Palavra e seu espírito. Ele não
tinha de curvar-se ou mesmo cooperar — ele poderia ter exigido que as coisas
fossem feitas do seu jeito, mas declinou de fazê-lo. Era isto que o fazia funcional
nas mãos de Deus.
Pedro resistiu corretamente à adoração de Cornélio. Ninguém, melhor
do que o apóstolo, sabia que ele era como as demais pessoas. Isto, contudo, não
o diminui diante da atitude do oficial. Ele era grato e não orgulhoso demais
para admiti-lo.
Este encontro histórico precisa de uma pequena explicação. Ambos os
homens não pareciam sentir- -se muito à vontade. Pedro explicou como
aconteceu de ele procurar um centurião gentio; para dizer a verdade, uma
atitude muito irregular. Judeus e gentios normalmente não se misturavam
bem. Cornélio esboçou seus antecedentes e descreveu a visão que teve três ou
quatro dias antes.
Pedro tinha vindo para ensinar a Cornélio, mas ele tinha uma surpresa
guardada. O oficial romano estava prestes a dar um passo gigante que mudaria
a vida do apóstolo. Pedro resumiu a situação imediatamente: "Reconheço por
verdade que Deus não faz acepção de pessoas" (Atos 10:34b).
Isto pode parecer-nos uma lição fácil, mas em realidade foi uma
verdadeira revelação. Mais tarde, no concílio de Jerusalém Pedro defenderia a
imparcialidade de Deus (Atos 15), e mais tarde ainda ele teria de novo
segundos pensamentos (Gálatas 2:11).
Cristo havia criado reputação de imparcialidade. Ele deu assistência a
pessoas de todos os caminhos e nacionalidades. Isto havia-se tornado parte de
tal modo notável de seu estilo de vida que seus críticos zombavam dele.
Quando os principais sacerdotes e escribas quiseram apanhar Jesus numa
cilada, enviaram espias com perguntas ardilosas. Quando quiseram seduzi-lo,
começaram com um elogio fingido: "Mestre, sabemos que falas e ensinas
retamente, e não te deixas levar de respeitos humanos, porém ensinas o
caminho de Deus segundo a verdade" (Lucas 20:21). Sabiam que ele não
respeitava pessoas favorecidas. Contudo, pensaram claramente que ele deveria
fazê-lo.
Pelo menos naquele momento a luz brilhou com todo esplendor sobre
Pedro. Ele expôs o evangelho completo de Jesus Cristo ao gentio comandante
romano. Pedro estava levando a cabo um serviço total para Deus que ele
próprio não entendia inteiramente.
Enquanto Pedro expunha o evangelho, o Espírito Santo caiu sobre
Cornélio e sua família — indício claro de que eles criam sinceramente no que
tinham ouvido. A evidência do Espírito era óbvia à medida que os gentios
começaram a falar em línguas.
Há certa justificativa para chamar este acontecimento de Pentecoste
gentio. O que aconteceu aqui é semelhante ao que está registrado no capítulo
2 de Atos. O motivo parece bem planejado. Os gentios tinham de entrar para a
igreja em pé de igualdade com os judeus. Se houvesse qualquer sugestão de
que os gentios eram cristãos de segunda categoria, o dano seria enorme.
Igualdade de condições era o único nível aceitável. Deus estava abrindo
cuidadosamente o caminho de sua igreja.
De imediato Pedro exigiu o batismo dos novos crentes. Exatamente como
no Pentecoste, não houve período de espera entre a aceitação e o batismo.
Embora hoje se ofereçam muitos argumentos a favor de um período de
experiência anterior ao batismo, certamente tais argumentos não eram
proeminentes no livro de Atos.
Cornélio e seus amigos convidaram Pedro e seu grupo a permanecer com
eles. Durante alguns dias continuaram com a troca de experiências e ensino da
doutrina cristã.
As notícias se espalhavam como manteiga quente no pão. Logo os
ouvidos estavam tinindo na Judéia e nem todos os comentários eram
favoráveis. Alguns cristãos ficaram chocados, digamo-lo francamente. Como
podia Pedro ter-se encontrado com gentios e ainda dizer-lhes que eram
cristãos? Que tipo de decadência havia invadido a igreja? Era uma profanação
transparente. Os judeus agora tinham contacto social e comunhão com os
pagãos; eles haviam barateado o evangelho tornando-o acessível a todos.
Alguns cristãos nunca se recuperaram desse mal.
Quando Pedro chegou a Jerusalém, explicou com todo o cuidado o que
havia acontecido. Ele não queria mexerico para complicar os fatos. Lucas, autor
do livro de Atos, que demonstrou o problema e seu progresso, a esta altura
abandona o assunto (Atos 11:18). Mais tarde ele o discute de novo, retratando
os profundos problemas resultantes da aceitação dos cristãos gentios, mas por
ora o problema está solucionado.
Felizmente para todos, o primeiro gentio convertido foi um homem da
estatura de Cornélio. Provavelmente não fazia a mínima diferença se ele fosse
soldado ou centurião; contudo, era terrivelmente importante que ele fosse um
cavalheiro. Uma personalidade detestável como Simão o mago (Atos 8:9 e ss.)
ou um casal de mentirosos como Ananias e Safira (Atos 5:1 e ss.) teriam
comprovado ser desastroso.
A despeito do que às vezes ouvimos, há pessoas que buscam a Deus. Seus
motivos e vida podem não ser puros, mas seu desejo é real. Vemos em Cornélio
este tipo de pessoa. Sua busca não era meramente intelectual. O centurião
romano tinha um coração faminto de Deus.
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Algo sobre o que pensar


1. Estava você buscando a Deus quando se tornou cristão? Deus o
encontrou quando você estava desinteressado?
2. Nós, cristãos, temos uma atitude aberta para com a direção de Deus
em nossa vida? Somos criativos e aventurosos como o foi Cornélio? Somos
inflexíveis e cuidadosos demais?
3. A esmola é proeminente entre seu grupo de amigos cristãos? Por
que alguns são cheios de desconfiança na ajuda aos pobres? Qual a presente
tendência entre os cristãos?
4. Deus fala às pessoas sem servir-se de outras pessoas? Acha que ele
fala por meio da natureza?
5. Acharíamos difícil aceitar certos antecedentes étnicos e econômicos
em nossos grupos cristãos? Explique.
6. Sua igreja batiza imediatamente ou adota um período de espera?
Por quê?
CAPÍTULO 8

DORCAS

Prestativa e generosa, recebeu um milagre

O dia inteiro foi um desastre. As pessoas desapontaram-nos. Rodamos e


rodamos sem chegar a parte alguma. O mundo todo parece um salafrário.
Então alguém passa por nós com um sorriso tão claro quanto uma janela limpa.
Nosso amigo está sempre bem. Mostre-lhe um monte de lixo e ele analisa
o valor dos vermes. Num dia chuvoso ele fala sobre o frescor que sua horta ou
jardim obterá. Todos nós temos encontrado pessoas assim.
Em poucas palavras acabamos de descrever a pessoa de Dorcas. Herodes
é lembrado por sua crueldade. Judas, por sua traição. Dorcas sobrevive em
nossa memória porque nunca teve medo de ser bondosa e de fazer sua
contribuição.
Dorcas era como uma árvore florida em plena primavera. Era refrescante
e exalava um aroma de esperança. Simplesmente sabemos que se houvesse
pessoas assim por esse mundo fora, haveria uma brilhante perspectiva para o
amanhã.
Exceto quanto à sua devoção a Deus e à humanidade, pouco sabemos a
respeito de Dorcas. Seis versículos cobrem toda a sua vida nas Escrituras.
Dorcas vivia em Jope (parte de Tel-Aviv). Era cristã, porém não sabemos
quando se converteu. Seus amigos gregos chamavam-na Dorcas, mas os
amigos hebreus lhe davam o nome de Tabita. Ambos os nomes significam
gazela.
Não há motivo para crer que alguma vez ela tenha lido a carta de Tiago,
porém ela poderia tê-la escrito. Seu versículo predileto poderia ter sido:
"Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é
inoperante?” (Tiago 2:20).
Finalmente Dorcas foi pelo caminho de toda a carne e morreu. Não
sabemos qual a causa de sua morte; com toda a probabilidade foi um aconteci-
mento natural. Todavia, muitas pessoas tiveram uma parte de seu coração
removida quando ela morreu. Os lamentos vinham de toda parte e eram
sinceros.
Dorcas talvez fosse viúva ou solteira; mas não faltou ninguém para
cuidar de seu corpo. Com toda a probabilidade suas amigas cuidaram dessa
parte. Prepararam-lhe o corpo para o funeral.
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Em sua maioria as famílias judaicas tentavam adotar determinadas


diretrizes com relação aos funerais. Quase não se ouvia falar de
embalsamamento, exceto nos casos de Jacó e de José. A cremação era praticada
em algumas nações, mas os judeus a rejeitavam. Em geral o corpo era
totalmente lavado e depois envolvido em linhos e substâncias aromáticas.
Era costume sepultar o corpo no dia da ocorrência da morte
(Deuteronômio 21:23). Alguns grupos ainda observam esta norma em nossos
dias. Muitas vezes o corpo era depositado numa caverna ou tumba e ali ficava
para decompor-se. Depois de algum tempo os ossos eram colocados numa
urna ossuária. Esta urna podia ser guardada num túmulo ou noutro lugar
apropriado.
Esses foram, provavelmente, os planos feitos para o corpo de Dorcas.
Depois de lavada e envolvida, ela foi colocada no cenáculo. Este cenáculo
geralmente ficava num cômodo no segundo andar ou num cômodo no
alpendre superior. Os amigos vinham para chorar e prestar suas últimas
homenagens. Em alguns casos, contratavam-se carpideiras profissionais.
Quando a comunidade cristã de Jope ouviu dizer que Pedro estava ali
por perto, em Lida, resolveram pedir imediatamente a sua ajuda. Amavam
muito a Dorcas e queriam tentar tudo o que fosse possível. Lida distava apenas
quinze quilômetros de Jope, de modo que a viagem podia ser feita mais ou
menos em meio dia.
Quando mandaram buscar Pedro? Com toda probabilidade seus amigos
começaram a viagem enquanto ela estava enferma e em estado muito grave.
Ela era amada e os amigos acreditavam em milagres. Também acreditavam em
autoridade apostólica especial. Pedro poderia fazer algo para restaurar lhe a
saúde. Ele havia operado outros milagres.
Dorcas havia ensinado aos amigos uma valiosa lição. Quando amamos
alguém, fazemos tudo para demonstrá-lo. As palavras são bonitas e essenciais
à boa comunicação, mas a ação é amor com braços.
É interessante observar como Jesus lidou com a necessidade de amor em
sua própria vida. Em diversas ocasiões ele perguntou aos amigos se eles o
amavam. Por que realmente ele se importava com esse aspecto? Ele era o Filho
de Deus. Jesus tinha íntima comunhão com o Deus do universo. Que
importava realmente se um punhado de pescadores o amava?
Cristo entendia a necessidade de amor porque ele era uma personalidade
total. Uma vez que ele era capaz de dar amor, também podia recebê-lo.
Também é bom notar sua definição de amor. Se os seus amigos o
amassem, eles fariam o que lhe agradasse. Se não amassem a Cristo, eles o
ignorariam. O amor tem braços. É por isso que algumas versões da Bíblia
traduzem a palavra amor como caridade, em 1 Coríntios 13. Caridade
significava fazer algo. O amor estéril é incompleto. O amor maduro faz alguma
coisa em benefício da pessoa amada. Cristo entendia este ponto. Dorcas
entendia. Suas amigas estavam captando esta mesma realidade.
Algum tempo depois que os mensageiros partiram em busca de Pedro,
Dorcas morreu. Os que haviam prestado assistência a ela estavam esmagados.
Sua íntima e generosa amiga se fora. Começou o choro e a preparação.
Quando os mensageiros chegaram a Lida, imediatamente encontraram
Pedro e o apressaram. Ele tinha de vir; eles estavam pleiteando a causa de uma
amiga íntima. Certamente Deus não queria que ela morresse. Dorcas havia
feito bem; ela espalhava felicidade e esperança.
Pedro ficou impressionado com o caso e partiu de imediato. Não havia
tempo para explicações. O tempo era por demais importante. Chegado a Jope,
Pedro foi conduzido diretamente ao cenáculo. Os objetos que demonstravam
a bondade de Dorcas pontilhavam a sala. As viúvas ali estavam com as túnicas
e mantas enroladas em seus braços. Eram peças de vestimenta que Dorcas fazia
para as pessoas que ela amava.
Era muito justo ver as viúvas naquele quarto. No ministério de Cristo e
na igreja primitiva as viúvas gozavam de um lugar especial no coração dos
cristãos.
Cristo veio cedo em defesa das viúvas quando condenou os fariseus por
tirarem vantagem delas. As viúvas frequentemente eram tapeadas. Os homens
eram mais bem treinados nas trocas e no comércio. Se uma viúva não tinha
parentes chegados que ajudassem a protegê-la, era fácil poder enganá-la.
Evidentemente estavam defraudando as viúvas, tirando-lhes dinheiro em
nome de Deus e da caridade (Marcos 12:40).
Os hebreus sempre tiveram proteção especial para suas viúvas.
Consideram Deus como guarda particular delas. Quando indagados: "Como
se pode dizer que um homem é justo?", a resposta era fácil. Uma pessoa justa
cuida das viúvas (Salmo 146:9).
Quando Tiago solicitou a definição da verdadeira religião, a resposta era
fácil para um verdadeiro judeu. A verdadeira religião era visitar os órfãos e as
viúvas (Tiago 1:27). É por isto que Paulo dá instruções tão cuidadosas sobre a
assistência às viúvas. Tinha de ser prestada justa e corretamente, e era
obrigatória (1 Timóteo 5:3 e ss.).
As viúvas que estavam ali no cenáculo eram testemunhas vivas de como
Dorcas interpretava a orientação de Deus. As costureiras modestas de Jope
levaram-na a cabo com perfeição.
Dorcas havia pessoalmente feito túnicas e vestidos que aquelas viúvas
estavam usando. Através de maior parte da história, tem sido esmerada a
confecção de roupas. Não sabemos exatamente como Dorcas o fazia, mas
estamos certos de que demandava um bocado de trabalho. Muitas vezes o
tecido era feito de linho e algodão. Após a fiação, esses materiais eram tecidos
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em peças de todos os tamanhos. Outros artigos eram feitos de lã retirada das


ovelhas. Havia poucas roupas de couro.
Com frequência os materiais eram tingidos com tintas extraídas de
cerejas e de outras fontes corantes. Esses fabricantes domésticos não eram tão
inaptos como alguém podia pensar. Muitas vezes eles faziam tecido com cores
variadas e brilhantes.
Os materiais tecidos eram então cosidos a mão. As costureiras podiam
trabalhar rapidamente com agulha e sovela. Muitas das mulheres eram hábeis
em usar esses instrumentos. Inclusive damas da sociedade geralmente se
juntavam no processo de fazer roupas.
Dorcas fazia coisas para distribuir de graça. Algumas pessoas ainda são
excelentes nessa linha de bondade. Estão continuamente cosendo roupas, fa-
zendo bonecas e acolchoados para dar. Esta mulher fazia-o com paixão e
determinação. As viúvas traziam consigo esses presentes como um último
tributo a Dorcas.
Quando Pedro avaliou a situação ele não perdeu tempo para começar o
trabalho. O primeiro passo foi esvaziar o quarto. Todos, viúvas e carpideiras,
teriam de sair. Foi isto mesmo que Jesus fez quando ressuscitou a filha de Jairo.
Não se podia esperar que Pedro fosse especialista em ressurreição, por isso ele
dependia do que tinha visto.
Como de costume, Pedro deve receber o crédito pela coragem e por uma
rara qualidade chamada audácia. Que experiência tinha o apóstolo na bela arte
de ressurreição? Todavia, ele conseguiu uma mistura saudável de fé e ousadia.
Enquanto outros ainda estariam considerando o problema e roendo as unhas,
Pedro pulou para dentro.
Com grande simplicidade e direção ele disse: "Tabita, levanta-te." Nada
de truques ou prestidigitação. Nem mesmo usou algum recurso como lodo ou
lenço. Simplesmente, "Dorcas, é hora de levantar-se".
Os olhos dela abriram-se como uma veneziana. Havia ocorrido um
milagre: Dorcas estava viva.
Pode não haver diretrizes definidas para a operação de milagres, mas
isso não lhes diminui a realidade. A Bíblia fala de algumas pessoas que foram
curadas porque tinham uma enorme fé. Outros foram curados porque o
oficiante possuía grande fé. Ainda outros parece que receberam milagres só
porque Deus tinha fé.
Seria maravilhoso estabelecer normas imutáveis para a operação de
milagres. Nada disso, porém, existe. A única regra segura é que Deus é o
grande operador. Somos convidados a pedir. Pertence a ele a prerrogativa de
conceder ou não.
A história de Dorcas é uma elevada homenagem não somente a ela mas
às mulheres em geral. Há diversos lugares onde a Bíblia mostra esses adornos.
Um dos mais significativos é o capítulo 16 da epístola de Paulo aos Romanos.
Ele encerra a carta elogiando diversas mulheres prestativas. Algumas tinham
sido como navios cargueiros silenciosos durante a noite. Algumas tinham sido
intrépidas e exerceram liderança, mas todas haviam dado excelente apoio.
O apóstolo faz especial referência a Febe, mulher cristã que vivia em
Cencréia. Esta cidade era um porto importante a onze quilômetros ao leste de
Corinto. Febe possuía as duas qualidades pelas quais Dorcas foi louvada: Em
primeiro lugar ela era crente que havia lançado sua sorte com Jesus Cristo; em
segundo lugar, ela possuía uma espantosa generosidade. Paulo diz
sucintamente que Febe era uma ajudadora de muitos, incluindo-se aí o
apóstolo.
Esta é a primeira menção de uma diaconisa na igreja. Febe era serva
(Romanos 16:1), o que se pode traduzir por diácono, ou diaconisa. A palavra
descreve tanto o serviço como o cargo.
Sem dúvida, continuaram com a nobre tradição de ajudar as viúvas.
Muitas vezes elas próprias eram viúvas. Porém seu ministério se estendia para
muito além das viúvas. Paulo também estava dentro dos limites da bondade e
generosidade daquelas mulheres.
No capítulo 16 de Romanos o apóstolo nos apresenta de novo uma ativa
mulher, Priscila, e seu marido, Áqüila. O envolvimento deles na obra do
evangelho tinha sido tão extenso que eles arriscaram a própria vida pelo
apóstolo. Agora eles têm uma igreja que se reúne regularmente em seu lar.
Maria recebe uma breve porém sincera referência. Ela, também, havia
trabalhado com afinco pela causa de Cristo (ver. 6).
Paulo não pode esquecer-se da mãe de Rufo. Ela havia sido uma mulher
distinta, quase como a própria mãe de Paulo (ver. 13).
Pode haver outras mulheres arroladas neste grupo. Alguns de seus
nomes são difíceis de descobrir. Mas basta esta amostra para dar-nos uma boa
idéia do alto conceito em que Paulo tinha as mulheres e da alta estima que lhes
votava. O debate moderno para saber se Paulo odiava as mulheres deveria
encontrar aqui um paradeiro.
Cristo deu um exemplo fantástico a favor da elevação das mulheres. Ele
incluiu-as entre seus amigos pessoais.
Maria Madalena foi uma mulher que tinha sido possuída por sete
demônios. Eles haviam sido expulsos e agora ela era uma comprometida
sustentadora de Cristo. Maria contribuiu financeiramente para o ministério de
Jesus na Galiléia. Ela viajou com o grupo de discípulos como o fizeram Joana e
Suzana (Lucas 8:1-3). Sua condição de mulher não impediu que Cristo fizesse
amizade com ela e a incorporasse em sua obra.
Algumas pessoas sentiram-se insultadas pelo companheirismo de Jesus
com as mulheres. Alguns apegavam-se a regras extremamente rígidas com
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relação às mulheres. Mas não todos. Em alguns círculos judaicos as mulheres


recebiam tremenda área de ação (Provérbios 31).
Maria de Betânia e Marta, sua irmã, também desempenharam
considerável papel na vida de Cristo. Eram de personalidades diferentes.
Maria parece ser uma pensadora séria que muitas vezes separava tempo para
contemplação. Marta era estritamente uma mulher de mãos ocupadas. Jesus
visitava o lar dessas irmãs e nunca se deixou transtornar quando seus críticos
não podiam entender por que ele permitia que uma mulher o ungisse.
Essas foram as mulheres que mais se evidenciaram na assistência direta
a Cristo. Diversas outras aparecem aqui e acolá nas Escrituras.
As mulheres sempre assumiram grande responsabilidade na
apresentação do evangelho. Dorcas foi apenas um exemplo da excelência de
tais mulheres. Hoje muitas continuam a viver a plena extensão do genuíno
serviço prestado a Cristo.

Algo sobre o que pensar


1. Para você, o que são "boas obras"? Estão elas em aumento ou
decréscimo em seus círculos cristãos?
2. Que papel as "boas obras" desempenham na vida cristã? São elas
enfatizadas com excesso?
3. Qual é sua definição de amor? Pode você amar uma pessoa e não
demonstrá-lo? Explique.
4. Quais são as maiores necessidades das viúvas em sua
comunidade? Qual a melhor maneira de sua igreja ou grupo ajudá-las?
5. Como você retrata o papel das mulheres na igreja primitiva? Como
se compara ele com o papel que elas representam hoje?
6. Compare a atitude de Cristo em relação às mulheres com a nossa.
Era ele mais aberto do que nós? Era menos?
CAPÍTULO 9

TIAGO

A princípio céptico, tornou-se um dirigente firme e leal

Como teria sido crescer com Jesus Cristo? Ele tinha irmãos e irmãs
vivendo sob o mesmo teto, e às vezes deve ter sido difícil. Se achamos que foi
difícil crescer com nossos irmãozinhos, imagine se um deles tivesse sido
perfeito! Toda vez que entrássemos em dificuldade ficaríamos com. maior raiva
daquele que não entrava.
Há muita coisa que não sabemos a respeito do lar deste carpinteiro em
Nazaré. Contudo, há algumas peças que podemos juntar. Sabemos que era um
lar da classe trabalhadora. Podem não ter vivido em desesperada pobreza, mas
também não eram abastados.
Jesus tinha quatro meio-irmãos mais novos: Tiago, José, Judas e Simão.
Tinha, também, um número desconhecido de meio-irmãs (Mateus 13:54-56).
Existe alguma possibilidade de que sejam os filhos mais velhos de José. É mais
provável que sejam os filhos mais novos de Maria. Isto adiciona pouca cor ao
nosso quadro. Jesus foi criado num lar que tinha de seis a oito meios-irmãos e
irmãs. O dinheiro pode ter sido suficiente, mas talvez não houvesse de sobra.
Não há motivo para crer que não se dessem bem como crianças. Eles
podiam ter sido a família mais feliz ao norte de Jerusalém. Há somente duas
forças silenciosas que podem indicar tensão. A primeira era um irmãozinho
sem pecado. O segundo indício é a relutância dos irmãos e irmãs em crer. Eles
francamente não pensavam que ele era o que alegava ser.
O Tiago que encontramos no capítulo 15 de Atos é um desses irmãos. O
outro Tiago, que foi discípulo, Herodes mandou matar (Atos 12:2). Tiago, o
irmão de Jesus, passou por alguns momentos angustiantes antes de poder
aceitar Jesus como Messias.
Os sentimentos negativos dos irmãos de Jesus manifestaram-se durante
seu ministério por ocasião da festa dos tabernáculos. Jesus havia deixado a
Judéia porque a oposição contra ele se tornara brava, e uma viagem a Jerusalém
para a festa parecia estar em ordem. Jesus, contudo, resolveu omitir esta
observância e ficou na Galiléia.
A esta altura seus irmãos começaram a zombar dele. Acharam que ele
devia ir para o sul e exibir-se. Em essência, diziam-lhe que levasse para a Judéia
seu poder mágico.
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Sua família pode ter-se sentido embaraçada pela reviravolta que ele
estava causando. Os milagres, as multidões e aqueles ditos estranhos não eram
o tipo de atenção que eles desejavam. Talvez a melhor coisa a fazer seria ele
passar mais tempo na Judéia. A esta altura seus irmãos não acreditavam nele
(João 7:5).
Esses poucos e breves relances são tudo o que vemos com relação à
família de Jesus. Deles podemos reunir alguns elementos e coletar uns poucos
sentimentos. É difícil avaliar a profundeza dessas emoções.
Eles deveriam constituir um estímulo para qualquer pessoa que sinta
certa pressão nos relacionamentos domésticos. São sentimentos lamentáveis,
porém não são raros. Onde quer que haja a dinâmica dos seres humanos, há
potencial para a fricção. Na família de Jesus Cristo existiu um pouco disto.
Jesus sabe exatamente como você se sente.
Algo aconteceu à família de Cristo entre este debate da Judéia e sua
ressurreição. Nenhum dos autores dos evangelhos forneceu-nos os
pormenores. Talvez os irmãos começassem a ouvir com maior cuidado. É
possível que a prisão e crucificação de Jesus tivesse um efeito revelador na vida
deles.
Seja qual for a causa, o resultado é óbvio. Após a ressurreição de Cristo
encontramos um grupo de crentes aguardando no cenáculo em Jerusalém.
Dentre eles encontram-se Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos (Atos 1:14).
Aconteceu algo dramático, algo que transforma vidas. Talvez seja Paulo quem
nos dá a melhor pista. O apóstolo diz-nos que Tiago presenciou a ressurreição
de Jesus (1 Coríntios 15:7). Se o seu irmão ainda não havia crido, este
acontecimento histórico deve ter selado a prova. A partir deste ponto, Tiago
estava pronto a dar a vida pelo irmão a quem anteriormente ele nunca
entendera muito bem.
Logo em seguida Tiago foi aceito por seus companheiros cristãos como
um dirigente capaz. O fato de ele ter visto pessoalmente o Salvador
ressuscitado dava-lhe uma posição especial no grupo. Paulo referiu-se a ele
como apóstolo no mesmo sentido em que se referiu aos outros daquele círculo.
Por que Tiago surgiu com tanta rapidez como um preeminente líder na
igreja primitiva? Foi por causa de sua sincera dedicação e serviço? Não há
dúvida de que essas qualidades eram evidentes em sua vida. Contudo, pode
ter sido também uma espécie de respeito pelo fato de ele ser irmão de Jesus
Cristo. Certamente isto havia chamado a atenção de todos. Paulo observou
claramente esta distinção em Gálatas 1:19: "E não vi outro dos apóstolos, senão
a Tiago, o irmão do Senhor.,, Se estivéssemos na mesma sala com o irmão do
presidente da república, todos logo ficaríamos sabendo. Com toda a
probabilidade esse relacionamento ampliou o ministério de Tiago.
Existe certa possibilidade de que Tiago tentasse colocar em segundo
plano os vínculos familiares. Ao escrever sua excelente epístola ele descreve a
si mesmo nos mais simples dos termos. Referiu-se a si mesmo como um tríplice
servo de Deus, de Jesus Cristo e das dispersas tribos de Israel (Tiago 1:1). Tiago
prefere não explorar o fato de ser irmão de Cristo.
Tiago manteve ministério entre os judeus. À medida que se ampliava o
ministério dos discípulos, muitos levaram o evangelho às nações gentias. Seja
qual for o motivo, Tiago viu seus talentos especiais como mais ajustáveis entre
seu próprio povo.
A próxima vez que encontramos Tiago, ele desempenha um papel
significativo na igreja de Jerusalém (Atos 15). Realizou-se naquela cidade um
concílio de suma importância, por volta do ano 45 de nossa era. Reuniram-se
as mais famosas figuras para solucionar um problema arrasador. Pedro, Paulo,
João, Barnabé e Tiago estavam entre os renomados personagens que se
reuniram. Neste tempo Jerusalém ainda era considerada como a igreja-mãe e
centro das atividades do Cristianismo.
Não há concílio da história mais importante do que este. O problema da
aceitação dos gentios foi uma cena dramática que provou a igreja em sua
infância. Se falhassem nesta prova, o ministério da igreja seria drasticamente
alterado e limitado. Todos nós podemos louvar a Deus porque o debate termi-
nou tão bem. De outro modo, todos nós estaríamos levando pesadas cargas,
ainda tentando agradar a Deus.
Tiago desempenhou um papel principal em dirigir a igreja com acerto.
Se ele tivesse recuado aqui, o evangelho teria enfraquecido consideravelmente.
A discussão toda começou porque Paulo e Barnabé estavam obtendo grande
êxito em seu ministério aos gentios. As igrejas estavam sendo estabelecidas e
os não-judeus estavam entrando para elas em grande número.
Inevitavelmente surgiu a importante questão: Não têm esses gentios de
tornar-se judeus antes que possam tornar-se cristãos? No âmago deste debate
estava a circuncisão. Alguns crentes diziam que uma pessoa incircuncisa não
estava salva, quer Cristo tivesse morrido ou não por seus pecados (Atos 15:1).
Paulo e Barnabé não aguentavam mais. Eles não iam permitir que essas
algemas fossem colocadas nos novos convertidos. Ao chegaram a Jerusalém,
deram um bom relatório aos apóstolos e aos presbíteros. Deus estava
claramente operando um notável milagre.
Mas alguns cristãos não podiam participar de seu entusiasmo. Eram
crentes que tinham vindo do ramo fariseu do Judaísmo. A conversão deles fora
genuína, porém muitos tinham trazido consigo a mentalidade legalista. Ainda
viam Deus como um obstinado perpetrador de leis mesquinhas.
Desde sua conversão eles haviam afrouxado muito. Seus velhos amigos
não os teriam reconhecido. Agora eles tinham mente muito mais aberta. A
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graça de Deus deixara suas marcas na vida deles, mas ainda não podiam
chegar a esse ponto. Certamente Deus não tinha revogado toda a lei do Antigo
Testamento.
Abandonar a circuncisão era o mesmo que nulificar os dez
mandamentos. Ora, na opinião de alguns, os cristãos estavam transformando
sua liberdade em disparate.
O legalismo sempre tem sido um ponto doloroso na comunidade cristã.
O que o faz duplamente perigoso é que ninguém admite ser culpado. Pergunte
a alguém se ele é legalista e ele lhe dirá que não. É horroroso demais para
alguém admiti-lo. Nenhuma igreja se denominaria Igreja Legalista da Região
Norte. Essas criaturas já estão extintas, mas ainda estamos cercados por elas.
Os cristãos primitivos precisavam livrar-se deste problema. Desde
aqueles tempos, nós também temos tido de lutar com o mesmo conceito.
Legalismo é crer que Deus mostrará favor para conosco se guardarmos certas
regras. Essas regras geralmente são arbitrárias e escolhidas pelos legalistas,
mas eles se recusam a admitir o fato. No que concerne ao legalista, toda lei veio
diretamente das Escrituras — mais ou menos.
Ainda tentamos influenciar a vida das pessoas em nome da justiça.
Temos um forte sentimento acerca de alguma coisa e vamos insistir nas
mínimas coisas. Legalismo é dizer às pessoas o que elas podem usar e a
quantos cultos devem comparecer. Outras vezes é dizer a uma pessoa quanto
ela deve dar. Pode ser a tentativa de controlar a vida de uma mulher divor-
ciada.
O processo é destituído de graça. Geralmente sofre de falta de amor. As
atitudes e a compreensão encontram-se num nível mínimo. Juízo e condenação
encontram-se lá no alto.
Os fariseus cristãos provavelmente desejavam romper com este padrão.
Por certo haviam percorrido um longo caminho, mas alguns conceitos de
liberdade estavam meramente além de sua compreensão. Paulo constituía uma
exceção. O apóstolo orgulhava-se de ser fariseu, como seu pai (Atos 26:5; 23:6).
Sua mente, porém, havia sofrido uma drástica sacudidela. Agora ele via o
legalismo como inimigo da cruz de Cristo (Gálatas 2:19). Alguns pensam que
Paulo escreveu a carta aos Gálatas antes deste concílio e que ela ajudou a pôr
lenha na fogueira.
Pedro é um exemplo perfeito do homem que agoniza entre duas
posições. Quando se reuniu com o concílio em Jerusalém, o pescador defendeu
vigorosamente a liberdade. Mais tarde, Pedro vacilou de novo. Sem dúvida
houve diversos discursos inflamados de ambas as partes. Lucas não registra
todos eles, mas o apelo de Pedro foi tão impressionante que não poderia ser
ignorado. Pedro havia percorrido um longo caminho e presentemente era a
favor de aceitar os gentios na igreja sem mais delongas.
Deu seu testemunho pessoal de que havia pregado aos não-judeus e
estava convencido de que Deus se manifestava entre eles (Atos 15:7-11). Paulo
e Barnabé então tomaram a palavra e fizeram grande contribuição ao tema. O
auditório permanecia em silêncio, alguns deles ouvindo provas que jamais
haviam considerado anteriormente.
Então Tiago assumiu a liderança. Estava de pleno acordo com seus
colegas apóstolos. O problema dos fariseus não podia prevalecer. A posição
exata de Tiago com o grupo não é clara. Creem alguns que ele era presidente
do concílio. Por certo lhe votavam profundo respeito.
Todos esses homens, e Tiago em particular, merecem grande parte do
crédito por assumirem uma posição. Seus sentimentos pessoais e sua
reputação tinham de ser sacrificados. Se falhassem, o Cristianismo estava
destinado a ser uma seita judaica. Era assim que o mundo pagão agora olhava
para eles. Se falhassem nesta prova, nunca poderiam livrar-se desta sombra.
Dois pontos eram supremos na discussão: Devia a igreja de Jesus Cristo
ser um ministério universal, ou somente dirigido a um limitado segmento? A
segunda questão era a aceitação pessoal: Iam os cristãos judeus permitir que
os gentios entrassem para a igreja sem as restrições judaicas?
Tiago e seus amigos estabeleceram um importante precedente. Estava de
acordo com a excelente tradição do próprio Cristo. Resolveram arriscar-se em
favor dos oprimidos. Sem levar em conta sua popularidade pessoal, eles
expressaram seus sentimentos.
Se alguma vez você já esteve no calor de uma batalha, pode muito bem
avaliar o que estava acontecendo. Os que não desejam tomar posições
enquanto se decidem problemas vitais tornam a questão dolorosa. Eles
compreendem o que você sente. Vêem com clareza o significado da questão.
Não obstante, para proteger seu conforto e prestígio pessoais eles preferem
ficar calados. Graças sejam dadas a Deus por aqueles que sabem quando
levantar-se e expor seus sentimentos.
O irmão de Cristo não era um cabeça-dura. Ele fez uma proposta que
acalmaria a situação e ao mesmo tempo sossegaria as consciências judaicas.
Mas certos aspectos não podiam ser comprometidos. A circuncisão podia não
ser um requisito indispensável à salvação — Jesus Cristo não estabeleceu esta
ou qualquer outra cláusula. Os apóstolos estariam exorbitando se tentassem
vincular quaisquer cláusulas ao contrato. Não haveria ritos de iniciação para
fazer-se cristão. Aceite nossos agradecimentos, Tiago, por manter com clareza
os problemas importantes.
Contudo, não se poderia permitir que a liberdade degenerasse em
estupidez. Havia algumas práticas gentias que deviam ser evitadas para serem
bondosos com os crentes judeus.
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Para começar, deviam evitar a carne que tinha sido oferecida a ídolos se
houvesse um judeu cristão por perto. Nada havia de errado com o alimento. A
carne geralmente era vendida ou distribuída de alguma forma. Para os cristãos
gentios era uma questão simples. Os ídolos não podiam comê-la e uma vez que
eram pedras mortas, nem mesmo poderiam contaminá-la. Depois de ter sido
colocada diante de estátuas sem vida, não havia sentido em jogar fora a carne
boa — eles podiam muito bem comê-la. Mas os cristãos judeus não podiam ver
o problema tão inocentemente, Para eles a carne tinha sido oferecida a uma
divindade pagã. Se a divindade era real ou falsa, esse não era o ponto.
Tiago estava de acordo com os gentios. A carne nada significava. Mas
eles precisavam aprender outra lição importante: Evitar escandalizar os com-
panheiros cristãos. Gentios, quando seus amigos judeus vierem para a ceia, não
sirvam a carne do templo. Guardem-na para piqueniques com seus parentes.
O segundo ponto no conselho de Tiago era como uma brasa dormida.
Muitas pessoas que a pegam não a seguram por muito tempo. Os cristãos
gentios foram estimulados a evitar a prostituição. Mas não é natural que todos
os cristãos a evitem? Por que Tiago a acrescenta aqui?
No mundo gentio a relação matrimonial muitas vezes estava em ruínas.
Muitos olhavam para os exercícios sexuais com a mesma brandura com que
podíamos considerar o jogo de tênis. Estavam menos convencidos de um amor
permanente entre um homem e uma mulher. As explorações sexuais pouco
tinham que ver com a vida pura ou piedosa.
Se este era o motivo (e é um grande "se"), podemos entender o que Tiago
dizia. A vida deles era uma confusão. Haviam-se casado, haviam-se divorciado
e assim iam levando a vida. Mas agora em Jesus Cristo suas vidas estavam
sendo transformadas. Eles não eram completos e havia obstáculos que tinham
de ser removidos. Durante este período de reajustamento, eles deviam manter
uma atitude reservada.
Os judeus não podiam entender as mudanças pelas quais os gentios
estavam passando. A infidelidade era estranha à maioria deles. Os cristãos
gentios sabiam quais eram as mudanças que eles tinham de fazer na maioria
das áreas, muito embora em algumas áreas a questão não fosse clara. Tenham
calma até que as coisas estejam deslindadas, dizia Tiago. Deste modo os judeus
se pacificam e a nova igreja pode permanecer em relativa paz.
A terceira preocupação era comer carne cujo sangue não tinha sido
derramado propriamente. Os judeus não a comeriam a menos que o sangue
tivesse sido adequadamente derramado. Os gentios não viam nada de errado.
Tiago disse: Vão em frente e comam, porém não façam zombaria. Algum dia
os cristãos judeus poderão adaptar-se.
Antes de tudo, lembrem-se dos pontos essenciais: Vocês são livres. Os
gentios não têm de fazer-se judeus ou seguir os seus costumes antes que se
possam tornar cristãos. Não haverá recuo ou concessão.
O concílio, com efeito, aplaudiu a Tiago: Achamos que você, Tiago, usou
de excelente sabedoria. Vamos pôr isso em letra de forma e mandar a
mensagem às igrejas locais.
Não há registro de oposição à proposta, embora possamos supor com
segurança que houve alguma. A mentalidade dos fariseus normalmente não se
renderia com tanta facilidade. Mas se fizeram objeção mais tarde, eles foram
tragados pela solidariedade cristã.
Esses homens estavam assumindo um risco. Há, porém, um risco
inerente à vida cristã. Eles podiam ser mal interpretados. A igreja cristã podia
dividir-se imediatamente em facções judia e gentia. Tiago e seus amigos
resolveram aproveitar a oportunidade. A menos que a igreja defenda a
verdade, ela não será digna de ser preservada.
O concílio escolheu dois judeus e dois gentios para entregar a mensagem.
Eles deviam dirigir-se diretamente a Antioquia onde ela seria calorosamente
recebida.
Tiago percorrera um longo caminho. Um dia ele escarneceu de seu irmão
Jesus para que ele entrasse na perigosa Judéia; agora ele era um grande
defensor do evangelho puro mediante a fé. Sua contribuição para a igreja e
seus membros seria enorme, tanto durante a sua vida como ainda hoje.

Algo sobre o que pensar


1. É mais difícil viver a vida cristã em nosso próprio lar? Por que
alguns adultos acham difícil viver a vida diante de irmãos e irmãs?
2. Qual é sua definição de legalismo? Existem algumas formas em
que somos fariseus?
3. Nossas igrejas ou outros grupos impõem cargas sobre os cristãos
as quais não fazem parte do evangelho? Explique.
4. Nossas igrejas necessitam de mais regras ou de menos regras? Dê
alguns exemplos.
5. Como você entende o conselho de Tiago sobre o adultério?
Esperamos demais dos novos cristãos?
6. Você conhece cristãos que se escandalizam ou se melindram
facilmente? Como reagem eles a outras pessoas?
7. Cite alguns cristãos que você preza por causa da coragem que eles
revelam em face de problemas. Sofremos do mal de ver número demasiado
grande de cristãos que meramente se conformam? Explique.
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CAPÍTULO 10

SILAS

Calmo porém corajoso, podia-se contar com ele

Um homem estava presente na cena quando três presidentes foram


assassinados em ocasiões diferentes. Robert Todd Lincoln estava perto de seu
pai, de Garfield e de McKinley quando cada um deles caiu. Como um navio
silencioso navegando através da noite, ele chamou pouca atenção para si
mesmo.
Silas faz-nos lembrar o mesmo papel. Ele nunca desempenha uma
grande parte na história bíblica, mas ele estava lá. Mais do que um espectador
ocioso, este dotado discípulo estava no meio, trabalhando com afã. Silas
poderia lembrar-se de auditórios lotados com pessoas cujos olhos nem
piscavam quando recebiam o evangelho. Ele podia lembrar-se também da dor
lancinante da vara de um carcereiro e do mau cheiro de uma prisão romana.
Não sabemos de onde veio Silas. A primeira vez que o encontramos ele
está na igreja em Jerusalém. Era bem conhecido e aceito pelos que se reuniam
em concílio especial. Quando esta histórica conferência chegou ao fim (Atos
15:20, 21), eles precisavam de homens qualificados para levar a notícia.
Juntamente com Paulo e Barnabé, dois homens locais, Silas e Barsabás, foram
escolhidos para completar a equipe.
Os quatro se dirigiram imediatamente a Antioquia onde fora acalorado
o debate sobre o problema de saber se um grego tinha de fazer-se judeu para
poder tornar-se cristão. O quarteto recentemente indicado mal podia esperar
pelo momento de divulgar a notícia.
Silas e Barnabé foram de significativa importância para esta viagem.
Considerando que eram de sangue grego e respeitados por ambos os partidos,
a presença deles seria tranquilizante para todos. A reação em Antioquia foi tão
acolhedora ao ponto de conquistar Silas imediatamente. Ele resolveu, pelo
menos por algum tempo, acomodar-se ali em Antioquia.
As igrejas parecem ter sua própria personalidade. Algumas são rígidas e
exigentes. Outras são acolhedoras, calorosas e têm a mente aberta. Uma igreja
tenciona preservar o passado. A seguinte é progressista e anseia por novas
oportunidades.
A igreja de Antioquia possuía um encanto envolvente. Os que a
visitavam não queriam saber de ir embora. Barnabé e Paulo haviam feito uma
viagem até lá a fim de fazer uma verificação e resolveram ficar por algum
tempo. Agora Silas havia sentido sua fragrância e estava como que
hipnotizado. A igreja funcionava como um ímã. Se você se aproximasse de
Antioquia ela o puxava e Você fazia tudo para não sair.
Antioquia era um novo experimento que estava dando resultados
maravilhosos. Aqui os gentios estavam crendo em Jesus Cristo como o Messias
e Salvador. Eles não tinham antecedentes judaicos e ainda assim aceitavam a
Cristo. Eram como lousas limpas esperando que alguém escrevesse nelas. Não
havia tradições a observar. Ninguém se punha de pé numa reunião, com o
rosto avermelhado e fumegando, para dizer: "Sempre fizemos desse modo.,,
Depois que Silas se estabeleceu em Antioquia, os missionários
começaram a desavir entre si. Paulo, Marcos e Barnabé estavam tendo sérias
divergências. Não sabemos ao certo o que foi que os pôs em desacordo, porém
sabemos que Paulo estava preparado para uma viagem missionária e se
recusava a levar Marcos (veja os capítulos sobre Marcos e sobre Barnabé).
Barnabé tomou consigo a Marcos e os dois seguiram seu rumo. Então Paulo
escolheu a Silas para seu companheiro.
Silas tinha de deixar seu oásis sírio, mas parece que ele não opôs
resistência. Se ele era necessário, seu espírito estava ansioso por atender. A
dupla tomou a rota para o norte através da Ásia Menor. Visitaram igrejas,
ensinaram, pregaram e tentaram ajudar onde lhes fosse possível. Ao longo do
caminho ficaram conhecendo um admirável jovem cristão por nome Timóteo.
Quando Paulo e Silas quiseram seguir para o noroeste, foram
surpreendidos por uma experiência estranha. O Espírito Santo recusou-se a
permitir que pregassem à medida que viajavam de região para região. Não
sabemos como o Espírito Santo comunicou este fato, mas para eles era óbvio.
Era um sentimento, um som audível, uma visão? Não o sabemos, porém a
mensagem era real. Saíram da Ásia sem pregar nenhum outro sermão.
Os dois revelaram uma sensibilidade madura. Um especial segredo para
falar é saber quando estar em silêncio. Muitos de nós teríamos sido zelosos
além de nossa inteligência. Os que estão ansiosos por falar aceitarão qualquer
coisa que encontrem pelo caminho. Agimos como se houvesse uma justiça
peculiar à atividade. Saltamos em face de qualquer escusa para apresentar três
pontos e um poema. Afinal de contas, é lisonjeiro ser solicitado. Robustece
nosso ego tecer uma mensagem em frente de um auditório seleto. Às vezes o
dinheiro não faz mal também.
Ponto de fato: Não nos ajustamos a todas as situações. Uma vez ou outra
os cristãos constituem um embaraço a todos meramente porque não podem
dizer não. Nem todos os convites são a voz de Deus. Podem ser o apelo de um
frustrado presidente do programa. Paulo e Silas não estavam hipnotizados
pelo som de suas próprias vozes.
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A ordem do Espírito para começar de novo a pregação foi tão definida


como tinha sido aquela para que parassem. Enquanto estava em Trôade, Paulo
teve uma visão. Nela um homem da Macedónia estava em pé rogando. A
rogativa dizia: "Passa à Macedónia, e ajuda-nos" (Atos 16:9b).
Macedónia era um país ao norte da Grécia. Sua mais famosa montanha
era o Olimpo. Suas principais cidades eram Filipos, Neápolis e Tessalônica.
Paulo não podia explicar a visão de nenhum outro modo que não fosse uma
convocação direta de Deus. O famoso missionário colocou o braço ao redor de
Silas e puseram pés na estrada. A proibição tinha sido levantada e eles eram
como canários recuperando-se de uma laringite.
É difícil imaginar o que teriam feito se soubessem o que os aguardava.
Silas bem pode ter perguntado se ele poderia voltar à bela Antioquia. Por outro
lado, podiam ter dobrado o passo.
Seu primeiro e principal destino, a impressionante cidade de Filipos,
estava localizada numa fértil terra agrícola e se tornara famosa por suas minas
de ouro. Entre seus pontos de atração está o local de uma famosa batalha. Foi
aqui que Antônio e Otaviano combateram a Bruto e a Cássio, assassinos de
Júlio César (42 a. C.).
Silas tinha de impressionar-se com esta sofisticada cidade. Era uma
colônia romana oficial (Atos 16:12), portanto Filipos era governada pela lei
romana e sua constituição seguia as linhas da constituição de Roma.
Filipos era basicamente romana em sua maneira de pensar, embora
contasse também com alguns judeus. Naturalmente era este grupo que os
apóstolos tinham em mira. Não há indicação de uma sinagoga, por isso o
número total de judeus devia ter sido pequeno. Reuniam-se aos sábados para
oração fora da cidade, junto ao rio. O grupo evidentemente se compunha na
maioria de mulheres que podiam ter- -se casado com gentios. Era preciso ter
dez homens para estabelecer-se uma sinagoga e faltavam alguns.
Silas e Paulo conheceram uma personagem fascinante aqui, por nome
Lídia. Ela vendia púrpura de Tiatira, região famosa na produção deste artigo,
e ouviu falar do grupo que se reunia junto ao rio quando veio a Filipos vender
o tecido de púrpura que ela tingia.
Lídia ouviu a mensagem e creu em Jesus Cristo. Ela e sua família
concordaram em receber o batismo e sua conversão parece ter sido imediata.
Ela estava tão feliz com a nova vida que "constrangeu" a Paulo e Silas a
hospedar-se em sua casa. A primeira convertida na Europa aprendeu
rapidamente a hospitalidade cristã.
Não sabemos qual o tamanho da casa de Lídia ou sua exata localização.
É possível que ela tivesse criados e uma propriedade de grande porte. Seja lá o
que for que ela possuía, a casa estava aberta aos dois discípulos e eles foram
grandemente ajudados. Significava que eles não tinham de fabricar tendas para
ganhar a vida. Teriam tempo livre para espalhar o evangelho. Este foi apenas
o começo de um forte relacionamento entre o povo de Filipos e os apóstolos.
Eles continuariam a dar apoio financeiro durante anos (Filipenses 4:15, 16).
Haveria algum escândalo em uma mulher fazer-se amiga de
missionários homens? Lucas também fazia parte do grupo e só podemos
conjeturar sobre quantos mais havia. Naturalmente, correram o risco dos
mexericos. Jesus Cristo tinha sido alvo de acusações semelhantes. Mas aqui
damos três vivas para Lídia e os missionários — a hospitalidade foi oferecida
com ousadia e com ousadia foi aceita. Eles não podiam interromper as
diretrizes do viver cristão meramente porque alguns não entenderiam.
O impacto do Cristianismo mal havia começado a manifestar-se. Silas
havia comprado passagem para viajar com Paulo e estavam apenas começando
a adquirir velocidade. Hostilidade, milagres, dor, ameaças de morte e
conversões admiráveis escondiam-se por toda parte. Silas estava simplesmente
começando a gostar da viagem.
Certo dia, a caminho do rio para orar, uma jovem os encontrou (Atos
16:16 e ss.). Esta jovem era possuída por algum poder fora do comum. Ela tinha
o espírito de Pitom ou, literalmente, de Apoliom, que é o anjo do abismo
(Apocalipse 9:11). Vinham- -lhe vozes sobre as quais parece que ela tinha
pouco controle. Ela podia ter feito diversas coisas, mas uma delas era predizer
o futuro. Os homens que a comandavam ganhavam dinheiro cobrando pelos
serviços que ela prestava. Evidentemente ganhavam bastante para considerá-
la um artigo valioso.
A jovem com os estranhos dons começou a acompanhar Paulo e Silas por
toda parte. A voz dentro dela começou a gritar a verdade: "Estes homens são
servos do Deus Altíssimo, e vos anunciam o caminho da salvação" (veja Atos
16:17).
Nunca foram proferidas palavras mais verdadeiras, mas a fonte começou
a aborrecer a Paulo. Ele deve ter percebido que este tipo de propaganda era
mais prejudicial do que útil. Finalmente Paulo ficou indignado com aquela feia
cena, e voltou-se para a mulher. Em nome de Jesus Cristo ele ordenou que o
espírito mau a deixasse. Quase sem lastimar-se o espírito retirou-se
amedrontado. Isto de novo comprova o fato de que, seja o que for que
pensemos de espíritos dominando corpos, não há dúvida quanto ao que Paulo
e Silas pensavam. Estavam convencidos de que tal coisa era possível.
A esta altura deixamos o cenário montanhoso e nos mergulhamos
verticalmente no fundo do vale. Se as coisas tivessem sido agradáveis e cheias
de aventura, estavam agora prestes a tornar-se atemorizadoras.
Quando os senhores da moça ouviram falar da corrida do espírito para a
liberdade, deixaram cair seus sacos de dinheiro. Haviam perdido um privilé-
gio no negócio de adivinhação. Lançaram-se sobre Paulo e Silas com a mesma
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fúria com que os atacantes correm atrás da bola quando veem a possibilidade
de um bom lance.
Esta foi, provavelmente, a primeira experiência de Silas de ser arrastado
pelos pés, mas para Paulo não era novidade. Ele já tinha sido apedrejado e
arrastado para fora de Listra algum tempo antes (Atos 14:19). Infelizmente ele
obteria o mesmo modo de transporte mais tarde em Jerusalém (Atos 21:30). Se
não fosse pelos rasgões da pele e pelas pancadas na cabeça, Silas poderia ter
considerado isso como uma experiência educativa.
Paulo e Silas logo se viram diante das autoridades locais. Segundo o
sistema da colônia romana, essas autoridades eram chamadas pretores e
residiam dois em cada colônia. Quando a multidão apresentou suas acusações
contra Paulo e Silas, é provável que as tivessem deturpado, torcendo os fatos.
Seus acusadores chamaram-nos de judeus. Às vezes era um título de respeito.
Aqui neste caso, provavelmente fosse depreciativo. Os judeus muitas vezes
têm sido diferentes. Para muitos, ser diferente é crime.
Este é o motivo por que tantos cristãos sofreram nos primeiros tempos.
Surgiam boatos acusando-os de toda sorte de comportamento atroz por sua
recusa de conformar-se. Muitos de nós temos dificuldade em tolerar as pessoas
que não andam de acordo com nosso passo peculiar.
Para garantir a conformidade religiosa, os romanos promulgavam leis
que proibiam certa propaganda. Somente as formas aceitas de religião podiam
ser toleradas em suas províncias. Paulo e Silas enfrentavam graves acusações,
e eles tinham pouca coisa para recomendá-los. Os pretores rasgaram as vestes
dos acusados e ordenaram que fossem açoitados.
Seria um engano de nossa parte considerar este espancamento leve
demais. Os lictores que acompanhavam os magistrados eram altamente
profissionais. Eles levavam varas e um machado. Cada um deles estava
preparado para tratamento corporal ou castigo capital quando convocados
para isto.
Não sabemos quantas vezes eles apanharam com varas. De acordo com
a lei judaica teriam sido 39 açoites; é difícil saber como era no sistema romano.
Os perseguidores tinham um ódio especialmente cruel contra os dois. Via-se
na escolha de suas palavras a presença do preconceito. Só podemos imaginar
como foram espancados sem consideração pelas suas vidas.
Silas passa por uma nova experiência. Paulo estava destinado a levar
surra em duas outras ocasiões, mas para Silas tratava-se de uma nova aventu-
ra. Não há registro de que alguma vez ele a tenha recomendado a outros.
Os dois apóstolos foram, portanto, lançados no cárcere. Não eram meros
prisioneiros comuns; foram atirados no cárcere interior, e a expressão "cárcere
interior" não é empregada aqui por acaso. As prisões romanas tinham três
seções principais: o vestíbulo, o cárcere exterior e a seção interior.
"Cárcere interior" era uma expressão para causar calafrios em quem a
ouvisse. Tratava-se, literamente, de uma masmorra. Só entrava luz ou ar
quando a porta se abria. Era, sem dúvida, o pior tratamento que se podia
dispensar a um preso.
O carcereiro conhecia bem o trabalho e era metódico no seu desempenho.
O conforto das criaturas não figurava nos primeiros lugares em sua lista. A
descrição de suas funções podia resumir-se numa breve linha: "Tome o
máximo cuidado para que ninguém escape." Com essa ordem a predominar
em tudo, ele conduzia cada prisioneiro ao seu devido lugar, isto é, prendia-os
com os pés no tronco.
Aqui também é fácil deixar de lado a idéia de uma confortável sala de
estar; os troncos eram lugares horríveis destinados a infligir a dor mais
angustiante. Esses troncos eram semelhantes àqueles usados no tempo da
escravidão. Havia diversos buracos para prender as pernas dos presos. Esses
buracos ficavam distantes um do outro para garantir que a dor fosse contínua.
Enquanto se encontrava nesta posição mais que incômoda, Silas teve
tempo para recapitular a situação. Por que cargas d'água estava ele ali num
calabouço horrível com as pernas separadas de modo a causar-lhe dor nas
costas? Porque ele havia dito a um punhado de mulheres que Jesus Cristo
morrera por elas? Porque uma mulher e sua família foram batizadas? Porque
foi expelido o demônio de uma adivinhadora?
Pareciam motivos muito fracos para encarcerar dois homens. Mas o
evangelho era importante. Se ele podia libertar algumas pessoas, esse
livramento constituía ameaça para outras. Silas estava aprendendo essa lição
enquanto tentava fazer que o sangue circulasse por seus membros.
As prisões podem, às vezes, constituir-se em excelentes laboratórios —
bons lugares para provar nossas teorias e expandir nossa mente. Paulo e Silas
acharam que nunca teriam melhor oportunidade de praticar o saudável
pensamento positivo do que agora. Assim, por volta da meia-noite acharam
por bem que este era um bom lugar para experimentar seus talentos musicais.
Além do mais, seu auditório, os demais presos, não tinham outra escolha senão
ouvir. Além disso, chupar o polegar e sentir pesar por si mesmos não davam o
mínimo resultado. Cantar parecia algo para salvar o espírito e a alma.
Com pouca timidez eles abriram a boca e flexionaram os pulmões.
Estavam orando — não num canto sossegado como muitos de nós fazemos.
Conversar com Deus em voz alta parecia uma coisa perfeitamente sadia para
se fazer. Se eles acrescentassem uns poucos compassos de música, seria muito
melhor. Como lunáticos numa hora de acesso, eles ali estavam como que a
dirigir uma festividade doméstica.
Não sabemos a que distância se encontravam os outros presos, mas
evidentemente podiam ouvir com clareza. A palavra "escutavam" indica
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prazer. Os salmos eram ouvidos através das paredes da masmorra onde antes
só haviam ecoado gritos de dor e maldições.
Silas era agora membro de um dueto que cantava à meia-noite. Havia
uma pequenina distância entre ser missionário e ser bronco.
No meio deste interlúdio musical um tremendo terremoto abalou a
prisão. É fácil ver o quadro: Quando as paredes vieram abaixo, as barras se
separaram. As cadeias se soltaram das paredes. Quando o carcereiro se
recuperou do choque, correu imediatamente para as portas e as encontrou
abertas. Supôs que os presos tivessem fugido.
O horrorizado soldado desembainhou a espada e ia enterrar a lâmina em
seu corpo. Não poderia viver com a derrota e viu no suicídio a saída mais
razoável.
Paulo, em pé naquela escuridão, gritou: "Não te faças nenhum mal, que
todos aqui estamos!" Nenhum preso havia escapado. Talvez não tivessem tido
tempo; é possível que ainda estivessem tentando livrar-se dos escombros. De
qualquer maneira, estavam todos ali.
O carcereiro não podia acreditar que ainda estivessem na prisão.
Aliviado, correu para Paulo e Silas, caiu-lhes aos pés, e perguntou-lhes o
que devia fazer para salvar- -se. Realmente não entendemos sua pergunta.
Estava ele procurando salvação física? Precisava de proteção contra seus
superiores? Ou reconheceu ele as qualidades espirituais dos missionários?
Conquanto não saibamos o significado da pergunta, podemos estar
certos da resposta que lhe foi dada. Paulo e Silas disseram-lhe que cresse em
Jesus Cristo.
Provavelmente o carcereiro residia no conjunto da prisão. Ele levou os
presos para conhecer sua família. Os membros de sua família também creram
em Jesus Cristo e foram batizados naquela noite.
Pode ser que este não fosse o tipo de trabalho missionário que Silas tinha
em mente, mas estavam acontecendo coisas estranhas. A maioria de nós teria
buscado a primeira saída daquela prisão. Poderíamos pensar nisso mais tarde,
mas a coisa para fazer era sair. Silas, contudo, estava-se tornando uma nova
pessoa. A vida parecia conter um novo conjunto de valores. Ele resolveu
permanecer ao lado de Paulo naquela miserável prisão.
No dia seguinte os pretores tiveram uma mudança de coração. Não
sabiam se esses cristãos tinham algo que ver com o terremoto, mas não iam
correr novos riscos. Soltem-nos. Tirem-nos da prisão e da cidade
imediatamente.
Não sabemos como Silas se sentiu com relação a esta liberdade repentina,
porém Paulo a rejeitou de imediato. Haviam sido presos, julgados e
espancados publicamente. Não tinham a mínima intenção de abandonar a
cidade às ocultas. Os pretores teriam de vir à prisão e pessoalmente escoltá-los
para fora da cadeia.
As autoridades não estavam dispostas a discutir. Para piorar o problema,
descobriram que os presos eram cidadãos romanos. Dirigiram-se diretamente
à prisão e delicadamente lhes pediram que deixassem a cidade. Porém Paulo e
Silas tiveram momentos alegres. Visitaram a casa de Lídia e renovaram a
comunhão com os crentes locais. Depois, com toda calma, deixaram Filipos.
Todos estavam impressionados: os não-crentes, os novos convertidos, e
inclusive Paulo e Silas. Deus havia realizado algumas coisas notáveis e dera
início a uma igreja acolhedora e permanente em Filipos.
A montanha-russa estava longe de terminar para Silas. Em Tessalônica,
as multidões se voltaram contra eles e acossaram os que se converteram. Paulo
e Silas foram obrigados a fugir durante a noite e ir para Beréia. Aqui eles viram
mais gente ainda aceitando a Jesus Cristo.
Quando Paulo se foi para Atenas, Silas e Timóteo ficaram para trás; mais
tarde, porém, juntaram-se a ele. Então se dirigiram a Corinto e começaram
outra igreja.
Nunca se pode acusar a Silas de levar uma vida enfadonha. Quando ele
e Paulo saíram de braços dados, estava lançada uma das maiores aventuras da
vida. Silas nunca sonhou que estaria cantando louvores a Deus na prisão, no
meio da noite, em Filipos. Mas ele não teria perdido essa oportunidade por
nada no mundo.

Algo sobre o que pensar


1. Quais são as personalidades predominantes em sua igreja local?
Sua igreja tende para ser rígida ou aberta? Há novas pessoas contribuindo para
sua crescente consciência?
2. Alguma vez você aceitou uma atribuição de ensino que você sabia
não deveria aceitar? Lembra-se de alguma situação em que foi causado dano
porque alguém se recusou a calar-se?
3. Como explicamos a intrepidez de Lídia? Somos hesitantes demais
em nossa comunhão entre homens e mulheres?
4. Os cristãos são bons em aceitar pessoas diferentes deles? Sua igreja
local é bastante aberta para incorporar pessoas com antecedentes, situação
econômica e estilos de vida diferentes?
5. Que é que Silas nos ensina acerca do bom estado de ânimo e da
depressão?
6. Estavam Paulo e Silas assumindo um risco louco em recusar-se a
ser libertados? Era realmente seu orgulho pessoal que insistia numa
demonstração pública? Os apóstolos devem ter cometido enganos algumas
vezes — era este um deles?
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7. Aonde quer que esses parceiros missionários fossem, parecia que a


dificuldade os acompanhava. Os tempos hoje são melhores para os cristãos?
Estamos em melhores condições com a perseguição ou sem ela?
CAPÍTULO 11

MARCOS

Cresceu na fé

Algumas pessoas são rochas enquanto outras são patinhos de borracha.


Quando éramos crianças, muitos de nós brincávamos na banheira com toda
sorte de objetos. Tentávamos fazer tampas de garrafa flutuar. De uma pequena
caixa de papelão fazíamos um navio.
Sempre que uma tampa de garrafa virava ou se enchia de água, afundava
como chumbo. Com os patinhos de borracha era diferente. Podíamos segurá-
los sob a água, mas ao soltá-los eles vinham de um salto à tona.
João Marcos era um pato de borracha. As pessoas podiam afundá-lo,
inclusive segurá-lo no fundo por algum tempo. Mas de uma coisa podíamos
estar certos — Marcos voltava à superfície. Devido à sua capacidade de boiar,
este discípulo fez uma das mais duradouras contribuições na história da
cristandade.
O desânimo é experiência normal na vida cristã. Não o ideal, mas a
norma. O começo da maturidade está em reconhecer como a vida pode ser
desigual.
Nossa esperança, à medida que nos desenvolvemos, é que as quedas se
tornem menos agudas, menos emocionantes e, talvez, menos frequentes. Não
obstante, elas ainda existem.
Não deveríamos pensar que Jesus nunca se desanimou nem se tenha
desapontado. Quando ele mais contava com as pessoas, muitas vezes elas
davam o mínimo. Ele deve ter-se magoado com a falta de compreensão de seus
discípulos. Jesus ensinou-lhes durante três anos e alguns dias agiam como se
nada houvessem aprendido.
João Marcos é um personagem interessante que encontra derrota
esmagadora. A verdadeira história está em sua capacidade de retornar e
readquirir o respeito de todos.
Marcos teve uma bela introdução à fé cristã. Maria, sua mãe, estivera
envolvida com os discípulos nos primeiros tempos do ministério. Nada
sabemos a respeito de seu pai, porém a mãe de Marcos abriu as portas de seu
lar aos discípulos em Jerusalém (Atos 12:12).
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Quando conhecemos Maria, o rei Herodes estava em pé de guerra. Ele


havia resolvido pressionar o crescente grupo cristão. Sem dó nem piedade, ele
mandou matar o apóstolo Tiago.
Pedro também foi preso durante a perseguição oficial e seu futuro
parecia incerto. Quatro guardas o vigiavam dia e noite. Dois estavam
acorrentados ao pescador e dois montavam guarda à entrada. Com o número
crescente de cristãos, não havia para eles muita oportunidade de escapar.
Naturalmente, a situação criminosa espalhava o medo entre a
comunidade cristã. Os crentes de Jerusalém reuniam-se em oração
desesperada, sincera. Eles esperavam que Deus fizesse algo e reclamavam todo
o poder de suas promessas (Tiago 5:16).
Sem que o soubessem, suas orações receberam resposta positiva. Um
anjo do Senhor entrou silenciosamente na prisão, cutucou Pedro no lado, e o
conduziu para a liberdade. A operação toda foi tão suave que a Rocha pensou
tratar-se de um sonho. Uma vez fora, o anjo retirou-se e Pedro se viu sozinho.
Que é que tudo isto tem que ver com João Marcos? Quando Pedro
percebeu o que havia acontecido, desejou desde logo encontrar-se com os
outros cristãos. Assim, o apóstolo encaminhou-se diretamente para o lar de
Maria. Sabia que os crentes estariam em reunião ali.
A despeito dos que dizem o contrário, Marcos evidentemente não era um
dos cristãos originais. Se chegou a conhecer a Jesus, foi somente quando ele,
João Marcos, era criança. Quando Pedro procurou a casa de Maria, já haviam
decorrido quase quinze anos desde a ressurreição. Marcos devia tornar-se um
daqueles que provavelmente não tinham visto, não obstante creram.
Marcos viu a fé cristã sob severa tensão. Ele gostava do que presenciava,
e nalgum momento resolveu crer.
Quando Pedro chegou à casa de Maria, bateu pacientemente à porta.
Rode, a criada, foi atender e ficou espantada. Deixando Pedro do lado de fora,
correu para dentro a contar aos cristãos. Os crentes disseram que ela estava
louca e insistiram em que ela havia visto um espírito. Mas Pedro continuou a
bater até que alguém voltou e o fez entrar.
Foi este tipo de Cristianismo que Marcos viu. Momentos de enorme força
e grandiosa fé; a seguir, atos de instável incerteza, dúvida e quase infantili-
dade. Mais tarde essas inconsistências podiam ajudá-lo a vencer algumas das
devastadoras tempestades.
Herodes executou os guardas que estavam de serviço, pois
evidentemente teve dificuldade em crer na história de anjos. A família de
Herodes era um dos mais sanguinolentos clãs da história, e finalmente
Herodes morreu comido por vermes. É fácil determinar a data desta passagem
porque a história nos diz que Herodes Agripa morreu no ano 44 de nossa era.
Tão-logo a perseguição terminou, Paulo e Barnabé trouxeram de
Antioquia para Jerusalém suprimentos de socorro. Com toda a probabilidade
hospedaram-se na casa de Maria. Ao regressarem a Antioquia, levaram
consigo um novo ajudante chamado João Marcos.
Marcos era inteligente. Todos temos liberdade de ler o evangelho que ele
escreveu e notar sua capacidade. Cristão intensamente interessado, ele
começou a coletar informações sobre a vida de Cristo. E provável que ele tenha
formulado uma multidão de perguntas tanto a Barnabé como a Paulo. Eles não
eram testemunhas oculares de grande parte do ministério de Jesus —
possivelmente de nenhuma; mas podiam contar o que lhes fora ensinado. A
maior parte do material viria de Pedro, mais tarde.
Seria correto retratar Marcos como um homem estudioso. Por fim ele
compilou um livro que necessitava de cuidadosos pormenores. Esse livro pode
ser a primeira Vida de Cristo a ser escrita.
Lucas, outro excelente historiador, conta-nos que Marcos serviu como
ajudante em sua viagem com Paulo e Barnabé. Literalmente, Marcos era um
"ajudante". Ele veio para ajudar. Os outros dois davam as ordens e tomavam
as principais decisões. Há motivo para crer que o cristão mais moço sentia-se
feliz com o relacionamento.
Os apóstolos tinham muito trabalho para um assistente. Possivelmente
pouco falava em público, ou nenhuma vez, mas ele podia controlar os supri-
mentos, guardar o dinheiro, procurar hospedagem. Marcos lubrificava a rodas
que mantinham o empreendimento missionário rodando a pleno vapor.
Nos tempos atuais de personalidades fascinantes, a posição de Marcos
talvez não parecesse tão emocionante. Ele não atraía as multidões e não tinha
ninguém que se apegasse às suas palavras. Um livro sobre a sua vida e
conversão não comoveria muitos corações nem renderia muito dinheiro. O
nome de Marcos estava mais destinado a uma lista de cavalos que nunca
vencem uma corrida. Mas isto em nada diminuía sua importância. Ele era um
cristão que permanecia para preencher a lacuna onde ele achava que Deus
queria que ele estivesse.
Com demasiada frequência os cristãos se desmerecem porque são
"ninguém". Parecem pensar que Deus emprega o mesmo sistema de fama,
riqueza e estrelado que empregamos. Usamos uma estrutura de pressão no
mundo. As pessoas são tidas na conta de valiosas por causa de sua capacidade
de executar e produzir. Os que não têm êxito são inúteis. Mas quando nos
tornamos cristãos, muitas vezes ainda adotamos o mesmo sistema de
avaliação.
Deus não divide as pessoas em categorias como importante ou não-
importante. Só os homens é que usam este padrão de medida. Ele não faz
distinção de pessoas; para ele, somos todos de igual valor. Alguns de nós
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vivemos ocupados demais olhando para os dons de outras pessoas a fim de


avaliar os nossos próprios (Romanos 12:3-8).
Parte da força de Marcos talvez se deva ao fato de ser ele primo de
Barnabé (Colossenses 4:10). É possível que seus pais fossem irmãos. Como
consequência, Marcos pode ter sido selecionado para a primeira viagem
missionária na base de nepotismo elementar. Mas não condenemos demais a
praxe. Ao escolher um parente, Barnabé pode ter evitado o problema de uma
personalidade estranha. Deste modo eles sabiam que terreno pisavam.
Há uma sutil porém distinta troca de liderança à medida que prossegue
a viagem missionária. Barnabé havia sido mentor de Paulo. Colocou-se ao lado
do ex-perseguidor e o apresentou à comunidade de crentes. Ele arriscou a vida
e provavelmente sempre se alegrou de tê-lo feito. Mas à medida que Paulo
crescia em estatura espiritual, o novo convertido mais se afirmava e agora
tomava a dianteira. É muito possível que nada tenha deixado Barnabé mais
feliz. Parece uma transição agradável, sem fogo de artilharia;
POR coincidência, Marcos começou a deixar de pensar nos outros dois.
Mudou de opinião e resolveu voltar a Jerusalém. Convenhamos, pode ter sido
uma decisão pusilânime essa de Marcos. Paulo, certamente, acreditava que era
(Atos 15:38, 39). Mas com toda a justiça que se faça ao apóstolo, a verdade não
começou nem terminou com ele.
A longo prazo, provavelmente foi bom Marcos ter desistido. Durante
quase dois mil anos seu gesto tem fornecido aos cristãos algo sobre o que
conjeturar. Se acrescentarmos a isso a questão do espinho de Paulo, a salvação
de Ananias e Safira e o vinho em Caná, temos material suficiente sobre o qual
ponderar mais dois milênios.
Houve desavença sobre problema doutrinário? Era Marcos um sonhador
que dedicava mais tempo à teoria do que ao trabalho duro? Seja qual for o
problema, o veredicto de Paulo foi profundo e doloroso. Marcos não poderia
ir com eles para o trabalho (Atos 15:38). Paulo recusou-se a aceitar Marcos na
segunda viagem missionária.
Esta foi, definitivamente, uma nota triste contra a reputação do jovem.
Paulo era admirado por muitos se não pela maioria. Se se tornasse público que
Paulo havia considerado Marcos como incapaz, a ferida teria sido grave.
Felizmente, Barnabé, homem de notável respeito, tomou a defesa do primo.
Agora é a vez de provar a elasticidade de Marcos. Ele tinha sido atingido
duramente, com justiça ou não. Que passos válidos poderia ou deveria ele dar?
Marcos poderia dar início ao seu próprio ramo do Cristianismo. Não seria ele
o primeiro nem o último. Muitas organizações partiram não das grandiosas
metas espirituais que suas cartas nos induziriam a crer, mas de alguns homens
em postos secundários, descontentes, que se lançaram a campo em defesa de suas
opiniões.
A maior parte de nossas grandes divisões históricas não é resultado de
profundos problemas doutrinários. Uma denominação se divide por causa da
questão de publicar ou não uma revista. Outro grupo separou-se devido ao
problema de permitir ou não que seus pastores usassem barba. No primeiro
século, muitas vezes as questões eram tão tolas assim. Uma congregação local
engalfinhava-se com outra quanto aos missionários que deviam acolher (3
João). Algumas eram ferozes a respeito da circuncisão e do comer carne de
porco (Atos 15).
De que ânimo era Marcos? Defender-se-á ele levando a cabo uma
campanha de mexericos contra Paulo? Introduzirá ele uma cunha tão
profundamente que não haverá jeito de removê-la? Problemas graves para um
jovem e para uma fé em crescimento; já havia inimigos em quantidade
suficiente do lado de fora sem que precisassem de inocular veneno entre seus
membros.
Dois anos após ocorrido o incidente, o problema de Marcos ainda estava
na mente de Paulo. Não sabemos como Marcos se sentiu, mas quando Paulo
propôs a realização da segunda viagem missionária, Barnabé quis levar
Marcos. Paulo exacerbou-se imediatamente e se recusou a aceitar o primo de
Barnabé. Não havia remédio. O apóstolo não conseguia confiar de novo em
Marcos.
Barnabé separou-se de Paulo e levou Marcos consigo em sua própria
viagem missionária. Por algum tempo, esta foi a última vez que ouvimos falar
de João Marcos. Não apenas meses ou mesmo anos se passaram; decorre uma
década antes que encontremos de novo traço de seu nome.
Talvez ele levasse uma vida de notável serviço. Pois, durante esses dez
anos, algo de significativo mudou na vida de Marcos. A próxima vez que
encontramos seu nome é numa carta que Paulo escreveu. O apóstolo descreve
seu ambiente e faz uma lista de seus companheiros. Paulo estava preso em
Roma, e um de seus colegas de prisão é um homem chamado Marcos
(Colossenses 4:10; Filemom 24).
Quaisquer que fossem as duras arestas criadas entre os dois, os
acontecimentos verificados no decorrer dos anos tinham evidentemente
eliminado tais arestas. Talvez Marcos tivesse passado por uma séria mudança
de coração e admitisse que estivera errado doze anos antes. Ou, é possível que
Paulo pedisse o perdão de seu ex-ajudante.
Um psicólogo cristão certa vez deu um conselho especialmente bom num
seminário, concernente a relações rompidas. Ele nos disse que nunca dissésse-
mos a alguém: "Não quero jamais saber de conversar com você." As portas têm
de ser deixadas abertas. Mesmo na mais áspera das hostilidades, deve-se
deixar espaço para a cura. Pobre do pai que diz: "Se você casar-se com ela, não
queremos vê-lo nunca mais." Essas são palavras fortes, difíceis de esquecer.
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Não há dúvida de que o relacionamento havia chegado a um ciclo


completo quando Paulo escreveu sua segunda carta a Timóteo, pois ele pediu
a Timóteo que levasse Marcos consigo: "e traze-o, pois me é útil para o
ministério" (2 Timóteo 4:11). A fé cristã desses homens era vibrante.
Não apenas Marcos se havia reunido com Paulo, mas sua esfera de
serviço havia crescido enormemente. De certo modo ele se familiarizou com
Pedro. Não apenas casualmente, pois haviam criado um forte respeito mútuo.
Ao escrever sua primeira epístola, Pedro termina-a enviando saudações de
Marcos (1 Pedro 5:13). O calor deste relacionamento é óbvio quando Pedro lhe
chama "meu filho". O famoso pescador tinha enorme respeito e afeição pelo
veterano missionário.
Vinte anos se passaram desde que encontramos Marcos pela primeira
vez na casa de sua mãe em Jerusalém. Ele resistiu a algumas tempestades. Sem
dúvida muitas mais do que sabemos. Marcos ainda é recomendado por sua fé
e serviço. Ele é bem conhecido entre as igrejas e evidentemente goza de boa
reputação. Tanto Pedro como Paulo mencionam o nome de Marcos porque
sabiam que seus leitores reconheceriam o nome dele.
Nossos agradecimentos, Marcos, porque venceste. Não sabemos se a
falta foi tua ou de Paulo. Talvez fosse apenas um mal-entendido recíproco. Mas
estamos contentes porque recuaste. Isso estimulará a todos nós quando
levarmos um golpe atordoante.

Algo sobre o que pensar


1. Os cristãos que você conhece têm os seus altos e baixos? Que coisas o
desanimam? Há um padrão perceptível?
2. Como vê você a oração? Por que oramos? Alguma vez você orou
pedindo um milagre e o recebeu? Explique.
3. Há muito ciúme entre os obreiros cristãos? Explique. Onde existe
ciúme, qual é a causa?
4. Que efeito as "personalidades" cristãs famosas exercem sobre a
igreja? Acha você que o efeito de longo alcance dessas personalidades é útil ou
desmoralizante?
5. Em sua opinião, quem provavelmente estava certo — Paulo,
Barnabé ou Marcos?
6. Você vê boa harmonia entre os cristãos? Explique.
7. Qual é o maior obstáculo à reconciliação? Por que as pessoas
guardam rancor por tanto tempo?
CAPÍTULO 12

PAULO - I Parte

Zeloso e franco, inspirou paixão nos outros

Quando mencionamos missionários corajosos, geralmente imaginamos


Livingstone cruzando o sombrio continente africano. Mas há um herói cristão
que pouca atenção desperta em nós. Seu nome é Ananias. Deus pediu-lhe que
fosse encontrar-se com um matador de cristãos. Às vezes tenho inveja dos
missionários que trabalham no Havaí ou em Jamaica, mas nunca desejei trocar
de lugar com Ananias.
O nome do carrasco era Saulo de Tarso — também chamado Paulo. Este
fariseu era, provavelmente, a menor perspectiva de conversão no mundo
civilizado. O ódio que ele votava à igreja de Cristo só podia medir-se
astronomicamente.
Paulo era um homem de consagração total. Não importa o lado em que
ele se encontra, ele dá tudo o que tem. É difícil retratá-lo como um homem
taciturno. De quando em quando ele pode ter-se lançado à autocompaixão,
mas raramente. Às vezes Paulo sentia-se solitário, e o dizia. Na maior parte das
vezes encontramo-lo como tendo tudo e sendo reservado.
O apóstolo é facilmente identificado como uma pessoa de notável
inteligência. Qualquer pessoa pode ler suas cartas e ver boa organização e
clareza. Muitos dos conceitos cristãos em torno dos quais nos movemos, Paulo
foi o primeiro a enunciá-los com precisão. Todos podemos ser gratos por ter
sido ele o primeiro grande erudito cristão.
Paulo também era bem-apessoado. Na maioria dos lugares ele atraía as
pessoas. Seu modo de expressar-se, sua sinceridade e sua lógica eram
irresistíveis. Mais de um adversário aceitou a Cristo depois de ouvir este
homem.
A despeito de seus grandes talentos e capacidades, este grande homem
fazia tudo para permanecer na raça humana. Algumas pessoas lhe tinham ódio
total. Trabalhavam com afinco para mantê-lo humilde. Os membros da igreja
de Corinto e de outros lugares não escondiam suas hostilidades.
Paulo vadeou muitas correntes e subiu centenas de montanhas íngremes.
Nem sempre ele estava certo, mas era sempre consagrado. Deus havia
escolhido um notável marca-passo.
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Pouco antes de Ananias encontrar-se com Paulo, o Terror de Tarso


acabava de completar uma campanha para eliminar os cristãos (Atos 9:1).
Enquanto ele se achava nesse processo, Jesus Cristo interrompeu-lhe a vida. A
estrada para Damasco foi o cenário de uma visão maravilhosa que transformou
por completo o anticristão. Em humildade, um homem orgulhoso e decidido
dobrou o coração diante do Senhor ressuscitado. Já não resistiria a um Deus
compassivo.
A viagem que Paulo realizava antes de sua conversão é bom indício de
seu zelo. Damasco estava a 190 quilômetros ao norte de Jerusalém —
provavelmente uma boa caminhada diária durante seis dias. Seus planos eram
os de prender cristãos que tivessem buscado refúgio na Síria. Havia uma
considerável população de judeus e de cristãos vivendo ali. Ele e suas tropas
iam prendê-los e trazê-los de volta para uma prisão de Jerusalém.
Naquele tempo os cristãos eram chamados o povo do "Caminho" (Atos
16:17; 18:26; 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22). Eles receberam este título porque Cristo
se referiu a si mesmo como "o caminho", em João 14:6. Posteriormente, em
Antioquia, os crentes foram chamados de cristãos.
Após sua dramática visão, Paulo foi conduzido cego para Damasco. Ali
ele permaneceu três dias e três noites sem comer nem beber.
Entra nosso herói — Ananias. Após não pequeno debate, Deus o
convenceu de que não havia perigo em visitar o monstro. O Senhor tinha um
plano especial e desejava empregar Paulo na conversão dos gentios. Ananias
foi (provavelmente sem entusiasmo) ao lar de Judas, na rua Direita. Ali
encontrou um Paulo domado, completamente destituído de garras.
Ananias pôs as mãos sobre Paulo e sua vista voltou. Paulo levantou-se e
imediatamente foi batizado. Os crentes que residiam em Damasco saudaram
seu antigo perseguidor como a um tio rico.
Este acontecimento deve figurar na mesma categoria em que figuram os
mais importantes já verificados na história cristã. Naturalmente, todos os
crentes têm igual valor diante de Deus. Não obstante, esta conversão ajudou
de modo tremendo a lançar a nova fé a uma posição elevadíssima. Se Pedro fez
o Cristianismo correr, Paulo ensinou-lhe a voar.
Paulo sentiu-se imediatamente entusiasta e começou a pregar nas
sinagogas de Damasco. Haven- do-se tornado mais intrépido em sua pregação,
os judeus se mostraram hostis. Resolveram que o vira- -casacas teria de morrer.
Quando seus novos amigos cristãos souberam disto, ajudaram Paulo a escapar
de Damasco baixando-o pelo muro em um cesto (Atos 9:25).
Em realidade me aborrece ver Paulo no muro. Que aconteceu ao homem
que podia fazer tudo? Sua fé havia falhado com ele? Paulo, volta e olha de
frente aqueles renegados e impressiona-os com tua coragem! Paulo num muro;
essa não!
Mas, graças a Deus por ele haver subido no muro. Todos nós somos
estimulados a saber que há um tempo para desistir. Algumas situações não
têm esperança. Não obstante, muitas vezes agimos como se o recuar fosse uma
desgraça. Como se fora uma corrosão moral o havermos pronunciado alguma
coisa irrecuperável.
Algumas pessoas têm desperdiçado anos perseguindo nuvens vazias.
Nada havia ali, mas não queriam admiti-lo. Quantas classes teriam florescido
se o professor tivesse senso suficiente para ir-se embora.
Alegramo-nos porque Paulo não estava brincando de herói num filme de
mocinho. Ele sabia quando desistir e se dirigiu para o muro. Estamos em
melhores condições porque ele foi escondido num cesto.
Então Paulo rumou para Jerusalém. Ele alimentava altas esperanças de
unir-se aos outros discípulos cristãos.
Antes de sua chegada, os discípulos encerraram a reunião. Não sabiam
que tipo de truque era este, mas não queriam ter parte alguma nele. Paulo era
um assassino que venderia sua própria mãe para matar os cristãos. Resolveram
rejeitar seu convite para um encontro — tudo isto a despeito do lapso de três
anos desde sua conversão (Gálatas 1:18).
A cena faz lembrar-nos Charles Colson e o caso Watergate. Colson tinha uma
horrível reputação como lacaio da Casa Branca. Diversos comentaristas
referiram-se a ele como um homem sem consciência.
Quando Colson se tornou cristão, muitas pessoas zombaram. Ele era
cheio de truques. O trapaceiro tentava obter uma sentença mais leve. O
advogado condenado precisava de tempo para provar, por palavras e atos,
quem ele era. Alguns cristãos o aceitaram prontamente e arcaram com o risco.
Outros se mostraram cautelosos e cheios de suspeitas. Talvez uns poucos
nunca tenham crido na sua conversão. Felizmente, um punhado de amigos
cristãos íntimos correu para o seu lado como a mariposa corre para a luz.
A mesma coisa aconteceu a Paulo. Ananias, Barnabé e um grupo de
crentes de Damasco correram o risco de tomá-lo como amigo. Eles devem ser
proclamados como os mais nobres dos crentes.
De quando em quando um cristão se vê em maus lençóis por fazer
amizade com outros. Mas esse é um risco que devemos estar dispostos a correr
porque amamos.
Depois que Barnabé tomou a defesa de Paulo, os discípulos concordaram
em aceitá-lo e com isso ganharam um fantástico irmão. Paulo não havia dado
seu testemunho por muito tempo quando os judeus gregos também quiseram
matá-lo. O fabricante de tendas deve ter-se encontrado numa posição crítica.
Os judeus não confiavam nele. Os judeus gregos queriam assassiná-lo. Os
cristãos não tiravam o olho do noviço. Não era fácil tornar-se crente.
Finalmente
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ele resolveu que a melhor coisa a fazer era voltar para Tarso. Talvez o tempo
se encarregasse de eliminar a fumaça e curar as feridas.
Com a conversão de Paulo, a perseguição à igreja reduziu-se a nada.
Seria difícil exagerar o terror que ele havia provocado nos primitivos crentes.
Ele havia massacrado a igreja (Atos 8:3). Agora ninguém era mais responsável
do que ele pela paz e prosperidade da mesma instituição. Seus membros
repentinamente se sentiram seguros porque Paulo era um deles (Atos 9:31).
A controvérsia acerca do nome do apóstolo parece interminável. Sua
solução, com toda a probabilidade, é simples. Ele sempre usou ambos os
nomes, Saulo e Paulo. Seus amigos judeus chamavam-no de Saulo. Ao tornar-
se missionário aos gentios, a maioria das pessoas usava o nome mais popular,
Paulo. Nada havia de complicado (Atos 13:9).
Se a igreja gozava de relativa paz, ela não estava ociosa. Novos grupos
de crentes surgiam aqui e acolá. Um grupo estava em Antioquia. Quando os
dirigentes da igreja de Jerusalém souberam do grupo, enviaram Barnabé até lá
para verificar. Ele ficou tão impressionado que foi a Tarso buscar seu velho
amigo Paulo, e os dois passaram um ano todo trabalhando com os novos
cristãos. Paulo estava acelerando a marcha.
Uma grande fome assolou o império romano durante o governo de
Cláudio. Os cristãos de Antioquia responderam à crise enviando socorro aos
necessitados em Jerusalém. Paulo teve o privilégio de ir com Barnabé nesta
missão de amor (Atos 11:28-30).
Paulo revelou muitas facetas durante suas aventuras cristãs. Às vezes ele
se acomodava e exercia o pastorado por alguns anos. Outras vezes ele era um
escritor que se dedicava extensamente à tarefa.
Poucas coisas o agradavam mais do que o papel de professor. Durante
anos Paulo viajou como consagrado missionário.
Sua carreira diversificada e colorida levou-o a uma variedade tremenda.
Ele não se sentiria feliz com algumas opiniões que alguns sustentam hoje.
Muitas vezes há uma pressão que insiste: "Uma vez pastor, sempre pastor." Se
um missionário não retorna ao campo, seria melhor que sofresse da coluna,
pois do contrário pensaríamos que ele sofreu uma crise moral.
Que teríamos pensado de Paulo? Na melhor das hipóteses, que era um
inconstante. Ele era livre e móvel. Se se sentisse levado a abandonar este
projeto e perseguir aquele, era o que ele fazia. Ele não podia ficar paralisado,
preocupando-se com o que os outros diriam, ou se o compreenderiam.
Uma grande parte do tempo de Paulo ele o passou como missionário.
Boa parte desses anos ele passou na estrada, visitando cidades. Sua primeira
viagem como ave totalmente emplumada começou por sugestão da igreja em
Antioquia.
Os crentes dessa igreja tinham um conceito fascinante sobre a escolha de
missionários. Os presbíteros de uma igreja local aproximaram-se de dois
consagrados cristãos e lhes pediram que se tornassem missionários. A igreja,
por sua vez, empenhou-se em oração (Atos 13:1-4).
Esta pode ser uma vasta melhoria quanto a algumas de nossas praxes
atuais. Em geral colocamos a maior pressão sobre a pessoa que deseja tornar-
se missionário. Segundo o sistema de Antioquia, a igreja tomou a iniciativa.
Dirigiram-se ao candidato em potencial e lhe disseram como sentiam que o
Espírito estava dirigindo.
Fale acerca de um construtor de confiança! Paulo e Barnabé devem ter-
se sentido como se estivessem planando no ar. As provações que enfrentariam
seriam suficientemente ruins. Pelo menos contavam com o ânimo de saber que
a igreja os apoiava. Talvez muitas igrejas contemporâneas devessem voltar à
mesma prática.
A primeira viagem missionária de Paulo foi um giro pela ilha de Chipre
e pela parte inferior da Ásia Menor (Atos 13; 14). Havia alguns no grupo,
incluindo Barnabé e João Marcos.
Um dos mais dramáticos acontecimentos ocorridos na viagem veio logo
no início, em Pafos, na ilha de Chipre. Como aconteceu em todas as suas para-
das, o povo dedicava-se ao paganismo. Adoravam a deusa chamada "A
Pafiense", uma divindade síria.
Enquanto estavam ali, o procônsul local, Sérgio Paulo, desejou vê-los
porque ele estava curioso com relação ao evangelho. Os apóstolos atenderam,
mas encontraram severa oposição. Barjesus, também chamado Elimas, mágico
e curandeiro local, bloqueou- -lhes o caminho, tentando impedi-los de ver o
procônsul.
Paulo não desperdiçou tempo com o charlatão e pelo poder de Deus feriu
a Elimas de cegueira (Atos 13:11). Enquanto seus amigos o levavam embora, o
missionário entregou as boas-novas, e o resultado líquido foi a conversão do
procônsul.
Era óbvia a presença de Deus no ministério de Paulo. Eles estavam
prontos para enfrentar todos os poderes com que se defrontassem. A próxima
parada foi Perge, onde João Marcos deixou a comitiva. Depois disso
prosseguiram para outra Antioquia — esta localizada na Pisídia.
Como sempre acontecia, os missionários visitaram a sinagoga e foram
convidados a falar à congregação. A apresentação que Paulo fez do evangelho
foi clara e comovente. Uma grande parte das pessoas desejava ouvir mais e no
sábado seguinte quase toda a cidade se apresentou para ouvir Paulo.
Este tipo de reação fez que algumas pessoas enlouquecessem. Porém,
quanto mais furiosas ficavam, tanto mais decididamente Paulo fazia ouvir sua
mensagem. Um evangelho de graça e perdão estava sendo pregado tanto a
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judeus como a gentios, mas no entender de alguns, esse evangelho era pior do
que o paganismo.
As multidões se reuniam para atormentar os homens e logo se viram
obrigados a deixar a cidade. Os apóstolos sacudiram o pó de seus pés e se
dirigiram para a cidade seguinte. Este era um velho símbolo de desprezo.
Alguns creem que era um gesto literal, e pode ter sido. Nesse caso, uma pessoa
e seu grupo paravam com grande aparato e tiravam as sandálias. Com grande
drama levantavam cada uma e as sacudiam para eliminar o pó. Qualquer
pessoa que presenciasse a cena saberia que eles tinham sido insultados.
Cristo ensinou seus discípulos a fazerem isto sempre que o auditório lhes
fosse hostil (Mateus 10:11-14). Se ele tencionava que o gesto fosse literal ou
figurativo é assunto que se pode discutir até o sol raiar.
Os missionários continuaram a ir de uma cidade para outra pela Ásia
Menor. Em Icônio muitos creram e os restantes os expulsaram da cidade.
Pregaram extensivamente nas regiões de Derbe e Listra. Em Listra Paulo curou
um homem que nunca tinha andado. O populacho ficou assombrado diante
deste indiscutível milagre (Atos 14:11). Devido a seus antecedentes pagãos, o
povo supôs que Paulo e seus amigos eram deuses. Chamaram a Barnabé de
Júpiter, e Paulo de Mercúrio. O único meio de tratar uma divindade era cultuá-
la, mas os cristãos declinaram da honra e o fizeram aos brados.
A fama é uma loucura passageira. Não passou muito tempo e alguns
homens tentaram matar os missionários a pedradas, e quase o conseguiram.
Paulo foi assaltado e atirado para fora dos portões, dado como morto.
Recuperou-se e no dia seguinte pôde viajar para Derbe.
Muitas vezes vemos uma viagem missionária como linhas num mapa.
Eles foram da cidade A para a cidade B e daqui para a cidade C. Em realidade,
essas viagens tinham menos de rifle e mais de espingarda. Percorriam de volta
o mesmo caminho, espalhavam-se pelo interior, passavam semanas aqui,
meses ali, e às vezes anos em vários lugares. Não estavam numa viagem de
promoção. Iam a toda parte onde pensavam que podiam entrar. Os missio-
nários tentavam deixar um ministério duradouro em cada região. Nomeavam
presbíteros que cuidassem do trabalho depois que eles se retirassem.
Quando Paulo voltou a Antioquia, apresentou um relatório à sua igreja.
Deus havia operado milagres e abrira o evangelho aos gentios. Então Paulo e
Barnabé tiraram algum tempo para comparecer ao monumental concílio em
Jerusalém (Atos 15). O testemunho deles foi de considerável valor em dar plena
estatura aos convertidos gentios.
Logo o zelo por anunciar as boas-novas fervia-lhes nas veias. Paulo e
Barnabé resolveram fazer nova visita àquelas áreas onde haviam pregado
antes. Barnabé e Paulo discutiram o caso de levar consigo João Marcos, uma
vez que ele os havia deixado durante a primeira viagem. Paulo recusou; assim,
Barnabé separou-se e levou consigo Marcos. Paulo pode ter errado. Então ele
escolheu Silas.
A segunda viagem missionária de Paulo levou-o a percorrer milhares de
quilômetros. Ele e Silas apanharam Timóteo ao longo da rota e também Lucas
foi junto. Alguns dos pontos destacados da viagem foram Filipos, Tessalônica,
Atenas e Corinto.
Em Filipos Paulo e Silas cantavam à noite na prisão (Atos 16:25). Antes
de terminarem o trabalho ali, o carcereiro tornara-se um cristão arrependido.
A próxima parada foi Tessalônica. Viram muitos convertidos e deram
início a uma excelente igreja. Como aconteceu em diversas cidades, tiveram de
fugir à noite.
Em Atenas Paulo pregou seu famoso sermão na Colina de Marte. A
história da ressurreição teve uma mistura de interpretações. Alguns a
receberam avidamente, enquanto outros apenas oscilavam e davam boas
risadas (Atos 17:32).
O quarto e principal acontecimento ocorreu em Corinto. As boas-novas
foram entregues primeiramente aos judeus da cidade. Rejeitaram-na, de modo
que Paulo, Silas e Timóteo se voltaram para os gentios. Tício Justo e Crispo,
este governador da sinagoga, aceitaram Jesus como o Messias, e Deus pediu a
Paulo que permanecesse em Corinto. Continuou a trabalhar com eles durante
um ano e meio.
A caminho de casa Paulo visitou Cencréia, Éfeso e Cesaréia. Em Cencréia
Paulo raspou a cabeça e tomou voto (Atos 18:18). Não sabemos por que fez isto.
Com toda a probabilidade foi grandemente movido por alguma coisa. É
possível que ele tenha raspado a cabeça duas vezes — uma vez quando tomou
voto e de novo quando o voto se completou. Nosso cabelo cresce à razão de 12
a 15 cm por ano, de modo que Paulo deve ter passado meses com pouco mais
do que uma camada flocosa de cabelos.
A reunião em Antioquia deve ter sido acolhedora quando Paulo voltou.
As amizades cristãs muitas vezes são profundas. Os que estiveram
estimulando desde o princípio tinham um lugar todo especial.
Contudo, Deus não tinha acabado de usar o fariseu convertido. Depois
de passar algum tempo em Antioquia, Paulo lançou-se à terceira viagem
missionária. Esta viagem novamente levaria o apóstolo a milhares de
quilômetros. Nós, os que temos automóvel, talvez achemos difícil avaliar o que
essas viagens significavam. Normalmente, o pé era o único meio de transporte.
Às vezes passava alguma carroça, mas o viajante logo desejava voltar a andar
a pé. O melhor método era viajar de navio, mas naturalmente havia poucos
lugares a que os navios podiam ir.
Em Éfeso Paulo encontrou crentes que conheciam somente o batismo de
João. Ouviram falar do Messias, mas o conhecimento que tinham era limitado.
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O apóstolo ajudou-os e foram batizados no nome de Cristo. Quando Paulo lhes


impôs as mãos, receberam o Espírito Santo e falaram em línguas (Atos 19:6). A
experiência pela qual passaram equivalia àquelas do Pentecoste, dos
samaritanos e de Cornélio.
Paulo procurou pregar nas sinagogas, mas depois de três meses foi
expulso. Então se mudou para o prédio que abrigava a escola de Tirano. Este
local veio a ser seu centro de pregação durante dois anos. Por toda a Ásia
Menor espalharam-se as notícias do fantástico ministério que ocorria ali.
Os milagres que Paulo realizou em Éfeso foram surpreendentes. Ele
exorcizou demônios. Esse pareceria um nobre esforço, mas na maioria das
comunidades pagãs os cidadãos haviam feito as pazes com os demônios. Eles
entendiam-se uns aos outros e aprenderam a transigir. Eram farinha do mesmo
saco.
Quando os habitantes da localidade se tornavam cristãos, abandonavam
os ídolos e deixavam o paganismo. Os que fabricavam os ídolos e os nichos
não gostaram nada desse negócio. Os ourives indignaram-se a tal ponto que
desejavam matar a Paulo (Atos 19:29) e seus companheiros.
Depois do tumulto Paulo e seu grupo partiram para a Macedónia. Em
Trôade um jovem por nome Eutico estava sentado numa janela ouvindo Paulo
pregar. O jovem dormiu e caiu do terceiro andar; morreu, mas o apóstolo o
trouxe de volta à vida. Os parentes desse jovem podem ser encontrados nos
últimos bancos das igrejas atualmente.
Paulo foi para Mileto, depois mandou chamar os presbíteros de Éfeso a
fim de encontrar-se com eles. Depois de dar-lhes as instruções finais, preparou-
se para partir; os amigos abraçaram-no e o beijaram. Sabiam que talvez não o
veriam de novo (Atos 20:37, 38).
Quando Paulo chegou a Tiro, os discípulos tentaram dissuadi-lo de ir
para Jerusalém, mas o apóstolo estava decidido a ir e não puderam demovê-lo.
Enquanto Paulo se preparava para a viagem a Jerusalém, veio da Judéia
um profeta por nome Ágabo. Com dramaticidade, o profeta tomou o cinto de
Paulo (uma peça que unia as vestes na cintura) e atou-o ao redor das mãos e
dos pés de Paulo. Então advertiu a Paulo de que se ele fosse a Jerusalém, os
gentios o prenderiam (Atos 21:11).
Significava esta profecia que Deus não desejava que Paulo fosse a
Jerusalém? Não necessariamente. O profeta nunca interpreta a profecia; ele
meramente declara os fatos. Se Paulo fosse, seria preso. Isso não significava
que não deveria ir; pode bem ser que Deus simplesmente lhe estivesse dando
a opção de voltar.
Alguns crêem que Paulo estava inteiramente errado em ir. Pode ser que
sim. Isto estava dentro de sua capacidade. Mas também ele pode ter estado tão
certo quanto esteve em qualquer tempo de sua vida. As conseqüências eram
consideráveis: Aguardava-o um longo período de prisão, e a igreja perderia
um missionário formidável.
Seus amigos achavam que o apóstolo estava errado em ir. Choraram e
rogaram-lhe que ficasse. Paulo assegurou-lhes que a prisão significava
relativamente pouco. Se necessário, ele estava disposto a morrer pelo nome de
Cristo.
A esta altura os amigos de Paulo eram como um cobertor numa nevasca.
Não concordavam com a decisão de Paulo. Todos tinham algo que dizer.
Conversaram, choraram, arrazoaram e argumentaram. Mas Paulo não se
demovia. Assim, abandonaram o assunto e ofereceram 100% de apoio. O
apóstolo realmente sabia como fazer amigos.
Compare este incidente com aqueles em que se lançam ultimatos. Um
pai diz a seu filho adulto: "Se você fizer desse modo, nunca mais me peça
conselho”. Uma mãe diz: "Se você casar-se com ele, não irei ao casamento."
Onde está a compaixão? Que acontece com a tolerância? Amigo cristão é
alguém que ama as pessoas das quais discorda. Amor condicional é
manipulação. Quando seu filho desobedece às suas ordens, ele ainda é seu
filho. Cristo tinha compaixão das pessoas que não o aceitavam.
Tornar-nos-íamos mais criativos, mais intrépidos se estivéssemos
seguros de que nossos amigos cristãos nos apoiariam. Eles não têm de
concordar — apenas amar.

Algo sobre o que pensar


1. Somos cautelosos demais em aceitar novos convertidos? Ou somos
descuidados demais quanto a aceitá-los?
2. Pode você pensar nos enganos cometidos porque alguém não
desistiu em tempo? Já experimentou isto?
3. Tinham os discípulos o direito de retardar a Paulo? Deveriam ter-
se encontrado com ele imediatamente?
4. Você já viu um cristão fazer amigos como Ananias e Barnabé
fizeram com Paulo? Explique.
5. Menosprezamos os cristãos que abandonam "ministérios de tempo
integral"? Alguns missionários que você conheceu passaram por esta
experiência?
6. Você conhece cristãos com os quais poderia ventilar a possibilidade
de se tornarem missionários? O sistema dos dirigentes eclesiásticos tomaria o
trabalho de iniciativa em seu grupo?
7. Sustentamos os cristãos com os quais não concordamos? Estamos
preocupados demais com a harmonia entre nossos amigos?
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CAPÍTULO 13

PAULO - II Parte

Prosseguindo sempre, não perdeu de vista a visão de


Cristo

Sempre que você tentar agradar a todos, o teto está sujeito a desabar.
Paulo alimentou os mais elevados ideais — se houvesse qualquer modo de
manter toda gente feliz, ele teria encontrado esse caminho. Mas às vezes o tiro
saiu pela culatra e o apóstolo feriu-se.
Sua situação é semelhante à de qualquer cristão. Há uma tensão suave
que nos faz desejar agradar-nos uns aos outros. Sabemos pela Bíblia e pela
experiência que não temos nenhum direito de ofender as pessoas. Em
realidade, Paulo foi o principal arquiteto deste princípio. Ele escreveu a diretriz
à igreja de Corinto: "Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a
fim de ganhar o maior número possível" (1 Coríntios 9:19).
A despeito de nossas mais nobres intenções não podemos manter todos
contentes. Chega um ponto em que devemos tragar a linha divisória e
meramente fazer a coisa a nosso modo. A ansiedade de Paulo por evitar ondas
resultou em confinamento agonizante.
Quando o apóstolo chegou a Jerusalém, contou aos cristãos judeus locais
os milagres que estavam acontecendo entre os gentios. Seu relatório recebeu
um misto de interpretações. Consequentemente, os presbíteros chegaram a um
compromisso tendo em mira agradar a todos. Paulo necessitava de fazer algo
para provar que ele não tinha abandonado o Judaísmo. De acordo com o plano,
esta providência cativaria os cristãos judeus de ambos os lados.
Felizmente, a seu ver, a oportunidade lhes batia à porta. Quatro homens
iam ao templo a fim de tomar os votos judaicos de purificação. Se Paulo se
juntasse a eles e pagasse parte da despesa, os judeus por toda parte ficariam
emocionados.
O plano pareceu bom para Paulo. Mas se ele tivesse sabido o que o
aguardava, o apóstolo poderia ter tomado a próxima diligência para a Ásia
Menor.
Houve uma revolta nos pátios. Alguns homens reconheceram Paulo
durante as cerimônias e queixa- ram-se em voz alta. Para eles Paulo era o
cristão judeu que ensinava blasfêmia contra o Antigo Testamento. Também o
acusaram de levar consigo ao templo um efésio por nome Trófimo, o que
constituía uma clara violação da lei do templo.
Com toda a probabilidade, esta última acusação não passava de um
boato acalorado. Quando as pessoas ficam com raiva, gritam tudo. Os
membros da multidão sabiam que o gentio era amigo de Paulo, mas
provavelmente não tinham visto Trófimo no templo.
Era um ato irresponsável por parte da multidão.
Todos deveríamos lembrar-nos da cegueira do ódio. Mesmo as cabeças
mais frescas fazem coisas irracionais e cruéis nessas circunstâncias.
Vemos o ódio ao máximo de sua cegueira na crucificação de Cristo. Ele
foi morto por causa do mais vil dos instintos. Jesus sabia que ele havia sido
entregue em virtude de inveja (Mateus 27:18). Um importante fator na
destruição é, muitas vezes, uma paixão fugitiva.
A multidão se avolumou instantaneamente. Os que gritavam coisas
absurdas eram convincentes. Não que as multidões saibam discernir com
maior acerto; elas são tradicionalmente seguidoras e não pensadoras. O grande
grupo pressionou Paulo de imediato. Agarraram-no e brutalmente o
arrastaram para fora do templo. Era agora uma multidão incontrolável que
começava a bater no apóstolo com força suficiente para matá-lo.
A morte de Paulo teria sido certa se alguém não interviesse. Um
voluntário anônimo (talvez o modesto Lucas) correu para chamar os guardas
romanos. Justo ao noroeste do templo estavam aquarteladas as tropas numa
fortaleza chamada Antônia. Estavam localizadas perto do templo para o
propósito específico de controlar multidões.
Pelo menos 200 soldados vieram da guarnição. Sem vacilar, desceram a
toda pressa os degraus que conduzem diretamente ao templo. A vista de solda-
dos correndo amedrontou de tal modo a covarde multidão que quase
evaporaram.
Incapaz de calcular imediatamente o que estava errado, o capitão
romano acorrentou Paulo. Todos lançavam acusações, o que só aumentava a
desordem. O capitão resolveu prender o apóstolo até que pudesse esclarecer o
problema.
Enquanto Paulo era conduzido escadas acima, perguntou se lhe era
permitido dirigir-se à multidão. O comandante consentiu e reinou silêncio
entre o ruidoso grupo.
Paulo aproveitou a oportunidade para dar seu testemunho. Passo por
passo, explicou quem era ele e como se tornara cristão (Atos 22:1-21).
A multidão podia estar um tanto inquieta, mas ouviu até certo ponto.
Todavia, quando Paulo lhes lembrou sua missão aos gentios, de novo pegaram
fogo. Reagiam agora como crianças frustradas. Rasgavam as vestes, atiravam
pó ao ar, em desespero gritavam juramentos e apelos. O discurso de Paulo não
havia terminado bem.
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A fim de protegê-lo e para posterior exame, o capitão levou Paulo para


dentro do castelo. Apenas no caso de não poder descobrir-se a verdade, Paulo
devia ser espancado. Os romanos usavam um azorrague com tiras de couro,
sendo cada tira encastoada de metal, osso e pedras. Não era raro que alguém
morresse sob tal tortura. Os guardas pouco se importavam.
Segundo a lei romana um cidadão não poderia ser açoitado sem um
julgamento justo. Paulo considerou esta uma boa ocasião para trazer à baila o
assunto de sua cidadania.
Os açoitadores indicados imediatamente se afastaram. Estiveram prestes
de açoitar um cidadão romano; as penalidades eram severas demais para que-
brar-se esta lei.
Em vez de açoitá-lo, o comandante conservou Paulo em prisão até que
pudesse ouvir os argumentos contra ele. Ordenou aos principais sacerdotes
que se apresentassem para a inquirição.
Durante o inquérito Paulo demonstrou muita calma e prudência. Sabia
que metade do sinédrio se compunha de fariseus e a outra metade era de
saduceus. Tudo o que o apóstolo tinha de fazer era mencionar a ressurreição.
Num segundo os dois grupos estavam brigando entre si, discutindo a
ressurreição. Finalmente os fariseus acharam que Paulo era inocente. Os
saduceus se enfureceram. O comandante, temendo que o apóstolo fosse
espeda- çado, mandou que Paulo fosse levado de volta à fortaleza.
Naquela noite o Senhor apareceu a Paulo. Queria assegurar-lhe que tudo
estava certo. O tumulto em Jerusalém tinha um propósito. Devido a ele Paulo
daria testemunho de Cristo na cidade de Roma (Atos 23:11). Isto tinha de ser
de grande conforto para o atormentado apóstolo, e a ocasião era excelente. Se
alguma vez Paulo precisou de um estímulo, este deve ter sido o momento.
Se Deus dava paz ao apóstolo, seus inimigos estavam decididos a não
dar-lhe. Quarenta daqueles homens somaram sua raiva e resolveram matar
Paulo. Juraram não comer nem beber até que o rebelde fosse silenciado para
sempre (Atos 23:12- 15). A conspiração deles necessitava da cooperação do
sinédrio. O plano era que Paulo fosse apresentado para novo interrogatório.
Então lhe dariam fim.
A esta altura entra na história um interessante personagem. É
identificado como filho da irmã de Paulo. Não sabemos como ele ouviu a
trama. É óbvio da discussão no sinédrio que o apóstolo tinha alguns amigos lá.
O sobrinho é apenas uma sombra que se move silenciosamente entrando e
saindo. Por certo ele arriscou a vida ao trazer a notícia a Paulo. O bando de
assassinos hostis não tinha problema algum em apagar a vida deste jovem
também.
Quando Paulo tomou conhecimento da trama, imediatamente exigiu a
presença de um dos centuriões e pediu que levasse seu sobrinho para falar com
o comandante. O militar não teve dificuldade em crer no relato do jovem acerca
do conluio para pegar Paulo e matá-lo. Mandou o rapaz para casa e convocou
dois centuriões.
O comandante literalmente convocou o exército. Pediu uma escolta de
470 homens. Esta incluía 200 homens fortemente armados, 70 soldados de
cavalaria e 200 lanceiros (Atos 23:23). Não haveria riscos desnecessários. Esses
números são inteiramente exequíveis visto como o comandante dispunha de,
pelo menos, 1000 homens sob seu comando.
Paulo deveria ser entregue com urgência no posto de Cesaréia, distante
95 quilômetros. Ali ele devia ser conduzido diretamente ao governador Félix.
Não sabemos o que o apóstolo pensava acerca da separação entre a Igreja e o
estado. Contudo, não nos restam dúvidas quanto a seus sentimentos sobre a
separação entre a cabeça e os ombros. Paulo era grato pela assistência militar.
Ele sabia o que os soldados não sabiam. Esta jornada não terminaria até que
ele finalmente chegasse a Roma. Deus já lhe havia picado a passagem.
Félix era o governador que Roma indicara para a Judéia. Ele ajuda a datar
nosso capítulo, porque a história nos diz que ele governou de 52 a 60 de nossa
era. Josefo, o historiador, retrata Félix como um governador severo, em quem
não se podia confiar. Os judeus enviaram uma delegação especial a Roma
pedindo a remoção do déspota, mas seu poderoso irmão Palas o protegeu.
Félix resolveu conservar Paulo até que seus adversários viessem de
Jerusalém. Talvez ele estivesse menos preocupado com fazer justiça a Paulo do
que com a segurança de seu próprio pescoço. Suas aventuras anteriores
fizeram-no cauteloso em ofender aos judeus desnecessariamente. Enquanto
isso, Paulo descansaria da sala de julgamento de Herodes.
Cinco dias depois chegou um grupo de Jerusalém para formular as
queixas contra o cristão. (Se os lacaios que ficaram para trás estivessem
cumprindo seus votos, não teriam comido por quatro dias. Talvez não se
sentissem infelizes, mas sem dúvida pareciam bem dispostos.) Ananias juntou-
se ao grupo e Tértulo foi trazido como principal porta-voz ou advogado.
Tértulo apresentou o caso com grande bajulação. Agradeceu a Félix a paz
que existia no território. Era uma sugestão em nada sutil de que se devesse
prevalecer a tranquilidade, seria prudente uma sentença condenatória (Atos
24:2).
Então Félix convidou Paulo a replicar às acusações apresentadas. O
apóstolo fez um breve histórico do problema e a seguir foi direto ao âmago da
questão. O verdadeiro motivo por que estava ali era seu ensino acerca da
ressurreição.
Paulo não desperdiçou suas palavras com o governador. Félix já sabia do
"caminho" cristão. Não sabemos exatamente como lhe veio tal conhecimento,
mas havia muitas possibilidades. Milhares de pessoas estavam agora dando
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seu testemunho. Talvez a mensagem tivesse mesmo impressionado a Drusila,


sua terceira esposa. De qualquer maneira, ele queria ouvir algo mais.
Entrementes, ele mandaria chamar Lísias, o comandante de Jerusalém.
Enquanto aguardava a vinda de Lísias, Félix resolveu ter uma audiência
privada com Paulo. Ele e sua esposa (que era judia) ouviram o apóstolo dar
maiores explicações sobre o "Caminho". Félix ficou amedrontado com o que
ouviu. O ensino era prático e ético. Esses eram conceitos que não se discutiam
com frequência nos círculos pagãos. Félix ficou abalado com algumas das
coisas que ouviu.
Mas os interesses de Félix estavam por demais divididos. Queria ouvir a
verdade, porém seus conflitos eram uma legião. O governador gostaria tam-
bém de ganhar algum dinheiro nesse caso; queria que Paulo lhe desse propina.
Era assim que Félix estava acostumado a funcionar. Gostaria, também, de ver
os judeus apaziguados. Félix necessitava de que Roma desconhecesse tais
fatos. Era como querer montar quatro cavalos ao mesmo tempo. Não há meio
de dirigir bem todos eles.
Ainda alimentando esperanças de ter o bolo e comê-lo, Félix despediu
Paulo e lhe disse que voltariam a encontrar-se. Ele é o exemplo clássico da
procrastinação. O governador estivera face a face com a verdade e resolvera
esquivar-se dela. Ele é um parente autêntico de todos nós.
Era fácil ir deixando o problema de lado dia após dia. Muitos de nós não
gostamos de tomar decisões. Talvez < Félix esperasse que irrompesse uma luz
especial. Se ele soltasse Paulo, seus inimigos se inflamariam. Se ele mantivesse
o apóstolo preso, sua consciência podia continuar a agitá-lo. Além disso, havia
a questão do dinheiro que ele esperava receber.
E com isso, as semanas viraram meses e os meses viraram anos. Dois anos
depois Félix foi aliviado deste cargo. E ele ainda não havia solucionado o
problema de Paulo. Valendo-se da última procrastinação, Félix decidiu deixar
o apóstolo para seu sucessor julgar. Era a falta de sentido para enlouquecer
qualquer pessoa.
A segurança que Paulo recebeu de Deus deve ter significado muita coisa
no momento. As noites solitárias na prisão teriam sido suficientes para provar
a fé, seja lá de quem for.
Festo era o novo governador. Nem ainda havia desempacotado sua
túnica quando o problema de Paulo veio à baila. Os dirigentes religiosos de
Jerusalém pediram que o rebelde fosse enviado para lá — ainda planejando
uma emboscada para Paulo. (Esses líderes religiosos devem ter-se cansado de
não comer todo este tempo!)
O novo governador recusou o pedido e convidou os membros do
sinédrio a comparecer para um novo julgamento. Vieram, e o ódio ainda
bramava como um dragão com azedume.
Depois de ouvir as acusações, Festo surgiu com uma surpresa. Por que
não enviar Paulo de volta a Jerusalém e ser julgado ali? Ainda constitui
mistério saber como os renegados conseguiram que Festo concordasse nisto.
Felizmente, Paulo estava por demais alerta para cair na traição deles.
O apóstolo protestou e apelou para César (25:10). Reconheceu
plenamente o domínio de Roma sobre ele e estava disposto a aceitá-lo.
Inclusive a execução estava dentro da autoridade de César. Mas Paulo não
tinha planos de ser assassinado por uma multidão desenfreada.
O apóstolo não teve a mínima hesitação em usar os tribunais civis. Deus
os colocara em poder para proteção das pessoas (Romanos 13). Paulo ensinou
isso, creu no que ensinou e fez uso deles.
Festo não parecia nem um pouquinho perturbado. Não sabia como havia
entrado nesta confusão, mas estava feliz por sair dela. Se um cidadão romano
apelava para César, quem era ele para negá-lo? Paulo poderia tomar o primeiro
navio que saísse, no que dissesse respeito a Festo.
A esta altura, o rei Herodes Agripa e sua esposa, Berenice, vieram a
Cesaréia para cumprimentar o novo governador. A família toda de Herodes
compunha-se de cruéis degoladores. Cada membro do trono havia assassinado
a fim de manter segura sua posição.
Festo contou ao rei judeu acerca do apóstolo e das circunstâncias que
cercavam sua prisão. Agripa achou que gostaria de conhecer o homem. No dia
seguinte o rei e esposa entraram na sala de reunião com pretensiosa pompa, e
após breve apresentação Agripa pediu a Paulo que falasse.
Paulo fez uma excelente exposição de sua fé (Atos 26). Descreveu com
orgulho sua herança judaica. Retratou seu papel como perseguidor da igreja.
Então, com drama comovente, Paulo delineou o milagre que o trouxe a Cristo
na estrada para Damasco, e desafiou diretamente o rei.
A defesa de Paulo era compassiva. Não se tratava de uma simples
solicitação de amizade. Não estava pedindo ao rei que fosse pescar com os
meninos. Era um convite para que se reconciliasse com o Deus Vivo mediante
Jesus Cristo.
Festo não estava impressionado — ele considerava Paulo um louco e o
disse. Evidentemente, Agripa não se comoveu também. Praticamente, disse:
"Com este pequeno argumento você espera persuadir-me?" (26:28, paráfrase).
Realmente, é mais uma declaração de escárnio do que de acordo. Agripa tinha
muitos interesses que o impediam de mudar de barco. Não se abandonava
tudo tão facilmente assim para tornar-se cristão. Talvez homens como Mateus
e Pedro pudessem deixar tudo. Mas os reis não fariam isso. Cristo não tinha
nada a reivindicar de sua vida.
Festo e Agripa retiraram-se para discutir o caso da prisão de Paulo.
Qualquer que fosse seu problema religioso, ele nada havia feito que justificasse
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o encarceramento. Conforme disse Agripa, eles poderiam tê-lo libertado se não


houvesse apelado para César.
O apóstolo provavelmente não ficou confuso pela decisão. Ele nunca
duvidou de que ia para Roma. Se a viagem fosse demorada, ele disporia de
todo o tempo para divulgar o evangelho.
Paulo foi entregue a um centurião para sua histórica viagem à Itália. O
nome do militar era Júlio; ele fazia parte da guarda de Augusto. Diversos
presos deviam cruzar o Mediterrâneo.
Júlio era um homem atencioso; praticamente, todos os centuriões
mencionados no Novo Testamento o eram. Quando o navio atracou em Sidom
após um dia no mar, Paulo teve permissão para desembarcar. Ali ele
encontrou-se com amigos e recarregou as baterias espirituais e emocionais
antes de fazer-se de novo ao mar.
Se Júlio era um homem bondoso, esta amizade que não tinha
probabilidade de acontecer também fala bem de Paulo. O apóstolo atraía
outras pessoas. Seu jeito e sua personalidade muitas vezes ganharam o dia para
ele.
Em Alexandria mudaram de navio, embarcando num que se dirigia para
a Itália. Quando se fizeram ao mar, foram saudados por um vento que obrigou
o barco a ir para o sul da ilha de Creta.
O capitão do navio queria partir antes que os ventos engrossassem. Mas
Paulo advertiu-o de que a viagem só resultaria em dano para o navio e perda
de vidas. Finalmente, Júlio concordou com o capitão e se lançaram de novo ao
mar intranquilo. O inverno seria rigoroso no porto onde se encontravam, por
isso resolveram correr o risco de navegar. Navegavam junto à linha costeira.
Subitamente veio uma gigantesca tormenta. Marinheiros
experimentados chamavam Euro-aquilão a esse vento forte porque ele vinha
do nordeste. Havia grande preocupação de que o navio pudesse partir- -se.
Apressadamente começaram a amarrar cabos em modo que ele alugou
uma casa. Durante esse tempo ele realizou o trabalho que Deus lhe reservara.
Paulo foi um missionário de curto prazo ao povo da Itália.
Lucas diz-nos que Paulo pregou com confiança, com toda a intrepidez, e
ninguém tentou impedi-lo (Atos 28:31).

Algo sobre o que pensar


1. Você se sente pressionado a agradar a todos? Temos levado esta
pressão longe demais?
2. Quais são alguns efeitos maléficos do ódio? Como é que ele cega a
capacidade de julgar?
3. Estava Paulo errado em defender seu caso perante o exército
pagão? Podem os obreiros cristãos esperar que o governo os proteja?
4. O sobrinho de Paulo correu grande risco em avisar o tio. Lembra-
se de alguns cristãos silenciosos mas valentes?
5. Alguns homens cometem atos cruéis em nome de sua fé. Pode
lembrar-se de alguns?
6. Paulo recebeu mau tratamento por parte de autoridades que
procrastinaram. Lembra-se de tempos em que as pessoas foram feridas porque
outros se recusaram a tomar decisões?
7. Você aceitou a Cristo prontamente ou depois de muita indecisão?
Por que você agiu como agiu?
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DOZE CRISTÃOS
INTRÉPIDOS
Perfis de coragem no primeiro século para inspirar nossa fé no século vinte!

BARNABÉ, que via o melhor em todas as pessoas

ESTÊVÃO, que Viveu o Espírito de Cristo

TIMÓTEO, possuía personalidade sensível, disposta

APOLO, cortês e capaz

PEDRO, a "rocha" de formação lenta

FILIPE, que demonstrou responsabilidade financeira

CORNÉLIO, que preparou o caminho para todos nós

DORCAS, de epírito alere e generoso

TIAGO, céptico a princípio, depois o dirigente destemido

SILAS, calmo, corajoso, dino de confiança

MARCOS, que cresceu na fé

PAULO, inspirador, franco, sempre avançando

WILLIAN L. COLEMAN, diplomado pelo Grace Theological Seminary, é autor


e orador renomado. Reside em Aurora, no estado de Nebraska. Casado com
Patrícia Ann, o casal tem três filhos

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