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MÚSICA RUSSA

2018/2019
PARA Conservatório Regional de Palmela
Alexandre Almeida
TROMPETE Prof. Orientador Mário Carolino
Análise de concertos de Oskar Böhme e
Alexander Arutiunian ; Influência de
Timofei Dokshitzer.
Índice

 Introdução
 Contextualização históricas e características do estilo russo
 Timofei Dokshitzer e sua influência no repertório para trompete
 Oskar Böhme
o Biografia
o Concerto em Fá Menor
 Alexander Arutiunian
o Biografia
o Concerto para Trompete
 Conclusão
 Bibliografia
 Webgrafia
Introdução

No repertório do trompete, quando se fala em concertos pensa-se nos


concertos da época clássica de Haydn, Hummel e Neruda; ou até mesmo nos
concertos barrocos de Telemann ou Tartini. No entanto, em termos de música
russa, o concerto de Arutiunian estabeleceu-se como obrigatório na literatura do
instrumento. Assim, surgiu a vontade de pesquisar mais sobre o repertório russo
para o instrumento e escolher 2 concertos para analisar. Devido à sua influência
na divulgação do instrumento e do repertório soviético, Timofei Dokshitzer será
também alvo de estudo.
Após uma análise breve do estilo russo e características do movimento
nacionalista, será feita uma pequena análise dos 2 concertos, tendo em vista a
relação das características nacionalistas com as composição apresentadas.
Contextualização histórica e características do estilo russo

Para uma melhor compreensão do repertório russo para trompete é


necessária uma breve contextualização história da música russa, com particular
destaque para o movimento nacionalista. O século XIX no continente europeu
foi alvo de extremas mudanças no panorama artístico. O domínio germânico era
visto como uma ameaça à criatividade musical das outras nações, bem como o
elevado reconhecimento que os compositores da zona austro-germânica
recebiam. Assim, surge a vontade de criar novos estilos que exaltem os valores
nacionais de cada país. Este movimento rapidamente se espalhou por toda a
Europa e até mesmo para os Estados Unidos da América. O nacionalismo era
bastante forte na Rússia, onde os compositores rivalizavam com os de qualquer
outro país e que acabaram por influenciar também os compositores alemães,
que eram até então marcavam as tendências musicais na Europa.
O nacionalismo russo revelou-se primeiramente na literatura, através de
autores como Alexander Pushkin (1799-1837) e Nicolai Gogol (1809-1852). Para
além da sua importância no início deste movimento, serviram também de
inspiração aos compositores. Exemplo disso é a ópera “Ruslan e Lyudmila”, de
Glinka, cuja narrativa tem como base o livro de mesmo título, escrito por
Alexander Pushkin.
Mikhail Glinka (1804-1857) o primeiro russo a incorporar características
nacionalistas nas suas composições. Ainda que a sua música tivesse por base
elementos de influência germânica, as suas óperas possuíam um aspeto único:
temas e narrativas russsas. Na ópera “Uma vida pelo Czar” (1836), ainda que
estejam presentes elementos das óperas italiana e francesa, Glinka utiliza
melodias folclóricas russas de forma a criar uma obra patriótica e de caráter
marcadamente russo. A sua segunda ópera, “Ruslan e Lyudmila” (1842),
expandiu as tendências nacionalistas introduzindo a escala de tons inteiros,
cromatismos, dissonâncias e a técnica das variações, que é encontrada
frequentemente em canções populares russas.
No último quartel do século XIX, vários compositores russos começaram
a incorporar o nacionalismo nas suas obras, através de várias técnicas. O próprio
Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893) introduziu temas russos e melodias
folclóricas nas suas composições, mas foi mais conservador em relação ao
aspeto nacionalista. Ainda que se destaque o caráter predominantemente russo,
Tchaikovsky não se distancia do já estabelecido estilo de forma e harmonia
ocidental.
No entanto, houve compositores que promoveram o movimento
nacionalista de uma forma mais dura. Ficaram conhecidos como o “Grupo dos
Cinco” e defendiam a cultura russa agressivamente: Alexander Borodin (1833-
1887), um químico; Cesar Cui (1835-1918), um engenheiro civil; Modest
Mussorgsky (1839-1881), um funcionário público; Nicolai Rimsky-Korsakov
(1844-1908), um oficial naval; e Mily Balakirev (1837-1910), o único com
formação musical deste grupo e que ensinou os outros. Eram contra a formação
do Conservatório de São Petersbugo, liderado por Anton Rubinstein e que tinha
formação germânica. O principal objetivo do grupo era criar uma verdadeira
escola nacionalista de música russa, compondo obras vocais e programáticas
que evocassem as qualidades patriótricas. As suas composições abrangem um
leque vasto de temas: a ópera “Boris Godunov” (1872), que retrata a história
russa e “Quadros numa Exposição” (1874), onde quadros de pintores russos são
retratados, de Mussorgsky; ou ainda “Grande páscoa russa, abertura” (1888) de
Rimsky-Korsakov, que retrata temas religiosos. Este último tinha um talento inato
para a orquestração e ajudava por vezes os restantes membros.
Rimsky-Korsakov serviu de ponte entre os compositores do final do século
XIX e os do início do século XX, alguns dos quais seus discípulos do
Conservatório de São Petersburgo, onde lecionou composição e promulgou os
seus ideais nacionalistas. O estilo russo derivou para uma faceta mais
experimentalista no século XX, através de compositores como Igor Stravinsky
(1882-1971) e Dimitri Shostakovich (1906-1975), que reduziram a importância
dada anteriormente ao nacionalismo. Isto deve-se, em parte, ao facto de ambos
terem passado parte da sua educação e carreira fora do seu país natal.
Devido às várias influências previamente mencionadas, acabou por ser
criado um estilo único que, de certa forma, imitava as melodias populares,
através de estruturas melódicas e tonais simples e com uma estrutura rítmica
irregular, devido à passagem oral das mesmas. Os russos reintroduziram
também a modalidade, que permitem liberdade melódica e harmónica; este estilo
acarreta uma falta de simetria, fruto desta liberdade.
Timofei Dokshitzer e sua influência no repertório para trompete

Nascido a 13 de dezembro de 1921 em Nehzin, Ucrânia, Timofei


Dokshitzer foi o mais conceituado trompetista solista soviético. Proveniente de
uma família musical; o seu pai não era formado em música mas tocava várias
instrumentos e tinha talento para a composição, dirigindo várias orquestras
locais, o seu irmão e um dos seus primos era um trompetista profissional;
Dokshitzer estava predestinado a seguir uma carreira musical. No verão de 1932,
e como era hábito nesta época que divisões militares treinassem rapazes de
tenra idade, ingressou no 62º Regimento de Cavalaria e foi aí que iniciou um
estudo metódico do trompete. Após 3 anos, decide sair para poder dedicar mais
tempo ao instrumento.
Com 14 anos ingressou no Conservatório de Moscovo, sendo o primeiro
aluno a estudar intrumento de metal nesta instituição. Durante a sua estadia no
conservatório, conheceu Vladimir Peskin que compôs uma peça virtuosística
“Scherzo”. Esta seria a primeiro de muitos obras que viriam a ser compostas
para Dokshitzer. Primeiramente, este considerou-a muito difícil e estava até
relutante em aprendê-la, mas acabou por aperfeiçoá-la e tocá-la inúmeras vezes
em concerto. Em 1939, termina os estudos no conservatório e entra em
digressão pela Mongólia com a Balalaika Orchestra, grupo com o qual tinha
tocado deste o seu tempo no exército.
No verão de 1942 foi destacado para o exército Russo, patrulhando
Moscovo em plena 2ª Guerra Mundial. A cidade era bombardeada todos os dias
e tocar trompete foi deixado para segundo plano. Em 1943, as tropas russas
conseguiram afastar os alemães de Moscovo e a cidade respirou de alívio. O
serviço militar de Dokshitzer terminou em 1945, com o fim da guerra, e foi o
ocupar o lugar de 1º trompete na famosa orquestra do Bolshoi Theater, posição
que tinha ganho pouco tempo antes do término da guerra e que ocupou durante
40 anos.
Em 1951 ingressa novamente no Conservatório de Moscovo, desta vez
para estudar Direção de Orquestra. Apesar da enorme vontade que tinha em
estudar nesta área e afirmar que esta contribuiu para o seu desempenho
enquanto solista, sempre se questionou sobre se o seu verdadeiro lugar era a
dirigir. Depois de concluir os estudos, ganhou a audição no Bolshoi Theater e
tornou-se maestro assistente. Em 1971, vinte anos depois do início dos seus
estudos nesta área, a sua posição foi dissolvida devido a redução de custos.
Durante a sua estadia na orquestra teve a oportunidade de tocar
variadíssimos solos da literatura orquestral, incluindo os da 7ª e 11ª sinfonia de
Shostakovich na sua estreia, que lhe valeram a confiança de inúmeros maestros
e lançaram a sua carreira solística. Na década de 1950 já tinha tocado em países
como a China e os Estados Unidos da América, para além de extensas
digressões pela Europa. À medida que a sua popularidade aumentou, começou
a incluir masterclasses no programa das digressões. Durante toda a sua carreira
não usava partitura nas suas performances a solo, afirmando que a música
estava dentro de si e que enraizava na sua memória.
Vários compositores abordaram Dokshitzer, quer para pedir opinião
acerca de uma pela já escrita para trompete ou até mesmo para discutir a
possibilidade de comporem uma peça nova. Através da comissão, dedicação ou
até mesmo da simples oferta de opinião, foi responsável pela composição de
inúmeras peças para trompete. O seu feeback acerca de peças já existentes foi
bastante importante; por exemplo o Concerto para Trompete de Arutiunian que
não foi escrito propositadamente para ele, mas cuja opinião levou ao
melhoramento do mesmo e até à integração da cadência que compôs, sendo
esta considerada parte integral da obra. A sua carreira de solista durou cerca de
três décadas, desde o final da década de 1950 até 1990.
Em 1990 muda-se para a Lituânia para escapar à instabilidade política
que ainda se sentia na Rússia. Devido aos seus problemas cardíacos, limitou-se
a leccionar durante 2 anos. Em 1992, volta a dar concertos e viaja até para os
Estados Unidos da América; acabou por gravar mais CD’s e transcrever peças.
No seu 75º aniversário, celebrado no Bolshoi Theater, foi apresentado um ballet
e teve a oportunidade de assisti-lo da tribuna do Czar.
Deixou um legado enorme para todos os trompetistas, transcrevendo e
adaptando inúmeras peças de outros instrumentos para trompete e compondo
inclusive algumas peças. A quantidade de arranjos e obras compostas para ele,
contribuíram para o alargamento do repertório do instrumento, para além do facto
de ter gravado todos os grandes concertos compostos por compositores
soviéticos; as suas interpretações servem de referência a qualquer trompetista.
Oskar Böhme – Biografia

Oskar Böhme nasceu a 24 de fevereiro de 1870 em Potschappel.


Recebeu as suas primeiras aulas de trompete do seu pai, trompetista amador
que integrava bandas locais. Integrou o Conservatório de Música de Leipzig,
onde estudou trompete e composição, tendo terminado os estudos em 1888.
Entre os anos de 1888 e 1894 não existe informação acerca das suas atividades,
mas pensa-se que terá feito digressões pela Europa enquanto solista e até
integrando orquestras.
Em 1894 realojou-se em Budapeste, onde integrou até 1896 a Orquestra
da Casa Real Húngara de Ópera. Em 1897, mudou-se para São Petersburgo
para integrar a orquestra do Teatro de Mariinsky, posto que ocupou até 1921.
Entre 1921 e 1930, Böhme lecionou na escola de música da ilha de Vasilievsky
e entre 1930 e 1934 tocou na Orquestra do Teatro de Leningrad. A partir de 1934,
lecionou na escola de música de Orenburg, até que em 1936, devido ao
movimento anti-germânico presente na Rússia depois da 1ª Guerra Mundial foi
obrigado a deixar esta posição e a lecionar numa escola de música perto dos
Montes Urais até ao que se pensa ter sido o ano de sua morte, 1938.
Estava presente na sua família uma grande tradição trompetística. O seu
irmão, William (1861-1928), também era trompetista. Foi o primeiro professor de
trompete na Academia Real de Música Húngara, hoje conhecida como Academia
de Música Franz Liszt. Entre 1896 e 1908, ocupou a posição que o seu irmão
tinha ocupado na Orquestra da Casa Real Húngara de Ópera. Também integrou
a orquesta do Festival de Bayreuth entre 1891 e 1901.
Existe falta de informação acerca de Oskar Böhme e as suas atividades
durante vários períodos da sua vida, talvez devido ao facto de fazer várias
digressões solísticas enquanto tocava nas referidas orquestras. Nesta época o
público adorava solistas de cornetim, ainda que os críticos ainda não o
considerassem como um instrumento solista legítimo.
Oskar Böhme contribui sem dúvida para a música russa, sendo as suas
composições mais famosas o seu Concerto para Trompete em Fá menor , op.
18 e o Trompetensextett em Mí menor, op. 30.
Concerto em Fá menor

O concerto de trompete foi primeiramente escrito em Mi menor para


trompete em lá. É dedicado a Ferdinand Weinschenk, professor de trompete de
Böhme no Conservatório de Leipzig. O concerto foi publicado em 1899 para
trompete e piano. Estima-se que a versão orquestral foi publicada por volta de
1902 ou 1903. Foi publicada em várias edições na tonalidade de Mi menor até
que Franz Herbst fez a revisão da obra em 1941 e alterou a tonalidade para Fá
menor para o trompete em Síb.
O concerto segue a forma típica de concerto, com uma forma de três
andamentos baseado no padrão rápido – lento – rápido.

1º andamento

A forma do primeiro andamento é A B A'C A A' B' Introdução A' Coda, com
uma introdução de 6 compassos que precede o material temático. O esquema
das tonalidades para as respectivas seções, incluindo a introdução é o seguinte:

Secção Intro. A B A’ C A A’ B’ Intro. ‘ A’ Coda


Tonalidade f f Ab f C f G Eb f f Db / f

Depois de uma breve introdução do piano, o trompete entra com a


seguinte melodia, que marca o início da secção A:

Exemplo 1: Compassos 15-19

Esta melodia vai de encontro às características da escrita nacionalista


russa. O registo é restrito no início, com exceção dos saltos de 12ª e 8ª no
compasso 18, realçando a relação tónica – dominante. A frase é composta por
uma melodia simples, derivada de música folclórica russa. Depois de uma breve
pausa no ré (colcheia com ponto, compasso 19), retoma a melodia:

Exemplo 2: Compassos 20-24

No exemplo 3, outra característica da música russa está claramente


presente através repetição do motívio rítmico das sextinas. Este motivo começa
no compasso 25 com a escala descente a começar em Míb e posteriormente,
no compasso 27, a começar em Sol. O trompete ascende no compasso 29,
através da escala de Síb Maior, até ao Ré e, no compasso seguinte, através da
escala melódica de Sol menor até ao Síb, o que propicia a mudança de
tonalidade para esta na secção B.

Exemplo 3: Compassos 25-36

Na secção B o caráter muda completamente, para um cantabile


ligeiramente mais lento. Como é exposto no exemplo 4, a melodia é novamente
estritamente diatónica com exceção do Dó# (compasso 40), que é a 5ª do
acorde aumentado de Fá tocado pelo piano nos compassos 40 e 44.
Exemplo 4: Compassos 39-46

A frase continua no compasso 48 com algumas passagens rápidas,


primeiro sobre a escala descendente de Síb Maior a terminar no 6º grau e depois
sobre a escala cromática a começar em Mí e a terminar em Sol, esta última com
um ritmo mais irregular.

Exemplo 5: Compassos 48-62

Depois de 12 compassos em que o piano toca algum material que


relembra secção A, o trompete entra na secção C com algo que parece um tema
secundário. A maior parte desta secção não pode ser considerada melódica,
visto ser maioritariamente constituída por um motivo de ostinatos rítmico sobre
arpejos. A intenção desta secção é demonstrar a capacidade técnica do
instrumentista, já que é extremamente difícil executar a passagem de forma
limpa ao tempo indicado.
Exemplo 6: Compassos 75-89

No compasso 90, temos novamente a secção A com uma breve


introdução de 3 compassos do piano e a reafirmação do tema por parte do
trompete, apenas com diferenças nos compassos 101 e 102 em que, ainda que
o ritmo seja igual, mudam as escalas descendentes (exemplo 7).

Exemplo 7: Compassos 101-102

No compasso 103, inicia-se a secção A’ ao mesmo que tempo que


assistimos a uma modulação para Lá Maior através do tríolo sobre o Fá#.
Repete-se o motivo rítmico da secção A e acaba a secção com a passagem
sobre o arpejo de Lá Maior.
Exemplo 8: Compassos 103-110

Depois de uma breve secção B’ e repetição da secção Introdução pelo


piano, chegamos à secção A’, onde pela 3ª vez neste andamento o trompete
expõe a 2ª parte do tema A. Nesta secção, o tempo acelera consideravelmente
e A partir do compasso 147 entramos na secção Coda, com a ascensão rápida
pela escala de Míb maior seguidos de um intervalo de 13ª até um Ré, onde se
inicia a escala de Sol menor melódica novamente até um Síb e com um salto de
14ª até ao Ré do compasso 150. Nos compassos 151 e 152 existe uma
passagem pelo acorde de Dó# diminuto nas tercinas, sendo que depois se repete
o tema A nas semicolcheias. Esta secção termina com uma passagem rápida de
semicolcheias que enfatizam a dominante (compassos 169-172) e a passagem
pelo arpejo de Sol, a tónica, nos compasos 173 e 174, até terminar o andamento
com a escala melódica de Sol a começar em Ré, a dominante.
Exemplo 9: Compassos 155-177
2º andamento

O 2º andamento é curto e apresenta forma ternária, com um caráter de


hino. O andamento começa com uma introdução de 6 compassos do piano
extremamente lenta, com a marcação de tempo de semínima igual a 48 (Adagio
Festivo). O trompete entra no compasso 7 e apresenta o tema, em Míb Maior. A
já habitual repetição dos padrões rítmicos é característica desta primeira frase.
Estão presentes 2 motivos rítmicos nesta frase: o primeiro (compassos 7, 10, 11
e 14) é a semínima com ponto seguida de 3 colcheias e o segundo (compassos
8 e 9), uma mera reordenação do primeiro, 2 colcheias seguidas de uma
semínima com ponto e colcheia.
O tema não se desvia muito da tonalidade exceto entre os compassos 31
e 42, onde ocorre uma breve modulação para Dó M. Esta secção constitui a 2ª
de 3 partes do nadamento e ajuda a ligar as 2 secções A, a inicial e a partir do
compasso 47, acelarando o tempo e a intensidade dinâmica. O clímax deste
andamento ocorre no compasso 42 com o Dó agudo tocado na dinâmica forte.
A terceira secção, que inicia no compasso 47, pode ser considerada a
secção A’. Ainda que o tema seja praticamente idêntico à primeira secção A, no
compasso 59 altera-se ligeiramente mas mantendo os motivos rítmicos. O
andamento termina com uma longa prolongação do Míb, a tónica, e depois no
Sol, que será a tónica do 3º andamento.
Exemplo 10: 2º andamento
3º andamento

O 3º andamento, em forma de rondó, é reminiscente do género já


previamente referido e bastante popular no século XIX, o solo de cornetim. O
trompete enta com o tema do rondó, uma frase de 10 compassos, de caráter
leve e em Sol Maior. No compasso 12, Böhme inclui uma progressão de acordes
anormal, que exalta outra característica nacionalista, o uso de harmonias não
funcionais. Neste compasso, progride do acorde Maior de 6º grau para o acorde
para o acorde menor da dominante.

Exemplo 11: Compasso 12

O tema rondó é repetido com uma variação na 2ª parte (ver exemplo 12), onde
começa o tema recorrente das semicolcheias, dando um caráter animado e quase
brincalhão ao andamento.

Exemplo 12: Compassos 29-37

Depois do tríolo no compasso 59, inicia-se uma secção de arpejos em


semicolcheias, sobre os acordes com 7ª da subdominante, dominante e tónica. Depois
desta secção, segue-se uma secção lírica que culmina numa frase sobre a tonalidade
de Síb Maior, que utiliza novamente o padrão das 6 semicolcheias e termina com 2
tríolos antes da próxima secção do piano.

Exemplo 13: Compassos 67-84

Depois da secção do piano, é reapresentado o tema inicial e, no


compasso 101, reaparece outra secção lírica com os mesmos padrões rítmicos
da anterior. Esta secção lírica termina em stringendo, que serve de preparação
para secção final do concerto, um Piu mosso de caráter virtuosístico com
passagens cromáticas e o uso do staccato duplo, até ao compasso 131 onde é
exposto o arpejo de Sol Maior, a tonalidade deste andamento. No compasso 137
o trompete executa a escala de Sol Maior, iniciada na dominante e a culminar na
tónica, repetindo-a uma oitava abaixo terminando o concerto.

Exemplo 14: Compassos 121-139


Alexander Arutiunian – Biografia

Aleksandr Grigori Arutiunian (1920-2012) foi um compositor e pianista


armeniano que estudou composição e piano no Komitas Conservatory em
Yerevan, concluindo os estudos em 1941. Posteriormente, continuou os seus
estudos no Conservatório de Moscovo.
Em 1939 juntou-se ao Sindicato dos Compositores Armenianos e em
1975 à União de Cinematógrafos. Foi o diretor artístico da Sociedade
Filarmónica da Arménia durante 36 anos até 1990 e ensinou composição no
Conservatório de Yerevan a partir de 1965. Foi eleito People’s Artist of Armenia
e recebeu inúmeros prémios na Arménia, nos EUA, entre outros.. Recebeu
também o State Prize of the USSR, atribuído a quem se destava no âmbito
cultural na União Soviética.
O estilo de composição da Arutiunian é caracterizado por elementos do
estilo melódico nacional arménio com ritmos energéticos, sendo também
geralmente influenciado pela tradição ashug (criação artística influenciada pelo
Minstrel, um homem de espetáculo comum nos países de Este nos séculos XIX
e XX).
Concerto para Trompete

O Concerto para Trompete, escrito em 1950, foi a 6ª grande composição


de Alexander Arutiunian. Devido à sua influência folclórica única, seccções líricas
e passagens virtuosas, estabeleceu-se como obrigatório no repertório do
intrumento. Foi inicialmente escrito para o trompetista arménio Zolak Vartisarian,
que morreu em ação militar antes de Arutunian ter terminado a composição. Foi
então por Timofei Dokschitzer.
É composto por um único andamento tocado sem interrupções, ainda que
existam 6 secções distintas. A primeira secção, Andante Maestoso, é
considerada como uma introdução para a primeira secção temática. No primeiro
compasso o piano sustém trémulos, que antecedem a entrada do trompete que
adquire assim um carácter dramático já presente pela falta de tempo e rubato
nesta introdução.

Exemplo 15: Compassos 1-6, piano

Assim, os 5 primeiros compassos constituem 2 chamadas do trompete


para cativar a atenção e iniciar o concerto. A relação dos intervalos nas 3
primeiras notas do trompete é também importante, sendo constituída por uma
sucessão de 2 segundas menores, uma acima e uma abaixo, da nota Míb que é
sustentada pelo piano.
No 3º compasso, o piano apresenta um motivo rítmico que está presente
em todo o concerto: 2 semicolcheias e colcheia que se prolonga. Este motivo é
também ouvido no trompete nos compassos 3 e 5, sendo bastante acentuado.
A partir do compasso 10, introduz as tercinas com accelerando antes de
inciar uma passagem rápida de semicolcheias. Arutiunian mistura figuras
rítmicas até chegar ao clímax que culmina no compasso 15, o ponto alto da
introdução com a nota mais aguda e forte da secção: o Síb.

Exemplo 16: Compassos 1-22, introdução

Na segunda secção, allegro energico, é apresentado o tema.


Caracteriza-se pela velocidade e passagens técnicas e utiliza uma forma única
da escala menor, referida como a Escala Menor Húngara. Os motivos rítmicos
mantêm-se, sendo também visível a métrica irregular característica na parte de
piano antes da entrada do trompete.
Exemplo 17: Compassos 24-49

Nesta secção, são visíveis também as diferentes variações de ritmos que


o compositor utiliza. Ainda que tenham todos por base as semicolcheias, o que
garante uma consistência auditiva, a ordem das figuras é trocada e incute um
carácter diferente (ver exemplo 18).

Exemplo 18: Variações rítmicas na 2ª secção

A terceira secção, meno mosso, é uma espécie de interlúdio cantabile


com material harmónico semelhante mas com um carácter expressivo e lento. A
quarta secção pode ser considerada um desenvolvimento do tema. Mantém o
tempo da segunda secção, mas está dividida em pequenas frases contrastantes.
O tema aparece na sua forma original, bem como fragmentado e em
várias tonalidades de sucessão rápida. Como é visível no exemplo 19, a partir
da letra G, as primeiras intervenções do trompete mantêm-se na linha do tema
ainda que desenvolvidas e, a partir da letra H, surgem alguns compassos de
intervenções melódias que contrastam com as anteriores.

Exemplo 19: Frases contrastante na 4ª secção

A quinta secção, meno messo, é a segunda e última secção lenta do


concerto que apresenta melodias sensíveis. A surdina utilizada permite uma
mudança clara na cor do som. Na sexta secção o tema é tocado novamente tal
como na segunda secção, mas no final desvia-se ligeiramente, acrescentado
uma passagem de articulação rápida antes do final da secção, que antecede a
cadência.

Exemplo 20: Passagem rápida antecente à cadência


Conclusão

Em ambos os concertos é claramente observável a utilização de


elementos característicos do Nacionalismo Russo. Desde a estrutura diatónica
simples utilizada nas melodias, derivadas da música popular, até à repetição dos
motivos ou ainda o registo restrito nos temas.
Os andamentos lentos dos concertos, tal como é sugerido pelo tempo,
acarretam um elevado caráter emocional; no concerto de Arutiunian, os 2
andamentos lentos derivam de melodias populares bastante sensíveis e que
representam a cultura popular; no concerto de Böhme, o 2º andamento possui
um caráter religioso, podendo a melodia ser caracterizada como um hino. É
também claramente distinguível o carácter dramático das melodias, ainda que
subjetivo ao ouvinte.
O isolamento político da Rússia em relação ao resto da Europa contribuiu
para um estagnar da evolução musical, que se refletiu na necessidade de
recorrer à cultura popular para a composição. O tamanho do país permite a
existência de variadas culturas dependendo da região, o que contribuiu para a
variedade musical.
Bibliografia

 Bakst, James: “A History of Russian-Soviet Music”; 1962.


 Edward H. Tarr: “East Meets West: The Russian Trumpet Tradition from
the Time of Peter the Great to the October Revolution”; 2002.

Webgrafia

 www.allmusic.com/artist/alexander-arutiunian-mn0002184564/biography
 abel.hive.no/trompet/haydn/appendices.html
 www.britannica.com/topic/nationalism
 russia-ic.com/culture_art/music/393/#.WxLLRe4vy1s
 www.britannica.com/topic/The-Five
 owlcation.com/humanities/The-Mighty-Handful-Forming-a-Russian-
Musical-Identity
 www.encyclopedia.com/literature-and-arts/performing-arts/music-
history/mighty-handful
 www.britannica.com/biography/Nikolay-Rimsky-Korsakov
 www.britannica.com/biography/Mikhail-Glinka
 www.dokshizer.com/eindex.html
 www.trumpetguild.org/pdf/9709tarr.pdf
 www.trumpetguild.org/content/itg-news/844-newly-uncovered-
information-about-oscar-boehme-s-death
 opensiuc.lib.siu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1668&context=gs_rp
(tese onde foi retirada informação acerca da forma do concerto para
trompete de Arutinian).

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