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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA V
Prof.ª Dr.ª Rita Chaves

AVALIAÇÃO

Fyllype Pereira Calado Silva


nº USP: 8569322
4ª - noturno - 21h às 22h40

São Paulo
2018
Questão 1
A literatura em Angola apresentou-se como ferramenta de combate a alienação,
de totalização dos povos em busca de um patrimônio comum e como predecessora dos
estados nacionais. Ela contribui, por meio de seus escritores, ao processo de refeitura
e feitura da história do território e do povo que nele vive e que sofreram com a ordem
colonial (CHAVES, 2003).
Dentro desse processo de formação de um sentimento nacional angolano a
partir da literatura e das lutas pela libertação, há a presença de dois escritores que
fizeram do romance um meio de apresentação do desenvolvimento e construção dos
fatos que transcorreram até que Angola se libertasse do colonialismo.
Luandino Vieira, responsável pela consolidação do romance e por sua
reinvenção, apresenta um processo de escrita que entra em choque com a estrutura da
língua portuguesa. Além disso, Luandino, segundo CHAVES (2003), é "profundamente
identificado com a terra para onde tinha sido levado ainda muito criança" (p. 392). O
período de sua escrita se dá justamente no momento de organização dos movimentos
políticos e da luta armada, além de uma efervescência cultural. Luanda, retratada nas
suas obras, é palco representante máximo das estruturas desenvolvidas pela ordem
colonial, havendo uma divisão clara entre os colonizadores e os colonizados,
representados respectivamente, pelo asfalto das partes privilegiadas da cidade e os
musseques, bairros operários e negligenciados pela estrutura colonial. A partir de tudo
isso, Luandino faz uma leitura do patrimônio cultural acumulado de Angola, com todas
as suas nuances.
A vida verdadeira de Domingos Xavier, romance com dimensão histórica,
apresenta a trajetória de Domingos Xavier contada de tal modo que há o
reconhecimento dos passos impressos à luta pela libertação. Isso tudo marcado por um
linguajar coloquial que aproxima a obra da população que protagoniza a luta inserida
na obra. Esse processo tem como objetivo aparente a aproximação àqueles que tanto
deveriam lutar pela libertação de Angola, o povo que vivia nos musseques - retratados
na obra em questão.
O outro escritor importante para o entendimento da história de libertação de
Angola é Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) que, em Mayombe, por
exemplo, apresenta o cotidiano da guerrilha na floresta que dá nome ao romance.
Assim como A vida verdadeira de Domingos Xavier, a obra de Pepetela apresentará a
forma como se deu (ou se dava, pensando no contexto em que ocorreu a escrita) a luta
pela libertação de angola, mais precisamente a que envolve as armas, diferentemente
do livro de Luandino, em que a luta é apresentada fazendo apenas menção aos grupos
armados. O autor faz isso por meio de uma escrita que intercala entre terceira e
primeira pessoa, em que esta acontece quando o narrador dá voz as personagens que
compõem a história (espécies de co-narradores que expressam seus
sentimentos/pensamentos sobre o contexto que vivem). O romance de Pepetela, assim
como o de Luandino, pode ser visto como um meio de conscientização acerca da luta
pela libertação de Angola. Nela é possível ver o que os guerrilheiros passaram para
que aquilo que eles tanto desejassem acontecesse.

Questão 2
Ao escrever sobre o romance, no texto Por que o romance?, Marthe Robert
apresenta as questões históricas que permearam esse gênero, como a desconfiança
inicial e o valor recebido contemporaneamente. No texto, a autora desenvolve a relação
entre a escrita e a realidade pretendida como anúncio do gênero literário em questão,
não sendo esta, como afirma Robert, aquilo que caracteriza o romance
necessariamente, dada a sua complexidade.
Para análise das obras em questão (A vida verdadeira de Domingos Xavier e
Mayombe) cabe levar em consideração dois levantamentos importantes sobre o
romance feitos por Marthe Robert. O primeiro diz respeito a capacidade de um
romancista de, além de registrar a realidade, alterá-la, subvertê-la. Esse elemento, que
contribui para a composição de romances, é algo extremamente marcado na produção
do gênero em Angola. Como é visível em A vida verdadeira de Domingos Xavier e
Mayombe, há o registro da realidade do povo angolano - com a representação de sua
situação de colonizado/explorado em busca da libertação de si e de sua terra - na
mesma medida em que há uma subversão dessa realidade para alcance do
desenvolvimentos de mitos que representariam essa busca pela liberdade das amarras
da colonização. Assim se dá, por exemplo, em A vida verdadeira de Domingos Xavier,
a história de um sujeito - em consonância com outras histórias - que basicamente
passa por uma Via Sacra, defendendo os ideais e mesmo os companheiros de luta. E
em Mayombe, com a representação dos guerrilheiros de de suas particularidades e
poder de luta diante das situações apresentadas.
O segundo levantamento importante feito no texto de Robert diz respeito ao
distanciamento do escritor romancista do objeto abordado, voltando-se para ele apenas
a escrita, em contraposição, justamente, àqueles que vivem a história narrada. Esse
elemento posto em questão, ao contrário do anterior abordado, não se relaciona bem
com o romance angolano, nitidamente marcado pela vivência dos escritores - como
acontece nas obras apresentadas.
Ainda sobre o desenvolvimento dos romances angolanos, cabe uma relação
com o texto de Adorno, Posição do narrador no romance contemporâneo. Nele, o autor
apresenta a dificuldade de narração, apesar da exigência feita pelo romance de que ela
aconteça. Segundo o crítico, a própria estrutura do romance contribui para isso, pois
houve uma desintegração da identidade da experiência, o que torna a passagem
destas para a história algo complicado. Entretanto, com relação ao romance angolano,
pelo menos no que diz respeito às obras de Luandino e de Pepetela aqui abordadas,
há o desenvolvimento da história que, nitidamente, estava relacionado às interações de
vida vividas pelos autores - afinal, o processo de libertação de Angola é algo que
realmente aconteceu e que teve a participação de muitos desses intelectuais - o que
problematiza a colocação de Adorno com relação a experiência e a escrita de
romances.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In:
Notas de Literatura I.
- CHAVES, Rita. O romance em Angola: a identidade entre a história e a poesia.
In: LEÂO, Ângela Vaz (org.). Contatos e Ressonâncias: Literaturas africanas de língua
portuguesa. Editora: PUCMinas, 2003.
- ROBERT, Marthe. Por que o romance? In: Romance das origens, origens do
romance. Editora: Cosac Naify.
- SANTILLI, Maria Aparecida. O romance angolano: marcos e marcas. In: LEÂO,
Ângela Vaz (org.). Contatos e Ressonâncias: Literaturas africanas de língua
portuguesa. Editora: PUCMinas, 2003

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