Tema I
Contratos: noções gerais. conceito e evolução. Princípios fundamentais. A nova ótica contratual. Os
princípios contratuais da autonomia da vontade, da obrigatoriedade, da relatividade e do consensualismo e
suas mitigações. A função social dos contratos. O princípio da probidade e da boa-fé. A boa-fé objetiva e sua
distinção da boa-fé subjetiva. Aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva nas diversas fases do contrato.
Notas de Aula1
Com o fim do Estado absolutista, em 1789, pela Revolução Francesa, teve início a
era do Estado liberal, em que se primou pelo repúdio a toda e qualquer interferência estatal
sobre aquilo que se considerasse privado. de fato, foi-se de um extremo a outro: da grande
ingerência do Estado, opressiva, absolutista, a uma liberdade igualmente extremada,
calcada em quatro grandes pilares: a constituição como instrumento fruto da vontade do
povo, e não mais do soberano, manifestada por meio de representantes eleitos; a lei,
representando a mesma vontade popular, em menor escala; a razão, o racionalismo,
concepção de pensamento que buscava explicar tudo à luz das regras da razão (concepção
que colocava-se em exata contraposição ao predomínio da igreja, que era quem legitimava
o absolutismo, com seu apoio, com a escolha divina dos soberanos); e, por último, e mais
importante neste estudo que se faz agora, o contratualismo.
A Revolução Francesa promoveu uma síntese das relações humanas a uma
perspectiva quase que exclusivamente contratual, entre pares e mesmo entre os cidadãos e o
Estado. Não por acaso, é desta época O Contrato Social, de Rousseau, que explica a
natureza do Estado de forma contratualizada.
Veja que este contratualismo é fruto direto do ideal libertário da época, pois nada
premiava tão claramente a liberdade do que permitir que os indivíduos pactuassem e
ajustassem, sem interferências, os seus interesses. A vontade passou a ser soberana. E isso
era a liberdade maior que se podia conceber.
Neste diapasão, o contrato surge com a mais profunda ligação ao princípio da
autonomia da vontade, princípio também chamado (emblematicamente) de liberdade de
contratar. O contratualismo liberal tinha na autonomia da vontade seu maior baluarte,
justamente porque se pensava que a maior expressão da dignidade da pessoa humana era a
possibilidade de exprimir livremente a sua vontade. Mesmo por isso, algumas expressões
representativas desse ideário foram cunhadas, e adotadas dogmaticamente à época: como
exemplo, citava-se como dogma que “tudo que é contratual é justo, desde que as partes
sejam livres para contratar”, ou “diz-se contratual, diz-se justo”. Percebia-se que a única
medida de justiça de um contrato era a liberdade em contratar, porque o próprio contratante,
ao manifestar livremente sua vontade, era fiscal daquilo que lhe iria ter pertinência.
O Estado, então, deveria preocupar-se tão-somente em garantir a liberdade em
contratar, a livre manifestação da vontade, porque o filtro de regularidade do restante seria
incumbência das próprias partes manifestantes. Este Estado liberal era um grande Pontius
1
Aula proferida pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 28/1/2009.
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.”
Há que se consignar um comentário apartado sobre este artigo 478. Em que pese ser
uma expressão altamente positiva do dirigismo contratual, o legislador pecou em sua
concepção, ao prever que a onerosidade excessiva só autoriza a resolução do contrato se
causada por evento extraordinário e imprevisível. Isto porque, tendo ou não estas
qualidades, o desequilíbrio ainda persiste, e a resolução ainda é necessária, tanto que, no
Código de Defesa do Consumidor, o mesmo instituto é traçado, no artigo 6º, V, sem esta
imprevisibilidade como elemento essencial. Veja:
1.3. Consensualismo
O contrato, é certo, nasce com o consenso das vontades. Não é preciso nenhum
outro ato, senão o consenso das vontades, para que haja contratação aperfeiçoada, em regra.
O vínculo surge desde que há vontade plural manifesta. Mesmo por isso, em uma compra e
venda, por exemplo, a entrega da coisa e o pagamento do preço são atos de execução do
contrato, que já se aperfeiçoou antes, quando da emissão da proposta e da aceitação,
manifestação das vontades.
Esta regra, contudo, também conta com mitigações, e são elas os contratos
classificados como reais. Nestes contratos, não basta o consenso para que se aperfeiçoem.
Não é suficiente que haja a manifestação de vontade do proponente e do oblato. O contrato
real só se aperfeiçoa, só existe o contrato, quando há a entrega da coisa, a tradição. No
Código Civil de 2002, há quatro contratos reais típicos: o mútuo, empréstimo de coisas
fungíveis; o comodato, empréstimo de coisas infungíveis; o depósito; e, inovação, o
contrato estimatório.
1.4. Relatividade
Os contratos são oponíveis apenas entre as pessoas que deles tomam parte, ao
contrário dos direitos reais, oponíveis erga omnes. Somente quem faz parte da relação
contratual pode exigir cumprimento da conduta ajustada, ou ser compelido a cumpri-la. O
contrato só vincula os contratantes, não podendo ser oposto a quem dele não participe – são
lex inter partes.
Também este princípio enfrenta mitigações. A estipulação em favor de terceiro,
modo de contratar que tem muita presença na realidade negocial atual, é um exemplo: os
contratantes podem estipular que uma das prestações emanadas de seu contato seja
adimplida junto a um terceiro, beneficiário alheio ao contrato, e que passa a ter legitimidade
para exigir tal cumprimento do devedor, mesmo sem ter jamais participado da formação do
contrato. Exemplo de contrato desta espécie é o contrato de seguro de vida.
O CC, de fato, apresenta mais duas modalidades expressas que consistem em
mitigações à relatividade contratual: além da estipulação em favor de terceiro, há a
promessa de fato a terceiro, e a surpreendente inovação do contrato com pessoa a declarar,
no qual uma das partes se reserva o direito potestativo a indicar uma pessoa que,
futuramente, substituirá a si mesmo no pólo contratual que ocupa. Serão, todas as hipóteses,
estudadas detalhadamente em momento oportuno.
1.5. Boa-fé
Este princípio contratual é de tamanha relevância que pode ser considerado uma
cláusula geral sobrejacente, inclusive, a todos os demais princípios. Também por isso, é o
único princípio que não comporta qualquer exceção: não há mitigações à exigência da boa-
fé nas relações contratuais.
Ocorre que, entretanto, se algum princípio sofreu alteração significativa – alteração,
veja, e não mitigação –, este princípio foi a boa-fé. A mudança da concepção da boa-fé
subjetiva para a boa-fé objetiva é realmente paradigmática. Entenda: a boa-fé subjetiva
consistia em um estado psicológico, em um princípio ético, verificado junto às intenções do
indivíduo, e por isso não tinha tanta relevância para a regularidade dos pactos, uma vez que
era um princípio ético: bastava que a parte tivesse a intenção de agir com probidade para
estar cumprida a exigência deste princípio, quando subjetivo.
Hoje, porém, a boa-fé não se refere ou se contenta com a intenção do agente. É
necessário que haja uma conduta de boa-fé, ou seja, é necessário que se possa perceber
objetivamente a presença da boa-fé. A boa-fé é um dever jurídico, cláusula implícita em
todos os contratos imagináveis. Veja o que dispõe o artigo 422 do CC:
Esta cláusula imposta pelo dirigismo contratual exerce uma tríplice função: é
método de hermenêutica, regra de interpretação dos negócios jurídicos, na forma do artigo
113 do CC:
1.5.1. Lealdade
1.5.2. Informação
1.5.3. Cooperação
Em razão do peso da boa-fé, hoje, surgem teorias derivativas que têm ganhado
presença cada vez mais significativa no ordenamento. Uma das mais marcantes pode ser
nomeada genericamente como teoria da vedação aos comportamentos contraditórios, que se
manifesta em diversas subespécies. Vejamos.
A primeira manifestação desta teoria é o famigerado nemo potest venire contra
factum proprium, que, em síntese, significa que a adoção comum de uma determinada
conduta impede que seja legítima uma outra conduta absolutamente contrária. Esta
situação, que certamente surpreende a outra parte, é conduta que não corresponde à boa-fé
objetiva e seus paradigmas. Isto porque a adoção de determinada conduta, por tempo
razoável, incute na mente da outra parte a expectativa de que esta conduta se solidificou e
não será alterada, sobremaneira em repente.
Outra espécie é a supressio: esta consiste em uma redução da obrigação
correspondente a um direito que, por certo tempo razoável, não foi exercido pelo seu titular.
É, de fato, a perda proporcional de um direito que não foi exercido, e que, de acordo com o
correr do tempo, passa a demonstrar que se for plenamente invocado será, de fato, abuso de
direito. Veja que, ao não exercer o direito por período significativo, o titular incutiu na
mente da outra parte a sensação de que não seria mais exercido tal direito, e por isso passa a
ser abusivo o exercício deste direito agora, após a criação da expectativa de não invocação
deste. Este exercício, nesta condição, seria conduta contrária àquela que se consideraria de
boa-fé.
Da mesma forma, mas em sentido contrário, surge a surrectio, que é a aquisição de
um direito pela reiteração, por tempo razoável, de uma conduta que não sofreu oposição
pela outra parte. Esta não oposição cria a expectativa, e cria o próprio direito a, se
porventura oposição vier, repudiá-la, pois que esta oposição tardia será contrária à boa-fé.
O CC traz duas hipóteses expressas de supressio, nos artigos 329 e 330:
“Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar
determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.”
“Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia
do credor relativamente ao previsto no contrato.”
O artigo 330 é que é de fato a hipótese, porque ali fica clara a perda do direito de
exigir o pagamento no local pactuado, quando reiteradamente for admitido em local
diverso.
O princípio da boa-fé é de tal importância que se faz sentir até mesmo nas fases pré
e pós contratuais. É possível se invocar a atenção à boa-fé nas tratativas ou após a execução
extenuada do contrato, e isto é uma verdadeira revolução nesta seara do direito.
Veja: as tratativas, especialmente, sempre foram tidas como irrelevantes ao direito,
modo que o seu abandono por uma das partes, por exemplo, jamais ensejou
indenizabilidade à parte oposta. Da mesma forma, depois de findo o contrato, há ainda que
se atentar para deveres que são surgidos unicamente da boa-fé.
Como exemplo, o fornecedor que coloca um produto durável no mercado, se retirá-
lo de produção, não poderá deixar de oferecer peças de reposição por tempo razoável após a
cessação da produção do próprio produto – o que decorre da boa-fé pós-contratual, porque
o contrato em si já pode ter-se executado e exaurido. Um exemplo seria a retirada de um
automóvel de linha: a compra e venda exaure-se na entrega do bem e paga do preço, mas a
obrigação de oferecer peças de reposição perdura muito após a retirada do automóvel em
questão da linha de produção, ou seja, muito após a execução final da compra e venda, o
término do contrato.
Casos Concretos
Questão 1
2
Este nome vem da famosa expressão do imperador romano César, que, em suas últimas palavras, ao ser
esfaqueado por seu protegido Brutus, exclamou “tu quoque, Brutus, fili mi?”, significando “até tu, Brutus,
meu filho?”. A lógica da adoção deste nome, me parece, significa que quando há a demanda por um
comportamento, não tem autoridade para assim demandar aquele que deveria ter assim se portado no passado,
e não o fez. Seria algo como “até você, que não se comportou desta forma, vem exigir de mim que assim me
comporte?”. Ressalto que esta é uma interpretação pessoal, não abalizada em doutrina.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Mesmo que a fase de tratativas seja isenta de vínculos, normalmente, porque é mera
pesquisa prévia à policitação – tratativa não é proposta –, na casuística em que se
Questão 3
para sua surpresa, que a empresa desistira do negócio, optando por outra área, o que,
segundo ela, se fazia possível por não ter assinado o contrato. Diante das circunstâncias
do caso, decida fundamentadamente:
1) A desistência da empresa se afiguraria regular?
2) Terá direito o outro solicitante a indenização?
3) Se afirmativa a resposta, qual o fundamento legal?
4) Ocorrendo ou não o direito, qual seria a espécie de responsabilidade?
Resposta à Questão 3
2) Sim, será indenizável tudo aquilo que lhe foi causado de dano pelo abuso de
direito em desistir da contratação.
3) Como se trata de abuso de direito, o artigo 187 do CC o prevê como ato ilícito, e
por isso indenizável, na forma do artigo 927 do mesmo Código.
Tema II
Classificação dos contratos: contratos unilaterias, bilaterais e bilaterais imperfeitos. contratos gratuitos e
onerosos. contratos comutativos e aleatórios. contratos solenes e não-solenes ou consensuais. contratos
reais. contratos principais e acessórios. contratos típicos e atípicos. contratos paritários e de adesão. o
contrato de adesão no Código Civil (arts. 423 e 424) e no Código de Defesa do Consumidor.
Notas de Aula3
Os contratos, por natureza, nascem da sua presença fática, e não da previsão em lei.
antes de serem previstos na lei, os contratos surgem de fatos sociais. O legislador,
verificando a necessidade de se regular aquele fato social, faz constar na regra legal a sua
tipificação, tornando-o nominado, em razão de sua majorada importância.
O contrato é típico sempre que previsto em lei, e não necessariamente no CC. Os
contratos atípicos, por sua vez, não vêm previstos em qualquer norma – são livremente
pactuados e desenhados pelas partes.
Só é possível a existência de contratos inominados válidos porque vige a atipicidade
contratual como regra. Como dito, se é o fato social que cria o contrato, não pode a lei
engessar, em rol taxativo, quais são os negócios jurídicos bilaterais possíveis. O rol de
contratos nominados é numerus appertus. Não significa, porém, que os contratos criados na
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Aula proferida pelo professor Rafael Viola, em 28/1/2009.
inventividade social sejam absolutamente irrestritos em suas previsões; por óbvio, são
vinculados à observância das normas gerais dos contratos, exemplarmente consideradas a
função social, a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico, a autonomia da vontade e a força
obrigatória.
Há que se mencionar também os contratos mistos, que são aqueles que reúnem em
si elementos de contratos típicos, e inovações atípicas. Sendo desta espécie, há que se
identificar as cláusulas nominadas, de forma a se identificar também quais serão as normas
a elas atinentes. O interesse está na escolha das normas aplicáveis. Nas palavras de Darcy
Bessone:
“Quando não for possível harmonizar as regras reguladoras dos tipos combinados,
deve-se atender à finalidade essencial da operação, ou, quando a infração for de
determinada cláusula que se possa isolar das demais, merecerá observância a
disposição disciplinadora do contrato simples que tenha sido extraída.”
É mais do que sabido que todo contrato é um negócio jurídico bilateral, quanto à
pluralidade de manifestação de vontades: não há contrato sem ao menos duas manifestações
de vontades, pois se assim o for é um negócio jurídico unilateral, e não um contrato. A
classificação em bilateral ou unilateral do negócio jurídico em si não se confunde com a
classificação de mesma nomenclatura do próprio contrato.
Destarte, esta classificação diz respeito à existência de obrigações recíprocas ou
não, no bojo do negócio jurídico bilateral, do contrato. Bilateral é o contrato em que se
criam obrigações para ambas as partes. A característica fundamental do contrato bilateral é
o sinalagma, ou seja, a existência de prestações correlatas – pelo que se denominam
também de sinalagmáticos. Os contratos bilaterais caracterizam-se pela correspectividade
das prestações: a prestação de um dos contratantes é a causa da prestação do outro.
É de suma importância, aqui, abordar a diferenciação entre causa e motivo dos
contratos. Pode ser iniciada a explicação por um recurso didático que sintetiza bem a
diferença, que depois será perscrutada em si: o motivo do contrato é “por quê se contrata”;
a causa, é “para quê se contrata”. Vejamos.
Motivação é a razão que leva um indivíduo à prática de determinado ato. Reside na
mente, no âmbito unicamente subjetivo e interno do indivíduo. Mesmo por isso, a
motivação para contratar não tem relevância para a existência, validade ou eficácia do
contrato, a princípio, porque se não está no mundo dos fatos, não pode ser oponível. Um
exemplo clareia o conceito: se o agente vende seu automóvel com a perspectiva de, com o
dinheiro recebido, investir no mercado e ações, esta intenção de investir é o seu motivo
para realizar a compra e venda do automóvel. Como é irrelevante, se porventura não mais
for investir em ações, por conta da crise econômica que se instalou, terá seu motivo
frustrado, mas jamais poderá opor esta frustração como causa resolutiva da compra e venda
do seu automóvel.
Veja que esta irrelevância do motivo é regra geral, que se instaura em prol da
segurança jurídica mínima, porque se se admitir que a frustração do motivo, elemento
altamente subjetivo e interno, se presta a resolver contratos, serão estes absurdamente
inseguros – o pacta sunt servanda será mitigado além do razoável. Todavia, há que se fazer
uma ressalva: se o motivo vier expressamente consignado no contrato como razão
determinante de sua pactuação, passa a ser oponível, porque deixa de ser uma mera
cogitação mental, imperscrutável, para ser uma condicionante do próprio contrato. Pode-se
depreender tal raciocínio da leitura transversa do artigo 140 do CC:
“Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.
“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a
sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”
Há que se abordar, pelo ensejo, a variante deste instituto, que se denomina como
exceptio non rite adimpleti contractus. Veja: enquanto a exceptio non adimpleti contractus
clássica diz respeito ao descumprimento da obrigação, a exceptio non rite está ligada ao
cumprimento imperfeito da obrigação. Nas palavras de Gustavo Tepedino:
Este conceito, portanto, tem íntima vinculação com a afamada violação positiva do
contrato, o adimplemento imperfeito do contrato. Por isso, se no contrato bilateral uma
obrigação for cumprida de forma insatisfatória, será argüível a exceptio, na proporção da
insatisfação. E veja que o mal cumprimento, o adimplemento imperfeito, pode assim se
configurar quando não há descumprimento do dever diretamente imposto, mas há violação
a um dos deveres impressos pela boa-fé objetiva: se uma conduta aparenta ser bastante a
adimplir uma obrigação contratual, mas se demonstra uma violação à lealdade, por
exemplo, há violação positiva do contrato, e há as conseqüências do inadimplemento,
inclusive a possibilidade de se invocar a exceptio non rite adimpleti contractus.
Um exemplo: se há no contrato de locação a imposição da obrigação de “restituir o
imóvel pintado”, sem estabelecer detalhamento da pintura, ao entregar o bem pintado com
tinta preta, estará, aparentemente, adimplindo sua obrigação; todavia, é tão imperfeito, tão
insatisfatório este adimplemento, que se equipara a inadimplemento, pois é clara
deslealdade contratual, falta de cooperação a merecer repúdio, padecendo das
conseqüências da inadimplência.
Outra reverberação da boa-fé objetiva nas questões de cumprimento das obrigações
se trata do adimplemento substancial. Veja que, mesmo não havendo a completitude do
adimplemento, há cumprimento tão significativo da obrigação que se permite dizer que o
objetivo do contrato, em relação ao interesse do credor que teve seu crédito minimamente
inadimplido, foi alcançado. Efeito desta circunstância é a redução da obrigação à proporção
faltante, ilidindo eventual direito que seria oriundo do inadimplemento, se total – exercício
que se demonstraria abuso do direito, dada a quase completa adimplência.
Há ainda que se tratar aqui da exceção de inseguridade, prevista no artigo 477 do
CC:
“Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que
lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.”
Sempre que, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes uma
diminuição do seu patrimônio que possa comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela
qual se obrigou, pode o outro contraente recusar-se a cumprir a sua até que aquela satisfaça
sua obrigação ou dê garantia suficiente. Esta é a exceção de inseguridade.
Em todo contrato bilateral, uma prestação é correspectiva a outra. Isto significa que
se uma das partes não cumpre a prestação, a outra parte pode resolver o contrato, quer por
previsão contratual desta resolução, quer porque a lei assim o dispõe. Trata-se, aqui, das
cláusulas resolutivas expressa ou tácita, respectivamente.
Na execução dos contratos bilaterais, cada contratante tem a faculdade de pedir a
resolução, caso o outro não cumpra sua prestação. Essa faculdade pode resultar de
convenção pactuada expressamente ou de presunção legal.
Quando essa faculdade resulta de presunção legal, tratar-se-á de cláusula resolutiva
tácita. Não obstante a cláusula resolutiva tácita ser oriunda da lei, as partes podem
convencioná-la expressamente no bojo do contrato. Nesse caso, estaremos tratando da
cláusula resolutiva expressa. A principal diferença é que a tácita demanda interpelação
judicial enquanto que a expressa opera de pleno direito.
A cláusula resolutiva tácita é que se demonstra mais problemática em sua análise.
Há dois sistemas, o francês e o alemão. No sistema francês, é necessário que haja
interpelação judicial, porque somente o provimento jurisdicional poderá resolver o
contrato; no sistema alemão, a ação judicial é dispensada, operando-se a resolução de pleno
direito, pelas mãos do próprio contratante inadimplido. É claro que o sistema alemão
denota maior insegurança, e por isso o CC brasileiro adotou a metodologia francesa, sendo
necessário o provimento jurisdicional para a resolução do contrato.
1.3. Contratos onerosos ou gratuitos
Nos contratos onerosos, cada uma das partes visa a obter vantagem. Nestes, ambas
as partes obtêm proveito, ao qual, corresponde um sacrifício. Chamam-se gratuitos os
contratos em que somente uma das partes obtém proveito: é o contrato em que um
contratante aufere vantagens ao passo que o outro suporta depleção de qualquer natureza.
A importância da distinção diz respeito às conseqüências práticas. Nos contratos
gratuitos, a interpretação é sempre restritiva, como dispõe o artigo 114 do Código Civil, e
são, ainda, tratados com maior rigor, pois podem implicar em fraude contra credores, como
se depreende dos artigos 158 e 159 do Código Civil. Veja:
Outra previsão altamente relevante vem no artigo 392 do CC, que trata de forma
bastante diferente os contratos benéficos, quanto à responsabilidade:
“Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a
quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos
onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em
lei.”
Repare-se que sempre que o transportador obtiver alguma vantagem, ainda que
indireta, o transporte não será gratuito, na forma do artigo 736, parágrafo único, do CC:
“Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta
garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.”
“Art. 552. O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às
conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento
com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção
em contrário.”
Vale consignar que a doação onerosa, doação com encargo, ainda é um contrato
gratuito, e é um contrato ainda unilateral, porque o encargo não pode ser considerado como
contraprestação capaz de emprestar reciprocidade aos contratos.
É comum se confundir os conceitos de unilateralidade e bilateralidade com
gratuidade e onerosidade, respectivamente, confusão que merece ser espancada, porque
nem sempre todo contrato gratuito será necessariamente unilateral. Em regra, os contratos
gratuitos são unilaterais, mas não é vinculação absoluta: o mútuo feneratício é um exemplo
de contrato unilateral oneroso. Há, no entanto, quem defenda que este contrato é bilateral.
Não se confundem, os contratos reais, com os contratos com efeitos reais. Estes
consistem em contratos que têm por objeto direitos reais, ou seja, não geram direito pessoal
para o credor, mas sim o próprio direito real almejado. Por exemplo, na compra e venda, a
obrigação gerada é de dar o bem comprado, em troca do preço; não se transfere, portanto, a
propriedade deste bem senão com a tradição, ou registro, se imóvel. Não se transfere o
próprio direito real de propriedade com o contrato, o que seria o efeito real: se gera apenas
um título hábil a que se exija a transmissão da propriedade, pelo meio hábil (tradição ou
registro). No Brasil, não há contrato de efeito real algum4.
Contratos formais são aqueles em que não basta o mero acordo de vontades para sua
formação, mas, ao invés, dependem de uma formalidade exigida em lei. Ou seja, só se
aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma exigida em lei. Veja o artigo
108 do CC:
“Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”
não é formal, mas a formalidade é imposta como técnica probatória. Nesses, o contrato
produz seus efeitos, embora só possa ser provado pela forma especificada em lei. Exemplo
desse tipo de contrato é o depósito voluntário, do artigo 646 do CC:
“(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes;
(...)”
“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em
que se funda a ação ou a defesa.”
Vê-se, então, que a formalidade ad probationem perde muito de sua força diante da
interpretação lógica e sistemática da matéria. De fato, não faz mais do que facilitar a prova,
quando assim respeitada a formalidade ad probationem.
Mas veja que não se pode pensar que toda e qualquer desproporção entre as
prestações é uma violação à comutatividade, denunciando um dos institutos nulificantes do
pacto. É fato que há, em qualquer negociação, alguma medida de desproporção dada à
maior ou menor aptidão de uma das partes para o negócio. Nos dizeres de Teresa Negreiros,
este princípio tem como objetivo “vedar um desequilíbrio real e injustificável entre as
prestações dos contratantes”, ou seja, a desproporção não pode suplantar o razoável, em
medida de equidade, sob pena de fazer presente um dos mencionados vícios de
desequilíbrio.
De outro lado, surgem os contratos aleatórios, aqueles em que os contraentes não
podem antever ambas as prestações com certeza absoluta. Há uma incerteza para as duas
partes sobre se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício. A incerteza pode
prender-se à data de um acontecimento inevitável, como sucede no seguro de vida, ou à
própria verificação do acontecimento, como sucede no seguro contra o fogo, bem como no
jogo ou aposta.
O risco, ou alea, pode dizer respeito ou a própria existência da coisa futura ou sobre
sua quantidade. No primeiro caso, em que há incerteza sobre a existência ou não da
contraprestação, o contrato aleatório é da espécie emptio spei, no qual o preço será devido
ainda que nada venha a existir. É previsto no artigo 458 do Código Civil:
“Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros,
cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito
de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha
havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.”
Veja que ainda que nada venha a existir em contraprestação, a prestação de um lado
é devida, porque ele assumiu este risco. Soa estranha a assunção de tal risco, mas quando se
verifica que a prestação é infinitamente inferior ao que seria um preço normal pelo que se
espera como contraprestação, a lógica se faz perceptível. Aposta-se na possibilidade de um
grande ganho, esta é a verdade, assumindo-se o risco de pagar o preço e nada receber.
Por outro lado, se o risco for somente quanto à quantidade da coisa futura,
estaremos falando da emptio rei speratae. Nesta hipótese, caso nada venha a existir, o preço
será restituído à parte que assumiu o risco. No entanto, caso venha a existir alguma coisa,
ainda que em quantidade inferior à esperada, o preço será devido. Veja o que determina o
artigo 459 do CC:
“Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o
adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também
direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido
culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.
Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o
alienante restituirá o preço recebido.”
O risco pode dizer respeito, ainda, a coisas existente, porém expostas ao risco de
perecimento ou deterioração. Neste caso, se o adquirente assumiu o risco, o preço será
devido, ainda que a coisa venha a se perder ou deteriorar. Veja o que dize o artigo 460 do
CC:
“Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas
expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a
todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do
contrato.”
Veja que, no entanto, o dolo do alienante que sabe que o perecimento é certo não
pode ficar impune: sabedor que o risco não é mais alea, e sim certeza, estará em dolo, e o
contrato é anulável. É o que dispõe o artigo 461 do CC:
“Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser
anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não
ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.”
São os contratos em que a solução se efetua de uma só vez e por prestação única.
Nesses, a prestação pode ser realizada num só instante.
Os contratos instantâneos podem, ainda, ser de execução diferida. Em tal hipótese,
mantém-se a característica de instantâneo, mas a prestação há de ser cumprida em uma
única prestação no futuro. A execução, portanto, é protraída para outro momento,
geralmente em razão de um termo.
Já os contratos de trato sucessivo são aqueles que têm que ser cumpridos durante
certo período de tempo, continuadamente. Nos contratos de duração, a prestação não pode
ser executada de uma só vez, mas de modo contínuo ou periódico. Eles se subdividem em
contratos de execução periódica e de execução continuada: os primeiros executam-se
mediante prestações periodicamente repetidas, ou seja, a cada novo período surge uma nova
prestação – como exemplo, os contratos de fornecimento de luz, água, ou telefonia; nos
contratos de execução continuada, a prestação é única, mas ininterrupta – como exemplo, a
locação, ou comodato.
É nesta seara de classificação, nos contratos de execução continuada ou diferida,
que tem sede natural a teoria da onerosidade excessiva. Veja o artigo 478 do CC:
Veja um detalhe: sempre que se der a resolução por esta causa, esta opera efeitos ex
tunc, alcançando a data da citação.
Apesar do dispositivo falar em resolução, é preferível sempre a revisão, em atenção
ao princípio da conservação dos negócios. O CJF conta com dois enunciados assim
dispondo, o 176 e o 367. Veja:
Principais são os contratos que têm existência própria, ou seja, são autônomos e
independentes, ao passo que os contratos acessórios são aqueles que existem vinculados e
subordinados a outros.
A regra é que se o contrato principal for nulo, a fiança também será, mas se a
nulidade só diz respeito à incapacidade do contratante, não se nulifica a fiança. Mas veja
que esta exceção ainda comporta exceção ela própria, qual seja, a do mútuo feito a menor,
em razão da maior proteção do menor em relação à exploração usurária. O artigo 588 do
CC reafirma esta lógica:
“Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja
guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.”
Nas relações de consumo, se estas condições gerais não forem oportunizadas clara,
prévia e expressamente ao consumidor, são tidas por não escritas. O artigo 54 do CDC é a
sede legal do instituto, na seara consumerista:
“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo.
§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do
contrato.
§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a
alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do
artigo anterior.
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com
caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo
doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser
redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”
“Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
No CDC a proteção estatal se faz sentir até mesmo antes da colocação do contrato
em apelo de mercado, ao prever hipóteses em que a autoridade analisará o contrato antes
deste ir ao mercado (o que é previsto no caput do artigo 54, supra). Como exemplo, a ANS
e os contratos de plano de saúde.
O controle, tanto preventivo, da autoridade administrativa, quanto repressivo,
judicial, intenta evitar a presença de cláusulas abusivas, que têm rol exemplificativo no
artigo 51 do CDC:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por
vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor
pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos
previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico
pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora
obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira
unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual
direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação,
sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias
necessárias.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato,
de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso.
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto
quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus
excessivo a qualquer das partes.
§ 3° (Vetado).
§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao
Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de
cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não
assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.”
Casos Concretos
Questão 1
Laudelino adquiriu vinte e nove dos trinta bilhetes de rifa. O faxineiro Enéas adquiriu o
30º bilhete. No dia do sorteio, foi contemplado o bilhete adquirido por Enéas.
Furioso, Laudelino alegou que Adelaide deveria reparar seu dano, pois, tratando-
se de contrato oneroso, ele não poderia ficar sem auferir vantagem. Correta a pretensão de
Laudelino?
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
José andou bem, pois consolidou sua pretensão na exceptio non adimpleti
contractus, do artigo 476 do CC, pois a sua prestação – pagamento do preço – depende da
contraprestação perfeita da sociedade vendedora, qual seja, a entrega de bem hábil ao uso.
Diante disso, a sua atitude foi correta, e a ação da sociedade merece ser julgada
improcedente.
Assim se posicionou o STJ no REsp. 2330:
Questão 3
parte do percurso, o itinerário, para deixá-la mais perto de sua residência, pois o local
onde desceria do ônibus era perigoso, havendo grande risco de assalto. Em decorrência
da recusa do motorista, Carla não teve outra alternativa senão utilizar a parada normal do
veículo de transporte. Ocorre, contudo, que no caminho de casa, Carla é assaltada e lhe é
subtraído o valor de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) recebido por ela a título de
salário. Em razão deste fato, ajuíza ação perante a empresa de ônibus pretendendo
responsabilizá-la civilmente pelo dano sofrido. Deve prosperar a pretensão de Carla?
Explique.
Resposta à Questão 3
Tema III
Interpretação dos contratos. O contrato e a norma jurídica. Métodos e normas de interpretação dos
contratos. A interpretação dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Notas de Aula5
5
Aula proferida pelo professor Sylvio Capanema de Souza, em 29/1/2009.
A teoria da vontade, por seu turno, determina que o intérprete, ao analisar o negócio
jurídico, deve procurar perquirir a real intenção das partes que ali se manifestaram, ou seja,
exatamente qual foi o objeto perseguido pela manifestação da vontade. O intérprete não se
aterá, aqui, apenas ao sentido literal das palavras empregadas, devendo escrutinar a mens
por trás da declaração.
O inconveniente desta teoria é exatamente aquilo que é uma vantagem na teoria da
declaração: a teoria da vontade é extremamente dada à subjetividade, permitindo que um
mesmo dispositivo seja lido de diversas formas, a partir das pré-concepções existentes na
mente do próprio intérprete.
O direito pátrio adotou, de fato, ambas as teorias clássicas para a análise
hermenêutica dos contratos, desde o codex de 1916 até o presente diploma de 2002. Nos
contratos benéficos, gratuitos, ou nos unilaterais, por exemplo, a interpretação é literal,
baseada na teoria da declaração, porque estes contratos representam depleção patrimonial
para apenas um dos contratantes, sem contraprestação qualquer que a valha para esta parte.
Veja: se estes contratos benéficos são erigidos em uma liberalidade, aquele que
pratica tal benevolência não pode padecer de ampliação de sua vontade. Não pode haver o
risco de que uma interpretação subjetiva, como a baseada na teoria da vontade, alargue a
liberalidade além do que na verdade foi desejado por seu autor; o risco de se impor, com a
interpretação literal, uma restrição maior do que pretendia o autor da liberalidade, é pena
que se justifica, pois o prejuízo do beneficiário será bem menor do que seria o prejuízo do
beneficente, caso sua liberalidade fosse estendida além de sua vontade, pelo uso de uma
interpretação ampliativa.
Os contratos bilaterais, que são onerosos, sempre, na medida em que ambas as
partes perseguem benefício econômico, prestação versus contraprestação, demandam, por
sua vez, interpretação baseada na teoria da vontade. Estes contratos exigem uma leitura
teleológica (do latim teleos, que significa fim) que busque a finalidade real das vontades,
porque se nestes contratos não há liberalidade, não há que se proteger a benevolência de
ampliações indevidas – não há benesse a ser resguardada. Destarte, deve ser buscada a
verdadeira intenção das partes, valendo a pena, para tanto, abrir espaço à subjetividade.
O CC de 2002 traz exatamente estas previsões, nos artigos 112 e 114:
6
Uma regra de ouro dos contratos de seguro é a estrita adstrição aos sinistros previstos: se não há previsão do
sinistro no contrato, não é possível pagar a indenização. Isto porque o pagamento das indenizações por
sinistros é feito com dinheiro pertencente a um fundo criado com os prêmios pagos pelos próprios segurados,
que é apenas administrado, mediante remuneração, pela seguradora. Sendo assim, os pagamentos de sinistros
alheios aos contratados são considerados má gestão do fundo.
ninguém pode imaginar quantos dias serão necessários para a recuperação, e se não mais
for coberto de tal dia em diante, a saúde estará abandonada – tendo sido inútil o contrato.
Uma outra medida de abusividade das cláusulas restritivas é formal: estas cláusulas
devem ser redigidas, como dito, com absoluto destaque e clareza.
Casos Concretos
Questão 1
SPU, superiores a seis mil reais, serão da responsabilidade do promitente vendedor, bem
como todos os tributos em atraso junto à municipalidade (IPTU). Essas despesas deverão
ser pagas pelo promitente vendedor por ocasião da quitação da última parcela do preço do
imóvel". José (promitente comprador) quitou com o FISCO os impostos devidos; R$
2.000,00 de IPTU e R$ 8.000,00 de SPU. Pretende, agora, compensar a quantia de R$
4.000,00 no valor de sua última prestação, ao que resiste Antonio, ao argumento de que a
cláusula contratual não previa essa compensação. Sustenta que a ele caberia pagar os
impostos devidos e não a José, e que, tendo este efetuado o pagamento, nada pode
reclamar. José ajuizou ação consignatória em face de Antonio e pleiteia o depósito do
valor da última prestação, e que dele deve ser abatido o que pagou de impostos. Pergunta-
se: Deverá ser acolhida a pretensão de José? Justifique.
Resposta à Questão 1
É claro que a compensação é devida. Qualquer que tenha sido a redação da cláusula,
percebe-se que o que se desejava é que o ônus das referidas despesas recaísse sobre o
vendedor. Por isso, não pode ser feita interpretação literal desta cláusula: mesmo não
estando expressa a sua possibilidade no contrato, a compensação é o meio mais hábil para o
pagamento de obrigação que era da vontade das partes, qual seja, o adimplemento dos
impostos pelo promitente-vendedor. Assim, soa como deslealdade contratual de Antônio
resistir a esta compensação. Pela boa-fé e pela interpretação teleológica, a compensação é
devida.
O TJ/RJ, na apelação cível 1997.001.2345, assim se posicionou:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema IV
A estrutura interna e a formação dos contratos. Os elementos subjetivos do contrato. A parte contratante.
Capacidade e legitimação. O contrato celebrado pelo incapaz. O consentimento. As formas de manifestação
da vontade. O silêncio vinculativo. O objeto do contato. Causa e motivo. Fases da formação dos contratos.
Tratativas ou negociações preliminares. Proposta ou policitação. A oferta ao público (art. 429). Aceitação.
Celebração dos contratos entre ausentes. Teorias aplicáveis. O lugar da celebração do contrato.
Notas de Aula7
A estrutura de um contrato conta com três elementos que não podem deixar de estar
presentes, sob pena de inexistência do próprio negócio: o elemento subjetivo, os sujeitos; o
elemento objetivo, o objeto; e o elemento material, que é o vínculo jurídico.
Não havendo um destes elementos, o contrato não existe. Não existindo, a eventual
análise da relação jurídica que porventura se esteja fazendo deverá ser feita não pelas regras
contratuais, mas sim pela lei. se a análise for sobre eventuais responsabilidades, por
exemplo, estas serão da espécie aquiliana.
Exemplo corriqueiro desta dinâmica, que ilustra a relevância da verificação dos
elementos internos do contrato, é a negativação do nome de uma pessoa por uma outra, em
razão de uma dívida que por esta não foi contraída. A indenização se dá justamente por
inexistir contrato que autorize a negativação, pois que falta o elemento vínculo jurídico, a
demonstrar que se trata de responsabilização extracontratual.
Os elementos de existência têm adjetivação que identifica-lhes como elementos de
validade. Vejamos.
1.1. Partes
O sujeito deverá ser capaz para que o contrato seja válido, tratando-se de
capacidade de fato, e não jurídica, aqui. Ocorre que há que se diferenciar capacidade de
legitimação: a capacidade de fato diz respeito à possibilidade genérica de praticar atos da
vida civil por si só; a legitimação, de seu lado, é uma capacidade de fato específica para
determinado ato.
Entenda: a capacidade de fato pode ser limitada ampla e genericamente, quando se
diz que o agente é incapaz para a prática de qualquer ato da vida civil. Entretanto, a
capacidade de fato pode ser limitada apenas em relação a um determinado ato da vida civil,
significando que mesmo que o agente seja capaz, macroscopicamente, é incapaz para um
certo aspecto, apenas. Um bom exemplo vem do pródigo, apresentado no artigo 4º, IV, do
CC:
7
Aula proferida pelo professor Ricardo Cyfer, em 29/1/2009.
A legitimação, por seu lado, é uma limitação ainda mais específica da capacidade: o
agente que é plenamente capaz, ainda assim pode ter um determinado ato que lhe seja
impossível praticar. Bom exemplo é a impossibilidade, de alguém que não tenha qualquer
interesse, de anular um negócio jurídico qualquer: a pessoa, plenamente capaz, não terá
legitimidade para aquele ato de anulação. Veja o que dispõe o artigo 496 do CC:
Assim, fora as pessoas envolvidas neste negócio jurídico, ninguém mais tem
legitimação para intentar a anulação, mesmo sendo pessoa plenamente capaz.
1.2. Objeto
Em relação ao objeto, este deve ser lícito, não podendo ser pactuado negócio que
envolva objeto ilícito. Veja que se assim o for, o contrato existe, porque há objeto, mesmo
que ilícito; o vício é na validade, porque a adjetivação “lícito” diz respeito a este espectro
do contrato, à validade, e não à existência. E assim o é com todos os requisitos de validade
do contrato, não só do objeto.
O objeto também deve ser determinado ou determinável, e possível, sendo a
possibilidade jurídica e fática, como se sabe.
daquele contrato de transporte, de forma gestual. Ser expresso em nada se confunde com
ser formal: é a direção direta ao interlocutor que identifica ser expressa a vontade.
A manifestação tácita, ao contrário, não é dirigida diretamente ao proponente pelo
aceitante, ou vice-versa. Veja um exemplo: se a operadora de cartões de crédito envia um
cartão ao indivíduo, esta é uma oferta expressa. Se o consumidor passa a utilizar este cartão
em compras, estará manifestando tacitamente sua aceitação, na medida em que seu
comportamento, mesmo não sendo dirigido à operadora – pois que fez compra em lojas,
não tendo respondido ao envio do cartão expressamente –,indica clara aceitação do crédito
que lhe foi ofertado. A manifestação tácita, então, é a prática de atos tais que fazem concluir
a vontade, sem que tenha havido expressão desta diretamente à parte policitante.
Quanto ao silêncio, este pode ou não ser manifestação de vontade. Geralmente,
quando o for, será manifestação da aceitação, e não da proposta, porque é difícil se
vislumbrar um exemplo de proposta por meio de silêncio. A cláusula geral do silêncio está
no artigo 111 do CC:
A parte final deste artigo é de suma importância, pois de plano elimina dúvidas
casuísticas quanto ao valor do silêncio: se a lei ou o próprio contrato exigir a forma
expressa, não há manifestação de vontade qualquer se houver silêncio. Não sendo o caso,
aplica-se a primeira parte do artigo. Vejamos.
O silêncio representa anuência por conta da interpretação casuística. Se, no caso
concreto, a circunstâncias da negociação ou a praxe negocial determinarem que o silêncio
indica aceitação, estará configurada a manifestação de vontade positiva se se quedar silente
a parte. Repita-se, a análise é casuística, e esta tem se demonstrado com freqüência maior
em se tratando de contratos que se renovam periodicamente. Vale o exemplo: se um
assinante de uma revista vem renovando-a por diversas vezes, anualmente, o silêncio
quando do fim de um período leva a crer que pretende renovar mais uma vez sua assinatura.
Aqui surge uma problemática. Como dito, a necessidade de expressão da vontade
não implica em necessária formalidade. No exemplo dado, para terminar o contrato, para
cancelar a assinatura, é necessário que o assinante se dirija à editora com manifestação
negativa da sua vontade em renovar, pois se ficar silente impele à interpretação de que
queria continuar assinante da revista. Contudo, como não precisa, a sua negativa, ser formal
– apenas expressa –, poderá fazê-la por mero telefonema. Mas suponha que a editora ignore
a existência deste telefonema, e continue o contrato como se nada houvesse: em se
instaurando o litígio nesta relação, o consumidor não poderá provar que fez tal telefonema,
e por isso, havendo silêncio, significaria que houve anuência. Como resolver?
Aplica-se, certamente, a inversão do ônus da prova, neste caso autorizada pelo
CDC, ao seguinte argumento: o contrato é de adesão, e por isso tanto a forma de
contratação quanto de distrato foi estabelecida pela editora, fornecedora. Sendo assim, o
consumidor aderiu também à forma de cancelamento, e se o meio telefônico foi admitido, é
incumbência da fornecedora produzir a prova de que não houve tal telefonema. É, de fato,
prova de fato negativo, mas não é prova diabólica, porque se é de difícil produção para a
empresa, ainda mais difícil será para o consumidor, e por isso se justifica a sua imputação à
fornecedora, diante do risco do empreendimento por esta suportado – inexistindo a prova da
não resolução, presumir-se-á que esta se deu.
Outro exemplo que indica que o silêncio é anuência é o contrato de locação, que
prorroga-se automaticamente, não havendo manifestação expressa de vontade em resolver o
trato. Da mesma forma, os contratos de seguro de saúde. Veja que, em regra, os exemplos
são de contratos de prestação continuada, renováveis periodicamente.
Quando for caso de aplicação desta cláusula geral do silêncio, do artigo 111 do CC,
este recebe o nome de silêncio simples, que é o silêncio interpretável. Quando a lei,
expressamente, impuser outro significado ao silêncio, este deverá ser observado, bem como
será observado o que o próprio contrato dispuser sobre o silêncio. Nestes casos, não se
aplicando o artigo 111 do CC, trata-se do que se chama de silêncio qualificado, que tem seu
sentido literalmente descrito, não interpretável. Assim ocorre, por exemplo, com os artigos
299, parágrafo único, 303, e 539, todos do CC:
“Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento
do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a
transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.”
“Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a
declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”
Tendo sintetizado quais são os elementos internos dos contratos e seus requisitos de
validade, vale traçar um esboço gráfico simples, para efeito de memória:
Partes
Objeto
2.1. Proposta
Não sendo caso de solenidade imposta por lei, ou de formalidade quista pelas
próprias partes, a proposta é informal.
Antes da aceitação válida, a relação se encontra em fase pré-contratual, negocial, a
chamada fase de puntuação, de tratativas, em que se percebe um certo interesse em
contratar, mas ainda se está desenhando a exata pactuação que será procedida. Sendo fase
extracontratual, não há, por óbvio, responsabilidade contratual alguma; contudo, esta fase já
é guiada pelas normas atinentes à boa-fé objetiva, e por isso pode haver responsabilização
de uma parte pela causação de danos quaisquer à outra, danos que serão oriundos da
frustração da expectativa criada na outra parte – responsabilidade que, como dito, será
aquiliana, porque não há contrato.
A proposta tem elementos objetivos e subjetivos de existência. O elemento subjetivo
é a seriedade da oferta: é necessário que se perceba que o proponente realmente tem
intenção em contratar como está manifestando. Havendo qualquer tom de jocosidade na
suposta proposta, não se a pode considerar existente.
O elemento objetivo da proposta é a descrição das condições do que se quer
contratar. Tais condições essenciais são, genericamente: o preço, o prazo, e as
circunstâncias do negócio.
O artigo 427 do CC traz princípio basilar da proposta, o princípio da vinculação:
o e-mail não pode ser considerado uma mensagem instantânea: a sua emissão e retorno não
é automática, instantânea, sendo necessário um aguardo da resposta – e por isso a
contratação por e-mail é considerada entre ausentes.
Os contratos de compra e venda eletrônica, em sítios da internet, são controvertidos.
A maioria da doutrina entende que são contratos entre presentes, porque há aceitação do
consumidor no mesmo momento em que há a oferta, mas há uem defenda, de outro lado,
que são ausentes, porque a interlocução não está bem configurada.
Dito isto, as regras de desvinculação só fazem sentido nos casos em que se dá
contratação entre ausentes, porque a desvinculação, em caso de contratação com pessoa
presente, se dá tão imediatamente quanto a própria vinculação: se não for imediatamente
aceita, no curso da interlocução, não mais estará vinculado o proponente. Veja o artigo 428
do CC:
Este dispositivo rata da proposta feita a sujeito não determinados, por proponente
que não seja fornecedor de produtos e serviços (porque se for, estará sujeito ao artigo 30 do
CDC). Veja que a vinculação é mais forte do que quando se trata de proposta a indivíduo
certo. A regra da desvinculação objetiva impõe duas condições para que esta seja operável,
como se depreende do parágrafo único deste artigo: o meio de divulgação da revogação
deve ser o mesmo meio pelo qual se divulgou a oferta; e a própria oferta deve ter contido a
ressalva da possibilidade de desvinculação.
Veja o que dispõe o artigo 30 do CDC:
também não pode ser exacerbada a protetividade do consumidor, sob pena de se impor ao
fornecedor a manutenção de estoques irrazoáveis8.
2.2. Aceitação
A regra, então, é simples: o aceitante não pode alterar a proposta jamais, pois se o
fizer, deixa de ser aceitante, passando a proponente.
A aceitação pode ser tácita, expressa, ou depreendida do silêncio, como já se viu.
Reiterando, a tácita, como já se viu, é a prática de atos que levam a entender aceita a a
proposta, sem que haja manifestação diretamente dirigida neste sentido ao proponente.
Por toda esta dinâmica, fica claro que o contrato só surge quando o aceitante se
manifesta: é ele o responsável pelo exato momento de criação o contrato. A aceitação não
vai criar o contrato, contrariando a normalidade, em três hipóteses, quais sejam, a aceitação
tardia, a retratação simultânea ou prévia, e os contratos reais.
A aceitação tardia vem prevista no artigo 430 do CC:
8
Cogito se esta assertiva não poderia ser considerada uma retratação simultânea à oferta, método legítimo de
desvinculação, quando se analisar a aceitação feita pelos consumidores que alcançarem a loja depois de
terminados os estoques. Fica a questão.
A segunda hipótese de aceitação que não cria o contrato é a do artigo 433 do CC,
esta bem óbvia:
“Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao
proponente a retratação do aceitante.”
A terceira hipótese é a dos contratos reais. Como se sabe, são reais aqueles
contratos que só passam a existir se houver a entrega do bem, a tradição (ou registro dos
bens imóveis). Veja que, no Brasil, o contrato não se forma com fato outro que não a
existência do consenso, a não ser nestes contratos reais, que são excepcionais (e muito
criticados, por desconsiderarem o consensualismo). Nos contratos consensuais, há
obrigação pessoal desde a plural manifestação das vontades, enquanto nos reais esta só
surge na transmissão ou na transcrição do registro. Daí entender-se que os contratos reais
são exceção à regra de que a aceitação cria o contrato: neles, mesmo havendo aceitação
válida, sem a tradição não há contrato9.
Pelo ensejo, é necessário adentrar na discussão sobro o exato momento de formação
do contrato. Vejamos, então, em tópico próprio, as teorias sobre este fenômeno.
“Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é
expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.”
9
No Brasil, o contrato não transmite propriedade, mas somente uma obrigação pessoal, como se vê. O que
gera a transmissão da propriedade é a tradição ou o registro.
Entenda: se o contrato se forma no local em que foi proposto, não se formou onde
foi expedida a aceitação, e sim onde o proponente a recebeu, em regra o mesmo lugar onde
propôs.
Casos Concretos
Questão 1
transporte não permite o ingresso dos empregados, afirmando que não havia nenhum
contrato celebrado. Consultado o representante legal da empresa de manutenção, é dito
que o contrato estava celebrado, pois não houve negativa expressa. A quem assiste razão?
Resposta à Questão 1
É claro que não há contrato. Não se impõe a negativa expressa como evento
determinante da não contratação, mas sim o assentimento expresso para se aperfeiçoar a
vontade. Não tendo se manifestado o oblato, e não sendo caso em que a lei dá ao silêncio o
caráter de manifestação positiva, não há contrato, nada indicando que o silêncio importe, in
casu, em anuência.
Veja o que disse o TJ/RJ, na apelação cível 2002.001.26132:
Questão 2
Joaquim encaminhou proposta para José cujo objeto era a alienação de 200
cabeças de gado pelo preço de R$ 50.000,00. Na referida proposta, o policitante se
obrigou a aguardar resposta no prazo de 30 dias. Ocorre que o proponente faleceu no 10º
dia do encaminhamento da proposta. Comprovado que houve a aceitação no prazo
veiculado na proposta, responda se os herdeiros do falecido estão obrigados a cumprí-la.
Resposta à Questão 2
André remete proposta de contrato para Caio estabelecendo o prazo de cinco dias
para a resposta e fazendo constar uma cláusula segundo a qual o silêncio implicará
celebração do negócio na forma do que dispõe o art. 432 do Código Civil.
Decorrido o prazo, Caio não remete a resposta e André cobra-lhe judicialmente o
cumprimento das obrigações contratuais pactuadas.
Deve prosperar a pretensão de André? Explique.
Resposta à Questão 3
Não. Mesmo que o dispositivo determine que o contrato assim se aperfeiçoaria, não
pode haver a imposição, unilateral, de nenhuma cláusula, e aí se inclui a cláusula que
dispõe que o silêncio é anuência do oblato. Não há contrato, pois esta cláusula que cria
silêncio qualificado, ela própria, não foi contratada, na medida que apenas uma das partes,
o proponente, a ela aderiu com sua vontade.
Questão 4
Resposta à Questão 4
O artigo 434, III, do CC, responde diretamente a questão: não tendo alcançado o
proponente no dies ad quem estabelecido, não há contrato, qualquer que tenha sido o
motivo do atraso. Tendo sido contratada a recepção, mesmo sendo adotada a teoria da
expedição, há esta exceção expressa.
Vale dizer que, neste caso, mesmo não havendo contrato, há que se impor ao
proponente que recebeu tardiamente a aceitação a comunicação deste atraso, e portanto da
existência do contrato, porque mesmo que o dever de informar ao oblato só se imponha em
aceitação tardia sem prazo fixado, o fortuito faz necessária esta comunicação, sob pena de
arcar com perdas e danos do aceitante, que acreditou formado o contrato –
responsabilidade, como visto, extracontratual.
Ad arguentandum, já que o enunciado estabeleceu por premissa a adoção da teoria
da expedição, se assim não fosse, entendendo aplicada a teoria da recepção, não haveria
qualquer dúvida: o contrato não se formou por não haver recepção.
Tema V
Contrato preliminar. Noções gerais. Evolução do contrato preliminar. Aplicabilidade. O contrato preliminar
no Código Civil de 2002. Classificação, requisitos e efeitos do contrato preliminar. Registro do contrato
preliminar. Contrato com pessoa a declarar. Conceito. Aplicabilidade. Regulamentação no Código Civil de
2002. Estipulação em favor de terceiro. Promessa de fato de terceiro.
Notas de Aula10
10
Aula ministrada pelo professor Rafael Viola, em 30/1/2009.
1. Contrato preliminar
A mais importante diferenciação, que se tem que deixar bem clara, é a que se faz
entre contratos preliminares e tratativas. O contrato está celebrado e perfeito quando
coincidem as vontades dos contratantes em um mesmo ponto e para a obtenção de certos
efeitos. No entanto, até o momento da convergência das manifestações de vontades dos
contratantes, decorrem uma série de momentos e atos preparatórios e sucessivos até se
alcançar o perfeito consenso e formação do contrato com a aceitação da proposta.
Ocorre que esta negociação prévia ao contrato não é parte do contrato, ela mesma.
As tratativas, a fase de puntuação, é fase pré-contratual, extracontratual, e não um contrato
preliminar. Só há contrato, existente e perfeito, quando há a manifestação plural de
vontades consignada, como já se viu.
Entretanto, a fase de contatos prévios merece proteção jurídica, porque o contato
social qualificado, nome que se dá à relação que insemina na outra parte a expectativa
legítima de que o contato será firmado em momento futuro, está também sob a égide da
boa-fé objetiva. E é esta a proteção que se oferece na fase pré-contratual, bem como na pós-
contratação, como já se viu. É claro que as meras tratativas não vinculam: é necessário que
na casuística se apure a criação real da expectativa de contratação.
Na ocorrência da quebra da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, a
responsabilidade é aquiliana, porque não há contrato. Sendo assim, a responsabilidade se
aterá aos danos causados e provados, e não à obrigação contratual frustrada, que não será
forçosamente cumprida, mas pode servir de parâmetro de lucros cessantes, ou da perda dos
interesses negativos, como a perda do tempo, por exemplo. Sobre o tema, é interessante ler
o julgado da apelação cível 2008.001.04713. Veja a ementa:
“Aquele por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar
mais tarde outro contrato, que será contrato principal.”
“Convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a
faculdade de exigir a imediata eficácia de contrato que projetaram.”
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os
requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”
A doutrina tem entendido, de forma pacífica, que esta exigência do registro público
é somente para fins de ciência a terceiros, porque como o consensualismo impõe, o contrato
não precisa do registro para ser imponível perante as partes pactuantes. Neste sentido, o
CJF emitiu o enunciado 30:
“Enunciado 30, CJF: A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código
Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.”
“Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a
mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo
este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.”
O artigo estabelece previsão bastante lógica: sem que haja prazo, a promessa deve
ter efeito em prazo razoável, sob pena de implicar, se assim não fosse, em uma vinculação
ad aeternum. Notificado pelo devedor, o credor da promessa deverá exercer ou não sua
faculdade, em prazo casuístico – razoavelmente assinado, como diz esta cláusula aberta.
Veja que esta razoabilidade no prazo é diretamente relacionada à complexidade do
próprio contrato, sendo realmente casuística.
A faculdade em emitir ou não a vontade não se trata, neste caso, de uma condição
puramente potestativa: é o próprio objeto do contrato a criação desta faculdade, e não uma
condição potestativa.
A promessa bilateral, por óbvio, vincula ambos os contratantes à manifestação de
vontade em contratar o pacto futuro definitivo. Na promessa bilateral, cada parte pode
exigir da outra a execução do contrato que projetaram. Sem embargo, na medida em que é
um contrato bilateral, gera obrigações para ambas as partes e, portanto, fica desde logo
fixada a obrigação de dar o consentimento para conclusão do contrato definitivo.
O artigo 463 do Código Civil, há pouco transcrito, prevê que, realizado o contrato
preliminar sem que dele conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá
exigir a celebração do contrato definitivo. Para tanto, deverá assinar prazo ao outro
contraente, que será aquele previsto no contrato ou, em sua ausência, prazo razoável para o
cumprimento do pactuado.
Veja que quem celebrará o contrato definitivo neste caso de recusa, então, é o
próprio juiz, na sentença. O problema é que o contrato é um instrumento complexo,
continente de diversas particularidades, como as cláusulas penais, ou as obrigações
acessórias. Outro problema é que estará sendo criado um contrato em nome de pessoa que
não quer contratar, ou seja, não tem o compromisso com o bom curso do contrato, da
obrigação como um processo. Entretanto, como a busca pela satisfação do credor é o norte,
supera-se estas críticas.
Nas hipóteses de obrigações infungíveis ou em que não haja mais interesse do
credor na realização do contrato, ao prejudicado restará, somente, exigir perdas e danos. As
obrigações personalíssimas não permitem a invasão da esfera pessoal do devedor para
cumprimento específico. Trata-se da ressalva constante da parte final do artigo supra,
adicionada da previsão do artigo seguinte, 465 do CC:
“Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra
parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.”
pessoas alheias ao pacto. É que a função social do contrato aparece como uma mitigação a
esta relatividade contratual, na medida em que o contrato não pode aviltar, ele próprio, os
direitos relevantes do meio social – o que se denomina de função social exógena –, bem
como não pode ser atacado por pessoas a ele alheias – o que se diz função social
autoprotetiva. Gustavo Tepedino defende que o que propugna esta vinculação de pessoas
alheias ao pacto, de fato, é a boa-fé objetiva, e não a função social, mas é praticamente
isolado em sua tese.
Um exemplo famoso de efeito de terceiros sobre o contrato é o caso da quebra da
exclusividade na venda de um medicamento: determinado laboratório pactua contrato de
exclusividade de venda de um de seus medicamentos com uma farmácia. Ocorre que há
uma epidemia da doença tratada com tal medicamento. O Estado, então, vê necessidade de
quebrar tal contrato, a fim de atender à demanda pelo medicamento. Nada mais é, esta
quebra de exclusividade, do que a inadimplência causada por pessoa alheia ao contrato, o
que se permite em razão do interesse público em que seja inadimplida a obrigação
contratual.
A regra, porém, é que não haja a interferência no contrato por terceiros, tampouco
do contrato sobre terceiros, não sendo caso de respeito à função social. Há, todavia, três
institutos que excepcionam esta regra, vinculando terceiros alheios ao pacto: a estipulação
em favor de terceiros, que se analisa agora; a promessa de fato de terceiro; e a contratação
com pessoa a declarar. Vamos, então, ao estudo da primeira destas modalidades de
contratação excepcionais, a estipulação em favor de terceiro.
Neste contrato, o estipulante e o promitente celebram o pacto, sendo que a prestação
a ser adimplida pelo promitente será dedicada a beneficiar um terceiro, alheio ao contrato.
Segundo Orlando Gomes, a estipulação em favor de terceiro é:
“O contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem
patrimonial gratuita a pessoa estranha à formação do vínculo contratual, submetido
à condição resolutiva da aquisição do estipulante e à condição suspensiva da
aquisição do terceiro.”
Veja que o terceiro não pode sofrer imposição de obrigação contratual alguma. A
estipulação é em favor do terceiro, o que significa que este somente poderá por esta ser
beneficiado.
O exemplo mais corriqueiro deste contrato é o seguro de vida, em que a prestação
do promitente deve ser cumprida perante o beneficiário do seguro. A doação com encargo
revertido para terceiro é outro exemplo, pois que o donatário promete cumprir o benefício
em favor de um terceiro, que não o doador.
Exemplo também comum é a concessão do serviço público: quem angaria os efeitos
benéficos este contrato não é o Poder Público concedente, ele próprio, e sim a coletividade,
os indivíduos administrados.
O contrato de transporte de cargas é uma estipulação em favor de terceiros, na
medida que quem receberá a prestação, em ultima análise, é o destinatário da carga.
Ressalte-se que o consentimento do beneficiário não é necessário à constituição do
contrato que já é válido desde a comunhão de declarações de vontade do estipulante e
promitente. A estipulação também independe da capacidade do beneficiário, pois que sua
vontade não é relevante na formação do contrato (o sendo na eficácia, pois que deve aceitar
a prestação, mas não na existência do contrato). Mas este deverá ter legitimidade
“Art. 376. Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida
com a que o credor dele lhe dever.”
terceiro pode exigir, somente este pode remitir. Veja o que dispõe o artigo seguinte, 437 do
CC:
“Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se
este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação.”
11
Vejo, aqui, bom campo para a boa-fé objetiva na fase pós-contratual: se se comprovar que o promitente
sabia, de antemão, que o terceiro não cumpriria a prestação que a si incumbia, cuja anuência foi objeto da
promessa adimplida, revela-se falta de lealdade, induzindo perdas e danos.
“Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e
danos, quando este o não executar.
Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do
promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo
regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus
bens.”
Sendo regime que não comprometa a meação do terceiro, este artigo não opera seus
efeitos, porque não há perigo para o cônjuge inocente.
Neste contrato, há duas pessoas inicialmente contratantes, mas uma das partes,
desde o início, se reserva a faculdade de indicar um terceiro que irá, retroativamente,
tornar-se o titular dos direitos e das obrigações decorrentes desse contrato em face do outro
contratante.
Entenda: se uma pessoa faz esta reserva de indicar o terceiro como substituto
contratual, quando fizer esta nomeação, significará que o terceiro assumirá o contrato como
se o houvesse pactuado desde o início. Não se trata de cessão de posição contratual, porque
nesta os efeitos são ex nunc, ou seja, aquele que assume a posição cedida passa a ser tido
por contratante dali em diante, enquanto no contrato com pessoa a declarar ocorre a
substituição com efeitos ex tunc, como se o terceiro que é nomeado sempre tivesse sido
contratante original.
A função deste contrato, desta cláusula, pode ser a necessidade de se manter oculto
o nome do contratante final, que será revelado apenas quando aquele que se reservou o
direito de nomear o exercer; outra função é a necessidade, por vezes, de contratar em nome
próprio, já com a intenção de que o terceiro seja o real contratante, sem que seja realizada
mais de uma operação, evitando outra tributação, etc.
Veja os artigos 467 e 469 do CC:
“Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se
a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as
obrigações dele decorrentes.”
“Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias
da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.
Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir
da mesma forma que as partes usaram para o contrato.”
Aceitação do nomeado deve ser da forma que for pactuado o próprio contrato, por
viger a atração das formas, segundo o parágrafo único deste dispositivo acima.
O contrato só produzirá efeitos entre os contratantes originários caso não seja
indicada a pessoa no prazo estipulado; ou se o nomeado se recusar; ou, ainda, se a pessoa
nomeada era incapaz ou insolvente no momento da indicação. Veja o artigo 470 do CC:
Esta incapacidade deve ser lida como legitimidade, pois a incapacidade de fato é
óbice óbvio à validade da nomeação.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
b) Há três correntes. A primeira defende que todo direito real, para ter eficácia,
demanda registro, sustentando a literalidade do artigo 1.418 do CC, o que era
jurisprudência do STF, quando dado este tema à sua competência.
A segunda corrente, da qual comunga o STJ, como se vê na súmula 239
desta Corte, defende que é possível, desde que a promessa não tenha cláusula de
arrependimento. O CJF, no enunciado 95, assim também se posicionou. Veja:
“Enunciado 95, CJF: Art. 1.418: O direito à adjudicação compulsória (art. 1.418 do
novo Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, não se
condiciona ao registro da promessa de compra e venda no cartório de registro
imobiliário (Súmula n. 239 do STJ).”
Tema VI
Elementos naturais do contrato. Vícios redibitórios. Conceito. Requisitos. Efeitos. Ações edilícias. Prazos.
Evicção. Conceito. Requisitos. Cláusula de reforço, diminuição e exclusão da garantia. Efeitos da evicção.
Evicção parcial.
Notas de Aula12
1. Vícios redibitórios
Veja que esta possibilidade reside justamente no desequilíbrio que se percebe nas
causas do contrato: uma causa passa a não mais corresponder ao que dela se esperava, não
mais tendo equivalência entre as prestações. Daí a lógica da redibição.
Caio Mário preleciona que, na hipótese de transferência de coisa de qualquer
natureza, deve ser assegurado ao adquirente a sua posse útil, sem frustrar as suas
expectativas: o adquirente tem direito à posse útil da coisa. Para este autor, o vício
redibitório é:
“Os defeitos ocultos que afetam a coisa transferida nos contratos comutativos,
tornando-a imprópria para o uso a que se destinava ou diminuindo-lhe o valor, por
tal forma que, se conhecesse o vício, o adquirente da coisa não teria realizado o
contrato ou teria oferecido uma contraprestação maior.”
“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada
por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou
lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.”
A idéia por trás da teoria da qualidade é que não só o bem ou serviço tem que se
adequar ao fim a que se destina, como deve também garantir a incolumidade física do
consumidor – respectivamente, a qualidade-adequação e a qualidade-segurança. Daí surge
a maior diferença: quando se fala em qualidade-adequação, se fala em vício; quando se fala
em qualidade-segurança, se fala em fato do produto ou serviço, ou o acidente de consumo.
Assim, não se pode confundir um fundamento com outro, porque o vício de
consumo é regido pela protetividade imposta pelo CDC, enquanto o vício redibitório da
relação regida pelo CC é baseado tão somente na disparidade entre as causas do negócio.
Vale consignar apenas uma peculiaridade: o CC, de fato, apenas em matéria de
prazos, é mais protetivo ao contratante padecente do vício. Pelo diálogo das fontes, e pela
ausência de lógica que seria detrir proteção ao consumidor simplesmente porque a norma
não está no CDC, a doutrina entende que o prazo para argüir vício redibitório em bens
imóveis a ser aplicado em relações e consumo é o mais favorável ao consumidor, qual seja ,
o prazo de um ano do caput do artigo CC, enquanto que, na literalidade, seria de noventa
dias, pois que imóveis são bens duráveis, adequando-se aos incisos I e II do caput do artigo
26 do CDC:
Não é qualquer vício que autoriza a redibição. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:
É bastante óbvio: o defeito que surge, que inicia sua existência, após a entrega ao
adquirente, não pode ser argüido como causa à redibição. Isto porque vige a lógica do res
perit domino, segundo a qual a coisa perece para o dono.
Não se pode confundir com o vício que já existia, mas apenas se revelou após a
tradição: se assim for, é claro vício redibitório, pois que o vício preexistia, estando apenas
oculto. A lógica vem do artigo 444 do CC:
Veja que, mesmo no caso em que o vício seja redibitório, há sim uma certa
mitigação à regra do res perit domino, porque a tradição já se tendo operado imporia que o
adquirente suportasse, agora, os riscos do perecimento.
1.4. Prazos
Bem móvel
Ainda, quanto aos prazos, as normas são derrogáveis pela vontade das partes: estes
prazos podem ser reduzidos ou suprimidos pelas partes, desde que não se trate de contrato
de adesão, quando então será a cláusula claramente abusiva, e portanto nula.
Por fim, vale comentar a previsão do artigo 446, que trata da garantia convencional:
Significa que, enquanto vige a garantia contratual, não corre a garantia legal, mas se
o adquirente, no curso da garantia contratual, souber do defeito, não pode quedar-se inerte,
ou perde o direito à redibição.
2. Evicção
“A perda da coisa em virtude de sentença judicial, que a atribui a outrem por causa
jurídica preexistente ao contrato.”
“O Código Civil espaventou a dúvida, instituindo a garantia toda vez que, por
contrato oneroso, se faça a transferência tanto do domínio quanto da posse ou do
uso.”
“Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta
garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.”
2.1. Requisitos
O primeiro requisito, bastante óbvio, é a perda da coisa, que pode ser total ou
parcial. Sendo a evicção parcial, mas considerável, permite-se a faculdade entre a rescisão
do contrato ou o abatimento proporcional. Quando a perda não for considerável, não poderá
o adquirente exigir a rescisão contratual, porque o cumprimento, aqui, pode ser considerado
satisfatório ao interesse do adquirente – e a conservação dos contratos impõe a irrelevância.
Somente caberá, nesses casos, a ação quanti minoris do artigo 455 do Código Civil.
Considerável é aquela perda em que o adquirente não realizaria o contrato se conhecesse a
verdadeira situação.
“Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a
rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque
sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.”
“Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era
alheia ou litigiosa.”
Ora, sabedor que era da situação de non domino, ou sub judice, o adquirente era,
respectivamente, ou cúmplice da alienação indevida, ou complacente com o risco da perda,
e por isso não merece proteção.
Para que seja possível o exercício dos direitos decorrentes da evicção, o artigo 456
do Código Civil traz a exigência de que o adquirente proceda à notificação do alienante
(seja imediato ou não), relativamente ao litígio travado com o evincente (terceiro). É
imposta, portanto, a denunciação da lide ao alienante.
“Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente
notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e
como lhe determinarem as leis do processo.
Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo
manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer
contestação, ou usar de recursos.”
Esta exigência da denunciação da lide faz destacados dois pontos que precisam ser
enfrentados. Primeiro: se o evicto não fizer a denunciação da lide, não terá direito algum?
Segundo: este artigo 456 do CC autoriza a denunciação da lide aos alienantes anteriores, o
que seria uma abertura à chamada denunciação per saltum, bastante combatida pela
doutrina processual.
Veja o artigo 70, I, do CPC:
13
Esta última situação é problemática, pois que se o evicto se enganou quanto à certeza da situação de
evicção, deixando de oferecer a resistência terá perdido seu direito. Não sendo muito evidente o direito do
evictor, a resistência é recomendada, então.
Quanto ao primeiro aspecto, Caio Mário e Clóvis Bevillacqua entendem que se não
denunciar a lide, o evicto não terá qualquer direito oriundo da evicção – nenhum direito.
Miguel Maria de Serpa Lopes, por sua vez, entende que, ainda que o adquirente não
notifique o alienante através da denunciação da lide, ele sempre terá, em face do alienante,
ação de indenização pela inexecução contratual. Com efeito, enquanto na ação de
indenização o fundamento é o inadimplemento contratual que sempre subsistirá, na evicção
é a garantia que implica em conseqüências mais graves.
Quanto ao segundo ponto, a denunciação da lide per saltum parece ser autorizada,
mas o artigo fala em “quando e como lhe determinarem as leis do processo”. Alexandre
Câmara entende que esta espécie não está autorizada, justamente por esta remissão à lei
adjetiva, que impede a denunciação aos alienantes anteriores, ao falar apenas no direto14. A
doutrina civilista, em peso, defende que é, ao contrário, uma autorização legal a esta
denunciação per saltum, contando com a adesão do CJF, que se vê no seu enunciado 29:
“Enunciado 29, CJF: Art. 456: a interpretação do art. 456 do novo Código Civil
permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício.”
“Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição
integral do preço ou das quantias que pagou:
I - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
II - à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente
resultarem da evicção;
III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.
Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa,
na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de
evicção parcial.”
Veja que os direitos do evicto são muito mais densos do que os direitos de um mero
credor inadimplido. Exemplo claro disso é que, de acordo com o parágrafo único deste
artigo 450, o alienante responde, também, pela plus-valia, isto é, a diferença maior entre o
preço de aquisição e o seu valor ao tempo em que se evenceu, seja a evicção total ou
parcial. Segundo Gustavo Tepedino:
14
O argumento é que falta legitimidade, vez que a relação material entre o adquirente e os alienantes
pretéritos, indiretos, inexiste, contrariando esta condição da ação estabelecida pela teoria eclética.
A tese de Caio Mário é reforçada pelo disposto no artigo seguinte, 451 do CC, que
afirma que subsiste a obrigação ainda que a coisa tenha se deteriorado, salvo dolo do
adquirente, pois ninguém pode se valer da própria torpeza. Veja:
“Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada
esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.”
Vale mencionar que tudo que se aplica às benfeitorias, aqui, se aplica à acessão, por
não haver diferença ontológica entre os institutos, para fins de indenização.
Por fim, no que tange ao cálculo da indenização, caso o adquirente tenha auferido
vantagens com as deteriorações da coisa, o valor dessas vantagens deverá ser deduzido da
indenização a ser paga ao adquirente. O fundamento por trás do artigo é, justamente, evitar
o enriquecimento sem causa (compensatio lucri cum damno).
“Art. 452. Se o adquirente tiver auferido vantagens das deteriorações, e não tiver
sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que
lhe houver de dar o alienante.”
“Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção.”
Esta autonomia é restrita nos contratos de adesão, nos quais não será considerada
válida a cláusula que extirpa tais direitos.
“Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se
der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não
soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Não há como se exigir tal conduta do adquirente. Mesmo que tenha entregue o bem,
ainda merece reparação pela evicção sofrida, em nada impedindo, a entrega, a discussão
judicial da perda. Ao contrário, quando for inequívoca a definição da perda do direito, o
evicto deve colaborar, não devendo ingressar com demanda frívola, pretensão descabida.
Esta é a posição do STJ, no REsp. 69.496:
Questão 4
Resposta à Questão 4
Mesmo sendo acessões, hão de ser indenizadas, porque assim deve ser interpretado
ontologicamente o termo “benfeitorias”, a fim de medir a indenizabilidade do evicto. Não
há qualquer lógica em se diferenciar, neste caso, acessão de benfeitoria: todas são despesas
realizadas pelo evicto, e portanto indenizáveis.
Quanto à denunciação da lide, não faz qualquer sentido, in casu.
Veja a ementa do REsp. 139.178, e o enunciado 81 do CJF:
“Enunciado 81, CJF: Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do
CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica
às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.”
Tema VII
Extinção dos contratos. Adimplemento. Dissolução. Resilição bilateral ou distrato e resilição unilateral.
Denúncia, renúncia, revogação e resgate. Resolução. Cláusula resolutiva tácita e expressa. Inadimplência da
obrigação: rescisão. Exceção do contrato não cumprido.
Notas de Aula15
1.1. Resilição
“Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.”
Quando se fala em resilição, esta pode ser bilateral ou unilateral. Quando for
bilateral, se trata do distrato, conforme previsto neste artigo 472 supra. A resilição é forma
15
Aula ministrada pelo professor Carlos Santos de Oliveira, em 2/2/2009.
“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente
o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver
feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto
dos investimentos.”
1.2. Resolução
1.3. Rescisão
2. Cláusula resolutiva
Todo contrato bilateral, sinalagmático, tem ínsita uma cláusula resolutiva, expressa
ou tácita. Todo contrato desta espécie pode ser resolvido, sendo que a cláusula resolutiva
for expressa, independe de notificação, dependendo desta comunicação se for tácita. Veja o
artigo 474 do CC:
“Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende
de interpelação judicial.”
“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato,
se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,
indenização por perdas e danos.”
“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a
sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”
“Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que
lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.”
Este instituto consiste em uma matéria de defesa contratual, que tem cabimento
quando houver o inadimplemento causal do contrato: se o contrato deixa de ser adimplido
por uma das partes, a outra parte conta com essa exceção para também deixar de adimplir
sua prestação obrigacional.
Veja: ninguém pode ser responsabilizado por deixar de cumprir sua obrigação
contratual se só deixou de cumpri-la por causa do inadimplemento prévio de seu
contratante. Assim, essa exceção é oponível ao que deixou de cumprir a obrigação primeiro,
por aquele que só descumpriu o contrato por causa desse inadimplemento que sofreu.
A visualização dessa exceção é bem mais fácil em se tratando de contratos de trato
sucessivo: a parte que tem incumbência de cumprir primeiro determinada obrigação não
poderá exigir da outra o cumprimento da correspectiva, se não cumpriu primeiro a sua.
Quem descumpre primeiro sofrerá os efeitos da exceptio, pois o segundo poderá,
licitamente, deixar de cumprir com sua prestação. Nos contratos de execução instantânea,
também pode haver diferença entre os momentos de cumprimento da obrigação por cada
um dos contratantes. Se houver, aquele que cumpre depois poderá deixar de adimplir, se o
que deveria ter cumprido antes não o fez.
Uma importante ressalva consiste na possibilidade de se antecipar o vencimento da
obrigação quando o risco do inadimplemento for concreto (ou requerer garantia real ou
fidejussória). Sabendo-se que há indícios concretos da inadimplência iminente, o
vencimento pode ser antecipado, o que pode gerar uma inversão na ordem de cumprimento
das obrigações: se aquele que está em risco de ser inadimplido for quem deveria pagar
primeiro, sua posição será, agora, a de receber primeiro, e se não recebe, agora é ele quem
conta com a exceptio.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
unilateralmente o pacto, desde que comunique com prazo razoável esta sua decisão. A
resilição unilateral é a denúncia, in casu, não se tratando de rescisão, que é extinção
decorrente da invalidade do pacto (em que pese haver quem confunda rescisão com
resolução opor inadimplemento voluntário, quando há culpa lato sensu). Nada há que
impeça a resilição, mas se comprovado algum prejuízo pela outra parte, este é indenizável.
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Condomínio do Edifício Sol celebrou com a empresa Lua Ltda. contrato escrito de
prestação de serviços por prazo determinado de três anos, para manutenção dos
elevadores.
Passado o segundo ano, a empresa prestou serviço falho, o que causou danos ao
Condomínio.
Este, então, ingressou com ação de rescisão contratual, para pleitear,
cumulativamente, a devolução da remuneração até então paga pela empresa, bem como
perdas e danos a serem apurados em liquidação de sentença.
a) Analise o cabimento do pleito na sua totalidade.
Resposta à Questão 3
Tema VIII
Resolução por onerosidade excessiva. Teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva no Código de Defesa
do Consumidor e no Código Civil de 2002. Efeitos da onerosidade excessiva. A revisão dos contratos. Vícios
da vontade contratual. A lesão e o estado de perigo.
Notas de Aula16
16
Aula ministrada pelo professor Carlos Santos de Oliveira, em 2/2/2009.
“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá
ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a
fim de evitar a onerosidade excessiva.”
“Enunciado 365, CJF: Art. 478. A extrema vantagem do art. 478 deve ser
interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta
a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva,
independentemente de sua demonstração plena.”
Outro problema com a redação do artigo 478 do CC: ali só se permite, a rigor, que o
devedor pleiteie a resolução do contrato, e não sua revisão. A jurisprudência vem
estendendo o sentido deste termo, fazendo interpretação ampliativa, de forma a aceitar que
o devedor requeira a revisão, e não somente a resolução.
Seria possível a revisão do contrato, com base na onerosidade excessiva, depois de
ter este sido integralmente cumprido? A jurisprudência tem entendido, majoritariamente,
que não é possível, vez que o contrato resolvido por termo natural, adimplemento integral,
está desfeito, e não merece interferência; contudo, há quem admita esta revisão póstuma,
por assim dizer.
Uma última questão correlata: no estado de perigo, apesar de o artigo 156 do CC
não falar em revisão, a doutrina unânime endente que, em prol do princípio da conservação
dos contratos, aplica-se por analogia o § 2º do artigo 157 do CC, sede da lesão:
“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
(...)
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Sim, é caso claro de onerosidade excessiva, tendo ocorrido de fato exatamente este
evento em 1990, quando o dólar dobrou seu valor ao passar à livre indexação de mercado.
Neste caso, mesmo o evento sendo previsível – a variação cambial é certa –, seus efeitos
extremados, eles sim, eram imprevisíveis, e por isso o contrato deve ser revisto.
A respeito, veja o REsp. 447.336:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema IX
Contratos eletrônicos. Formação do contrato. Contratos entre presentes e ausentes. Documento eletrônico.
Certificação digital. Responsabilidade do provedor. Relações de consumo na internet sob o aspecto
contratual.
Notas de Aula17
1. Contratos eletrônicos
A contratação eletrônica tem como principal paradigma a confiança, que deve ser
protegida com especial atenção quando a relação social é massificada e, sobretudo,
relativamente anônima.
A idéia de fé no conhecimento de sistemas tecnológicos e especializados,
acompanhada da ignorância do leigo acerca do seu funcionamento, traz a confiança como
parâmetro para a distribuição dos novos riscos trazidos pela comodidade e facilidade
próprias da evolução tecnológica.
17
Aula ministrada pelo professor Guilherme Martins, em 13/2/2009.
Esta confiança precisa de proteção. A tutela da confiança aparece como defesa dos
interesses da parte de boa-fé, especialmente quando não houver uma norma específica, um
dispositivo legal específico protegendo-a, no caso.
Há, na contratação eletrônica, por meio de internet, fatores de risco que não existem
em negociações regulares, face a face, e um destes fatores de risco é o anonimato, ainda
que relativo. E veja que este anonimato é de mão dupla: tanto o consumidor não tem
absoluta certeza de que o site que está contatando é do fornecedor, como este também não
tem como saber se o consumidor é quem diz ser. Para minimizar este problema do
anonimato, há uma série de instrumentos de segurança, que serão abordados adiante.
Além do anonimato, outro problema destas contratações eletrônicas é a
concentração, em poder do fornecedor, dos termos e dados da transação: é ele quem
conserva os dados e atos da negociação, o que pesa ainda mais contra ele, em eventual
litigância sobre o pacto. Com esta concentração de provas nas mãos do fornecedor, exsurge
a possibilidade de inversão ope judicis do ônus da prova, na forma do artigo 6º, VIII, do
CDC.
Há quem entenda que o provedor é responsável pelo dano se, notificado sobre uma
determinada irregularidade, deixa de buscar solucioná-la. É o caso de sites de hospedagem
de perfis, como o orkut, ou de vídeos, como o youtube, que será responsabilizado se
comunicado de determinada irregularidade, e, somente após tal notícia, deixar de atuar
coibindo-a.
De outro lado, há quem defenda que a notificação não é o marco determinante da
responsabilização: seria desde sempre responsável, ao argumento de que o seu poder de
controle sempre esteve presente, devendo atuar preventivamente, e não apensa sob
provocação.
Vale dizer, porém, que prevalece a primeira corrente, exigindo a notificação para
que haja a responsabilização, eis que há julgados que entendem neste sentido, porque crêem
que a verificação preventiva é impossível.
O contrato eletrônico não é uma espécie nova, autônoma, de contrato. Trata-se, tão-
somente, de uma técnica de formação de contratos, que serão, em essência, os mesmos já
há muito praticados – compra e venda, prestação de serviços, etc. Salvo as limitações de
forma impostas no ordenamento, para alguns contratos, esta técnica poderá ser utilizada em
qualquer modalidade de contratação. Por exemplo, uma compra e venda de bem imóvel não
pode ser feita eletronicamente, ante a necessidade da escritura pública.
tempo conectada, e sem que tenha ciência imediata de que o contrato foi efetuado. São os
contratos feitos por meio dos web sites, e normalmente são também contratos de adesão.
Uma primeira corrente, a que se filiam José de Oliveira Ascensão, Marco Aurélio
Bezerra de Melo, Ana Paula Gambogi Carvalho, Erica Barbagalo, aplica simplesmente a
teoria da expedição, do artigo 434, usque 433, do CC:
“Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao
proponente a retratação do aceitante.”
“Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é
expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.”
“Enunciado 173, CJF: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes,
por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente.”
A regra geral do direito contratual, como se sabe, é a do locus regit actum, ou seja, o
contrato é considerado celebrado no local em que foi proposto, como deixa claro o artigo
435 do CC, e o artigo 9º, § 2º, da LICC:
exige ainda mais reforço na sua forma, a fim de prevenir quebra de segurança, em um meio
tão aberto a violações.
Por conta disso, há institutos peculiares, como as assinaturas eletrônicas, que
servem sobretudo para provar a origem dos dados, ou seja, se a pessoa que se apresenta é
mesmo quem diz ser, e verificar se foram os mesmos alterados; e a criptografia, que
permite que seja assegurada a confidencialidade da comunicação.
O CJF, em sua IV Jornada de Direito Civil, elaborou algus enunciados pertinentes.
Veja:
“Enunciado 397, CJF: O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja
apto a conservar a integridade do seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria,
independentemente da tecnologia empregada.”
1.6.1. Criptografia
1.7. Provedor
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Há, apenas, que se atentar para a boa-fé do consumidor, que deve estar
presente, pois a má-fé não pode jamais ser premiada pela tutela jurídica.
Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
O caso é de fortuito interno, não podendo ser considerado o dano sofrido pela
pessoa jurídica como algo estranho à atividade do provedor, mas sim integrante do risco
empresarial do seu negócio. A vulnerabilidade de um site não é um fato que se desencadeia
fora da esfera de atuação daquele prestador de serviços, não podendo ser afirmada a
ausência de nexo causal.
A respeito, veja o julgado na Apelação Cível 433.758-0, do TJ/MG:
Vale dizer que, identificado que for o causador da invasão, a este se imputa a
responsabilidade pelo dano: poderá ser reconhecido o fato de terceiro, como dispõe o
CDC, no artigo 12, § 3º,III, e no artigo 14, § 3 º , III, já transcritos.
Tema X
Compra e venda I. Conceito. Classificação. Elementos. Restrições legais à celebração do contrato de compra
e venda. Invalidade da compra e venda. Efeitos da compra e venda. Tradição. Compra e venda de imóveis.
Venda ad corpus e ad mensuram. Venda em condomínio pro indiviso.
Notas de Aula18
Nosso sistema, como se sabe, segue o modelo alemão. Não há, no Brasil, contrato
com efeitos reais – não se confundindo com os contratos reais, a classificação do contrato
como real. E o contrato de compra e venda não foge à regra: este gera tão-somente direito
obrigacional, dependendo de atos posteriores para transmissão efetiva da propriedade. Não
se confunda a possibilidade de adjudicação compulsória, que surge com a promessa de
compra e venda irretratável, registrada e com preço pago, com efeitos reais: ainda assim é
preciso que haja o registro no cartório competente para que haja a transmissão da
propriedade.
Há, portanto, dois momentos no contrato de compra e venda: o momento de
formação e desenvolvimento e o seu cumprimento. Em uma compra e venda instantânea,
estes momentos não são tão bem definidos, pois a paga do preço e a entrega da coisa
ocorrem quase simultaneamente. Em um contrato de compra e venda parcelado, porém, se
pode perceber esta diferenciação: até o momento do pagamento integral do preço, de todas
as parcelas, e entrega definitiva da coisa, há diversas obrigações, ao lado da principal. É a
análise dinâmica da obrigação, a obrigação como um processo, já estudada.
Sendo assim, a transferência da coisa é ato de cumprimento, e não um elemento de
sua existência, validade ou eficácia.
No Brasil, esta separação entre formação e adimplemento é relativa. Na Alemanha,
é absoluta: o ato de registro ou tradição é completamente dissociado do contrato de compra
e venda, implicando em transmissão da propriedade. No Brasil, é causal, ou seja, a tradição
ou registro dependem do contrato de compra e venda que os precedeu. Veja: não realizar
tradição ou registro significa descumprir o contrato; de outro lado, a transmissão da
propriedade será anulável se o comprador não cumprir sua obrigação contratual principal,
qual seja, pagar o preço (o que denota a relatividade do registro, no Brasil).
Daí vem o conceito: contrato de compra e venda é aquele pelo qual o vendedor se
obriga a transferir a propriedade de uma coisa a outra parte, recebendo em contraprestação
o preço combinado, em dinheiro ou valor fiduciário equivalente. O contrato gera obrigação
de transferir, e não transfere, já, ele próprio, as propriedades envolvidas.
Veja o artigo 481 do CC:
É também comutativo, em regra, mas nada impede que seja pactuado com alea
presente, quer emptio spei, quer emptio rei speratae.
Pode ser de execução instantânea ou diferida, sujeito à estipulação pelas partes.
1.1.1. Coisa
Qualquer coisa pode ser objeto de compra e venda, quer seja própria ou alheia,
corpórea ou incorpórea, presente ou futura, desde que não seja bem fora do comércio.
Coisa inserida no comércio é aquela que é passível de suportar obrigações em seu
entorno.
O contrato de “compra e venda” de bem incorpórea tem nome específico: trata-se de
cessão de direitos, porque não há tangibilidade do objeto, não sendo coisa, propriamente
dita, mas bem, lato sensu. Como exemplo, a cessão de direitos patrimoniais sobre obra
imaterial, como a cessão de direitos sobre autoria de uma música.
A coisa deve ser existente, e ser determinada ou determinável, sob pena de nulidade.
Se a coisa é inexistente, o objeto é inexistente, e o contrato é nulo, por conta do artigo 166,
II, do CC:
Mas a coisa futura pode ser vendida: é o caso dos contratos aleatórios emptio spei,
perfeitamente válidos. Além do contrato aleatório, pode haver mesmo compra e venda
comutativa de coisa futura, sem qualquer alea. Veja o artigo 483 do CC:
“Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso,
ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes
era de concluir contrato aleatório.”
Nada impede, portanto, a venda atual de coisa que virá a existir com certeza. Se esta
coisa inexistir, à época estabelecida para sua entrega, o contrato simplesmente se resolve,
“Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”
Como dito, pode haver a venda de coisa alheia, sem se configurar venda a non
domino. Só se pode transferir o direito que se tem, e, por isso, se não se dispõe da coisa,
não se a pode vender – esta é a venda a non domino, sem efeito perante o verdadeiro dono.
Contudo, nada impede que, estando o comprador de boa-fé, e o vendedor adquirindo a
propriedade antes do seu repasse efetivo – tradição ou registro – ao terceiro adquirente, o
contrato é perfeito. Entenda: no momento da celebração do pacto de compra e venda, que é
consensual, a coisa é alheia; contudo, quando de seu adimplemento, a coisa já será própria,
e por isso o contrato é perfeito. Veja o artigo 1.268, § 1º, do CC:
“Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento
comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé,
como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.
§ 1º Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade,
considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.
§ 2º Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio
jurídico nulo.”
“Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato
entre vivos, não altera a legitimidade das partes.
§ 1º O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o
alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária.
§ 2º O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo,
assistindo o alienante ou o cedente.
§ 3º A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao
adquirente ou ao cessionário.”
1.1.2. Preço
Pode haver ainda a tarifação estatal do preço, quando o governo estabelece preços
fixos, em forma de intervenção jus imperii no domínio econômico, tarifação que pode ser
também apenas para fixar pisos ou tetos, conforme o caso.
As partes podem, ainda, deixar o arbitramento do preço a um terceiro, na forma do
artigo 485 do CC:
“Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os
contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a
incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes
designar outra pessoa.”
Uma vez escolhido o terceiro, o arbitramento feito por este não poderá ser discutido
pelas partes, qualquer que seja o resultado do arbitramento. Inclusive, a integração pelo
Judiciário, neste caso, somente poderá acontecer se houver, erro ou dolo do terceiro, ou se
este ultrapassar os limites de sua incumbência, ou, ainda, por questão de equidade, a fim de
preservar a base objetiva, o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Os artigos 486 e 487 do CC, auto-explicativos, trazrm ainda outro método de
fixação do preço:
“Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua
determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes se
sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.
Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço,
prevalecerá o termo médio.”
1.1.3. Consentimento
“Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta
pública:
I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à
sua guarda ou administração;
II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que
servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros
serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em
tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua
autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.”
O prazo para anulação da venda ilegítima, na forma do artigo 496 – eis que as
circunstâncias do artigo 497 geram nulidade, que não convalesce com o tempo – é de dois
anos, a contar da conclusão do ato, na forma do artigo 179 do CC:
“Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer
prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da
conclusão do ato.”
As nulidades do artigo 497, como dito, não convalescem, podendo ser argüidas a
qualquer tempo, dada a importância pública das situações que as determinam. As nulidades
dos incisos I e II e IV, são absolutas, enquanto a do inciso III deve ser lida em conjunto com
o artigo 498 do CC, que relativiza este dispositivo:
“Art. 498. A proibição contida no inciso III do artigo antecedente, não compreende
os casos de compra e venda ou cessão entre co-herdeiros, ou em pagamento de
dívida, ou para garantia de bens já pertencentes a pessoas designadas no referido
inciso.”
A venda entre cônjuges é possível, desde que tenha por objeto bens que sejam
excluídos da comunhão, como dispõe o artigo 499 do CC:
“Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos
da comunhão.”
“Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se
der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de
decadência.
Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de
maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem
iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando
previamente o preço.”
Esta preferência é real por natureza, diferindo da preempção que é gerada para o
locatário: na relação de locação, a preferência só surge se o contrato for levado a averbação
em prazo não inferior a trinta dias, antes da alienação do imóvel. Veja o artigo 33 da Lei
8.245/91:
Vale lembrar que a preferência, do condomínio indiviso, vige para casos em que a
indivisibilidade for natural ou pactuada, da mesma forma.
“Art. 491. Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a
coisa antes de receber o preço.”
Esta norma não é cogente, mas meramente dispositiva, nada impedindo que as
partes pactuem inversão na ordem de prestações.
O artigo 495 do CC contempla a chamada exceção de inseguridade, especificamente
no contrato de compra e venda:
“Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o
comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa,
até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.”
A perda da coisa por fortuito ou força maior é imputável a quem tiver o domínio
desta: res perit domino. Por isso, até a tradição ou registro, o risco é do vendedor; depois,
passa às mãos do comprador, juntamente com a propriedade. Se o credor é quem está em
mora accipiendi, inverte-se a dinâmica dos riscos, na forma do artigo 492, § 2º, do CC:
“Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do
vendedor, e os do preço por conta do comprador.
§ 1º Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar
coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e
que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste.
§ 2º Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se
estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e
pelo modo ajustados.”
“Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão,
ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos,
às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e,
não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento
proporcional ao preço.
§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa,
quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total
enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais
circunstâncias, não teria realizado o negócio.
§ 2º Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos
para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha,
completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.
§ 3º Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for
vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a
referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a
venda ad corpus.”
pedir a presença de vício redibitório, e a diferença nas medidas não é fruto de vício, e sim
inadimplemento contratual. Por isso, a ação é a denominada ex empto, por inadimplemento
contratual.
Havendo, na venda ad mensuram, situação inversa, ou seja, havendo metragem
efetiva maior do que a pactuada, o vendedor não poderá reclamar-lhe a diferença, em regra.
Assim o é porque se presume que o vendedor, proprietário original da coisa, tem
conhecimento desta e de suas dimensões. Só poderá reclamar a diferença se comprovar que,
por motivos razoáveis e plausíveis, ignorava a medida exata do imóvel. Neste caso, aplica-
se o § 2º do artigo supra.
Este artigo 500 do CC não se aplica à venda feita judicialmente, porque o bem é
dado prévia e exaustivamente à análise pelo adquirente.
Na venda ad corpus, o comprador não tem os direitos que existem na ad mensuram,
porque o escopo do negócio não se fundava nas medidas do bem, e sim na sua
especificidade.
O § 1º do artigo em comento cria uma presunção: a venda é considerada ad corpus
se a diferença é inferior à medida ali apontada, um vinte avos da área anunciada. Trata-se
de presunção relativa, porém, podendo ser afastada pela prova da relevância da metragem.
A ação ex empto tem prazo de um ano, a contar do registro do negócio, na forma do
artigo 501 do CC:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
adquirente, por isso que ninguém transmite mais direitos do que tem. O registro do
veículo no Departamento de Trânsito estabelece mera presunção "juris tantum" de
propriedade, presunção essa elidida ante a prova de ter sido o veículo roubado e
falsamente registrado no Rio. Recurso desprovido.”
Tema XI
Compra e venda II. Cláusulas especiais da compra e venda. Retrovenda. Venda a contento e venda sujeita a
prova. Preempção ou preferência. Venda com reserva de domínio. Venda sobre documentos. Troca ou
permuta.
Notas de Aula19
1. Retrovenda
19
Aula ministrada pelo professor Fábio de Oliveira Azevedo, em 4/2/2009.
20
O exercício da retrovenda não é fato imponível tributário do ITBI, vez que não há transmissão de
propriedade, mas apenas o resgate da posse do bem que foi vendido.
Veja que a condição potestativa pura, que deixa ao critério exclusivo de um dos
contratantes o seu implemento, é em regra inadmissível; a retrovenda é um dos poucos
exemplos excepcionais de condição potestativa pura plenamente lícita e admissível. Decidir
se o resgate do bem vai se realizar ou não depende apenas do vendedor original, e não há
problema quanto a isto, pois é exceção legal à ilicitude das condições puramente
potestativas.
O exercício da cláusula de retrovenda, em caso de recusa pelo comprador original,
responde ao artigo 506 do CC:
21
O CC de 2002, diferentemente do CC de 1916, não restringe a possibilidade de alegação da simulação de
uma parte contra a outra, sobretudo porque a simulação inocente passa a ser invalidante, podendo haver
enriquecimento sem causa se não se permitir tal legitimidade.
“Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição
suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja
idônea para o fim a que se destina.”
Parte dos autores, como Marco Aurélio Bezerra de Melo, porém, defende que seja
puramente potestativa, ao argumento de que o agrado é do exclusivo arbítrio do adquirente.
Na venda sujeita a prova, não há potestatividade alguma: a condição é inerente à
qualidade da coisa, completamente alheia à vontade de qualquer das partes. A eficácia da
compra e venda não fica condicionada apenas ao agrado do comprador, como na venda a
contento, dependendo, ao contrário, da demonstração de que a coisa reúne qualidades
essenciais ao seu fim, ao seu préstimo. A venda a contento é uma cláusula de análise
subjetiva, enquanto a venda sujeita aprova é objetivamente analisada.
3. Preempção, ou preferência
“Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem
a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação
prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou
que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”
Mas veja que esta previsão é dedicada exclusivamente aos contratos de locação, o
que desperta esta nulidade apenas nesta seara; em outras preempções, não se veda o
afastamento da preferência por vontade das partes. Outra exceção, no entanto, em que a
elisão do direito de preferência é igualmente nula, é quando o negócio que cria direito de
preempção a tiver afastada por cláusula de renúncia em contrato de adesão – em contrato
paritário, é direito patrimonial disponível, que pode ser afastado.
Na preempção convencional, cria-se uma cláusula de preferência, na qual o
vendedor de um bem recebe a faculdade de haver a coisa antes de qualquer outra pessoa,
caso o comprador de coisa móvel ou imóvel venha a vendê-la novamente. Esta cláusula se
presta a socorrer o alienante que tem pretensão a reaver o bem, recomprá-lo no futuro.
Aqui surge uma discussão sobre o prazo da preferência. Veja o que dispõe o
parágrafo único do artigo supra, e o teor do artigo 516 do CC:
4. Retrocessão
“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO.
- RETROCESSO. DESCABIMENTO QUANDO O BEM EXPROPRIADO TEM
DESTINO DIVERSO DO DECLARADO NO DECRETO EXPROPRIATORIO,
MANTENDO, POREM, DESTINAÇÃO PUBLICA DO MESMO GENERO.”
implicaria, por exemplo, em redução proporcional dos juros se o pagamento das parcela for
adiantado. Mas assim não se tem entendido na jurisprudência, havendo mesmoa súmula
293 do STJ a ilustrar:
“Súmula 293, STJ: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não
descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”
7. Troca ou permuta
Casos Concretos
Questão 1
Na vigência do artigo 167 do novel codex civil, nada impede que haja esta argüição
da simulação por um dos participantes do negócio simulado. Se ficar provado que a compra
e venda esconde um mútuo feneratício com juros ilegais, será declarada nula.
Questão 2
Antonio adquiriu de Benedito o automóvel X, que deveria lhe ser entregue no prazo
de 15 dias, devidamente regularizado no DETRAN. Pago o preço integralmente e vencido
o prazo, o veículo não foi entregue, o que levou Antonio a mover ação para compelir
Benedito a fazer a entrega do veículo.
Em resposta, alega Benedito que o veículo não lhe pertence, mas sim a Otávio, fato
esse que sempre foi do conhecimento de Antonio; alega ainda ser nula a venda a non
domino, pelo que não pode ser compelido a transferir o veículo a Antonio.
Como você decidiria a questão. Resposta fundamentada.
Resposta à Questão 2
verdadeiro dono, o que não impede que haja busca e apreensão entre as partes da compra e
venda – só que será infrutífera, vez que o verdadeiro dono terá seqüela sobre o bem,
mediante ação reivindictória.
Veja o julgado da apelação cível 1994.001.2289:
Vale consignar que há quem defenda que o contrato a non domino é nulo, como
Clóvis Bevillacqua, e por isso não seria possível ao adquirente requerer busca e apreensão
em face do alienante, cabendo apenas perdas e danos, eis que o juiz pronunciaria a nulidade
até mesmo de ofício. Caio Mário ainda entende que seria anulável, e não nulo, cabendo
argüição pelo interessado.
Tema XII
Promessa de compra e venda. Cessão da promessa de compra e venda. Efeitos do registro imobiliário.
Forma e prova do contrato.
Notas de Aula22
Este tema tem íntima relação com o estudo dos contratos preliminares, bem como o
instituto do direito real de aquisição. Isto porque a promessa de compra e venda é apenas
uma espécie do gênero contrato preliminar, e o registro da promessa faz surgir o direito real
de aquisição do bem prometido. Façamos, então, uma análise sob dupla ótica deste
instituto, a obrigacional e a real, sob a seguinte premissa: toda promessa de compra e venda
envolve relação obrigacional, mas nem toda gera o citado direito real de aquisição (sem
registro, há contrato, mas não há direito real).
Como bem comanda a técnica didática, abordaremos o assunto partindo do gênero –
contrato preliminar – até alcançar a espécie, promessa de compra e venda.
Por conceito, contrato preliminar é o negócio jurídico bilateral pelo qual as partes se
comprometem a celebrar um outro contrato, que será denominado como definitivo. Parece
ser uma figural jurídica bastante burocrática, pela simples razão de que a sua pactuação se
demonstra objetivamente inútil: o promitente não encontra motivos outros para realizar a
contratação preliminar senão a falta de confiança na futura contratação definitiva, tendo que
resguardar sua expectativa de contrato final por meio de um pré-contrato, capaz de exercer
vinculação da vontade do outro contratante.
O motivo para a realização de uma promessa de compra e venda, por exemplo, é a
dificuldade em pagar preço integral de plano, o que impõe o parcelamento prévio à compra
e venda definitiva, no curso da promessa de compra e venda; ou a falta de condições
formais de realização da compra e venda definitiva, como quando o imóvel ainda está em
construção, por exemplo.
Todo contrato seria passível de celebração em contrato preliminar, havendo apenas
uma divergência grande acerca da promessa de doação. Isto porque a liberalidade, nota
definidora da doação, não poderia, criteriosamente, sofrer coerção judicial, quando o
22
Aula ministrada pelo professor Fábio de Oliveira Azevedo, em 4/2/2009.
própria promessa; ou demandar indenização, com base no venire contra factum proprium,
levando ao abuso de direito.
Se o homem casado realiza promessa de compra e venda sem o consentimento de
sua mulher, a antiga outorga uxória, atual vênia conjugal, será válido? Antes do CC de
2002, seria claramente inválido, mas hoje é perfeito. Veja: o contrato preliminar cria uma
relação obrigacional, e o consentimento do cônjuge não é exigível para aperfeiçoamento de
uma relação obrigacional: é exigência para alienações, apenas, de bens imóveis. Mas veja
que dependerá do regime de bens, porque se o contrato definitivo, qualquer que seja, exige
a outorga, esta é exigida também para o contrato preliminar, pois todos os requisitos do
definitivo, à exceção da forma, são exigidos para o preliminar.
Vê-se, então, que o STJ entende que cabe a adjudicação compulsória em face do
promitente-vendedor, se porventura o bem estiver em seu poder, mesmo sem registro (mas
não em face do terceiro adquirente, se houver, se não registrada a promessa). O STJ deu,
assim, uma feição pessoal a esta ação. O CJF, no enunciado 30, acompanha este raciocínio:
“Enunciado 30, CJF: A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código
Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.”
Ocorre que, suscitando ainda mais questionamentos, vêm os artigos 1.417 e 1.418
do CC e estabelecem que a adjudicação compulsória só é possível se há registro. Veja:
24
Faço consideração particular: o artigo 1.418 do CC, se interpretado literalmente, não difere quanto ao
cabimento das ações ali previstas. Ali, literalmente, atribui uma ou outra ação ao mesmo sujeito, o promitente-
comprador titular de direito real. Pode-se, portanto, diferenciar a admissibilidade das ações diante da
existência ou não do registro, pela natureza da ação, real ou pessoal. Mas não se fale em interpretação literal
do artigo, pois ali, gramaticalmente, ambas são condicionadas ao registro, pois ambas são facultadas apenas
ao promitente que é titular de direito real, ou seja, aquele que é detentor de promessa registrada.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Aplica-se esta nulidade implícita, virtual, por não ser aplicável a sanção do artigo
1.649 do CC, que trata apenas da compra e venda, e não da promessa de compra e venda –
não havendo anulabilidade por não haver sanção cominada para tal falta de requisito.
“Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art.
1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a
anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento
público, ou particular, autenticado.”
Destarte, as partes deverão voltar ao status quo ante, devendo ser devolvido o preço
pago, sendo indenizáveis, inclusive, pelo promitente vendedor, os eventuais prejuízos
Tema XIII
Notas de Aula25
1. Doação
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
Veja que salta aos olhos a diferença estrutural, na análise redacional, ao menos, da
doação em relação à compra e venda. Vale comparar esta redação do artigo supra com a do
artigo 481 do CC:
25
Aula ministrada pelo professor Leonardo de Andrade Matietto, em 5/2/2009.
O parágrafo único do artigo 541, supra, traz uma exceção peculiar: neste caso,
denominado pela doutrina como doação manual de pequeno valor, tem-se entendido que se
trata de um contrato real: a tradição é imposta para que haja o contrato26.
A definição de pequeno valor depende de interpretação casuística. É um conceito
aberto. Mesmo por isso, há casos bastante peculiares, em que, se tomando por base a pessoa
do doador, se entendeu que um valor fosse pequeno, sendo que este valor poderia ser
enorme se doado por outra pessoa menos abastada. É critério bastante subjetivo, e assim
deve ser.
O primeiro elemento é a coisa. Veja que o CC não fala “coisa”; fala em “bens ou
vantagens”. Assim o é porque podem ser doados tanto bens materiais, corpóreos, quanto
imateriais, incorpóreos. Destarte, açambarca, este conceito, muito mais hipóteses do que o
conceito de coisa.
O segundo elemento, o consenso, significa a própria essência do contrato, que deve
ter ambas as vontades manifestas, do doador em dar o bem, e do donatário em aceitá-lo.
Contudo, aqui se apresenta uma problemática a ser enfrentada. O CC de 1916 era mais
rigoroso neste ponto: o consenso era essencial, ou seja, fosse o donatário incapaz, ele
deveria ser representado, pelos pais, tutor, ou curador. O novo CC não traz esta exigência.
Vale aqui analisar os artigos 542 e 543 do novel codex:
“Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante
legal.”
O artigo 542, na verdade, não oferece questionamento, pois há consenso, ainda que
manifesto por representante. É o artigo 543 que se mostra um tanto estranho, ao dispensar a
aceitação para que se forme o contrato, na doação pura ao incapaz.
O que se diz é que este artigo criou uma aberração. Muito melhor teria andado o
legislador se, ao contrário, também condicionasse a formação do contrato à manifestação
do representante do incapaz. O que se diz, na doutrina, é que há suposição, presunção, de
que toda doação pura beneficia o incapaz, e por isso a aceitação seria presumida, mas não é
difícil vislumbrar hipóteses diversas de doações puras que não seriam de nenhum proveito
para o incapaz, subvertendo a lógica deste artigo – a doação de um automóvel velho e
imprestável, por exemplo.
Mas veja que não há muitos problemas práticos nesta situação, porque o
representante do incapaz pode simplesmente recusar a doação, o que não contraria o
dispositivo, pois por este não é vedada – ao contrário, é um dever de zelo imposto ao
representante (havendo conflito de interesses, o Judiciário dirimirá).
O último elemento, preço, que na doação substitui-se pela liberalidade, precisa de
um pouco mais de atenção. Enquanto o preço é de fácil identificação, na compra e venda,
como causa do contrato de compra e venda para o vendedor, a liberalidade é também a
causa do contrato para o doador: este só doa o bem para atender a seu animus donandi.
Enquanto o vendedor quer atender a seu ânimo em haver o preço, sendo esta a causa do
contrato de compra e venda, o doador quer atender seu ânimo de prestar sem nada receber,
sendo a liberalidade a causa de sua contratação.
A questão que paira sobre este instituto é se é cabível ou não um contrato preliminar
quando o contrato definitivo for um contrato gratuito.
A doutrina clássica afirma que não é possível a promessa e doação, pela simples
razão que não se pode exigir, na inadimplência, o cumprimento forçado de uma
liberalidade. Não se poderia sequer cogitar de uma adjudicação compulsória de um bem
prometido em doação, por exemplo.
Nos divórcios e separações em juízo, é muito comum que surjam, como condições
para feitura de acordos, promessas de doação de bens de um dos cônjuges para o outro, ou
para os filhos, promessas feitas como cláusulas dos acordos de separação. Esta promessa, se
fosse seguida à risca a tese da doutrina clássica, seria ineficaz. O STJ, quando instado a se
manifestar sobre este caso, digladiou-se em divergências, mas a Segunda Seção, julgando
embargos de divergência, acabou pacificando o posicionamento desta Corte: é eficaz, esta
promessa, neste caso específico.
Mesmo que a posição clássica ainda seja majoritária, há uma nova corrente que
defende o cabimento da promessa de doação, de forma ampla, e não apenas na casuística
enfrentada pelo STJ. Maria Celina Bodin de Moraes, por exemplo, é uma que defende que,
diante da nova perspectiva civil-constitucionalista dos contratos, sobremaneira sob o
espectro da boa-fé, não se permite que expectativas legitimas criadas na outra parte sejam
tão facilmente descartadas, ou seja, a frustração de expectativas pelo inadimplemento não
pode ser isenta de reprimendas. Por isso, a promessa de doação deve ser cumprida, assim
como qualquer contrato. É entendimento ainda minoritário, mas tremendamente coerente.
“Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a
declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”
O artigo traz uma hipótese de silêncio qualificado, sendo este entendido como
anuência à doação, se pura, e com prazo de aceitação ou refuto estipulado pelo doador.
Como se sabe, o silêncio é ausência de manifestação de vontade, mas quando a lei
ou a vontade das partes atribui valor ao silêncio, este exprime o sentido que se lhe conferiu.
Segundo o artigo 547 do CC, o doador pode estipular que os bens doados voltem ao
seu patrimônio, se o donatário vier a falecer antes do doador. Se esta cláusula não for feita
presente, a regra geral do droit de saisine se aplica, e o bem doado passa ao patrimônio dos
herdeiros. Veja:
“Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio,
se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.”
Parece que cria, o artigo, uma doação com causa diversa da mera liberalidade, mas
assim não é. A doação remuneratória ainda é uma liberalidade pura, mas motivada por
gratidão, e não pela simples liberalidade. É uma doação eivada de sentimento de gratidão,
mas não é contraprestação por serviço ou bem prestado pelo donatário. É, ainda, uma
liberalidade.
Se o encargo não for cumprido, o doador – e somente ele – pode revogar a doação, e
também pode ser exigido o cumprimento da doação pelo doador, por seus herdeiros, pelo
terceiro beneficiado pelo encargo, e, quando o encargo for em benefício da sociedade em
geral, a legitimidade para reclamar seu cumprimento é do Ministério Público.
27
O CC de 1916 não permitia a doação entre cônjuges, porque vigia a imutabilidade do regime de bens do
casamento, e a doação seria forma de subverter este regime fixo.
“Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo
outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida
a sociedade conjugal.”
Veja que o prazo só tem início quando se desfaz a sociedade conjugal, o que na
grande maioria dos casos faz com que as doações à concubina tenham sido feitas anos e aos
atrás, desestabilizando completamente as relações em torno desta doação.
Este artigo merece críticas, vez que ao proteger a família, como intenta, acaba por
criar desigualdades incondizentes com o atual quadro constitucional: a doação pode ser
feita a qualquer pessoa, mas não pode ser realizada a alguém que, por mais que moralmente
reprovável, tem relação de afeto com o doador. É uma quebra da isonomia, de fato.
“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.”
É simples: a pessoa não pode abrir mão e sua subsistência mínima, sob pena de se
tornar um peso a ser suportado pelo Estado. Por isso, esta doação é nula.
Esta prática é tremendamente comum na praxe social, sendo lícita maneira de evitar
a discussão judicial sobre os bens do proprietário, quando de sua morte, pelos herdeiros.
Neste caso, o contrato de doação assume função de evitar até mesmo a abertura do
inventário.
Ocorre que os pais que realizam tais doações precisam se resguardar pelo período
que ainda têm de vida, e por isso fazem constar, no contrato de doação dos bens, a reserva
de terão usufruto sobre estes bens, enquanto forem vivos. Por isso, os donatários neste caso
serão nu-proprietários, pois o uso e gozo dos bens doados permanecerão com os doadores,
até que venham a óbito.
“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador,
no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”
Se a pessoa não tem herdeiros necessários, ela pode dispor em testamento de todo
seu patrimônio, e assim também o é na doação (ressalvado o limite da doação universal), ou
seja, esta pessoa não praticará jamais uma doação inoficiosa, por impossibilidade fática.
Outrossim, aquele que tem herdeiro necessário somente pode dispor em testamento
de metade de seu patrimônio, também podendo dispor apenas desta metade em doações.
Sendo assim, se este indivíduo dispuser de mais de cinquenta por cento de seu patrimônio
em doação a outrem, estará incidindo em doação inoficiosa, e esta doação é parcialmente
nula, ou seja, é nula apenas a parte excedente daquilo que poderia ser doado.
O momento de aferição da reserva da legítima, para fins de configuração da dação
inoficiosa, é o momento em que se á a liberalidade, ou seja, na feitura da doação, e não o
valor do patrimônio quando do evento morte.
Sendo assim, se o patrimônio do doador é cem, no momento da doação, poderá este
doar cinquenta, sem problema algum. E veja que se o doador doar os cinquenta por cento,
se seu patrimônio não mais se alterar no período entre a doação e a morte, nenhuma outra
doação subseqüente será válida, pois que excederá à legítima.
Estas doações sucessivas são um problema claro de fraude à lei, porque se se
interpretar à literalidade, apenas ao doar se verificará o valor do patrimônio do doador, e se
em cada doação ele respeitar a legítima naquele momento, seria válida. Mas a burla é clara:
doando subseqüentemente, o doador pode fazer reduzir seu patrimônio praticamente a zero,
ignorando a legítima, se fosse possível esta interpretação28.
28
Em interpretação pessoal, entendo que o que se faz é a demarcação do valor mínimo da legítima quando da
primeira doação: se naquele momento o patrimônio era cem, e doou cinquenta, se não houver ulterior
alteração do patrimônio do doador, majorando-se, este não poderá doar mais nada. Se porventura aumentar
seu patrimônio, tudo que exceder aos cinquenta será passível de doação, mas novamente respeitando a
legítima: se amealhar mais dez ao seu patrimônio, poderá doar cinco, e a demarcação mínima da legítima
subirá para cinquenta e cinco, somando-se o resguardo feito na doação anterior ao resguardo feito na nova
doação. O que a isto exceder, é nulo.
A doação pode ser revogada por dois motivos: ou por ingratidão do donatário, ou
por descumprimento do encargo, como já se viu. O artigo 555 do CC deve ser observado:
“Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por
inexecução do encargo.”
“Art. 561. No caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus
herdeiros, exceto se aquele houver perdoado.”
“Art. 559. A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de
um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a
autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor.”
Questão 1
Resposta à Questão 1
As doações feitas antes do casamento não padecem de nenhum óbice, não podendo
ser o sexagenário impedido de doar tão-só por sua idade. De forma alguma se aplica o
dispositivo que invocaram as autoras, porque não há pacto antenupcial algum, in casu.
A respeito, veja o REsp. 236.013:
Questão 2
João realiza uma doação com encargo em favor de José. O donatário Francisco
não realiza o encargo e diante de seu inadimplemento, José propõe ação de revogação da
doação onerosa. O réu se defende sob a alegação de que ele não tem legitimidade, pois
não realizou a liberalidade. Decida a questão.
Resposta à Questão 2
De fato, o autor, José, não tem legitimidade para revogar a doação. Esta pertence
apenas ao doador, cabendo ao beneficiário do encargo apenas exigir o cumprimento deste, e
não revogar a própria doação. Há que se extinguir o processo por ilegitimidade ad causam
ativa.
Há uma corrente pífia que defende que somente a revogação por ingratidão seria
personalíssima, e não qualquer revogação, pelo que a que se fundamenta em
descumprimento do encargo poderia ser pleiteada pelo terceiro beneficiado pelo encargo
descumprido.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XIV
Notas de Aula29
1. Locação
podendo tanto o locador quanto o locatário pleitearem aumento ou redução dos aluguéis,
respectivamente. Nos demais contratos de locação, sem ser de imóveis, a permissão para a
revisão é a regra geral, qual seja, a revisão por onerosidade excessiva.
Vale observar que a teoria da imprevisão, que fundeia a onerosidade excessiva no
CC, é subjetiva, enquanto na relação consumerista o que fundamenta a revisão não é a
imprevisão, mas sim o desequilíbrio objetivo das prestações. Veja os artigos 478 e 317 do
CC, e o artigo 6º, V, do CDC:
Quanto ao objeto, este pode ser bem móvel ou imóvel, desde que seja um bem
infungível, do qual se transfere a posse. Se a locação for de bem fungível, não se trata de
locação, pois o que se transfere não é a posse, e sim da propriedade.
O contrato de locação é oneroso, pois que se for gratuito, deixa de ser locação para
ser comodato. De fato, esta é discussão recorrente em processos envolvendo este contrato,
sobremaneira quando pactuados sem forma escrita, porque a alegação do possuidor direto
do imóvel é sempre de que este foi-lhe dado em comodato, enquanto o proprietário alega
locação.
relação jurídica que não a locação, é atécnica. Repare, porém, que o próprio legislador se
equivoca, por vezes, como no artigo 582 do CC:
“Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa
emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza
dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em
mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for
arbitrado pelo comodante.”
O arrendamento mercantil não tem regramento especial, mas é certo que não se trata
de simples locação, sendo uma condensação de três contratos, de fato: locação,
financiamento e eventual compra e venda. Há tríplice opção ao arrendatário, ao final: a
manutenção do arrendamento, a devolução, ou a aquisição do bem. Pelo ensejo, vale aqui
tratar de uma questão recorrente nos tribunais: a questão do valor residual de garantia, nos
contratos de leasing.
A jurisprudência já se viu diante desta questão incontáveis vezes, e está mais do que
sedimentada a natureza jurídica do VRG nos contratos de arrendamento mercantil. Esta
parcela tem natureza de adiantamento do preço que será pago pelo arrendatário ao final do
contrato, caso este exerça a sua opção pela compra do bem arrendado.
Não ocorre a desnaturação do contrato de leasing pela realização deste pagamento
de forma adiantada, eis que a redação da súmula 293 do STJ espanca qualquer dúvida. Não
consiste, o depósito mensal do VRG, em elisão da possibilidade de opção diversa da
compra do bem ao final do contrato. Consiste apenas em diluição do valor a ser pago pelo
arrendatário, caso exerça esta opção de compra: é uma amortização do preço residual que
será pago caso opte pela compra. Não sendo exercida esta opção, mas uma outra – a
devolução do bem ou a novação do contrato –, o VRG adiantado deve ser restituído ao
arrendatário.
Vê-se, então, que este adiantamento tem por escopo integralizar, compor o valor que
será usado ao final do contrato para adimplir a obrigação decorrente da opção de compra
pelo arrendatário, e não compor valor que garanta a satisfação lucrativa do arrendador se a
opção não for a aquisição do bem, ao contrário do que apregoa o apelante em sua tese.
Sendo assim, não há como admitir que tal valor seja retido, quando o contrato se extingue
por qualquer situação diversa do exercício da opção de compra pelo arrendatário. Se se
permitir tal retenção, como pretendem os bancos, estar-se-á incidindo em claro
enriquecimento sem causa, o arrendador havendo para si prestação sem contraprestação
alguma, eis que terá consigo o bem arrendado, o valor pago pelo arrendamento, e o valor
adiantado por uma opção que não se efetivou. A respeito, veja alguns julgados recentes:
Também a locação imobiliária não urbana (rural) não é regida por esta Lei de
Locações, como se vê no caput do artigo 1º, pois que se subsume ao Estatuto da Terra, Lei
4.504/64, especialmente o artigo 92:
“Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato
expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem
atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria
agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.
§ 1° O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel
arrendado ou cedido em parceria.
§ 2º Os preços de arrendamento e de parceria fixados em contrato ...Vetado.. serão
reajustados periodicamente, de acordo com os índices aprovados pelo Conselho
Nacional de Economia. Nos casos em que ocorra exploração de produtos com
preço oficialmente fixado, a relação entre os preços reajustados e os iniciais não
pode ultrapassar a relação entre o novo preço fixado para os produtos e o
respectivo preço na época do contrato, obedecidas as normas do Regulamento
desta Lei.
§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para
adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe
conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro
de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada,
mediante recibo.
§ 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço,
haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da
transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.
§ 5º A alienação ou a imposição de ônus real ao imóvel não interrompe a vigência
dos contratos de arrendamento ou de parceria ficando o adquirente sub-rogado nos
direitos e obrigações do alienante.
§ 6º O inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes dará
lugar, facultativamente, à rescisão do contrato de arrendamento ou de parceria.
observado o disposto em lei.
§ 7º Qualquer simulação ou fraude do proprietário nos contratos de arrendamento
ou de parceria, em que o preço seja satisfeito em produtos agrícolas, dará ao
arrendatário ou ao parceiro o direito de pagar pelas taxas mínimas vigorantes na
região para cada tipo de contrato.
§ 8º Para prova dos contratos previstos neste artigo, será permitida a produção de
testemunhas. A ausência de contrato não poderá elidir a aplicação dos princípios
estabelecidos neste Capítulo e nas normas regulamentares.
§ 9º Para solução dos casos omissos na presente Lei, prevalecerá o disposto no
Código Civil.”
3. Solidariedade na locação
O artigo 2º da Lei de Locações merece ser lido em cotejo com o artigo 265 do CC:
“Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”
Veja que o artigo 2º da Lei de Locações cria esta solidariedade como regra, sendo
necessário o afastamento desta situação expressamente no contrato, se não se quiser que
haja solidariedade.
4. Incidentes da locação
Esta regra deixa claro que o locatário não pode ser coibido a manter o contrato,
podendo deixar a relação quando quiser, mas arcando com tudo aquilo que ficar pactuado a
título de cláusula penal, ou outras perdas e danos comprovadas pelo locador. Esta é a
cláusula resolutória implícita.
Veja que se trata, de fato, de rescisão contratual, e não resolução, porque há culpa
da parte ao sair imotivadamente do pacto (havendo quem defenda que o termo rescisão só é
aplicável quando se tratar de causas de nulificação do contrato, contrapondo esta tese).
Retificando o dispositivo, onde sele artigo 924 do CC, neste dispositivo acima, leia-
se artigo 413 do CC.
O artigo 5º da Lei de Locações deve ser lido em combinação com o artigo 9º, II e
III, e com os artigos 59 a 66, todos do mesmo diploma. Os últimos artigos são o regramento
da ação de despejo, e não precisam ser transcritos aqui, pois têm sua leitura mais bem
colocada quando do estudo específico desta ação.
“Art. 5º Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para
reaver o imóvel é a de despejo.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica se a locação termina em
decorrência de desapropriação, com a missão do expropriante na posse do imóvel.”
Também nas hipóteses deste artigo 9º, II e III, há rescisão do contrato, segundo a
tese que usa esta nomenclatura para a extinção culposa do contrato.
Sobre a ação de despejo, valem algumas breves considerações: esta só existe
quando há descumprimento do contrato, e o que é despejado é o imóvel, e não o locatário –
despejo significa “retirar o que há dentro”. Quando a ação de despejo for corrente, e se
percebe que o locatário já abandonou o imóvel, não se pode entender eu a ação tenha
perdido o objeto, extinguindo-a sem resolução do mérito por perda superveniente do
interesse de agir. Isto porque o que a ação de despejo intenta não é apenas o esvaziamento
do imóvel: o que a ação pretende é a extinção do contrato, e o esvaziamento, o despejo, é
uma conseqüência material da extinção do contrato. Por isso, tecnicamente, deve ser
pedido, nesta ação, a rescisão contratual (ou resolução culposa, dependendo da tese acerca
da nomenclatura adotada), com o conseqüente desalijamento do locatário que não mais tem
título a justificar sua posse.
O artigo 6º da Lei de Locações estabelece outra causa de extinção do contrato de
locação:
aquisição mesmo sem registro. Sendo o caso, então, o promitente-comprador tem os mesmo
direito do comprador efetivo, em relação ao locatário, qual seja, a denúncia o contrato para
que o locatário deixe o imóvel em noventa dias (sujeitando-se também à ressalva do próprio
caput).
O § 2º do artigo 8º ainda traz mais uma hipótese de silêncio qualificado como
anuência.
Se o locador falecer, havendo a sucessão contratual pelos herdeiros, nada disso se
aplica: o contrato segue, sendo uma opção legislativa pela proteção ao locatário. Veja o que
diz o artigo 10 da Lei de Locações:
Vale ainda uma breve consideração sobre a sublocação, que será estudada melhor
adiante, em tópico próprio. Veja o artigo 16 da Lei de Locações:
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
inconcebível que, a talante da parte autora, seja alterada uma obrigação sacramentada
desde 1991 por ação judicial, com arbitramento do aluguel da casa comum, objeto da
locação. Em réplica, o autor aduz, em síntese, que mesmo que fosse locatário não estaria
obrigado ao pagamento do IPTU e outros tributos incidentes sobre o imóvel, salvo por
disposição expressa em contrato de locação, nos termos do artigo 22, VIII da Lei 8.245/91.
Diante do caso concreto, DECIDA.
Resposta à Questão 2
Questão 3
Resposta à Questão 3
Tema XV
Locação II. Sucessão, cessão e sublocação. O aluguel e a sua fixação, reajuste e revisão. Ação de despejo.
Direitos e deveres do locador e locatário. Direito real de aquisição. Regramento das benfeitorias. Direito de
retenção.
Notas de Aula31
1. Locação
As regras da parte geral desta lei são aplicáveis a imóveis residenciais ou não
residenciais, a princípio, com as exceções que serão abordadas adiante. Vejamos o artigo 1º
da Lei 8.245/91:
31
Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 6/2/2009.
a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas
autarquias e fundações públicas;
2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos;
3. de espaços destinados à publicidade;
4. em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles
que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a
funcionar;
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.”
O imóvel urbano pode ser edificado ou não. Será definido como urbano de acordo
com sua destinação, e não de acordo com a localização: se é desenvolvida atividade
industrial ou econômica, ou se é utilizado para residência, é imóvel urbano; se é
desenvolvida atividade rural, é imóvel rural. Se for desenvolvida atividade mista, vige o
critério da preponderância; se não há preponderância clara, valem quaisquer regras
hermenêuticas existentes, como a precedência da atividade, a vocação da área, etc.
Os imóveis rurais são tratados no Estatuto da Terra, e não na Lei de Locações.
As exceções, em que a locação urbana não é regida pela Lei de Locações, estão nas
alíneas do parágrafo único deste artigo 1º. Os bens da União são regidos pelo Decreto
9.660/46; e os estados e municípios têm legislação própria, similar a este decreto da União.
As vagas de garagem não demandam a observação da Lei 8.245/91, porque não são
locações típicas (exceto se a vaga for inclusa no imóvel maior locado). Os espaços
publicitários não são também aqui regidos, porque não há a lógica da hipossuficiência
presumida do locatário. Os hotéis-residência, da mesma forma, não são implementos típicos
da locação, sendo sim contratos de hospedagem, que guardam diferenças bastantes para
fazer-lhes alheios à Lei de Locações, como o oferecimento de serviços. E por fim, o
arrendamento mercantil é contrato peculiar, que escapa à normalidade da locação regida
pela Lei 8.245/91.
O artigo 2º da Lei de Locações cria solidariedade entre os locadores ou locatários
plurais. Veja:
A solidariedade é imposta por lei, mas é permitido seu afastamento expresso pelo
contrato. O pólo solidário traz consigo todos os efeitos da solidariedade, tal como estudados
na parte geral do Código Civil. Veja, por exemplo, os artigos 283 e 284 do CC:
“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada
um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do
insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-
devedores.”
“Art. 3º O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo
de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos.
Parágrafo único. Ausente a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a
observar o prazo excedente.”
“Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem
a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação
prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou
que imponham obrigações pecuniárias para tanto.”
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”
O dispositivo fala em locatário, mas aplica-se também para o locador, desde que o
contrato seja por prazo indeterminado ab initio, e tenha sido contrato escrito. As
notificações devem ser inequívocas, em implemento da boa-fé objetiva.
Se o locador se nega a receber o imóvel, pode o locatário consignar as chaves
judicialmente, desobrigando-se dali em diante de suas obrigações contratuais. Mesmo se o
locatário estiver inadimplente, tem o poder de entregar as chaves, de forma a não agravar
sua situação de inadimplência.
Se há danos ao imóvel, o locador poderá exigir-lhes reparo, e para tanto, após a
recepção do imóvel, deverá consignar no recibo de quitação as suas ressalvas, observadas
na vistoria final antes da entrega. Tudo que o locador tiver a cobrar deverá observar ação
própria de cobrança, posterior à extinção do contrato de locação. Se não ressalva no
documento representativo da quitação aquilo que está em desconformidade – alugueres
vencidos, defeitos no bem –, ainda será possível cobrá-los, mas a prova de sua exigibilidade
será de sua incumbência, pois instala-se uma presunção relativa de perdão de tais dívidas,
quando exara a quitação sem ressalvas.
A vistoria extrajudicial tem sido refutada pelos tribunais, dada sua alta
informalidade; por isso, o locador se resguardará melhor se, desejoso de utilizar-se do
imóvel desde sua desocupação, ajuíze ação cautelar de produção antecipada de provas, com
o fito de emprestar caráter judicial a esta vistoria. Se não o faz, só poderá fazer a vistoria
judicial quando do curso da ação de cobrança, ficando sem uso do bem até então – o que
cria problema para o locador que quer locar o bem novamente.
A regra é que o locatário deve arcar com a multa pela saída prematura do contrato,
quando há prazo determinado. O parágrafo único do artigo 4º da Lei de Locações, porém,
traz uma exceção: quando a saída é motivada por transferência de serviço para localidade
diversa daquela em que se iniciou o contrato, imposta pelo empregador, e esta é notificada
com pré-aviso de trinta dias ao locador, não se exige a multa. A transferência por mera
vontade do locatário não o isenta da multa. E veja que a transferência não precisa ser de
município, ou estado; dependendo da circunstância, pode ser até mesmo dentro do próprio
município, a depender da casuística.
Quando se aluga um imóvel, se transfere a posse, mantendo o locador a propriedade
do bem. Pode acontecer de o locador sequer ter a propriedade, e mesmo assim a locação ser
legítima: é o caso dos usufrutuários, que podem alugar o bem de que têm uso e gozo.
Qualquer um que tem posse, a pode transferir por locação, pois não transferirá mais do que
tem. A respeito, o artigo 7º da Lei de Locações é fundamental:
“Art. 575. Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver
em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela
venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.”
Suponha-se que haja uma relação de condomínio do imóvel, e haja locação sobre
este imóvel. Posto à venda, a preferência é do locatário ou dos demais condôminos?
A precedência é dos condôminos. A preempção do condômino suplanta a preempção
do locatário, sendo subsidiariamente observada: se os condôminos não quiserem adquirir o
restante do bem, observar-se-á a preempção da locação, e somente não havendo interesse,
passar-se-á à oferta livre no mercado.
O registro é perfeitamente admissível, a teor do artigo 167, II, 16, da Lei de
Registros Públicos, Lei 6.015/73:
O artigo 27 da Lei de Locações é bem claro. O artigo seguinte, 28, estabelece prazo
para o exercício da preempção pelo locatário, o qual só começa a correr quando
inequivocamente cientificado de todas as condições da alienação proposta. A jurisprudência
entende que este prazo, se findar em domingo ou feriado, não se prorroga até o próximo dia
útil, porque se trata de prazo para comunicação entre particulares, e não depende de
expediente de órgão algum para que esta se opere.
Vale dizer que esta aceitação pelo locatário rege-se, excepcionalmente, pela teoria
da recepção, contrariando a teoria da expedição, regra geral do CC, no artigo 434, já
estudado.
O artigo 29 da Lei de Locações é importante:
Veja que a aceitação pelo locatário nem sempre forma o contrato, porque a
solenidade é imposta, na maioria dos casos. Ocorre que mesmo inexistindo formalmente o
contrato solene, já há responsabilidade pelos termos do acato à proposta, na forma deste
artigo 29, em razão da expectativa criada.
O artigo 30 da Lei 8.245/91 também é relevante:
Casos Concretos
Questão 1
JOSÉ SILVA ajuizou, em face de JUAN MARCO, ação de despejo por falta de
pagamento, cumulada com cobrança de aluguéis e encargos, alegando, em síntese, que:
1º) é o novo proprietário do imóvel; 2º) o réu firmou contrato de locação com o antigo
proprietário, estando em atraso com o pagamento dos aluguéis, desde abril de 2003.
O réu em sua contestação alegou e provou que o antigo proprietário do bem,
SALVADOR SOARES, decidiu não cobrar mais o aluguel, transformando, assim, o
contrato de locação em comodato.
Diante do caso concreto, DECIDA.
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
vínculo demanda-se a vontade de ambos, o mesmo se faz necessário para extinguir tal
vínculo.
Questão 3
Resposta à Questão 3
Questão 4
Resposta à Questão 4
Sim, porque esta cláusula apenas dispõe de direito disponível, e não pode ser
considerada abusiva. Nada há que impeça esta renúncia.
A respeito, veja a súmula 335 do STJ, e o REsp. 265.136, pela ordem:
Tema XVI
Locação III. Garantias locatícias. Nulidades. Fraude à lei. Regime jurídico da locação para fins residenciais
e não residenciais. A relação jurídica entre empreendedor e lojista na locação em shopping-center.
Notas de Aula32
1. Sub-rogação na locação
“Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub - rogados nos seus direitos e
obrigações:
I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o
companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam
na dependência econômica do de cujus , desde que residentes no imóvel;
II - nas locações com finalidade não residencial, o espólio e, se for o caso, seu
sucessor no negócio.”
Da mesma forma, o contrato não pode ser alterado por quem se sub-roga: continua o
contrato como se ainda fosse presente o locatário falecido. Há que se mencionar que o STJ
tem decisões que reconhecem este direito de continuidade até mesmo ao companheiro em
união homoafetiva.
Há uma ordem de preferência entre as pessoas ali arroladas, se todos estiverem
presentes. Se há apenas um deles, ele terá o direito concentrado em si. Se não há qualquer
das pessoas ali arroladas, residindo ali quem não se enquadre nas hipóteses, não se deferirá
a sub-rogação. Todavia, ainda assim deverá ser ajuizada ação de despejo, e não reintegração
de posse por esbulho (mesmo que quem esteja lá não tenha legitimidade para estar), porque
assim se depreende do artigo 59, § 1º, IV, da Lei 8245/91:
“Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão
o rito ordinário.
§ 1º Conceder - se - á liminar para desocupação em quinze dias,
independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução
no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por
fundamento exclusivo:
(...)
IV - a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o
referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas
por lei;
(...)”
32
Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 6/2/2009.
2. Sublocações
Assim, a sublocação responde aos mesmos limites da locação original, não podendo
subverter as características elementares desta. Por exemplo, o preço do aluguel não pode
superar o da locação, nem o prazo lá estabelecido. Veja o artigo 21 da Lei de Locações:
“Art. 21. O aluguel da sublocação não poderá exceder o da locação; nas habitações
coletivas multifamiliares, a soma dos aluguéis não poderá ser superior ao dobro do
valor da locação.
Parágrafo único. O descumprimento deste artigo autoriza o sublocatário a reduzir o
aluguel até os limites nele estabelecidos.”
O artigo 15 desta lei dita norma bem lógica:
“Art. 15. Rescindida ou finda a locação, qualquer que seja sua causa, resolvem - se
as sublocações, assegurado o direito de indenização do sublocatário contra o
sublocador.”
O artigo 59, § 2º, impõe a comunicação ao sublocatário para figurar como assistente
na ação de despejo:
“Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão
o rito ordinário.
(...)
§ 2º Qualquer que seja o fundamento da ação dar - se - á ciência do pedido aos
sublocatários, que poderão intervir no processo como assistentes.”
3. Aluguéis
“Art. 85. Nas locações residenciais, é livre a convenção do aluguel quanto a preço,
periodicidade e indexador de reajustamento, vedada a vinculação à variação do
salário mínimo, variação cambial e moeda estrangeira:
I dos imóveis novos, com habite-se concedido a partir da entrada em vigor desta
lei;
II - dos demais imóveis não enquadrados no inciso anterior, em relação aos
contratos celebrados, após cinco anos de entrada em vigor desta lei.”
Esta norma do artigo 85 foi norma de transição, sendo hoje observado os artigos 17
e 18 da Lei de Locações, quanto às vedações e permissões acerca do preço. O artigo 19
desta lei, por sua vez, vem tratar da hipótese em que não haja acordo sobre a revisão:
“Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem
como inserir ou modificar cláusula de reajuste.”
“Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência
do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do
aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.”
O aluguel só pode ser cobrado quando vencido, e nunca vincendo. Na locação por
temporada, há exceção, em que a cobrança antecipada é válida, bem como quando o
locador não exigiu nenhuma garantia para o contrato. Veja o artigo 20 da Lei de Locações:
“Art. 20. Salvo as hipóteses do art. 42 e da locação para temporada, o locador não
poderá exigir o pagamento antecipado do aluguel.”
A lei traz detalhadamente as normas sobre este tema, bastando a sua leitura. Há,
contudo, alguns comentários pontuais a serem feitos. Vejamos os artigos 22 e 23 da Lei de
Locações:
Veja que é bem comum que haja cláusula contratual, perfeitamente válida, elidindo
qualquer indenização por benfeitorias por parte do locador.
O artigo 25 da Lei de Locações contém uma impropriedade, no parágrafo único:
I - caução;
II - fiança;
III - seguro de fiança locatícia.
IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. (Incluído pela Lei nº
11.196, de 2005)
Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de
garantia num mesmo contrato de locação.”
Veja: se o contrato se inicia por prazo determinado, mas vem a ser prorrogado por
prazo indeterminado, como ficará a posição do fiador? Veja a súmula 214 do STJ:
“Súmula 214, STJ: O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de
aditamento ao qual não anuiu.”
“Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a
renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos
contratos escritos seja de cinco anos;
III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo
mínimo e ininterrupto de três anos.
§ 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou
sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação
somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
As locações em shopping centers são não residenciais, por óbvio, e regem-se pela
norma do artigo 54 da Lei de Locações. Veja:
Uma cláusula muito comum e peculiar do shopping center é a chamada res sperata:
no momento em que o shopping está em construção, o locatário é instado a contribuir para
o empreendimento, o que nada mais é do que uma forma de garantir a localização da loja. É
uma contribuição para a formação do sobrefundo de comércio, pertencente ao shopping em
si. É um pagamento pela “coisa esperada”, incluindo-se aí o local exato demarcado e o
próprio sobrefundo.
A res sperata pode ser indenizável se o empreendedor der causa culposamente ao
fracasso do empreendimento. Se não for culposo, o fracasso, a res sperata não é
indenizável: o risco é imanente a qualquer negócio.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Resposta à Questão 3
Tema XVII
Contrato de Fiança: Conceito, classificação e conteúdo. Espécies de fiança: fianças convencional, bancária,
legal e judicial. Abonação. Retrofiança. Co-fiança. Fianças condicional e limitada. Benefícios de ordem,
divisão e sub-rogação. Exoneração do fiador à luz do Código Civil e da lei do inquilinato. Extinção da
fiança.
Notas de Aula33
1. Fiança
A fiança tem toda sua razão de ser no cumprimento de uma obrigação. É a garantia
de que uma obrigação será cumprida, quer pelo devedor, quer pelo garantidor.
A base legal da fiança é o CC, nos artigos 818 a 839, os quais serão pontualmente
analisados. Comecemos, portanto pelas disposições gerais, a partir do conceito de fiança,
que é um contrato típico, e que tem conceito legal como uma obrigação de garantia.
As obrigações de garantia tiveram crescimento proporcional ao crescimento da
oferta e demanda por crédito na sociedade moderna. O crédito precisa levar em
consideração a capacidade, a idoneidade e o patrimônio, para ser confiável. Com isso,
diversos institutos surgiram com o intuito de garantir o adimplemento.
Veja que o adimplemento é demasiadamente relevante, socialmente, eis que o
inadimplemento é um fator de desestabilização social enorme, na medida que torna as
relações de confiança mais fragilizadas – o que faz com que o próprio mercado de crédito
compense a insegurança com o aumento das recompensas pelo risco, tais como os juros.
Destarte, a inadimplência aumenta o risco para os credores, que repassam o peso deste risco
aos demais devedores sociais.
Neste contexto, a garantia surge com grande importância, pois que diminui a
inadimplência das obrigações, eis que incumbe a um segundo a dívida não paga pelo
devedor principal – diminuindo a chance de inadimplência, tornando a sociedade negocial
mais estável.
Neste diapasão, surge a fiança. A função econômico-social da fiança é a de
proporcionar maior segurança para o credor, incentivando o incremento dos negócios,
intensificando as relações jurídicas, impulsionando a circulação de riquezas.
A primeira garantia do negócio em favor do credor é sempre o patrimônio do
devedor. Não sendo este suficiente para fazer frente ao crédito pretendido, poderá obtê-lo
mediante a oferta de garantias especiais, que objetivam o reforço da garantia geral. Três são
as espécies de garantias existentes: as garantias pessoais, que são o aval e a fiança; as
garantias reais, a hipoteca, o penhor e a anticrese; e as garantias atípicas, que são
inovações mercadológicas, como as lettres de patronnage34, a propriedade fiduciária e a
garantia à primeira demanda35.
33
Aula ministrada pela professora Maria Cristina de Brito Lima, em 9/2/2009.
34
Lettres de patronnage (comfort letter, cold letter, letere di conforto ou patronatklärungen): é a garantia pela
qual uma sociedade-mãe (controladora), mediante a emissão de uma “carta”, garante ao credor de sua
controlada (sociedade-filha) o pagamento do débito desta última, sendo variáveis a extensão e o alcance da
expressão “garante”, porquanto esta dependerá da modalidade da lettre emanada. A lettre de patronage, forma
peculiar de garantia, é um instituto ligado a um fenômeno de crescente difusão na economia moderna, o do
holding e da sociedade coligada.
35
As garantias sob demanda, que também são reguladas pela Convenção da UNCITRAL (United Nations
Comission on International Trade Law) sobre garantias independentes e cartas de crédito standby, podem ser
definidas como um compromisso escrito de pagamento, dado geralmente por um banco, de pagar ao
beneficiário um determinado valor, mediante a apresentação de pedido em conformidade com os termos e
condições ajustados no instrumento da própria garantia, acompanhado ou não de documentos ou de decisão
“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma
obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.”
“Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”
A fiança pode ser oferecida até mesmo sem o consentimento do devedor, vez que as
relações jurídicas são completamente apartadas: a relação jurídica do devedor com o credor
não se confunde com a relação do fiador com o credor. Veja o artigo 820 do CC:
“Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou
contra a sua vontade.”
Tudo que disser respeito à fiança deve constar no contrato, vez que formal, e assim
não é diferente com a ilimitação, que deve ser expressa.
Contrário senso, a fiança pode ser limitada, quanto a sua extensão, nos termos dos
artigos 823 e 830 do CC, ou quanto ao prazo. Veja:
“Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída
em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais
onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.”
“Art. 830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua
responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.”
judicial ou arbitral.
“Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade
resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.
Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo
feito a menor.”
A fiança, como dito, é unilateral, mas há parte da doutrina que reputa-a contrato
bilateral imperfeito. Assim se posiciona Clóvis Bevillacqua, por entender que o credor pode
não aceitar o fiador apontado, e o fiador tem obrigações essenciais, enquanto o afiançado
tem obrigações eventuais.
Como dito, a fiança é gratuita, mas pode haver convenção das partes no sentido de
que haja alguma compensação para o fiador, pelo risco assumido. Neste caso, se torna
onerosa, pois o devedor afiançado passará a arcar com uma contraprestação pelo risco
assumido. É esta a dinâmica assumida nas cartas de fiança bancária – o que não elide a sub-
rogação integral do fiador no crédito que vier a adimplir.
A fiança é claramente intuitu personae, porque é calcada na confiança entre as
pessoas, afiançado e fiador.
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
(...)
III - prestar fiança ou aval;
(...)”
Destarte, a vênia conjugal, antiga outorga uxória, demanda atenção. Veja: nos
regimes da comunhão parcial, da comunhão universal, ou da participação final de aquestos
necessária a autorização do cônjuge; se casados no regime de separação total de bens, não
precisa de autorização para prestar fiança.
O artigo 1.649 do CC estabelece que é anulável, pelo outro cônjuge, fiança
concedida sem a outorga uxória. Veja:
“Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art.
1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a
anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento
público, ou particular, autenticado.”
O sujeito casado, que seja empresário, pode prestar fiança ou aval sem autorização
do cônjuge, desde que estes sejam atos de administração. Veja o artigo 1.642, I, do CC:
“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher
podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao
desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do art.
1.647;
(...)”
“Súmula 332, STJ: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica
a ineficácia total da garantia.”
1.725 do CC. Portanto, se desatendida a regra do artigo 1.647, III, do C., a fiança será
anulável. Veja:
“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-
se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de
bens.”
Como peculiaridade, vale mencionar que o analfabeto pode prestar fiança em nome
próprio, uma vez que não é incapaz. Contudo, como não domina a escrita, sua manifestação
de vontade demanda atenção: o analfabeto só pode prestar fiança, pessoalmente, por
instrumento público; por instrumento particular, deve ser representado no ato por
procurador legalmente constituído através de instrumento público.
Os requisitos especiais para ser fiador estão no artigo 825 do CC. Mas perceba:
estes requisitos não são imperativos, pois nada impede que o credor, à sua discrição, admita
como fiador alguém que não preencha estas qualidades. Veja:
“Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser
obrigado a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha
de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.”
“Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que
seja substituído.”
“Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a
contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este
artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e
desembargados, quantos bastem para solver o débito.”
“Art. 595. O fiador, quando executado, poderá nomear à penhora bens livres e
desembargados do devedor. Os bens do fiador ficarão, porém, sujeitos à execução,
se os do devedor forem insuficientes à satisfação do direito do credor.
Parágrafo único. O fiador, que pagar a dívida, poderá executar o afiançado nos
autos do mesmo processo.”
Deve ser invocada, esta prerrogativa, pelo fiador, até a contestação da lide,
nomeando, nesta oportunidade, os bens do devedor principal que devem garantir o débito
inadimplido.
O fiador pode renunciar ao benefício de ordem, tornando-se, neste caso, devedor
solidário. Veja o artigo 828 do CC:
A fiança pode ser civil ou comercial, quanto ao objeto, e pode ter fonte
convencional, legal ou judicial.
A convencional, por óbvio, é a fiança contratual. A fiança legal é aquela prevista na
lei, a exemplo dos artigos 1.280, 1.305 e 1.400 do CC:
“Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória
até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio
valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a
profundidade do alicerce.
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver
capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé
sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.”
A fiança judicial, criada por imposição do juízo, tem exemplos nos artigos 475-O,
III, e 835 do CPC:
“Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se
ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução
suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no
Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.”
“Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação
de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança,
durante sessenta dias após a notificação do credor.”
Assim, o fiador pode se exonerar da fiança, que tiver contratado por tempo
indeterminado, a qualquer momento, ficando vinculado a seus efeitos por 60 dias, a partir
da notificação do credor .
A renúncia ao direito de exoneração, previsto neste artigo 835, é cláusula potestativa
pura, deixando apenas ao arbítrio do locador a extensão da garantia do fiador,
desequilibrando irrazoavelmente o contrato, e por isso sendo evidentemente nula.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
A fiança não pode ser presumidamente aceita como vigente até que se finde a posse
do locatário, sob pena de imporão fiador mais do que este pretendia com sua fidúcia. Sendo
assim, a norma do artigo 39 deve ser interpretada como atinente aos casos em que o fiador
assume, em contrato, expressamente, esta vinculação até a entregadas chaves.
Veja a posição do STJ, no REsp. 246.809, no agrg no agrg nos edcl no agrg no ag
562.477, e no agrg no REsp. 911.240, pela ordem:
tenha sido estipulado por prazo determinado e ainda esteja em vigor. 3. Agravo
regimental improvido.”
Questão 2
Resposta à Questão 2
Este caso denuncia a ocorrência de venire contra factum proprium, pois está o
fiador alegando nulidade em pacto por ele efetivado sem atenção ao vício que agora alega.
É clara violação à boa-fé objetiva. Veja: se ele é quem deveria colher a outorga, e não o fez,
não pode agora valer-se desta sua falha como método de desonerar-se. Ademais, a
legitimidade para esta alegação é do cônjuge prejudicado, e não daquele que pratica o ato
desautorizado.
Veja a apelação cível 2001.001.13561, do TJ/RJ:
Vale, ainda, mencionar a súmula 332 do STJ, que faz com que a fiança seja
absolutamente ineficaz, e não apenas quanto à parte pertinente à meação da cônjuge
prejudicada.
Questão 3
Joaquim de Oliveira, proprietário do imóvel situado na Rua das Flores, nº 264, aptº
204, nesta cidade, celebrou contrato de locação não residencial, com término estipulado
para 19/06/2002, com Fátima Antunes e seu marido, nos moldes da Lei 8245/91, tendo
sido o mesmo prorrogado com cláusula expressa, por prazo indeterminado.
Nomeado fiador do negócio jurídico em tela, Gabriel Barreiro é surpreendido ao
ter que responder como Réu em ação de cobrança movida por Joaquim, alegando o
inadimplemento da locatária em relação a 12 meses de alugueres.
O Autor alega, em síntese, que o Réu, ao celebrar o contrato de fiança à época
ainda da vigência do Código Civil de 1916, renunciou expressamente aos artigos 1.491 e
1.504 (19ª cláusula do contrato) do mesmo estatuto e que estaria caracterizado, portanto,
ato jurídico perfeito.
Gabriel, inconformado sustenta que anuíra ao contrato de fiança com prazo inicial
e final determinado e que não consentiu expressamente na continuidade do mesmo.
Pergunta-se:
Se você fosse o juiz, como decidiria a questão?
Resposta à Questão 3
In casu, há previsão de termo ad quem para a fiança. Por isso, é claro que a
anuência do fiador é imperativa para que se prorrogue a fiança, sob pena de se estender a
liberalidade além do que queria o fiador, violando a interpretação restritiva que se impõe ao
contrato de fiança. Por isso, reputa-se inválida a prorrogação, quando a fiança tem prazo
determinado para findar-se.
A respeito, veja a posição do TJ/RJ, na apelação cível 2006.001.15013:
O inciso V, supra, confirma a regra da extinção da fiança quando o prazo desta for
determinado.
Tema XVIII
Notas de Aula36
1. Contratos de empréstimo
O estudo destes contratos é de altíssima relevância, eis que são, hoje, forma das
mais presentes no meio negocial, implementos natos da circulação de riqueza, fomento da
economia.
Sob a denominação de empréstimo, agrupam-se duas figuras muito próximas:
comodato e o mútuo. Ambos os contratos tem um traço comum, porquanto os dois tipos
contratuais implicam na entrega de uma coisa para ser usada e depois restituída. No
36
Aula ministrada pelo professor Rafael Viola, em 9/2/2009.
entanto, é nos efeitos de cada contrato e, em especial, em sua função econômica, que
encontraremos a distinção.
No mútuo, há transferência de propriedade, enquanto no comodato, cede-se apenas
a posse. É por isso que o comodato é o chamado empréstimo de uso, enquanto que o mútuo
é o empréstimo de consumo. Com efeito, no comodato o empréstimo será o da própria coisa
entregue, a ser ela própria restituída; no mútuo, todavia, a restituição será de coisa
equivalente. Nas palavras de Orlando Gomes:
É preciso lembrar que na análise dos dois tipos contratuais, em especial o mútuo,
deve-se ter em mente a aplicação dos novos princípios contratuais complementares à
clássica teoria contratual. A boa-fé objetiva e a função social do contrato têm uma aplicação
específica na análise dos juros nos mútuos feneratícios, especialmente na função
interpretativa da boa-fé objetiva, como se verá adiante.
Vejamos cada uma das espécies de empréstimo, em apartado.
2. Comodato
Vale, de início, trazer os conceitos doutrinários deste contrato. Para Caio Mário da
Silva Pereira:
“Define-se, pois, como o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, para serem
utilizadas e depois devolvidas.”
“Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.”
Sendo assim, se o detentor por mera tolerância se opõe ao exercício da posse pelo
real possuidor, a ação de reintegração da posse, por parte do possuidor esbulhado, será
certamente procedente.
Há, na firma do comodato, o desdobramento da posse, tornando-se o comodante
possuidor indireto e o comodatário possuidor direto da coisa. Por isso, ambos têm
legitimidade para defesa possessória contra terceiros (não mais se aplicando a análise da
posse nova ou velha, sendo posse legítima aquela que for a melhor, diante do título e da
boa-fé37).
Havendo qualquer situação que revele posse precária, injusta, do comodatário –
como quando se nega a restituir a coisa após o termo final do contrato –, a posse do
comodante pode ser protegida contra este comodatário, que passa a ser esbulhador. Da
mesma forma, se o comodante revela conduta injusta contrária à posse do comodatário,
terá este possuidor direto ação possessória contra o comodante. Vale dizer que o comodante
nunca terá ação de despejo contra o comodatário: a ação é sempre possessória, pois o
despejo é reservado aos contratos de locação, exclusivamente.
O contrato de comodato é eminentemente unilateral, porque apenas o comodatário
tem obrigações, sendo principal a de restituir. Veja que a entrega do bem pelo comodante
não é uma obrigação contratual: é o próprio ato de formação do contrato, que é real. Sendo
assim, depois da entrega, que forma o contrato, inicia-se seu curso de execução, e nada
mais há a ser cumprido pelo comodante – e por isso é contrato unilateral.
Há autores que entendem que o comodato é bilateral imperfeito. Esta classificação
significa que, de início, é unilateral, mas como no curso da relação contratual pode haver
surgimento de obrigação para quem nada devia no início, há bilateralidade superveniente, e
esta obrigação eventual superveniente, no comodato, seria, por exemplo, o ressarcimento de
despesas extraordinárias. A bilateralidade imperfeita, portanto, é aquela eventual,
superveniente. Mas, ainda que assim se entenda este contrato, a ele se aplicam as regras dos
contratos unilaterais.
O comodato é gratuito. Se houver onerosidade, a função do contrato se altera,
desnaturando o contrato. Isto porque a causa do comodato é, para o comodatário, receber a
37
Ainda persiste a idéia de posse nova ou velha apenas para efeito de concessão de liminar em ações
possessórias, o que na verdade cria a idéia de ação de força nova ou ação de força velha, mais tecnicamente.
“Deve o julgador ter em vista que se trata de um negócio feito intuitu personae, de
modo que as vantagens dele oriundas, em regra, não se transmitem aos herdeiros
do beneficiário. Mas podem se transmitir.”
Veja que Silvio Rodrigues parte da presunção que seja intuitu personae, mas
permitindo que esta seja afastada pela percepção, no caso concreto, de intentos diversos.
Exemplos vêm a calhar: se alguém empresta um trator para uma colheita, se o comodatário
morre antes de finda a colheita, é claro que o comodato se transmite aos herdeiros, pois que
seu escopo nada tem com a pessoa do comodatário estar ou não viva; já se o contrato é o
empréstimo de um carro para um amigo, este morrendo, não se passa o comodato aos
herdeiros, em regra.
2.1. Requisitos
Como visto, importando em cessão de uso, não é necessário que o comodante seja o
proprietário da coisa. Desde que tenha o uso, poderá ceder o uso gratuitamente, salvo
vedação legal ou contratual. Vale observar o artigo 13 da Lei 8.245/91:
Não havendo esta autorização, o empréstimo do imóvel de que se tem posse como
locatário implica em ineficácia e é violação contratual, ensejadora até mesmo de despejo.
Os requisitos objetivos dizem respeito a que tipo de bem pode ser emprestado. Por
certo, o objeto deve ser lícito, possível e determinado e, conforme dispõe o artigo 579 do
CC, já transcrito, pode ser objeto do comodato qualquer bem infungível, seja móvel ou
imóvel. Coisas fungíveis só podem ser objeto de mútuo.
Há também o chamado comodato ad pompam: consiste no empréstimo de produtos
quaisquer, inclusive perecíveis, tão-somente com a finalidade de serem expostos, de
servirem como objetos de exposição.
Veja o que diz Orlando Gomes sobre o objeto do comodato:
sua substância pelo uso, não podem ser objeto de um contrato que gera a obrigação
de restituí-las na mesma individualidade.”
É claro que a coisa consumível, ainda que infungível, não pode ser objeto de
comodato, se o que recebe a coisa a pode consumir no uso que fará. Este contrato terá
qualquer natureza, menos de comodato.
2.2. Prazo
comodatário não pode argumentar que seu cuidado com suas coisas próprias é desidioso,
pretendendo que assim também possa conduzir-se na guarda da coisa dada em comodato.
A conservação da coisa implica nos gastos ordinários, mas é claro que o
comodatário não pode ser responsabilizado pelo desgaste natural da coisa. Veja os artigos
582 e 584 do CC:
“Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa
emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza
dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em
mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for
arbitrado pelo comodante.”
O comodatário não pode exigir os gastos normais com a utilização da coisa, pois ele
é quem se beneficia pelo uso. No entanto, dos gastos extraordinários ele será reembolsado,
inclusive as benfeitorias necessárias que fizer. A condição é de que os gastos sejam
extraordinários e urgentes.
Para Caio Mário, não caberá reembolso pelas despesas para a melhoria da coisa,
ainda que ultrapassem da normalidade e a tornem mais prestadia. Destarte, as benfeitorias
úteis e voluptuárias não são indenizáveis jamais.
Já para Washington de Barros se o comodatário, de boa-fé, à vista do comodante,
benfeitoriza a coisa, deve ser oportunamente ressarcido, a fim de que não se tutele o
enriquecimento sem causa.
O STJ parece acompanhar a posição de Caio Mário, ao entender que as despesas
não extraordinárias e urgentes precisam da autorização prévia do comodatário. Veja, a
respeito, o Resp. 249.925, relatado pela Ministra Nancy Andrighi:
O TJ/RJ, por sua vez, alinha-se com Washington de Barros, como se pode ver na
apelação cível 2006.001.28288, relatada pelo Desembargador Milton Fernandes de Souza:
“Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do
comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante,
responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força
maior.”
O comodatário também fica responsável pelos riscos da coisa ainda que proveniente
de caso fortuito e força maior, em razão do princípio da perpetuação da obrigação.
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”
Uma vez encerrado o prazo contratual, opera-se o término do vínculo por tratar-se
de mora ex re, ou seja, independentemente de interpelação. No caso de prazo
indeterminado, deve o comodante notificar o comodatário para entregar a coisa em prazo
razoável, levando-se em consideração a natureza do contrato.
Destarte, o comodatário sofre uma dupla sanção: responde pelos riscos da mora e é
obrigado a pagar o aluguel-pena do artigo 582 do CC.
3. Mútuo
“Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta a outra coisa fungível,
tendo a outra a obrigação de restituir igual quantidade de bens do mesmo gênero e
quantidade.”
38
Não há que se falar em reclamar coisa equivalente, na ação reivindicatória, porque esta é uma ação que tem
por causa remota de pedir um direito real sobre coisa especificada, não podendo reivindicar o que não mais
existe, ou coisa similar. Contudo, poderia ajuizar uma ação ordinária demandando que o interesse específico
seja satisfeito, algo como uma ação por obrigação de dar, implementando a reparação específica, o que é
sempre aconselhável.
“Quem se obriga a pagá-los (juros) é a mesma parte que nele figura na qualidade
de devedor. O mútuo é o único contrato unilateral oneroso, quando feneratício.”
É simples, então, perceber que se a traditio não é uma obrigação, e sim um ato de
formação do contrato, no curso do contrato só haverá obrigações para um contratante, o
mutuário – sendo por isso unilateral –, mas haverá vantagem patrimonial para ambos os
contratantes – o mutuário dispõe do bem, o mutuante expecta os juros. Por isso, é unilateral
oneroso.
O mútuo é temporário: se for perpétuo, tratar-se-á de doação, ou compra e venda. O
prazo que vige é o do contrato, mas o artigo 592 do CC apresenta regra supletiva:
3.1. Requisitos
“Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja
guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.”
E esta ressalva se faz ver até mesmo na própria fiança, como se vê no artigo 824 do
CC:
“Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade
resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.
Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo
feito a menor.”
Significa que a incapacidade, em regra, não faz com que a fiança seja nulificada
juntamente com o contrato principal, a não ser que esta incapacidade venha da menoridade.
Esta inaplicabilidade da exceção trazida no caput do artigo supra tem justamente o escopo
de evitar que se burle a inexigibilidade do mútuo feito a menor.
A regra, portanto, é que o mútuo feito a menor faz o mutuante perca a coisa. No
entanto, esta regra não é absoluta, admitindo temperamento, previsto no artigo 589 do CC:
O artigo 176 faz possível a ratificação, tal como prevista no inciso I do artigo 589
do CC:
O menor que age dolosamente não terá esta proteção, a teor do inciso V do artigo
589 do CC. Ninguém pode se valer da própria torpeza (nemo auditur propriam
turpitudinem allegans). Esta previsão apenas redunda o que já é claro no artigo 180 do CC:
“Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de
uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido
pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.”
É a mesma situação protegida pelo instituto constante do artigo 477 do CC, que é a
exceção de inseguridade típica os contratos bilaterais:
“ Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que
lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.”
Orlando Gomes, por sua vez, conceitua como o uso do capital alheio remunerado.
Antunes Varela os define como os:
O problema que logo se fez ver, porém, é a abusividade deste instrumento, que,
quando não controlado, poderia acarretar a ruína de quem precisasse do crédito. Mas a
definição dos juros fica a cargo das políticas econômicas, muito mais do que ao Judiciário.
Por isso, especialmente após a Emenda Constitucional 40, os juros tem sido controlados
com muita parcimônia pelo Judiciário. Vejamos o passo a passo da dinâmica evolutiva dos
juros, até o ponto em que se encontra hoje.
O CC de 1916 não estabelecia qualquer limite para a taxa de juros contratada,
apenas estabelecendo os juros legais, em meio por cento ao mês. Esta ampla liberdade, é
claro, demonstrou-se danosa, abrindo espaço a abusos por parte dos detentores do capital.
Por isso, em 1933, veio a Lei da Usura, Decreto 22.626/33, limitando os juros contratuais
ao dobro da taxa legal, ou seja, a um por cento ao mês, e vedando o anatocismo, salvo o
anatocismo anual sobre a conta-corrente.
Em 1964 foi elaborada a Lei 4.595, que tratava do Sistema Financeiro Nacional.
Com apoio nesta lei, o Banco Central editou a Resolução 389, que autorizava as instituições
financeiras à cobrança de taxas de mercado, que superavam o teto do Decreto 22.626/1933.
É claro que esta insubmissão das instituições financeiras ao Decreto não ficou sem
questionamentos, mas o STF posicionou-se rigidamente, na forma da súmula 596:
Por conta disso, e do poderoso lobby das instituições, este dispositivo foi taxado
como não auto-executável pela doutrina, dependendo de lei que o regulamentasse. Veja a
súmula 648 do STF:
Mas veja que a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios restou
superada com o advento da Emenda Constitucional 40/2003. Esta Emenda alterou o artigo
192 da CRFB/88, excluindo todos os seus parágrafos.
A partir de 2003, então, as entidades do Sistema Financeiro Nacional (instituições
financeiras e administradoras de cartão de crédito) não encontram qualquer limitação
prevista em lei, ao passo que os demais particulares devem observar as regras da Lei de
Usura (Decreto 22.626/1933) que limita a cobrança de juros a doze por cento ao ano. Esta é
a situação atual dos juros, no Brasil.
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, estabelece-se uma gradação:
primeiramente podem as partes estipular livremente a taxa de juros; caso assim não o
façam, deverá ser observada a taxa referente aos juros moratórios conforme estabelece o
artigo 406 do Código Civil. Veja:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem
taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional.”
Hoje, surge ainda mais um problema a ser enfrentado pelos intérpretes: esta taxa
apontada pelo artigo 406 do CC é a que vige no artigo 161, § 1º, do CTN, ou a taxa selic? O
STJ adotou a selic, porque esta taxa, mesmo flutuante, é bem aplicada aos tributos federais
há anos, sem óbice. Veja o EREsp. 727.842:
Apesar de não existir tal limitação para as instituições financeiras, é preciso lembrar
que o instituto do abuso do direito tem total aplicação no que diz respeito aos juros. Nesse
sentido, a cobrança de juros que excedam os limites impostos pela função social,
econômica, boa-fé ou pelos bons costumes não será merecedora de tutela e, portanto, não
receberá guarida do ordenamento. Não há limite legal, mas há limitação sistêmica dos
juros, e a interpretação da abusividade é feita, regra geral, pelo Judiciário, quando instado.
Dessa forma, se a taxa de juros destoar da taxa média de mercado, será considerada
abusiva, de acordo com o artigo 187 do Código Civil – é abuso de direito. Veja o agrg no ag
928.562:
Em segundo lugar, é preciso esclarecer que a abusividade pode se dar não somente
na taxa estipulada, mas, também, na cumulação de encargos, especialmente no que pertine à
comissão de permanência.
A comissão de permanência foi instituída pela Resolução 1.129/86 do Banco
Central, quando inexistia previsão legal de correção monetária. Ela visava a compensar a
desvalorização da moeda e a remunerar o mutuante. Veja as súmulas 30 e 296 do STJ:
Por fim, é preciso ressaltar que a imensa maioria dos casos de mútuo estão
submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, por se tratarem de relações de consumo.
A súmula 297 do STJ é relevante:
Neste diploma consumerista, uma regra assume grande relevância, qual seja, o
artigo 51, IV:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
(...)”
3.3.1. Anatocismo
Ocorre que esta súmula, hoje, deve ser tida por cancelada, porque a vedação da Lei
de Usura caiu por terra quando da edição do CC, permitindo esta prática. Mas veja que,
antes mesmo do CC entrar em vigor, excepcionalmente já era admitida a cobrança de juros
capitalizados em períodos inferiores a um ano, quando prevista esta possibilidade em lei. e
a lei previa em casos da emissão de cédula rural e cédula de crédito industrial e comercial,
autorizados, respectivamente, pelo Decreto-Lei 167/67; pelo Decreto-Lei 413/69; e pela Lei
6.480/80. Neste diapasão, a súmula 93 do STJ assim dispôs:
“Súmula 93, STJ: A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial
admite o pacto de capitalização de juros.”
Não obstante, o Código Civil de 2002 inovou, autorizando em seu artigo 591, in
fine, a possibilidade de capitalização de juros nos contratos de mútuo, desde que respeitado
o período de um ano. Frise-se que é imperioso que esteja prevista expressamente a
capitalização, no contrato:
Há ainda que se mencionar que há quem defenda que a Lei de Usura não mais está
em vigor, porque o CC veio para tratar de todas as matérias que ali são versadas,
revogando-a tacitamente. É tese minoritária, mas bem coerente.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Certamente que não: há que ser respeitada a finalidade estabelecida no contrato, sob
pena de se frustrar expectativas legitimamente criadas no comodatário. Somente se houver
necessidade urgente e imprevista poderá o comodante assim agir, e desde que haja
reconhecimento judicial desta urgência e imprevisibilidade.
Veja, a respeito, o REsp. 3267:
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Tendo sido efetuado um contrato de comodato pelo prazo de 10 anos, veio a falecer
o comodatário, três anos após o seu início. Seu filho, que com ele residia no imóvel e no
qual permaneceu, realizou em seguida benfeitorias visando seu conforto e melhor
aproveitamento econômico do bem. Tem ele direito a permanecer no imóvel pelo restante
do prazo? Independentemente da solução apresentada, terá direito à retenção?
Resposta à Questão 3
O filho não permanecerá no imóvel, vez que presume-se que haja intuitu personae
no comodato, fazendo-o extinto com a morte do comodatário. Todavia, poder-se-ia entender
que a finalidade do comodato realizado foi a moradia da família, e não apenas do
comodatário obituado, o que perpetuaria a contratação mesmo com a morte, permitindo a
permanência.
Quanto ao direito de retenção pelas benfeitorias, não é possível, se o contrato for
tido por intuitu personae, porque o contrato se extinguiu com a morte, podendo, quando
muito, reclamar indenização em via própria, sem retenção. Para além disso, mesmo se se
entender que o contrato não se extinguiu, prevalece a posição do STJ, que reputa não
indenizáveis, com ou sem retenção, as benfeitorias úteis, como o são no caso, sem
autorização prévia do comodante.
Veja o que entende o TJ/RJ, nas apelações civis 2001.001.14465 e 2001.001.22131,
pela ordem:
“COMODATO. EXTINCAO. ESBULHO POSSESSORIO. REINTEGRACAO
DE POSSE.
Questão 4
Resposta à Questão 4
O fato de ter havido o uso tredestinado, com ciência sem oposição do comodante,
por mais de um ano, pode ensejar a alegação de eu surgiu, para o comodatário, surrectio do
direito de assim usar o bem. Mas esta seria de difícil configuração, porque a omissão do
credor deverá ser claramente configurada como meio de criação da expectativa de não
oposição à alteração. Qualquer falha na configuração desta criação de expectativa impede
que se configure a surrectio. Ademais, um ano não parece ser tempo suficiente, na
casuística, para criar este direito para o comodatário, suprimindo (supressio, o outro lado da
moeda) a possibilidade de invocação do descumprimento pelo comodante.
Tema XIX
Contrato de Depósito. Depósito voluntário: conceito, classificação, objeto, direitos e deveres do depositante
e do depositário. Direito de retenção. Depósito necessário: depósito legal e miserável. Depósito irregular.
Aspectos processuais. Prisão civil do depositário infiel. Constituição de renda.
Notas de Aula39
1. Contrato de depósito
“Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para
guardar, até que o depositante o reclame.”
“Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário,
sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em
depósito a outrem.
Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em
depósito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste.”
O depósito miserável consiste no causado por evento fortuito que leve à guarda dos
bens de outrem, exatamente conforme descreve o inciso II do artigo supra.
O depósito legal, como descrito no inciso I, consiste naquele que se impõe como
obrigação por conta de qualquer situação que assim a lei preveja. Por exemplo, quando o
hospedeiro, estalajadeiro, exerce o direito de retenção das bagagens para coibir ao
pagamento de diárias impagas, estará guardando-as em depósito, e este tem que observar as
regras de manutenção das coisas retidas, como coisas depositadas que são.
“Art. 633. Ainda que o contrato fixe prazo à restituição, o depositário entregará o
depósito logo que se lhe exija, salvo se tiver o direito de retenção a que se refere o
art. 644, se o objeto for judicialmente embargado, se sobre ele pender execução,
notificada ao depositário, ou se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi
dolosamente obtida.”
“Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição
devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo
anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.
Parágrafo único. Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados
suficientemente, ou forem ilíquidos, o depositário poderá exigir caução idônea do
depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que
se liquidem.”
“(...)
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
(...)”
O STJ, então, sempre reputou impossível a prisão civil do depositário infiel apenas
quando o contrato fosse de depósito irregular, ou quando se tratasse de conversão de
contratos outros em depósito, como sói ocorrer na alienação fiduciária até hoje – isto
porque, dizia a Corte Superior, o devedor não era depositário típico a merecer prisão pelo
inadimplemento. Todavia, não enfrentara ainda a questão da prisão do depositário típico,
que até então poderia ser preso, dada a previsão legal e constitucional permissiva.
Ocorre que surgiu na ordem jurídica o tão famoso Pacto de São José da Costa Rica,
do qual o Brasil é subscritor, prevendo a impossibilidade da prisão por dívida em qualquer
caso, à exceção da dívida alimentar. Por isso, surge a questão central a ser enfrentada: É
admissível a prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período
posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional?
Partamos da conclusão para explicar, depois, a controvérsia: na atualidade, seria
correto afirmar que a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de
alimentos.
Entenda: o § 2º do artigo 5º da CRFB estabelece que:
“(...)
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(...)”
Sendo assim, o tratado em questão, o Pacto de São José, é destas normas que trazem
direitos fundamentais, estabelecendo em seu bojo a vedação à prisão civil do depositário
infiel, pois só permite a prisão de devedor de alimentos. Veja o artigo 7º do Tratado:
Ocorre que esta norma parece confrontar com a previsão originária da CRFB, já
transcrita, que permite a prisão do depositário infiel. Como solucionar este conflito
aparentemente insolúvel?
Veja o entendimento do STF, em recente habeas-corpus da Ministra Ellen Gracie:
Veja, então, que o STF entende que status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil permite a aplicação da legislação
infraconstitucional que com ele seja conflitante. Por isso, o artigo 904 do CPC, já
transcrito, não mais teria efeito, eis que o Pacto vem ao ordenamento com esta natureza
supralegal. O artigo 666, § 3º, do CPC, merece atenção, por ter sofrido a mesma destinação
que o artigo 904, neste sentido:
Veja o que disse o STJ no RHC 24.763, de dezembro de 2008 (poucos meses após a
decisão da Ministra Ellen Gracie):
“Recurso em Habeas Corpus. Prisão civil. Depositário judicial infiel. Caso fortuito
ou força maior não comprovados. Mera alegação de furto. Possibilidade de
decretação da prisão. Precedentes.- A mera alegação de ocorrência de furto do bem
depositado, sem a efetiva comprovação, não tem força para ilidir o decreto
prisional.- É possível a decretação da prisão civil do depositário infiel que não
cumpre as obrigações advindas do depósito judicial. Recurso não provido.”
Sendo assim, em última análise, se o depositário não mais tem o bem para a entrega,
não caberá sua prisão, hoje: converter-se-á a busca e apreensão em meras perdas e danos.
Repare, porém, que não há que se falar em inconstitucionalidade destes dispositivos
infraconstitucionais, artigo 904 do CC e 666, § 3º, do CPC. Isto porque estas normas estão
perfeitamente compatíveis com o que vem previsto no artigo 5º, LXVII, permissivo da
prisão do depositário, e que é norma constitucional originária, cuja inconstitucionalidade
não pode ser declarada. Mas como explicar essa ineficácia destes artigos, e do próprio
artigo 5º, LXVII, da CRFB, se este não pode ser declarado inconstitucional pelo tratado,
vez que é norma originária da CRFB?
A doutrina explica o que se passa entre as normas conflitantes, o Pacto de São José
e o artigo 5º, LXVII, não é um conflito real. A permissão originária da CRFB e esta
vedação trazida pelo Tratado se compatibilizam no seguinte critério: quando a CRFB
permitiu que tratados sobre direitos e garantias fundamentais agregassem estes direitos ao
ordenamento, com status supralegal, ela abriu caminho para que este tratado trouxesse
maior amplitude à liberdade. Se a própria CRFB, no § 2º do artigo 5º, permite a agregação
de direitos e garantias ao ordenamento, o Pacto de São José da Costa Rica nada mais faz do
que implementar mormente o direito à liberdade de locomoção, e, sendo assim, tem
primazia sobre qualquer norma infraconstitucional, e mesmo sobre a norma que pertence ao
corpo original da CRFB, como o artigo 5º, LXVII. Vence as normas infraconstitucionais
por ser supralegal; e vence a norma constitucional originária, nesta aparente antinomia, pela
aplicação do princípio da primazia da norma mais protetiva dos direitos humanos.
2. Constituição de renda
Casos Concretos
Questão 1
João recolheu de seu vizinho Manoel bens móveis que este possuía em razão de
inundação que ocorrera no bairro em que moravam.
Manoel ingressa com ação de depósito para exigir a devolução dos referidos bens,
tendo João alegado, em sede de contestação, que os móveis foram trazidos pela força das
águas e que, portanto, se tratavam de res nullius. Ademais, sustenta que não celebrara
qualquer avença com Manoel.
Decida a questão, apontando os fundamentos de fato e de direito.
Resposta à Questão 1
Trata-se de depósito miserável, e Manoel tem direito à restituição dos bens. É claro
que não são res nullius, podendo-se provar a propriedade por qualquer meio – não há
necessidade de celebração formal de contrato, nesta modalidade de depósito, que é
subespécie de depósito necessário.
Para a configuração de depósito não é necessário que o depositante seja
proprietário. A questão retrata a figura do depósito miserável, em que é admissível qualquer
meio de prova para a sua configuração, não se confundindo com o depósito voluntário que
se prova por escrito.
O depósito miserável gera para a pessoa que recolheu os bens a obrigação de
restituir. Ao que tudo indica, os bens recolhidos por ocasião da inundação devem ser
restituídos ao titular.
Questão 2
Joaquim deixou em depósito com José inúmeros bens identificados apenas pela
quantidade e espécie e que deveriam ser restituídos no momento em que o depositante
quisesse. Assim é que Joaquim notificou José, constituindo-o em mora, para que este
devolvesse os referidos bens. Não logrando êxito nessa tentativa amigável, acabou
propondo ação de depósito requerendo, desta forma, a aplicação da pena de prisão para o
depositário infiel. Queira responder se é cabível o referido pedido.
Resposta à Questão 2
Perceba, no entanto, que a solução para esta casuística passa ao largo da discussão
sobre a própria prisão do depositário infiel em si, porque elide o cabimento por ser depósito
irregular, enquanto a mais severa discussão, hoje, versa sobre a prisão no próprio depósito
regular. Mas esta discussão tem sede em outro estudo.
Tema XX
Notas de Aula40
1. Contrato de mandato
1.1. Requisitos
40
Aula ministrada pela professora Maria Cristina de Brito Lima, em 10/2/2009.
Como requisito subjetivo, é preciso que haja capacidade plena para constituir o
mandatário. Questão reiterada é a outorga de mandato pelo relativamente incapaz: tem
valor? sendo relativamente incapaz, o mandato só terá valor se feito por instrumento
público, e houver a necessária assistência. Se se tratar de absolutamente incapaz, já não há
necessidade de instrumento público, eis que o representante do incapaz, ele próprio, é quem
outorgará os poderes, pois é ele quem se manifesta, sozinho, pelo incapaz.
O mandato pode ser expresso, materializado na procuração, ou tácito, depreendido
de conduta das partes. Pode ser geral, outorgando todos os poderes que não são
considerados especiais, ou mandato específico, dedicado justamente a outorgar algum
poder especial. Veja os artigos 660 e 661 do CC:
“Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua
revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes,
ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os
bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.”
O mandatário tem que prestar contas de sua atuação, como dito. Veja o artigo 668
do CC:
“Art. 669. O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os
proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte.”
O mandato se extingue pela renúncia do mandatário, quando este não mais desejar
representar o mandante; e, no sentido contrário, pode o mandante revogar o mandato, caso
não queira mais outorgar representação àquele mandatário.
A morte ou interdição de uma das partes também é causa lógica da extinção, dada a
fidúcia imanente a este contrato.
“Art. 38. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou
particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do
processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do
pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber,
dar quitação e firmar compromisso. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de
13.12.1994)
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em
certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei
específica.”
“Art. 44. A parte, que revogar o mandato outorgado ao seu advogado, no mesmo
ato constituirá outro que assuma o patrocínio da causa.”
São relevantes, aqui, os artigos 263 e 266 do CPP, porque o mandato judicial, que é
contratual, lá tem efeitos demasiado importantes:
“Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz,
ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si
mesmo defender-se, caso tenha habilitação.
Parágrafo único. O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os
honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Prescrição. Não ocorrência. Se a demanda veio a ser aforada no prazo de lei, por
parte do legitimado, não se reconhece a ocorrência desta prejudicial de mérito.
Direito à transferência das ações que se reconhece, sendo a morte da outorgante res
inter alios para o exercício daquele. Não provimento do recurso e manutenção da
sentença.”
Questão 2
Resposta à Questão 2
Tema XXI
Notas de Aula41
1. Distinções relevantes
2. Conceito
devedores uns dos outros. A onerosidade denota a existência de vantagens para ambos os
contratantes. A consensualidade traz consigo a idéia de que a existência do contrato se dá
cm o “choque de vontades”, devendo convergir o desiderato das partes. Ao passo que a
comutatividade advém da certeza no momento da contratação de qual serão as prestações a
serem cumpridas pelas partes.
Deve ser consignado acerca dos motivos que ensejam a extinção do referido
contrato. Pode se dar por vícios concomitantes à celebração do mesmo, caso em que
estaremos diante de causas de nulidade e anulabilidade. Há também as causas
supervenientes, onde se encontram a rescisão, resolução e revogação.
A resolução se dá pela ocorrência do termo do contrato, bem como por uma causa
externa que não pode ser imputada as partes que celebraram o pacto, daí não haver
condenação em perdas e danos nem análise de culpa. A rescisão, ao revés, se dá quando há
culpa de uma das partes pelo descumprimento contratual, devendo a mesma ser condenada
em perdas e danos. A revogação pode ser tida como um direito potestativo existente em
contratos de mandato, onde a parte possui a faculdade de extinguir os direitos concedidos a
outrem. Por derradeiro, a resilição é o direito potestativo que a parte possui de sair da
relação contratual, mediante notificação a parte contrária, podendo ser bilateral (distrato) ou
unilateral.
São elementos deste contrato: objeto, remuneração e consentimento. A ausência de um
destes elementos conduz a modificação em sua classificação. Como exemplo poderíamos
afirmar que a ausência da remuneração teria o condão de transformar o referido contrato em
gratuito e não mais oneroso. Veja os artigos 596 e 597 do CC:
“Art. 596. Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por
arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua
qualidade.”
“Art. 597. A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção,
ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações.”
“Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não
souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por
duas testemunhas.
3. Características
“Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei
especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo.”
“Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode
ser contratada mediante retribuição.”
Assim, exemplo seria o caso em que um particular entrega um laptop para conserto,
haverá aplicação do código de defesa do consumidor. Ao revés, sendo pessoa jurídica que
leva a uma prestadora de serviço de comunicação todo o aparelhado de informatização da
referida empresa, restará latente a relação civil a ser regida pelo diploma civilista42.
“Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro
anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta,
ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos
quatro anos, dar-se-á por findo o contrato, ainda que não concluída a obra.”
A matéria em epígrafe se encontra regulada pelos artigos 603 e 604, CC, sendo
necessária a sua leitura:
“Art. 603. Se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte
será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe
tocaria de então ao termo legal do contrato.”
“Art. 604. Findo o contrato, o prestador de serviço tem direito a exigir da outra
parte a declaração de que o contrato está findo. Igual direito lhe cabe, se for
despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o serviço.”
O artigo 604 do CC, ao prever a justa causa, vem a permitir a ser esta uma das
formas de rescisão do contrato. Ademais, inovação legislativa acerca da matéria se encontra
prevista junto ao artigo 606 do CC, caso este em que regula a divisão dos prejuízos em caso
de falta de habilitação profissional da parte contratada.
“Art. 606. Se o serviço for prestado por quem não possua título de habilitação, ou
não satisfaça requisitos outros estabelecidos em lei, não poderá quem os prestou
cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se
deste resultar benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma
compensação razoável, desde que tenha agido com boa-fé.”
bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir
o implemento da do outro. O artigo 422 do Código Civil de 2002 impõe aos
contratantes a observância aos princípios de probidade e boa-fé não só na
conclusão como também na execução dos contratos. O laudo pericial de fls.
380/401 foi conclusivo no sentido de que os serviços que foram objeto dos
contratos enumerados a fls. 03/08 não foram correta e satisfatoriamente executados
pela empresa de engenharia contratada pelo condomínio. Louvada na prova
pericial por expert da confiança do juízo, que convence do acerto da conclusão a
que chegou, é de se manter a sentença de improcedência que acolheu a exceptio
non adimpleti contractus, assim comprovado o fato modificativo do direito do
autor, relativo à execução incorreta das obras de impermeabilização do teto do
prédio. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (AP. Cível 2008.001.00321. Rel.
Des. Célia Meliga; j. 18.3.2008; Décima Oita Câmara Cível).”
4. Contrato de empreitada
Tal contrato possui regulamentação nos artigos 610 a 626 do CC, que serão
pontualmente analisados.
Por conceito, trata-se do contrato pelo qual uma das partes se obriga a fazer ou
mandar fazer determinada obra, mediante uma determinada remuneração, a favor de
outrem.
O contrato em tela é bilateral, oneroso, comutativo e consensual. A bilateralidade
vem a criar o sinalagma entre as partes. A onerosidade é essência do contrato. A
consensualidade denota-se da existência após a manifestação de vontade das partes. Ao
passo que a comutatividade se dá em razão da prestação das partes ser certa.
Assim, caracteriza-se a empreitada pela circunstância de considerar o resultado
final, e não a atividade, como objeto de relação contratual
Por se tratar de trabalho profissional, deve o empreiteiro ser capaz tecnicamente de
discordar do projeto que lhe esta sendo entregue.
Outra peculiaridade é a responsabilidade pelas observâncias das regras técnicas
estabelecidas para a execução da obra.
Por fim, há responsabilidade pelo dono da obra pelo pagamento dos salários devidos
aos empregados do empreiteiro. O dono da obra tem a responsabilidade de remunerar, ao
passo que o empreiteiro possui em relação as regras técnicas da obra. O projeto é do dono
da obra, porém, na medida em que o empreiteiro recebe o projeto sem questionar,
afirmando ser possível, o mesmo assume eventual responsabilidade das conseqüências.
Veja o artigo 611 do CC:
“Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os
riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se
este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os
riscos.”
4.1. Espécies
“Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer
antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a
retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em
tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.”
4.2. Remuneração
Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é
obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for
arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o
que se estava passando, e nunca protestou.”
5. Contrato de incorporação
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
O momento para se exercer o direito supracitado deve ser dentro do prazo de cinco
anos.
Caso o dono da obra opte por demandar do empreiteiro ou construtor outras falhas
contratuais, qual prazo deverá ser aplicado? O do artigo 206, § 3º, V, do CC ou artigo 27 do
CDC? E em sendo vício do produto ou serviço dos artigos 18 e 20 do CDC? São hipóteses
a serem analisadas. Tepedino entende que será o prazo geral de dez anos. No entanto, tal
entendimento possuía respaldo com a ausência de regulamentação específica, caso este em
que não ocorre mais, pois o prazo de responsabilidade civil do novo diploma assenta ser de
três anos. A jurisprudência ainda não se definiu, uns apoiando no prazo de três anos e outros
nos dez anos.
Havendo relação de consumo a discussão passa a ser outra, pois o prazo do artigo
27 do CDC é de cinco anos, ao passo que em sede de vício do produto ou serviço dos
artigos 18 e 20 do CDC demanda por prazos distintos, devendo prosperar a tese de proteção
à vulnerabilidade do consumidor, ora mens legis da Lei 8.078/90.
“Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos
causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste
Questão 2
Severino realizava, sem vínculo empregatício e com remuneração quinzenal,
limpeza dos estábulos do fazendeiro João no interior da Fazenda Cantagalo. Passados
dois anos de cumprimento do referido contrato, João aliena o imóvel para José, mas
Severino pretende continuar a realização de seu serviço. É cabível a pretensão de
Severino?
Resposta à Questão 2
Deve ser levado em conta que o caso em tela há trabalho prestado em zona rural,
havendo do Estado interesse na proteção deste labor, caso em que há exceção a regra, em
razão de um ditame constitucional de proteção ao labor rural, sendo considerado o local
onde o serviço esta sendo realizado, ficando a cargo do Severino decidir se quer continuar
ou não. O respaldo legal se encontra no artigo 609 do CC:
“Art. 609. A alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços se opera,
não importa a rescisão do contrato, salvo ao prestador opção entre continuá-lo com
o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante.”
Assim, se conclui que Severino tem direito potestativo a continuar trabalhando para
o adquirente do referido prédio agrícola, nos termos do artigo 609 do CC. Trata-se de
obrigação com eficácia real assumida pelo adquirente do imóvel e que retrata mais uma das
exceções ao princípio da relatividade dos contratos à semelhança do que acontece com a
cláusula de vigência no contrato de locação (artigo 576 do CC e 8º da Lei de Locações).
Excepciona, outrossim, o caráter personalíssimo do contrato de prestação de serviços e tem
por fundamento a proteção do trabalhador rural.
Tema XXII
Contrato de Seguro: conceito e classificação. Início da cobertura. Apólice Co-seguro. Aspectos jurídicos do
risco e da cobertura. Pluralidade de seguros. Boa-fé e probidade como deveres do segurador e segurado.
Responsabilidade civil do segurador. Seguro de dano e pessoa..
Notas de Aula44
1. Contrato de seguro
É o contrato bilateral, consensual e aleatório pelo qual uma das partes se obriga
perante a outra, mediante recebimento de um prêmio, a garantir interesse legítimo desta, no
tocante a pessoa ou coisa, relacionados a riscos previstos.
“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento
do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa,
contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador,
entidade para tal fim legalmente autorizada.”
O prêmio não se confunde com o valor recebido com a ocorrência do evento coberto
pelo plano, pois este é chamado de indenização, ao passo que o prêmio é o valor pago para
que àquele seja coberto.
É da própria essência do contrato a alea, ou seja, o risco inerente ao contrato. Logo,
por óbvio, o pagamento do prêmio não depende da ocorrência do evento coberto, se este
sinistro não ocorrer não fornece azo ao direito à devolução do valor pago.
Ademais, trata-se de contrato de adesão, onde as clausulas são elaboradas
unilateralmente por uma das partes, vindo à outra a somente aderir as clausulas
preestabelecidas.
1.1. Classificação
A classificação dos seguros é estabelecida de acordo com a sua natureza, podendo ser
de coisas ou dano (marítimo ou terrestre), sendo extensivamente tratado nos artigos 778 a
788 do CC, cuja leitura se faz relevante:
“Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor
do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto
no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.”
44
Aula ministrada pela professora Maria Cristina de Brito Lima, no dia 11/2/09.
“Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da
coisa segurada, não declarado pelo segurado.
Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco os defeitos próprios da coisa, que
se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.”
Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não
poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a
citação deste para integrar o contraditório.”
Há também o seguro saúde que possui previsão legal nos dispositivos abaixo:
“Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.”
“Art. 791. Se o segurado não renunciar à faculdade, ou se o seguro não tiver como
causa declarada a garantia de alguma obrigação, é lícita a substituição do
beneficiário, por ato entre vivos ou de última vontade.
Parágrafo único. O segurador, que não for cientificado oportunamente da
substituição, desobrigar-se-á pagando o capital segurado ao antigo beneficiário.”
“Art. 796. O prêmio, no seguro de vida, será conveniado por prazo limitado, ou por
toda a vida do segurado.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, no seguro individual, o segurador não terá
ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de pagamento, nos prazos previstos,
acarretará, conforme se estipular, a resolução do contrato, com a restituição da
reserva já formada, ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio
pago.”
“Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de
carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro.
Parágrafo único. No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao
beneficiário o montante da reserva técnica já formada.”
“Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado
se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua
“Art. 799. O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da
apólice conste à restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da
utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da
prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem.”
“Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos
e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.”
“Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica
em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§ 1o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único
responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações
contratuais.
§ 2o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de
segurados que representem três quartos do grupo.”
1.2. Elementos
“Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro
sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve
previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por
que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art.
778.”
“Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.”
Acerca do tema, importa analisar a situação em que alguém tomou ciência de que
estava acometido de doença terminal, se dirigindo a uma seguradora com o escopo de
celebrar o contrato aleatório de vida, sem contudo informar a seguradora ou sua família
acerca da doença. Vindo a falecer a seguradora veta a pretensão sob a alegação de nulidade
por omissão de informação essencial, juntando comprovação de ida a médico requerendo
depoimento do profissional acerca da possível doença preexistente. Assim, comprova-se a
má-fé do segurado.
Ocorre que compete à seguradora tomar posturas preventivas, valendo-se de
declarações do próprio segurado, com o objetivo de evitar pagamento de indenização em
caso de situação preexistente.
Por derradeiro, o valor do seguro não pode ultrapassar o valor do bem segurado. Tal
situação ocorre em sede de seguro de veículo automotor, caso em que há depreciação
durante o contrato. Ocorre que o prêmio fora pago sob paradigma de um valor estabelecido,
não devendo prosperar a tese das seguradoras acerca de pagamento da indenização pautada
em valor de mercado, sob pena de ensejar um enriquecimento sem causa das seguradoras
que recebiam sob um valor e pagavam sob outro, ante a tendência de desvalorização.
Ao passo que para o segurador, a sua má-fé enseja o pagamento em dobro do valor
correspondente ao prêmio, conforme preconiza o artigo 773 do CC, bem como sanções
administrativas.
“Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de
que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em
dobro o prêmio estipulado.”
1.5. Cosseguro
“Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor
do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto
no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.”
“Art. 782. O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro
sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve
previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por
que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art.
778.”
Ao revés, sendo seguro de vida não há que se falar em valor máximo legal, ficando
ao alvedrio das partes a fixação do valor a ser indenizado. Veja o artigo 789 do CC:
“Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o
mesmo ou diversos seguradores.”
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Neste caso, em que pese demandar análise probatória, deve ser reputada a situação
como não sendo decorrente de suicídio premeditado, demandando cobertura do risco pela
seguradora, sob pena de enriquecimento sem causa, ora repudiado pelo ordenamento
jurídico vigente.
Veja os seguintes julgados de referência:
Questão 2
José ajuizou em face da Companhia Nacional de Seguros ação de indenização
pelos danos materiais relativos ao veículo, acessórios e carroceria, cujo valor alcança R$
40.000,00 (quarenta mil reais). A ré contestou o pedido alegando que ocorrera infração
contratual e legal, em virtude da falta de comunicação de transferência da propriedade do
Resposta à Questão 2
Deve ser resolvida a questão utilizando a teoria geral dos contratos, caso em que a
compra e venda do veículo ou propriedade, por se tratar de contrato principal, deve
preponderar em razão da contratação do seguro, que por ser acessório, aplicando-se a
gravitação jurídica devo o acompanhar.
Em razão disso a não cobertura da álea em caso de alienação do objeto segurado
deve constar expressa no pacto entre as partes, sob pena da imposição da cobertura.
Veja as seguintes ementas como referência:
“Apelação Cível n.º 2002.001.9504 - DES. SERGIO CAVALIERI FILHO -
Julgamento: 21/08/2002 - SEGUNDA CAMARA CIVEL
SEGURO DE VEICULO VENDA DE VEICULO TRANSFERENCIA APOLICE
DE SEGURO AUTORIZACAO SOCIEDADE SEGURADORA
DESNECESSIDADE INDENIZACAO PELO SINISTRO RECUSA DE
PAGAMENTO DESCABIMENTO LUCROS CESSANTES DANO MORAL
AUSENCIA DE COMPROVACAO CORRECAO MONETARIA TERMO
INICIAL SENTENCA CONFIRMADA.”
Questão 3
Resposta à Questão 3
Questão 4
CAIO empresta veículo de sua propriedade a um amigo, que o levou a uma oficina
para fazer um pequeno conserto. O lanterneiro, por sua vez, usou o automóvel sem
qualquer autorização, dando causa a um grave acidente do qual resultou a sua perda total,
ao dirigir embriagado. No entanto, ao requerer o pagamento da indenização do respectivo
seguro de dano, CAIO deparou-se com a recusa da seguradora, que lhe imputou o
agravamento do risco. Julgue a situação acima, sob o ponto de vista da legitimidade ou
não da conduta da seguradora, à luz dos dispositivos legais vigentes.
Resposta à Questão 4
Deve ser reputado que Caio em nenhum momento agiu de má-fé, logo a seguradora
ao recusar o pagamento do prêmio, acaba por negar ao próprio contrato, pois não vem a
cobrir o risco sobre o bem, devendo a mesma pagar a indenização e sub-rogar da oficina o
valor correspondente. A respeito, veja o seguinte julgado:
“Apelação Cível n.º 2000.001.06857 - DES. SERGIO CAVALIERI FILHO -
Julgamento: 27/06/2000 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.
SEGURO DE VEICULO PERDA TOTAL INDENIZACAO PELO SINISTRO
RECUSA DE PAGAMENTO RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
OBRIGACAO DE INDENIZAR DANO MORAL NAO CONFIGURACAO
PROVIMENTO PARCIAL
Responsabilidade do segurador. Risco Contratual. Agravamento do Risco. Causa
não imputável ao Segurado. Dever do Segurador de pagar a indenização prevista
no Contrato. A responsabilidade do segurador e' objetiva, fundada no risco
contratual, muito se aproximando da responsabilidade fundada no risco integral.
Dado as peculiaridades do contrato de seguro, o fato do segurado só' pode ser
invocado como excludente da responsabilidade do segurador quando se tratar de
dolo ou ma'-fé'. O segurado só' perde o direito `a indenização se der causa ao
agravamento do risco mediante conduta intencional. E sendo presumida a boa-fé'
do segurado, o ônus da prova da ma'-fé' cabe ao segurador. Assim, provado a
ocorrência do sinistro, não pode o segurador eximir-se dos riscos assumidos no
contrato mediante meras alegações de falta de cautela do segurado. Dano moral.
Aborrecimento causado por perda patrimonial. Não configuração. Consistindo o
dano moral em lesão de bem personalíssimo, tal como a honra e a intimidade,
segue-se estar fora de sua abrangência o mero aborrecimento decorrente de lesão
patrimonial, já' abrangido pelo dano material. Vem dai' a correta definição de dano
moral ministrada por Savatier: "qualquer sofrimento que não e' causado por uma
perda pecuniária". Reforma parcial da sentença. (IRP).”
Tema XXIII
Notas de Aula45
1. Atos unilaterais
Esta fonte das obrigações se diferencia dos contratos porque só se exige uma
manifestação de vontade para que seja formado. Há quatro tipos: a promessa de
recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa.
É estranha a concepção do enriquecimento sem causa como um instituto jurídico em
si, eis que é muito mais um fundamento para outros efeitos do que um ato, ele próprio.
Vejamos uma a uma estas espécies.
Este conceito legal é bastante preciso, mas há uma discussão acerca da natureza
jurídica da promessa de recompensa. Isto porque, antes deste conceito legal vir expresso,
muitos entendiam que a promessa de recompensa era uma proposta de contrato, que só
teria efeitos quando alguém, em busca da gratificação, aceitasse a incumbência – o que não
é verdade, pois há vinculação desde que proferida a promessa. Na verdade, porém, até hoje
há quem defenda esta tese do pré-contrato.
Tanto a aceitação não é determinante para a vinculação do proponente, que o artigo
seguinte, 855 do CC, assim estabelece:
“Art. 855. Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço, ou
satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a
recompensa estipulada.”
É tanto assim que, mesmo se a pessoa que satisfaça a condição sequer saiba da
promessa vigente, poderá exigir-lhe cumprimento, quando da satisfação. Por exemplo, se o
dono de animal de estimação promete recompensa pela entrega, e alguém, sem saber do
45
Aula ministrada pela professora Consuelo Aguiar Huebra, em 12/2/2009.
prêmio, encontra o animal e o devolve, ainda terá direito à gratificação – a sua aceitação
prévia sequer existiu.
O anúncio público é pressuposto essencial para surgimento da vinculação, além de
todos os demais requisitos gerais, quais sejam, a capacidade do promitente, e o objeto lícito,
possível, determinado ou determinável. Mas é a forma pública que é peculiaridade essencial
desta negociação.
Os “anúncios públicos” a que se refere o artigo 854 do CC são aqueles que se valem
de meios de divulgação amplos, capazes de atingir uma gama plural e indeterminada de
pessoas.
A promessa de recompensa é revogável, a teor do artigo 856 do CC:
A revogação tem que ser hábil, porque a promessa gera expectativa de aquisição da
vantagem prometida em uma grande gama de pessoas. Por isso, o mínimo que se exige é
que a revogação seja feita pelo mesmo meio público pelo qual foi feita a promessa. Aa
maior parte da doutrina defende, inclusive, que tenha que ser observada a mesmíssima via
pela qual foi publicada a promessa – se foi prometida em um canal de televisão, a
revogação deve ser feita no mesmo canal e na mesma hora.
É claro que se a condição para recebimento da recompensa já se implementou, não
há que se falar em revogação. E mesmo que não tenha sido implementada a condição, ou
seja, mesmo que não tenha ainda cumprido o requisito estabelecido para obter a vantagem
prometida, se o candidato realizou despesas neste intuito, de boa-fé, deverá por elas ser
reembolsado pelo promitente, mesmo após a revogação da promessa.
Tendo estabelecido prazo de vigência para a promessa, esta se torna irrevogável,
desobrigando-se o promitente apenas quando terminado o prazo.
Exemplo comum de promessa de recompensa é o concurso de melhor obra, como os
concursos de monografias: quem apresentar a melhor monografia, por exemplo, terá direito
a um prêmio qualquer predeterminado. Neste caso, a lei impõe que haja prazo de vigência
para a promessa, justamente para que não haja possibilidade de revogação, eis que o
esforço envidado pelo candidato não pode ser frustrado pela mera revogação pelo
promitente. Veja o artigo 859 do CC:
“Art. 859. Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é
condição essencial, para valerem, a fixação de um prazo, observadas também as
disposições dos parágrafos seguintes.
§ 1o A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados.
§ 2o Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se
apresentarem, entender-se-á que o promitente se reservou essa função.
§ 3o Se os trabalhos tiverem mérito igual, proceder-se-á de acordo com os arts. 857
e 858.”
cumprirem concomitantemente, a lei estabelece que o prêmio será dividido. Se o prêmio for
indivisível, a solução é a realização de um sorteio, e o que receber o prêmio in natura
deverá indenizar o segundo pela sua cota-parte, no equivalente em pecúnia. Veja os artigos
857 e 858 do CC:
“Art. 857. Se o ato contemplado na promessa for praticado por mais de um
indivíduo, terá direito à recompensa o que primeiro o executou.”
“Art. 868. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas,
ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em
proveito de interesses seus.
Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a
indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que por
motivo da gestão, houver sofrido.”
“Art. 864. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão
que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo.”
“Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele
os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda
que este não ratifique o ato.”
“Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do
falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de
alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens.
Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se provando
que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer.”
“Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se
não possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daquele cujos
interesses agenciar de envolta com os seus.
Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor
só é obrigado na razão das vantagens que lograr.”
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a
restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de
cumprida a condição.”
“Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo
feito por erro.”
Vale dizer que é a boa-fé subjetiva que identifica a posse. Sendo de boa-fé, só
responde por danos causados por culpa; sendo de má-fé, responde objetivamente. Veja os
artigos 1.217 e 1.218 do CC:
“Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos
percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser
restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser
também restituídos os frutos colhidos com antecipação.”
Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por
título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o
direito de reivindicação.”
Se o pagamento indevido é uma obrigação de fazer, observe-se o artigo 881 do CC:
“Art. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o
como parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão
ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou
dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.”
“Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou
cumprir obrigação judicialmente inexigível.”
“Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim
ilícito, imoral, ou proibido por lei.
Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de
estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz.”
Como dito, é estranho se abordar o enriquecimento sem causa, como fez o CC,
como um instituto autônomo, pois ele é fundamento a diversas situações eu são espargidas
no ordenamento, e não um instituto em si. Mas como o legislador referiu tratar dele de
forma autônoma, vejamo-lo.
Seus pressupostos, assim como do pagamento indevido, são: o enriquecimento de
uma parte, à custa do empobrecimento de outra; e a falta de causa para tanto. Repare que o
lucro cessante deve ser considerado como forma de empobrecimento, mesmo que seja
apenas deixar de ganhar.
Veja o artigo 884 do CC:
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a
recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará
pelo valor do bem na época em que foi exigido.”
O valor do bem a ser restituído, quando não for possível devolvê-lo na espécie, é o
valor da época do pagamento, pois pode ser que quando da época da exigência da
restituição, tenha havido depreciação.
O artigo 885 do CC trata da superveniente perda da causa do enriquecimento,
tornando supervenientemente indevido o enriquecimento. Veja:
“Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que
justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.”
“Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado
outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.”
A ação que cabe em função do enriquecimento sem causa, gênero, é a chamada ação
in rem verso, desde que esta seja a única cabível, ou seja, dada a subsidiariedade da
restituição, se houver alguma ação específica capaz de solucionar o injusto, na forma do
artigo 886, supra, deverá ser intentada. Por exemplo, se for pagamento indevido a causa do
injusto, mesmo sendo este pagamento uma espécie do gênero enriquecimento sem causa, há
cabimento da ação de repetição de indébito, e esta deverá ser intentada.
Na evicção, há uma excepcionalidade: se não foi enunciada a lide ao alienante, são
perdidos os direitos oriundos da evicção, mas a jurisprudência entende que a própria perda
da coisa é um caso de enriquecimento sem causa genérico, e que por isso enseja a
propositura, posterior à perda não denunciada, da ação in rem verso – na qual reclamará
apenas aquilo que perdeu, e não os demais direitos da evicção.
Casos Concretos
Questão 1
Resposta à Questão 1
Questão 2
Resposta à Questão 2
Questão 3
Celebrado contrato bancário, John efetuou pagamento dois anos após a data
convencionada. Pagou o que o Banco cobrou, ou seja, além da prestação pecuniária
devida, correção monetária, comissão de permanência e juros. Meses após, ajuizou ação
de repetição de indébito, por entender que os juros cobrados foram abusivos. Em defesa, o
Banco alegou que não estaria provado o erro exigido no artigo 877 do Código Civil/02.
Diga sobre a alegação do réu.
Resposta à Questão 3
Neste caso, não há pagamento indevido puramente, há cobrança indevida, e por isso
a provado erro é dispensável. Observe-se a súmula 322 do STJ, e a ementa do REsp.
249.466:
Tema XXIV
Compilação de estudos46
1. Contrato estimatório
46
Estudo consistente na compilação de dois artigos: sobre o contrato estimatório, material colhido do artigo
“Do contrato estimatório e suas vicissitudes”, publicado por Paulo Luiz Netto Lôbo, no endereço eletrônico
“http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6930”; sobre o contrato de jogo e aposta, o material foi colhido
do artigo “Disciplina jurídica do jogo e aposta no sistema brasileiro”, de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho. Ambos os trabalhos estão transcritos na íntegra.
1.4. As controvérsias sobre sua natureza e o alcance das normas do Código Civil de 2002
coisas, porque exerce em nome próprio e não como representante do consignante o poder
de disposição que lhe foi regularmente transferido. O exercício do poder de disposição
legitima-o a transferir a coisa ao adquirente, incluindo a titularidade de domínio que cessa
para o consignante, independentemente de sua vontade.
Quando o consignante transfere o poder de disposição sobre a coisa retém a
propriedade. A não transferência da propriedade ao consignatário é o traço característico do
contrato estimatório. Contudo, a retenção da propriedade (que em muito se assemelha à
situação de nua-propriedade) não autoriza o consignante a exigir a restituição. Por outro
lado, o exercício do poder de dispor pelo consignatário importa automaticamente a perda da
propriedade, que é transferida ao adquirente a quem o consignatário entregou a coisa, desde
que tenha observado o valor estimado. Neste último sentido, Penalva dos Santos: "do que
se deduz que o chamado consignatário pode usá-la, fruí-la, sem, contudo, tornar-se titular
do domínio, o qual permanecerá nas mãos do ‘tradens’, até a venda coisa a terceiro, ou se,
transcorrido o prazo estabelecido no contrato, o ‘accipiens’ não a devolver, deverá este
pagar ao ‘tradens’ o seu valor estimado, passando o domínio da coisa para o ‘accipiens’".
1.5. As coisas que podem ser objeto das prestações do contrato estimatório
Apenas as coisas móveis podem ser objeto de contrato estimatório. Coisas móveis
que estejam no comércio, isto é, que possam ser alienadas. Neste ponto, a relação com a
compra e venda torna-se inevitável, porquanto tudo que possa ser objeto de venda pode ser
suscetível de contrato estimatório.
As coisas imóveis estão excluídas porque não permitem a tradição real. A traditio
ficta constitui obstáculo à circulação da coisa do consignante para o consignatário e deste
para o adquirente, em virtude da exigência do registro público. Não apenas as coisas
imóveis mas todos os móveis que, por força de lei ou por convenção das partes, estejam
vinculados a registro. O registro imobiliário transfere a propriedade, o que desnaturaria o
contrato estimatório. Como diz Caio Mário da Silva Pereira, não somente pelo formalismo
exigido para a transmissão imobiliária, mas também porque a venda a terceiros não se
opera no contrato estimatório em nome do consignante, mas no do consignatário, como se
sua própria fosse.
O consignatário recebe a coisa, diretamente ou mediante representante, quando a
tem sob seu poder físico ou contato material (corpus), entendidos como possibilidade de
dispor da coisa em modo físico, sem mais depender do consignante. A entrega da coisa ao
transportador não é suficiente para consumar a tradição, salvo se foi indicado ou escolhido
pelo consignatário. Não se considera perfeito o contrato enquanto o transportador não
entregar fisicamente a coisa ao consignatário.
A coisa pode ser específica, singular, ou genérica. Não há impedimento que se trate
de bem fungível. A restituição, se for o caso, dar-se-á por coisa de iguais gêneros,
qualidades e quantidades. A praxe contratual demonstra a utilização com grande freqüência
de bens genéricos, a exemplo de gêneros alimentícios, de tecidos ou de exemplares de
livros.
Os bens imateriais (por exemplo, os direitos de autor) não podem ser objeto de
contrato estimatório. No direito brasileiro, os contratos de alienação desses bens são
definidos taxativamente, seja para cessão, concessão de uso ou licenciamento. Esses bens
são insuscetíveis de tradição física, porque destituídos de corpos físicos.
frustração de venda, quando ou para restituir a coisa. São riscos inerentes a esse negócio
peculiar. São também do consignatário os riscos da especulação, quando não se estabeleceu
limite máximo de preço para a venda.
Os frutos da coisa (naturais ou civis) são do consignatário, que tem a posse própria.
Se optar pela restituição da coisa, restituirá a posse e tudo que dela derivar, inclusive os
frutos.
A restituição apenas opera seus efeitos liberatórios, para o consignatário, quando,
dentro do prazo: a) foi efetuada a entrega em sentido físico ao consignante, ou a seu
representante, no endereço estipulado no contrato; b) a coisa tenha sido entregue em sua
integralidade. Recupera o consignante não apenas o poder de disposição mas a posse
própria da coisa.
2. Transação e compromisso
“Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o
exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre
direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos
autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.”
“Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela
intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível.”
§ 1º Se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador.
§ 2º Se entre um dos credores solidários e o devedor, extingue a obrigação deste
para com os outros credores.
§ 3º Se entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida em
relação aos co-devedores.”
“Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele
transferida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao
evicto cabe o direito de reclamar perdas e danos.
Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito
sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-
lo.”
“Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta.
Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados,
independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará
os demais.”
“Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à
pessoa ou coisa controversa.
Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das
questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.”
“Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada em
julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por título
ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o
objeto da transação.”
3.1. Introdução
“Quer apostar comigo?” Esta frase, tão comum no nosso dia-a-dia, é o início de
uma proposta para a celebração de uma modalidade contratual típica, prevista no sistema
codificado brasileiro desde a época da codificação de 1916.
Trata-se do “Contrato de Aposta”, que é tratado, juntamente com o “Contrato de
Jogo”, nos arts.814/817, CC-02 (correspondente aos arts. 1.477/1.480, CC-16, com
aperfeiçoamentos), em uma reunião de dois contratos afins na mesma disciplina jurídica, tal
qual também feito - em linha semelhante, posto não igual – na regulação dos Contratos de
Agência e Distribuição, previstos nos arts. 710/721 da vigente codificação civil (sem
correspondente no sistema anterior).
Feito tal registro inicial de afirmação da dualidade contratual na mesma
normatização, passemos a conceituar tais figuras contratuais.
3.2. Conceito
Como dito, a previsão dos arts. 814/817, CC-02 regula duas figuras jurídicas com
conceitos distintos, mas com evidentes afinidades.
De fato, o contrato de jogo pode ser definido como o negócio jurídico por meio do
qual duas ou mais pessoas prometem realizar determinada prestação (em geral, de conteúdo
pecuniário) a quem conseguir um resultado favorável na prática de um ato em que todos
participam.
Registre-se, portanto, que o jogo (e, consequentemente, o sucesso ou fracasso de
cada parte) depende necessariamente da atuação de cada sujeito (chamado jogador), seja
por sua inteligência, habilidade, força ou, simplesmente, sorte.
Já o contrato de aposta é o negócio jurídico em que duas ou mais pessoas, com
opiniões diferentes sobre certo acontecimento, prometem realizar determinada prestação
(em geral, de conteúdo pecuniário) àquela cuja opinião prevalecer.
Na aposta, portanto, não se exige uma participação ativa de cada sujeito (chamado
apostador), contribuindo para o resultado do evento, mas, sim, apenas, a manifestação de
sua opinião pessoal.
A proximidade entre os dois institutos, porém, é evidente, notadamente pelo
elemento comum da álea que os envolve, pois, apenas para recordar o velho clássico da
corrida entre a lebre e a tartaruga, nem sempre o mais habilidoso ou capaz vence uma
competição...
Há tanta afinidade entre eles que, na prática, muitas vezes acabamos fazendo
referência a um, quando pretendemos utilizar o outro. É o caso, por exemplo, quando dois
amigos dizem “vamos apostar uma corrida?”. Isto, na verdade, não é propriamente uma
aposta, mas, sim, um jogo, pois depende da participação efetiva dos contendores
(habilidade, força ou velocidade) e não somente da sua sorte. Da mesma forma, fala-se em
“jogar nos cavalos”, quando o indivíduo está realizando, de fato, apostas em corridas em
um hipódromo.
Outros elementos marcantes, que demonstram o traço comum entre os dois
institutos, são a inexigibilidade das prestações deles advindas e a irrepetibilidade do
pagamento efetuado por sua causa47, dados estes que evidenciam, a toda prova, a sua
natureza de obrigações naturais48.
É o que se infere do art. 814, caput e § 1o, do CC-02 (correspondente ao art. 1.477,
caput e parágrafo único, CC-16):
“Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se
pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por
dolo, ou se o perdente é menor ou interdito49.
§ 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva
reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante
não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.”
47
Lembremos que a irrepetibilidade é a característica de impossibilidade de devolução da prestação havida, o
que é próprio de uma relação obrigacional efetivamente devida, como o são as obrigações naturais.
48
Sobre o tema, confira-se o Capítulo VI (“Obrigação Natural”) do Vol. II (“Obrigações”) do nosso “Novo
Curso de Direito Civil”, 8ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
49
Norma equivalente é encontrada, por exemplo, no Código Civil italiano, que preceitua, em seu art. 1933:
50
Bem mais técnico, em nossa opinião, é o Código Civil português, ao preceituar, em seu art. 1245º, que o
“jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém, quandolícitos,
são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou
anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se houver fraude do credor em sua execução”.
51
Sobre o tema, confira-se o capítulo XIII (“Defeitos do Negócio Jurídico”) do Vol. I (“Parte Geral”) do
nosso “Novo Curso de Direito Civil”, 9ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
52
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed.
São Paulo: Saraiva, 1997, p. 363.
53
Sobre o tema da promessa de recompensa, confira-se o Capítulo XXVII (“Atos Unilaterais”) do Vol. II
(“Obrigações”) do nosso “Novo Curso de Direito Civil”, 8ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
“Art. 52. Introduzir, no país, para o fim de comércio, bilhete de loteria, rifa ou
tômbola estrangeiras:
“Art. 54. Exibir ou ter sob sua guarda lista de sorteio de loteria estrangeira:
Pena – prisão simples, de um a três meses, e multa, de duzentos mil réis a um
conto de réis.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem exibe ou tem sob sua guarda lista de
sorteio de loteria estadual, em território onde esta não possa legalmente circular.”
“Art. 57. Divulgar, por meio de jornal ou outro impresso, de rádio, cinema, ou
qualquer outra forma, ainda que disfarçadamente, anúncio, aviso ou resultado de
extração de loteria, onde a circulação dos seus bilhetes não seria legal:
Pena – multa, de um a dez contos de réis.”
Verifique-se, como nota comum, que todas estas condutas vedadas se vinculam,
necessariamente, a práticas em que o resultado depende, única e exclusivamente, da sorte 54
(como, por exemplo, jogo do bicho, roleta, dados etc), em lugar público ou acessível ao
público.
Independentemente da conveniência ou não da manutenção de tais tipos penais no
ordenamento jurídico brasileiro, o fato é que a vedação de tais condutas importa em
reconhecer a impossibilidade jurídica de reconhecer a validade plena de tais avenças55.
54
A Lei do Jogo portuguesa (Decreto-Lei nº 422, de 02 de dezembro de 1989) define, em seu artigo 1º que
“jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou
fundamentalmente na sorte”.
Todavia, até mesmo por força do princípio jurídico que impede a alegação, em seu
favor, da própria torpeza, bem como impede o enriquecimento indevido, a natureza
contratual (no sentido de um acordo de vontades livremente estabelecido) impõe, sem
dúvida, o reconhecimento da validade do pagamento já efetivado, uma vez que decorrente
de ato voluntário do pagador, e, consequentemente, da solutio retentio. Assim, ainda que
ilícitos o jogo e/ou aposta, as regras aqui tratadas lhe são plenamente aplicáveis56.
Protestando contra tal contradição do sistema normativo, ensinava Orlando Gomes:
“O contrato de jogo proibido é nulo de pleno direito, por ter causa ilícita. Nenhum
efeito produz. De ato nulo não resultam conseqüências suscetíveis de proteção
legal. Nesta ordem de idéias, não pode surgir a dívida de jogo como obrigação
válida. A rigor, não se justifica a impossibilidade de repetição do que foi pago
voluntariamente. Diz-se, no entanto, que o contrato de jogo proibido gera uma
obrigação natural. Nessa assertiva se contém difundido equívoco. O principal
efeito da obrigação natural consiste na soluti retentio. Ora, o credor de dívida de
jogo proibido não tem o direito de reter o que recebeu. A essa recebimento falta
causa, precisamente porque o contrato é nulo de pleno direito. Por outro lado,
embora imperfeita, porque desprovida de sanção, a obrigação natural tem um fim
moral e seu suporte psicológico é a convicção de que deve ser cumprida porque
assim manda a consciência. A prática de ato ilícito não pode gerar uma obrigação
com semelhante finalidade, nem desperta o sentimento de que é desonroso o
inadimplemento. Em obrigação natural pode-se falar quando o jogo é tolerado,
visto que a lei lhe não atribui sanção apenas para não fomentar a prática de ato que
não tem objetivo sério.
A dívida oriunda de contrato de jogo proibido poderia ser repetida, por consistituir
enriquecimento sem causa. O pagamento seria indevido, por ter como causa
contrato nulo. Realizado como é contra proibição legal, esse contrato não pode
originar qualquer efeito. Contudo, argúi-se que a repetição deve ser repelida com
apoio no princípio geral que manda suprimir a condictio procedente da nulidade
dos contratos quando há causa torpe para ambas as partes, in paris causa
turpitudinis, cessat repetitio. A nulidade do contrato justifica a inexistência da
obrigação, mas a repetição se excluiu pela concorrência de causa torpe”57.
Uma questão interessante e tormentosa sobre este tema é a disciplina jurídica das
“Casas de Bingo” no Brasil. Em que pese a alea evidente em tal modalidade de jogo, sua
prática foi permitida e regulamentada, em todo o território nacional, pela Lei nº 9.615/98
(“Lei Pelé”), que destinou sua receita ao financiamento dos esportes olímpicos58.
Posteriormente, a Lei nº 9.981/00 revogou os dispositivos que autorizavam e
disciplinavam os bingos, remetendo tal funcionamento à autorização da Caixa Econômica
Federal, o que já tinha sido, inclusive, objeto de uma Medida Provisória anterior59.
55
Isso reflete até mesmo nas relações trabalhistas, não se podendo reconhecer validade aos contratos de
emprego estabelecidos especificamente para a prática de tais condutas. É o caso, por exemplo, do “jogo do
bicho”, prática que, embora ilícita, encontra grande aceitação social, sobre o qual Tribunal Superior do
Trabalho, através da sua Seção de Dissídios Individuais-I, editou, desde 08.11.00, a Orientação
jurisprudencial 199, com o seguinte teor: “Orientação jurisprudencial 199: JOGO DO BICHO. CONTRATO
DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. ARTS. 82 E 145 DO CÓDIGO CIVIL”.
56
Quanto ao jogo do bicho, o fato é que já há, hoje, uma larga aceitação social da sua prática, o que poderia,
sobretudo em termos penais, permitir uma reflexão acerca da sua ilicitude essencial.
57
GOMES, Orlando. Contratos, 24 ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.429/430.
58
Lei nº 9.615/98.
59
Medida Provisória no 2.216-37, de 31 de agosto de 2001.