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V - Lógica de Predicados de Primeira

Ordem (LPPO)

1. A sintaxe da LPPO
O leitor mais crítico poderia ficar com a impressão de que
na passagem do silogismo aristotélico para a lógica
proposicional nós demos um passo para trás e, num certo
sentido, ele teria razão. Uma lógica é tanto mais expressiva
quanto mais relações de inferência ela consegue formalizar.
Enquanto a lógica silogística penetra a estrutura interna das
proposições elementares, podendo com isso formalizar as
inferências que se radicam nas relações existentes entre estas
estruturas, a lógica proposicional permanece, por assim
dizer, na superfície, sem analisar a estrutura interna das
proposições elementares. Por outro lado, a crítica do leitor
perde bastante de sua força se observarmos que as relações
proposicionais que a LP formaliza não são nem mesmo
tocadas pelo silogismo. Assim, colocados frente a frente, não
se pode dizer nem que o silogismo é mais expressivo do que
a LP nem o contrário, cada um dá conta de tipos de
inferência diferentes. A lógica formal contemporânea, tal
como primeiramente foi concebida por Frege, se destinava a
formalizar tanto o tipo de inferência próprio do silogismo
como aquele que é característico da LP. Essa lógica foi
chamada de lógica de predicados, ou lógica elementar, ou ainda
lógica de primeira ordem. Essas denominações dão uma idéia das
principais característcas dessa lógica. Ela é lógica de predicados
porque é provida de símbolos específicos para representar
predicados, é lógica elementar ou de primeira ordem porque os
predicados são aplicados unicamente a elementos primitivos.
Tais predicados são chamados de predicados de primeira ordem.
Predicados de segunda ordem seriam aqueles que predicam
sobre predicados de primeira ordem, predicados de terceira
ordem os que predicam sobre predicados de segunda ordem
e assim por diante. Outrossim, uma lógica onde é possível
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predicar sobre predicados de primeira ordem é chamada de


lógica de segunda ordem, e assim por diante.
Neste capítulo, vamos apresentar uma lógica de predi-
cados que chamaremos de LPPO (Lógica de Predicados de
Primeira Ordem). A LPPO é uma estrutura que podemos
especificar de forma semelhante a que usamos para
especificar a LP. Temos:

LPPO=〈, RI〉

Onde  é uma linguagem e RI, um conjunto de regras de


inferência. Comecemos então por estudar a linguagem da
LPPO.

1.1. A linguagem da LPPO ()

Não é necessário muito esforço para perceber que, em


geral, nas linguagens naturais, a estrutura de uma proposição
elementar se constitui de um sujeito e um predicado:

Sujeito (S) + cópula + predicado (P)

Sócrates é mortal.
C i nc o é ímpar.
A maçã é vermelha.
Nós somos filósofos.

A forma geral S-P da linguagem natural corresponde ao


antigo esquema da metafísica de Aristóteles que postulava
duas categorias ontológicas fundamentais: substância e atri-
buto. Segundo Aristóteles, atributos inerem em substâncias:
se Sócrates for mortal, o atributo da mortalidade inere na
substância Sócrates. De modo semelhante, a ontologia de
Frege distingue duas categorias fundamentais: objetos e
conceitos. Objetos são denotados por termos singulares ou
saturados e conceitos por termos predicativos ou insatu-
rados. Assim, na sua terminologia, o objeto Sócrates cai sob o
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conceito de primeira ordem ser mortal. Conceitos de primeira


ordem, por sua vez, caem sob conceitos de segunda ordem.
A atribuição numérica, por exemplo, é uma predicação de
segunda ordem: quando se diz que existem nove planetas no
nosso sistema solar, está se predicando algo não sobre
Marte, Júpiter ou Saturno, mas sobre o conceito ser planeta no
nosso sistema solar. Diz-se, exatamente, que existem nove
objetos que caem sob esse conceito. Dizer que unicórnios
não existem, por sua vez, significa atribuir o número zero ao
conceito de primeira ordem ser um unicórnio: nada é um
unicórnio = nenhum objeto cai sob o conceito de ser um
unicórnio. Toda discussão sobre as diferentes ontologias,
suas virtudes e dificuldades, não nos interessará neste
momento. Importa somente perceber agora que os conceitos
ou termos insaturados de Frege podem exigir mais de um
termo singular para sua saturação: ... ama ..., p.ex. pede dois
complementos, ... apresenta... para ..., três complementos, e
assim por diante. Isso representa um grande avanço em
relação ao silogismo aristotélico, no qual apenas se
reconheciam inferências de proposições da forma simples
sujeito – predicado. Uma proposição tal como

Maria caça borboletas

nem poderia ser integrada num silogismo, mesmo que haja


exemplos de argumentos intuitivamente válidos que poderi-
am incluí-la, como é o caso de:

Maria caça borboletas


Borboletas são insetos
Maria caça insetos

A razão disso é que todas as proposições dos silogismos


têm a forma predicativa S é um P (sujeito-cópula-predicado),
ao passo que a proposição supracitada tem uma estrutura
relacional: aRb - sujeito-relação-sujeito. Outros exemplos de
proposições relacionais são:
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Pedro ama Maria


João é pai de Pedro
Pedro e Paulo são irmãos
Maria abraça Mário
Ana é maior que Beatriz

A linguagem da LPPO nos dotará de instrumentos para


representar proposições relacionais dando-lhes uma forma
predicativa. Isso é possível porque, ao invés de tratar
predicados como atributos de substâncias, como fazia
Aristóteles, os trataremos já desde o início como relações.
De fato, soa bastante razoável dizer que objetos tais e tais
têm o predicado de estarem relacionados de determinada
forma, e é assim que a LPPO considera os predicados. Os
símbolos predicativos nos permitirão representar em uma
proposição atômica a situação de vários sujeitos (ou objetos)
relacionados entre si, o que não era possível nem com o
silogismo nem com a LP. Teremos, doravante, predicados
correspondentes a relações unárias, isto é, a conjuntos não-
ordenados, como grande, mortal, brasileiro, etc., os quais serão
chamados predicados unários ou propriedades. Predicados
correspondentes a relações binárias, como ser pai de, ser maior
que, abraçar, etc - os chamados predicados binários. Os
predicados ternários, correspondentes a relações ternárias,
como ficar entre (a fica entre b e c) , apresentar (a apresenta b
para c), etc. E, se pensarmos em relações bem específicas,
poderemos ter predicados de qualquer aridade, como, por
exemplo, um de aridade 10, tal como

a é o resultado de (bc/d-e.f)+1/(g3-h+ij).

Por aí se vê que a linguagem da LPPO deverá prover


símbolos para representar os predicados e os objetos aos
quais estes predicados serão aplicados. De fato, é essa
também a grande diferença entre a linguagem da LP e a da
LPPO. O conjunto dos símbolos básicos que usaremos para
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construir a linguagem da lógica de predicados, ou seja, o


alfabeto da LPPO, chamaremos de A. Ele terá a seguinte
composição:

A = símbolos lógicos ∪ símbolos paramétricos


Símbolos lógicos = {(, ), ¬, ∧, ∨, →, ↔, ∀, ∃, ≈, x, y, z, x1,
y1, z1, x2, ...}
Símbolos paramétricos = predicados∪constantes∪funções
Predicados = letras romanas miaúsculas numeradas ou não
Constantes = {a, b, c, d, e, a1, b1, c1, d1, e1 ...}
Funções={ f xy , gy , h xy | para todo x e y ∈ Ν*}
x

Os símbolos lógicos de A tem em comum com os


símbolos de A0 os parênteses e os conectivos lógicos,
conservando eles os significados que já conhecemos. Temos
de novidade aqui os quantificadores1, o “∀” (lê-se “para
todo” ou “qualquer”), denominado quantificador universal, e
o “∃” (lê-se “existe” ou “algum”), denominado quantificador
particular ou existencial, o símbolo da igualdade “≈” (lê-se
“igual a”), e as variáveis, representadas pelas letras minús-
culas x, y e z, com ou sem índices numéricos.
Os símbolos não-lógicos ou paramétricos (ou simples-
mente parâmetros) são constituídos pelos predicados (repre-
sentados por qualquer letra romana maiúscula, numerada ou
não), pelas constantes (representadas pelas letras minúsculas
“a”, “b”, “c”, “d” e “e”, numeradas ou não) e pelas funções
(representadas pelas letras minúsculas “f”, “g” e “h”,
numeradas ou não). Os índices numéricos das funções

1 É importante notar que, embora os quantificadores sejam aqui


considerados símbolos lógicos (com interpretação fixa), há autores que
os consideram mais como símbolos paramétricos (com interpretação
livre). Os que o fazem acentuam o fato dos quantificadores precisarem
sempre ser associados a um domínio de elementos aos quais eles se
referem de forma genérica. Nós, porém, queremos acentuar o aspecto
sintático dos quantificadores que, como acontece com todos os juntores,
é delineado por certas regras de inferência.
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localizam-se acima à direita ou abaixo à direita das letras. Os


índices localizados acima indicam a aridade da função e só
poderão ser omitidos caso a aridade em questão seja 1. Os
índices localizados abaixo servem simplesmente para
diferenciar as diferentes funções, como se vê no caso das
constantes, e podem ser omitidas se usarmos menos de
quatro funções. Podemos ainda denominar de símbolos
individuais o conjunto que reúne variáveis e constantes.
Seguindo ainda o exemplo da LP, teremos que A* é o
conjunto das expressões para a LPPO, e o definiremos
como o conjunto das seqüências finitas de símbolos de A.

Diferentemente da gramática da LP, a gramática da


LPPO terá duas partes, a gramática dos termos e a gramática
das fórmulas. Termos são expressões que atuarão como
designadores de objetos. Uma expressão t é um termo se e
somente se:

1. t é um símbolo individual, ou
2. Assumindo que t1, t2, t3, ..., tn são termos e φn é uma
função n-ária, t=φnt1t2t3 ...tn.

Todo termo constituído com base na regra 2 é um termo


funcional. Também é interessante distinguir os termos constantes,
aqueles que não incluem variáveis em sua composição, e os
termos variáveis, aqueles que as incluem.

A gramática das fórmulas recorre à gramática dos termos


para sua formulação. Uma expresão ϕ de A* será uma
fórmula bem formada (fbf) se e somente se:

1. Dado que Ρk é um predicado e t1, t2, t3, ..., tn são


termos, ϕ=Ρkt1t2t3...tn, ou ϕ=(ti≈tj), para 0<i≤n e
0<j≤n, ou
2. Assumindo que α e β são fbf’s e µ é uma variável,
ϕ=(¬α), ou ϕ=(α∧β), ou ϕ=(α∨β), ou ϕ=(α→β),
ou ϕ=(α↔β), ou ϕ=∀µα, ou ϕ=∃µα.
187

O conjunto das fórmulas resultantes destas duas regras


chamaremos de , a linguagem da LPPO. As fórmulas
resultantes de 1 serão as fórmulas atômicas de  e as
resultantes de 2 serão as fórmulas moleculares.
Note que na regra 1 não está dito que a aridade de Pk
deve ser n e também não teremos nenhum índice que
indique a aridade dos predicados. Isso é devido ao fato da
aridade de um símbolo predicativo não ser fixa; se em dado
momento ele for aplicado a n objetos, então fica
subentendido que sua aridade é n; a aplicação do predicado
determinará sua aridade e não o contrário. Isso pode ser
feito com os predicados em razão da gramática dos termos
não permitir dúvidas sobre quais são os termos a que um
predicado está sendo aplicado: F em Fa é um predicado
unário, em Fab é um predicado binário, em Fabc é um
predicado ternário, etc.
Aqui, como no capítulo anterior, para facilitar a escrita
das fórmulas, omitiremos os parênteses desnecessários.
Valerão as mesmas regras de omissão de parênteses para a
LP, e teremos o acréscimo de uma regra. Observemos as
mudanças que essas regras provocarão na fórmula:

(∀y(((¬∃xPx)∧Qb)→Qy)↔∀z((¬Qz)∨(∃xPx∨(¬Qb))))

1) Os parênteses mais exteriores de uma fórmula podem


ser omitidos2

A fórmula ficará:

∀y(((¬∃xPx)∧Qb)→Qy)↔∀z((¬Qz)∨(∃xPx∨(¬Qb)))

2) Podem ser omitidos os parênteses externos de


qualquer negação

2 Aqui, como no capítulo anterior, usamos “fórmula” para referir a


expressão toda, não subfórmulas.
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Ficamos com:

∀y((¬∃xPx∧Qb)→Qy)↔∀z(¬Qz∨(∃xPx∨¬Qb))

3) Podem ser omitidos os parênteses externos de


aninhamentos conjuntivos e disjuntivos se a estes for
aplicada diretamente a implicação ou a dupla
implicação.

A fórmula fica:

∀y(¬∃xPx∧Qb→Qy)↔∀z(¬Qz∨(∃xPx∨¬Qb))

4) Podem ser omitidos os parênteses internos de


aninhamentos conjuntivos.

A fórmula continua:

∀y(¬∃xPx∧Qb→Qy)↔∀z(¬Qz∨(∃xPx∨¬Qb))

5) Podem ser omitidos os parênteses internos de


aninhamentos disjuntivos.

Teremos a fórmula:

∀y(¬∃xPx∧Qb→Qy)↔∀z(¬Qz∨∃xPx∨¬Qb)

6) Podem ser omitidos os parênteses de uma identidade,


salvo se ela sozinha constituir o escopo de uma
generalização (cf. 1.1.3).

∀x(Px→x≈y) (correto) ∃yx≈y (errado)

Note que através destas regras conseguimos reduzir o


número de parênteses de oito para dois pares. Isso é uma
grande contribuição para a simplicação da escrita de
fórmulas.
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Examinemos agora com mais detalhe algumas constru-


ções geradas a partir dos novos símbolos de A.

1.1.1. Termos

Como vimos na gramática dos termos, um termo pode


ser uma variável, uma constante ou um termo funcional
(=termo em que ocorre uma função). Variáveis são termos
genéricos, ou seja, uma variável não designa um objeto, mas
o lugar que deve ser ocupado pelos objetos de dado domínio
em uma dada relação. Assim, graças ao uso de variáveis, é
possível tratar de um predicado sem determinar os objetos
particulares a que ele se aplica. Veja

Px = “x é mais pesado que um boi”


A xy = “x ama y”
Dxyz = “x dá y a z”

Aqui, a rigor, não dizemos nada sobre os objetos de


nosso discurso. As únicas coisas que as variáveis indicam
nesse caso é que há um conjunto dos x, um conjunto dos y e
um conjunto dos z. Com isso, percebemos, por exemplo,
que o predicado P toma o conjunto dos x como domínio
(lembre-se que estamos tratando predicados como relações,
por isso podemos falar de domínios de predicados). Aliás,
isso é a única coisa que nos é informada pela fórmula; o que
nos adverte do perigo de ler nela mais do que ela representa.
De fato, alguém pode pensar que ao traduzirmos Px como
“x é mais pesado que um boi”, estamos asseverando que um
certo sujeito x é mais pesado que um boi, mas, na verdade, x
não é nome de ninguém, ou seja, com x não referimos
nenhum sujeito, e, portanto, Px não assevera nada. O
significado de Px seria mais próximo de algo como “a
propriedade de ser mais pesado que um boi com relação ao
conjunto dos x”, algo que não está sendo afirmado ou
negado de coisa alguma.
190

Na seção 1.1.3, veremos que as variáveis podem ser


associadas a quantificadores para se tornarem designadores
de objetos. Mesmo assim, elas só designarão objetos
genericamente, às vezes fazendo referência de uma só vez a
todos os objetos de um dado domínio, às vezes designando
objetos que não estão especificados.
Constantes são termos que designam objetos direta-
mente, em outras palavras, elas são como rótulos que podem
ser aplicados aos objetos sem fazer qualquer referência
intermediária.

constantes objetos

a •

Diferente é o papel dos termos funcionais, os quais


designam objetos indiretamente, ou seja, a designação só é
possível porque uma função é aplicada a um ou mais objetos
que têm uma relação específica com o termo que se quer
referir.

nomes de filhos designações de pais pais


aplicação de g designa
c gc •
g=pai de x

(Se, por exemplo, c= “Pedro”, então gc=“o pai de Pedro” e


•= o indivíduo designado por gc)

Tais termos, quando traduzidos para a linguagem natural,


correspondem a uma subclasse das descrições definidas de
Russell. Ele chamava de descrições definidas expressões que
designavam um indivíduo com base em alguma qualidade
191

que lhe fosse peculiar. Por exemplo, “o mestre de Platão” é


uma expressão que designa Sócrates fazendo referência a
uma qualidade específica de Sócrates. Esta qualidade é
específica de Sócrates, porque ele foi o “único” mestre de
Platão. Neste caso, a descrição definida corresponde a um
termo funcional, pois ele é gerado pela aplicação da função
“ser mestre de” ao objeto Platão. Existem, todavia,
descrições definidas que não correspondem a termos
funcionais, como p.ex. “o menor número natural”. Neste
caso, a expressão especifica um objeto sem fazer referência a
um outro objeto, ou seja, sem aplicar uma função a um
objeto.
Observa-se a vantagem do uso de  em lugar da
linguagem natural quando percebemos que as descrições
definidas nem sempre têm um sentido preciso. Considere o
seguinte exemplo:

A metade de 2 mais 2

Esta é uma descrição definida de sentido duvidoso.


Dependendo de como a interpretamos, ela pode se referir
tanto ao número 2 como ao número 3. Para expressarmos
essa descrição como um termo funcional, precisamos
especificar o significado das funções que o comporão, e,
com isso, qualquer ambigüidade será eliminada. Assim,
façamos

F = a metade de x
g2 = x mais y
a =2

daí teremos que

fg2aa = 2
g2faa = 3
192

Cada um dos termos funcionais acima tem um sentido


preciso. Referências intrincadas feitas em linguagem natural
também são esclarecidas quando as substituímos por termos.
Esta, por exemplo, é uma descrição que faz referência a um
rato:

O rato que roeu a roupa que o rei que a rainha que Ricardo roubou
rejeitou rasgou

Tal referência, contudo, não parece nada clara. A


estrutura do termo equivalente a essa descrição definida
permite-nos decifrar com maior facilidade o que ela quer
dizer:

x1 ∈ Ratos
x2 ∈ Roupas
x 3 ∈ R e is
x4 ∈ Rainhas
a = Ricardo
f 1 = o x que roeu y
2

f 2 = o x que o y rasgou
2

f 3 = o x que o y rejeitou
2

f 4 = o x que o y roubou
2

Donde construímos o termo:

f 1 x1 f 2 x2 f 3 x3 f 4 x4a
2 2 2 2

Analisando esse termo, podemos ver que falamos do rato


que roeu a roupa rasgada pelo rei rejeitado pela rainha
roubada por Ricardo.
Mas, poderíamos perguntar: e se esse rato não existir? Se
jamais algum rato roeu tal roupa? De fato, um fenômeno
filosoficamente interessante é a possibilidade de se criar
descrições definidas vácuas, que não se referem a nada que
realmente existe, p.ex. “o atual rei da França”, “o filho mais
193

velho de Ludwig Wittgenstein” (ele nunca teve filhos) e “o


maior número natural”. Tais descrições vácuas podem gerar
interessantes problemas lógicos. Se considerarmos a senten-
ça “o atual rei da França é careca” falsa, deveríamos concluir
que sua negação é verdadeira, mas “o atual rei da França não
é careca” parece igualmente falsa. Uma solução seria
considerar simplesmente que ambas as sentenças são
destituídas de verdade e falsidade, e aceitar que existem
sentenças declarativas que não tem nenhum valor de
verdade. De fato, essa foi a proposta de Frege para
linguagens naturais. Para a linguagem da aritmética Frege
sugeriu estipular arbitrariamente o conjunto vazio como
referência de tais descrições vácuas. Isso, porém, suspende o
princípio do terceiro excluído. A solução de Russell na sua
teoria das descrições (em On Denoting, 1905) consistiu em
interpretar sentenças com descrições definidas como
contendo implicitamente um enunciado de existência. Quem
afirma “o atual rei da França é careca” está, a rigor,
afirmando “existe um atual rei da França, não mais que um,
e este rei é careca”. Assim podemos admitir que toda
sentença bem formada realmente tem um valor de verdade e,
ao mesmo tempo, recuperar a bivalência, pois distinguimos
diferentes negações da mesma sentença, já que esta não é
mais simples, mas sim complexa: pode-se negar que exista
um rei da França ou negar que ele seja careca. A discussão a
respeito da interpretação correta de tais termos é uma
questão ainda controversa na filosofia, com várias implica-
ções lógicas, semânticas e metafísicas (se a descrição “o ser
sobre o qual não se pode pensar nada maior” necessaria-
mente se refere a algo, teríamos uma prova trivial de que
Deus existe).
194

1.1.2. Proposições atômicas ou elementares

As fórmulas atômicas ou elementares de  serão


exatamente as fórmulas resultantes da regra 1 da gramática
das fórmulas. Vê-se assim que as fórmulas atômicas de  já
possuem uma estrutura complexa, e, às vezes, bem comple-
xa, como nesse exemplo:

Qf3xg2cyb

Algumas fórmulas moleculares de , como ¬Fb, por


exemplo, terão uma estrutura mais simples do que esta. A
marca característica de todas as fórmulas atômicas de  é a
ausência de conectivos lógicos (como já acontecia com as
fórmulas de 0), bem como de quantificadores. Por conta
dessa característica, as fórmulas atômicas têm todas um e
apenas um predicado em sua constituição.
Isso não deve soar estranho com respeito às identidades,
vale dizer, às fórmulas cujo único símbolo lógico é o
símbolo da igualdade. A igualdade também pode ser
considerada um predicado, e, com efeito, é um dos poucos
predicados universais, já que, prima facie, tudo é igual a si
mesmo. A igualdade só é tratada como símbolo lógico
porque ela é um predicado não paramétrico, o que quer dizer
que sua interpretação não é variável, ela sempre significa a
mesma coisa. Assim, quando dizemos que ti≈tj,, isto sempre
deve ser interpretado como “os termos ti e tj designam o
mesmo objeto”. Por comodidade, usaremos o símbolo “”
para substituir a negação de uma identidade; por conse-
guinte, t1t2 deve equivaler a ¬t1≈t2.
Como mencionamos acima, a aridade de um predicado é
subentendida na sua aplicação. No exemplo acima, fica claro
que o predicado Q está sendo aplicado a apenas um termo, a
saber, f3xg2cyb. Se o exemplo fosse outro e tivéssemos a
fórmula Qfxg2cyb, Q seria um predicado ternário, ele estaria
sendo aplicado a fx, g2cy e b (vê-se aqui a importância dos
índices que indicam a aridade das funções).
195

1.1.3. Fórmulas quantificadas

As fórmulas dos tipos ∀µα e ∃µα são chamadas


fórmulas quantificadas ou generalizações, fórmulas do
primeiro tipo são generalizações universais e as do segundo
tipo são generalizações existenciais. Note que o quantifica-
dor é aplicado à fórmula α toda. Esta fórmula α será
chamada de escopo do quantificador. A variável que antecede
o escopo, aqui representada por µ, será, por sua vez,
chamada variável de ligação. Isso posto, podemos verificar, por
exemplo, que

∀x(Pa→Qyc) é uma generalização e


∀xPx→Qaz não é uma generalização
∃y R d é uma generalização e
∃x¬Fx∧∃z¬Fz não é uma generalização.

A segunda expressão não é uma generalização, porque o


escopo do quantificador é apenas Px. Para que tivéssemos
uma generalização, seria necessário escrever nesse lugar, por
exemplo, ∀x(Px→Qaz). Com efeito, não há nenhuma regra
que permita a omissão dos parênteses externos de uma
fórmula complexa que ocupa o lugar do escopo de um
quantificador, salvo se essa fórmula for uma negação. Da
mesma forma, para a fórmula do quarto exemplo ser
considerada uma generalização, seria necessário escrever
∃x(¬Fx∧∃z¬Fz).
Merece destaque o fato dos quantificadores serem
interdefiníveis. Isto significa que uma fórmula com
quantificador universal sempre pode ser transformada em
uma fórmula que contém apenas quantificador existencial e
vice-versa. As transformações são feitas com base nas
relações de equivalência abaixo:
196

1. ∀µα ⇔ ¬∃µ¬α
2. ∃µα ⇔ ¬∀µ¬α

O sinal de equivalência lógica “⇔” deixa claro que a


fórmula à sua esquerda sempre pode ser substituída pela
fórmula à sua direita, e vice-versa. Com isso, fica
estabelecido que tudo o que é formulável na LPPO com os
dois quantificadores, também é formulável com apenas um
deles, seja o quantificador universal, seja o quantificador
existencial. Em outras palavras, assim como na lógica
proposicional todos os juntores poderiam ser substituídos
por um só juntor sem perda de expressividade (a barra de
Sheffer, por exemplo), da mesma forma, na LPPO, poderia
ser usado apenas um dos quantificadores (qualquer um deles
serviria). Mesmo assim é comum o uso dos dois quantifi-
cadores para simplificar a escrita e a dedução de certas
fórmulas.
Note que a negação de uma generalização existencial
equivale a uma generalização universal e a negação de uma
generalização universal equivale a uma generalização existen-
cial. De fato, vemos isso claramente ao formalizarmos as
quatro formas de enunciados categóricos do silogismo
aristotélico:

A - ∀x(Px→Qx)
E - ∀x(Px→¬Qx)
I - ∃x(Px∧Qx)
O - ∃x(Px∧¬Qx)

Sabemos pelo quadrado lógico que A é a negação de O e


vice-versa, e que E é a negação de I e vice-versa. E é de fato
isto que verificamos quando transformamos as fórmulas I e
O com base nas relações de equivalência 1 e 2. Veja:
197

A - ∀x(Px→Qx)
E - ∀x(Px→¬Qx)
I - ¬∀x¬(Px∧Qx) ∴ ¬∀x(Px→¬Qx)
O - ¬∀x¬(Px∧¬Qx) ∴ ¬∀x(Px→Qx)

Nesse ponto, podemos notar também o quanto a LPPO


é mais expressiva do que o silogismo. Enquanto os tipos de
fórmulas do silogismo se restringem aos quatro que
acabamos de formalizar, a LPPO permite a expressão de
muitos outros tipos, tanto de fórmulas quantificadas, quanto
de fórmulas sem quantificação. Na verdade, como veremos
adiante, a superioridade da LPPO em relação ao silogismo
de Aristóteles não se restringe à expressividade; ela também
é presente na economia de regras, na abrangência de
inferências e na exclusão de inferências indesejadas.
Veremos em seção futura que essas vantagens decorrem de
certas propriedades de LPPO, a saber: a independência, a
completude e a correção. Mas, mesmo com todas essas
vantagens, parece que a LPPO ainda não dá conta de todas
as formas de inferência válidas usadas na linguagem natural.
Por isso se desenvolveram lógicas alternativas – mas isso é
uma outra história, uma história que deixamos para noticiar
resumidamente no capítulo final.

Importante: uma variável µ é chamada de variável ligada


se e somente se ela aparece no escopo de uma generalização
cuja variável de ligação é o próprio µ. Se uma variável não é
ligada nem de ligação, ela é chamada de variável livre. Se numa
fórmula não ocorrem variáveis livres, ela é chamada de
fórmula fechada, caso contrário ela é chamada de fórmula aberta.
Note que as fórmulas dos exemplos 1 e 2 são abertas e as
fórmulas dos exemplos 3 e 4 são fechadas.

Aqui, diferente do que fizemos no capítulo anterior,


faremos uma distinção entre sentença e fórmula ou
198

proposição. Fórmula ou proposição é qualquer expressão


pertencente a , sentença é toda fórmula fechada. Como
veremos na semântica da LPPO, somente sentenças
possuem assertividade, ou seja, somente uma sentença pode
ser verdadeira ou falsa. Outrossim, nossas deduções serão
compostas unicamente de sentenças. Não que inexistam
relações de dedutibilidade entre fórmulas abertas, a questão é
que acreditamos ser mais fácil de relacionar a sintaxe e a
semântica da LPPO ao impormos esta limitação ao nosso
método de prova. O conjunto das sentenças será
simbolizado por *.
A distinção entre variáveis ligadas e livres é pressuposta
para se compreender as regras de dedução – por isso não
continue a leitura sem ter clareza sobre isso! Se o essencial
está claro, passemos ao exame de alguns tópicos importantes
sobre as generalizações.

I) Generalizações universais

“Todo ser humano é mortal”, seria possível formalizar


essa asserção sem o uso de um quantificador universal? Se
usarmos M para representar o predicado “x é mortal”, uma
possibilidade seria então:

Ma∧Mb∧Mc∧Md∧Me∧...∧Men

o que poderíamos traduzir como:

“Sócrates é mortal e Platão é mortal e Aristóteles é mortal


e Pedro é mortal e...e o último homem da lista de homens
é mortal”

Isso, de fato, equivaleria a dizer “todo ser humano é mortal”.


O problema está em preenchermos toda a lista de seres
humanos. As reticências no meio da expressão não
199

constituem um símbolo de A e por isso a expressão não é


uma fórmula. Ela só seria uma fórmula se tivéssemos
símbolos para designar todos os seres humanos, um por um.
Mas é claro que uma fórmula assim seria absurdamente
grande, e, portanto, humanamente impossível de ser escrita.
Se, ao invés de trabalharmos com o domínio dos seres
humanos, estivéssemos trabalhando com um domínio
infinito, aí então, logo de saída, estaria frustrada qualquer
esperança de traduzir a generalização universal com base em
uma fórmula não quantificada. Para resolver esse problema,
a LPPO introduz o quantificador universal. Com o auxílio
do símbolo “∀” e tomando “H” para ser o predicado “x é
humano”, a proposição inicial pode ser formalizada assim:

∀x(Hx→Mx) = Todo ser humano é mortal (leitura


literal: “para todo x, se x é humano,
então x é mortal”)

Torna-se ainda mais evidente a grande importância do


quantificador universal quando o nosso discurso está
circunscrito a áreas onde o trabalho com domínios infinitos
é comum; o que é o caso da matemática. Tome-se como
exemplo a proposição verdadeira “todo número natural é
ímpar ou par”. Para formalizá-la, basta usar o quantificador
universal:

∀x(Nx→(Ix∨Px))

onde :

N = x é número natural
I = x é ímpar
P = x é par
200

No entanto, se é estabelecido de antemão que o domínio


das variáveis se restringe ao conjunto dos números naturais,
o que é feito especificando que x ∈ Ν ou que Dom = Ν (o
domínio é o conjunto dos naturais), pode-se simplesmente
escrever:

∀x(Ix∨Px)

II) Generalizações existenciais

O quantificador particular ou existencial é usado quando


queremos asseverar que certo(s) objeto(s) não especifica-
do(s) pertence(m) a determinada relação. Se tomarmos F
para simbolizar o predicado “x é filósofo”, a proposição

Alguém é filósofo

será formalizada assim:

∃xFx (leitura literal: “existe x, tal que x é filósofo”)

No exemplo, o quantificador particular não diz que existe


apenas um objeto que possui a propriedade de ser filósofo, mas
sim que pelo menos um a possui. Ou seja, a proposição acima é
verdadeira mesmo que existam centenas de filósofos ou até
mesmo se todo ser humano fosse um filósofo. Ela seria falsa
somente se não houvesse nenhum filósofo. Destarte, também
aqui, e em outros casos em que temos um domínio finito,
seria possível substituir a generalização por uma fórmula
equivalente não quantificada, a saber

Fa∨Fb∨Fc∨Fd∨Fe∨...∨Fen

Mas é claro que, a exemplo do que foi mostrado com


relação à generalização universal, quando o domínio é muito
201

numeroso esta substituição é incoveniente; quando ele é


infinito, é impossível. Por isso temos a necessidade de um
quantificador existencial.
Também poderemos, em algum momento, querer dizer
algo de uma quantidade determinada de sujeitos. Por
exemplo, “Chiquinha tem dois namorados”. Para formalizar-
mos uma asserção como essa, temos que fazer associações
de quantificadores. Como fazer isso é o que veremos a
seguir.

III) Quantificação múltipla

A LPPO ganha grande expressividade graças à


possibilidade da múltipla quantificação, vale dizer, ao uso de
dois ou mais quantificadores encapsulados na mesma fórmula.
Dois quantificadores estão encapsulados se e somente se o
escopo de um é parte do escopo do outro. Assim, dadas as
fórmulas:

1. ∀xPx→∃x(Qy→Px) e
2. ∀xPx→∀y∃x(Qy→Px)

vemos que há quantificação múltipla em 2, mas não em 1.


Às vezes, a quantificação múltipla é supérflua. Isto ocorre
quando o escopo de um quantificador não contém variável
livre.

Ex.: ∀x∃xPx

Nesta sentença, a variável é ligada pelo quantificador


existencial e não pelo universal. De fato, a regra geral é que,
em caso de encapsulamento de quantificadores com a
mesma variável de ligação, as variáveis ficam ligadas ao
quantificador que tem o menor escopo. Destarte, o
quantificador universal do exemplo é totalmente inútil, não
202

obstante, a sentença está inteiramente de acordo com a


gramática das fórmulas.
No silogismo não havia a possibilidade de quantificação
múltipla, e isso era uma grande desvantagem. Percebemos
isso mais facilmente quando observamos como em muitos
casos são corriqueiras as asserções que podemos formalizar
com base nesse procedimento. Suponha que queiramos
formalizar a frase “todo ser humano ama alguém”. Façamos
também

Dom = seres humanos


A = “x ama y”

A sentença formalizada fica assim: ∀x∃yAxy (leitura


literal: Para todo x, existe um y, tal que x ama y).
Dependendo da posição dos quantificadores e das
variáveis usadas, o sentido de uma fórmula pode mudar
radicalmente:

3. ∀x∃yAxy = Todo ser humano ama alguém


4. ∃x∀yAxy = Existe alguém que ama a todos
5. ∀x∃yAyx = Todo ser humano é amado por alguém
6. ∃x∀yAyx = Existe alguém que é amado por todos

Estes exemplos mostram como a ordem dos quantifi-


cadores é importante, caso estes sejam diferentes. Se os dois
quantificadores forem do mesmo tipo (ambos particulares
ou ambos universais), eles podem ser trocados sem alteração
de sentido. Veja:

7. ∀x∀yAxy ↔ ∀y∀xAxy

Todos amam a todos = todos são amados por todos
203

8. ∃x∃yAxy ↔ ∃y∃xAxy

Existe alguém que ama alguém =
existe alguém que é amado por alguém

Além de permitir a formalização de enunciados sobre


certas relações genéricas como os que acabamos de
examinar, com o auxílio da generalização múltipla podemos
também formalizar enunciados sobre os predicados de
sujeitos bem específicos. Isso é o que fazemos quando
formalizamos uma asserção que inclui uma descrição
definida. A formalização de Russell para a asserção “o atual
rei da França é careca”, por exemplo, usa quantificação
múltipla:

9. ∃x((Fx∧∀y(Fy→y≈x))∧Cx), onde:

Dom = homens
F = “x é atual rei da França” e
C = “x é careca”

Há outras maneiras de formalizar a mesma asserção (cf.


Ex7, Teo100), mas sempre se faz uso de quantificação
múltipla.
Note também que a fórmula conjuntiva mais interna
garante que atualmente a França tem um e apenas um rei.
Isso fica claro se supormos que a França tem dois reis, c1 e
c2. Nesse caso, é verdade dizer que Fc1, mas não é verdade
dizer que ∀y(Fy→y≈c1). A fórmula 9 será verdadeira se e
somente se a França atualmente tem um único rei e ele é
careca.
Esta explanação sobre a formalização de “o atual rei da
França é careca” serve para exemplicar um procedimento
mais geral com respeito à quantificação múltipla. Sempre que
queremos formalizar enunciados sobre um número
204

específico de objetos que participam de uma relação, usamos


quantificação múltipla. Em geral, quando se trata de
expressar que um único objeto possui uma propriedade P
qualquer, escrevemos:

∃x1(Px1∧∀y(Py→y≈x1))

Para dois objetos, temos:

∃x1∃x2((Px1∧Px2)∧(x1x2)∧∀y(Py→y≈x1∨y≈x2))

Para três objetos, vem:

∃x1∃x2∃x3((Px1∧Px2∧Px3)∧(x1x2∧x1x3∧x2x3)∧
(∀y(Py→y≈x1∨y≈x2∨y≈x3))

E assim por diante.

Exercícios (Ex6):
1. Elabore um procedimento efetivo que liste todas as
fórmulas de .

2. Elimine os parênteses desnecessários das fórmulas e


indique quais delas são sentenças:

a) (Pa→∀y(¬(¬Px)))
b) ∃x((Pb∧Qx)→Px)
c) ∀x(Fa∨∀x(Fx→∀xFx))
d) (∀x(Fa↔Fx)→∀y(y≈a))
e) ∃x(∀yFy↔∃z(Fy∨(¬Fz)))
f) ∀x∀y(a≈b→(∃x(y≈a)∧∃y(x≈b)))
g) (∀y∃x(Fx∧Gy)∨((∃yFy∨Gy)∧∃xGx))
h) (((¬∃xPx)∧∀yGy)→∀z(¬(Ga→Pb)))
205

i) ∃y(((¬Fa)∨(∀x((¬Gx)→Hy)∧Px))→Gy)
j) ∃x((Pa∧(¬Px))→∀y∀z((y≈a)∧(z≈x)→(¬(y≈z))))

3. Elabore um procedimento efetivo que liste todas as


identidades de  e apenas as identidades.

Solução:

Considere a seguinte lista de listas de símbolos:

L0 = a b c d e a1 b1 ...
L1 = f g h f1 g1 h1 f2 ...
L2 = f2 g2 h2 f 12 g 1 h 12 f 22 ...
2


Ln = fn gn hn f 1n g 1 h 1n f n2 ...
n


Um procedimento que enumera todos esses símbolos é dado
pela tabela a seguir:

L1 ... ... ... ... ...

L2 ... ... ... ...

L3 ... ... ... ...

L4 ... ... ... ...

L5 ... ... ... ...

...
206

A lista que resulta desse procedimento chamaremos de L.


Assim, L = a b f c g f2 ... .

Produzimos então mais uma lista de listas usando o


procedimento acima, sendo que a primeira lista agora é L, a
segunda é uma lista das combinações de dois elementos de
L, a terceira uma lista das combinações de três elementos de
L, e assim por diante. A essa lista de listas chamaremos de
L*. Finalmente, a lista dos termos Lt é construída tomando-
se por ordem cada elemento de L* e colocando-o em Lt se e
somente se ele é um termo. Assim, Lt = t1 t2 t3 ... . A lista L≈
das identidades de  é dada pela tabela:

t1 t2 t3 t4 ...

t1 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1

t2 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1

t3 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1

t4 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1 t1≈ t1

...

(qed)

4. Assuma que P=“x é pai de y” e que trabalhamos com o


domínio dos seres humanos vivos. Mostre como poderíamos
traduzir para  a asserção “todos tem um pai” sem o auxílio
de quantificadores.
207

5. Na seção 1.1.3. parte 3, foi apresentado um procedimento


que permite formalizar fórmulas que expressam que n
sujeitos tem uma propriedade P. Explique porque, para
expressar que 5 sujeitos tem uma propriedade P, não basta
escrever:

∃x1∃x2∃x3∃x4∃x5(Px1∧Px2∧Px3∧Px4∧Px5)

6. Assuma os conteúdos proposicionais indicados e traduza


as seguintes asserções para .

m = Maria
j = João
f = o pai de x
g = o patrão de x
D = x é despedido por y
N = x namora y
O = x odeia y

a) O pai de Maria é o patrão de João.


b) Se João namorar Maria, seu patrão o despede.
c) Todos os filhos do pai de João são empregados do pai
de Maria.
d) O pai de Maria odeia qualquer um que namore Maria.
e) Todos os namorados de Maria que são empregados de
seu pai são despedidos por ele.
f) O pai de Maria odeia a todos, menos a si mesmo, a sua
filha e a sua namorada.
g) O pai de Maria é odiado por todos os seus
empregados, exceto por uma que também é sua
namorada.
h) Dados dois empregados quaisquer do pai de Maria,
pelo menos um deles é odiado pelo patrão.
i) Maria odiaria João se ele namorasse a namorada do pai
de l a .
208

j) Maria namora qualquer um que seja empregado de seu


pai e o odeie ou odeie a namorada do mesmo.

7. Elabore uma gramática das sentenças sem utilizar o


conceito de fórmula (dica: em algum momento pode ser
cômodo fazer uso de alguma das fórmulas esquemáticas
especiais apresentadas no início da próxima seção)

8. Se tivéssemos que P = “x assistiu ao espetáculo”, como


expressaríamos em  a asserção: “Mais de duas mil pessoas
assistiram ao espetáculo”? (considere “mais de duas mil...”
equivalente a “pelo menos duas mil e uma...”)

1.2 As regras de inferência da LPPO (RI)

Os conceitos sintáticos da LPPO são em grande parte


semelhantes aos da LP. De fato, todas as definições que
apresentamos na seção 1.2.2 do capítulo anterior são válidas
para a LPPO. Só temos de acrescentar agora o conceito de
prova da LPPO. Vem:

Uma prova da LPPO é uma seqüência finita de sentenças


de , em que cada sentença ou é premissa, ou é axioma
lógico, ou é derivada de sentenças anteriores por meio de
uma das regras de inferência de RI, sendo a última
sentença da seqüência chamada de conclusão.

Permanecem também as propriedades da funcionalidade


e do fechamento, e o simbolismo Γα indicará a existência
de uma prova da LPPO quando Γ= premissas de α.

Todas as inferências que podiam ser feitas na LP,


continuam podendo ser feitas na LPPO, embora as
sentenças agora sejam anotadas de outra forma. A razão
disso é que mantemos como regras de inferência da LPPO
209

todas as regras de RI0, mas a mudança de linguagem nos


possibilita fazer mais inferências do que anteriormente.
Poderemos doravante inferir coisas que eram já inferidas nos
silogismos aristotélicos e que não podiam ser inferidas com
base na linguagem da LP. Ademais, como  nos permite
fazer declarações sobre identidades e sobre relações que
envolvem a identidade, também deveremos estar equipados
para fazer inferências a respeito dessas declarações. Todas
estas novas inferências só poderão ser feitas porque, além
das nossas antigas regras de inferência, acrescentaremos ao
nosso repertório seis novas regras – duas sobre o
quantificador particular, duas sobre o quantificador universal
e duas sobre a igualdade. Para enunciá-las faremos uso de
esquemas gerais como foi feito com a LP. Alguns detalhes
do simbolismo a ser usado devem ser previamente
esclarecidos, em particular, algumas fórmulas esquemáticas
especiais devem ser introduzidas. Seja pois α uma fórmula, t,
t1 e t2 termos constantes e µ uma variável. Vem:

α[t] significa que t ocorre em α


α[t1/t2] significa que alguma ocorrência de t1 em α
está sendo substituída por t2
α[µ/t] significa que toda ocorrência livre de µ em α
está sendo substituída por t
α[t/µ] significa que, para algum t, se t ocorre em α, t
está sendo substituído por µ
α[t/µ]* significa que, para todo t, se t ocorre em α, t
está sendo substituído por µ.

Nota 1: α=α[µ/t], se µ não ocorre livre em α,


e α=α[t/µ] ou α=α[t/µ]*, se t não ocorre em α.

Feitas estas observações, vamos às regras:


210

1) Eliminação do quantificador universal (E-∀)

∀µα
α[µ/t]

A fórmula que resulta desta regra é denominada de


fórmula universalmente instanciada. Não é difícil justificar
esta regra. Com efeito, parece razoável aceitar que se todos
os objetos têm um determinado predicado, então um objeto
particular designado por t também tem esse predicado. Por
exemplo, se é verdade que “tudo é passageiro”, então
também é verdade que “Pedro é passageiro”, mesmo que ele
seja o motorista do ônibus. A regra é bastante óbvia e
dispensa maiores explicações. O único cuidado a ser tomado
é o de não confundir uma generalização universal com uma
fórmula que apenas contenha uma generalização universal –
somente sobre uma generalização universal se pode aplicar a
regra E-∀. Assim, por exemplo:

é incorreto é correto
∀xFx→Ga ∀x(Fx→Gx)
Fa→Ga Fa→Ga

Ao assumirmos a asserção: “se todos fossem filósofos,


Platão seria feliz”, não podemos concluir que se Platão fosse
filósofo, ele seria feliz. A conclusão somente seria correta se
a premissa fosse “dado qualquer homem, se ele é filósofo,
ele é feliz”. É graças à regra da eliminação do quantificador
universal que podemos descartar os quantificadores
existenciais supérfluos de uma sentença. Veja que se α é uma
fórmula fechada, então, por E-∀, temos que ∀µαα (cf.
nota1).
211

2) Introdução do quantificador universal (I-∀)

α___
∀µα[t/µ]*

(onde µ≠ν, caso t ocorra no escopo de uma generalização


que tem ν como variável de ligação)

Restrição: t não pode ocorrer em nenhuma premissa de α


na prova.

Esta regra é possivelmente a menos óbvia, afinal parece


generalizar indevidamente a partir de um caso particular. Na
verdade, o que torna esta regra válida é a restrição que lhe
está anexada. Basicamente a idéia é a de que o t que foi
generalizado é um termo constante que, apesar de designar
um indivíduo, designa um indivíduo qualquer. Isso é
garantido formalmente ao exigir-se a não-ocorrência de t em
nenhuma premissa da fórmula sobre a qual é aplicada a regra
I-∀. De fato, se examinarmos as nossas regras de inferência
com atenção perceberemos que, se t ocorre numa fórmula α,
mesmo sem ocorrer em nenhuma de suas premissas, t só
pode ter aparecido na prova primeiramente numa fórmula
introduzida por C, ou por ID, ou por E-∀. Em qualquer um
desses casos, o fato de t ter aparecido na dedução não tem
qualquer relevância, pois no lugar de t poderia ter aparecido
qualquer outro termo.
É fácil de ver por que a variável µ que substituirá t não
pode aparecer dentro do escopo de um quantificador com
variável de ligação igual a µ. Se isso ocorresse, µ ficaria
ligado pelo quantificador mais interno, o que seria incorreto.
Note também que, se α é premissa, a regra I-∀ não lhe
poderá ser aplicada, pois, neste caso, α será considerada
212

premissa de si mesma. Desta forma, erradas são as


inferências:

Exemplo 1:

1. Fa premissa
2. ∀xFx (errado, pois a ocorre na premissa)

Exemplo 2:

1. ∃x(Fx→Ga)
2. ∀x∃x(Fx→Gx) (errado, pois a estava no escopo de
uma quantificação sobre x)
Exemplo 3:

1. Fa premissa
2. ¬Fa premissa
3. Ga→Fa C
4. Ga→¬Fa C
5. ¬Ga RA
6. ∀x(¬Gx) (errado, pois a ocorre nas premissas.
Todavia se o antecedente introduzido
por C fosse Gb, a prova estaria correta)

A introdução do quantificador universal também nos


permite acrescentar o quantificador universal a qualquer
sentença α. Basta escolher um termo t que não ocorra em α
e escrever na seqüência da prova ∀µα[t/µ]* (cf. nota1).
A bem da verdade, essa regra, como a anterior, poderia
ser dispensada caso quiséssemos adotar como regras de
inferência, ao lado das regras para o quantificador existen-
cial, as relações de equivalência entre os quantificadores que
indicamos nos itens 1 e 2, da seção 1.1.3 (cf. Ex7, 7a).
213

3) Introdução do quantificador particular (I-∃)

α
∃µα[t/µ]

(onde µ≠ν, caso t ocorra no escopo de uma


generalização que tem ν como variável de ligação)

Essa regra é de fácil compreensão. Quando se diz de um


determinado objeto que ele tem uma certa propriedade ou
faz parte de certa relação, então se pode dizer, de modo mais
geral, que existe algo que têm a propriedade ou participa da
relação. Exemplo: se é verdade que “Pedro é filósofo”, então
também é verdade que “existe alguma coisa que é um
filósofo”. De fato, como α[t/µ] diz apenas que algum t
(caso haja algum) é substituído por µ, pode-se substituir
apenas uma parte das ocorrências de t em α e manter as ou-
tras, por exemplo: de Fa→Ga pode-se derivar ∃x(Fx→Ga).
Deve ficar claro, porém, que seria um grave erro aplicar o
quantificador a apenas uma parte da fórmula: ∃xFx→Ga.
Pela regra I-∃, também podemos acrescentar o quanti-
ficador particular a qualquer sentença α. Basta escolher um
termo t que não ocorra em α e escrever na seqüência da
prova ∃µα[t/µ] (cf. nota1)

4) Eliminação do quantificador particular (E-∃)

∃µα
α[µ/t]

β___
β
214

Restrições: t≠t’, caso t’ ocorra em α


β não pode apresentar ocorrência de t, nem
qualquer de suas premissas exceto α[µ/t]

A barra vertical indica que Γ∪{α[µ/t]}β (Γ


obviamente pode ser vazio). Assim, a regra estabelece que,
para qualquer fórmula β e para qualquer fórmula γ ∈ Γ que
não apresentam ocorrência de t, se Γ∪{α[µ/t]}β, então
Γ∪{∃µα}β. De fato, se β deriva de α[µ/t] e se nem β
nem suas outras premissas dizem nada sobre t, é porque a
menção de t não é essencial para a dedução de β, destarte, o
mesmo β se deduz da fórmula ∃µα, que não menciona t.
Diz-se que a fórmula α[µ/t] é uma fórmula particularmente
instanciada, neste caso, instanciada de ∃µα. Ela é introduzida
na prova como uma premissa provisória, que usaremos para
deduzir β e depois descartaremos. Esse tipo de premissa
também pode ser chamado de hipótese ou suposição. Note que
quando dizemos que existe x tal que α, queremos dizer que
existe um ou mais objetos que estão na relação asseverada
por α, e, quando introduzimos uma fórmula particularmente
instanciada, estamos asseverando algo sobre um destes
objetos em particular, o qual não podemos determinar, mas
temos garantido que existe. O termo constante t designa este
objeto. Desta forma, vê-se que o termo não tem a função de
nomear um objeto determinado, mas antes de designar um
objeto que pode ser qualquer objeto. Nestes casos, t
funciona como um parâmetro individual, isto é, como um
designador não fixado (sem objeto determinado). Ele é uma
espécie de “denominação provisória do desconhecido”. Um
exemplo: suponhamos que a polícia encontre a vítima de um
homicídio e diga: “Existe alguém que cometeu esse crime”,
isto é, “existe alguém que é um homicida”. Como ela não
pode simplesmente deduzir daí que “Pedro é o homicida”,
ou “João é o homicida” etc., se quiser falar sobre ele, terá
215

que lhe dar um nome provisório, por exemplo, “o monstro


da 13 de maio” ou qualquer outra expressão que a
imaginação da polícia permitir. A partir daí, poder-se-á falar
livremente sobre esse indivíduo: “o monstro da 13 de maio
usou uma faca”, “o monstro da 13 de maio calça sapatos de
nº 40”, “o monstro da 13 de maio, se preso, terá uma pena
de no mínimo 10 anos”, etc.
Da mesma forma, quando temos numa prova uma
generalização existencial do tipo ∃µα e introduzimos a
hipótese α[µ/t], podemos continuar a dedução e, se
chegarmos a alguma fórmula β, sendo que t não ocorre nem
em β nem em qualquer das premissas de β exceto na aludida
hipótese, então podemos concluir β diretamente daquela
generalização.
Esta regra, junto com a anterior, também poderia ser
dispensada caso quiséssemos adotar como regras de
inferência, ao lado das regras para o quantificador universal,
as relações de equivalência entre os quantificadores que
indicamos nos itens 1 e 2, da seção 1.1.3 (cf. Ex7, 7b).
Aquelas relações, porém, não são nem devem ser
confundidas com regras de inferência. Na devida ocasião,
elas serão provadas, com o auxílio das RI, como qualquer
outro teorema lógico da LPPO (cf. teoremas 66 e 67).

5) Introdução da identidade (II)


t≈t

Esta regra também pode ser chamada de lei da


identidade. Ela diz que, para qualquer t, t≈t é um teorema
lógico. Não se deve confundir esta regra com o princípio da
identidade de Aristóteles (como também não se deve
confundir as leis da não contradição e do terceiro excluído,
216

apresentadas como teoremas na seção 1 do capítulo anterior,


com os princípios da não contradição e do terceiro excluído).
O princípio da identidade é um princípio ontológico, ou seja,
diz respeito a objetos. Ele afirma que todo objeto é idêntico
a si mesmo. A introdução da identidade é uma regra
sintática, ela serve para regular certas relações entre
elementos da linguagem. Especificamente, ela pressupõe que
qualquer ocorrência da uma constante t qualquer deve
designar o mesmo objeto e, por isso, afirma t≈t. É
amplamente sustentado que o princípio da identidade é
necessário e, portanto, não pode ser colocado em dúvida.
Contudo, a introdução da identidade pode ser relativizada,
por exemplo, em contextos onde a designação dos termos
muda sob certas condições.

6) Eliminação da identidade (EI)

t1≈t2
α[t1]
α[t1/t2]

(onde α é uma fórmula atômica.)

Esta regra também pode ser chamada de lei da


substituição. Ela se fundamenta no seguinte pensamento: se
dois nomes são co-referenciais, ou seja, se eles designam o
mesmo objeto, então o que se pode dizer fazendo uso de um
dos nomes pode ser dito fazendo uso do outro nome no
lugar do primeiro. Em outras palavras, termos constantes
relacionadas pela igualdade são intersubstituíveis nas
sentenças em que aparecem.
De fato, α poderia ser qualquer sentença, atômica ou
molecular, mas é suficiente que α seja atômica, pois
podemos demonstrar a posteriori, com auxílio do teorema
217

da substituição, que a eliminação da identidade se aplica


também a sentenças moleculares (cf. Ex7, 8).
Existe um famoso princípio que complementa a
eliminação da identidade dizendo que se todas as proprie-
dades de um objeto a são também propriedades de um
objeto b e vice-versa, então a≈b. Este princípio é chamado
de princípio da identidade dos indiscerníveis e é atribuído
normalmente a Leibniz, embora formulações dele já possam
ser encontradas em Aristóteles (Tópicos 152b 30) e São
Tomás de Aquino (Summa Theologicae Ia, qu. XL, a 1 ad 3).
Embora o princípio pareça bastante razoável, existem
filósofos que não o aceitam.
Para construir provas da LPPO é preciso recordar os
procedimentos que usávamos para construir provas da LP. A
estratégia traçada no capítulo anterior permanece, em geral,
a mesma.

Exercícios (Ex7):
Nestes exercícios também se fará necessário o uso do
teorema da dedução (TD) e de outros metateoremas, alguns
provados neste capítulo, outros no capítulo anterior.

1. Dado que # ∈ {∧, ∨, →, ↔}, mostre que:

a. (α#β)[µ/t] = α[µ/t]#β[µ/t]
b. (α#β)[t/µ]* = α[t/µ]*#β[t/µ]*

2. Alguns dos silogismos de Aristóteles não podem ser


provados na LPPO. São eles: 5, 6, 11, 12, 13, 16, 19, 21 e 24.
Reflita e explique o motivo. Demonstre os que podem ser
demonstrados.

Exemplo: Barbara
218

∀x(Mx→Px)
∀x(Sx→Mx)
∀x(Sx→Px)

1. ∀x(Mx→Px) P
2. ∀x(Sx→Mx) P
3. Ma→Pa E-∀
4. Sa→Ma E-∀
5. Sa→Pa TI (Teo14)
6. ∀x(Sx→Px) I-∀

3. Em cada item, prove que a última sentença se deduz das


anteriores:

∀x∀y ((Gx ∧ Py)→Lxy)


Ga∧Pb
Lab

¬Fa
¬∀xFx

Fa→Pb
∀xFx→Pb

Pb→Fa
Pb→∃xFx

∀x(Fx→Gx)
∀xFx→∀xGx

∀x((Fx∨Gx)→Hx)
∃y¬(Py∨¬Gy)
∃x Hx
219

∀x¬Fx
∃yGy→∃x Fx
∀y¬Gy

∃y∀x(Px→x≈y)
Pa∧Pb
a≈b

4. Prove os seguintes teoremas lógicos (lembre que no


capítulo anterior provamos cinqüenta e cinco esquemas de
teoremas lógicos da LP. Mas, em cada uma daquelas provas,
se as letras gregas forem substituídas por fórmulas de ,
teremos provas da LPPO, e, conseqüentemente, teoremas da
LPPO, que poderão entrar nas provas abaixo como já
provados. Doravante, só serão encontrados teoremas que
não podem ser provados apenas na LP, especificamente os
que incluem quantificadores e identidade. Observe que Pj e
Pk funcionam como variáveis que percorrem o domínio dos
predicados de uma dada aridade. Observe também que todos
os teoremas abaixo são sentenças, assim, qualquer fórmula
que esteja fora do escopo de uma generalização é uma
sentença).

(56)  ∀µα→∃µα
(57)  ∀µα[µ/t]↔α[µ/t]
(58)  ∃µα[µ/t]↔α[µ/t]
(59)  ∃µ∀να→∀ν∃µα
(60)  ∀µ∀να↔∀ν∀µα
(61)  ∃µ∃να↔∃ν∃µα
(62)  (∃µα→β)→(∀µα→β)
(63)  ∀µ(α→β)→(∀µα→∀µβ)
(64)  ∀µ(α→β)→(∃µα→∃µβ)
(65)  ∃µ(α∧β)→(∃µα∧∃µβ)
220

(66)  ¬∀µα↔∃µ¬α

(⇒):
1. ¬∃µ¬α P
2.  ¬α[µ/t]→∃µ¬α I-∃
3. α[µ/t] MT
4. ∀µα I-∀
5.  ¬∀µα→∃µ¬α TD e CP
(⇐):
6. ∀µα P
7. ∃µ¬α P
8. ¬α[µ/t] P
9. α[µ/t] E-∀
10. ¬∃µ¬α Teo7
11. ¬∃µ¬α E-∃
12. ∀µα  ∃µ¬α→¬∃µ¬α TD
13. ∀µα  ¬∃µ¬α Teo28
14. ∃µ¬α→¬∀µα TD e CP
15.  ∀µα↔¬∃µ¬α DD

(67)  ¬∃µα↔∀µ¬α
(68)  (∀µα∧β)↔∀µ(α∧β)
(69)  (∃µα∧β)↔∃µ(α∧β)
(70)  (∀µα∨β)↔∀µ(α∨β)
(71)  (∃µα∨β)↔∃µ(α∨β)
(72)  (∀µα→β)↔∃µ(α→β)

(⇒):
1. ¬∃µ(α→β) P
2. ∀µ¬(α→β) Teo67
3. ¬(α[µ/t]→β) E-∀ (tal que t não ocorre em β)
4. α[µ/t]∧¬β Teo16
221

5. α[µ/t] e ¬β EC
6. ∀µα I-∀
7. ∀µα∧¬β IC
8. ¬(∀µα→β) Teo16
9. (∀µα→β)∃µ(α→β) CP
10.  (∀µα→β)→∃µ(α→β) TD
11.  ∃µ(α→β)↔(∀µα→β) DD
(⇐):
12. ∃µ(α→β) P
13. ∀µα P
14. α[µ/t]→β P (tal que t não ocorre em β)
15. α[µ/t] E-∀
16. β MP
17. β E-∃
18. ∃µ(α→β), ∀µα  β
19.  ∃µ(α→β)→(∀µα→β) TD

(73)  (α→∀µβ)↔∀µ(α→β)
(74)  (∃µα→β)↔∀µ(α→β)
(75)  (α→∃µβ)↔∃µ(α→β)
(76)  (∀µα↔β)↔∀µ∃ν((β→α)∧(α’→β)) (tal que α’
é igual a α, a não ser por apresentar ν onde α
apresenta µ)
(77)  (∃µα↔β)↔∀µ∃ν((α→β)∧(β→α’)) (tal que α’
é igual a α, a não ser por apresentar ν onde α
apresenta µ)
(78)  (∃µPkµ∧∃µ¬Pkµ)↔∃µ∃ν(Pkµ∨¬Pkν)
(79)  ¬∀µ∃ν(¬Pkµ∧Pkν)
(80)  ∃µ∀ν(¬Pkµ∨Pkν)
(81)  ∀µ∃ν(Pjµ∨Pkν)↔∃ν∀µ(Pjµ∨Pkν)
(82)  ∀µ∃ν(Pjµ∧Pkν)↔∃ν∀µ(Pjµ∧Pkν)
222

(83)  ∀µ∃ν(Pjµ→Pkν)↔∃ν∀µ(Pjµ→Pkν)
(84)  ∀µ∃ν(Pjµ↔Pkν)↔∃ν∀µ(Pjµ↔Pkν)
(85)  α[t1]→(t1≈t2→α[t1/t2])
(86)  ∀µ∀ν(µ≈ν→ν≈µ)
(87) ∀µ∀ν∀ω(µ≈ν→(ν≈ω→µ≈ω))
(88)  ∀µ∀ν(µ≈ν→(Pkµ↔Pkν))
(89)  ∀µ(µ≈t→α)↔α[µ/t]

(⇒):
1. ∀µ(µ≈t→α) P
2. t≈t→α[µ/t] E-∀
3. t≈t II
4. α[µ/t] MP
5.  ∀µ(µ≈t→α)→α[µ/t] TD
(⇐):
6. α[µ/t] P
7. ¬∀µ(µ≈t→α) P
8. ∃µ¬(µ≈t→α) Teo66
9. ∃µ(µ≈t∧¬α) def. da conj. e TS
10. t1≈t∧¬α[µ/t1] P
11. t1≈t EC
12. ¬α[µ/t1] EC
13. ¬α[µ/t] EI
14. ∀µ(µ≈t→α) Teo7
15. ∀µ(µ≈t→α) E-∃
16. α[µ/t]  ¬∀µ(µ≈t→α)→∀µ(µ≈t→α) TD
17. α[µ/t]  ∀µ(µ≈t→α) Teo27
18.  α[µ/t]→∀µ(µ≈t→α) TD
19.  ∀µ(µ≈t→α)↔α[µ/t] DD

(90)  ∃µ(µ≈t→α)↔α[µ/t]
(91)  ∃ν∀µ(µ≈ν)→∀µ∀ν(µ≈ν)
223

(92)  ∃ν∀µ(µ≈ν)→(∀µPkµ∨∀µ¬Pkµ)
(93)  ∃ν∀µ(µ≈ν)→∀µ∀ν(Pkµ→Pkν)
(94)  ∀µ∃ν(µν∧Pkν)↔∃µ∃ν(µν∧Pkµ∧Pkν)
(95)  ∀µ(Pkµ→µ≈t)↔∀ν(∃µ(Pkµ∧µ=ν)→ν≈t)
(96)  ∃µ∀ν(Pkν↔ν≈µ)→∃µPkµ
(97)  ∃µ∀ν(Pkν↔ν≈µ)→∀µ∀ν(Pkµ∧Pkν→µ≈ν)
(98)  ∃µ∀ν(µν→Pkν)→∀µ∀ν(µν→Pkµ∨Pkν)
(99)  ∀µ∀ν(µ≈ν→Pkµ∧Pkν)→∀µ∀ν(Pkµ↔Pkν)
(100)  ∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν)↔∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ))

(⇒):
1. ∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν) P
2..∀ν(Pkν↔t≈ν) P
3. Pkt↔t≈t E-∀
4. t≈t→Pkt DD
5. Pkt II e MP
6. ∃µPkµ I-∃
7. Pkt1↔t≈t1 E-∀
8. Pkt1→t≈t1 DD
9. t≈t1→t1≈t Teo86 e E-∀
10. Pkt1→t1≈t TI
11. ∀ν(Pkν→ν≈t) I-∀
12. ∃µ∀ν(Pkν→ν≈µ) I-∃
13. ∃µPkµ∧∃µ∀ν(Pkν→ν≈µ) IC
14. ∃µPkµ∧∃µ∀ν(Pkν→ν≈µ) E-∃
15. ∃µ(Pkµ∧∃µ∀ν(Pkν→ν≈µ)) Teo69
16. ∃µ(∃µ∀ν(Pkν→ν≈µ)∧Pkµ) Teo43 e TS
17. ∃µ∃µ(∀ν(Pkν→ν≈µ)∧Pkµ) Teo69
18. ∃µ(∀ν(Pkν→ν≈µ)∧Pkµ) Teo58
19. ∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ)) Teo43 e TS
20.  ∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν)→∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ))
224

(⇐):
21. ∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ)) P
22. Pkt∧∀ν(Pkν→ν≈t) P
23. ∀ν(Pkν→ν≈t) EC
24. Pkt1→t1≈t E-∀
25. Pkt1→t≈t1 Teo86
26. Pkt EC
27. t≈t1→ Pkt1 Teo85
28. Pkt1↔t≈t1 DD (22,24)
29. ∀ν(Pkν↔t≈ν) I-∀
30. ∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν) I-∃
31. ∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν) E-∃
32. ∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ))→∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν)
33.∃µ∀ν(Pkν↔µ≈ν)↔∃µ(Pkµ∧∀ν(Pkν→ν≈µ)) DD
(20,32)

5. Dado um conjunto de sentenças Γ consistente, mostre


que se ϕn não é consistente com Γ, então Γ∪{¬ϕn} é
consistente.

6. Seja Γ um conjunto maximal consistente de sentenças.


Mostre que:

a) ϕ ∈ Γ se e somente se Γ  ϕ
b) ϕ ∈ Γ se e somente se ¬ϕ ∉ Γ
c) (ϕ∨ψ) ∈ Γ se e somente se ϕ ∈ Γ ou ψ ∈ Γ
d) (ϕ∧ψ) ∈ Γ se e somente se ϕ ∈ Γ e ψ ∈ Γ
e) (ϕ→ψ) ∈ Γ se e somente se ϕ ∉ Γ ou ψ ∈ Γ (ou
ambos)
f) (ϕ↔ψ) ∈ Γ se e somente se ϕ, ψ ∈ Γ ou ϕ, ψ ∉ Γ
g) Dado que ∃µϕ ∈ Γ se e somente se ϕ[µ/t] ∈ Γ, para
algum t, temos que ∀µϕ ∈ Γ se e somente se ϕ[µ/t]
∈ Γ, para qualquer t
225

h) Dado que ∀µϕ ∈ Γ se e somente se ϕ[µ/t] ∈ Γ, para


qualquer t, temos que ∃µϕ ∈ Γ se e somente se
ϕ[µ/t] ∈ Γ, para algum t

7. Assumindo que RI é completo, mostre que também são


completos os seguintes conjuntos de regras:

a) (RI~{I-∀, E-∀}) ∪ ∀µα , ¬∀µα


¬∃µ¬α ∃µ¬α

b) (RI~{I-∃, E-∃}) ∪ ∃µα , ¬∃µα


¬∀µ¬α ∀µ¬α

8. Mostre que, para qualquer sentença α, {α, t1≈t2}α[t1/t2].

9. Dizemos que ∀ é o dual de ∃ e vice-versa e que ∨ é o dual


de ∧ e vice-versa. Além disso, o dual de uma sentença α é a
sentença α’ resultante da substituição das fórmulas atômicas
de α por suas negações, e dos símbolos lógicos de α por
seus duais (caso os possuam). Mostre que, para qualquert α,
 α↔¬α’.

10. Definimos uma teoria de  como o conjunto T={ϕ |


Wϕ}, onde W ⊂ . Mostre que:

a. Há uma única teoria inconsistente de .


b. A intercesão de todas as teorias de  é o conjunto dos
teoremas lógicos
c. Se T={ϕ | Wϕ} e W é uma teoria de , então T=W
d. Se T1={ϕ | W1ϕ}, T2={ϕ | W2ϕ} e  α↔α’,
para todo α ∈ W1 e α’ ∈ W2, então T1=T2
226

2. A semântica de LPPO
2.1 Estrutura e interpretação

Na LP introduzimos as noções de verdade e atribuição


de verdade, agora precisamos ampliar essas noções para a
LPPO. Relembrando nossa definição inicial da tarefa da
lógica, dissemos que ela foi criada para estabelecer um
critério de distinção entre argumentos válidos e argumentos
não válidos, e que a validade consiste no fato de que a verda-
de das premissas torna necessária a verdade da conclusão. A
semântica investiga justamente as circunstâncias ou condi-
ções em que as fórmulas são verdadeiras ou falsas. Na LP,
essas condições são impostas pelas atribuições de verdade,
ou seja, a verdade ou falsidade de uma fórmula da LP
depende da atribuição de verdade que se adota para ela. Por
isso não dizemos simplesmente que uma fórmula é verdadei-
ra ou falsa per se, mas sim que ela é verdadeira ou falsa
segundo essa ou aquela atribuição de verdade. Na LPPO, as
condições para a verdade ou a falsidade de uma sentença são
determinadas por uma interpretação. Uma interpretação, dito
de um modo informal, é uma função que atribui uma
referência para cada símbolo paramétrico de . De fato,
atribuições de verdade são tipos particulares de interpreta-
ções, elas são interpretações para as fórmulas da LP. Nesta
seção, estudaremos em detalhe as características das
interpretações para as fórmulas da lógica de primeira ordem.
Um exemplo pode nos ajudar a esclarecer de que modo
as interpretações para a LPPO se distinguem das interpreta-
ções para a LP. Examinemos o seguinte argumento:

Qualquer mulher é mais inteligente do que qualquer


homem
Dadá é homem, mas não é verdade que Cacá é mais
inteligente do que Dadá
Logo, Cacá não é mulher
227

Se quiséssemos descobrir se este argumento é válido


usando atribuições de verdade teríamos primeiro que
traduzi-lo para 0, e ficaríamos com algo do tipo:

p
q∧¬r
¬s

É muito fácil mostrar que, para esta formalização, existe


atribuição de verdade que torna as premissas verdadeiras e a
conclusão falsa, o que demonstraria que o argumento é
inválido; nossa intuição, porém, é de que ele é válido.
Acontece que a LP não é apropriada para traduzir esse tipo
de argumento, nem a sua semântica apta para demonstrar-
lhe a validade. Tentemos pois uma tradução para :

∀x∀y(Mx∧Hy→Ixy)
Hd∧¬Icd
¬Mc

Para que este argumento formalizado expresse o mesmo


que o argumento em linguagem natural, interpretamos os
símbolos paramétricos da seguinte forma:

c = Cacá
d = Dadá
M = x é mulher
H = x é homem
I = x é mais inteligente do que y

Poderíamos interpretar esses símbolos de uma infinidade


de formas. De acordo com a interpretação empregada, as
sentenças poderiam exibir alterações em seus valores de
verdade. Assim, com base em uma interpretação poderíamos
concluir que a primeira sentença é verdadeira, por exemplo,
se fizermos
228

M = x maior que k,
H = x menor que k e
I = x maior que y.

E com base em uma interpretação diferente poderíamos


concluir a sua falsidade, por exemplo, se fizermos

M = x é americano,
H = x é iraquiano e
I = x é amigo de y.

Se pudéssemos interpretar as sentenças de nosso argumento


de todas as formas possíveis, constataríamos que todas as
interpretações que tornam as premissas verdadeiras, tornam
verdadeira também a conclusão. Isso provaria que a verdade
da conclusão segue necessariamente da verdade das
premissas, em outras palavras, provaria que o argumento é
válido. Na prática, como não temos tanto tempo assim para
especificar interpretações, demonstraremos a validade dos
argumentos formalizados em  indicando como cada passo
inferencial se justifica, ou seja, estabelecendo que eles
constituem provas da LPPO. E, paralelamente, recorreremos
à garantia dada pelo teorema da correção de que toda prova
desse tipo é válida. Por outro lado, será muito mais cômodo
usar provas semânticas, ou seja, especificar interpretações,
quando o objetivo for provar que certos argumentos são
inválidos. Façamos, por exemplo, uma pequena modificação
no nosso argumento inicial e vejamos o que acontece.

Qualquer mulher é mais inteligente do que qualquer


homem
Dadá é homem, mas não é verdade que Cacá é mais
inteligente do que Dadá
Logo, Cacá é homem.

O que você acha? O argumento deixou de ser válido por


causa dessa alteração? Antes de você responder intuitiva-
229

mente, vejamos o que se altera na versão formalizada do


argumento.

∀x∀y(Mx∧Hy→Ixy)
Hd∧¬Icd
Hc

Será verdade que todas as interpretações que tornam as


premissas verdadeiras tornam verdadeira também a conclu-
são? Vejamos se isso acontece quando atribuímos aos parâ-
metros os seguintes significados:

C =3
D =4
M = x é múltiplo de 4
H = x é múltiplo de 2
I = x é múltiplo de y

Não é preciso muito esforço para ver que essas


atribuições determinam a invalidade do argumento.

Agora atenção: a rigor, o que estivemos fazendo não foi


especificar interpretações, o que fizemos foi atribuir certos
significados a certos símbolos. Com base nessas atribuições,
podemos reconhecer o que as sentenças formalizadas
passam a asseverar, sendo até possível lê-las como se elas
estivessem escritas em português. O que se fez até aqui foi
simplesmente mostrar como se pode traduzir a linguagem
formal em termos da linguagem natural e vice-versa; em
nenhum momento saímos do plano da linguagem. Com isso,
podemos determinar o significado de uma sentença, mas não
a sua referência. Ora, na maioria dos casos, para sabermos se
uma sentença é verdadeira ou falsa precisamos procurar o
fato que é referido por ela. Se o fato ocorre, a sentença é
verdadeira, se não ocorre, ela é falsa. Uma vez que as
atribuições que fizemos não indicam o que as sentenças
referem, não podemos em geral dizer se elas são verdadeiras
230

ou falsas. Por exemplo, no nosso argumento original, não


sabemos de fato se Dadá é realmente homem, o que
sabemos é que se as premissas forem verdadeiras, a
conclusão o será necessariamente. Só pudemos determinar o
valor de verdade das sentenças quando mencionamos fatos
matemáticos bem conhecidos e geralmente reputados como
imutáveis. Uma interpretação, na acepção lógica da palavra, é
uma função que atribui aos símbolos paramétricos uma
referência e essa referência é tal que fica também
determinada a referência das próprias sentenças construídas
a partir daqueles símbolos. Com a referência determinada
por uma interpretação, podemos dizer se uma sentença
qualquer é verdadeira ou falsa. Mas aonde as interpretações
vão buscar referências para os parâmetros? No mundo
físico? Claro que não. As referências serão encontradas em
mundos lógicos, a saber, em estruturas.
Esta idéia de utilizarmos mundos artificiais ao invés do
mundo físico para prover referências para nossos parâmetros
pode hoje parecer trivial, mas é de fato um grande marco no
desenvolvimento da lógica. O lógico polonês Alfred Tarski é
certamente o lógico que mais contribuiu para a consolidação
dessa idéia. Em seu artigo “O conceito de verdade em
linguagens formalizadas” de 1933, Tarski executa a tarefa de
“construir uma definição formalmente correta e material-
mente adequada do termo ‘sentença verdadeira’, com relação
a uma linguagem dada”. A grandeza de Tarski está em
enxergar que o conceito de verdade correspondencial, tal
qual havia sido desenvolvido por Aristóteles e assumido por
grande parte dos analíticos, não era adequado para os
propósitos que na sua época se queriam definir para a lógica.
Enquanto disciplina normativa, a lógica tinha que estabelecer
as regras segundo as quais uma sentença seria verdadeira e
ser capaz de controlar as próprias condições de verdade.
Como o lógico não pode controlar o mundo físico, é muito
mais conveniente criar mundos artificiais bem comportados.
Dessa forma, as estruturas se tornaram os mundos artificiais

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