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481geral é sempre faminta. Não deriva essa gula da formalização por que
482passa um contrato jurídico? Este, diferentemente do acordo,
483pressupõe a existência de um árbitro capaz de julgar os casos em
484conflito, inclusive aqueles em que a vontade de um contratante
485ultrapassa o que um ser razoável deve querer. O tribunal não anula o
486contrato leonino? Ambos querem a mesma coisa, mas em proporções
487diferentes. Em contrapartida, no contrato social, cada contratante
488entrega à autoridade sua própria faculdade de querer. Quando entra
489em minoria, seu querer anterior deixa de querer aquilo porque devia
490ter querido outra coisa. O conceito de contrato social somente tem
491sentido se houver um deslizamento do conceito de contrato tal como
492ele funciona nos tribunais. As teorias do contrato social supõem uma
493vontade numênica ou um jogo, pressuposto mas não exercitado, para
494formar o consenso.
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496 Num nível meramente conceitual e formal, terror e virtude se
497entrelaçam. Como era de se esperar, é de Saint-Just que vem a
498fórmula mais precisa: há uma fusão harmoniosa das consciências de
499cada um dos membros de uma sociedade. “Ela é ainda mais do que
500sua finalidade, com efeito, cada consciência possui um sentimento de
501justiça e uma inclinação para o bem, existe uma consciência pública
502que é uma inclinação universal para o bem.” *in Ladret,Albert: Saint-
503Just ou les vicissitudes de la vertu, p. 252; PUF Lyon. Sade acabara de
504escrever: Justine ou les malheures de la vertu. O puro e o perverso
505aceitam o mesmo padrão de virtude, embora o primeiro a impõe a
506ferro e fogo e, o segundo, a viola até o fim. A consciência universal
507recusa fragmentações enquanto o espírito raciocinador produz o
508dissenso: “É preciso conduzir todas as definições à consciência; o
509espírito é um sofista que conduz as virtudes ao cadafalso” * Idem, p.
510252. Daí a reviravolta nas relações de poder: “Os infelizes são as
511potências da terra. Possuem o direito de falar como mestres aos
512governos que os negligenciam”*Idem p.78. Mas na medida em que a
513revolução demanda a inclusão dos despossuídos no todo virtuoso da
514nação livre, a liberdade necessita do terror inclusivo.
515 Robespierre é o taumaturgo dessa virtude revolucionária. Qual
516é o sentido desse terror virtuoso? Nos seus Essais sur le politique,
517Claude Lefort, analisando o extraordinário discurso proferido em 11
518de março de 1792, mostra passo a passo o jogo totalitário da
519argumentação. O Comité de Salvação Pública havia prendido Danton
520e seus amigos. Robespierre se precipita para a Convenção com o
521intuito de evitar que ela ouvisse os girondinos e, convencida por eles,
522revogasse a prisão. O argumento é direto: não pode haver fissura
523entre as instituições da República: a Convenção e o Comité são um
524só, bloco inteiriço que configura a própria com-unidade do povo:
525“tudo se deduz do princípio de identidade entre o povo, a Assembleia,
526os Comités de justiça; o princípio interdita todo questionamento sobre
527a legitimidade e a pertinência das decisões tomadas” *Claude Lefort:
528Essais sur le politique, p. 87, Éditions du Seuil,1986. E Lefort ainda
529sublinha a importância das variações dos pronomes usados pelo
530orador que passa do “on”, do “vous” e do “nous” para insinuar uma
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1148 Nunca o próprio Marx formulou esse dilema, mas não conseguiu
1149terminar seu livro. Deixou um monte de textos soltos que foram
1150editados por Engels. A publicação integral desses rascunhos mostra
1151que Marx atirava em todas as direções. Michael Heinrich, Carl-Erich
1152Vollgraf e outros estão explorando essa diversidade de caminhos. O
1153capital não é um livro acabado. Se ainda nos inspira, não o é pelo
1154sistema, mas pelo aprendizado que nos torna atentos aos fetiches e
1155às racionalidades enviesadas do mundo atual.
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1175dar todo o poder aos soviets, pois isso implicava retirar qualquer
1176capacidade de representar todos aqueles que não participassem
1177dessas organizações que reuniam soldados, operários e camponeses.
1178Conhecemos também a posição de Karl Kautsky, uma das maiores
1179autoridades do marxismo alemão da época, contra a interpretação
1180leninista do conceito de ditadura do proletariado. Vela a pena retomar
1181brevemente esse ponto, que nos obriga a reler um dos textos mais
1182extraordinários de Lenine: A revolução proletária e o renegado
1183Kautsky.
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1751 Apêndice
1752 CONTRA-DICÇÃO
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1905 Uma expressão falada, além de estar regida pelas regras que a
1906tornam correta do ponto de vista da língua culta, ainda obedece a
1907outras regras que asseguram seu sentido em determinados esquemas
1908de seu uso. Cabe não confundir a gramática da língua portuguesa, por
1909exemplo, com a gramática filosófica que considera a linguagem em
1910geral. Esta formula certas regras que determinam frases como
1911corretas ou incorretas em certas situações. São regras aprendidas,
1912como as de toda gramática, embora nunca se pode ter a certeza que
1913o aprendiz vá cumpri-las do mesmo modo do que os outros e para
1914sempre. É inevitável que seguir uma regra incorpore doses de
1915indeterminação, cujas diferenças se revelam ou se ocultam conforme
1916as contingências de sua aplicação. Por isso, ao seguir uma regra, o
1917agente não chega ao caso mediante uma intuição, mas convém dizer
1918que “é necessário em cada ponto como uma nova decisão
1919(Entscheidung) *PhU, 186 . Um ato parecido à decisão, mas que não
1920se confunde com ela, porque toda linguagem depende de um acordo
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1960analise a linguagem ela tende a escapar dela mesma, mas não vai
1961além dessa tendência, que é uma de suas características.
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2035 Por mais distante que o contra-dictor se situe, por mais inimigo
2036que ele se mostre, o locutor e o contraditor já estão se vendo como
2037seres humanos, por mais que um considere o outro degenerado. E por
2038isso têm à disposição fatos comuns muito gerais e que podem ser
2039mobilizados para entrarem numa relação simbólica de persuasão ou
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