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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Tema I

Direito das Sucessões. Introdução. Conceito. Disposições gerais: saisine. Formas de sucessão. Distinção.
Sucessão a título universal e singular. Abertura da Sucessão: tempo e lugar. Sucessores: herdeiros legítimos e
testamentários, legatários. Distinções.

Notas de Aula1

1. Direito das sucessões - introdução

Inicialmente, é preciso abordar uma das mais divergentes questões sobre o direito
sucessório atual: a diferenciação entre cônjuge e companheiro para fins sucessórios. A
sucessão do companheiro é prevista no artigo 1.790 do CC, e a do cônjuge vem tratada na
vocação hereditária, dos artigos 1.829 a 1.838, além de ser expressamente herdeiro
necessário, na forma do artigo 1.845, todos do CC:

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,


quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por
lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do
que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da
herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:


I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”

“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se,


ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados
de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se
tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja
o único daquela natureza a inventariar.”

“Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao


cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota
ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que
concorrer.”
“Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais
remotos, salvo o direito de representação.”
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Aula ministrada pela professora Katylene Collyer Pires de Figueiredo, em 22/10/2010.

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“Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão


de seus ascendentes.”

“Art. 1.835. Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros


descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo
grau.”

“Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em


concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§ 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem
distinção de linhas.
§ 2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha
paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.”

“Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um


terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se
maior for aquele grau.”

“Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por


inteiro ao cônjuge sobrevivente.”

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o


cônjuge.”

Diversos autores, como Maria Berenice Dias, defendem que essa diferenciação
entre cônjuge e companheiro é inconstitucional, porque a família decorre tanto do
casamento quanto da união estável, e diferenciar-se os direitos seria quebra de isonomia.
Contudo, tem prevalecido o entendimento, principalmente na jurisprudência, de que tal
diferenciação é legítima, porque a CRFB diz que ambas as instituições são família, de fato,
mas a união estável não é igual ao casamento, tanto que o texto constitucional do artigo
226, § 3º, determina que a conversão da união estável em casamento será facilitada,
indicando que o casamento é preferível, ante sua formalidade, ao companheirismo – pelo
que diferenciá-las em relação aos direitos é possível.

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
(...)”

Outra diferenciação inicial que precisa ser feita é entre os conceitos de sucessão
inter vivos e mortis causa: o estudo feito no direito das sucessões é da mortis causa, e não
de toda e qualquer sucessão, eis que não se abordará sucessão de direitos em contratos de
cessão, ou sucessão empresarial, etc. Apenas a sucessão decorrente do óbito da pessoa
natural será alvo de estudo.
O CC trata diferentemente a morte real e a morte presumida: é morte presumida
aquela prevista nos artigos 6º e 7º do CC:

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“Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta,


quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão
definitiva.”

“Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:


I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado
até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá
ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença
fixar a data provável do falecimento.”

Note-se que a ausência não induz sucessão, desde logo: somente após dez anos de
desaparecimento, quando se dará a sucessão definitiva, é que haverá presunção de morte. A
data exata da morte presumida é fundamental, pois é dali que se opera toda a dinâmica do
quadro sucessório, tanto das normas aplicáveis quanto à identificação de quem são os
herdeiros.
Outro conceito preliminar absolutamente fundamental é o de comoriência: quando
há morte de duas ou mais pessoas em evento tal que não seja possível identificar quem
tenha morrido primeiro, presume-se que morreram ao mesmo tempo. Veja o artigo 8º do
CC:

“Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo


averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos.”

É claro que essa presunção é relativa, sendo possível provar-se a morte de um antes
de outro.
A consequência de se presumir que haja morte simultânea dos comorientes é que
não haverá sucessão entre eles, se forem vocacionados para suceder. Entenda: se um falece
antes do outro, nem que seja fração de minuto antes, aquele que sobreviveu mais tempo
será herdeiro do que morreu antes; morrendo simultaneamente, um não é herdeiro do outro,
passando a herança aos demais da cadeia sucessiva que se apresentar na casuística.
A ordem de vocação hereditária, traçada no artigo 1.829 do CC, supra, alheia-se da
ordem de vocação quando se trata do companheiro, previsto no artigo 1.790 do CC. Há, de
fato, duas ordens de vocação diferentes, uma quando há cônjuge, e uma quando há
companheiro.
Continuando a expor os conceitos introdutórios, há que se mencionar que existem
dois tipos de sucessores, os herdeiros e os legatários. Herdeiro é aquele que recebe uma
cota parte ideal da herança, da universalidade, e pode ser legítimo, sendo herdeiro por estar
na vocação hereditária, ou testamentário, eleito em testamento pelo falecido enquanto vivo.
O legatário recebe apenas um bem determinado, individualizado, e não uma fração ideal do
monte. A sucessão pode ser mista, contemplando tanto herdeiros como legatários.
O herdeiro é sucessor a título universal, o que importa inclusive em efeitos relativos
à posse, a qual será continuada pelo sucessor exatamente com as características que tinha
quando o sucedido era o possuidor – no que se diferencia da sucessão a título singular, em
que a posse pode ser continuada, ou pode o sucessor inaugurar uma nova, como se vê no
artigo 1.207 do CC:

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“Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e


ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos
legais.”

O princípio que rege primacialmente a sucessão é o da saisine, o droit de saisine.


Esse princípio determina que o momento da morte é exatamente o momento em que todos
os bens do autor da herança se transmitem aos herdeiros: é na morte que se dá a abertura da
sucessão, e a transmissão da titularidade de toda a herança aos herdeiros, por ficção
jurídica. Assim o é para que o patrimônio não fique sem titular, acéfalo, e por isso se adota
essa ficção jurídica da transmissão imediata. Veja o artigo-sede do princípio, 1.784 do CC:

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.”

O artigo supra não menciona os legatários: fala apenas em herdeiros. Por isso, a
saisine é inaplicável aos legatários.
Os herdeiros legítimos podem ser também necessários ou facultativos. São
herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e cônjuges, e a esses cabe a chamada
herança legítima: havendo herdeiros necessários, a esses se transmitirá, ao menos,
cinquenta por cento dos bens da herança. Veja os artigos 1.845 e 1.846 do CC:

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o


cônjuge.”

“Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos
bens da herança, constituindo a legítima.”

Isso significa que a pessoa que tem descendentes, ascendentes ou cônjuge jamais
poderá dispor de mais da metade de seus bens em testamento, porque se o fizer estará
invadindo a legítima dos necessários. Suponha-se, porém, que o faça: deverá haver a
redução da disposição testamentária, ou pelo próprio testador em vida, ou pelo juízo,
quando essa circunstância se verificar post mortem.
Há quem defenda que o companheiro é herdeiro necessário, novamente sob a
argumentação da isonomia. Contudo, há divergência, porque a literalidade é claramente
excludente do companheiro, entendimento esse que prevalece: o companheiro não é
herdeiro necessário, para a maior parte da jurisprudência.
Herdeiro necessário não é a mesma coisa que sucessor obrigatório: esse é o ente
público que haverá os bens quando da inexistência de demais herdeiros, e for instalada a
situação de vacância na herança. É chamado sucessor obrigatório porque simplesmente não
pode renunciar à herança.
O nosso ordenamento não admite o pacto sucessório, o pacta corvina, contrato que
tenha por objeto a disposição de bens, após a morte, de pessoa ainda viva. Veja o artigo 426
do CC:

“Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”

É claro que o testamento é uma disposição de bens para além da morte, feita em
vida, mas seu autor é o próprio titular dos bens, e a vedação é contra terceiros que
pretendam negociar com o potencial hereditário.

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A herança sempre é recebida no benefício do inventário, ou seja, ninguém herdará a


dívida: herdar-se-á o saldo positivo dos ativos e passivos do autor da herança. Se o passivo
suplantar o ativo, suplantar as forças da herança, o herdeiro não receberá nada, mas
também não será jamais imputado para pagar o excesso da dívida de seu antecessor, do de
cujus. Os credores da diferença restarão impagos.
A abertura da sucessão se dá no domicílio do falecido, na forma do artigo 1.785 do
CC, combinado com os artigos 94, 96 e 97 do CPC:

“Art. 1.785. A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.

“Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre
bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.
§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será demandado onde
for encontrado ou no foro do domicílio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será
proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a
ação será proposta em qualquer foro.
§ 4º Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no
foro de qualquer deles, à escolha do autor.”

“Art. 96. O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o


inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última
vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido
no estrangeiro.
Parágrafo único. É, porém, competente o foro:
I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo;
II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo
e possuía bens em lugares diferentes.”

“Art. 97. As ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último
domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha
e o cumprimento de disposições testamentárias.”

A LICC trata dos casos em que a pessoa falecida for domiciliada no estrangeiro, no
artigo 10:

“Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação
dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
(Redação dada pela Lei nº 9.047, de 18.5.1995)
§ 2º A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Assim, o juiz brasileiro aplicará a lei estrangeira ao processo sucessório corrido


aqui, porque aqui falecido o autor da herança. A lei brasileira só será aplicada se for mais
benéfica ao cônjuge ou filhos brasileiros.
A sucessão, como dito, se abre no exato momento do óbito. A lei aplicável ao
processo sucessório, portanto, é a lei vigente nesse preciso momento, mesmo que o
processo seja iniciado depois, quando outra lei estiver vigente.

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Acerca da sucessão testamentária, o testamento é analisado formal e materialmente,


quanto à forma e ao conteúdo. Um dos aspectos formais é a observância à lei vigente à
época da feitura do testamento, sendo obrigatórios os requisitos da época. Já quanto ao
conteúdo do testamento, a análise da regularidade será feita quando da abertura da
sucessão, perante a lei vigente na data do óbito. Sobre essa interteporalidade, veja os artigos
2.041 e 2.042 do CC:

“Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária


(arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência,
prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916).”

“Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão
no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento
tenha sido feito na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916; se,
no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula
aposta à legítima, não subsistirá a restrição.”

O artigo 2.042 supra é referente ao clausulamento dos bens da herança, gravame


esse que antes da vigência do CC de 2002 era livremente imposto pelo testador, mas agora
demanda uma justificativa de sua imposição, ao menos sobre a parte legítima da herança, a
metade dos bens. Hoje, as cláusulas restritivas só podem ser impostas sobre a parte legítima
se justificadas.
Dificuldade surge quando o testamento com cláusulas restritivas foi feito antes do
CC, sem essas justificativas, e o óbito do testador ocorreu depois da entrada em vigor da
necessidade de justificar o clausulamento. O que o artigo 2.042 supra fez foi justamente
estabelecer um prazo para que o testamento clausulado se adeque à necessidade de
justificativa, alterando a cláusula para explicitar sua motivação, pois, se permanecer
injustificada a imposição de cláusula restritiva, essa reputar-se-á não escrita.

Casos Concretos

Questão 1

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Em 1970, Miriam, dona de casa, e Martins, médico bem-sucedido, ambos solteiros,


passaram a viver em união estável, até o dia do óbito dele, ocorrido em fevereiro de 1990.
Em março do mesmo ano do óbito, Miriam, propôs ação de reconhecimento de
união estável. Os dois irmãos bilaterais do falecido contestaram na qualidade de únicos
herdeiros. O pedido foi julgado procedente, transitando em julgado somente dez anos após
a morte.
Miriam se habilitou como herdeira no inventário aberto em 1998, pelos irmãos de
Martins, alegando que, de acordo com o artigo 2º, III da Lei 8.971/94, ela seria a única
herdeira do apartamento e da casa, por não ter o finado deixado testamento. Os colaterais
impugnaram a habilitação. Decida.

Resposta à Questão 1

A sucessão se rege pela lei da data do óbito, não importando a data da abertura do
inventário. Como à época do óbito inexistia lei conferindo direitos sucessórios para os
companheiros, os legitimados a suceder são os colaterais de Martins, seus dois irmãos, por
direito próprio, partilhando os bens por cabeça e em partes iguais. Miriam, apesar de
companheira, não tem direito à sucessão legítima., na forma do artigo 1.577 do CC de
1916:

“Art. 1.577. A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que


se regulará conforme a lei então em vigor.”

Veja a Apelação Cível 2001.001.10455:

“2001.001.10455 - APELACAO CIVEL DES. BERNARDO MOREIRA


GARCEZ NETO - Julgamento: 18/07/2001 - DECIMA SETIMA CAMARA
CIVEL SUCESSAO; HERANCA VACANTE; UNIAO ESTAVEL;
CONCUBINA; CAPACIDADE PARA SUCEDER; AUSENCIA; LEI
APLICAVEL; ART. 1577; C.CIVIL DE 1916. Sucessão. Inexistência de parentes
ou cônjuge. Herança vacante. União estável. Lei aplicável.
I. A Constituição Federal reconheceu a união estável, mas seus efeitos sobre a
sucessão do companheiro só vieram a ser admitidos pela Lei Federal 8971 de
29.12.1994. II. A capacidade para suceder e' regida pela lei vigente ao tempo da
abertura da sucessão (art. 1577 CC). Se o morto não tinha cônjuge ou parentes
declara-se a vacância da herança, aplicando-se as normas dos artigos 1594, 1603,
V, e 1619 do CC. III. A companheira somente teria direito à metade do acervo, se
demonstrasse a existência de sociedade de fato com participação na constituição do
patrimônio. IV. Apelação não provida.”

Questão 2

Lavínia, há 7 anos atrás, adotou o menor Thiago, à época, com 8 anos. No início
do ano passado o adotado descobriu quem são seus pais biológicos. Contudo, em
dezembro de 2003, o pai biológico, divorciado e muito rico, faleceu sem deixar filhos.
Thiago se habilitou no inventário, alegando que era filho biológico do morto e, portanto,
tem direito à sucessão legítima. Os pais do falecido impugnaram, alegando que eles têm
direito à sucessão. Decida quem tem direito à sucessão e que percentuais?

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Resposta à Questão 2

O adotado não tem direito à sucessão, porque como foi uma adoção pelo ECA,
ocorreu o desligamento do adotado de sua família biológica. Sucedem os pais, na proporção
de metade para cada um.
Veja o julgados abaixo:

“REsp 740127/SC; RECURSO ESPECIAL; Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,


TERCEIRA TURMA, julgado em 11.10.2005, DJ 13.02.2006 p. 799.
Ementa: Direito civil e processual civil. Recurso especial. Família. Adoção de
menor. Lei vigente. Aplicabilidade. Sucessão. Ordem de vocação hereditária.
Legitimidade dos irmãos.
- Nas questões que versam acerca de direito sucessório, aplica-se a lei vigente ao
tempo da abertura da sucessão.
- As adoções constituídas sob a égide dos arts. 376 e 378 do CC/16 não afastam o
parentesco natural, resultante da consangüinidade, estabelecendo um novo vínculo
de parentesco civil tão-somente entre adotante(s) e adotado.
- Tem, portanto, legitimidade ativa para instaurar procedimento de arrolamento
sumário de bens, o parente consangüíneo em 2º grau na linha colateral (irmão
natural), notadamente quando, pela ordem de vocação hereditária, ausentes
descendentes, ascendentes (naturais e civis), ou cônjuge do falecido.
Recurso especial conhecido e provido.”

Tema II

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Transmissão da herança. Administração da herança. Benefício de inventário. Cessão de direitos hereditários.


Herdeiro aparente. Vocação hereditária: sucessão do não concebido.

Notas de Aula2

1. Administração da herança

A transmissão dos bens do de cujus aos herdeiros se dá com a abertura da sucessão,


ou seja, no momento da morte.
A herança tem natureza jurídica de universalidade de direito, considerada pela lei
como bem imóvel. Veja o artigo 91 do CC:

“Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de


uma pessoa, dotadas de valor econômico.”

As forças da herança dedicam-se primeiramente a pagar os débitos que o de cujus


tenha deixado em relação a credores, e somente do ativo restante se fará a partilha aos
herdeiros. O credor, para haver seu pagamento, deve se habilitar no inventário; se
porventura o procedimento houver se encerrado, o credor que surgir após a partilha poderá
cobrar dos herdeiros, cada um na proporção do que recebeu, e nunca superando os ativos da
herança. Veja o artigo 1.792 do CC:

“Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança;
incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse,
demostrando o valor dos bens herdados.”

Caso inexistam bens no ativo da herança, a praxe forense tem admitido a figura do
inventário negativo, que é um procedimento de inventário destinado a obter justamente a
declaração judicial de inexistência de bens do de cujus, de molde que os credores do
obituado não possam se arvorar em cobrança contra os herdeiros.
Por ser uma universalidade de direito, a herança se administra, até a partilha, na
forma de um condomínio, como dispõe o artigo 1.791 do CC:

“Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os
herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e
posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao
condomínio.”

Os herdeiros que estejam na posse dos bens devem zelar por sua manutenção, pois
responderão perante os demais por prejuízos que o bem sofrer.
A vocação hereditária tem muita relevância no que diz respeito à administração da
herança. Veja o artigo 1.798 do CC:

“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão.”

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Aula ministrada pela professora Katylene Collyer Pires de Figueiredo, em 22/10/2010.

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Na sucessão legítima, apenas são legitimadas as pessoas naturais. Na testamentária,


podem suceder ainda pessoas sequer concebidas, prole eventual (inclusive pessoas que
vierem a ser adotadas), e pessoas jurídicas, como se vê no artigo seguinte, 1.799 do CC:

“Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a
forma de fundação.”

Animais, como são coisas, não podem ser sucessores, de forma alguma. O que é
possível é deixar os bens a alguém, desde que essa pessoa suporte como encargo justamente
cuidar dos animais apontados pelo testador.
A sucessão legítima pelo não concebido é peculiar. Na testamentária, não há
problema em nomear-se o nondum conceptus como herdeiro; o problema é a sucessão
legítima dessa figura. Suponha-se que haja um embrião in vitro, somente implantado após a
morte de seu pai: ele conta com direito hereditário? A questão ainda não encontra solução
positiva ou jurisprudencial, mas se esse filho vier a ser implantado, e se se analisar a
situação sob o prisma constitucional da igualdade, não se pode deixar de reconhecer
direitos sucessórios a tal filho, mesmo implantado após a morte de seu pai, declarando-se a
inconstitucionalidade do artigo 1.798 do CC, por quebra da isonomia, para reconhecer a
vocação de herdeiro legítimo ao não concebido – mas há controvérsias.
Para o nascituro, já concebido antes do pai falecer, o direito é inegável: é herdeiro
legítimo sob condição suspensiva, qual seja, a de nascer com vida. É sobre o não concebido
que versam as discussões. Mesmo a corrente que entende que deve haver direito sucessório
se divide quanto a um aspecto: o prazo máximo para que tal embrião seja implantado e
nasça com vida. Maria Berenice defende que não há prazo: quando quer que seja
implantado, terá direito sucessório; outra corrente defende que deve ser aplicado o prazo do
artigo 1.800, § 4º, do CC, analogicamente – e é o que tem prevalecido:

“Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão


confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
§ 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo
filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas
no art. 1.775.
§ 2º Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se
pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.
§ 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os
frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador,
caberão aos herdeiros legítimos.”

Sobre o tema, veja o enunciado 267 do CJF:

“Enunciado 267, CJF – Art. 1.798: A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser
estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução
assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer
cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da
herança.”

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Há algumas vedações a determinadas figuras, que não podem ser nomeadas


herdeiras ou legatárias, como se vê no artigo 1.801 do CC:

“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado
de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se
fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.”

1.1. Cessão de direitos hereditários

O artigo 1.793 e seguintes do CC tratam da cessão de direitos hereditários. Veja:

“Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o
co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§ 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de
direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer
bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por
qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a
indivisibilidade.”

A escritura pública é exigida justamente por ser, a herança, bem imóvel.


O caput do artigo supra define que a cessão só pode ser do quinhão hereditário, em
abstrato, e não de um determinado bem da herança. Só pode o herdeiro ceder a sua posição
como tal, ou seja, pode ceder o percentual, a fração ideal a que faz jus na herança.
Quando cede o direito sucessório, o faz tendo em vista uma determinada posição
que se encontre, ou seja, um percentual determinado do monte. Se porventura ocorrer
algum incremento posterior a tal cessão, algum aumento proveniente de substituição ou
direito de acrescer, não se compreende, esse aumento, na cessão já realizada, a não ser que,
na pactuação da cessão se tenha convencionado que os acréscimos posteriores serão
abarcados na cessão. Esse é o teor do § 1º do artigo supra: vige a presunção de que o
acréscimo não adere à cessão, mas essa presunção é relativa.
O § 2º deixa claro que não se pode ceder um bem da herança singularmente, como
se adiantou; todavia, se todos os herdeiros pretendem ceder o bem individualizado, é
possível, mas se tratará de uma alienação de bem do acervo, o que depende de autorização
judicial, na forma do § 3º supra. Aqui, já houve polêmica, pois se defendia que se todos os
herdeiros subscreverem a alienação, a autorização judicial seria dispensável, mas essa tese
não foi acatada: a vênia judicial é obrigatória.
Os notários, capitães dessa tese de dispensa de autorização judicial, formularam
consulta na Corregedoria do TJ/RJ, pretendendo saber se poderiam realizar a escritura sem
autorização judicial, que deu origem a um parecer da Corregedoria exigindo a autorização
judicial – posição dominante, portanto.
A cessão por um herdeiro de sua cota-parte demanda ainda a observância ao direito
de preferência dos demais co-herdeiros, na forma dos artigos 1.794 e 1.795 do CC:

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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa
estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.”

“Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá,


depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento
e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se
distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.”

A cessão gratuita, a doação da cota-parte a um terceiro, porém, é exceção que não


precisa observar preempção alguma: pode o herdeiro doar livremente seus direitos
hereditários a terceiros, sem dar preferência aos demais co-herdeiros.
A anuência dos demais herdeiros na cessão de direitos, portanto, é exigida
justamente porque lhes é dada preempção na aquisição desse quinhão. Mais que isso, os
eventuais cônjuges dos co-herdeiros, tanto do cedente quanto dos demais que não
exerceram a preferência, também devem anuir, porque, afinal, a cessão é de fração de bem
imóvel, pois a herança é legalmente imóvel, como dito, e para ceder bem imóvel é preciso a
outorga conjugal, na forma do artigo 1.647, I, do CC:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
(...)”

É claro que pode o juiz suprir essa outorga, como em qualquer caso em que essa é
exigida, se entender possível, na forma do artigo 1.648 do CC:

“Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga,
quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível
concedê-la.”

Casos Concretos

Questão 1

Alfredo, divorciado, falece em 05/2003, tendo como patrimônio transmissível três


apartamentos, cada um, no valor de R$ 100.000,00. Deixou três filhos, Pedro, Antônio

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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

José e Marco Aurélio. Pedro, sem autorização dos demais, realiza escritura pública de
Cessão de Herança, tendo como cessionário Fragoso e por objeto um dos referidos
imóveis. Explicite as conseqüências jurídicas de tal fato.

Resposta à Questão 1

Alfredo não poderia ter assim procedido, por afrontar o artigo 1.793, § 3º, do CC, de
acordo com o Parecer 160/07 da Corregedoria Geral de Justiça do TJ/RJ:

“PARECER CGJ Nº SN160, de 11/07/2007 (ESTADUAL). DORJ-III, S-I 137 (62)


- 25/07/2007. Procedimento nº 2006 - 324253. Assunto: Encaminha cópia do
processo n.º 1991.001.029813-3, em tramite na 6ª Vara de Órfãos e Sucessões, para
providências cabíveis. Interessados: Juízo de Direito da 6ª Vara de Órfãos e
Sucessões da Comarca da Capital, Serventia do 24ª Ofício de Notas também da
mesma Comarca e demais Serventias Extrajudiciais deste Estado.
PARECER
Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça,
I. O presente procedimento foi deflagrado através de ofício da Juíza de Direito
Titular da 6ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital informando sobre
a lavratura de cessão de direitos hereditários, de bens aparentemente delimitados,
sem autorização judicial.
II. Diante disso, foi determinado que o Cartório do 24º Ofício de Notas da
Comarca da Capital se manifestasse acerta da contrariedade ao artigo 1.793 do
NCC (fls. 13).
III. Em resposta o titular da serventia em tela alega que tais escrituras foram
lavradas na gestão anterior - período em que houve intervenção da Corregedoria
Geral da Justiça e que o mesmo proibiu a escrituração de documentos como o
mencionado no ofício sem autorização Judicial (fls. 15).
IV. O escrevente que lavrou o ato apontado no ofício apresentou manifestação as
fls. 17/23, afirmando que a realizou o ato amparado na doutrina e na
jurisprudência.
V. Parecer da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais as fls.
29/36, apontando divergência doutrinária sobre o tema e opinando pela não
aplicação de penalidade, ante as diferentes opiniões sobre o assunto.
VI. Dispõe o artigo 1.793, caput e seus §§ 2º e 3º do NCC que "O direito à
sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser
objeto de cessão por escritura pública. (...) §2º É ineficaz a cessão, pelo co-
herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado
singularmente. §3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da
sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário,
pendente a indivisibilidade." (destaque nosso).
VII. A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam ainda
não estejam individualizados na quota dos herdeiros; daí a possibilidade de sua
transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário.
É a hipótese em que se configura a cessão da herança, gratuita ou onerosa,
consistindo na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a
outrem de todo o quinhão hereditário ou de parte dele, que lhe compete após a
abertura da sucessão. (cf: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 06, p. 81). Assim, como qualquer direito
patrimonial, de conteúdo econômico, que, em regra, pode ser transmitido, gratuita
ou onerosamente, o direito à sucessão aberta pode ser transferido, pode ser cedido.
VIII. Somente com a morte do hereditando e abertura da sucessão é que pode
haver a cessão de direitos hereditários. Antes disso, a cessão configuraria pacto
sucessório, contrato que tem por objeto a herança de pessoa viva, que nossa lei

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

proíbe (CC, artigo 426) e é negócio nulo de pleno direito (CC, artigo 166, incisos,
II e VII). Entretanto, aberta a sucessão, é licita a cessão, ainda que feita antes da
abertura do inventário. Depois de julgada a partilha, poderão os herdeiros alienar o
que é seu, vendendo, doando, permutando, etc, pois a indivisão já estaria extinta e
cada herdeiro já seria dono dos bens que couberem no seu quinhão.
IX. Depreende-se que a cessão abrange o direito à sucessão e o quinhão de que vai
dispor o herdeiro. Não se faz a cessão de coisa individuada, posto que, desde a
morte do de cujus, embora se dê imediatamente a transmissão, persiste a indivisão,
tendo cada herdeiro o direito a uma quota-parte ideal nos bens. (cf: RIZZARDO,
Arnaldo. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006, p. 101).
X. A questão que ensejou o presente procedimento, diz respeito a possibilidade de
lavratura de cessão de direitos hereditários, sem autorização judicial, quando todos
os herdeiros figurem no ato.
XI. Necessário se faz destacar que se o cedente não transfere um bem individuado,
uma coisa certa integrante do espólio. O que ele transmite é o direito sobre sua
quota ideal na unidade abstrata, indivisível, no todo unitário que é a herança. Mas,
como ensina SILVIO RODRIGUES, o herdeiro pode pretender fazer a disposição
de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. Nesse caso
o acordo dos interessados é necessário, naturalmente, e a alienação do bem
depende da autorização do juiz da sucessão. Sem essa providência, a disposição é
ineficaz. (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Direito das Sucessões - vol. 07. 26ª
ed. rev. e atual. por ZENO VELOSO, de acordo com o novo Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 28).
XII. Assim, não terá eficácia a disposição, sem prévia autorização judicial, de
qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a
indivisibilidade (CC, artigo 1.793, § 3º c/c CPC, artigo 992, inciso I). Desta forma,
se algum co-herdeiro quiser alienar bens da herança, dependerá da autorização do
juiz, que preside o processo de inventário, que, para tanto, averiguará se há
anuência dos demais co-herdeiros. Nesse caso, a cessão de bem individuado
somente poderá ocorrer havendo acordo dos demais herdeiros, para ser autorizada
por decisão judicial. Esse é o entendimento da doutrina amplamente majoritária
(cf: RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Direito das Sucessões - vol. 07, p. 28;
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 83; RIZZARDO,
Arnaldo. Direito das Sucessões, p. 101; QUEIROGA, Antônio Elias de. Curso de
Direito Civil Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 21).
XIII. Não desconheço a existência de posição em contrário, que embora
minoritária deve ser respeitada (cf: SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates
Castanheira. Cessão de Direitos Hereditários Sobre Bem Específico: Pode o
Tabelião Lavrar a Escritura?. Consultado em acessado em: 04. jul. 2207).
Argumenta o insigne autor que o § 3º do art. 1.793 do CC cuida de cessão feita por
apenas um herdeiro e não por todos eles.
XIV. Nada obstante os judiciosos argumentos em contrário, prefiro a posição
externada pela doutrina majoritária, até porque a lei é clara na sua redação.
XV. Desta forma, a cessão de bem individuado somente poderá ocorrer havendo
acordo de todos os herdeiros e mediante autorização judicial, não sendo possível
admitir a cessão de um bem determinado e delimitado da herança, sem necessidade
de autorização judicial.
XVI. De outro lado, considerando a divergência doutrinária sobre a matéria e o
fato das escrituras terem sido lavradas quando a serventia encontrava-se sob
intervenção desta Corregedoria, acredito que ser desnecessária a aplicação de
qualquer penalidade ao responsável pelo cartório à época.
XVII. Nesta linguagem,considerando os elementos trazidos aos autos, opino pelo
arquivamento do presente.
Rio de Janeiro, 11 de julho de 2007. FÁBIO RIBEIRO PORTO. Juiz de Direito
Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça.
DECISÃO

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Acolho o parecer do ilustrado Juiz Auxiliar para determinar a expedição de ofício


ao interessado da presente decisão e do parecer que a precede, bem como para
determinar a remessa dos autos ao arquivo.
Rio de Janeiro, 11 de julho de 2.007. Desembargador LUIZ ZVEITER Corregedor-
Geral da Justiça.”

Questão 2

Gilberto, sem filhos, casado com Ivete pelo regime da separação absoluta,
depositou seu sêmen em banco especializado, autorizando que mesmo após sua morte, sua
esposa poderia se utilizar de seu sêmen congelado para fins de reprodução. Dois anos
depois, sem testamento, o varão sofre um acidente e falece em julho de 2003. No mês
seguinte, os pais do falecido requereram a abertura do inventário e se habilitaram como
herdeiros. Em novembro do mesmo ano, Ivete, com sucesso, faz fecundação artificial com o
sêmen de seu marido, nascendo o menor com vida, no prazo de 300 dias após a dissolução
da sociedade conjugal. O menor é registrado em nome do morto e também é habilitado no
inventário. Os genitores do falecido impugnam a qualidade de herdeiro do menor. Decida
se o filho menor deve ou não suceder.

Resposta à Questão 2

A matéria é controvertida. Para uma corrente, como todos os filhos são iguais, de
acordo com a CF, não importando a origem da filiação; e porque o artigo 1.597 trás uma
presunção legal de que o filho foi concebido durante o matrimonio, o menor sucede
concorrendo com sua mãe, esposa do falecido, na proporção de metade dos bens para cada
um.

“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.”

Para outra corrente, com base no artigo 1.798 do CC, o menor não sucede porque,
para a sucessão legítima, ele teria que ter sido ao menos concebido ao tempo da abertura da
sucessão; e pelo princípio da estabilidade das relações jurídicas. Logo, sucedem os pais e a
esposa, cabendo um terço para cada um.

Questão 3

Carmela fez testamento público válido, deixando sua disponível para o primogênito
de sua melhor amiga, Alessandra. Carmela faleceu em março de 2003. Requerido o
cumprimento do testamento, Alessandra mencionou que ainda não tinha filhos e não estava
grávida. Os herdeiros legítimos da testadora impugnaram o testamento e requereram que o

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

testamento fosse considerado caduco, porque à época do óbito da testadora o herdeiro


ainda não tinha sido nem mesmo concebido. Pergunta-se:
a)Assiste razão aos herdeiros legítimos? Fundamente.
b)Se Alessandra engravidar, seu filho nascendo com vida terá direito à sucessão de
Carmela? Há tempo máximo que pode ser concedido para que Alessandra engravide?
Fundamente.

Resposta à Questão 3

a) Os herdeiros legítimos não têm razão. O artigo 1.799, I, do CC prevê a


possibilidade de se contemplar em testamento os filhos não concebidos de pessoas
indicadas pela testadora, no caso, Alessandra, desde que ela esteja viva ao tempo do óbito
da testadora.
b) Terá direito à sucessão testamentária, desde que seja concebida no prazo de dois
anos da abertura da sucessão. Veja o REsp. 203.137:

“REsp 203137/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,


QUARTA TURMA, julgado em 26.02.2002, DJ 12.08.2002 p. 214) Ementa
DIREITO CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. FILHOS LEGÍTIMOS DO
NETO. LEGATÁRIOS. ALCANCE DA EXPRESSÃO. INTERPRETAÇÃO DO
TESTAMENTO. ENUNCIADO Nº 5 DA SÚMULA/STJ. LEGATÁRIO AINDA
NÃO CONCEBIDO À DATA DO TESTADOR. CAPACIDADE SUCESSÓRIA.
DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. I - A análise da vontade do testador e
o contexto em que inserida a expressão "filhos legítimos" na cédula testamentária
vincula-se, na espécie, à situação de fato descrita nas instâncias ordinárias, cujo
reexame nesta instância especial demandaria a interpretação de cláusula e a
reapreciação do conjunto probatório dos autos, sabidamente vedados, a teor dos
verbetes sumulares 5 e 7/STJ. Não se trata, no caso, de escolher entre a acepção
técnico-jurídica e a comum de "filhos legítimos", mas de aprofundar-se no
encadeamento dos fatos, como a época em que produzido o testamento, a formação
cultural do testador, as condições familiares e sobretudo a fase de vida de seu neto,
para dessas circunstâncias extrair o adequado sentido dos termos expressos no
testamento. II - A prole eventual de pessoa determinada no testamento e existente
ao tempo da morte do testador e abertura da sucessão tem capacidade sucessória
passiva. III - Sem terem as instâncias ordinárias abordado os temas da capacidade
para suceder e da retroatividade da lei, carece o recurso especial do
prequestionamento em relação à alegada ofensa aos arts. 1.572 e 1.577 do Código
Civil. IV - O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para apreciar
violação de norma constitucional, missão reservada ao Supremo Tribunal Federal.
Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento,
acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, não
conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro e Ruy
Rosado de Aguiar, vencidos os Ministros Cesar Asfor Rocha e Aldir Passarinho
Júnior.”
Tema III

Aceitação e Renúncia: generalidades, restrições à renúncia, efeitos da renúncia quanto aos credores e
demais herdeiros. Petição de herança. Indignidade.

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Notas de Aula3

1. Sucessão de filho adotado não-pleno cujo adotante faleceu antes da CRFB

A lei aplicável à sucessão, como regra, é a da data do óbito, que é quando se


considera aberta a sucessão. Há um caso peculiar, que está ainda em julgamento no STF,
que diz respeito à sucessão dos filhos adotivos: antes da CRFB, a adoção podia ser não
plena; hoje, sabe-se que isso é impossível. Pois bem: se a adoção fora não plena, e a morte
do adotante se deu antes da CRFB de 1988, o filho adotivo poderia não ter direito
sucessório; se a morte do adotante se deu após a CRFB, não pode haver discriminação, e
qualquer filho adotivo será herdeiro.
Entretanto, o STF vem tendendo a negar vigência às normas anteriores à CRFB que
permitiam a discriminação dos filhos adotivos, porque, mesmo que esse princípio não fosse
expresso, a isonomia já o era. Com isso, a tendência é entregar direitos sucessórios, hoje,
mesmo àqueles filhos adotivos não-plenos de outrora, de adotantes falecidos na época pré
CRFB. O julgamento está em curso, como se pode ver na notícia abaixo, do informativo
591 do STF:
“AR: Filho Adotivo e Direito de Suceder antes da CF/88 – 1
O Tribunal iniciou julgamento de ação rescisória em que filha adotiva busca
desconstituir acórdão da 1ª Turma, que, ao dar provimento a recurso
extraordinário, concluíra não se aplicar às sucessões verificadas antes da CF/88 a
norma do seu art. 227, § 6º (“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento,
ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.”). Alega-se violação à literal
disposição do art. 51 da Lei 6.515/77, preceito que teria alterado o art. 2º da Lei
883/49, operando a revogação tácita do art. 377 do Código Civil de 1916. O Min.
Eros Grau, relator, afastou, de início, a preliminar de não conhecimento da ação,
que invoca a aplicação da Súmula 515 do STF, por não ter sido objeto de discussão
no acórdão rescindendo eventual ofensa ao art. 51 da Lei 6.515/77. Afirmou que a
ação rescisória não seria recurso e que a jurisprudência da Corte seria firme no
sentido de que o requisito do prequestionamento a ela não se aplicaria. No mérito,
julgou improcedente o pedido. Aduziu que o art. 51 da Lei 6.515/77 não teria como
destinatário o filho adotivo e que a Lei 883/49 disciplinaria o reconhecimento de
filhos ilegítimos, restringindo sua aplicação aos filhos biológicos. Ressaltou que o
art. 377 do CC/16, na redação atribuída pela Lei 3.133/57, não teria sido revogado
tacitamente pelo art. 51 da Lei 6.515/77, e que a vigência do preceito teria se
prolongado até o advento da CF/88, que não o teria recepcionado (art. 227, § 6º).
Por fim, mencionou jurisprudência da Corte no sentido de que a capacidade de
suceder rege-se pela lei da época da abertura da sucessão, não comportando
eficácia retroativa o disposto no art. 227, § 6º, da CF/88. AR 1811/PB, rel. Min.
Eros Grau, 16.6.2010. (AR-1811)”

“AR: Filho Adotivo e Direito de Suceder antes da CF/88 – 2


Em seguida, o Min. Dias Toffoli não conheceu da ação em virtude da falta de
prequestionamento, no acórdão rescindendo, da norma tida por violada. O Min.
Cezar Peluso, por sua vez, conheceu da ação, mas julgou procedente o pleito nela
formulado, no que foi acompanhado pelo Min. Ayres Britto. Reputou não ser o
caso de aplicação retroativa do art. 227, § 6º, da CF, tal como ventilado no acórdão
rescindendo, visto que todas as normas, inclusive as do CC/16 que distinguira entre
categorias de filhos, seriam inconstitucionais, por violarem o princípio da
3
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 25/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

igualdade. Disse que o art. 227 da CF/88 teria apenas explicitado uma regra que já
estava no sistema constitucional, ou seja, a inadmissibilidade de estabelecer
distinções, para qualquer efeito, entre classes ou qualidades de filhos. Assim,
concluiu que, perante o princípio constitucional da isonomia, ou a pessoa seria
filho e teria todos os direitos, ou não seria filho. Após, pediu vista dos autos o Min.
Gilmar Mendes. AR 1811/PB, rel. Min. Eros Grau, 16.6.2010. (AR-1811)”

2. Aceitação e renúncia da herança ou legado

A aceitação é ato unilateral que consolida a posição de herdeiro (legítimo ou


testamentário) ou a posição de legatário.
O herdeiro, por conta da saisine, se torna herdeiro com a abertura da sucessão, ou
seja, com a morte do de cujus. Por isso, a aceitação da herança opera efeito retroativo até
essa data, a data do óbito, consolidando propriedade e posse. No legado, o efeito da saisine
é diferente: enquanto na herança se transfere posse e propriedade pela saisine,
retroativamente à data do óbito, no legado apenas se transfere a propriedade
retroativamente, e não a posse.
A aceitação pode ser expressa, tácita ou presumida. Veja o artigo 1.805 do CC:

“Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração


escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de
herdeiro.
§ 1º Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do
finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória.
§ 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da
herança, aos demais co-herdeiros.”

A aceitação não demanda qualquer formalidade, muito menos solenidade. Tanto que
a forma mais comum de aceitação é a tácita, que ocorre quando o herdeiro pratica atos
próprios de quem está aceitando a herança: requerer abertura de inventário ou nesse se
habilitar, por exemplo, evidenciam aceitação tácita – ressalvados os casos dos §§ do artigo
supra.
A aceitação presumida está no artigo 1.807 do CC, autoexplicativo:

“Art. 1.807. O interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não, a herança,


poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não
maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar o herdeiro, sob pena de se haver a
herança por aceita.”

Aqui, o silêncio é qualificado como assentimento, porque se presume que não há


prejuízo em se entender aceita a herança, pois o mais provável é que a não aceitação seja
prejudicial.
A renúncia, por sua vez, é o ato unilateral pelo qual o herdeiro abdica da herança ou
do legado a si destinado, e também tem efeitos retroativos à data do óbito.
A renúncia é sempre expressa, não se a admitindo na forma tácita ou presumida.
Mais que isso, deve ser por termo nos autos ou por instrumento público. Veja o artigo 1.806
do CC:

“Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento


público ou termo judicial.”

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Tanto a aceitação quanto a renúncia são atos que só podem ser realizados de forma
simples e pura, não podendo ser condicionados nem sujeitos a encargo ou termo.
A renúncia pode ser abdicativa ou translativa: na primeira, o herdeiro ou legatário
simplesmente renuncia, abrindo mão de seu quinhão ou legado em prol do monte. Na
renúncia translativa, o sucessor indica, no ato de renúncia, a quem quer passar seu quinhão
ou legado – aponta um dos demais sucessores para receber a herança ou legado. Como
exemplo, se em uma sucessão com três herdeiros, um deles renuncia abdicativamente, o
monte, que seria fracionado em três, agora será fracionado em dois, apenas, sendo
partilhado entre os aceitantes meio a meio; se a renúncia desse sucessor for translativa,
indicando um dos dois aceitantes para ser o beneficiário de sua renúncia, a herança será
fracionada em três partes, e o beneficiário receberá dois terços, enquanto o outro continuará
com o seu terço original.
Na renúncia abdicativa, aquele que renuncia figura como se jamais houvesse
existido no plano sucessório, e por isso sequer há tributação qualquer sobre si – há apenas a
incidência normal do ITDCM sobre os aceitantes. Na renúncia translativa, o que se dá, de
fato, é uma aceitação concomitante a uma doação, porque o herdeiro só pode entregar ao
beneficiário aquilo que recebeu – há duas tributações, portanto, uma pelo ITDCM,
incidente sobre o quinhão do renunciante translativo quando recebeu o quinhão, e uma
outra tributação do ITDCM, agora pela doação feita ao beneficiário.
A renúncia translativa, portanto, nada mais é do que uma mera cessão de direitos
hereditários, em que se aceita o quinhão e se o cede ao beneficiário. De fato, há autores que
assim definem o instituto: para eles, é uma cessão de direitos, não existindo, tecnicamente,
a figura da renúncia translativa.
O incapaz pode renunciar à herança, desde que se demonstre que terá prejuízo com
a aceitação. Não basta, nesse caso, que a renúncia seja simplesmente realizada, por ele ou
pelo seu representante ou assistente: é preciso que haja prévia autorização judicial para
tanto, pois além de a herança ser bem imóvel, somente com o controle judicial existirá
aferição da prejudicialidade da aceitação.
Se a herança é bem imóvel, a renúncia do herdeiro casado pode depender de vênia
conjugal. Veja o artigo 1.647 do CC:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
(...)”

“Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga,
quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível
concedê-la.”

O regime de casamento da separação absoluta, previsto no artigo 1.647 do CC,


supra, é o regime da separação convencional, e não o da separação obrigatória, legal,
porque nesse caso aplica-se a súmula 377 do STF, que praticamente equipara a separação
legal ao regime de comunhão parcial:

“Súmula 377, STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os


adquiridos na constância do casamento.”

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Mesmo que a herança não se comunique, em casamento em regime de comunhão


parcial – como dispõe o artigo 1.659, I, do CC –, a vênia conjugal é necessária porque os
frutos da coisa podem se comunicar, na forma do artigo 1.660, V, do CC:

“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:


I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na
constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
(...)”

“Art. 1.660. Entram na comunhão:


(...)
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.”

Se a pessoa era casada no regime da separação convencional, que hoje não exige
outorga do cônjuge para renúncia, como se disse (é a ressalva do caput do artigo 1.647,
supra), mas o casamento é anterior a essa norma – foi firmado no CC de 1916, quando se
exigia vênia conjugal nessa hipótese –, será livre a renúncia, observando-se o CC de 2002,
ou se observará, com relação à renúncia, a previsão do CC de 1916?
Há duas correntes, mas prevalece a que entende que aplica-se o CC de 2002, pelo
simples fato de que a renúncia estará acontecendo sob sua vigência – tempus regit actum –
e por isso a renúncia é livre. A corrente menor, de Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez,
defende que se o casamento foi celebrado quando a vênia conjugal era exigida, permanece
exigível hoje – mas essa posição não tem sido encampada.
Outra questão pertinente, em se tratando de renúncia à sucessão, diz respeito à
fraude contra credores: pode o renunciante abdicar de sua posição sucessória com o intuito
de prejudicar credores, pois deixar de aumentar seu patrimônio é prejudicial àqueles a quem
deve. Se o ato de renúncia for assim verificado, fraudulento, nem mesmo a ação pauliana
será necessária, porque o credor poderá simplesmente se habilitar na posição do
renunciante, na forma do artigo 1.813 do CC:

“Art. 1.813. Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança,


poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante.
§ 1º A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao
conhecimento do fato.
§ 2º Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente,
que será devolvido aos demais herdeiros.”

O prazo de trinta dias do § 1º é a contar da data da renúncia, e não da data do


conhecimento da renúncia, em prol da segurança jurídica.

3. Petição de herança

A petição de herança é o procedimento pelo qual o herdeiro preterido exige o


pagamento de seu quinhão. Se lhe era devida parte da herança, e por algum motivo foi
preterido, pode peticionar por seu direito.
Um dos motivos mais comuns para preterição é o desconhecimento do herdeiro, que
é pessoa desconhecida dos demais. Se existir uma investigação de paternidade, por
exemplo, o filho que vier a ser ali reconhecido será herdeiro, e deverá tomar seu quinhão.

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Se a partilha já foi realizada antes da petição da herança ser procedente, é


consequência natural que seja a partilha desfeita e uma nova seja realizada. Não é preciso
que haja o ajuizamento de ação de anulação de partilha para tanto: a própria sentença de
procedência da petição de herança determina a refeitura da partilha.
O juízo competente para a petição de herança é o universal de órfãos e sucessões,
salvo se o pedido vier em uma investigação de paternidade, quando o próprio juízo de
família será competente.
Constarão do pólo passivo da petição de herança os herdeiros, e eventualmente o
ente público que ali figurou pela vacância da herança, ou os credores que tenham se
habilitado como herdeiros no lugar de devedores renunciantes – enfim, qualquer
beneficiado pela partilha. O inventariante não precisa ser citado nessa condição, pois se for
um dos herdeiros, será posto no pólo passivo sob essa situação de herdeiro.
Não se pode alegar usucapião contra aquele que vem a juízo peticionar a herança: se
a posse é retroativa à data do óbito, por conta da saisine, o herdeiro preterido, mesmo se for
reconhecido muito tempo depois, ainda assim tem posse ex lege desde sempre, desde o
óbito – não podendo ter contra si sustentada usucapião pelos demais.
A ação de petição de herança é prescritível, ao contrário da ação de investigação de
paternidade, como se vê na súmula 149 do STF:

“Súmula 149: É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é


a de petição de herança.”

O prazo prescricional é de dez anos, na forma do artigo 205, caput, do CC:

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.”

O início do prazo prescricional, porém, é divergente: o primeiro entendimento, de


Orlando Gomes, é de que o prazo se inicia do conhecimento da paternidade, ou seja, da
certeza jurídica da condição de herdeiro (ou outra causa que legitime o peticionante como
herdeiro), mesmo porque a partilha em detrimento do herdeiro é nula, e não se convalida; a
segunda corrente, do STJ, defende que o prazo prescricional começa a correr da data de
abertura da sucessão, a fim de que possa haver um mínimo de segurança jurídica, pois se
jamais findasse a possibilidade de peticionar pela herança – o que é a realidade, se se
entender que se inicia do conhecimento da relação de parentesco –, a instabilidade
sucessória seria tremenda. Veja:

“REsp 17556 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro WALDEMAR


ZVEITER. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
17/11/1992. Data da Publicação/Fonte DJ 17/12/1992 p. 24242.
Ementa: CIVIL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE,
CUMULADA COM PEDIDO DE HERANÇA - PRESCRIÇÃO - SUMULA N.
149, DO STF - ARTIGOS 5., I; 169, I; 177; E 1572, DO CC.
I- O PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA FLUI
A PARTIR DA ABERTURA DA SUCESSÃO DO PRETENDIDO PAI, EIS QUE
E ELA O FATO GERADOR; O MOMENTO EM QUE O AUTOR COMPLETA
DEZESSEIS ANOS DE IDADE E O LIMITE DA INTERRUPÇÃO DA
PRESCRIÇÃO PREVISTA NO ART. 169, I, DO CODIGO CIVIL, POR FORÇA
DO DISPOSTO NO ART. 5., I, DO MESMO DIPLOMA LEGAL.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

II- CONSOANTE ENTENDIMENTO AFIRMADO PELA DOUTRINA, "SE O


TITULAR DO DIREITO DEIXA DE EXERCER A AÇÃO, REVELANDO
DESSE MODO SEU DESINTERESSE, NÃO MERECE PROTEÇÃO DO
ORDENAMENTO JURIDICO".
III - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.”

4. Indignidade

É considerado indigno o sucessor que se encartar em uma das hipóteses do artigo


1.814 do CC, e que será excluído da sucessão:

“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

Como se trata de uma sanção civil extremamente gravosa, as hipóteses de


indignidade vêm em rol taxativo no artigo supra. A interpretação dos casos listados,
inclusive, é restritiva, o que leva a crer que a mãe que comete infanticídio não será indigna
perante a sucessão de seu filho, por exemplo.
Há um julgado do STJ que reconhece incluída no rol supra, no inciso I, uma
situação um tanto peculiar, parecendo interpretar extensivamente o rol, mas que na verdade
se trata de uma leitura ontológica, compreensiva, do inciso. Veja o que constou do
informativo 135 do STJ:

“SUCESSÃO. EXCLUSÃO. MAUS TRATOS.


Trata-se de ação ordinária para exclusão de mulher da sucessão de tio, que
apresentava problemas mentais por esclerose acentuada, anterior ao consórcio. O
casamento restou anulado por vício da vontade do nubente, que também foi
interditado a requerimento de uma das recorridas, bem como anulada a doação de
apartamento à recorrente. Apesar de o recurso não ser conhecido pela Turma, o
Tribunal a quo entendeu que, embora o efeito da coisa julgada em relação às três
prestações jurisdicionais citadas reste adstrito ao art. 468 do CPC, os fundamentos
contidos naquelas decisões, trazidos como prova documental, comprovam as ações
e omissões da prática de maus tratos ao falecido enquanto durou o casamento, daí a
previsibilidade do resultado morte. Ressaltou, ainda, que, apesar de o instituto da
indignidade, não comportar interpretação extensiva, o desamparo à pessoa alienada
mentalmente ou com grave enfermidade comprovados (arts. 1.744, V, e 1.745, IV,
ambos do CC) redunda em atentado à vida a evidenciar flagrante indignidade, o
que leva à exclusão da mulher da sucessão testamentária. REsp 334.773-RJ, Rel.
Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 21/5/2002.”

O homicídio do inciso I não precisa ser calcado em sentença penal transitada em


julgado, podendo o juiz cível decidir com base nas provas de seu processo; se houver
sentença penal absolutória, porém, por negativa de autoria, não poderá haver decisão de
indignidade cível. Se a absolvição criminal for por falta de provas, pode haver condenação
cível por indignidade, decerto.

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A indignidade deve ser alegada em ação própria, cujo prazo decadencial é de quatro
anos, contados da data da abertura da sucessão. Veja o artigo 1.815 do CC:

“Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de


indignidade, será declarada por sentença.
Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário
extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.”

A sanção da indignidade não ultrapassa a pessoa do apenado: é pena


intranscendente. Isso significa que ao indigno se aplicam as regras da premoriência, ou seja,
é como se ele fosse pré-morto ao autor da herança em questão, e não como se houvesse
renunciado à sucessão. O efeito prático disso é que os descendentes do indigno não serão
excluídos da sucessão, na forma do artigo 1.816 do CC:

“Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro


excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.
Parágrafo único. O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à
administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à
sucessão eventual desses bens.”

Dessarte, haverá direito de representação, se for o caso de incidir esse direito, como
se pré-morto fosse o indigno. A previsão do parágrafo do artigo supra se destina a prevenir
eventual burla à regra máxima, que é a alheação completa do indigno dos proveitos da
herança.
Uma hipótese peculiar em que a indignidade acaba por fazer-se estender a terceiros,
além do indigno, é citada por Luiz Paulo: se a cônjuge do indigno é com ele casada em
comunhão universal, e ao mesmo tempo é também herdeira do autor da herança de que seu
marido foi considerado indigno, se vier a receber a herança, comunicar-se-ão os proveitos
dessa ao indigno – e por isso o cônjuge casado com o indigno será contemplado com a
herança, mas essa jamais se comunicará com o patrimônio do indigno.
Repare que pode até mesmo acontecer, portanto, nesse diapasão, de um terceiro que
sequer é herdeiro ou legatário vir a ser considerado indigno: se o assassino do autor da
herança for casado com a filha desse, a qual não cometeu homicídio (e portanto não é
indigna), será trazido para o pólo passivo da indignidade, e será punido com a
incomunicabilidade dos bens que sua esposa herdará.
Se o indigno se comportar como herdeiro aparente, ou seja, receber a herança e
negociar onerosamente com terceiros seus bens, antes de ser descoberta e declarada a sua
condição de indignidade, o terceiro de boa-fé não será prejudicado (como em qualquer
hipótese de herdeiro aparente): a alienação será válida e eficaz, cumprindo ao indigno
indenizar o herdeiro que tenha sido prejudicado. Veja o artigo 1.817 do CC:
“Art. 1.817. São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de
boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da
sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de
demandar-lhe perdas e danos.
Parágrafo único. O excluído da sucessão é obrigado a restituir os frutos e
rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser
indenizado das despesas com a conservação deles.”

Se o indigno recebera adiantamentos da legítima a que faria jus, deverá retornar tais
bens ao monte, quando da necessária colação, na forma do artigo 2.008 do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 2.008. Aquele que renunciou a herança ou dela foi excluído, deve, não
obstante, conferir as doações recebidas, para o fim de repor o que exceder o
disponível.”

Pode acontecer de o indigno ser perdoado, em testamento ou outro ato autêntico


(segundo a doutrina, instrumento público ou particular subscrito por testemunhas). Veja o
artigo 1.818 do CC:

“Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança
será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em
testamento, ou em outro ato autêntico.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em
testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da
indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.”

O indigno perdoado será considerado reabilitado, e com isso afastar-se-ão os efeitos


da indignidade.
No parágrafo único do artigo supra, há o perdão tácito, que é um tanto mais restrito
que o expresso. Se o testador contemplar o indigno no testamento, considera-se que essa
vontade manifesta deve prevalecer, mas com a seguinte ressalva: apenas essa disposição
será observada, ou seja, o indigno tacitamente perdoado será considerado exclusivamente
herdeiro testamentário, o que significa que se for também legítimo, a parte que lhe
incumbiria por ser legítimo continua afastada.

Casos Concretos

Questão 1

Clarisse, solteira, faleceu em março de 2003, deixando três filhos: Carolina, a filha
mais velha, solteira e mãe de Bruno; Débora, separada judicialmente e mãe de José e de
Antônio e seu filho caçula, Heitor, viúvo e pai de Cristiane e Juliana. Pergunta-se:
a) Se os três filhos renunciarem à herança em favor do monte terão os pais de
Clarisse direito à sucessão? Como se dará a sucessão?

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

b)Como se dará a sucessão de Clarisse se somente os dois filhos mais velhos


renunciarem à herança e Heitor aceitá-la?

Resposta à Questão 1

a) Os pais não terão direito à sucessão legítima, pois conforme os artigos 1.810 e
1.811 os netos sucedem por direito próprio e partilham os bens por cabeça, cabendo a cada
um um quinto dos bens.

b) Por força do artigo 1.810, as partes dos renunciantes acrescem à de Heitor, não
cabendo o direito de representação, por proibição do artigo 1.811 do CC.

Vale elaborar ainda uma hipótese peculiar: se Clarisse fosse casada, em regime que
permita a sucessão do cônjuge, e um dos filhos renunciasse, se partilharia por três – dois
filhos e o cônjuge – se se entender que cônjuge e descendentes estão na mesma classe, e é
como entende parte da doutrina; se se entender que cônjuges e descendentes não estão na
mesma classe – como entende Luiz Paulo Vieira de Carvalho –, a parte daquele que
renunciou passa a acrescer apenas aos da mesma classe, ou seja, o cônjuge continua com
um quarto, e essa fração do renunciante passa aos dois outros filhos. Essa posição de Luiz
Paulo é isolada, diga-se.

Questão 2

Cristóvão, solteiro, faleceu em maio de 2000, sem testamento, deixando dois filhos
com paternidade reconhecida. Eles requereram a abertura do inventário e em dezembro de
2003, partilharam igualmente os bens.
Em fevereiro de 2004, Helena procura os dois herdeiros e revela-lhes ser filha do
falecido. Helena ajuíza a ação cabível e o filho mais velho contesta alegando que no
inventário já houve partilha, por sentença transitada em julgado, logo ela não teria direito
à sucessão e qualquer decisão contrária ofenderia a coisa julgada material. Eles fazem
exame de DNA e constatam o parentesco. Os pedidos são julgados procedentes. Pergunta-
se:
a) Qual(is) a(s) ação(ões) proposta(s) por Helena?
b)Qual a legitimidade passiva?
c)Considerando-se que os pedidos da(s) ação(ões) foi(ram) julgado(s)
procedente(s), questiona-se se há necessidade de ajuizamento de ação de nulidade de
partilha?
d) Considerando-se a coisa julgada material, ela terá direito aos bens do falecido?
e) Considerando-se que o filho mais velho, após a partilha, vendeu uma das casas
herdadas a um desconhecido, o negócio jurídico é válido?
Fundamente.

Resposta à Questão 2

a) Helena propôs ação de investigação de paternidade cumulada com petição de


herança no juízo de família.

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

b) Todos os sucessores são legitimados.

c) Não há necessidade de ajuizamento da ação de nulidade de partilha.

d) Ela terá direito à sucessão, concorrendo com os outros filhos do falecido,


sucedendo por direito próprio e partilhando por cabeça os bens encontrados. Não há ofensa
à coisa julgada material, porque Helena não foi parte no inventário.

e) É válido, como disposto no parágrafo único do artigo 1.827 do CC:

“Art. 1.827. O herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em poder de


terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos
bens alienados.
Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro
aparente a terceiro de boa-fé.”

Veja o REsp. 74.478:

“REsp 74478/PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA


TURMA, julgado em 23.09.1996, DJ 04.11.1996 p. 42478
Ementa: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PETIÇÃO DE HERANÇA.
NULIDADE DE PARTILHA. REIVINDICAÇÃO DE BENS. A PROCEDENCIA
DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, CUMULADA COM
PETIÇÃO DE HERANÇA, DISPENSA A PROPOSITURA DE NOVA AÇÃO
PARA A DECRETAÇÃO DA NULIDADE DA PARTILHA E REIVINDICAÇÃO
DOS BENS. RECURSO CONHECIDO, PELA DIVERGENCIA, E PROVIDO.
Acórdão POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE
PROVIMENTO.”

Questão 3

Maria, assassina confessa de seus pais, é perdoada publicamente de tal gesto por
seu irmão João, relativamente incapaz, que não pretende ajuizar Ação de Indignidade. O
Ministério Público tem legitimação para fazê-lo?

Resposta à Questão 3

Há dois entendimentos: para o primeiro, a ação de indignidade é de cunho


patrimonial, e por isso disponível, o que afasta a legitimidade do MP. Para o segundo
entendimento, majoritário, o MP é legitimado, e deverá perseguir a indignidade da
assassina, na forma do artigo 1.815 do CC, quando houver interesse público, na forma do
enunciado 116 do CJF:

“Enunciado 116, CJF – Art. 1.815: o Ministério Público, por força do art. 1.815 do
novo Código Civil, desde que presente o interesse público, tem legitimidade para
promover ação visando à declaração da indignidade de herdeiro ou legatário.”

No caso, há interesse público em se evitar a sucessão pela assassina, devendo o MP


perseguir a sanção civil da indignidade como uma consequência do ilícito criminal.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Diferentemente seria se o caso fosse de calúnia, em que a ação penal é privada, não
havendo interesse público a legitimar o MP.

Tema IV

Sucessão dos entes públicos: generalidades. Herança jacente, herança vacante. Procedimento. Arrecadação
de bens. Efeitos. Vacância automática.

Notas de Aula4

1. Herança jacente e vacante

4
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 25/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A jacência é um estado provisório que acontece quando não se conhecem sucessores


do de cujus. Veja o artigo 1.819 do CC:

“Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo
notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a
guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente
habilitado ou à declaração de sua vacância.”

Encontrados sucessores, ou declarada a vacância, a jacência cessa.


Durante o estado de jacência, ocorre a peculiar situação, única no ordenamento, em
que existem bens atitulados, sem proprietário. É claro que, cessada a jacência pelo
surgimento de um herdeiro, esse assumirá a titularidade ex tunc, desde a abertura da
sucessão.
O procedimento da jacência é traçado no CPC, tendo início no artigo 1.142:

“Art. 1.142. Nos casos em que a lei civil considere jacente a herança, o juiz, em
cuja comarca tiver domicílio o falecido, procederá sem perda de tempo à
arrecadação de todos os seus bens.”

“Art. 1.143. A herança jacente ficará sob a guarda, conservação e administração de


um curador até a respectiva entrega ao sucessor legalmente habilitado, ou até a
declaração de vacância; caso em que será incorporada ao domínio da União, do
Estado ou do Distrito Federal.”

Verificada a jacência, arrecadar-se-ão os bens e nomear-se-á curador, que será o


administrador do monte. Em seguida, serão buscados sucessores do de cujus, por meio da
publicação de editais, como dispõe o artigo 1.152 do CPC:

“Art. 1.152. Ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, que será
estampado três vezes, com intervalo de 30 (trinta) dias para cada um, no órgão
oficial e na imprensa da comarca, para que venham a habilitar-se os sucessores do
finado no prazo de 6 (seis) meses contados da primeira publicação.
§ 1º Verificada a existência de sucessor ou testamenteiro em lugar certo, far-se-á a
sua citação, sem prejuízo do edital.
§ 2º Quando o finado for estrangeiro, será também comunicado o fato à autoridade
consular.”

Sendo julgada procedente a habilitação de qualquer sucessor, o processo se converte


em inventário, findando o estado de jacência. O mesmo ocorre se surgirem credores,
habilitando-se esses no curso da jacência. Veja os artigos 1.153 e 1.154 do CPC:

“Art. 1.153. Julgada a habilitação do herdeiro, reconhecida a qualidade do


testamenteiro ou provada a identidade do cônjuge, a arrecadação converter-se-á em
inventário.”

“Art. 1.154. Os credores da herança poderão habilitar-se como nos inventários ou


propor a ação de cobrança.”

Passado um ano desde o primeiro edital, e desde que não haja habilitação em
discussão, a herança jacente será declarada vacante. Veja o artigo 1.157 do CPC:

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.157. Passado 1 (um) ano da primeira publicação do edital (art. 1.152) e não
havendo herdeiro habilitado nem habilitação pendente, será a herança declarada
vacante.
Parágrafo único. Pendendo habilitação, a vacância será declarada pela mesma
sentença que a julgar improcedente. Sendo diversas as habilitações, aguardar-se-á
o julgamento da última.”

Se surgirem herdeiros após o trânsito em julgado da vacância, eles só poderão vir a


reclamar direito sucessório em ação própria. Veja o artigo 1.158 do CPC:

“Art. 1.158. Transitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge,


os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta.”

Os colaterais que surgirem depois, porém, ficam definitivamente afastados da


sucessão quando declarada a vacância. Veja o artigo 1.822 do CC:

“Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que


legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os
bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União
quando situados em território federal.
Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais
ficarão excluídos da sucessão.”

Há uma hipótese em que a herança é declarada vacante imediatamente, sem passar


pela jacência: é o caso em que todos os sucessores conhecidos renunciarem. Veja o artigo
1.823 do CC:

“Art. 1.823. Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta
desde logo declarada vacante.”

A vacância transfere à municipalidade a propriedade resolúvel (pois as ações de


sucessores posteriores poderão resolver tal propriedade); mas é a sentença declaratória ou o
prazo de cinco anos, do artigo 1.822 do CC, supra, que opera essa transmissão da
propriedade resolúvel? A propriedade se transfere naquele momento que ocorrer primeiro,
seja o prazo de cinco anos, seja a sentença de vacância. Isso é fundamental para resolver
eventuais discussões sobre usucapião, porque é desde quando se der a transmissão da
propriedade, ainda que resolúvel, ao Município, que o bem se torna público, e por isso
inapto a ser usucapido. Veja o único julgado sobre o tema, muito antigo, mas ainda correto:

“RE 92352 SP. Relator(a): DECIO MIRANDA. Julgamento: 24/08/1981. Órgão


Julgador: SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ 22-10-1981.
Ementa: VACANCIA DA HERANÇA. MOMENTO A PARTIR DO QUAL SE
CONTAM OS CINCO ANOS A QUE ALUDE O ARTIGO 1594 DO CÓDIGO
CIVIL. PARA QUE OS BENS ARRECADADOS PASSEM AO DOMÍNIO DO
ESTADO, COMO IMPERATIVAMENTE ESTABELECE O ARTIGO 1594 DO
CÓDIGO CIVIL, E PRECISO APENAS QUE, NOS CINCO ANOS QUE
FLUEM DA ABERTURA DA SUCESSÃO, A HERANÇA REALMENTE SEJA
VACANTE, QUER A DECLARAÇÃO DE VACANCIA SE FAÇA
ANTERIORMENTE AOS CINCO ANOS, QUER SE FAÇA
POSTERIORMENTE A ELES, E ISSO PORQUE SE TRATA DE SENTENÇA
QUE NÃO E CONSTITUTIVA DA VACANCIA, MAS SIMPLESMENTE

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

DECLARATORIA DELA. TRANSMITIDO, AO TERMINO DESSE PRAZO DE


CINCO ANOS, O IMÓVEL AO ESTADO, TORNOU-SE ELE, A PARTIR DE
ENTÃO, INSUSCEPTIVEL DE SER USUCAPIDO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.”

A aplicação do prazo de cinco anos, porém, tende a ser revista, para se manter como
marco da transmissão apenas a efetiva sentença de declaração de vacância, a qual é uma
sentença constitutiva (da propriedade do ente público), apesar de sua nomenclatura vulgar,
de declaração de vacância.
Note-se que o ente público não é um sucessor, tipicamente. Por isso, não se lhe
aplica a saisine: não é considerada transmitida a propriedade desde a abertura da sucessão,
mas sim com um dos marcos acima destacados. Por isso, o bem é público unicamente após
a sentença de vacância ou os cinco anos da abertura da sucessão.
Justamente por não ser sucessor, e sim mero destinatário, o ente público não pode
renunciar à herança: a renúncia é ato próprio de sucessores.

Casos Concretos

Questão 1

Clóvis está na posse de um imóvel pertencente a Arnaldo. Faltando seis meses para
completar o prazo para a usucapião do bem, o proprietário falece. Arnaldo não deixou
herdeiros legítimos e nem testamento. Após o óbito e antes da sentença de vacância, Clóvis
ajuíza ação de usucapião, comprovando o preenchimento dos requisitos necessários. O
Município da localidade do bem contesta, alegando que é proprietário do imóvel desde o
momento do óbito, ocorrido em dezembro de 2003. Decida a questão.

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O Município não é proprietário desde a abertura da sucessão, porque não é sucessor,


e sim mero destinatário dos bens atitulados. Não se aplica a saisine aos entes públicos, e
por isso o bem não é público desde o óbito. A usucapião, portanto, é possível.
Veja o julgado abaixo:

“HERANÇA JACENTE. SUCESSÃO. LEGITIMIDADE. DECLARAÇÃO DE


VACÂNCIA - Ao ente público não se aplica o princípio da "saisine". Segundo
entendimento firmado pela C. Segunda Seção, a declaração de vacância é o
momento em que o domínio dos bens jacentes se transfere ao patrimônio público.
Ocorrida a declaração de vacância após a vigência da Lei n° 8.049, de 10.06.90,
legitimidade cabe ao Município para recolher os bens jacentes. Recurso especial
não conhecido (STJ - REsp 164196/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO,
QUARTA TURMA, julgado em 03.09.1998, DJ 04.10.1999 p. 59).

Para uma corrente minoritária, porém, Clóvis não tem usucapião do bem porque
desde o momento do óbito o bem passou ao domínio público, e bem público não pode ser
usucapido. O ente público, para essa corrente, tem direito de saisine porque o CC, nos
artigos 1.819 a 1.823, com exceção do artigo 1.821, utilizam o termo declaração de
vacância.
Ilustrando a maioria, veja:
“2001.001.02588 - APELACAO CIVEL DES. LUIZ ODILON BANDEIRA -
Julgamento: 11/06/2002 - OITAVA CAMARA CIVEL HERANCA JACENTE;
USUCAPIAO EXTRAORDINARIO; USUCAPIAO ESPECIAL; ART. 550;
C.CIVIL DE 1916; ART. 183; CONSTITUICAO FEDERAL DE 1988; RECURSO
PROVIDO. Ação de Usucapião. Extraordinário e Constitucional. Herança Jacente.
Satisfeitos os requisitos legais, para ambas as espécies de usucapião, postuladas no
pleito, não havia razoes validas, para o indeferimento da pretensão deduzida. A
herança jacente só se integra ao patrimônio publico, apos ser declarada vaga,
quando então e' ela insusceptível de ser usucapida. Se antes dessa declaração,
ultimaram-se os prazos, para aquisição da propriedade do imóvel pelas
modalidades de usucapião extraordinário e constitucional, não há empeco legal
para o deferimento desses pedidos, pois a simples arrecadação dos bens não
interrompe, por si só, a posse dos autores, que continuaram a exerce-la sobre o
imóvel da lide. Provimento do recurso interposto.”

“1998.001.13084 - APELACAO CIVEL DES. LAERSON MAURO -


Julgamento: 06/04/1999 - NONA CAMARA CIVEL USUCAPIAO
EXTRAORDINARIO. BASTAM-LHE OS DOIS REQUISITOS: POSSE, COM
OS PREDICADOS DE CONTINUA, INCONTESTADA E ANIMUS DOMINI,
LESAO, INERCIA DO LESADO E O DECURSO DO PRAZO DE 20 ANOS.
PRESSUPOSTOS CUMPRIDOS. QUESTAO PREJUDICIAL INVOCANDO O
DROIT DE SAISINE , COM BASE NOS ARTS. 1.572 E 1.603, V, DO CODIGO
CIVIL, A FAVOR DO ESTADO. OBJECAO INOCORRENTE. O INGRESSO DO
BEM JACENTE NO DOMINIO PUBLICO, POR EFEITO DE SUCESSAO
MORTIS CAUSA, NAO OPERA AUTOMATICAMENTE. TANTO QUE A
SENTENCA RELATIVA A VACANCIA APRESENTA NATUREZA
CONSTITUTIVA. ANTES DISSO O QUE SE TEM E UMA SITUACAO
APENAS REVELADORA DE EXPECTATIVA DE DIREITO. SENTENCA
CORRETA. APELOS IMPROVIDOS.”

Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Ana faleceu ab intestato em março de 2004. Seu único filho renunciou de imediato
a todos os bens deixados. Como deve proceder o Juiz, sabendo-se que não há outros
herdeiros?

Resposta à Questão 2

Conforme a literalidade do artigo 1.823 do CC, o juiz deverá proferir sentença de


vacância.

Questão 3

O espólio de Aristides e Josefa propõe ação de extinção de condomínio, visando a


promover a alienação de casa residencial e respectivo terreno, bem como a repartição do
produto a cada condômino. Publicado os editais para a manifestação dos interessados,
veio aos autos o Município do Rio de Janeiro, alegando em contestação que é proprietário
de 1/3 do imóvel, que lhe coube em decorrência de procedimento de arrecadação de
herança jacente. Asseverou ser incabível a alienação do bem pela forma proposta em face
da sua condição de bem público, que só pode ser alienado por meios próprios, sendo
indispensável a prévia autorização legislativa. Pugna pela aplicação dos princípios da
legalidade e da inalienabilidade do bem público.
Em réplica, os autores afastam as alegações do Município pelos seguintes
fundamentos: (a) a co-propriedade é excepcional no direito brasileiro, e a sua manutenção
mostra-se inconveniente e onerosa aos condôminos, dentre eles a Administração Pública;
(b) não é legítima a imposição de ônus decorrentes da aquisição do bem pelo ente público
aos proprietários que representam a maior parte do imóvel objeto da ação; (c) o próprio
imóvel só será bem público após a declaração de vacância, havendo, até lá, a
possibilidade do quinhão ser revertido a um eventual real proprietário. Por tais motivos,
pugnam pela procedência dos pedidos para autorizar a alienação do imóvel, mediante
hasta pública, possibilitando, inclusive, a aquisição por parte do Município.
Com base no enunciado acima, descompatibilize as controvérsias e decida a
questão.

Resposta à Questão 3

O bem é alienável, desde que haja prévia autorização administrativa e avaliação


judicial, e se estiver desafetado, como é o caso.
Veja o seguinte julgado, em que Fux ficou vencido, entendendo que prevalece a
natureza pública da fração, elidindo a potestatividade na alienação:

“REsp 655787 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro TEORI ALBINO


ZAVASCKI. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento
09/08/2005. Data da Publicação/Fonte DJ 05/09/2005 p. 238.
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. BEM
PÚBLICO. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO. FRAÇÃO
PERTENCENTE A MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
LEGISLATIVA. PRESCINDIBILIDADE.

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

1. É direito potestativo do condômino de bem imóvel indivisível promover a


extinção do condomínio mediante alienação judicial da coisa (CC/16, art. 632;
CC/2002, art. 1322; CPC, art. 1.117, II). Tal direito não fica comprometido com a
aquisição, por arrecadação de herança jacente, de parte ideal do imóvel por pessoa
jurídica de direito público.
2. Os bens públicos dominicais podem ser alienados "nos casos e na forma que a
lei prescrever" (CC de 1916, art. 66, III e 67; CC de 2002, art. 101). Mesmo sendo
pessoa jurídica de direito público a proprietária de fração ideal do bem imóvel
indivisível, é legítima a sua alienação pela forma da extinção de condomínio, por
provocação de outro condômino. Nesse caso, a autorização legislativa para a
alienação da fração ideal pertencente ao domínio público é dispensável, porque
inerente ao regime da propriedade condominial.
3. Recurso especial a que se nega provimento.”

Tema V

Sucessão Legítima. Ordem de vocação hereditária. Formas de suceder e de partilhar. Sucessão em linha reta.
Sucessão dos descendentes. Sucessão dos ascendentes. Sucessão do cônjuge. Direito real de habitação.

Notas de Aula5

1. Ordem de vocação hereditária

A ordem legal traçada no artigo 1.829 do CC evidencia uma presunção do legislador


de quem seriam os beneficiários do de cujus se esse fizesse um testamento. É uma
presunção legal de afetividade. Veja:
5
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 26/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:


I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”

As classes são excludentes, o que significa que as mais próximas prevalecem sobre
as mais remotas. Os descendentes são os mais próximos, seguindo-se dos ascendentes, do
cônjuge e dos colaterais – sendo que o cônjuge pode concorrer com descendentes ou
ascendentes, o que gera uma discussão sobre a sua categorização na sucessão legítima, a
qual será abordada.
Dentro da mesma classe, o grau mais próximo também afasta o mais remoto. Essa
regra, proximior excludit remotiorem, só é relativizada no caso de direito de representação
para os descendentes, como se verá adiante, em que herdeiros de dois graus, em uma só
classe, concorrem.
Na classe dos descendentes ou dos ascendentes, não há limite de grau sucessório,
assim como não há limite de parentesco, como se sabe, nessa linha reta.
Quanto à forma de suceder, o herdeiro pode receber por direito próprio, por
representação, ou por direito de transmissão. Quando o herdeiro for chamado a suceder sem
intermediação de nenhum outro grau, ou seja, quando o seu grau for o imediatamente apto a
suceder, receberá por direito próprio; quando vier a receber herança mesmo em grau
diverso do imediatamente mais próximo, assim o será por conta do direito de representação.
O direito de transmissão, por seu turno, é o que se apresenta no artigo 1.809 do CC:

“Art. 1.809. Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de


aceitar passa-lhe aos herdeiros, a menos que se trate de vocação adstrita a uma
condição suspensiva, ainda não verificada.
Parágrafo único. Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação,
desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar
a primeira.”

A transmissão é bem simples: se o herdeiro falece depois do autor da herança sem


manifestar aceitação ou renúncia, o direito de aceitar passa-se aos sucessores desse herdeiro
pós-morto.
Quanto à forma de partilhar, há três: por cabeça, por estirpe ou por linha. A
percepção da herança por cabeça é típica de quem recebe por direito próprio: consiste na
partilha feita em partes iguais pelo número de beneficiários. A percepção por estirpe
consiste na vigência de direito de representação, quando há graus distintos recebendo a
herança. Já a partilha por linha, própria dos ascendentes, divide o monte pela metade,
entregando cada parte a um dos lados da ascendência, materno e paterno, igualmente –
mesmo que haja disparidades em cada lado, como quando há somente avós, sendo dois
paternos e um materno, caso em que o avô materno recebe metade, e os avós paternos a
outra metade (um quarto para cada).

1.1. Sucessão do cônjuge

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Um enorme avanço do CC de 2002 em relação ao diploma de 1916 foi a previsão de


que o cônjuge é herdeiro necessário. Veja o artigo 1.845 do CC:

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o


cônjuge.”

Como tal, o cônjuge não pode ser afastado por testamento. Todavia, veja o seguinte
julgado do STJ:

“Informativo nº 409, STJ. Quarta Turma.


DIREITO SUCESSÓRIO. VONTADE. TESTADOR.
O pacto antenupcial foi firmado na vigência do CC/1916 e, fixado o regime da
separação de bens, em observância ao princípio da autonomia da vontade, não
poderia ser alterado por ser ato jurídico perfeito. O art. 2.039 do CC/2002
estabelece que o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do código
anterior será o que foi por ele estabelecido. Assim, permanece com plena eficácia o
pacto nupcial, devendo, pois, ser respeitados os atos subsequentes dele advindos,
especialmente, como na espécie, o testamento celebrado por um dos cônjuges. A
dissolução do casamento pela morte de um dos cônjuges não autoriza que a
partilha de seus bens particulares seja realizada diversamente do que admitido pelo
regime de bens adotado no casamento, nem transforma o testamento, se estipulado
por qualquer deles em conformidade com a lei e o pacto antenupcial adotado, em
ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado. Assim, ao prosseguir o julgamento,
a Turma, por maioria, conheceu e deu provimento ao recurso para indeferir o
pedido de habilitação do espólio da viúva no inventário do cônjuge varão. REsp
1.111.095-RJ, Rel. originário Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do
TRF da 1ª Região), Rel. para acórdão Min. Fernando Gonçalves, julgado em
1º/10/2009.”

Vê-se que a qualidade de herdeiro necessário não impediu o afastamento do cônjuge


da sucessão, por conta da configuração do regime de bens.
Para que o cônjuge possa suceder, de forma geral, é preciso que estejam preenchidas
as condições do artigo 1.830 do CC:

“Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se,


ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados
de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se
tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”

Para haver sucessão, é preciso que a união conjugal esteja hígida quando da morte, à
exceção da situação de separação de fato, há menos de dois anos, sem culpa do cônjuge
supérstite: se o sobrevivente não for culpado da separação de fato por mais de dois anos,
terá direito sucessório. Vê-se que, ao menos nesse caso, há relevância da discussão de culpa
no direito sucessório.
O direito ao divórcio, hoje, é um direito potestativo, sem condicionante temporal
alguma, segundo a EC 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do artigo 226 da CRFB:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação
de fato por mais de dois anos.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela
Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
(...)”

Essa alteração não influencia na questão do direito sucessório, pois quando quer que
seja possível o divórcio, esse determina perda da qualidade de sucessor – e essa emenda
apenas permitiu que o divórcio seja feito a qualquer tempo. Nem mesmo a questão da culpa
mortuária, aquela discutida no caso da separação de fato há mais de dois anos, restou
alterada por essa EC, segundo a doutrina que já se manifestou sobre o tema.
Se houver separação de fato, pode haver constituição de uma união estável, na
forma do artigo 1.723, § 1º, que remete ao artigo 1.521, VI, do CC:

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521;
não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar
separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união
estável.”

“Art. 1.521. Não podem casar:


(...)
VI - as pessoas casadas;
(...)”

Se assim se der, ou seja, houver nova união estável, e houver também o cônjuge
inocente separado há mais de dois anos, como será a sucessão?
Há três correntes sobre o tema. A primeira, de Inácio de Carvalho Neto, defende a
interpretação literal do artigo 1.830 do CC, o que faz com que somente o cônjuge suceda. É
posição isolada, calcada na inconstitucionalidade do artigo 1.723, § 1º, pois reputa
incabível a constituição da nova sociedade conjugal com a mera separação de fato, e como
consequência entende que a sucessão não será igualmente possível.
A segunda corrente defende que prevalece a afeição que se estabeleceu por último,
ou seja, com o companheiro, que é com quem estava o de cujus no fim de sua vida. Assim
defende Luiz Paulo Vieira de Carvalho, e é corrente com alguma expressão.
A tese majoritária, porém, defende que o cônjuge receba os bens adquiridos até
quando se deu a separação de fato, momento em que se rompeu a comunicabilidade; e o
companheiro recebe os bens adquiridos desde quando a união estável se constituiu. Se
houver interregno entre o fim da união matrimonial e o início da união estável, nos bens ali
amealhados pelo de cujus nenhum dos consortes concorrerá.
A prova da culpa na separação, para a maior parte da doutrina, incumbe ao cônjuge
interessado, porque é um requisito estabelecido na lei para que ele ganhe posição
sucessória. Para outra corrente, minoritária, cabe aos herdeiros que impugnarem a
habilitação do cônjuge, mesmo porque não se pode impor ao cônjuge a prova negativa –
prova de que não tem culpa. Mesmo minoritária, é mais coerente essa segunda corrente.
O artigo 1.831 do CC trata do direito real de habitação do cônjuge:

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja
o único daquela natureza a inventariar.”

Esse direito é independente do direito sucessório: mesmo que o cônjuge não tenha
qualquer direito sucessório, nem mesmo sobre o próprio bem em questão, se preenchidos os
requisitos do artigo supra, terá direito real de habitação. Sobre a dissociação dos direitos,
sucessório e de habitação, veja o enunciado 271 do CJF:

“Enunciado 271, CJF – Art. 1.831: O cônjuge pode renunciar ao direito real de
habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua
participação na herança.”

Antes do CC de 2002, o direito real de habitação já assistia ao cônjuge, mas por


analogia à previsão para o companheiro, constante da Lei 9.278/96, artigo 7º, parágrafo
único:

“Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista


nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de
alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o
sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova
união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”

Veja que na norma supra há restrição ao direito, que é sujeito a condição resolutiva
de não constituir nova família. Hoje, o CC não impõe essa restrição.
Surge uma questão, aqui: como não se sujeita a condição alguma, se um cônjuge
obtiver direito real de moradia, e novamente se casar, manter-se-á com tal direito de
moradia. Suponha-se, porém, que esse cônjuge supérstite venha a morrer, no curso do seu
novo casamento: o novo cônjuge que lhe sobreviva terá direito real de habitação sobre
aquele bem que o de cujus não tinha propriedade, mas somente direito real de habitação?
A resposta é negativa, pois se houvesse essa transmissão, o direito real de habitação
seria perpétuo, limitando ad infinitum o direito de propriedade de quem seja herdeiro
daquele imóvel. É claro que, se o cônjuge que tinha o direito real de habitação também
fosse herdeiro do próprio bem, de forma exclusiva, não se falaria em transmissão do direito
de habitação, mas sim da simples constituição desse direito, porque se é o único
proprietário do bem, o ocupava a esse título, e não a título de direito de habitação.

1.2. Classes da sucessão legítima

1.2.1. Descendentes, em concorrência ou não com o cônjuge

Na primeira classe dos herdeiros legítimos, o artigo 1.829, I, do CC diz que herdam
os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o
falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se,
no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Dessarte, a primeira classe é a dos descendentes, que poderão concorrer com o


cônjuge em determinadas hipóteses.
O cônjuge casado em comunhão universal não sucede, se há descendentes. Assim o
é porque o cônjuge, nessa situação, já tem a meação de todos os bens, o que lhe assegura
patrimonialmente após a morte de seu consorte. Essa situação, no entanto, pode gerar
algumas injustiças práticas, pois pode acontecer de inexistirem bens em comunhão, o que
levará o cônjuge a ser meeiro de nada, e também não ser herdeiro.
Na segunda classe, dos ascendentes, o regime é irrelevante: o cônjuge concorrerá
qualquer que seja o regime de bens do casamento.
O STJ julgou recentemente caso referente à relevância da medida da separação de
corpos para a comunhão de bens:

“REsp 1065209 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro JOÃO OTÁVIO


DE NORONHA. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento
08/06/2010. Data da Publicação/Fonte DJe 16/06/2010.
Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL
DE BENS. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO.
IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS APÓS A
RUPTURA DA VIDA CONJUGAL.
1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de
quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de
separação de corpos.
2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres
conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os
efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio.
3. Recurso especial não conhecido.”

Se o cônjuge fora casado no regime da separação obrigatória, igualmente não


concorrerá na primeira classe. Sobre o regime da separação obrigatória, a doutrina sempre
foi unânime em reputar que é sinônimo de separação legal, ou seja, aquela prevista no
artigo 1.641 do CC:

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:


I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da
celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”
O motivo de o casado em separação obrigatória não suceder é que se não se
comunicam os bens em vida, não há qualquer lógica em se permitir que se comuniquem
após a morte. Mais do que isso, se houver bens adquiridos onerosamente no curso da
separação legal, esses se comunicam6, como dispõe a súmula 377 do STF – pelo que o
supérstite terá garantida a meação, ficando resguardado, pois se tem meação, dispensa-se a
herança:

“Súmula 377, STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os


adquiridos na constância do casamento.”

6
Persiste, ainda, divergência doutrinária sobre a necessidade ou não da prova do esforço comum para tal
comunicabilidade, prevalecendo ligeiramente a corrente que defende a desnecessidade dessa prova.

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Como dito, o regime da separação obrigatória, sujeito a essa lógica acima, é o da


separação legal, para a doutrina unânime. Para o regime da separação convencional,
firmado em pacto antenupcial, e não por conta das hipóteses legais, portanto, como não se
encarta nas hipóteses de não concorrência do artigo 1.829, I, do CC, a doutrina sempre
defendeu que haveria sucessão em concorrência com os descendentes.
Ocorre que o STJ, recentemente, proferiu um julgado extremamente peculiar,
contrariando toda a doutrina no que diz respeito à definição do conceito do que seja
considerado regime de separação obrigatória. Nesse julgado, a Corte estabeleceu que a
separação obrigatória é gênero, do qual são espécies os regimes da separação legal e da
separação convencional. Veja:

“REsp 992749 / MS. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
01/12/2009. Data da Publicação/Fonte DJe 05/02/2010.
Ementa: Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha.
Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens,
celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art.
1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do
falecido. Não ocorrência.
- Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/02, dentro do contexto do sistema
jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a
temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão
forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da
livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da
autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da
confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar
o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica.
- Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro,
como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge
sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a
totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo,
o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi
referendado pelo art. 1.640 do CC/02.
- Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da
autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação,
além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens
particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os
descendentes.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do
CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação
convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas
obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua
observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à
meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens
estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o
cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829,
inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei
codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve
prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados
dispositivos.

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

- No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde


já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não
houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais
especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da
herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante;
(iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação
convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura
pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do
casamento, inclusive frutos e rendimentos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime
matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser
toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno
sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica
dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o
fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações..
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não
requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao
outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o
cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não
deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro
necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao
regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial
de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos
cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em
vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva
propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto
antenupcial, por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e
honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após
manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por
conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no
processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança,
o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura
pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de
terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos
patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação
viável do art. 1.829, inc. I, do CC/02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo
código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido,
bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade.
Recurso especial provido.
Pedido cautelar incidental julgado prejudicado. (grifo nosso)”

Por sua enorme didática, segue abaixo um capítulo do voto condutor da Ministra
Nancy Andrighi, no julgado acima:
“(...)
II - A sucessão do cônjuge (art. 1.829 do CC⁄02).

Muito se tem discutido a respeito da exata interpretação do art. 1.829, inc. I, do


CC⁄02, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em primeira linha: “aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este
com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o


autor da herança não houver deixado bens particulares”.
A redação ambígua dessa norma tem suscitado muitas dúvidas na doutrina, e três
correntes se estabeleceram, interpretando o dispositivo legal de maneira
completamente diferente. São elas:

II.1 - Primeira corrente: Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil.

A primeira corrente deriva do Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil,


organizada pelo Conselho da Justiça Federal, que dispõe:

“Enunciado 270
Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de
concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no
regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da
comunhão parcial ou participação final nos aqüestos, o falecido possuísse bens
particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os
bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.”

De acordo com esse entendimento, a sucessão do cônjuge obedeceria as seguintes


regras:

(i) se os cônjuges se casaram pelo regime da comunhão universal, o sobrevivente


não concorre com os filhos na sucessão, já que recebeu suficiente patrimônio em
decorrência da meação (incidente, nesta hipótese, sobre todo o patrimônio do casal,
independentemente da data de aquisição);

(ii) se o casamento se deu pela separação obrigatória, entendida essa como a


separação legal de bens, também não concorrem cônjuge e filhos, porque isso
burlaria o sistema legal;

(iii) finalmente, se o casamento tiver sido realizado na comunhão parcial (ou nos
demais regimes de bens), há duas possibilidades:

(iii.1) se o falecido deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente participa da


sucessão, porém só quanto a tais bens, excluindo-se os bens adquiridos na
constância do matrimônio, porque eles já são objeto da meação;

(iii.2) se não houver bens particulares, o cônjuge sobrevivente não participa da


sucessão (porquanto sua meação seria suficiente e se daria, aqui, hipótese
semelhante à da comunhão universal de bens).

Para maior clareza, pode-se elaborar um quadro, demonstrativo das regras gerais
de sucessão legítima, conforme a 1ª corrente estudada, nas hipóteses em que o
falecido tenha deixado descendentes e cônjuge:

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Cônjuge herda bens Cônjuge herda bens


Regimes Meação
particulares? comuns?
Comunhão
Sim Não Não
universal
Comunhão Sim, em concurso com Sim, em concurso com
Sim
parcial os descendentes. os descendentes
Separação
Não definido Não Não
obrigatória
Sim, se os houver, em
Separação Não, em Sim, em concurso com
concurso com os
convencional princípio os descendentes.
descendentes

Também corroboram esse entendimento ANA CRISTINA DE BARROS


MONTEIRO FRANÇA PINTO (atualizadora do Curso de Direito Civil de
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Vol. 6 – 37ª Ed. – São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 97), NEY DE MELLO ALMADA (Sucessões, São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 175), entre outros.

Frise-se que esse quadro tem, como objetivo, apenas pinçar orientações gerais
sobre a matéria, sem pretensão de debruçar-se sobre as peculiaridades de cada um
dos regimes de bens, ou esgotar discussões doutrinárias e jurisprudenciais que cada
um deles pode suscitar. É de conhecimento geral que a interpretação das novas
regras de sucessão, notadamente o art. 1.829, I, do CC⁄02, tem gerado intensa
controvérsia que, por não ser objeto especificamente deste processo, não será, aqui,
esgotada.

II.2 - Segunda corrente: Majoritária.

A segunda e majoritária corrente doutrinária acerca da interpretação do art. 1.829,


I, do CC⁄02, defende uma ideia substancialmente diferente. Os partidários dessa
corrente, a exemplo dos defensores do Enunciado 270 das Jornadas, separam, no
casamento pela comunhão parcial, a hipótese em que o falecido tenha deixado bens
particulares, e a hipótese em que ele não tenha deixado bens particulares (sempre
considerando a existência de descendentes). Se o cônjuge pré-morto não tiver
deixado bens particulares, o sobrevivente não recebe nada, a título de herança.
Contudo, se o autor da herança tiver deixado bens particulares, o cônjuge herda,
nas proporções fixadas pela Lei (arts. 1.830, 1.832 e 1.837), não apenas os bens
particulares, mas todo o acervo hereditário.

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

MARIA HELENA DINIZ defende essa tese com os seguintes fundamentos (Curso
de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões – 20a ed. rev. e atual. de
acordo com o Novo Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 124 e ss.):

i. a herança é indivisível, deferindo-se como um todo unitário (art. 1.791).


Assim, não há sentido em dividi-la apenas nas hipóteses em que o
cônjuge concorre, na sucessão;
ii. se o cônjuge sobrevivente for ascendente dos demais herdeiros, terá a
garantia de 1⁄4 da herança. Essa garantia é incompatível com sua quase-
exclusão, na hipótese em que o falecido tiver deixado poucos bens;
iii. o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, e não há sentido em lhe
garantir a legítima se ele não herdará, no futuro, esse patrimônio;
iv. em um regime de separação convencional, as partes podem firmar pacto
antenupcial disciplinando a comunicação dos aquestos, e não obstante o
cônjuge sobrevivente os herdará. Não há sentido em restringir tal direito
apenas na comunhão parcial;
v. meação e herança são institutos diversos. No falecimento, a meação do
falecido passa a integrar seu patrimônio, não havendo razão para destacá-
la para fins de herança.

Para os defensores dessa corrente, o quadro supra referido ficaria da seguinte


forma (sempre na hipótese de o falecido ter deixado bens particulares e filhos):

Cônjuge herda bens Cônjuge herda bens


Regimes Meação
particulares? comuns?
Comunhão
Sim Não Não
universal
Sim, em concurso
Sim, em concurso com
Comunhão parcial Sim com os
os descendentes.
descendentes
Separação
Não definido Não Não
obrigatória
Sim, se os houver,
Separação Não, em Sim, em concurso com
em concurso com
convencional princípio os descendentes.
os descendentes

II.3 - Terceira corrente: Interpretação invertida.

A terceira corrente que se formou para a interpretação do art. 1.829, I, do CC⁄02,


inverte as ideias defendidas pelas anteriores. Encabeçada por MARIA BERENICE
DIAS, defende que a sucessão do cônjuge fica excluída na hipótese de o falecido
ter deixado bens particulares (“Ponto final”. Disponível em:
<http:⁄⁄www.mariaberenicedias.com.br⁄site⁄content.php?
cont_id=108&isPopUp=true>, acesso em 22 set. 2009). Enquanto os defensores da
primeira e da segunda correntes apenas reconheciam, ao cônjuge casado pelo
regime de comunhão parcial de bens, o direito à sucessão na hipótese de o falecido
ter deixado bens particulares, esta terceira linha de pensamento defende que só há
sucessão na hipótese em que ele não os deixou, concorrendo o cônjuge
sobrevivente com os descendentes, na herança dos bens comuns.

Quanto ao regime de separação de bens, destaca que a restrição somente é imposta


aos cônjuges casados pelo regime da separação legal de bens, concluindo que na
separação convencional, o cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os
descendentes.

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Pelo sistema defendido por esta corrente, o quadro, para as hipóteses em que o
falecido deixou bens particulares e filhos, ficaria da seguinte forma:

Cônjuge herda bens Cônjuge herda bens


Regimes Meação
particulares? comuns?
Comunhão
Sim Não Não
universal
Não há herança do
Comunhão Sim, em concurso com
Sim cônjuge, se houver
parcial os descendentes.
bens particulares.
Separação legal Não definido Não Não
Sim, se os houver, em
Separação Não, em Sim, em concurso
concurso com os
convencional princípio com os descendentes
descendentes

II.4 – A doutrina e a sucessão do cônjuge casado no regime da separação de bens.

No tocante à separação de bens, muito embora a doutrina predominante, por meio


das três correntes especificadas, posicione-se no sentido de que o cônjuge
sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens ostenta a
condição de herdeiro concorrente, há entendimento em sentido contrário, que tem à
testa o saudoso Prof. MIGUEL REALE (in Estudos Preliminares do Código Civil.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61⁄64), que assevera serem
“duas são as hipóteses de separação obrigatória: uma delas é a prevista no
parágrafo único do art. 1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da
estipulação feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação de
bens. A obrigatoriedade da separação de bens é uma consequência necessária do
pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão 'separação obrigatória'
aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. 1.641.”
Dessa forma, a separação obrigatória a que se refere o art. 1.829, I, do CC⁄02, é
gênero do que são espécies a separação convencional e a legal. Com base nisso,
conclui que em hipótese alguma, seja na separação legal, seja na separação
convencional, o cônjuge será herdeiro necessário do autor da herança.

II.5 – Interpretando o inc. I do art. 1.829 do CC⁄02.

De início, torna-se impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC⁄02, dentro do


contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os
demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes
teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se
espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia
da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem
como da confiança legítima, da qual brota a boa fé. A eticidade, por fim, vem
complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da
norma jurídica.

Até o advento da Lei n.º 6.515⁄77 (Lei do Divórcio), considerada a importância dos
reflexos do elemento histórico na interpretação da lei, vigeu no Direito brasileiro,

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge


sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a
totalidade do patrimônio do casal. A partir da vigência da Lei do Divórcio,
contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial,
o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC⁄02.

Assim, quando os nubentes silenciam a respeito de qual regime de bens irão adotar,
a lei presume que será o da comunhão parcial, pelo qual se comunicam os bens que
sobrevierem ao casal, na constância do casamento, consideradas as exceções legais
previstas no art. 1.659 do CC⁄02. Se em vida os cônjuges assumiram, por vontade
própria, o regime da comunhão parcial de bens, na morte de um deles, deve essa
vontade permanecer respeitada, sob pena de ocorrer, por ocasião do óbito, o
retorno ao antigo regime legal: o da comunhão universal, em que todo acervo
patrimonial, adquirido na constância ou anteriormente ao casamento, é considerado
para efeitos de meação.

A permanecer a interpretação conferida pela doutrina majoritária de que o cônjuge


casado sob o regime da comunhão parcial herda em concorrência com os
descendentes, inclusive no tocante aos bens particulares, teremos no Direito das
Sucessões, na verdade, a transmutação do regime escolhido em vida –comunhão
parcial de bens – nos moldes do Direito Patrimonial de Família, para o da
comunhão universal, somente possível de ser celebrado por meio de pacto
antenupcial por escritura pública. Não se pode ter após a morte o que não se queria
em vida. A adoção do entendimento de que o cônjuge sobrevivente casado pelo
regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes do falecido a
todo o acervo hereditário, viola, além do mais, a essência do próprio regime
estipulado.

Por tudo isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da
vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na
vida como na morte dos cônjuges. Desse modo, preserva-se o regime da comunhão
parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o
cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária
sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis, estes,
unicamente entre os descendentes.

A separação de bens, que pode ser convencional ou legal, em ambas as hipóteses é


obrigatória, porquanto na primeira, os nubentes se obrigam por meio de pacto
antenupcial – contrato solene – lavrado por escritura pública, enquanto na segunda,
a obrigação é imposta por meio de previsão legal.

Sob essa perspectiva, o regime de separação obrigatória de bens, previsto no art.


1.829, inc. I, do CC⁄02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal;
(ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e
ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à
sua observância.

Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens,
direito à meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à
concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as
partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é
herdeiro necessário.

Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829,


inc. I, e 1.687, do CC⁄02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei
codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, entre

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

uma interpretação que torna ausente de significado o art. 1.687 do CC⁄02, e outra
que conjuga e torna complementares os citados dispositivos, não é crível que seja
conferida preferência à primeira solução.

Importante mencionar, no tocante ao caráter balizador do regime matrimonial de


bens no que concerne ao direito sucessório, julgado desta 3ª Turma, do qual se
extraem as seguintes ponderações:

“(...) o regime matrimonial de bens atua como elemento direcionador do direito de


herança concorrente do cônjuge.
(...)
O regramento sucessório é de suma importância enquanto complexo de ordem
pública, em virtude de seus reflexos no organismo familiar e no âmbito social, que
vão além do simples direito individual à pertença de bens.” (RMS 22.684⁄RJ, de
minha relatoria, DJ de 28⁄5⁄2007.)

Com as considerações acima, inaugura-se uma quarta linha de interpretação,


segundo a qual, o quadro, para as hipóteses em que o falecido deixou bens
particulares e filhos, ficaria da seguinte forma:

Cônjuge herda Cônjuge herda bens


Regimes Meação
bens particulares? comuns?
Comunhão universal Sim Não Não
Sim, em concurso
Comunhão parcial Sim Não
com os descendentes.
Separação de bens, que
pode ser legal ou Não Não Não
convencional.

(...)”

Sendo assim, segundo o STJ, as regras de separação do patrimônio em vida, sejam


aquelas estabelecidas na lei ou na convenção antenupcial solene, impedem a comunicação
post mortem, o que leva à conclusão de que não há concorrência do cônjuge como os
descendentes, quando casado com o de cujus em separação convencional – porque inserida
na previsão do inciso I do artigo 1.829, eis que também é separação obrigatória.
Hoje, portanto, vigem dois entendimentos fortes sobre sucessão do cônjuge em
separação convencional, um da doutrina maciça, e outro do STJ.
Já se o regime for da comunhão parcial, há duas situações diversas na lei: se no
monte houver bens particulares, o cônjuge não concorre com os descendentes; se não há
bens particulares do de cujus, o cônjuge concorrerá com a classe dos descendentes. Essa

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

literalidade está longe de ser suficiente para solucionar os problemas, porém, surgindo
quatro correntes sobre essa sucessão.
A primeira tese apregoa que basta que existam bens particulares do de cujus no
monte para que o cônjuge supérstite venha a suceder sobre todo ele: havendo bens
particulares, esses serão postos à partilha pelo cônjuge e descendentes, eis que não sujeitos
à meação – e os bens comuns se sujeitam à meação e à partilha.
A segunda corrente entende que, havendo bens particulares, o cônjuge concorrerá
apenas neles, pois se a ideia é que se há direito à meação a herança é despicienda, somente
em relação aos bens particulares há que se resguardar partilha, pois não são sujeitos à
meação. Essa é a posição majoritária na doutrina, e encampada pelo CJF:

“Enunciado 270, CJF – Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge
sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança
quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos
regimes da comunhão parcial ou participação final nos aqüestos, o falecido
possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais
bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os
descendentes.”

A terceira posição, de Nancy Andrighi, defende o seguinte: se a comunhão parcial


significa que os bens onerosamente adquiridos se comunicam em vida, somente esses se
comunicarão na sucessão, ou seja, é coerente com sua lógica de reprisar as regras do regime
em vida sobre a sucessão mortis causa. Com isso, inverte totalmente a segunda corrente: só
há sucessão em concorrência com os descendentes, segundo ela, se há meação.
Quarta corrente, de Maria Berenice Dias, defende que se há ponto-e-vírgula entre as
duas primeiras hipóteses de não concorrência do cônjuge e a última – pois diz o artigo
1.829, I, que o cônjuge sobrevivente concorre “salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da
comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.”, significa que
se o de cujus deixou bens particulares, o cônjuge não concorrerá; se não deixou, concorre.
A leitura é meramente baseada na redação.
Por fim, se o sobrevivente era casado no regime da participação final de aquestos,
quando há separação no curso do casamento, mas há um ajuste de contas na dissolução, o
entendimento prevalente é o de que a sucessão só se opera sobre os bens particulares,
porque sobre os demais já há meação – é a posição do CJF, como se vê no enunciado supra.
Um segundo entendimento, minoritário, defende que deve haver interpretação literal do
artigo 1.829, I, do CC: se o regime não está ali mencionado, o cônjuge sucede, sem
ressalvas, concorrendo com os descendentes.
Quando o cônjuge concorrer, há que se apontar ainda uma peculiaridade
fundamental: a previsão de quinhão mínimo para o supérstite, na forma do artigo 1.832 do
CC. Veja:

“Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao


cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota
ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que
concorrer.”

A partilha é por cabeça, mas com a reserva de quinhão mínimo ao cônjuge, que
nunca receberá menos do que um quarto da herança, se os descendentes do de cujus forem

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

também seus descendentes – ou seja, se concorrer com filhos próprios com o de cujus. Essa
reserva só é relevante em casos em que haja mais de três filhos, por óbvio.
Repare que a reserva ocorre quando a concorrência é com filhos comuns; quando os
descendentes forem apenas do autor da herança, não há que se reservar nada para o
cônjuge: há partilha por cabeça, pura e simples, qualquer que seja o número de herdeiros.
Problema surge é quando há prole híbrida, ou seja, há descendentes exclusivos do
de cujus e descendentes comuns. Nesse caso, a lei é omissa, e por isso surgem duas
correntes sobre a cota mínima: a primeira, minoritária, defende que não há que se reservar
cota mínima, pois a lei só dispõe que haja ascendência do cônjuge sobre descendentes do
de cujus, nem que seja ao menos um, para que ele faça jus à reserva; a segunda corrente
defende que devem ser todos os descendentes comuns, pois esse é o sentido da norma,
abrangente de todos os descendentes – se há prole híbrida, essa escapa da previsão legal,
que é restrita, e fala no plural (descendentes). É a posição majoritária, mesmo porque não
cria tratamento diferenciado dos filhos em relação à sua origem, pois se se diferenciar
acerca da prole híbrida agora, entregando quinhão mínimo ao cônjuge sobrevivente, quando
da morte desse cônjuge supérstite os seus filhos herdarão desse quinhão, enquanto os
exclusivos do de cujus não participarão dessa sucessão.

1.2.2. Ascendentes em concorrência com o cônjuge

O inciso II do artigo 1.829 do CC traz a segunda classe da sucessão legítima,


entregando os direitos sucessórios aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.
Para que o cônjuge concorra, aqui, é necessário tão somente que esteja encartado no
artigo 1.830 do CC, ou seja, que não estava separado judicialmente do de cujus, nem
separado de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se
tornara impossível sem culpa do sobrevivente. Aqui, portanto, a concorrência ocorrerá
sempre que preenchidos esses requisitos, sem que o regime de bens tenha qualquer
relevância.
A partilha entre os ascendentes é feita por linha: simplesmente divide-se em duas
linhas, metade a cada parte da ascendência, paterna e materna. Veja o artigo 1.836:

“Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em


concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§ 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem
distinção de linhas.
§ 2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha
paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.”

Quando houver cônjuge, o artigo 1.837 do CC dá a nota:

“Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um


terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se
maior for aquele grau.”

Quanto à classe dos ascendentes, há que se mencionar a possibilidade reconhecida


pelo STJ de se promover a investigação de paternidade pela via avoenga, ou seja, o neto
pode investigar a paternidade de filho pré-morto do de cujus, supostamente seu pai, a fim

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

de com isso poder exercer seu direito de representação na herança do avô agora falecido.
Veja:

“AÇÃO. ALIMENTOS. AVÓS.


É cediço que a jurisprudência deste Superior Tribunal firmou-se no sentido de que
a obrigação dos avós em prestar alimentos aos netos é subsidiária e complementar,
visto que primeiro os pais respondem pelo alimentando; consequentemente, só
quando os pais não podem prestá-los integralmente ou parcialmente é que a ação
pode ser ajuizada contra os avós. Na hipótese de ser intentada tal ação, é necessária
a demonstração da possibilidade de os avós arcarem com parte ou com a totalidade
do sustento do neto. No caso dos autos, a ação de alimentos foi movida contra os
avós com o objetivo de obter pensão equivalente a seis salários mínimos, porém o
TJ julgou-a improcedente, confirmando a sentença e deixando consignado, ainda,
que a ação foi intentada primeiro contra os avós, embora pudesse sê-lo contra o pai
e que se deixou de demonstrar que os avós poderiam arcar com tal pagamento.
Nesse contexto, para o Min. Relator, a decisão a quo harmoniza-se com a
jurisprudência deste Superior Tribunal, além de que, ausente a prévia vindicação
dos alimentos ao pai da autora recorrente, não poderia ter êxito a ação. Quanto à
alegação de que o pai reside no exterior, explica que essa questão não foi tratada
nos autos e examiná-la, bem como os outros fatos, incidiria a Súm. n. 7-STJ.
Diante do exposto, a Turma não conheceu do recurso. REsp 576.152-ES, Rel. Min.
Aldir Passarinho Junior, julgado em 8/6/2010.”

1.2.3. Cônjuge

Aqui, basta dizer que o artigo 1.829, III, do CC, coloca o cônjuge isoladamente
como terceiro na linha sucessória, ou seja, a terceira classe é composta unicamente pelo
cônjuge, quando não há descendentes (primeira classe) ou ascendentes (segunda classe) que
com ele possam vir a concorrer.
Vale dizer que o concubino não tem direito sucessório, assim como não tem direito
de família, em regra. O máximo que se pode conceber é que haja indenização por esforço
empreendido na sociedade de fato, mas deve haver prova desse esforço e contribuição por
parte do concubino. Nem mesmo indenização por suposta prestação de serviços domésticos
ao concubino é devida, como já foi ventilado na jurisprudência: não se pode entregar esse
direito indenizatório ao concubino, porque não se entrega tal direito à cônjuge, ou seja, se
se conferisse indenização por serviços domésticos ao concubino se estaria dando a esse
mais direitos do que se dá ao cônjuge, o que não se pode admitir. Veja:

“REsp 872659 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
25/08/2009. Data da Publicação/Fonte DJe 19/10/2009.
Ementa: Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento
simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.
- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização
por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável,
muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se
postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao
casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no
casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito
menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se
casado fosse.

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina


situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio
casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art.
226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.
- A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência
havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de
forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por
meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda,
com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços
domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita.
- Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o
desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais.
O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso
houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-
á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que
uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com
favores.
- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em
choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele,
expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem
e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar
a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para
fins de tutela do Direito.
Recurso especial do Espólio provido.
Recurso especial da concubina julgado prejudicado.”

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Casos Concretos

Questão 1

Jorge e Matilde casaram-se em 1975 pelo regime legal da época. O casal teve três
filhos: Antônio, João e Carolina, esta última casada pelo regime da comunhão parcial de
bens com Manoel, com quem teve um casal de gêmeos, vindo Carolina a falecer no parto
em março de 2003.
Jorge, ainda casado com Matilde, faleceu em maio de 2003, deixando, além dos
dois filhos, uma filha menor, com paternidade reconhecida, fruto de um rápido
relacionamento amoroso extraconjugal. Ele deixou a casa onde a família sempre morou e
um carro. Decida quem são os herdeiros e como se dará a sucessão, explicando os modos
de suceder e de partilhar, e os percentuais.

Resposta à Questão 1

Como o falecido era casado pelo regime da comunhão universal de bens (vigente
em 1975), Matilde não tem direito à sucessão, por força do artigo 1.829, I do CC. Matilde é
meeira de todos os bens deixados. Os três filhos sobreviventes sucedem por direito próprio,
e os dois netos, sucedem representando a mãe pré-morta, Carolina. Cada filho recebe um
quarto dos bens, e os netos, por estirpe, recebem um oitavo cada um.

Questão 2

José, proprietário de um apartamento, e Marta, desprovida de bens, se casaram


pelo regime da comunhão parcial. Durante o matrimônio, ele vendeu o apartamento por
R$ 200.000,00. Em seguida, ele comprou uma casa no mesmo valor, que foi alugada. A
família residia em outro imóvel alugado. Há quatro anos, Marta comprou um carro.

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O casal não teve filhos. José faleceu em fevereiro de 2004, deixando quatro filhos
de uma união anterior. Como se dará a sucessão? Explique os modos de suceder e de
partilhar e os percentuais.

Resposta à Questão 2

A casa não entra na comunicação de bens, porque foi subrogada de bem particular
adquirido antes do casamento – artigo 1.659, I, CC.
O carro se comunica ao monte, e como o falecido deixou um bem particular, a viúva
sucede em igualdade de condições com os filhos só do morto, tendo cada um direito a um
quinto do acervo hereditário – artigo 1.832 combinado com 1.829, I, ambos do CC. Há
divergência se Marta sucede quanto a todos os bens ou se somente quanto ao bem
particular, porém.
Há ainda que se dizer que Marta não tem o direito real de habitação do único imóvel
residencial inventariado, porque não servia de residência para a família – artigo 1.831, CC.

Questão 3

Vitor e Mônica, desprovidos de bens, casaram-se pelo regime da comunhão parcial


de bens. Durante o matrimônio, ele comprou uma modesta casa para acomodar o casal e
seus três filhos. Ele morreu em agosto de 2003. Como se dará a sucessão de Vitor,
explicando os modos de suceder e de partilhar e os percentuais.

Resposta à Questão 3

Mônica é meeira do único imóvel inventariado. Na ausência de bens particulares,


ela não tem direito à sucessão – artigo 1.829, I, CC. A meação pertencente ao falecido será
destinada aos três filhos do casal, que sucedem por direito próprio e partilham por cabeça,
cabendo a cada um um terço da metade da casa – artigo 1.835, CC.
A viúva tem direito real de habitação – artigo 1.831, CC.

Questão 4

Gabriel casou-se com Monique pelo regime da comunhão universal, com quem
viveu até falecer em maio de 2004. Ele não teve filhos, porque era estéril.
Os pais do falecido requereram a abertura do inventário e reclamam toda a
herança constituída em uma loja, um carro e a casa que servia de residência para o casal.
Decida quem são os sucessores, discriminando os direitos sucessórios de cada um
dos herdeiros, explicando os modos de suceder e de partilhar e os percentuais.

Resposta à Questão 4

Como o falecido não teve descendentes, não importa o regime de bens. O cônjuge
sobrevivente tem direito à sucessão, conforme artigo 1.837 do CC, cabendo um terço para a

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

viúva, e os dois terços restantes divididos por linha pelos pais, que herdam por direito
próprio. A viúva também terá direito real de habitação – artigo 1.831 do CC, além de sua
meação, por força do regime de comunhão universal.

Tema VI

Sucessão dos colaterais. Sucessão dos companheiros. Direito real de habitação.

Notas de Aula7

1. Sucessão dos colaterais

Não havendo ascendentes, descendentes ou cônjuges, os colaterais vêm a suceder.


Qualquer das outras três classes os excluem da sucessão legítima.
Na linha colateral, vige também o proximior excludit remotiorem, e só há direito de
representação quando se falar em filhos de irmãos pré-mortos, ou seja, sobrinhos. O único
grau colateral que guarda direito de representação são os sobrinhos. Veja os artigos 1.839 e
1.840 do CC:

“Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no


art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.”

“Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos,
salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos.”

Há uma diferenciação entre irmãos unilaterais e irmãos bilaterais, quando


promovida a sucessão entre os colaterais. São irmãos bilaterais, ou germanos, aqueles filhos
de mesmo pai e mãe; unilaterais, aqueles que contam com apenas um ascendente comum,
pai ou mãe. Os irmãos unilaterais recebem a metade do que incumbir aos bilaterais, na
forma do artigo 1.841 do CC; havendo só unilaterais, ou só bilaterais, a divisão é igual, na
forma do artigo 1.842 do CC. Veja:

7
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 26/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos


unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.”

“Art. 1.842. Não concorrendo à herança irmão bilateral, herdarão, em partes iguais,
os unilaterais. “

A mesma lógica se repete um grau abaixo, ou seja, para os sobrinhos. Veja o artigo
1.843 do CC:

“Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os


tios.
§ 1º Se concorrerem à herança somente filhos de irmãos falecidos, herdarão por
cabeça.
§ 2º Se concorrem filhos de irmãos bilaterais com filhos de irmãos unilaterais, cada
um destes herdará a metade do que herdar cada um daqueles.
§ 3º Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos unilaterais,
herdarão por igual.”

Veja que há uma exceção à partilha idêntica por ocupantes do mesmo grau quando
concorrem tios e sobrinhos: mesmo que sejam de mesma classe e grau – são colaterais de
terceiro grau – os sobrinhos recebem a totalidade, e os tios nada recebem. É a regra
excepcional do caput do artigo supra.
Para clarear a dinâmica da cadeia familiar, vale reprisar aqui um quadro
esquemático elucidativo dos vínculos familiares, que na colateral se estendem até o quarto
grau:

Prolongamento indefinido

Legenda:

Bisavô
Indivíduo em análise

Avô Tio-avô
Parentesco consangüíneo em linha reta de 1º grau

Pai Tio
Parentesco consangüíneo em linha reta de 2º grau

Indivíduo Irmão Primo


Parentesco consangüíneo em linha reta de 3º grau

Filho Sobrinho
Parentesco consangüíneo colateral de 2º grau

Neto Sobrinho-Neto
Parentesco consangüíneo colateral de 3º grau

Bisneto
Parentesco consangüíneo colateral de 4º grau

Prolongamento indefinido

Concorrendo apenas colaterais de quarto grau, a partilha é simples: concorrem todos


igualmente, por cabeça, sem direito de representação caso haja pré-mortos.

2. Sucessão dos companheiros

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

De 1988 até 1994, a panorâmica sucessória do companheiro era a de tratamento


como sociedade de fato: com base no artigo 226, § 3º, da CRFB, e na súmula 380 do STF,
se tratava a situação como sociedade de fato, exigida a prova do esforço comum para que a
partilha fosse realizada, na proporção da contribuição – e tal processo corria na vara cível.
Veja:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
(...)”

“Súmula 380, STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os


concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum.”

Em 1994, a Lei 8.971 regulamentou o direito alimentar e sucessório dos


companheiros, assim dispondo:

“Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado


judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou
dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de
1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao
companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.”

“Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a)


companheiro(a) nas seguintes condições:
I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova
união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou
comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova
união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora
sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente
terá direito à totalidade da herança.”

“Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de


atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à
metade dos bens.”

A lei acima deu idêntico tratamento ao companheiro em união estável que recebia o
cônjuge, no CC de 1916. Em 1996, a Lei 9.278 trouxe ainda o direito real de habitação para
o companheiro, no artigo 7º, parágrafo único, o que não existia para o cônjuge, no CC de
1916 – ou seja, o companheiro passou a ter mais direitos expressos do que o próprio
cônjuge.

“Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista


nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de
alimentos.

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o


sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova
união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”

É claro que a jurisprudência estendeu esse direito do companheiro ao cônjuge, mas


a letra expressa era para o companheiro.
Vê-se, portanto, que até a edição do CC de 2002 a sucessão do companheiro era
equiparada à do cônjuge. Adiante, porém, veio o CC de 2002, e trouxe a previsão do artigo
1.790, sede única da sucessão daqueles que estavam em união estável:

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,


quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por
lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do
que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da
herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

A doutrina mais esclarecida defende que esse dispositivo não deveria existir, ou
seja, que a melhor e mais razoável opção legislativa teria sido a simples equiparação do
companheiro ao cônjuge, para fins sucessórios – que é como vinha sendo tratada a matéria
até então. Porém, o legislador preferiu diferenciá-los, e assim está vigente esse dispositivo
supra, apesar de haver uma enormidade de críticas e apontamentos de
inconstitucionalidades sobre esse artigo.
A primeira crítica é a sua própria situação topográfica do artigo 1.790: esse se
encontra nas disposições gerais sobre direito sucessório, pelo que se gera uma controvérsia
sobre se seria o companheiro considerado sucessor necessário ou não.
Os requisitos para que o companheiro suceda começam, por óbvio, pela própria
existência de uma união estável, a qual não precisa estar reconhecida em vida: pode haver
prova e reconhecimento post mortem da união entre o pretenso sucessor e o de cujus. Se
assim o for, possivelmente se tornará questão de alta indagação, e será necessária a citação
de eventuais herdeiros ou interessados para manifestar-se sobre a união.
Segundo requisito óbvio é a morte de um dos companheiros. Se a morte se der na
vigência do CC de 2002, a sucessão será regida pelo artigo 1.790, independentemente de ter
sido a união estável constituída antes do codex atual. O que importa é a data do óbito
posterior ao CC de 2002.
Outro requisito para haver sucessão pelo companheiro é que haja bens adquiridos
onerosamente (aquestos) no período em que havia união estável. Esse requisito gera
bastantes controvérsias, que serão abordadas oportunamente. Note que aqui se está falando
de herança, e não da meação – que é devida, por conta do regime de comunhão parcial que
é adotado na união estável, se não houver pacto expresso definindo outro regime para a
união (o que é possível, devendo ser levado a registro em cartório). Quanto à meação, diga-
se, não se exige prova de esforço comum na aquisição dos bens: basta existir a união
estável para que a meação seja devida. Veja o enunciado 115 do CJF, referente ao artigo
1.725 do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-
se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de
bens.”

“Enunciado 115, CJF – Art. 1.725: há presunção de comunhão de aqüestos na


constância da união extramatrimonial mantida entre os companheiros, sendo
desnecessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão dos bens.”

Sobre o direito real de habitação do companheiro, adiantou-se que esse era expresso
no artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96. Ocorre que o artigo 1.790 do CC, o único
dispositivo sucessório da união estável, nada disse sobre tal direito, pelo que duas correntes
surgiram sobre a manutenção desse direito pelo CC de 2002: a primeira defende que o
companheiro não mais tem direito real de habitação, porque o CC rege hoje a matéria, e não
trouxe tal previsão, manifestando silêncio eloqüente sobre o tema – é posição isolada de
Francisco José Cahali. A segunda corrente postula que o companheiro tem, sim, direito real
de habitação, pelos motivos consignados no enunciado 117 do CJF:
“Enunciado 117, CJF – Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao
companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em
razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da
CF/88.”

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será
assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja
o único daquela natureza a inventariar.”

Quer porque o artigo 1.831 do CC, que traz o direito ao cônjuge, deve ser estendido
ao companheiro (invertendo a analogia feita outrora, quando a previsão expressa para o
companheiro era estendida ao cônjuge); quer porque o próprio artigo anterior expresso para
o companheiro não foi revogado, o direito real de habitação do companheiro supérstite
persiste. A diferença entre um e outro caso – seguir-se a norma anterior ao CC, ou estender-
se a previsão atual ao companheiro – é que, se se entender vigente o artigo 7º, parágrafo
único, da Lei 9.278/96, há restrição ao direito de habitação quando o companheiro contrair
nova união familiar, enquanto no artigo 1.831 do CC não há essa limitação – o direito é
vitalício. Prevalece a corrente que entende aplicável o dispositivo anterior ao CC, diga-se.
Há outra divergência no que tange à caracterização do companheiro como herdeiro
necessário ou não. Os artigos 1.845 e 1.850 do CC são relevantes:

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o


cônjuge.”

“Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador
disponha de seu patrimônio sem os contemplar.”

O companheiro não está expresso no rol legal do artigo 1.845, supra. Para parte da
doutrina, o companheiro é herdeiro necessário ainda que não esteja ali mencionado, por
uma interpretação sistemática, eis que o artigo 1.850 não previu que o companheiro possa
ser afastado por testamento – e se não pode ser afastado, é herdeiro necessário,
consequentemente. Essa corrente ainda afirma-se com a tendência histórica à equiparação
do companheiro ao cônjuge.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A segunda corrente faz uma leitura literal do artigo 1.845 supra, defendendo que se
ali não foi expresso, é porque o legislador não o quis, e por isso não é herdeiro necessário, e
sim meramente facultativo.
Uma terceira corrente, porém, defende que não existem apenas duas categorias,
herdeiros necessários ou facultativos: o companheiro é um herdeiro sui generis, porque a lei
impõe que seja sucessor, no artigo 1.790 do CC – que usa o termo “participará” para indicar
a obrigatoriedade da presença do companheiro na sucessão, quando houver bens por ele
sucessíveis (onerosamente adquiridos na constância da união). E é sui generis por isso: se
há bens sucessíveis, aquestos, o companheiro não pode ser afastado; se não há bens
sucessíveis, o companheiro pode ser alheado da sucessão. É a corrente que prevalece.
O requisito dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável é
pesaroso ao companheiro, pelo que a interpretação mais benéfica ao companheiro tende
sempre a prevalecer. Os incisos III e IV do artigo 1.790 do CC criam uma problemática
nesse aspecto. Isso porque o inciso III dispõe que se o companheiro concorrer com outros
parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança, e o inciso IV diz que não havendo
parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. Ora, herança é a universalidade de
bens do de cujus, e não apenas os onerosamente adquiridos no curso da união estável; como
compor essa previsão com a previsão de que o companheiro herda apenas os aquestos?
É por isso que a posição que mais beneficia o companheiro deve ser adotada, e essa
posição é a de que nos casos dos incisos III e IV, a concorrência (III) ou recepção integral
(IV) é sobre toda a universalidade, e não apenas sobre os aquestos. O termo “herança” deve
ser lido na sua forma técnica, como um todo unitário e indivisível. Todavia, há uma posição
que interpreta o termo “herança”, nos incisos III e IV, em correlação ao caput do artigo
sede, de forma que será considerada herança, para o companheiro, apenas os bens
adquiridos onerosamente na constância da união – o que pode levar a absurdos tremendos,
como a deixa de bens ao Município (aqueles não adquiridos onerosamente no curso da
união pelo de cujus), mesmo havendo o companheiro supérstite.
Faz-se pertinente, agora, uma análise pontual dos incisos desse artigo 1.790 do CC,
a fim de detalhar todas as controvérsias que esse dispositivo suscita.
O inciso I do dispositivo em questão diz que se o companheiro concorrer com filhos
comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Já surge
uma divergência, aqui, no que diz respeito à concorrência com outros descendentes,
diferentes de filhos – netos, por exemplo –, porque o dispositivo foi expresso em mencionar
filhos, apenas. É majoritário, quase unânime, a interpretação do termo “filhos” como
“descendentes”, na forma do enunciado 266 do CJF:

“Enunciado 266, CJF – Art. 1.790: Aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na
hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes
comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns.”

Corrente minoritariíssima, sem expressão, defende que quando há descendentes


diversos de filhos, a regra é a do inciso III do artigo 1.790, pois se encartariam na epígrafe
de “outros parentes sucessíveis”.
Em relação à partilha na forma do inciso I do artigo em tela, o companheiro
simplesmente terá, por cabeça, parcela igual à que os filhos percebam – a divisão é
igualitária. Vale dizer que aqui também há uma diferença em relação ao cônjuge: não há

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

reserva de quinhão mínimo, como há o quinhão de um quarto para o cônjuge concorrente


com filhos. Assim, se há dez filhos, o companheiro receberá um décimo da herança.
O inciso II do artigo 1.790 do CC dispõe que se o companheiro concorrer com
descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um
daqueles. Novamente, o legislador se esqueceu de regular a situação de prole híbrida, na
qual há filhos comuns e filhos só do autor da herança. Surgem duas posições sobre essa
situação: a primeira defende que a companheira receba cota-parte idêntica à de qualquer
filho, na forma do inciso I do mesmo artigo – o que prevalece. Assim o é porque no inciso
II, o legislador empregou a expressão “descendentes só do autor da herança”, restringindo
unicamente a essa hipótese, o que elide a subsunção da prole híbrida a tal dispositivo –
recaindo no inciso I. Outra corrente, porém, defende que a subsunção é mesmo ao inciso II
desse artigo, porque o filho só do autor da herança será prejudicado se se levar a partilha à
forma do inciso I, que é melhor para o companheiro – prejudicando-se o filho em função de
sua origem, portanto, o que é inadmissível. É corrente minoritária.
O inciso III do artigo 1.790 do CC dispõe que se o companheiro concorrer com
outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. É a concorrência do
companheiro com os ascendentes e colaterais do de cujus. Nesse caso, o quinhão do
companheiro é fixo, independentemente de quantos sejam os demais herdeiros, que
partilharão os dois terços restantes. Nesse ponto, difere bastante da sucessão do cônjuge em
concorrência com ascendentes, por exemplo, eis que quando o cônjuge concorrer com um
só ascendente (a mãe do de cujus era pré-morta, por exemplo), receberá metade e o
ascendente vivo outra metade – enquanto que, nesse exemplo, o companheiro continua com
um terço, e o ascendente vivo receberá os dois terços restantes.
Havendo colaterais, apenas, a partilha será a seguinte: antes do CC de 2002, o
companheiro era exclusivo nessa terceira classe, não concorrendo com colaterais. Hoje,
concorre com aqueles colaterais até o quarto grau, e sempre com a fração fixa de um terço,
o que pode chegar ao absurdo de um sobrinho-neto, por exemplo, receber dois terços da
herança do de cujus.
Essa situação já foi entendida como inconstitucional pelos tribunais, por esbarrar na
vedação ao retrocesso, dentre outros argumentos. A respeito, veja o seguinte julgado, do
TJ/RS, no qual se defende a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC:

“Agravo de Instrumento 70020389284. RELATOR: Ricardo Raupp Ruschel.


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DA
COMPANHEIRA. ABERTURA DA SUCESSÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO
NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE DA NOVA LEI, NOS TERMOS
DO ARTIGO 1.787. HABILITAÇÃO EM AUTOS DE IRMÃO DA FALECIDA.
CASO CONCRETO, EM QUE MERECE AFASTADA A SUCESSÃO DO
IRMÃO, NÃO INCIDINDO A REGRA PREVISTA NO 1.790, III, DO CCB, QUE
CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE COMPANHEIRO E
CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. Não se pode
negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também
àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção
legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de
tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. Ademais, a
própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e
companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável
antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a
interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e


conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as
formalidades da lei. Preliminar não conhecida e recurso provido. (Agravo de
Instrumento Nº 70020389284, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 12/09/2007)”

Vale dizer, porém, que o acórdão supra não mais prevalece no TJ/RS, que foi o
primeiro a declarar expressamente a constitucionalidade desse artigo, em 2009, por seu
Órgão Especial:

“Incidente de Inconstitucionalidade 70029390374. RELATOR VENCIDO: Leo


Lima. REDATOR PARA ACORDÃO: Maria Isabel de Azevedo Souza.
EMENTA: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. FAMÍLIA. UNIÃO
ESTÁVEL. SUCESSÃO. A Constituição da República não equiparou a união
estável ao casamento. Atento à distinção constitucional, o Código Civil dispensou
tratamento diverso ao casamento e à união estável. Segundo o Código Civil, o
companheiro não é herdeiro necessário. Aliás, nem todo cônjuge sobrevivente é
herdeiro. O direito sucessório do companheiro está disciplinado no art. 1790 do
CC, cujo inciso III não é inconstitucional. Trata-se de regra criada pelo legislador
ordinário no exercício do poder constitucional de disciplina das relações jurídicas
patrimoniais decorrentes de união estável. Eventual antinomia com o art. 1725 do
Código Civil não leva a sua inconstitucionalidade, devendo ser solvida à luz dos
critérios de interpretação do conjunto das normas que regulam a união estável.
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADO IMPROCEDENTE,
POR MAIORIA. (Incidente de Inconstitucionalidade Nº 70029390374, Tribunal
Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido: Leo Lima, Redator para
Acordão: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 09/11/2009).”

O inciso IV do artigo 1.790 do CC diz que não havendo parentes sucessíveis, o


companheiro terá direito à totalidade da herança. Como já se adiantou, há discussão se o
termo “herança” se refere a todos os bens ou apenas aos aquestos, aqueles adquiridos
onerosamente no curso da união: prevalece a leitura técnica do termo, ou seja, o
companheiro receberá todos os bens, e não apenas os aquestos, porque se assim não fosse o
Município receberia os bens, existindo um sucessor vivo. O absurdo fica gritante se se
imaginar caso em que só haja bens particulares do de cujus: o companheiro não receberá
nada, e o Município recolherá todo o monte. Além disso, o artigo 1.844 fala expressamente
do companheiro, deixando claro, em interpretação sistemática, que a intenção do legislador
nunca foi a de passar os bens ao ente público, havendo pessoa apta a suceder:

“Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum


sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao
Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando
situada em território federal.”

Debalde, há julgados, minoritários, que excluem o companheiro nesse caso do


inciso IV, entregando bens particulares do de cujus à municipalidade.

2.1. Inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC

Acerca da inconstitucionalidade desse artigo, a discussão é ferrenha. Como já se


adiantou, o TJ/RS já declarou a constitucionalidade do dispositivo em sede de arguição de

Michell Nunes Midlej Maron 60


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

inconstitucionalidade perante seu Órgão Especial. Segue a ementa de outra decisão desse
Órgão, mais recente, no mesmo sentido:

“Agravo de Instrumento 70032581530. RELATOR: Claudir Fidelis Faccenda.


EMENTA: COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. EXISTÊNCIA DE
COLATERAIS. NÃO AFASTAMENTO DA REGRA DO ARTIGO 1.790, III, DO
CÓDIGO CIVIL. DISPOSITIVO DECLARADO CONSTITUCIONAL PELO
ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL. Não é inconstitucional o artigo 1.790, III,
do Código Civil, ao dispor que o (a) companheiro (a), concorrendo com outros
parentes sucessíveis do companheiro, terá direito a um terço da herança, quanto
aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Regula a sucessão
e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. Aplicação
do artigo 1.787, do Código Civil. RECURSO PROVIDO. (SEGREDO DE
JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70032581530, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em
17/12/2009).”

O primeiro argumento em prol da constitucionalidade é que o constituinte não


equiparou a união estável ao casamento, pelo que as distinções feitas pela lei entre os
institutos são permitidas. Mais do que isso, são favoráveis ao texto constitucional, que disse
que a lei favorecerá a conversão da união estável em casamento, e quando se dá menos
direitos ao companheiro do que ao cônjuge, se fomenta a busca pelo casamento dessas
pessoas. Reveja o artigo 226, § 3º, da CRFB:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


(...)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
(...)”

Argumento forte pela inconstitucionalidade é o já mencionado princípio da vedação


ao retrocesso: sempre que um direito fundamental de eficácia limitada for regulamentado
pela lei, uma nova lei superveniente não poderá restringir, prejudicar a tutela que fora
conferida, podendo apenas melhorar ou, no máximo, substituir sem prejuízo a proteção
daquele direito. Nesse diapasão, como o regramento anterior ao CC de 2002 equiparava o
companheiro ao cônjuge, para fins de sucessão, e o novel codex prejudicou o companheiro
em boa monta, houve retrocesso, e por isso é inconstitucional.
A CRFB não equiparou, de fato, mas há a seguinte peculiaridade a ser observada: se
se manter a redação atual do artigo 1.790 do CC, pode haver casos em que a situação do
companheiro é mais favorável do que a do cônjuge, o que é exatamente o oposto do que
quis o constituinte. Veja: suponha-se que haja uma união estável em comunhão parcial em
que só existam bens comuns. O companheiro, aqui, terá a meação e mais um terço da
herança, na forma do inciso III do artigo 1.790. O cônjuge, na mesma situação – casado em
comunhão parcial e com o monte formado apenas por bens particulares –, só receberá a
meação, pois o artigo 1.829, I, lhe exclui da herança. O absurdo é intransponível, mas a
jurisprudência ignora tal argumento.
O melhor argumento, porém, pela inconstitucionalidade do dispositivo é a eventual
discriminação entre filhos, por conta de sua origem, eis que há situação em que filhos de
pais em união estável terão menos direitos do que filhos de pais casados. Entenda: suponha-

Michell Nunes Midlej Maron 61


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

se que haja dois filhos oriundos de um casamento em comunhão parcial em que só haja
bens comuns: eles recebem a metade da herança cada um, pois a mãe está alheada da
herança, recebendo apenas a meação; se os pais desses mesmos dois filhos não fossem
casados, vivendo apenas em união estável, como se viu, receberiam um terço cada um, pois
a mãe teria a sua meação e mais um terço da herança, garantido pelo inciso III do artigo
1.790 do CC. Apenas pela natureza da relação conjugal ou de companheirismo, os filhos
serão tratados de forma diferente (não entre si, mas em relação ao outro estado civil de seus
pais).
Debalde, a jurisprudência ainda entende constitucional o dispositivo. Apenas no
TJ/PR há declaração de inconstitucionalidade em arguição, como se vê abaixo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONSTITUCIONAL - ARGÜIÇÃO DE


INCONSTITUCIONALIDADE ACATADA PELO MAGISTRADO DE 1º GRAU
- ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - RECURSO QUE VISA O
RECONHECIMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL -
COMPETÊNCIA PARA JULGÁ-LA DO ÓRGÃO ESPECIAL - ART. 97 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO
RECURSO DE AGRAVO - REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO ESPECIAL.
1. Nos Tribunais em que há Órgão Especial, a declaração de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do poder público, tanto a hipótese de controle concentrado
como na de incidental, por força da norma contida no art. 97 da Constituição
Federal, somente pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros
que o compõem.
2. Se os integrantes do órgão fracionário - câmara cível - se inclinam em manter a
argüição de inconstitucionalidade formulada pelos recorridos em 1º grau, o
julgamento do recurso de agravo de instrumento deve ser suspenso, com a remessa
dos autos ao Órgão Especial para que o incidente de inconstitucionalidade seja
julgado, ficando a câmara, quando os autos lhe forem restituídos para que o
julgamento do recurso tenha prosseguimento, vinculada, quanto à questão
constitucional, à decisão do Órgão Especial.
(TJPR - 12ª C.Cível - AI 0536589-9 - Foro Central da Região Metropolitana de
Curitiba - Rel.: Des. Costa Barros - Unânime - J. 17.06.2009).”

2.2. Sucessão de parceiros homoafetivos

O TJ/RJ já reconheceu direito sucessório a parceiro homoafetivo supérstite. No


julgado o óbito ocorreu antes da entrada em vigor do CC de 2002, e por isso o julgado se
refere aos direitos conferidos ao companheiro à época – mas na essência se trata do
reconhecimento da união homoafetiva para fins sucessórios. A decisão é absolutamente
recente – a sessão de julgamento foi em 28/9/2010 –, e por isso o acórdão ainda não foi
lavrado.
No STJ, há o reconhecimento da união homoafetiva, mesmo que ainda não haja
ainda decisão expressa sobre direitos sucessórios. Veja o julgado abaixo:

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.026.981 – RJ. 04 de fevereiro de 2010(data do


julgamento). RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA: Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação.
Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios
fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de
demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da

Michell Nunes Midlej Maron 62


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de


condições entre beneficiários.
- Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo
sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela,
circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador,
que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade
com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera
de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
- O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas,
o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer
ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico
deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera
pessoal dos seres humanos.
- Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem
às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas
leis existentes e nos parâmetros humanitários que norteiam não só o direito
constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo.
Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica
à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os
efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam
suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.
- O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para
alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as
uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento,
como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre
parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos
elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da
diversidade de sexos.
- Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública,
contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família,
haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar,
com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.
- A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização
do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do
sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas
ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade
alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o
homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade
zelosa entre os seus integrantes.
- Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações
de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das
minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de
possíveis espíritos em conflito.
- A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e
solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo,
assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos
relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o
instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua
premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.
- A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de
Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades
familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios
fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da
autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da
busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito
personalíssimo à orientação sexual.

Michell Nunes Midlej Maron 63


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

- Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais de direito e por


meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da lei, legitimada está
juridicamente a união de afeto entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam
colhidos no mundo jurídico os relevantes efeitos de situações consolidadas e há
tempos à espera do olhar atento do Poder Judiciário.
- Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se
reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios
previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era
participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.
- Se por força do art. 16 da Lei n.º 8.213⁄91, a necessária dependência econômica
para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é
presumida, também o é no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do
emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades familiares.
- “A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos
planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano
básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade
social” de modo que “os normativos internos dos planos de benefícios das
entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos
beneficiários a serem designados pelos participantes”.
- O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve
incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto
protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com
pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais
dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime
complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais
beneficiários em situações análogas.
- Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro
participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que
não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque “a
previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de
avença firmada entre particulares”.
- Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da
norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em
sua acepção de coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão
forma à Direito Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da
solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de mesmo sexo de
participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou restrições de
qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal.
- Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de
previdência privada complementar, a cuja competência estão adstritas as Turmas
que compõem a Segunda Seção do STJ.
Recurso especial provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 64


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Casos Concretos

Questão 1

Habilitaram-se no inventário de Rafael que faleceu em outubro de 2003, sem deixar


descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheira, sua irmã bilateral, Mercedes;
Creusa, sua irmã unilateral; seus dois sobrinhos, Mirtes e Jairo, filhos de um irmão
unilateral premorto; e seu sobrinho-neto, Januário, representando um sobrinho premorto,
filho de uma irmã unilateral premorta do inventariado. Decida a sucessão.

Resposta à Questão 1

A irmã bilateral receberá por direito próprio dois quartos dos bens, a unilateral
receberá por direito próprio um quarto e os sobrinhos, um oitavo para cada um, por direito
de representação e partilha por estirpes. O sobrinho-neto nada recebe porque o direito de
representação só é concedido aos sobrinhos em concorrência com os irmãos – artigos 1.840
combinado com 1.841, ambos do CC.

Questão 2

João e Maria, ele divorciado, ela viúva, vivem uma união de fato há seis anos,
residindo em imóvel pertencente a João, adquirido há mais de 10 anos. Este falece
intestado em 04/2003, deixando um filho solteiro, Pedro, tendo como único bem a
inventariar o referido imóvel. Explicite eventuais direitos de Maria e Pedro.

Resposta à Questão 2

O imóvel é bem particular, pois adquirido antes do início da união estável. João
faleceu na vigência do CC atual, e por isso esse é o diploma aplicável. O filho é exclusivo
do de cujus. Nesse panorama, a herança é deferida integralmente a Pedro, mas Maria tem a

Michell Nunes Midlej Maron 65


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

seu favor o direito real de habitação, na forma do artigo 7º, parágrafo único, da Lei
9.278/96 (ou na forma do artigo 1.831 do CC, por analogia).

Questão 3

Nair, solteira falece intestada em março de 2003 sem descendentes, sem


ascendentes ou companheiro. Deixou Luiz, irmão germano, sobrevivo, sendo que seus dois
irmãos unilaterais, Lauro e Raul, são premortos. Estes por sua vez deixaram dois filhos,
sobrinhos da autora da herança, Ivan e Ricardo. A herança líquida soma R$ 500.000,00.
Quem recolhe a herança e qual é o modo de partilhá-la? Fundamente.

Resposta à Questão 3

Luiz, irmão bilateral, recebe por cabeça, e os filhos dos irmãos pré-mortos recebem
por representação, cada um recebendo metade do que toca ao bilateral. Assim, Luiz recebe
R$ 250.000,00, e cada sobrinho recebe R$ 125.000,00.
Tema VII

Limitação do poder de dispor: herdeiros necessários. Legítima. Cálculo da parte disponível e da legítima.
Cláusulas de restrição. Redução das disposições testamentárias. Exclusão de herdeiros necessários:
deserdação, causas, conseqüências, procedimento, representação.

Notas de Aula8

1. Limitação do poder de testar

O artigo 1.789 do CC estabelece a seguinte restrição ao poder de dispor em


testamento:

“Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade


da herança.”

Assim, a metade dos bens do testador constituirá a legítima, destinada aos herdeiros
necessários, e não poderá ser disposta de forma diferente em testamento.
O cálculo da legítima é feito apenas quanto ao ativo do testador: somente se
computa, para fins de verificação da legítima, seu patrimônio positivo líquido. A metade
desse líquido é a legítima, indisponível em testamento. Vale dizer que os bens sujeitos à
colação – aqueles doados a herdeiros necessários a título de adiantamento da legítima –
devem ser computados, pois fazem parte desse ativo.
Respeitada a legítima, o restante é livre para a disposição plena pelo testador.
Um princípio atinente à liberdade de testar é o que faz pender a interpretação do
testamento à real vontade do testador. Se houver disposição testamentária dúbia, a vontade
do testador deve ser perscrutada, de forma a dar cumprimento àquilo que intentava.
Se a disposição testamentária for violadora da legítima, o testamento é válido, mas a
parte que exceda da legítima será tida por não escrita: é ineficaz parcialmente. Para declarar

8
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 27/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 66


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

tal ineficácia, é preciso que se proceda à redução das disposições testamentárias. Os artigos
1.966 e 1.967 do CC estabelece como se dá essa redução:

“Art. 1.966. O remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos, quando o testador


só em parte dispuser da quota hereditária disponível.”

“Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos


limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes.
§ 1º Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção
disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros
instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do
seu valor.
§ 2º Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência,
certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou legados,
observando-se a seu respeito a ordem estabelecida no parágrafo antecedente.”

Se o testador dispuser que, na eventualidade de ser necessária a redução das


disposições testamentárias, a ordem de devolução dos quinhões será diferente da prevista
no artigo supra, sua vontade será respeitada, como dispõe o próprio § 2º desse dispositivo.
O gravame com as cláusulas restritivas é possível, mas é direito de testar também
limitado pelo CC. Veja o artigo 1.848:

“Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o
testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de
incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
§ 1º Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em
outros de espécie diversa.
§ 2º Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os
bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados
nos ônus dos primeiros.”

Vale mencionar que o CC de 1916 permitia o clausulamento de tudo, sem qualquer


justa causa. Com o advento do CC de 2002, o testamento anterior que clausulava todo o
monte, sem justificativa, deve ser filtrado, na forma do artigo 2.042 do CC:

“Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão
no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento
tenha sido feito na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916; se,
no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula
aposta à legítima, não subsistirá a restrição.”

Se, passado um ano do CC de 2002, e não houver abertura da sucessão ou


aditamento do testamento para inserção da justa causa da restrição, a restrição perderá
efeito sobre a legítima, que precisa da justificativa – o legislador colocou um prazo de
carência para consignar-se a justificativa.
A cláusula de inalienabilidade, segundo o artigo 1.911 do CC, importa
incomunicabilidade e impenhorabilidade:

“Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de


liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua
alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante

Michell Nunes Midlej Maron 67


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os


quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.”

Inalienável é o bem que não pode ser tornado alheio. Por isso, por ser bem fora do
comércio, o bem clausulado com a inalienabilidade não poderá ser objeto de usucapião,
para Orlando Gomes (pois poderia, inclusive, suscitar fraudes à inalienabilidade, quando o
usucapiente estivesse em conluio com o sucessor). Uma segunda corrente, porém, defende
que a restrição è imposta apenas aos sucessores, não podendo prevalecer contra terceiros,
que poderão, portanto, usucapir o bem gravado – sobremaneira por ser forma de aquisição
originária. Assim pensa Caio Mário.
As cláusulas restritivas são vitalícias, mantendo-se apenas por uma geração, e não
perpétuas. Pode também o testador limitar a vigência das cláusulas por período certo, de
cinco, dez, ou quantos anos entender necessário.
Os credores do sucessor proprietário de bem gravado não podem penhorar o bem,
nem mesmo após a morte desse sucessor devedor, porque se assim o fosse, a
impenhorabilidade seria mitigada – pois as dívidas foram contraídas em vida, pelo devedor
proprietário do bem impenhorável –, e seria até antiético permitir tal penhora post mortem,
porque se estaria criando uma norma que leve aos credores desejarem a morte do seu
devedor. Por isso, a impenhorabilidade por dívida do sucessor clausulado persiste mesmo
após sua morte.
É claro que não se está referindo a credores por dívidas surgidas após a morte,
porque nesse momento a cláusula já se extinguiu, de fato – os credores já contam com esse
bem para satisfazer seu crédito, quando surgido o crédito, ao contrário dos credores do de
cujus em vida, que sabiam não contar com aquele bem para suportar seu crédito. Nesse
sentido entende o STF.
Em sentido contrário, e mais recente, porém, o STJ diz que o bem pode ser
penhorado por dívida do de cujus que o tinha gravado em seu patrimônio. Veja:

“REsp 1101702 / RS. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
22/09/2009. Data da Publicação/Fonte DJe 09/10/2009. Ementa: Processual civil e
Civil. Recurso especial. Execução. Penhora. Embargos declaratórios. Omissão.
Ausência. Cláusula de inalienabilidade vitalícia. Manutenção. Vigência.
- Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
- A cláusula de inalienabilidade vitalícia tem vigência enquanto viver o
beneficiário, passando livres e desembaraçados aos seus herdeiros os bens objeto
da restrição.
Recurso especial conhecido e provido.”

A incomunicabilidade significa que, independentemente do regime, não haverá


comunicação do bem com o patrimônio dos consortes.
Mediante autorização judicial, a subrogação do produto de bens clausulados em
outros é possível, na forma do § 2º do artigo 1.848 do CC, supra. Não se confunde, a
subrogação – que é a mera troca do bem clausulado por outro – com o pedido de
levantamento da constrição, quando indevida – quando faltar justa causa sobre a legítima,
por exemplo, ou quando o gravame for mais prejudicial do que benéfico. Veja o seguinte
julgado do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 68


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Processo: 0001815-54.2005.8.19.0001 (2005.001.15131). 1ª Ementa -


APELACAO DES. JORGE LUIZ HABIB - Julgamento: 19/07/2005 - DECIMA
OITAVA CAMARA CIVEL.
TESTAMENTO. IMOVEL GRAVADO. CLAUSULA DE INALIENABILIDADE.
INEFICACIA DA CLAUSULA. ALIENACAO DE IMOVEL.
Apelacao Civel. Jurisdicao voluntaria. Testamento. Imoveis gravados com clausula
de inalienabilidade. Possibilidade fatica. Gravame que onera o beneficiario.
Principio da razoabilidade. O cancelamento da clausula de inalienabilidade
imposta pelo instituidor objetivando a protecao do patrimonio herdado, em regra, e'
vedado. Entretanto, se o gravame vem onerando `aquele que, em tese, deveria ser
protegido e' ilogico a sua manutencao. A hipotese e' de imovel recebido em
sucessao que se tornou uma fonte de despesas e certamente de problemas ao agora
proprietario. Ademais, em casos tais devem ser levados em conta, nao somente o
principio da igualdade, como tambem a funcao social da propriedade, garantias, de
indole constitucional (art. 5., "caput", XXII, XXIII, 170, II e III da CRFB).
Considerando que na aplicacao da lei o juiz deve atender, igualmente, aos fins
sociais e as exigencias do bem comum (art. 5., LICC), nada mais razoavel do que
acolher o pedido de cancelamento das clausulas e, consequentemente, autorizar a
venda do bem, o que, ainda que de forma transversa, podera' trazer os beneficios
que o ascendente, instituidor do gravame, pretendeu proporcionar. Afinal, nas
declaracoes de vontade se atendera' mais `a sua intencao que ao sentido literal da
linguagem (art. 85, Codigo Civil de 1916). Inobservancia do criterio da legalidade
estrita relativamente `a atividade processual nos procedimentos de jurisdicao
voluntaria. Provimento do recurso.”

A própria lei permite também, hoje, a desapropriação dos bens clausulados, na


forma do parágrafo único do artigo 1.911, supra. Quando assim se der, o efeito será
exatamente o mesmo da subrogação, recaindo o gravame sobre o produto da indenização.

2. Deserdação

É o ato pelo qual o testador exclui herdeiro necessário da sucessão. Só se fala em


deserdação de herdeiro necessário, porque para excluir herdeiros facultativos, como os
colaterais, basta que o testador efetue testamento que não os contempla de forma alguma. A
exclusão dos herdeiros facultativos que se dá por meio da mera não contemplação deles em
testamento se chama erepção. Veja o artigo 1.850 do CC:

“Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador
disponha de seu patrimônio sem os contemplar.”

Para haver deserdação, é preciso que haja justa causa para tanto, consignada no
testamento. Veja os artigos 1.961 a 1.965 do CC:

“Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou


deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.”

“Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação
dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.”

Michell Nunes Midlej Maron 69


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação
dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o
marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.”

“Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser
ordenada em testamento.”

“Art. 1.965. Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação,


incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.
Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de
quatro anos, a contar da data da abertura do testamento.”

Como se vê, todas as causas que geram indignidade são também causas bastantes à
deserdação. Reveja o artigo 1.814 do CC, que trata da indignidade:

“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

Note-se que o legislador se olvidou de apresentar causas de deserdação específicas


para o cônjuge, que é herdeiro necessário no CC de 2002. Previu de ascendente para
descendente, e vice-versa, mas não do cônjuge. Por isso, as únicas hipóteses de deserdação
do cônjuge são as que vêm previstas nesse artigo 1.814 do CC, supra.
O prazo decadencial para o interessado alegar e comprovar que a causa de
deserdação é verdadeira é de quatro anos, contados não da abertura da sucessão, como
ocorre na indignidade, mas sim da abertura do testamento, na forma do artigo 1.965,
parágrafo único, supra. A legitimidade ativa para provar a deserdação é do testamenteiro, o
de quem for interessado.
O herdeiro deserdado pode ser perdoado pelo testador, aplicando-se por analogia o
artigo 1.818 do CC:

“Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança
será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em
testamento, ou em outro ato autêntico.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em
testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da
indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.”

Se o herdeiro recebe a herança, e somente depois de havê-la se descobre que fora


deserdado, estava na condição de herdeiro aparente. Como tal, as alienações onerosas dos
bens serão consideradas válidas e eficazes, cabendo indenização por parte dos prejudicados.
A primeira diferença entre a deserdação e a indignidade é que aquela só pode vir por
testamento, enquanto essa será declarada por sentença. Segunda diferença é que a

Michell Nunes Midlej Maron 70


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

indignidade se presta a excluir qualquer tipo de sucessor, legítimo ou testamentário,


enquanto a deserdação é destinada a herdeiros necessários – pois para os demais basta a
erepção. Outra diferença é o rol de causas: a indignidade só ocorre nos casos do artigo
1.814 do CC, enquanto a deserdação se dá por esse artigo ou pelos demais mencionados.
Além disso, o fato que gera a indignidade pode ocorrer após a morte, como se vê no
artigo 1.814 do CC, pois pode alvejar o consorte ou os parentes em linha reta do de cujus –
o que pode acontecer após a morte desse. A deserdação, por óbvio, como só se dá em
testamento, nunca poderá ocorrer após a morte.

Casos Concretos

Questão 1

Milton Soriano era casado com Amapoula no regime da separação de bens (artigo
1.687 do Código Civil) e tinha quatro filhos. Quando faleceu o autor da herança, todos os
herdeiros legítimos estavam vivos. O filho mais velho de Milton Soriano e Amapoula
renunciou a seus direitos hereditários por termo judicial.
Os bens existentes à época da abertura da sucessão valem R$ 850.000,00; as
dívidas do de cujus somam R$ 50.000,00. As despesas do funeral foram cobertas por plano
de previdência já quitado. Milton fez uma doação em vida ao herdeiro renunciante (ações
preferenciais de quatro companhias), determinando que a liberalidade saísse de sua parte
disponível. As ações doadas representavam 35% da parte disponível, ao tempo da
liberalidade.
A sucessão de Milton foi aberta em 25 de janeiro de 2003. Pergunta-se:
a) Sabendo-se que Milton tinha dois netos, filhos de seu filho mais velho, podem
eles suceder representando o pai? Por quê?
b) Quem são os herdeiros nesta sucessão? Justifique sua resposta e apresente o
respaldo legal que a sustenta.
c) Como será calculada a legítima e qual a parte de cada herdeiro nela? Justifique
sua resposta e apresente o respaldo legal que a sustenta.

Resposta à Questão 1

a) De acordo com o artigo 1.811 do CC, ninguém pode suceder, representando


herdeiro renunciante, salvo se forem os únicos legítimos de sua classe, ou se todos os
outros da mesma classe renunciarem à herança, o que não é o caso, pois o renunciante
concorre com outros herdeiros da mesma classe, já que têm três irmãos. Portanto, os netos
de Milton não poderão suceder, representando o filho mais velho de Milton, por ser este
renunciante.

“Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se,


porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma
classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio,
e por cabeça.

Michell Nunes Midlej Maron 71


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b) Os herdeiros legítimos são Amapoula e os três filhos do casal, os quais não


renunciaram à herança. Isso porque o artigo 1.829, I do CC determina que, na sucessão
legítima, os descendentes concorrem com o cônjuge sobrevivente na sucessão, salvo nas
hipóteses de serem casados pelo regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória, ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares. Como Amapoula não se encontra em nenhuma das ressalvas legais, ela é
herdeira legítima (artigo 1.845 c/c 1.829, I, c/c 1.832 do CC).

c) A legítima será calculada da seguinte forma: dos R$ 850.000,00 brutos abate-se o


valor da dívida do de cujus, no valor de R$ 50.000,00, encontrando-se o patrimônio líquido
de R$ 800.000,00. Como as despesas de funeral foram cobertas por plano de previdência já
quitado, essas despesas não serão computadas para se apurar o líquido. Como o morto
estipulou que a doação sairia de sua disponível, esta não será colacionada, pois abrangeu
somente trinta e cinco por cento da parte disponível, à época da doação (artigos 2.005 e
2.006).

“Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam
da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo
da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a
descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de
herdeiro necessário.”

“Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento,
ou no próprio título de liberalidade.”

Como o falecido era casado pelo regime da separação de bens, não há que se fazer a
separação das meações. Os R$ 800.000,00 líquidos serão divididos em duas partes iguais,
R$ 400.000,00 de legítima e R$ 400.000,00 de disponível. Amapoula terá direito a um
quarto da legítima e os três filhos do casal, cada um com um quarto da legítima. Vale
ressaltar, que mesmo que o filho mais velho não tivesse renunciado, Amapoula teria direito
a um quarto e os filhos, os três quartos restantes.

Questão 2

Cristina, com 50 anos, fez testamento público em janeiro de 2004, deixando todo os
seus bens para seu único filho, Rodrigo, gravados com cláusula de inalienabilidade,
alegando que ele é dependente químico e por isso, não tem o necessário discernimento
para administrar os bens. Cristina falece logo depois, de acidente de carro. Rodrigo
impugnou a cláusula restritiva, provando não ser dependente químico há mais de 8 anos.
Decida se deve a cláusula ser mantida.

Resposta à Questão 2

Provada a inexistência de justa causa aposta sobre a legítima, esta não deverá ser
mantida; contudo, deve permanecer a restrição quanto à disponível, que independe de
justificativa (artigo 1.848, CC).

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Questão 3

Lucia, casada pelo regime de separação de bens com Fernando, fez em março de
2003, testamento particular, sem vícios formais, deserdando seu marido, porque ele, no
início daquele ano a agrediu fisicamente.
No início de 2004, Lucia sofre grave acidente automobilístico, vindo a falecer.
Como a testadora não teve descendentes, seus pais requereram o cumprimento do
testamento e ajuizaram, por dependência ao inventário, a ação de exclusão por
deserdação. Pergunta-se:
a)O que Fernando deve alegar em sua defesa?
b)O pedido da ação de exclusão deve ser acolhido? Decida.
Resposta à Questão 3

a) O cônjuge, apesar de herdeiro necessário, não pode ser deserdado, porque como a
deserdação é uma penalidade, a causa tem que estar tipificada na lei para a deserdação do
consorte, e como não está, nem mesmo no artigo 1.814 do CC, não há como se deserdar o
cônjuge.

b) O pedido deve ser julgado improcedente, portanto.

Michell Nunes Midlej Maron 73


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Tema VIII

Sucessão Testamentária. Histórico. Pressupostos. Capacidade ativa e capacidade passiva no testamento.


Restrições à liberdade de testar. Codicilo. Formas de Testamento: testamentos comuns, público, cerrado e
particular. Características. Testamentos especiais. Testamento marítimo, aeronáutico e militar. Caducidade.
Testamento nuncupativo.

Notas de Aula9

1. Sucessão testamentária

A natureza jurídica do testamento é de negócio jurídico unilateral, eis que basta uma
só manifestação de vontades para que se aperfeiçoe – a vontade do testador. A falta de
aceitação da herança, pelos indicados no testamento, é causa de ineficácia, mas não de
invalidade ou inexistência: o testamento se aperfeiçoa tão somente pela manifestação de
vontade do testador.
O testamento é negócio jurídico solene, porque tem todos seus caracteres previstos
em lei. Além disso, é essencialmente revogável, como se vê no artigo 1.858 do CC. Pelo
ensejo, veja os artigos 1.857 a 1.859 do CC:

“Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus
bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que
o testador somente a elas se tenha limitado.”

“Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer


tempo.”

“Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do


testamento, contado o prazo da data do seu registro.”

A única exceção à revogabilidade do testamento diz respeito ao reconhecimento de


paternidade ali proferido pelo testador: mesmo que o testamento venha a ser revogado,
aquele reconhecimento permanecerá. Veja o artigo 1.609, III, do CC:

9
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 27/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável


e será feito:
(...)
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
(...)”

Como se vê, o testamento pode ter previsões patrimoniais e extrapatrimoniais, como


o reconhecimento de uma filiação por parte do testador.
Sobre a revogabilidade do testamento, veja os artigos 1.969 a 1.972 do CC:

“Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como
pode ser feito.”
“Art. 1.970. A revogação do testamento pode ser total ou parcial.
Parágrafo único. Se parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula
revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao
posterior.”

“Art. 1.971. A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento, que a
encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele
nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou
infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.”

“Art. 1.972. O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto
ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado.”

Como visto no artigo 1.858 do CC, supra, o testamento é um ato personalíssimo.


Isso significa que não se pode testar por procuração, ainda que instrumento público com
finalidade específica; nem por representante legal, muito menos por assistente; e menos
ainda por curador especial. Nem mesmo a dicção de testamento por meio de intérprete é
aceitável, pois nunca se saberá da exata translação da vontade dita pelo testador e a
manifestação traduzida pelo intérprete.
Também por conta da pessoalidade do testamento é que se veda os testados
simultâneos, espécie do gênero dos testamentos conjuntivos, feitos por duas pessoas em um
só instrumento: o testamento é singular, para cada pessoa. Sobre essa vedação a testamentos
conjuntivos, veja o artigo 1.863 do CC:

“Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou


correspectivo.”

O testamento conjuntivo simultâneo é aquele em que duas pessoas, no mesmo


instrumento, testam beneficiando terceiros. Nada impede que, em dois instrumentos
apartados, cada um dos testadores beneficie a mesma pessoa; o que é vedado é essa
disposição conjunta em um mesmo instrumento.
O testamento conjuntivo recíproco é aquele em que duas pessoas testam no mesmo
instrumento, uma beneficiando a outra, e vice-versa. Se vierem em instrumentos apartados,
não há problemas.
O testamento conjuntivo correspectivo nada mais é do que o testamento recíproco,
mas com a peculiaridade de que a reciprocidade é uma condição para que o testamento seja
válido, ou seja, um testador só contempla o outro sob a condição de o outro estar
contemplando a si em seu próprio testamento. Nessa hipótese, diga-se, nem mesmo se

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

vierem em instrumentos apartados os testamentos correspectivos serão válidos – pois está


sendo criada justamente uma situação de pluralidade de vontades, em ato que é
essencialmente negócio unilateral, como dito.
Ato solene que é, o descumprimento das formalidades gera, a princípio, nulidade do
testamento, na forma do artigo 166, V, do CC:

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


(...)
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade;
(...)”

A jurisprudência vem mitigando essa previsão de nulidade, porém, como se vê no


exemplo do REsp. 600.746, constante do informativo 435 do STJ:

“REsp 600746 / PR. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro ALDIR


PASSARINHO JUNIOR. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do
Julgamento 20/05/2010. Data da Publicação/Fonte DJe 15/06/2010.
Ementa: CIVIL. TESTAMENTO PÚBLICO. VÍCIOS FORMAIS QUE NÃO
COMPROMETEM A HIGIDEZ DO ATO OU PÕEM EM DÚVIDA A VONTADE
DA TESTADORA. NULIDADE AFASTADA. SUMULA N. 7-STJ.
I. Inclina-se a jurisprudência do STJ pelo aproveitamento do testamento quando,
não obstante a existência de certos vícios formais, a essência do ato se mantém
íntegra, reconhecida pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova, a
fidelidade da manifestação de vontade da testadora, sua capacidade mental e livre
expressão.
II. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula
n. 7/STJ).
III. Recurso especial não conhecido.”

“TESTAMENTO. FORMALIDADES. EXTENSÃO.


Busca-se, no recurso, a nulidade de testamento, aduzindo o ora recorrente que a
escritura não foi lavrada pelo oficial de cartório, mas por terceiro, bem como que
as cinco testemunhas não acompanharam integralmente o ato. O tribunal a quo
afirmou que não foi o tabelião que lavrou o testamento, mas isso foi feito sob sua
supervisão, pois ali se encontrava, tendo, inclusive, lido e subscrito o ato na
presença das cinco testemunhas. Ressaltou, ainda, que, diante da realidade dos
tabelionatos, não se pode exigir que o próprio titular, em todos os casos, escreva,
datilografe ou digite as palavras ditadas ou declaradas pelo testador. Daí, não há
que declarar nulo o testamento que não foi lavrado pelo titular da serventia, mas
possui os requisitos mínimos de segurança, de autenticidade e de fidelidade.
Quanto à questão de as cinco testemunhas não terem acompanhado integralmente a
lavratura de testamento, o TJ afirmou que quatro se faziam presentes e cinco
ouviram a leitura integral dos últimos desejos da testadora, feita pelo titular da
serventia. Assim, a Turma não conheceu do recurso por entender que o vício
formal somente invalidará o ato quando comprometer sua essência, qual seja, a
livre manifestação da vontade da testadora, sob pena de prestigiar a literalidade em
detrimento da outorga legal à disponibilização patrimonial pelo seu titular. Não
havendo fraude ou incoerência nas disposições de última vontade e não
evidenciada incapacidade mental da testadora, não há falar em nulidade no caso.
Precedente citado: REsp 302.767-PR, DJ 24/9/2001. REsp 600.746-PR, Rel. Min.
Aldir Passarinho Junior, julgado em 20/5/2010.”

1.1. Capacidade ativa

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A capacidade ativa para testar incumbe aos civilmente capazes, mas também aos
maiores de dezesseis anos, sem necessidade do assistente – do que se deduz que o
relativamente incapaz por idade tem capacidade plena para testar, na forma do artigo 1.860
do CC:

“Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não
tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.”

“Art. 1.861. A incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento,


nem o testamento do incapaz se valida com a superveniência da capacidade.”

O artigo 1.861, supra, deixa claro que o momento de verificação da capacidade para
testar é o momento da elaboração do testamento.
O indivíduo relativamente incapaz por deficiência de discernimento não pode testar,
porque o artigo 1.860, supra, fala em “pleno discernimento” – pelo que aquele que tem
discernimento reduzido não poderá testar.
O pródigo, por exemplo, pode testar livremente, eis que a proteção a que a sua
relativa incapacidade se presta é contra dilapidação de seu patrimônio em vida, e não após
sua morte – quando então não precisará de proteção alguma.
O analfabeto pode testar, desde que possa manifestar sua vontade por qualquer
meio. O mesmo se dá com o surdo e com o cego. Todavia, em todos os casos, o testamento
deverá ser público. Veja os artigos 1.865 a 1.867 do CC:

“Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu
substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu
rogo, uma das testemunhas instrumentárias.”

“Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e,
se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.”

“Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz
alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma
das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada
menção no testamento.”

No artigo 1.865, supra, também se encarta o analfabeto funcional, em análises


casuísticas.
O índio pode realizar testamento, se tiver como discernir do que se trata o ato. O
índio plenamente culturado pode, portanto, testar. Se o índio tiver necessidade de
representante ou assistente da Funai, é porque não tem discernimento suficiente, e por isso
não poderá testar.

1.2. Capacidade passiva

A capacidade passiva, a capacidade de ser beneficiário em testamento, se verifica no


momento da abertura da sucessão.
Pode ser beneficiário do testamento aquele que se encarte nos artigos 1.798 e 1.799
do CC:

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão.”

“Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a
forma de fundação.”
O artigo 1.799, I, deve ser combinado com o artigo seguinte, 1.800 do CC, que trata
da forma que se opera essa sucessão de pessoas não concebidas:

“Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão


confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
§ 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo
filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas
no art. 1.775.
§ 2º Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se
pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.
§ 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os
frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador,
caberão aos herdeiros legítimos.”

A pessoa jurídica pode ser indicada como beneficiária do testamento, ainda que
esteja em fase de constituição. No momento da abertura da sucessão, porém, já deve existir
a personalidade jurídica da empresa.
As fundações, ao contrário, podem ser instituídas pelo próprio testamento, ou seja,
só passarão a ter existência após a abertura da sucessão, e justamente em razão do óbito e
do cumprimento do testamento.
No artigo 1.801 do CC estão as pessoas impedidas de serem beneficiárias do
testamento:

“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado
de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se
fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.”

O testamenteiro não está previsto como impedido, mas como em regra ele assume
alguma das funções ali arroladas – ou é testemunha, ou ajudou na feitura ou aprovação do
testamento – não poderá ser apontado como beneficiário, mas apenas por essa subsunção, e
não somente por ser testamenteiro. Veja essa figura no artigo 1.976 do CC:

“Art. 1.976. O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou


separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade.”

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O artigo 1.802 do CC traz também restrições à capacidade passiva:

“Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não


legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou
feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.”

O apontamento de pessoa interposta é forma presumida de fraude ao impedimento


do artigo antecedente, e por isso é igualmente vedado.

1.3. Codicilos

Codicilos são testamentos de menores proporções, ou seja, são testamentos


dedicados a disposições de vontade de pouca monta. É um verdadeiro minitestamento, com
muito menos formalidades legais pelo seu pequeno vulto. Veja o artigo 1.881 do CC:

“Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu,
datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas
de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos
pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor,
de seu uso pessoal.”

No codicilo, por sua pouca formalidade e vulto, não se exige sequer testemunhas. O
conceito de pouca monta é aberto, mas a doutrina oferece como parâmetro o valor de dez
por cento da herança do de cujus. Imóveis jamais podem ser dispostos em codicilos.
Testamentos posteriores ao codicilo o revogam, se não dispuser o testador
expressamente que o codicilo deva ser mantido. Veja o artigo 1.884 do CC:

“Art. 1.884. Os atos previstos nos artigos antecedentes revogam-se por atos iguais,
e consideram-se revogados, se, havendo testamento posterior, de qualquer
natureza, este os não confirmar ou modificar.”

1.4. Espécies de testamento

Os testamentos podem ser ordinários ou especiais. Testamentos ordinários são os


públicos, cerrados e particulares; especiais, os testamentos marítimos, aeronáuticos ou
militares, que vêm em rol taxativo, na forma dos artigos 1.886 e 1.887 do CC:

“Art. 1.886. São testamentos especiais:


I - o marítimo;
II - o aeronáutico;
III - o militar.”

“Art. 1.887. Não se admitem outros testamentos especiais além dos contemplados
neste Código.”

Vejamos cada um.

1.4.1. Testamentos comuns

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

1.4.1.1. Testamento público

Os requisitos dessa espécie estão no artigo 1.864 do CC:

“Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:


I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de
acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou
apontamentos;
II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas
testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do
oficial;
III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas
testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou
mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em
partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo
testador, se mais de uma.”

O testamento público tem por um de seus requisitos essenciais ser lavrado por
tabelião, ou por escrevente substituto, desde que respeitadas as demais solenidades, como já
decidiu o STJ. O cônsul também pode lavrar instrumento público, na forma do artigo 18 da
LICC:

“Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares


brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de
tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro
ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. (Redação dada pela Lei nº
3.238, de 1º.8.1957).”

1.4.1.2. Testamento cerrado

Os requisitos dessa espécie estão no artigo 1.868 do CC:

“Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e
por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal,
observadas as seguintes formalidades:
I - que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas;
II - que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado;
III - que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas
testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas;
IV - que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo
testador.
Parágrafo único. O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que
seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as paginas.”

A vantagem desse testamento é que o seu conteúdo fica em sigilo até o momento de
sua abertura, o que não ocorre no testamento público. Esse testamento é particular em sua
feitura, e é público apenas quando da entrega do documento lacrado ao tabelião, na
presença de duas testemunhas – as quais atestam apenas a entrega, e não o conteúdo, que
como se disse, pode ser mantido em sigilo. As testemunhas do testamento são chamadas
instrumentárias.

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Sobre o auto de aprovação, veja o artigo 1.869 do CC:

“Art. 1.869. O tabelião deve começar o auto de aprovação imediatamente depois


da última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou
para ser aprovado na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o
instrumento aprovado.
Parágrafo único. Se não houver espaço na última folha do testamento, para início
da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a
circunstância no auto.”

O testamento cerrado pode ser escrito em língua estrangeira. Veja o artigo 1.871 do
CC:

“Art. 1.871. O testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo
próprio testador, ou por outrem, a seu rogo.”

1.4.1.3. Testamento particular

Trata-se do testamento feito de próprio punho, ou por meio mecânico, mas pelo
próprio testador. Veja o artigo 1.876 do CC:

“Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante
processo mecânico.
§ 1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e
assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o
devem subscrever.
§ 2º Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em
branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo
menos três testemunhas, que o subscreverão.”

Nesse documento, as testemunhas têm relevância muito maior, eis que o ato não é
lavrado nem entregue em cartório. Quem dará cumprimento ao testamento é, geralmente,
quem o portará, em confiança do testador.
São necessárias três testemunhas da feitura do ato, mas o artigo 1.878 do CC prevê
caso em que a confirmação pode ser feita por uma só:

“Art. 1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao


menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas,
assim como a do testador, o testamento será confirmado.
Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos
uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz,
houver prova suficiente de sua veracidade.”

O testamento particular poderá ser feito mesmo sem testemunhas, em situações


absolutamente excepcionais. Veja o artigo 1.879 do CC:

“Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento


particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser
confirmado, a critério do juiz.”

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Exemplo dado pela doutrina é o daquela pessoa que se encontra em um prédio em


chamas e, antes de morrer, consegue redigir testamento, assiná-lo e arremessá-lo pela janela
– será válido, em hipóteses excepcionalíssimas desse tipo.

1.4.2. Testamentos especiais

Veja os artigos 1.888 e 1.889 do CC:

“Art. 1.888. Quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou


mercante, pode testar perante o comandante, em presença de duas testemunhas, por
forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado.
Parágrafo único. O registro do testamento será feito no diário de bordo.”

“Art. 1.889. Quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial,


pode testar perante pessoa designada pelo comandante, observado o disposto no
artigo antecedente.”

Se o comandante não puder colher o testamento – pois pode estar, por óbvio,
pilotando o avião, por exemplo –, designará outra pessoa para fazê-lo. Veja os demais
artigos do CC, de 1.890 a 1.896, que são autoexplicativos:

“Art. 1.890. O testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do


comandante, que o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto ou
aeroporto nacional, contra recibo averbado no diário de bordo.”

“Art. 1.891. Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não


morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque em
terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.”

“Art. 1.892. Não valerá o testamento marítimo, ainda que feito no curso de uma
viagem, se, ao tempo em que se fez, o navio estava em porto onde o testador
pudesse desembarcar e testar na forma ordinária.”

“Art. 1.893. O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças
Armadas em campanha, dentro do País ou fora dele, assim como em praça sitiada,
ou que esteja de comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo
tabelião ou seu substituto legal, ante duas, ou três testemunhas, se o testador não
puder, ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas.
§ 1º Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento será
escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação ou posto inferior.
§ 2º Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo
respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento.
§ 3º Se o testador for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele
que o substituir.”

“Art. 1.894. Se o testador souber escrever, poderá fazer o testamento de seu punho,
contanto que o date e assine por extenso, e o apresente aberto ou cerrado, na
presença de duas testemunhas ao auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as
vezes neste mister.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Parágrafo único. O auditor, ou o oficial a quem o testamento se apresente notará,


em qualquer parte dele, lugar, dia, mês e ano, em que lhe for apresentado, nota esta
que será assinada por ele e pelas testemunhas.”

“Art. 1.895. Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja,
noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se esse
testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo
antecedente.”
“Art. 1.896. As pessoas designadas no art. 1.893, estando empenhadas em
combate, ou feridas, podem testar oralmente, confiando a sua última vontade a
duas testemunhas.
Parágrafo único. Não terá efeito o testamento se o testador não morrer na guerra ou
convalescer do ferimento.”

O prazo de noventa dias de validade do testamento especial não corre se a situação


de excepcionalidade que o ensejou permanecer.
O artigo 1.896 do CC, supra, trata do testamento nuncupativo: esse testamento é o
único passível de ser realizado na forma verbal, facultado à pessoa empenhada em combate,
ou ferida, que confia a sua última vontade a duas testemunhas. Esse testamento não
produzirá efeitos se o testador não morrer na guerra, ou convalescer do ferimento que
pensava ser letal.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Casos Concretos

Questão 1

Um cidadão casado, sem ascendentes nem descendentes, fez um testamento em


1995, deixando toda a sua herança para seus irmãos, sem contemplar sua mulher. Faleceu
em 30/01/2003.
O testamento caduca, ou só valerá quanto à disponível?

Resposta à Questão 1

O cônjuge é herdeiro necessário, por força do artigo 1.845 do CC. Considerando o


fato de que aos herdeiros necessários confere-se o direito à legítima, ao menos, dessa não se
o pode privar, exceto quando for caso de exclusão da herança – o que não é o caso.
Considerando-se ainda que a caducidade refere-se somente a fatores supervenientes ao
momento da elaboração da cédula testamentária, essa deve ser cumprida na parte
disponível, reservando-se ao cônjuge a parte legítima.
Deve ser aplicada a regra de que a sucessão é regida pelo ordenamento vigente à
época da abertura da sucessão. Se o cônjuge não era herdeiro necessário na época da
elaboração do testamento, passou a sê-lo quando do advento do CC de 2002, e tal fato não
pode passar despercebido ao testador, já que a ninguém é dado desconhecer a lei. Sendo
assim, a vontade do testador só será cumprida na parte disponível, já que ao cônjuge deve
ser reservada a legítima – deverá haver a redução das disposições testamentárias.

Questão 2

Em janeiro de 2004, Emílio, cego, analfabeto, maior e capaz, sem herdeiros


necessários, resolveu fazer um testamento cerrado deixando seus bens para uma
instituição que trata de deficientes visuais. Na presença de duas testemunhas capazes, ele
entregou seu testamento ao tabelião, pedindo que o aprovasse. O tabelião colocou seu auto
de aprovação, observando as demais formalidade legais.
Em fevereiro de 2004, o testador faleceu vitimado em um assalto. Requerido o
cumprimento de seu testamento, sua única irmã o impugnou, por entender ser nulo o
testamento.
Decida a impugnação.

Resposta à Questão 2

O testamento é nulo porque o cego só pode fazer testamento público, por restrição
expressa contida no artigo 1.867, CC:

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz
alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma
das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada
menção no testamento.”

Vale dizer que a legislação sobre acessibilidade, Lei 10.048 e 10.098, ambas de
2000, proíbem que o cego seja limitado juridicamente por sua condição, e por isso é
possível o testamento particular em braile. Para o analfabeto, porém, a forma pública é de
fato imitigável.

Questão 3

Amanda, sem herdeiros necessários, resolveu aceitar em julho de 2003, o convite


de sua melhor amiga para fazerem juntas uma viagem de 20 dias para a China, apesar de
ter pavor de viajar de avião. Após o embarque, com muito medo, Amanda passou a sentir
algumas dores que a motivaram a fazer seu testamento. Ela procurou o comandante do
avião e ele designou um passageiro para que ela pudesse testar perante ele, cumprindo-se
todas as formalidades legais. A testadora deixou todos os seus bens para uma determinada
instituição de caridade.
Retornando para sua casa no Rio de Janeiro e gozando de boa saúde, a testadora
veio a falecer de acidente de carro em março de 2004.
A instituição de caridade requereu o cumprimento do testamento aeronáutico,
provando ser esta a última vontade da testadora. Os dois irmãos da falecida impugnaram
o pedido.
Decida a sucessão.

Resposta à Questão 3

O testamento aeronáutico caducou, como previsto no artigo 1.891 do CC. Ela


deveria ter feito outro testamento na forma ordinária.

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Tema IX

Invalidade do Testamento: nulidade e anulabilidade. Ineficácia. Disposições testamentárias. Revogação do


testamento. Finalidade. Revogação expressa, tácita e presumida. Rompimento do Testamento. Superveniência
de descendentes. Desconhecimento de herdeiros necessários.

Notas de Aula10

1. Invalidade do testamento

O testamento, como negócio jurídico unilateral, respeita os requisitos do artigo 104


do CC para o fim de aferição de sua validade:

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

Assim, deve haver agente capaz, objeto lícito, possível, e determinado ou


determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei.
Trazendo essa teoria geral para o testamento, o agente será capaz para testar quando
tiver dezesseis anos completos; o pródigo poderá testar, eis que a proteção de sua
incapacidade relativa é a sua própria manutenção em vida, perdendo objeto de proteção
quando se tratar de atos de disposição para além de sua morte. Até mesmo o ausente poderá
testar, enquanto estiver considerado vivo, ainda que haja sucessão provisória ou mesmo
definitiva aberta, portanto: é ausente no Rio de Janeiro, por exemplo, mas o testamento que
venha a fazer no Acre será perfeitamente válido. O ausente é plenamente capaz, onde quer
que se encontre.
A inobservância da capacidade para testar leva à nulidade do testamento. A
capacidade para testar é aferida na data da elaboração do testamento, ou seja, vige o tempus
regit actum. Mesmo que posteriormente perca a capacidade, o testamento feito enquanto
era capaz é perfeito.
Há pessoas que são naturalmente incapazes, mas ainda não juridicamente declaradas
como tal. Por exemplo, o alienado mental que não foi ainda judicialmente interditado. Se
essa pessoa realizar testamento, a prova de que era naturalmente incapaz incumbe ao
interessado em invalidar o testamento.
Quanto ao objeto, é vedado o testamento conjuntivo, no qual há manifestações de
vontades de duas ou mais pessoas no mesmo instrumento, seja ele recíproco, correspectivo
ou simultâneo. O artigo 1.863 do CC é claro:

“Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou


correspectivo.”
10
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 3/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Quanto à forma, há espécies que encontram previsão em lei, os testamentos


especiais que já foram mencionados.
A ausência de qualquer requisito gera a nulidade do testamento como um todo. Já a
nulidade de uma ou outra cláusula testamentária não necessariamente nulifica o testamento
como um todo, como se verá.

1.1. Disposições testamentárias nulas

O artigo 1.900 do CC dá a nota:

“Art. 1.900. É nula a disposição:


I - que institua herdeiro ou legatário sob a condição captatória de que este
disponha, também por testamento, em benefício do testador, ou de terceiro;
II - que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa averiguar;
III - que favoreça a pessoa incerta, cometendo a determinação de sua identidade a
terceiro;
IV - que deixe a arbítrio do herdeiro, ou de outrem, fixar o valor do legado;
V - que favoreça as pessoas a que se referem os arts. 1.801 e 1.802.”

O testamento pode ser portador de uma cláusula nula ou anulável, mas ser, em todo
o resto, válido, caso em que apenas a disposição testamentária nula será desconsiderada,
salvaguardando-se o restante do ato.
É claro que se a cláusula nula implicar incompatibilidade com o restante do
documento, haverá uma espécie de nulidade por arrastamento, na qual todo o restante do
documento que restar prejudicado pela cláusula nula será igualmente nulificado. Sendo
possível se resguardar disposições testamentárias independentes de uma que seja nulificada,
a cláusula válida será mantida. Veja o artigo 1.910 do CC, que mesmo que fale em
ineficácia, leia-se também invalidade:

“Art. 1.910. A ineficácia de uma disposição testamentária importa a das outras que,
sem aquela, não teriam sido determinadas pelo testador.”

O artigo 1.900, I, supra, dispõe que a condição captatória nulifica o testamento.


Consiste em condição que torna o testamento bastante similar ao conjuntivo correspectivo,
da espécie “deixo para tal pessoa desde que ela deixe para mim sua herança”. O testamento
permanecerá válido, no que não for incompatível com essa condição captatória, que é nula.
No inciso II vislumbra-se uma indeterminação da pessoa beneficiária que é
incompatível com o instituto. Se a pessoa apontada for determinável, não há problema – o
que é nulo é a deixa a pessoa absolutamente indeterminável. Aqui, cabe apontar o artigo
1.901, I, do CC, que traz uma exceção (que na verdade não é exceção, pois o beneficiário é
determinável):

“Art. 1.901. Valerá a disposição:


I - em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por terceiro, dentre duas
ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a uma família, ou a
um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por ele designado;
II - em remuneração de serviços prestados ao testador, por ocasião da moléstia de
que faleceu, ainda que fique ao arbítrio do herdeiro ou de outrem determinar o
valor do legado.”

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

No inciso III do artigo 1.900 do CC, é também a indeterminação do beneficiário que


se torna nula.
No inciso IV do artigo 1.900, supra, o problema nulificante está no objeto: o legado
é determinado, sempre, à exceção do que dispõe o artigo 1.901, II, supra, que se trata do
legado remuneratório por serviços prestados, o qual pode ser apenas determinável,
arbitrável por quem defina o testador, e não desde logo determinado.
O inciso V do artigo 1.900 nulifica a disposição testamentária que contemple um
daqueles indivíduos proibidos de figurar como beneficiários do testamento, como dispõem
os artigos 1.801 e 1.802 do CC:

“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado
de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se
fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.”

“Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não


legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou
feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os
descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.”

O prazo para nulificar o testamento ou a cláusula nula é de cinco anos a contar do


registro do instrumento, na forma do artigo 1.859 do CC:

“Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do


testamento, contado o prazo da data do seu registro.”

1.2. Disposições testamentárias anuláveis

O artigo 1.909 do CC, abaixo, fala que são anuláveis as disposições testamentárias
eivadas de erro, dolo ou coação, mas não fala em estado de perigo. Por isso, surge a
questão: o testamento realizado sob estado de perigo tem esta disposição anulável? A
resposta é positiva, mas sob uma condição – a qual vale também para a coação: só será
anulável a disposição testamentária se o testador não teve oportunidade de revogar aquele
testamento firmado naquelas condições de vício, ou seja, se pôde revogar o testamento ao
qual foi coagido ou que firmou por estar sob estado de perigo, e não o fez, a disposição
testamentária se convalidou.
No erro e no dolo, se o testador percebeu essas circunstâncias, e não revogou o
testamento tendo oportunidade para tanto, poder-se-ia entender que houve a mesma
convalidação – apesar de ser mais difícil essa hipótese, na prática.
O prazo para anulação do testamento ou de disposição testamentária é de quatro
anos, na forma do artigo 1.909, parágrafo único, do CC:

“Art. 1.909. São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo


ou coação.

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Parágrafo único. Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição,


contados de quando o interessado tiver conhecimento do vício.”

Esse prazo é decadencial, referente ao direito potestativo de anular o testamento. O


termo inicial é do conhecimento do vício pelo interessado na anulação, quando quer que
ocorra essa ciência – o que é bastante criticado pela doutrina, pela alta insegurança jurídica
gerada, nesse caso. O melhor seria que se observasse o artigo 1.859 do CC, supra, que trata
da nulidade do testamento, e conta desde a data do registro do testamento. Veja também o
artigo 1.126 do CPC, que trata do momento de registro do testamento:

“Art. 1.126. Conclusos os autos, o juiz, ouvido o órgão do Ministério Público,


mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento, se Ihe não achar vício externo,
que o torne suspeito de nulidade ou falsidade.
Parágrafo único. O testamento será registrado e arquivado no cartório a que tocar,
dele remetendo o escrivão uma cópia, no prazo de 8 (oito) dias, à repartição
fiscal.”

A regra geral das nulidades, como se sabe, é que o negócio jurídico nulo não
convalesce pelo decurso do tempo, na forma do artigo 169 do CC:

“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem


convalesce pelo decurso do tempo.”

Todavia, para o testamento há a regra especial do artigo 1.859 do CC, supra, que
impõe prazo para caducidade da impugnação, após o que a nulidade vai convalescer.
O motivo do ato pode gerar nulidade do testamento: se o motivo pelo qual
determinada disposição testamentária for falso, essa será nula. Por exemplo, a deixa em
função de um herdeiro motivada pela gratidão por determinado ato dessa pessoa nomeada:
se esse ato, que gerou a gratidão, se demonstrar inexistente, a disposição é nula, se esse
motivo foi o que determinou aquela manifestação de vontade, com base no artigo 140 do
CC:

“Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como
razão determinante.”

O testamento conta com alguns princípios de interpretação relevantes à análise das


nulidades ou anulabilidades, especialmente o princípio de hermenêutica que determina que
o testamento deve ser salvo, sempre que possível – assim como o que impõe a busca e
preferência pela real vontade do testador. Veja o artigo 1.899 do CC:

“Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações


diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do
testador.”

2. Ineficácia do testamento

A ineficácia do testamento é sempre determinada por algum fator extrínseco à


cártula, à cédula testamentária. As hipóteses de ineficácia do testamento são a revogação
(inclusive o rompimento), a caducidade, e a redução das disposições testamentárias.
Veremos ponto a ponto.

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

2.1. Revogação e rompimento do testamento

O testamento é um ato essencialmente revogável. Inclusive, não é válida qualquer


disposição no testamento que imponha irrevogabilidade, por mais que redigida pelo próprio
testador tal previsão – a cláusula de irrevogabilidade é considerada não escrita.
A revogação do testamento se dá, em regra, por outro testamento que o substitua. O
documento particular pode ser revogado, também, pela sua simples destruição pelo testador.
Veja o artigo 1.969 do CC:

“Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como
pode ser feito.”

Na revogação de um testamento por outro não é preciso se observar o paralelismo


das formas, ou seja, não é preciso que um testamento público seja revogado por outro
testamento público: pode o testamento particular revogar testamento público, e vice-versa.
Codicilos não revogam testamentos, mas a recíproca é verdadeira. A realização de
testamento posterior ao codicilo, ou mesmo de um outro codicilo, revoga o codicilo
anterior, bastando, para isso, que não o mencione confirmando-o. Já o testamento só é
revogado por outro testamento.
A revogação pode ser expressa ou tácita. Na revogação tácita, deve se observar o
último testamento, prevalecendo sobre o anterior.
Não há, no entanto, repristinação tácita entre testamentos: se um terceiro testamento
revoga o segundo, o primeiro não volta a viger, a não ser que o terceiro testamento
mencione expressamente essa repristinação.
Existe, entretanto, efeito repristinatório: se o segundo testamento for invalidado por
uma decisão judicial, o primeiro voltará a viger, porque o testamento nulificado
simplesmente não pode produzir qualquer tipo de efeito, inclusive o efeito de revogar
aquele primeiro. É como se o segundo testamento, nulificado, jamais houvesse entrado no
ordenamento.
A revogação pode ser total ou parcial, na forma do artigo

“Art. 1.970. A revogação do testamento pode ser total ou parcial.


Parágrafo único. Se parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula
revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao
posterior.”

A revogação pode ser ficta, ou legal, quando se verificar hipótese de rompimento:


trata-se de um fator externo que leva à total ineficácia do testamento, por presunção de
revogação imposta por lei. Veja os artigos 1.973 a 1.975 do CC:

“Art. 1.973. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não
o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se
esse descendente sobreviver ao testador.”

“Art. 1.974. Rompe-se também o testamento feito na ignorância de existirem


outros herdeiros necessários.”

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.975. Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua metade, não
contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os
exclua dessa parte.”

O fator externo de ineficácia do testamento, aqui, é a superveniência de herdeiros


necessários desconhecidos pelo testador, desde que o testador não tenha outros herdeiros
necessários quando da elaboração do testamento.
Havendo rompimento, o testamento é totalmente ineficaz. Essa completa ineficácia
causa estranheza, eis que mais coerente seria a redução parcial da ineficácia até a legítima.
Contudo, essa não é a opção legislativa: havendo rompimento, o testamento passa a ser
totalmente ineficaz, e a sucessão legítima será observada, ou seja, é como se o autor da
herança tenha falecido ab intestato.
Imagine-se que o testador já tenha filhos, e, após sua morte, uma investigação de
paternidade revela a existência de outro filho, até então desconhecido: não há rompimento
do testamento, pois é preciso que não exista herdeiro necessário no testamento, quando
feito.
Para o rompimento do testamento, não é preciso ação própria. É mera constatação
do juízo, em processo de inventário.
Se o autor da herança, quando em vida, sabia de uma ação de investigação de
paternidade contra si, e mesmo assim testou ignorando aquele possível filho, o testamento
não será rompido – haverá apenas redução das disposições testamentárias, na forma do
artigo 1.975 supra. Se sequer foi citado para a ação, quando da feitura do testamento,
haverá rompimento, porque o herdeiro necessário potencial é completamente ignorado,
presumivelmente.

2.2. Caducidade

A caducidade ocorre quando um motivo superveniente impeça o cumprimento do


testamento. Pode ser de todo o testamento ou somente de algumas disposições
testamentárias. Exemplo de caducidade do testamento como um todo é a deixa de toda a
disponível para um só herdeiro, o qual é pré-morto quando da abertura da sucessão, ou é
declarado indigno, ou renuncia, ou então é deserdado.
Na sucessão testamentária, inclusive, não há direito de representação, pelo que o
testamento, nos casos em que haveria suposta representação – como no de caso de filho
pré-morto do de cujus –, simplesmente é ineficaz. Na sucessão testamentária, cabe ao
testador dispor sobre substituição ou direito de acrescer, institutos que serão vistos adiante.
O testamento pode caducar, também, por perda do objeto testado. Veja o artigo
1.939 do CC, que trata da caducidade do legado:

“Art. 1.939. Caducará o legado:


I - se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não
ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía;
II - se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada;
nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;
III - se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do
herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento;
IV - se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815;
V - se o legatário falecer antes do testador.”

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Note-se que o inciso I do artigo supra trata do instituto similar à especificação do


bem – instituto dos direitos reais em que a alteração da essência do bem pode até mesmo
implicar alteração da propriedade. Veja o artigo do CC:
“Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver
espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior.”

Com o legado, transfere-se apenas a propriedade pela saisine, e não a posse, ficta e
automaticamente, como se sabe. Por isso, por exemplo, se um legatário recebe um veículo
em legado, com seguro, o seguro lhe acudirá, caso ocorra sinistro posterior à morte, mesmo
que a seguradora não tenha ciência prévia dessa transmissão. Se o sinistro for anterior,
porém, pode-se entender que o bem se perdeu – o veículo, que era o legado, deixou de
existir –, e não se presume que a indenização securitária assuma o papel que o veículo
ocupava, mesmo que possa haver quem assim defenda (pois se o testador assim quisesse,
deveria fazer constar do testamento que o legado é “do carro ou do valor por ele pago”, em
caso de sinistro).

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Caio faleceu em 01/01/1994, tendo sido realizado o inventário. Não foi incluído na
relação de herdeiros o filho Antônio, que estava desaparecido. Até que ano Antônio poderá
ajuizar a ação de petição de herança? Se os demais herdeiros receberam, cada um, como
pagamento, uma área urbana de 2.100m² , onde residem com suas famílias, poderiam esses
herdeiros invocar o usucapião do artigo 1.240 do Novo Código Civil, provando que não
têm outros bens? Fundamente.

Resposta à Questão 1

Antônio poderá ajuizar ação de petição de herança, de acordo com a súmula 149 do
STF, pelo prazo de dez anos, na forma do artigo 205 do CC, segundo a corrente majoritária,
mesmo que a investigação de paternidade seja imprescritível.
“Súmula 149, STF: É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas
não o é a de petição de herança.”

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.”

Aplica-se, ao caso, o artigo 2.028 do CC, pela intertemporalidade:

“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e
se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do
tempo estabelecido na lei revogada.”

No caso concreto, portanto, prescreve a petição de herança em 2013, porque passou


menos de metade do tempo até a vigência do CC de 2002 – dez anos, portanto, desde a
vigência do CC de 2002.
Quanto à usucapião, os requisitos do artigo 1.240 do CC não estão preenchidos, por
conta da metragem do imóvel, muito superior ao limite legal:

“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.”

Tratando da usucapião em abstrato, essa pode ser alegada por herdeiros em face de
co-herdeiros, desde que se consiga demonstrar posse exclusiva por aquele que pretende
usucapir. Se o co-herdeiro nunca fora conhecido, se preenchidos os requisitos, é possível
sim alegação de usucapião pelos demais em face desse novo herdeiro, surgido tanto tempo
após a partilha.
No curso do inventário, porém, um terceiro poderá usucapir o bem, normalmente,
de acordo com as regras de usucapião. Co-herdeiros, no curso do inventário, provavelmente
não conseguirão reunir os requisitos necessários para usucapir o bem – porque a posse ex

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

lege da saisine se transfere a todos os co-herdeiros –, mas se conseguirem, poderá também


haver usucapião por eles.

Questão 2

Mario e Janaína são casados. Eles acordaram que um deveria contemplar o outro
com a sua disponível. Mario fez testamento particular, obedecendo às formalidades legais,
com a seguinte redação: "Deixo toda a minha disponível para Janaína".
Janaína fez outro testamento, também particular, obedecendo à legislação vigente,
com a seguinte redação: "Deixo toda a minha disponível para meu marido".
Em março de 2003, o casal se divorciou consensualmente, e não revogaram seus
testamentos.
Pergunta-se:
a)Os testamentos são válidos?
b)Se Janaína morrer primeiro que Mário, ele terá direito à sua disponível?
c)Se ao invés de Janaína, for Mário quem morrer primeiro, ela o sucederá?

Resposta à Questão 2

a) O Código Civil, no artigo 1.863, proíbe o testamento quando os cônjuges se


instituem reciprocamente herdeiros, por ser modalidade do pacto sucessório. Os
testamentos são válidos por serem cédulas testamentárias diferentes, o que é permitido –
não é um só testamento conjuntivo.

b) Ele não terá direito à sucessão porque ela deixou seus bens para seu “marido”,
sem especificar o nome dele. Portanto, como já eram divorciados à época do óbito, ele não
sucede.

c) Se Mário morrer primeiro, Janaína o sucederá porque ele deixou sua disponível
para ela, nominalmente, e não para sua “esposa”. O divórcio posterior não revoga o
testamento; teria que haver outro testamento para revogar o anterior.

Questão 3

Ronaldo, sem herdeiros necessários conhecidos, fez, em janeiro de 2004,


testamento público, obedecendo as formalidades legais, deixando todos os seus bens para
uma instituição de caridade que cuida de idosos.
No começo do mês de abril do mesmo ano, Ronaldo faleceu de ataque cardíaco.
Imediatamente, Yolanda moveu ação de investigação de paternidade e o pedido foi julgado
procedente, transitando em julgado. Yolanda se habilitou no inventário aberto pela
instituição de caridade, que alega ter, ao menos, direito à disponível. Decida quem é(são)
o(s) sucessor(es) e o percentual de cada um, bem como o que ocorre com o testamento.
Fundamente.
Resposta à Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Como o testador ignorava a existência de sua herdeira necessária, o testamento será


totalmente rompido, passando a sucessão a ser legítima. Yolanda receberá a totalidade dos
bens – artigo 1.973, CC.
Veja o julgado abaixo, do TJ/RS:

“TIPO DE PROCESSO: Agravo de Instrumento. NÚMERO: 70006209423.


RELATOR: Maria Berenice Dias.
EMENTA: INVENTÁRIO. TESTAMENTO. ROMPIMENTO. Não há falar em
rompimento do testamento, quando o de cujus, ao testar, já tinha descendentes
sucessíveis, estando, já, limitado a testar apenas a sua parte disponível. Agravo
desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70006209423, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em
25/06/2003).”

Tema X

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Direito de Acrescer entre herdeiros e legatário. Legados: conceito, espécies, efeitos do legado e do seu
pagamento, caducidade. Quota vaga da herança e do legado. Usufruto conjunto.

Notas de Aula11

1. Direito de acrescer

Os requisitos do direito de acrescer são: nomeação conjunta, no mesmo testamento;


quinhões não determinados, não especificados; que um beneficiário, herdeiro ou legatário,
não possa ou não queira receber seu quinhão; e que não exista substituto nomeado no
testamento. Preenchidos esses requisitos, haverá direito de acrescer.
É preciso se verificar, no testamento, qual espécie de disposição testamentária está
sendo interpretada, para determinar se há direito de acrescer ou não. Podem haver as
seguintes disposições testamentárias: conjunção verbis tantum ou conjunção verbal, quando
o testador nomeia vários herdeiros ou legatários especificando as porções da herança ou do
legado, caso em que não há direito de acrescer, porque está definida a parte de cada um;
conjunção re tantum, ou conjunção real, quando o testador nomeia vários herdeiros sobre
mesma coisa, sem menção de frações específicas, mas em disposições, cláusulas,
separadas; e conjunção re et verbis, ou conjunção mista, que se dá quando o testador
nomeia vários herdeiros sobre mesma cota ou coisa, sem menção de quinhões, mas em uma
mesma sentença, uma mesma disposição.
Exemplo de conjunção verbal, verbis tantum, é o seguinte: “deixo metade de minha
casa para fulano, e a outra metade para siclano”. Se “fulano” não quiser ou não puder
receber, não acrescerá sua parcela ao quinhão de “siclano”, mas sim retornará ao monte
partível, para partilhar entre os demais eventuais sucessores – a disposição de metade
dedicada a “fulano” caduca.
Exemplo de conjunção real, re tantum, é o seguinte: “deixo minha casa para
fulano”. Em outra cláusula: “deixo minha casa para siclano”. Veja que há uma
incompatibilidade, e, se fossem previstas essas disposições em testamentos diferentes,
haveria revogação da anterior pela mais recente. Contudo, como estão no mesmo
testamento, resultando no aquinhoamento em frações igualitárias, na forma do artigo 1.904
do CC:

“Art. 1.904. Se o testamento nomear dois ou mais herdeiros, sem discriminar a


parte de cada um, partilhar-se-á por igual, entre todos, a porção disponível do
testador.”

Em relação ao direito de acrescer, nesse caso, o que se passa é que há a deixa da


casa a ambos, sem fracionamento, em disposições diversas, tendo por consequência que se
“fulano” não puder ou não quiser receber, há direito de “siclano” acrescer ao seu próprio
quinhão aquele que seria de “fulano”.
Exemplo de conjunção mista, re et verbis, é o seguinte: “deixo minha casa para
fulano e siclano”, em uma mesma sentença. A solução é a mesma da conjunção real: há
direito de “siclano” acrescer se “fulano” não puder ou não quiser receber o seu quinhão.
Veja o artigo 1.941, que inaugura o tratamento do direito de acrescer dos herdeiros
no CC:
11
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 3/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.941. Quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária, forem
conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, e qualquer
deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros,
salvo o direito do substituto.”

A interpretação literal desse dispositivo leva à conclusão de que somente há direito


de acrescer para herdeiros quando se tratar da conjunção mista, pois na verbal há quinhões
especificados, impedindo tal acréscimo. Arnaldo Rizzardo e Venosa, que fazem essa
interpretação, dizem que na conjunção real para herdeiros não há direito de acrescer por
simples falta de previsão nesse artigo supra. Carlos Roberto Gonçalves, por seu turno,
defende que tanto na mista quanto na real há o direito de acrescer, fazendo uma leitura mais
compreensiva do dispositivo supra – onde se lê “mesma disposição testamentária”, leia-se
também “mesmo testamento”.
O direito de acrescer dos legatários está no artigo 1.942 do CC:

“Art. 1.942. O direito de acrescer competirá aos co-legatários, quando nomeados


conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa, ou quando o objeto
do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização.”

Aqui, não há problemas: há direito de acrescer tanto na conjunção real quanto na


mista, em se tratando de legatários.
Inexistindo direito de acrescer, o quinhão retorna ao monte, como dito. Veja o artigo
1.944 do CC:

“Art. 1.944. Quando não se efetua o direito de acrescer, transmite-se aos herdeiros
legítimos a quota vaga do nomeado.
Parágrafo único. Não existindo o direito de acrescer entre os co-legatários, a quota
do que faltar acresce ao herdeiro ou ao legatário incumbido de satisfazer esse
legado, ou a todos os herdeiros, na proporção dos seus quinhões, se o legado se
deduziu da herança.”

O artigo 1.946 do CC trata da relação entre o direito de acrescer e o usufruto:

“Art. 1.946. Legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte


da que faltar acresce aos co-legatários.
Parágrafo único. Se não houver conjunção entre os co-legatários, ou se, apesar de
conjuntos, só lhes foi legada certa parte do usufruto, consolidar-se-ão na
propriedade as quotas dos que faltarem, à medida que eles forem faltando.”

Tratando-se de legado de usufruto, pode-se deixar apenas esse como legado, ou


pode-se instituir legatário, ou herdeiro, da nua propriedade do bem, e um outro do usufruto.
Poderá surgir direito de acrescer, nesses casos, bastando preencher os requisitos do artigo
supra.
Veja: em regra, morrendo um co-usufrutuário, a porção de seu usufruto consolidar-
se-á na figura do nu-proprietário, passando a ser propriedade plena naquela fração. Se
houver direito de acrescer para o outro co-usufrutuário, esse ocorrerá, e a propriedade de
quem o seja dono continuará nua.
Veja os artigos 1.943 e 1.945, que encerram o tratamento normativo sobre o direito
de acrescer:

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.943. Se um dos co-herdeiros ou co-legatários, nas condições do artigo


antecedente, morrer antes do testador; se renunciar a herança ou legado, ou destes
for excluído, e, se a condição sob a qual foi instituído não se verificar, acrescerá o
seu quinhão, salvo o direito do substituto, à parte dos co-herdeiros ou co-legatários
conjuntos.
Parágrafo único. Os co-herdeiros ou co-legatários, aos quais acresceu o quinhão
daquele que não quis ou não pôde suceder, ficam sujeitos às obrigações ou
encargos que o oneravam.”

“Art. 1.945. Não pode o beneficiário do acréscimo repudiá-lo separadamente da


herança ou legado que lhe caiba, salvo se o acréscimo comportar encargos
especiais impostos pelo testador; nesse caso, uma vez repudiado, reverte o
acréscimo para a pessoa a favor de quem os encargos foram instituídos.”

2. Legado

Ao legado, como já se disse, não se aplica o droit de saisine, porque com a abertura
da sucessão, ao legatário se transfere apenas a propriedade, e não a posse. Reveja o artigo
1.923 do CC:

“Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa,


existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva.
§ 1º Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar
por autoridade própria.
§ 2º O legado de coisa certa existente na herança transfere também ao legatário os
frutos que produzir, desde a morte do testador, exceto se dependente de condição
suspensiva, ou de termo inicial.”

O prelegado nada mais é do que a situação em que haja um herdeiro legítimo


também beneficiado com um legado, ou com herança, em testamento.
Há diversas espécies de legado, como o de usufruto, que já se abordou, e o legado
de alimentos, previsto no artigo 1.920 do CC:
“Art. 1.920. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa,
enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.”

O pagamento do legado de alimentos é similar ao de qualquer tipo de verba


alimentar: aplica-se o binômio necessidade-possibilidade, sendo a necessidade o que consta
do artigo supra – sustento, cura, vestuário e casa, e educação, se o legatário for menor –, e a
possibilidade fixada nas forças da herança. Os alimentos terão seu quantum fixado pelo
testador, em regra, mas se ele não o fizer, é assim que se apurará o pagamento. Se for
necessário, ou se assim estabelecer o testador, pode ser constituída renda em função do
legatário alimentar, renda de onde sairá a verba para sua subsistência.
Em regra, o legado de alimentos é vitalício, na forma do artigo supra. Rizzardo
entende que é possível a revisão de alimentos, porque o legado não é de crédito, não é de
quantia certa em dinheiro, pelo que se houver alteração no binômio necessidade-
possibilidade, o montante poderá ser revisto.
No legado de imóveis, aplica-se a gravitação jurídica: aquilo que for acessório ao
imóvel, principal, é também parte do legado.

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Com relação ao legado em dinheiro, a sua peculiaridade é que a mora é ex personae.


Veja o artigo 1.925 do CC:

“Art. 1.925. O legado em dinheiro só vence juros desde o dia em que se constituir
em mora a pessoa obrigada a prestá-lo.”

Se não há data para o pagamento do legado, se considerará vencida essa obrigação


quando for possível, ao testamenteiro, cumpri-la, o que geralmente ocorre após a apuração
do efetivo ativo da herança. De então, notificado, estará constituído em mora.
No legado alternativo, em regra, a escolha é dada ao devedor, que é quem escolherá
o bem a ser entregue na concentração de débito, na concentração do legado.

Casos Concretos

Questão 1

Paulo, sem herdeiros necessários, fez testamento público sem vícios, em outubro de
2003, dispondo da metade da nua-propriedade de sua casa de praia para Alexandre e a

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

outra metade para João e Joaquim, e nomeou Ana como usufrutuária de toda a casa.
Pergunta-se:
a)Se Alexandre for premorto ao testador, como fica a sucessão?
b)Se Alexandre, ao invés de ser premorto, for pós-morto ao testador, como ficará a
propriedade casa?
c)Considerando-se que, ao abrir-se a sucessão do testador, Alexandre e Joaquim
estão vivos e João é premorto, qual a situação do imóvel?

Resposta à Questão 1

a) A metade que caberia a Alexandre vai para os herdeiros legítimos do testador e a


outra metade continua com João e Joaquim; Ana continua usufrutuária da totalidade.

b) Os herdeiros legítimos de Alexandre serão os beneficiados com a nua


propriedade da metade da casa, sem alteração dos direitos dos demais sucessores.

c) Haverá direito de acrescer para Joaquim que ficará com a nua propriedade da
metade, porque entre eles os quinhões não foram determinados, permanecendo a outra
metade com Alexandre. Ana continua usufrutuária da totalidade.

Questão 2

Luiz, sem herdeiros necessários, fez testamento cerrado, sem vícios, em novembro
de 2003, com as seguintes cláusulas:
1ª cláusula: Deixo minha casa de praia para Tobias e minha casa de campo para
Adriana;
2ª cláusula: Deixo 20% dos meus bens para Thiago e para Diogo.
Responda, especificando, se houver, as espécies de conjunções:
a) Aberta a sucessão do testador, se Tobias for premorto, qual será o destino dos
bens regulados na 1ª cláusula testamentária?
b) Se Thiago for premorto ao testador, como será cumprida a 2ª cláusula do
testamento?

Resposta à Questão 2

a) Na primeira cláusula há uma conjunção verbis tantum. Não há direito de acrescer,


pois são bens diferentes deixados para pessoas distintas. Não há pluralidade de sucessores
para o mesmo bem. A casa será herdada pelos herdeiros legítimos do testador.
Poder-se-ia questionar se há mesmo disposição conjunta, aqui, pois há coisas
distintas deixadas para pessoas distintas. Todavia, entendeu-se que sim.
b) Na segunda cláusula há uma conjunção re et verbis. Diogo terá direito de
acrescer, porque o testador deixou os mesmos vinte por cento para duas pessoas com
quinhões não determinados.

Questão 3

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Alfredo, sem herdeiros necessários, fez seu testamento cerrado em março de 2003,
deixando a nua-propriedade de sua casa para seu amigo Antônio e como co-usufrutuárias,
Maria, com direito a 1/3 e os outros 2/3 para Miriam e Amanda. O testador faleceu sem
alterar seu testamento que foi considerado válido. Pergunta-se:
a)Se Miriam for premorta ao testador, como fica a sucessão?
b)Se ao invés de premorta, Miriam falecesse 05 anos após a partilha dos bens.
Como ficará o registro do imóvel?

Resposta à Questão 3

a) Se for pré-morta, Amanda terá direito de acrescer, por serem os quinhões entre as
duas co-usufrutuárias indeterminados. Ela exercerá o usufruto de dois terços do bem.

b) Se Miriam for pós-morta, o usufruto de sua parte se consolida na nua


propriedade. Antonio passará a ter a propriedade plena de um terço do bem e a nua-
propriedade de dois terços. Amanda continuará com seu direito ao usufruto, na proporção
de um terço e Maria com seu um terço – artigo 1.946, parágrafo único, do CC.

Tema XI

Substituição Testamentária. Substituição vulgar. Substituição recíproca. Substituição fideicomissária:


distinções entre fideicomisso e usufruto. Renúncia do fiduciário e do fideicomissário. Aceitação do
fideicomissário. Direito de acrescer. Caducidade do fideicomisso.

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Notas de Aula12

1. Substituição testamentária

Como se anteviu, não existe direito de representação na sucessão testamentária, mas


somente na legítima. Dessa forma, se o testador não quiser que suas disposições venham a
caducar ou perder a eficácia por qualquer motivo ulterior, ou ele deverá fazer uma
nomeação conjunta, para garantir direito de acrescer; ou deverá prever substituto para
suceder no lugar do beneficiário. Portanto, a substituição testamentária é uma das formas de
evitar a ineficácia do testamento, pois se um dos herdeiros testamentários não puder ou não
quiser receber, o substituto o fará no seu lugar.
O artigo 1.947 do CC conceitua a substituição, de forma genérica:

“Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário


nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou
o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas
alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.”

Há sempre, então, um terceiro ingressando na sucessão para receber em nome de


quem não pôde ou não quis receber.
A primeira das espécies de substituição é a simples, comum ou vulgar, constante do
artigo 1.948 do CC, primeira parte:

“Art. 1.948. Também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só, ou
vice-versa, e ainda substituir com reciprocidade ou sem ela.”

Até o termo “vice-versa”, trata-se da substituição simples, que pode ser individual
ou coletiva: enquanto na comum simples há um só substituto, na comum coletiva há mais
de um substituto. A classificação, diga-se, é sempre orientada pelo substituto. Na segunda
parte do dispositivo, depois da expressão “vice-versa”, está a substituição recíproca,
segunda espécie, que veremos adiante.
É lícito ao testador, portanto, nomear várias pessoas para substituir uma só, ou uma
para substituir várias, a seu bem entender.
A prole eventual pode ser nomeada substituta, sem qualquer óbice. Da mesma
forma, pode a prole eventual figurar como substituída, eis que pode ser nomeada herdeira
testamentária ou legatária.
Se a nomeação de um herdeiro ou legatário for sujeita a condição ou encargo, a
substituição carreia ao substituto o mesmo encargo ou condição, a não ser que se tratasse de
uma prestação personalíssima do substituído. Veja o artigo 1.949 do CC:

“Art. 1.949. O substituto fica sujeito à condição ou encargo imposto ao substituído,


quando não for diversa a intenção manifestada pelo testador, ou não resultar outra
coisa da natureza da condição ou do encargo.”

A substituição sucessiva é admissível? Veja o que diz o artigo 1.959 do CC:

“Art. 1.959. São nulos os fideicomissos além do segundo grau.”

12
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 4/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A resposta sobre a validade ou não da substituição sucessiva dependerá do conceito


que se adotar para esse instituto. Há duas correntes. A primeira entende por substituição
sucessiva a nomeação de substitutos além do segundo grau, quando estaria o testador
interferindo na sucessão do seu substituto, nomeando ele próprio os herdeiros do substituto.
Para quem assim a define, como Luis Paulo e Venosa, a substituição sucessiva é inválida,
porque se trata do testador nomeando herdeiro ou legatário do beneficiário da herança, o
que não está a seu alcance.
De outro lado, há quem defenda que a substituição sucessiva nada mais é do que,
justamente, a previsão do “substituto do substituto” no momento da abertura da sucessão,
porque é uma mera precaução do testador, que quer traçar o destino dos bens em ordem de
preferência – o que não gera qualquer nulidade. Arnaldo Rizzardo é um partidário dessa
corrente, assim como Silvio Rodrigues, que asseveram ainda que o artigo 1.959 do CC é
destinado exclusivamente à substituição fideicomissária.
Uma segunda espécie de substituição é a recíproca, que está sediada na segunda
parte do artigo 1.948 do CC, como visto. Nessa espécie, o testador nomeia mais de um
substituto, e consiga que, na falta de um deles, o outro o substituirá, e vice-versa.
O artigo 1.950 do CC regulamenta duas situações diferentes que podem ocorrer na
substituição recíproca:

“Art. 1.950. Se, entre muitos co-herdeiros ou legatários de partes desiguais, for
estabelecida substituição recíproca, a proporção dos quinhões fixada na primeira
disposição entender-se-á mantida na segunda; se, com as outras anteriormente
nomeadas, for incluída mais alguma pessoa na substituição, o quinhão vago
pertencerá em partes iguais aos substitutos.”

Até o ponto-e-vírgula, a situação é aquela em que o testador fixa quinhões


diferenciados entre os co-sucessores, as proporções dos quinhões deverão ser mantidas para
os eventuais substitutos, se o testador não dispuser de forma contrária. Veja um exemplo: se
o testador nomeia três co-herdeiros, um com vinte, um com trinta e um com cinquenta por
cento, e esse último não quer receber, os demais o substituirão, mas as proporções devem
ser mantidas: quarenta por cento dos cinquenta renegados serão dados ao primeiro, e
sessenta por cento dados ao segundo, respeitando-se assim a proporção original.
Mas é possível também que na substituição recíproca venha a plano um terceiro,
ausente da primeira nomeação, e é desse que trata a segunda parte do artigo supra, após o
ponto-e-vírgula: será rateado o quinhão vago por todos, na proporção original, mas com a
nova inclusão, ou seja, é como se se promovesse uma nova partilha daquele quinhão vago,
respeitadas as proporções dos nomeados originais.
A substituição caduca quando não houver quem substituir: se todos aceitarem seus
quinhões, a substituição perde o objeto. Pode haver caducidade também porque o substituto
não tem legitimidade para suceder, porque encartado em uma das hipóteses do artigo 1.801
do CC:

“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I - a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou
companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II - as testemunhas do testamento;
III - o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado
de fato do cônjuge há mais de cinco anos;

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

IV - o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se


fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.”

Se o substituto renunciar à herança, a substituição não se opera, assim como quando


for premoriente ou mesmo comoriente: são casos de caducidade em relação à pessoa do
beneficiário.
Terceira espécie de substituição é a fideicomissária, que será abordada em tópico
apartado, por sua maior complexidade.

1.1. Fideicomisso

O conceito legal do fideicomisso está no artigo 1.951 do CC:

“Art. 1.951. Pode o testador instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo que,


por ocasião de sua morte, a herança ou o legado se transmita ao fiduciário,
resolvendo-se o direito deste, por sua morte, a certo tempo ou sob certa condição,
em favor de outrem, que se qualifica de fideicomissário.”

Há, no fideicomisso, três figuras: o fideicomitente, que é o testador; o fiduciário,


que é quem recebe a propriedade resolúvel do bem; e o fideicomissário, que é o destinatário
final do bem.
O fideicomisso se opera da seguinte forma: o testador deixa os bens para alguém,
em confiança, sob o título de propriedade resolúvel, porque essa se resolverá no momento
da abertura do fideicomisso, que é o momento estipulado pelo testador para que o
fideicomissário receba os bens que até então estavam em poder do fiduciário.
Note-se que não há uma transmissão de bens do fiduciário ao fideicomissário por
sua vontade: a entrega é feita por respeito à vontade do testador, que desde sempre fixou
essa dinâmica.
Os momentos possíveis de abertura do fideicomisso estão previstos no artigo supra:
pode ser a morte do fiduciário, um termo certo, ou uma condição.
O fideicomissário, na forma do artigo 1.952 do CC, só pode ser pessoa não
concebida.

“Art. 1.952. A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não


concebidos ao tempo da morte do testador.
Parágrafo único. Se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o
fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos,
convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.”

Ocorrendo a hipótese do parágrafo único, o fideicomisso se torna em usufruto: o


fiduciário será usufrutuário, e o fideicomissário será nu-proprietário. O artigo 1.798 do CC
deve ser observado, porém, nessa hipótese do parágrafo único do CC, porque o
fideicomissário nascituro também se encarta nessa situação:

“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão.”

Suponha-se que o fiduciário, proprietário resolúvel dos bens em um fideicomisso


cujo momento de abertura é a sua morte, venha a falecer antes mesmo de o fideicomissário

Michell Nunes Midlej Maron 104


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ser concebido. Nesse caso, há duas posições disputando a solução: a primeira, dominante na
doutrina, defende que deve ser aplicado analogicamente o artigo 1.800, § 4º, do CC, que
estabelece prazo de dois anos para a concepção:

“Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão


confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
(...)
§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador,
caberão aos herdeiros legítimos.”

Assim, contados da data da morte do fiduciário, haverá dois anos para a concepção
do fiduciário, somente após o que caducará a substituição. O entendimento minoritário, por
sua vez, dispõe que o artigo 1.800, § 4º, supra, não é aplicável, pelo que caducará o
fideicomisso de imediato, quando na sua abertura não houver fideicomissário concebido.
Ocorrendo caducidade do fideicomisso, por qualquer causa (exceto a morte do
fiduciário), o fiduciário se torna proprietário pleno dos bens.
Se o fiduciário não quiser receber o bem no momento da abertura da sucessão,
passa-se esse diretamente ao fideicomissário, na forma do artigo 1.954 do CC. Contudo, se
se tratar de fideicomissário ainda não concebido, esse direito não se passará desde logo,
devendo ser aguardado o prazo de dois anos do artigo 1.800, § 4º, supra, para que o
fideicomissário seja concebido, e seu representante possa por ele aceitar. Passados os dois
anos sem concepção, caducará a previsão testamentária.

“Art. 1.954. Salvo disposição em contrário do testador, se o fiduciário renunciar a


herança ou o legado, defere-se ao fideicomissário o poder de aceitar.

O fiduciário tem o direito de receber a propriedade resolúvel, sob todas as regras


desse tipo de propriedade, na forma dos artigos 1.359 e 1.360 do CC:

“Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo


advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na
sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode
reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.”

“Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o


possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será
considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a
resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria
coisa ou o seu valor.”
É possível que o fiduciário perca a propriedade resolúvel por usucapião de terceiros,
mas a peculiaridade é que é exatamente isso, e só isso, que o terceiro adquirirá: a
propriedade resolúvel. Assim, os usucapentes adquirirão a propriedade na forma em que ela
se apresenta, ou seja, adquirirão apenas aquilo que está disponível, passível de aquisição –
uma propriedade resolúvel, e não uma propriedade plena. Essa lógica é presente no artigo
1.244 do CC:

“Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das


causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se
aplicam à usucapião.”

Michell Nunes Midlej Maron 105


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Assim o é porque o fideicomissário tem aquilo que se chama de direito-expectativa,


o que é mais do que uma mera expectativa de direito, porque já conta com a propriedade do
bem em seu patrimônio, carente apenas do implemento do termo ou comissão. E não é
possível perder esse direito-expectativa por conta da usucapião, eis que não corre contra ele
a prescrição, nem mesmo a aquisitiva – pois o fideicomissário é sempre um incapaz.
O fiduciário também tem deveres, especialmente o de zelar pelas coisas em seu
poder. Aberto o fideicomisso, os bens passam desde logo à propriedade plena do
fideicomissário, independentemente da vontade do fiduciário. Veja o artigo 1.953 do CC:

“Art. 1.953. O fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e


resolúvel.
Parágrafo único. O fiduciário é obrigado a proceder ao inventário dos bens
gravados, e a prestar caução de restituí-los se o exigir o fideicomissário.”

Para proteção dos bens, o fideicomissário pode tanto pedir a caução do artigo supra,
quanto pode também atuar juridicamente contra quem quer que os turbe, na forma que o
autoriza o artigo 130 do CC:

“Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou


resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.”

O fideicomissário tem também direitos e deveres, além do direito de proteger os


bens. Tem direito de acrescer, por exemplo, na forma do artigo 1.956 do CC:

“Art. 1.956. Se o fideicomissário aceitar a herança ou o legado, terá direito à parte


que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer.”

É um dever do fideicomissário, porém, responder pelos encargos da herança, na


forma do artigo 1.957 do CC:

“Art. 1.957. Ao sobrevir a sucessão, o fideicomissário responde pelos encargos da


herança que ainda restarem.”

A tributação da transmissão dos bens, no fideicomisso, incide sobre um só fato


gerador, que ocorre quando da abertura da sucessão, e não com a abertura do fideicomisso:
é na transmissão dos bens ao fiduciário que se opera a tributação, eis que ali também se dá
a transmissão prospectiva ao fideicomissário, que como dito se implementará quando do
advento do termo ou condição sem a interferência da vontade do fiduciário.
Além de arcar com os encargos dos bens, pois é deles o destinatário final, o
fideicomissário é responsável pelo reembolso de eventuais benfeitorias feitas pelo
fiduciário, na forma do artigo 1.219 do CC:

“Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de
retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”

Venosa e Silvio Rodrigues defendem até mesmo o direito de retenção em prol do


fiduciário, até que receba o que lhe é devido pelo fideicomissário.

Michell Nunes Midlej Maron 106


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Há ainda que se falar da substituição compendiosa, que é aquela que se dá quando o


testador, além de estabelecer um fideicomisso, também estabelece outro tipo de
substituição, vulgar ou mesmo recíproca, por exemplo. É uma mera composição dos
institutos, em que o testador cria o fideicomisso, e estabelece substituto para o fiduciário ou
para o fideicomissário, em caso de não puderem ou quiserem receber suas posições.
Se o fiduciário for premorto ao testador, e não foi criada substituição compendiosa –
não nomeou o testador um substituto para o fiduciário –, abre-se o prazo de dois anos para
que o fideicomissário venha a ser ao menos concebido, a fim de que já se lhe passem os
bens sem o intervalo da propriedade resolúvel pelo fiduciário, vez que premorto. Passados
os dois anos sem concepção do fideicomissário, os bens retornam ao monte para serem
partilhados.
Pela redação do artigo 1.952, parágrafo único, do CC, há pouco transcrito, pode-se
perceber que o fideicomisso se aproxima bastante do usufruto, mas sem com esse se
confundir. Se porventura houver dúvida na disposição testamentária, se é usufruto ou
fideicomisso, a interpretação demanda que se opte pelo usufruto, porque é o instituto menos
oneroso e com menor insegurança jurídica.
Vale, então, estabelecer os contornos diferenciais dos institutos: a natureza jurídica
do usufruto é de legado, enquanto a do fideicomisso é de espécie de substituição.
No fideicomisso, há transmissão sucessiva da propriedade, recebendo o fiduciário e
depois o fideicomissário, enquanto no legado de usufruto á a transmissão instantânea de
ambas as frações de direito: um recebe a nua propriedade, e outro recebe o usufruto.
No fideicomisso, apenas o não concebido pode ser nomeado destinatário final,
enquanto no usufruto tanto o nu-proprietário quanto o usufrutuário podem ser quaisquer
pessoas.
A morte do fiduciário leva à propriedade plena pelo fideicomissário, transformando
seu direito-expectativa em direito – não tinha propriedade alguma, e com a morte do
fiduciário passa a tê-la plena; a morte do usufrutuário apenas torna plena a propriedade que
o nu-proprietário já tinha.
O fiduciário pode alienar sua propriedade resolúvel, mas, como é lógico, só pode
alienar aquilo que tem, ou seja, o adquirente terá apenas a propriedade resolúvel. Vale dizer
que o testador pode impedir essa alienação pelo fiduciário, apondo cláusula restritiva sobre
tal propriedade resolúvel. O fideicomissário, detentor de mero direito-expectativa, não pode
alienar nada, pois nada tem. No usufruto, se não for instituído de forma personalíssima,
pode o usufrutuário alienar seu direito, bem como pode o nu-proprietário alienar a sua nua-
propriedade.
Por fim, vale dizer que a maioria da doutrina entende que é possível instituir
fideicomisso em atos inter-vivos, não sendo esse instituto exclusivo da sucessão
testamentária. Exemplo simples é a doação, que pode ser instituída nos moldes do
fideicomisso, ou seja, nomeando-se um fiduciário com propriedade resolúvel para repassar
os bens à prole eventual de alguém, o fideicomissário. Caio Mario, porém, entende que o
instituto é adstrito ao direito testamentário, não cabendo nesse ato inter-vivos.

Michell Nunes Midlej Maron 107


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Casos Concretos

Questão 1

Gilberto, viúvo e pai de Felipe e de Laura, ele com 5 anos e ela com 7 anos, fez
testamento público em janeiro de 2004, deixando todos os seus bens para seus dois filhos
e, com a morte destes, seus bens passariam para seu primeiro neto. Aberta a sucessão de
Gilberto e requerido o cumprimento do testamento, o Ministério Público impugnou a deixa
testamentária, alegando que somente a disponível pode ser onerada com fideicomisso.
Decida.

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Resposta à Questão 1

Assiste razão ao MP, pois a legítima só pode ser onerada com as cláusulas de
inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade se houver justa causa, e não pode
o testador estipular como fiduciários os herdeiros no que tange à legítima. Por isso, o
fideicomisso terá que ser reduzido para alcançar somente a disponível.

Questão 2

Juliana dispôs validamente em testamento público realizado em março de 2003 que


sua disponível seria destinada a Mateus e, com a morte deste, os bens passariam para o
primogênito de Heloísa. Heloísa deu à luz a uma menina, Luíza. Dois meses depois do
nascimento a testadora falece. Decida a sucessão.

Resposta à Questão 2

A interpretação dos termos no masculino ou feminino é a de que, dito no masculino,


alcança tanto o homem quanto a mulher, mas não o contrário: dito no feminino, somente
alcançaria a mulher. Por isso, a menção ao primogênito abarca tanto o neto homem quanto
a mulher. Assim, conforme o artigo 1.952, parágrafo único, do CC, Luíza será considerada
nua-proprietária, e Mateus usufrutuário.

Questão 3

Fernando Rodrigues faleceu em 06/01/1995, solteiro, sem deixar filhos, sendo que
seus pais e avos já eram falecidos. O inventário foi aberto pelo seu irmão Hugo, o qual
prestou compromisso e apresentou as primeiras declarações indicando ele próprio e seus
demais irmãos, Vitoria e Ernesto Neto, como herdeiros. Citados todos os herdeiros, Vitória
sustenta a necessidade de intervenção do Ministério Público, em face da existência de
fideicomisso, que teve como testador o seu avô, Ernesto Rodrigues; como fiduciários a
própria recorrente e seus irmãos Ernesto e Fernando (de cujus); e, por fim, nomeado como
fideicomissário Oswaldo Rodrigues, pai dos herdeiros chamados no inventário. Vitória
afirma que o fideicomissário faleceu em 20/08/1977, antes, portanto, de Fernando, razão
pela qual os bens deste foram transmitidos aos fiduciários, em cumprimento ao disposto na
cláusula 6º do testamento, in verbis:
"deixo a minha disponível relativa a todos os bens existentes por ocasião de minha
morte, em fideicomisso, aos meus netos que então existirem, determinando que, por morte
de cada um destes, a porção de bens que lhe tiver cabido passe a meu filho Oswaldo, salvo
se este já tiver falecido ou atingido a comoriência, hipótese em que aos demais netos
sobreviventes passará, em partes iguais, o quinhão do que tiver falecido".
Por tais motivos, impugna a inclusão de Hugo, na qualidade de herdeiro dos bens
deixados por seu avô Ernesto, uma vez que o referido testador elegeu como seus herdeiros
apenas os netos nascidos por ocasião de sua morte, sendo certo que Hugo nasceu após o
seu falecimento. Hugo sustenta ter capacidade sucessória passiva para figurar como
herdeiro legítimo do irmão falecido, em razão de ter havido rompimento do testamento, de
acordo com o disposto no art. 1973. Alega, ainda, a caducidade da substituição

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fideicomissária, em razão do falecimento do fideicomissário. Sendo assim, a deixa


testamentária que o excluiu como herdeiro por ter nascido após a abertura da sucessão do
testador fideicomitente é ineficaz.
Com base no enunciado acima, decida a questão, descompatibilizando as
controvérsias.

Resposta à Questão 3

A discussão é muito peculiar, porque hoje seria impossível, pois o fideicomissário


só pode ser o nondum conceptus. Veja o que decidiu o STJ, no informativo 335:

“FIDEICOMISSO. TESTADOR. SUCESSÃO. CAPACIDADE. HERDEIRO


LEGÍTIMO. IRMÃO SOLTEIRO. NETOS.
A Turma entendeu que, no caso, morrendo o fideicomissário antes do fiduciário, a
propriedade consolida-se na pessoa do fiduciário, deixando de ser restrita e
resolúvel (arts. 1.952, 1.955 e 1.959 do CC/2002). Outrossim, constatada a
violação do art. 1.786 do CC/2002, cabível a restauração de decisão interlocutória
que admitia a capacidade sucessória passiva de todos os irmãos daquele que
faleceu sem deixar filhos e de pais também já falecidos. Precedentes citados: REsp
240.720-SP, DJ 6/10/2003, e REsp 539.605-SP, DJ 10/5/2004. REsp 820.814-SP,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9/10/2007.”

“REsp 820814 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento
09/10/2007. Data da Publicação/Fonte DJ 25/10/2007 p. 168
Ementa: Direito processual e civil. Sucessões. Recurso especial. Disposição
testamentária de última vontade. Substituição fideicomissária. Morte do
fideicomissário. Caducidade do fideicomisso. Obediência aos critérios da sucessão
legal. Transmissão da herança aos herdeiros legítimos, inexistentes os necessários.
- Não se conhece do recurso especial quanto à questão em que a orientação do STJ
se firmou no mesmo sentido em que decidido pelo Tribunal de origem.
- A substituição fideicomissária caduca se o fideicomissário morrer antes dos
fiduciários, caso em que a propriedade destes consolida-se, deixando, assim, de ser
restrita e resolúvel (arts. 1.955 e 1.958, do CC/02).
- Afastada a hipótese de sucessão por disposição de última vontade, oriunda do
extinto fideicomisso, e, por conseqüência, consolidando-se a propriedade nas mãos
dos fiduciários, o falecimento de um destes sem deixar testamento, impõe estrita
obediência aos critérios da sucessão legal, transmitindo-se a herança, desde logo,
aos herdeiros legítimos, inexistindo herdeiros necessários.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”
Tema XII

Inventário. Procedimentos. Inventariante e testamenteiro: nomeação e funções. Sonegados. Pagamento das


dívidas.

Notas de Aula13

1. Sonegados

Veja o artigo 1.992 do CC:

13
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 4/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no


inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de
outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-
los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.”

Aquele que sonega bens sofre uma sanção civil pela ocultação dolosa de bens que
deveriam ter sido trazidos ao inventário. Tanto os herdeiros que tenham bens do inventário
em seu poder como o inventariante são passíveis de sofrer essa sanção, se sonegarem, assim
como o terceiro eu porventura tivesse dever de trazer bens à colação e não o fez.
A sanção dos sonegados pode ser aplicada diretamente no juízo do inventário,
permitindo o contraditório. Se surgir, no entanto, questões de alta indagação no curso da
apuração da sonegação, será necessária a via própria, chamada ação de sonegados, na qual
se permitirá a dilação probatória necessária.
Se o sonegador for o inventariante, aplica-se também a sua remoção, na forma do
artigo 1.993 do CC:

“Art. 1.993. Além da pena cominada no artigo antecedente, se o sonegador for o


próprio inventariante, remover-se-á, em se provando a sonegação, ou negando ele a
existência dos bens, quando indicados.”

São legitimados a requerer a pena aos sonegados, na ação de sonegados, os


herdeiros ou terceiros que sejam credores da herança, na forma do artigo 1.994 do CC:

“Art. 1.994. A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida


pelos herdeiros ou pelos credores da herança.
Parágrafo único. A sentença que se proferir na ação de sonegados, movida por
qualquer dos herdeiros ou credores, aproveita aos demais interessados.”

A situação de sonegação só se configura, para o inventariante, após o encerramento


da declaração de bens por parte desse, após a apresentação das últimas declarações,
deixando de constar dali bem que deveria.
Se o testamenteiro for quem sonegou os bens, perderá o prêmio a que fizer jus e
será removido, na forma do artigo 1.140 do CPC, porque assim se portando ele não cumpre
as disposições testamentárias:

“Art. 1.140. O testamenteiro será removido e perderá o prêmio se:


I - lhe forem glosadas as despesas por ilegais ou em discordância com o
testamento;
II - não cumprir as disposições testamentárias.”

O prazo prescricional da ação de sonegados é o genérico de dez anos, do artigo 205


do CC, eis que não há outro prazo cominado, contados a partir da lesão, da efetiva
ocultação dos bens – momento que vai variar de acordo com quem sonega: se for o
inventariante, desde as últimas declarações; se for o herdeiro, desde as suas declarações; se
for o testamenteiro, desde quando tiver que dar cumprimento ao testamento.

“Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor.”

Michell Nunes Midlej Maron 111


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2. Pagamento das dívidas

Veja o artigo 1.997 do CC:

“Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita
a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na
herança lhe coube.
§ 1º Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas
constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova
bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação de
pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do
inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair
oportunamente a execução.
§ 2º No caso previsto no parágrafo antecedente, o credor será obrigado a iniciar a
ação de cobrança no prazo de trinta dias, sob pena de se tornar de nenhum efeito a
providência indicada.”

Como se sabe, vige aqui o princípio das forças da herança, em que só haverá
partilha após o pagamento das dívidas, mas se o monte for insuficiente para pagá-las, não
será levado aos herdeiros o passivo excedente.

3. Inventário

O inventário, hoje, pode ser judicial ou extrajudicial. Quando as partes forem


maiores, capazes, concordes na partilha, e desde que inexista testamento, pode ser
escolhido o inventário extrajudicial, na forma do artigo 982 do CPC:

“Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao


inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o
inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o
registro imobiliário. (Redação dada pela Lei nº 11.441, de 2007).
§ 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas
estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por
defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato
notarial. (Renumerado do parágrafo único com nova redação, pela Lei nº 11.965,
de 20090)
§ 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem
pobres sob as penas da lei. (Incluído pela Lei nº 11.965, de 20090)”
O inventário extrajudicial é uma faculdade, de acordo com o artigo 2º da resolução
35 do CNJ, que regulamenta esse tipo de inventário:

“Art. 2º É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial;


podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias,
ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.”

Alexandre Câmara entende que é inviável a opção, porque quando estiverem


presentes os requisitos para a via extrajudicial, a judicial careceria de interesse. É posição
isolada.
Se houver uma questão qualquer de nulidade da partilha extrajudicial, a ação apta a
deduzir tal inconformismo é a anulatória da escritura pública, que terá curso ordinário

Michell Nunes Midlej Maron 112


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comum em qualquer vara cível. A competência não é do juízo orfanológico porque o que
está em discussão é a anulação de um ato jurídico, e não questões sucessórias.
O inventário judicial é de competência do foro do último domicílio do de cujus. O
extrajudicial, por seu turno, pode ser realizado em qualquer cartório, em qualquer comarca.
Veja o artigo 1º da Resolução 35 do CNJ:

“Art. 1º Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei no 11.441107, é livre
a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do
Código de Processo Civil.”

O inventário judicial é um procedimento bifásico. Na primeira fase, há a feitura do


inventário propriamente dito, ou seja, a verificação dos herdeiros e arrolamento dos bens.
Na segunda fase, faz-se o pagamento das dívidas e a partilha dos bens.
Os artigos 987 e 988 do CPC traçam a legitimidade para requerimento da abertura
do inventário:

“Art. 987. A quem estiver na posse e administração do espólio incumbe, no prazo


estabelecido no art. 983, requerer o inventário e a partilha.
Parágrafo único. O requerimento será instruído com a certidão de óbito do autor da
herança.”

“Art. 988. Tem, contudo, legitimidade concorrente:


I - o cônjuge supérstite;
II - o herdeiro;
III - o legatário;
IV - o testamenteiro;
V - o cessionário do herdeiro ou do legatário;
VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança;
VII - o síndico da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do
cônjuge supérstite;
VIII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes;
IX - a Fazenda Pública, quando tiver interesse.”

O prazo para a abertura do inventário é o do artigo 983 do CPC, qual seja, sessenta
dias a contar da abertura da sucessão. Esse prazo se aplica também ao inventário
extrajudicial.

“Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60


(sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses
subseqüentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de
parte. (Redação dada pela Lei nº 11.441, de 2007).
Parágrafo único. (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 11.441, de 2007).
(Revogado pela Lei nº 11.441, de 2007).”

O prazo do artigo 1.796 do CC não mais se aplica, porque a lei que trouxe o prazo
de sessenta dias é posterior:

“Art. 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-


á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da
sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança.”

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Se o prazo de sessenta dias for inobservado, a consequência processual será a


possibilidade de abertura de ofício pelo juiz, na forma do artigo 989 do CPC:

“Art. 989. O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das
pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal.”

Há uma sanção tributária, porém: há uma multa sobre o montante do inventário, se


acaso não for aberto no prazo.
Antes da nomeação do inventariante, há a figura de um administrador provisório
dos bens deixados pelo de cujus. O artigo 1.797 do CC estipula quem o será:

“Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança


caberá, sucessivamente:
I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da
sucessão;
II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de
um nessas condições, ao mais velho;
III - ao testamenteiro;
IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos
antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao
conhecimento do juiz.”

Tanto esse rol do artigo supra quanto o rol de quem pode ser inventariante, trazido
no artigo 990 do CPC, não são de observância obrigatória pelo juízo, que pode, na
casuística, preferir uma outra pessoa que considerar mais apta à administração ou
inventariança.

“Art. 990. O juiz nomeará inventariante: (Vide Lei nº 12.195, de 2010)


I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o
outro ao tempo da morte deste; (Redação dada pela Lei nº 12.195, de 2010)
Vigência
II - o herdeiro que se achar na posse e administração do espólio, se não houver
cônjuge ou companheiro sobrevivente ou estes não puderem ser nomeados;
(Redação dada pela Lei nº 12.195, de 2010) Vigência
III - qualquer herdeiro, nenhum estando na posse e administração do espólio;
IV - o testamenteiro, se Ihe foi confiada a administração do espólio ou toda a
herança estiver distribuída em legados;
V - o inventariante judicial, se houver;
VI - pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial.
Parágrafo único. O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de 5
(cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo.”

A figura do testamenteiro, por seu turno, é a da pessoa que é encarregada de dar


cumprimento ao testamento, se houver. Ele recebe uma remuneração por esse serviço,
denominada vintena. Veja o artigo 1.987 do CC:

“Art. 1.987. Salvo disposição testamentária em contrário, o testamenteiro, que não


seja herdeiro ou legatário, terá direito a um prêmio, que, se o testador não o houver
fixado, será de um a cinco por cento, arbitrado pelo juiz, sobre a herança líquida,
conforme a importância dela e maior ou menor dificuldade na execução do
testamento.”

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Se o testamenteiro for removido, a vintena recebida será revertida em favor do


monte, como diz o artigo 1.989 do CC:

“2Art. 1.989. Reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro perder, por ser
removido ou por não ter cumprido o testamento.”

Os casos de remoção do testamenteiro estão no artigo 1.140 do CPC, há pouco


transcrito.
Há uma peculiaridade: em eventual ação de nulidade de testamento, diz a lei que
apenas o testamenteiro é citado para responder, pois é ele quem tem a obrigação de zelar
pela validade do testamento. Veja o artigo 1.981 do CC:

“Art. 1.981. Compete ao testamenteiro, com ou sem o concurso do inventariante e


dos herdeiros instituídos, defender a validade do testamento.”

Existe a possibilidade de um pedido de alvará judicial, dispensando todo o rito do


inventário, fundamentado no artigo 1.037 do CPC:

“Art. 1.037. Independerá de inventário ou arrolamento o pagamento dos valores


previstos na Lei no 6.858, de 24 de novembro de 1980. (Redação dada pela Lei nº
7.019, de 31.8.1982)”

Veja os artigos 1º e 2º da Lei 6.858/80, mencionada nesse artigo supra:

“Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes


das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de
Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão
pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social
ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta,
aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial,
independentemente de inventário ou arrolamento.
§ 1º - As quotas atribuídas a menores ficarão depositadas em caderneta de
poupança, rendendo juros e correção monetária, e só serão disponíveis após o
menor completar 18 (dezoito) anos, salvo autorização do juiz para aquisição de
imóvel destinado à residência do menor e de sua família ou para dispêndio
necessário à subsistência e educação do menor.
§ 2º - Inexistindo dependentes ou sucessores, os valores de que trata este artigo
reverterão em favor, respectivamente, do Fundo de Previdência e Assistência
Social, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou do Fundo de Participação
PIS-PASEP, conforme se tratar de quantias devidas pelo empregador ou de contas
de FGTS e do Fundo PIS PASEP.”

“Art. 2º - O disposto nesta Lei se aplica às restituições relativas ao Imposto de


Renda e outros tributos, recolhidos por pessoa física, e, não existindo outros bens
sujeitos a inventário, aos saldos bancários e de contas de cadernetas de poupança e
fundos de investimento de valor até 500 (quinhentas) Obrigações do Tesouro
Nacional.
Parágrafo único. Na hipótese de inexistirem dependentes ou sucessores do titular,
os valores referidos neste artigo reverterão em favor do Fundo de Previdência e
Assistência Social.”

Michell Nunes Midlej Maron 115


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Em que pese a especificidade desse alvará, que, na literalidade, só se prestaria aos


pagamentos previstos na lei que menciona, nos artigos supra, a jurisprudência tem admitido
qualquer tipo de saque, desde que em dinheiro, por meio do alvará.
Há ainda o procedimento de inventário por arrolamento sumário, cabível nos casos
do artigo 1.036 do CPC:

“Art. 1.036. Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (duas
mil) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, o inventário processar-se-á na forma
de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente da
assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a
atribuição do valor dos bens do espólio e o plano da partilha. (Redação dada pela
Lei nº 7.019, de 31.8.1982)
§ 1º Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar a estimativa, o juiz
nomeará um avaliador que oferecerá laudo em 10 (dez) dias. (Incluído pela Lei nº
7.019, de 31.8.1982)
§ 2º Apresentado o laudo, o juiz, em audiência que designar, deliberará sobre a
partilha, decidindo de plano todas as reclamações e mandando pagar as dívidas não
impugnadas.(Incluído pela Lei nº 7.019, de 31.8.1982)
§ 3o Lavrar-se-á de tudo um só termo, assinado pelo juiz e pelas partes presentes.
(Incluído pela Lei nº 7.019, de 31.8.1982)
§ 4º Aplicam-se a esta espécie de arrolamento, no que couberem, as disposições do
art. 1.034 e seus parágrafos, relativamente ao lançamento, ao pagamento e à
quitação da taxa judiciária e do imposto sobre a transmissão da propriedade dos
bens do espólio. (Incluído pela Lei nº 7.019, de 31.8.1982)
§ 5º Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas,
o juiz julgará a partilha. (Incluído pela Lei nº 7.019, de 31.8.1982)”

Onde se lê OTN, leia-se, hoje, Ufir.


Já na inicial do arrolamento sumário, os peticionantes apresentam os herdeiros e um
esboço da partilha, e o juiz, se a encontrar correta, já a deferirá desde logo. Aquele que
requer o arrolamento já é nomeado, em regra, inventariante, já no momento do recebimento
da inicial.
Havendo incongruências que impeçam o arrolamento, esse é convertido em
inventário comum.
O inventário judicial tem início, é claro, pela petição inicial. O único requisito
especial indispensável dessa inicial é a certidão de óbito, que a deve acompanhar.
Recebida a inicial, nomeado o inventariante, contam-se vinte dias para que ele
apresente as primeiras declarações. Veja o artigo 993 do CPC:

“Art. 993. Dentro de 20 (vinte) dias, contados da data em que prestou o


compromisso, fará o inventariante as primeiras declarações, das quais se lavrará
termo circunstanciado. No termo, assinado pelo juiz, escrivão e inventariante,
serão exarados: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - o nome, estado, idade e domicílio do autor da herança, dia e lugar em que
faleceu e bem ainda se deixou testamento; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
II - o nome, estado, idade e residência dos herdeiros e, havendo cônjuge supérstite,
o regime de bens do casamento; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
III - a qualidade dos herdeiros e o grau de seu parentesco com o inventariado;
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Michell Nunes Midlej Maron 116


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

IV - a relação completa e individuada de todos os bens do espólio e dos alheios que


nele forem encontrados, descrevendo-se: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se
encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos
títulos, números das transcrições aquisitivas e ônus que os gravam; (Redação dada
pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
b) os móveis, com os sinais característicos; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
c) os semoventes, seu número, espécies, marcas e sinais distintivos; (Redação dada
pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
d) o dinheiro, as jóias, os objetos de ouro e prata, e as pedras preciosas,
declarando-se-lhes especificadamente a qualidade, o peso e a importância;
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
e) os títulos da dívida pública, bem como as ações, cotas e títulos de sociedade,
mencionando-se-lhes o número, o valor e a data; (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)
f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, títulos, origem da
obrigação, bem como os nomes dos credores e dos devedores; (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
g) direitos e ações; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
h) o valor corrente de cada um dos bens do espólio. (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. O juiz determinará que se proceda: (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
I - ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era comerciante em nome
individual; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
II - a apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não
anônima. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

Após as declarações, citam-se os herdeiros, na forma do artigo 999 do CPC:

“Art. 999. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do
inventário e partilha, o cônjuge, os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o
Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se o
finado deixou testamento.(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1º Citar-se-ão, conforme o disposto nos arts. 224 a 230, somente as pessoas
domiciliadas na comarca por onde corre o inventário ou que aí foram encontradas;
e por edital, com o prazo de 20 (vinte) a 60 (sessenta) dias, todas as demais,
residentes, assim no Brasil como no estrangeiro.(Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)
§ 2º Das primeiras declarações extrair-se-ão tantas cópias quantas forem as partes.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 3º O oficial de justiça, ao proceder à citação, entregará um exemplar a cada parte.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 4º Incumbe ao escrivão remeter cópias à Fazenda Pública, ao Ministério Público,
ao testamenteiro, se houver, e ao advogado, se a parte já estiver representada nos
autos. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

A citação por edital só pode ser feita quando não puder haver citação pessoal. O
STF, em controle incidental, enfrentou questionamento ao § 1º desse artigo supra, e
entendeu-o constitucional, como se vê no informativo 523:

“Art. 999, § 1º, do CPC: Citação por Edital e Domicílio em Comarca Diversa

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O Tribunal, por maioria, desproveu recurso extraordinário interposto contra


acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, e declarou a
constitucionalidade do art. 999, § 1º, do CPC ["Art. 999. Feitas as primeiras
declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e partilha, o
cônjuge, os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o Ministério Público, se
houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se o finado deixou
testamento. § 1º Citar-se-ão, conforme o disposto nos arts. 224 a 230, somente as
pessoas domiciliadas na comarca por onde corre o inventário ou que aí foram
encontradas; e por edital, com o prazo de 20 (vinte) a 60 (sessenta) dias, todas as
demais, residentes, assim no Brasil como no estrangeiro."]. O acórdão recorrido
reputara válida a citação, por edital, de herdeiro e de seu cônjuge domiciliados em
comarca diversa daquela em que processado o inventário. Os recorrentes alegavam
que não deveriam ter sido citados por esse modo, haja vista possuírem endereço
certo, e sustentavam ofensa aos princípios da isonomia, da ampla defesa, do
contraditório e do devido processo legal no reconhecimento da constitucionalidade
do referido dispositivo - v. Informativo 521. Salientando tratar-se de dispositivo
vetusto, que já constava do Código de Processo Civil anterior, entendeu-se que a
citação por edital em processo de inventário seria perfeitamente factível, até
mesmo para se acelerar a prestação jurisdicional. Ressaltou-se, também, que
qualquer irregularidade poderia ser enfrentada nas instâncias ordinárias. Vencido o
Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso e assentava a
inconstitucionalidade do art. 999, § 1º, do CPC, ao fundamento de que o inventário
se processa sob o ângulo da jurisdição voluntária, mas, a partir do momento em
que a legislação indica o necessário conhecimento de herdeiros, sabendo-se quem
eles são e onde estão, a ciência não poderia ser ficta, e sim realizada por meio de
carta precatória, sob pena de se colocar em segundo plano a regra segundo a qual
se deve, tanto quanto possível, promover a ciência de fato quanto ao curso do
processo de inventário. Vencido, também, o Min. Celso de Mello, que
acompanhava a divergência, e afirmava que a citação ficta, mediante edital, teria
caráter excepcional e não viabilizaria o exercício pleno do direito ao contraditório.
RE 552598/RN, rel. Min. Menezes Direito, 8.10.2008. (RE-552598)”

“RE 552598 / RN - RIO GRANDE DO NORTE. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. Relator: Min. MENEZES DIREITO.
Julgamento: 08/10/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação 21-11-2008.
EMENTA Citação por edital. Inventário. Art. 999, § 1º, do Código de Processo
Civil. 1. A citação por edital prevista no art. 999, § 1º, do Código de Processo
Civil, não agride nenhum dispositivo da Constituição Federal. 2. Recurso
extraordinário a que se nega provimento.”

Os votos vencidos desse RE, no entanto, acatavam a tese de que se há vias de


citação real, a citação ficta deve ser deixada por último. O STJ, por seu turno, assim
entende, contrariando o julgado do STF supra:

“INVENTÁRIO. CITAÇÃO. LEGATÁRIOS. EXTERIOR.


Trata-se da nomeação de curador especial quando os legatários sediados no
exterior e citados por edital não se manifestaram nos autos sobre seus respectivos
quinhões. Na espécie, as legatárias são universidades com endereço conhecido no
exterior, e o juiz valeu-se da via editalícia, mesmo não se enquadrando o caso em
nenhuma das hipóteses do art. 231 do CPC. Assim, a Turma deu provimento ao
recurso ao entender que, a teor do art. 201 do CPC, a citação dos legatários
sediados no exterior far-se-á por carta rogatória, na busca de preservar as
disposições de última vontade do de cujus e determinou o retorno dos autos à
origem para que se proceda à devida citação. REsp 730.129-SP, Rel. Min. Paulo
Furtado (Desembargador convocado do TJ-BA), julgado em 2/3/2010.”

Michell Nunes Midlej Maron 118


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“REsp 730129 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro PAULO FURTADO


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA). Órgão Julgador -
TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 02/03/2010 Data da Publicação/Fonte
DJe 10/03/2010.
Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – INVENTÁRIO – LEGATÁRIAS
SITUADAS NO EXTERIOR – CITAÇÃO – NULIDADE ABSOLUTA –
QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE SE CONHECE DE OFÍCIO.
I – Conhecido o recurso e aberta a via especial, autorizado está o STJ a conhecer
de ofício de patentes nulidades absolutas.
II – Indevida citação editalícia de legatárias sediadas no exterior que se deve
anular.
III – Retorno dos autos para a correta prática do ato.
IV – Recurso especial provido.”

Citadas as partes, passa-se à fase de respostas, na forma do artigo 1.000 do CPC:

“Art. 1.000. Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo


prazo comum de 10 (dez) dias, para dizerem sobre as primeiras declarações. Cabe
à parte:
I - argüir erros e omissões;
II - reclamar contra a nomeação do inventariante;
III - contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro.
Parágrafo único. Julgando procedente a impugnação referida no nº I, o juiz
mandará retificar as primeiras declarações. Se acolher o pedido, de que trata o no
II, nomeará outro inventariante, observada a preferência legal. Verificando que a
disputa sobre a qualidade de herdeiro, a que alude o no III, constitui matéria de alta
indagação, remeterá a parte para os meios ordinários e sobrestará, até o julgamento
da ação, na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.”

Após isso, far-se-á a avaliação dos bens, que em regra já vem apresentada pelos
herdeiros. Havendo divergências, é possível a nomeação, pelo juiz, de um avaliador
judicial.
Feitas as avaliações, lavrar-se-á o termo de últimas declarações, sobre o qual
poderão as partes se manifestar em até dez dias. Veja os artigos 1.011 e 1.012 do CPC:

“Art. 1.011. Aceito o laudo ou resolvidas as impugnações suscitadas a seu respeito


lavrar-se-á em seguida o termo de últimas declarações, no qual o inventariante
poderá emendar, aditar ou completar as primeiras.”

“Art. 1.012. Ouvidas as partes sobre as últimas declarações no prazo comum de 10


(dez) dias, proceder-se-á ao cálculo do imposto.”

Pago o imposto, faz-se a partilha, e está findo o inventário.


Vale, por fim, dizer que o inventário negativo é uma praxe processual que tem
reconhecido interesse: mesmo que não haja bens no monte, pode o herdeiro abrir o
inventário apenas para que haja declaração dessa inexistência, a fim de que se libertem os
herdeiros de eventuais cobranças, e para que o eventual cônjuge sobrevivente possa assumir
novo casamento com liberdade de regime. O procedimento é o mais simples possível,
bastando um pedido ao juízo de que declare a inexistência de bens sucessíveis do de cujus,
e pode ser feito na via extrajudicial, como dispõe o artigo 28 da Resolução 35 do CNJ:

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“Art. 28. É admissivel inventário negativo por escritura pública.”

Casos Concretos

Questão 1

João faleceu no estado civil de viúvo, deixando dois filhos maiores e capazes,
Pedro e Paulo, e Joaquim, jovem de quinze anos de idade, sob tutela de Pedro. Deixou
vasto patrimônio e, em razão do grande apego entre os irmãos, estes resolveram partilhar
amigavelmente a herança e requereram a abertura do inventário por arrolamento.
Comente o caso, informando quem deve exercer a inventariança.

Resposta à Questão 1

O artigo 2.016 do CC determina que a partilha deve ser judicial quando algum dos
herdeiros for incapaz. Com relação ao procedimento adotado, não pode ser realizado por
arrolamento sumário, pois, segundo o artigo 1.031 do CPC, para esse tipo de arrolamento,
todos devem ser maiores e capazes. Também não pode ser realizado por arrolamento

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

simples ou comum, pois o arrolamento é de patrimônio vultoso. Conclui-se que o


procedimento deve ser o de inventário. Com relação à inventariança, o exercício dessa deve
ser daquele herdeiro que tiver a posse e administração do espólio. Não havendo qualquer
herdeiro nessa situação, a inventariança pode ser exercida por qualquer dos herdeiros. No
entanto, sendo Joaquim menor, mesmo sob tutela, deve o juiz nomear curador especial para
defender seus interesses, pois há presunção de haver conflito de interesses entre Joaquim e
seu tutor.
Veja:

“1995.002.02104 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. ELLIS HERMYDIO


FIGUEIRA - Julgamento: 06/02/1996 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL Sucessão
"mortis-causa". Inventário. Testilha entre sucessores do obituado. Doações
estigmatizadas por ferimento a legítima de herdeiro menor. Aceno à colação ao
diverso do decreto de nulidade linear dos atos jurídicos de liberalidade, então
conferível no canteiro do inventário. A Lei nº 8.950, de 1994, dando redação ao art.
511, do CPC, com o fito de imprimir celeridade aos recursos, não abrangem o
agravo instrumental de seguimento, somente agora o fazendo com a edição da lei
nº 9.139, de 30.11.95, com vigência programada a contar do dia 30 de janeiro do
ano de 1996. Prefacial, assim, posta de lado. Em havendo lavrada divergência e
colidência de interesses entre os herdeiros, correta a rota tomada pelo Juízo
Orfanológico com a investidura da Inventariança Judicial para o respectivo
"munus'' (RTJ 71/881). No processo da sucessão as questões de direito, por mais
complexas que sejam, devem ser enfrentadas em seu próprio leito. O que se remete
às vias ordinárias, tão-só, são as testilhas fácticas a serem desdobradas e dirimidas
em amplitude, sob os estrépitos do contraditório. Apelo desprovido.”

Questão 2

Maria requereu sua nomeação para o cargo de inventariante; alegou, em síntese,


haver contraído com o de cujus matrimônio meramente religioso, união que perdurou por
mais de vinte anos, sendo interrompida somente com o advento da morte.
Prossegue, informando na inicial que não tiveram filhos, e que o falecido alegava
ter como parentes herdeiros somente duas irmãs, que há muito tempo mudaram-se de
Rondônia, sendo desconhecido o paradeiro de ambas.
Declara na exordial ser a única dependente do de cujus, reconhecida como tal
perante o INSS, bem como estar na posse e administração dos bens adquiridos durante a
constância da união, a saber: um imóvel, eletrodomésticos e uma linha telefônica.
A MMa. Juíza indeferiu a inicial, extinguindo o processo, por entender ser
inadmissível que a companheira figure como meeira no inventário.
A requerente apelou pedindo a total reforma da sentença. Decida.

Resposta à Questão 2

A companheira não estava expressa no rol de legitimados à inventariança, mas uma


interpretação sistemática já lhe conferia essa prerrogativa, mesmo por analogia ao cônjuge.
Hoje, é presente expressamente no dispositivo, no recém alterado inciso I do artgio 990 do
CPC.
Veja os seguintes julgados:

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“2003.002.05315 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. MARCO AURELIO


FROES - Julgamento: 24/06/2003 - DECIMA CAMARA CIVEL ASSISTENCIA
JUDICIARIA INTERESSE DE(O) MENOR NECESSIDADE AGRAVO DE
INSTRUMENTO. GRATUIDADE. INCIDENTE. INVENTARIANÇA.
MAIORIDADE. A gratuidade de justiça deve ser contestada em via incidental,
objetivando melhor exame por parte do Juiz da causa. A inventariança pode ser
deferida a pessoa maior de 18 anos, em razão do Novo Código Civil em vigor. A
companheira deve regularizar sua situação em sede própria para poder pleitear o
cargo de inventariante. RECURSO DESPROVIDO.”

“2001.002.04461 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. JOSE BAHADIAN -


Julgamento: 14/05/2002 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL AGRAVO DE
INSTRUMENTO INVENTARIANCA DIREITO DA COMPANHEIRA
POSSIBILIDADE RECURSO DESPROVIDO Agravo de Instrumento.
Inventariante. Ex-companheira do de cujus. Inexistência de impedimento legal.
Recurso a que se nega provimento.”

Questão 3

Alexandre, divorciado, faleceu em março de 2003, deixando três filhos. Murilo, o


mais velho, conhecendo o lugar onde seu pai guardava 15 lingotes de ouro, apoderou-se
deles, sem dividí-los entre seus irmãos. Murilo foi nomeado inventariante. Questionado, o
inventariante nega conhecer a existência do ouro. Apresentadas as primeiras declarações,
Murilo afirmou não ter conhecimento de outros bens além das três casas inventariadas.
Descoberto o ouro em poder de Murilo um ano após o óbito e já apresentadas as últimas
declarações que ratificaram as primeiras.
Pergunta-se: Qual (is) a(s) medida(s) judicial (is) cabível (eis)?

Resposta à Questão 3

Os interessados na sucessão deverão ajuizar ação de sonegados em face de Murilo,


por dependência ao inventário, comprovando a ocultação dolosa do ouro. Deverá também
ser requerida a destituição dele do cargo de inventariante.
Veja o seguinte julgado:

“70007331226. Tribunal de Justiça do RS. Seção: CIVEL. Agravo de Instrumento


Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Decisão: Acórdão. Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves. Comarca de Origem: COMARCA DE
VACARIA.
Ementa: SONEGADOS. PEDIDOS DE PERÍCIA CONTÁBIL E EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTOS. PARCERIA RURAL ENTRE GENITORES E FILHOS.
APURAÇÃO. 1. A ação de sonegados pressupõe a ocultação dolosa de bens por
quem deveria trazê-los à colação e a prova cabível neste processo é tendente a
comprovar a existência dos bens sonegados e a existência de dolo na ocultação. 2.
Se os herdeiros buscam a apuração do resultado patrimonial decorrente de parceria
rural entre seus pais e alguns filhos, para verificar eventual resultado positivo, isto
deve ser objeto de ação de prestação de contas. 3. O fato desse proveito... Ver
íntegra da ementa econômico não ter sido levado à partilha não constitui hipótese

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

de sonegação, embora o lucro que venha a ser apurado deva ser alvo de
sobrepartilha. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70007331226,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, Julgado em 19/11/2003)”

Tema XIII

Colação. Objetivo. Herdeiros sujeitos à colação. Dispensa de colação. Colação de netos. Colação de doação.
Doações remuneratórias. Pagamento de dívidas. Responsabilidade da herança e dos herdeiros. Herdeiro
devedor do espólio. Garantia dos quinhões hereditários.

Notas de Aula14

1. Colação

Colação é o dever que os descendentes e o cônjuge têm de trazer ao monte os bens


que foram a si doados em vida pelo de cujus, bens esses considerados adiantamento da
legítima. A finalidade da colação é equiparar as legítimas, diante desses adiantamentos que
ocorreram em vida. O ato de colacionar se presta à conferência das cotas da legítima
cabíveis a cada herdeiro necessário, porque se aquele herdeiro que recebeu o bem em vida
porventura extrapolou sua cota da legítima, deverá restituir o excesso ao monte.

14
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 8/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O mero ato de colacionar não traz, por si só, efeitos sobre a doação daquele bem
trazido. Somente se, na conferência, se apurar que aquela doação excedeu ao que poderia
ser doado, é que haverá redução da liberalidade até o montante que era permitido, tornando-
se ineficaz o excesso.
O objetivo da colação, portanto, é um só: igualar as legítimas dos herdeiros
necessários, descendentes e cônjuges. Note-se que, apesar de os ascendentes serem também
herdeiros necessários, não há dever de colacionar por parte deles, ou seja, não precisam
trazer bens que receberam em vida do de cujus, seu descendente, à colação.
O artigo 544 do CC estabelece que as doações de descendentes para ascendentes, ou
entre cônjuges, equivalem a adiantamento da legítima:

“Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro,


importa adiantamento do que lhes cabe por herança.”

Em regra, há dever de colacionar, portanto, para essas pessoas ali mencionadas. Veja
o artigo 2.002 do CC, que deve ser combinado com esse artigo 544 supra:

“Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum


são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em
vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.”

Portanto, não há dever de colacionar imposto aos ascendentes, e muito menos aos
colaterais. O artigo supra também não fala em cônjuges, mas o seguinte, 2.003, supre tal
lacuna:

“Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste
Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando
também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem
os bens doados.
Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de
legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos
descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou,
quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da
liberalidade.”

Dessarte, o cônjuge tem, de fato, o dever de colacionar.


O dever de colacionar pode ser afastado pelo próprio testador, se fizer constar
expressamente do termo de doação que o donatário está dispensado de colacionar tal bem,
ou se fizer constar desse termo que aquela doação não consiste em adiantamento da
legítima, sendo deduzida da parcela disponível de seus bens.
Os pressupostos da colação, em suma, são: a existência de uma doação, uma
transferência inter vivos gratuita. Essa doação pode ser da forma indireta, assim
considerada, por exemplo, uma assunção de dívida do herdeiro pelo de cujus, ou a remissão
de uma dívida que o herdeiro tenha para com o de cujus. A simulação de um empréstimo
também é considerada doação, diga-se.
Segundo requisito para haver colação é negativo: a inexistência de dispensa de
colação. Se o doador expressamente menciona no ato da doação que aquele bem é
proveniente da parte disponível, ou expressamente dispensa o donatário da doação, não

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

haverá dever de colacionar. Essa dispensa ou menção de que o bem é da parte disponível
pode vir tanto no próprio ato de doação quanto no testamento.
Terceiro requisito é o requerimento expresso de co-herdeiros para que o donatário
apresente os bens recebidos à colação. Não há colação de ofício, e se ninguém irresignar-se
com a doação feita em vida, e for feita a partilha sem colação, não haverá nulidade. Apenas
o co-herdeiros, cônjuge inclusive, têm legitimidade para tal requerimento: nem mesmo a
Fazenda tem tal legitimidade, mesmo que possa ter interesse na colação, por questões
tributárias. Nesse sentido, veja:

“0026036-62.2005.8.19.0014 - APELACAO - 1ª Ementa


DES. CLAUDIA PIRES - Julgamento: 27/07/2010 - NONA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. INVENTÁRIO. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE
PARTILHA. RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA EM VIRTUDE DA
AUSÊNCIA DE COLAÇÃO DOS BENS, DOADOS EM VIDA PELO DE
CUJUS. Rejeitada a preliminar de falta de interesse em agir do Estado do Rio de
Janeiro, pois, em tese, existiria diferença de imposto de transmissão causa mortis
com a colação dos bens, doados em vida. Somente têm legitimidade para exigir a
colação, os descendentes, prejudicados, com a diminuição da legítima. Procurador
Estadual manifestou sua concordância com a partilha. NEGADO PROVIMENTO
AO RECURSO.”

Nem os legatários, nem os herdeiros testamentários, têm essa legitimidade para


exigir o dever de colação dos herdeiros donatários. Somente quem tem direito à legítima
tem interesse em que essa seja equiparada, o que é o único objetivo da colação.
Os credores não têm interesse em requerer a colação, porque o bem colacionado não
se destinará, nem mesmo se houver excesso, ao monte hereditário como um todo: só se
destinará, o excesso doado, a ser repartido entre os demais herdeiros cuja legítima estiver
detrida.
Suponhamos a seguinte casuística: o de cujus fez doação ao seu único filho, em
1995. Em 2000, esse de cujus teve outro filho. O de cujus falece em 2003. Veja que quando
da doação não havia outro herdeiro, mas quando da morte havia, pelo que se questiona: o
bem doado deve ser considerado adiantamento de legítima ou proveniente da parte
disponível? Existirá dever de colacionar?
O dever de colação se impõe, porque a verificação da existência desse dever se
verifica no momento da abertura da sucessão, independentemente de quando tenha sido
feita a doação. Nesse sentido, veja o que decidiu o STJ:

“REsp 730483 / MG. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
03/05/2005. Data da Publicação/Fonte 20/06/2005 p. 287.
Ementa: Recurso especial. Sucessões. Inventário. Partilha em vida. Negócio
formal. Doação. Adiantamento de legítima. Dever de colação. Irrelevância da
condição dos herdeiros. Dispensa. Expressa manifestação do doador.
- Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro
necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever
de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se
supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais. É
necessária a expressa aceitação de todos os herdeiros e a consideração de quinhão
de herdeira necessária, de modo que a inexistência da formalidade que o negócio
jurídico exige não o caracteriza como partilha em vida.

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

- A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formal manifestação


do doador, determinando que a doação ou ato de liberalidade recaia sobre a parcela
disponível de seu patrimônio. Recurso especial não conhecido.”

Como dito, colaterais e ascendentes não têm dever de colacionar, porque as doações
que porventura receberam não configuram, nunca, adiantamento da legítima. Acerca dos
ascendentes, é a posição predominante, mas não é pacífica: há na doutrina quem entenda,
minoritariamente – Washington de Barros –, que eles devem colacionar, sem ressalvas.
As despesas ordinárias feitas pelos pais em relação aos filhos não são consideradas
doações, e por isso não têm que ser trazidas à colação. Mas veja uma peculiaridade: se o pai
pagou algum tipo de indenização a terceiros por ato ilícito cometido pelo seu filho, é como
se se tratasse de uma doação indireta, e aquele valor deverá ser trazido à colação pelo filho
beneficiado.
Note-se que não é sempre que o cônjuge terá dever de colacionar: se ele for o único
herdeiro, é claro que não há interesse em colacionar; se concorre com descendentes do de
cujus, o dever de colacionar se impõe a todos eles; mas e se concorre somente com
ascendentes do de cujus?
Luis Paulo e Caio Mario entendem que, se a concorrência é somente com
ascendentes do de cujus, não há dever de colacionar, por mera questão de isonomia: se os
ascendentes não são obrigados a tanto, obrigar o cônjuge seria providência anti-isonômica.
Maria Berenice dias não faz essa distinção, reputando que há dever do cônjuge em
colacionar, mesmo que os ascendentes não tenham tal dever.
Ressalte-se que ainda que o herdeiro seja excluído da sucessão – por indignidade,
por exemplo –, se fora donatário do de cujus em vida ele terá o dever de colacionar.
O dever de colação dos netos é regrado no artigo 2.009 do CC:

“Art. 2.009. Quando os netos, representando os seus pais, sucederem aos avós,
serão obrigados a trazer à colação, ainda que não o hajam herdado, o que os pais
teriam de conferir.”

É simples: o dever de colacionar que se imporia ao filho do de cujus se transfere aos


netos, se esse filho, donatário, for premorto à época da abertura da sucessão.
Se forem os próprios netos, filhos de filho premorto do de cujus, que receberam a
doação em vida do de cujus, nada muda de figura: há dever de colacionar, porque no
momento da doação já eram herdeiros descendentes do de cujus, ainda que por
representação.
Terceira hipótese envolvendo os netos é a prevista no artigo 2.005, parágrafo único,
do CC:

“Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam
da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo
da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a
descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de
herdeiro necessário.”

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

O descendente que não é herdeiro presuntivo 15, ou seja, que não receberia nem por
direito próprio, nem por representação, quando recebe doação, recebe-a da parte disponível
da herança. Exemplo mais simples é o da doação feita pelo avô ao neto, filho de filho vivo
do de cujus: se não era herdeiro, aquilo que lhe foi doado não é adiantamento de legítima.
A colação não se confunde com a redução das disposições testamentárias. O efeito,
de fato, será muito similar, porque o testador invade a legítima dos herdeiros necessários, só
que não em vida, mas post mortem. Da mesma forma, há que se equilibrar as legítimas, mas
na colação se reduz o valor da doação, enquanto na redução se afasta a diferença que
extrapola a disponível. Na colação, se torna parcialmente ineficaz uma doação; na redução
das disposições testamentárias, se torna parcialmente ineficaz o testamento. Outra diferença
é que na redução das disposições testamentárias todos os herdeiros necessários são
beneficiados, enquanto na colação somente se beneficiam descendentes e cônjuges.
Também não se confunde a colação com uma mera redução de doação, pautada no
artigo 549 do CC:

“Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador,
no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”

Quando há uma doação que exceda a parte disponível do doador – toda pessoa só
pode doar metade de seus bens, se há herdeiros necessários, pois a preservação da legítima
deve ser realizada. Trata-se da doação inoficiosa, matéria de ordem pública que leva à
ineficácia da parcela excedente.
O momento de alegação da existência de doação inoficiosa conta com dois
entendimentos: um apregoa que é a partir do momento da abertura da sucessão, porque é ali
que se dá a efetiva lesão a direito de herança; outra corrente entende que o direito de
impugnar a doação inoficiosa se conta a partir do ato de liberalidade, porque o artigo supra
determina que é nula desde quando for feita – entendimento esse que tem prevalecido.
O prazo para alegar a inoficiosidade da doação é de dez anos, na forma do
conhecido artigo 205 do CC, eis que não há outro prazo específico cominado em lei. Há,
porém, quem defenda que não há prazo, eis que a nulidade não convalesce.
O artigo 549 do CC, curiosamente, tem sua regulamentação na parte do direito
sucessório, o que é mais um argumento em prol da corrente que defende que o prazo para
alegar a inoficidade começa na abertura da sucessão. Veja o artigo 2.007 do CC:

“Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao
que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.
§ 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no
momento da liberalidade.
§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim
apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do
donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão,
observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das
disposições testamentárias.
§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação
feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.

15
Herdeiro presuntivo é conceito simples: é aquele que, no momento do ato em análise – no caso, a doação –,
se hipoteticamente fosse constatado o falecimento da pessoa, seria seu herdeiro. No caso da doação, analisa-se
se no momento do contrato de doação aquele donatário seria herdeiro, na situação hipotética da morte do
doador.

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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

§ 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas,


serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.”

O valor do patrimônio do testador, para fins de redução da doação, é aquele apurado


no momento da liberalidade. Se porventura ocorrerem doações sucessivas, a totalidade
delas, somadas, não poderá ultrapassar a metade do montante patrimonial máximo que o de
cujus amealhou em vida.
A colação também não pode ser confundida com a partilha em vida. Veja o artigo
2.018 do CC:

“Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de
última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.”

A partilha-doação, essa partilha em vida, deve ser bem diferenciada da doação


simples, adiantamento de legítima ou não. A diferença é que a partilha em vida pode ser
feita sobre todo o patrimônio do doador, da parte disponível ou da legítima. É claro que
deverá reservar o mínimo para sua sobrevivência (reservando o usufruto, por exemplo),
pois do contrário há nulidade, cominada pelo artigo 548 do CC:

“Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.”

Veja que a partilha em vida deve observar as regras da legítima sem qualquer
distinção: nenhum herdeiro necessário pode ser detrido em sua fração da legítima.
Feita a partilha em vida com a regularidade das frações, nada á que se colacionar,
pois não há desequilíbrio nas legítimas a ser sanado.
A colação é feita in valorem, e não in natura. Veja o artigo 2.002 do CC:

“Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum


são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em
vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.”

O valor será considerado o do momento da liberalidade, na forma do artigo 2.004 do


CC:

“Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo,
que lhes atribuir o ato de liberalidade.
§ 1º Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação feita
naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que então se calcular
valessem ao tempo da liberalidade.
§ 2º Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das benfeitorias
acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta
deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.”

Haverá colação in natura, do próprio bem, quando, feita a conferência, encontrar-se


a diferença da legítima, é aquele bem doado que responde pela diferença. Nesse momento,
é o bem que responderá pela igualação das legítimas. Contudo, se o bem não mais integrar

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

o patrimônio do donatário, responderá ele por valor equivalente, voltando à regra geral.
Veja o artigo 2.003, parágrafo único, do CC:

“Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste
Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando
também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem
os bens doados.
Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de
legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos
descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou,
quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da
liberalidade.”

Quando, desde a liberalidade até a colação, o bem houver valorizado ou


desvalorizado excessivamente, considerar-se-á o valor da abertura da sucessão, para que
não haja prejuízo de uma das partes. Veja o enunciado 119 do CJF:

“Enunciado 119, CJF – Art. 2.004: para evitar o enriquecimento sem causa, a
colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos termos do caput
do art. 2.004, exclusivamente na hipótese em que o bem doado não mais pertença
ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio,
a colação se fará com base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos
termos do art. 1.014 do CPC, de modo a preservar a quantia que efetivamente
integrará a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado
da interpretação sistemática do art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com os
arts. 1.832 e 884 do Código Civil).”

1.1. Procedimento

Feito o requerimento pelo herdeiro, o juiz abre prazo para que o herdeiro traga à
colação o que for necessário. Se não trouxer, haverá a pena de sonegação, como diz o artigo
2.002 supra, pena esta que é vista no artigo 1.992 do CC:

“Art. 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no


inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de
outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-
los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.”

Se a questão da colação se revelar questão de alta indagação, a qualquer tempo, o


juízo orfanológico a remeterá para as vias próprias, a ação de colação, no próprio juízo de
órfãos e sucessões, na qual se discutirá o dever de colacionar, com dilação probatória.
Havendo excesso a ser restituído pelo herdeiro que cumpriu o dever de colacionar,
segue-se o artigo 2.007 do CC:

“Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao
que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.
§ 1º O excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham, no
momento da liberalidade.
§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do excesso assim
apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais existir o bem em poder do
donatário, em dinheiro, segundo o seu valor ao tempo da abertura da sucessão,

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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

observadas, no que forem aplicáveis, as regras deste Código sobre a redução das
disposições testamentárias.
§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo antecedente, a parte da doação
feita a herdeiros necessários que exceder a legítima e mais a quota disponível.
§ 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em diferentes datas,
serão elas reduzidas a partir da última, até a eliminação do excesso.”

A regra é que a restituição seja na espécie do bem, ou, se impossível, em dinheiro,


considerado o valor da abertura da sucessão. Esse parágrafo segundo é bastante criticado,
pois deveria considerar o valor do ato da liberalidade.

Casos Concretos

Questão 1

Patrícia e Rubens, casados pelo regime da comunhão universal de bens, muito


ricos, doaram um pequeno apartamento para um de seus três filhos, todos menores à
época do óbito da genitora, ocorrido em maio de 2003. Nas primeiras declarações do
inventário, o donatário colacionou o valor total do bem doado em adiantamento da
legítima. O Ministério Público se insurgiu contra a colação do valor total do imóvel
colacionado no inventário da doadora. Assiste razão ao Ministério Público? Decida.

Resposta à Questão 1

Sim. Como a doação foi feita por ambos os cônjuges, no inventário de cada um se
conferirá por metade – artigo 2.012, CC. Somente a metade doada por aquele que morreu
será colacionada.

Michell Nunes Midlej Maron 130


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Questão 2

Teresa, mãe de dois filhos, doou em 2002, para seu filho caçula 85% de seus bens,
eximindo-o, no ato de liberalidade, de trazer os bens doados à colação. Teresa não
adquiriu outros bens.
Com a morte da doadora em setembro de 2003, o filho mais velho, ao descobrir a
doação, se sentindo prejudicado, moveu ação para reaver parcela do patrimônio da
falecida, por ter ficado a massa patrimonial hereditária reduzida. Pergunta-se:
a)É cabível a pretensão do filho mais velho?
b)Qual (is) medida(s) judicial (is) cabível (is) na espécie?
c)A doação é válida?
d)A doação deve ser conferida?

Resposta à Questão 2

a) Sim, porque a legítima do filho mais velho na foi respeitada pela testadora. A
doação é inoficiosa.

b) Ação de redução de liberalidade.

c) O excesso apurado ao tempo da liberalidade é nulo – artigo 2.007, caput, CC.

d) A disposição só vale dentro dos limites da quota disponível, pois se a liberalidade


exceder os extremos da metade que o ascendente poderia livremente dispor, deve ela ser
reduzida a esse montante, cabendo ao beneficiário conferir o restante.

Veja os seguintes julgados do TJ/RS:

“70007556186Tribunal de Justiça do RS. Seção CIVEL. Agravo de Instrumento.


Órgão Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos.
COMARCA DE PELOTAS.
Ementa: COLAÇÃO. CLÁUSULA EXPRESSA DE DISPENSA NA ESCRITURA
DE DOAÇÃO. HIPÓTESE DE AFASTAMENTO DO DEVER DE COLAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Verificado que o falecido
dispensou a colação na escritura de doação do bem, impossível trazê-lo à colação
nos autos do inventário, a não ser depois de verificado eventual excesso da parte
disponível, questão de alta indagação a ser perquirida em ação própria. Deram
provimento. Unânime. (Agravo de Instrumento Nº 70007556186, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em
10/12/2003)”

“70007536436. Tribunal de Justiça do RS. CIVEL. Agravo de Instrumento. Órgão


Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: José Carlos Teixeira Giorgis. COMARCA
DE PORTO ALEGRE.
Ementa: INVENTÁRIO. COLAÇÃO. CONFERÊNCIA DOS BENS.
AVALIAÇÃO. SUCESSÃO ABERTA ANTES DO VIGENTE CÓDIGO CIVIL.
VALOR DO ACERVO À EPOCA DA ABERTURA E NÃO DA
LIBERALIDADE. REVOGAÇÃO DO PRECEITO MATERIAL POR REGRA
DO PROCESSO CIVIL. Os bens colacionados devem ser conferidos por seu valor
à época da abertura da sucessão e não da liberalidade, para atender simetria com a

Michell Nunes Midlej Maron 131


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

estimativa dos demais integrantes do acervo que observam atualização, bem como
para superar a erosão patrimonial decorrente do processo inflacionário ainda
existente. Embora o CC/1916 estabelecesse como termo o momento da
liberalidade, a posterior edição do CPC determinou uma revogação legislativa
daquele preceito, adaptando-o às codificações modernas que buscam a eqüidade da
partilha e o respeito às legítimas, atentas à realidade contemporânea. Exame dos
artigos 1.577 e 1.792 do CC/1916, artigos 1.787 e 2.004 do CC/2002 e artigo 1.014
e parágrafo do CPC. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº
70007536436, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José
Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 17/12/2003)”

Tema XIV

Monte Partível. Partilha amigável e partilha judicial. Partilha em vida. Venda judicial do imóvel.
Sobrepartilha. Garantia dos quinhões hereditários. Anulação e nulidade da partilha. Prazo prescricional.

Notas de Aula16

1. Partilha

O procedimento de inventário, como se adiantou, é bifásico: a primeira fase inicia-


se pelas primeiras declarações, com apontamento dos herdeiros e bens; citação dos
interessados, e eventuais impugnações; avaliação dos bens e dívidas; pagamento dos
impostos; e últimas declarações.
A segunda fase, por seu turno, é justamente a partilha, exatamente o momento de
extinção do espólio. Com a partilha, cessa a universalidade, os bens passam a ser
individualizados, e se concretiza a transferência de propriedade.

16
Aula ministrada pela professora Carla Duby Coscio Cuellar, em 8/11/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 132


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A partilha, assim como o próprio inventário, pode ser judicial ou extrajudicial. E


veja que a partilha pode extrajudicial, mesmo que o inventário tenha sido judicial, à escolha
do inventariante.
Se for judicial, a sentença é meramente declaratória, porque a partilha nada mais faz
do que individualizar os bens que já eram dos herdeiros quando da abertura da sucessão,
pelo droit de saisine.
A partilha extrajudicial é um negócio jurídico como outro qualquer, feito por
escritura pública ou por instrumento particular. Será por escritura pública quando se tratar
de bem imóvel de valor superior a trinta salários mínimos, por conta do artigo 108 do CC, e
poderá ser por instrumento particular em qualquer outro caso.
A partilha extrajudicial não pode ser feita se houver presente incapaz ao tempo da
partilha (tempus regit actum), ou se houver discordância entre os herdeiros.

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à


validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

Veja os artigos 2.015 e 2.016 do CC:

“Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por
escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado
pelo juiz.”

“Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim


como se algum deles for incapaz.”

Tratando-se de partilha judicial, mesmo havendo incapaz, não será necessário


partidor judicial se todos, inclusive o MP, concordarem com o esboço de partilha
produzido. Se alguém divergir, será necessária a atuação do partidor judicial, perito técnico
do juízo com aptidão para tal ato.
Feita a partilha, será lavrado o formal de partilha, documento hábil para identificar
a titularidade dos bens, inclusive para ser levado ao registro. É uma espécie de carta de
sentença, valendo para provar a titularidade dos bens. Quando houver um só herdeiro, o
formal de partilha será substituído pelo documento denominado auto de adjudicação, que
nada mais é do que essa mesma prova de titularidade, mas da integralidade dos bens ao
herdeiro único.

1.1. Invalidade da partilha

A partilha pode ser eivada de nulidade ou anulabilidade. Retificar a partilha não se


confunde com anulá-la ou nulificá-la: de acordo com o artigo 1.028 do CPC, a retificação
da partilha pode ser por erro de fato ou por inexatidão material.

“Art. 1.028. A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença (art. 1.026),
pode ser emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes,
quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens; o juiz, de ofício ou a
requerimento da parte, poderá, a qualquer tempo, corrigir-lhe as inexatidões
materiais.”

Michell Nunes Midlej Maron 133


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

A partilha amigável, seja ela judicial ou extrajudicial, pode ser anulável, quando
eivada de erro, dolo, coação ou lesão, tal como qualquer negócio jurídico, que é meramente
homologado pelo Judiciário. Veja o artigo 2.027 do CC e o 1.029 do CPC:

“Art. 2.027. A partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e
defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos.
Parágrafo único. Extingue-se em um ano o direito de anular a partilha.”

“Art. 1.029. A partilha amigável, lavrada em instrumento público, reduzida a termo


nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz,
pode ser anulada, por dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. O direito de propor ação anulatória de partilha amigável prescreve
em 1 (um) ano, contado este prazo: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
I - no caso de coação, do dia em que ela cessou; (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)
II - no de erro ou dolo, do dia em que se realizou o ato; (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade. (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

O artigo 2.017 do CC estabelece uma previsão que, se descumprida, pode


evidenciar a lesão, e anular a partilha:

“Art. 2.017. No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e


qualidade, a maior igualdade possível.”

O prazo para anulação da partilha é de um ano, contado da sentença que homologou


a partilha, como se vê no parágrafo único do artigo 2.027 do CC, supra. Como todo prazo
para anulação, é decadencial, pois o direito de anular é potestativo.
Se não há sentença, porque a partilha foi extrajudicial, o prazo de um ano conta-se
da data de elaboração da escritura pública.
A nulidade da partilha também se dá pelos mesmos motivos que nulificam negócios
jurídicos em geral, na forma do artigo 166 do CC, por exemplo:

“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção.”

É nula, por exemplo, a partilha que rateie bem que não era do de cujus, pois é algo
como uma transferência a non domino. Outro exemplo seria a falta de citação de herdeiros
para o inventário. Note-se que se um herdeiro preterido ajuizar petição de herança, a
sentença de procedência já se presta a nulificar a partilha feita sem tal beneficiário.

Michell Nunes Midlej Maron 134


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Abordando agora a partilha judicial não amigável, nessa o juiz estará julgando
direitos, efetivamente, e não apenas homologando negócio jurídico. Por isso, a sentença que
for prolatada em erro, dolo, coação, lesão, ou qualquer causa de nulidade, deverá ser
alvejada por ação rescisória, em prazo de dois anos. Assim, a partilha judicial será
rescindível nos casos mencionados para a extrajudicial; na forma do artigo 485 do CPC; e
na forma do artigo 1.030 do CPC:

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida


quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de
colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal
ou seja provada na própria ação rescisória;
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência
ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar
pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em
que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar
inexistente um fato efetivamente ocorrido.
§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia,
nem pronunciamento judicial sobre o fato.”

“Art. 1.030. É rescindível a partilha julgada por sentença:


I - nos casos mencionados no artigo antecedente;
II - se feita com preterição de formalidades legais;
III - se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.”
O herdeiro preterido, que simplesmente não participou da partilha, tem interesse na
ação de petição de herança, e não na rescisória.
A sentença que anula ou nulifica a partilha tem natureza jurídica desconstitutiva, e
os efeitos sobre os atos passados até essa desconstituição são os mesmos do possuidor de
boa ou má-fé, ou seja, se sabia ou não do vício da partilha.
Os terceiros que tenham adquirido bens onerosamente dos herdeiros, e a partilha é
nulificada, terão que restaurar os bens ao monte, pois ato nulo não produz efeitos, na forma
do artigo 169 do CC:

“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem


convalesce pelo decurso do tempo.”

Há, porém, quem diga que a boa-fé desse terceiro não pode ser desprezada, e por
isso cabe apenas ao herdeiro que alienou responder pelo valor amealhado, o qual deverá ser
entregue ao monte. É a situação do herdeiro aparente. Não há posição dominante, aqui.
Tratando-se de nulidade da partilha judicial, aquele que tomou parte no processo só
poderá ajuizar a ação rescisória, como visto. Já aquele interessado que não participou do
processo poderá deduzir essa nulidade, a qualquer tempo (por conta do artigo 169 do CC),

Michell Nunes Midlej Maron 135


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

em ação anulatória, mas Capanema defende que o prazo para tanto é o de dez anos, sujeito,
por analogia (eis que não é prescricional, mas sim decadencial), ao artigo 205 do CC.

1.2. Sobrepartilha

Trata-se de uma partilha adicional, ulterior a uma outra partilha, que se presta a
computar bem do de cujus que, por qualquer motivo, não foi partilhado na primeira
oportunidade.
Geralmente, a sobrepartilha se dá em relação a bens desconhecidos ao tempo da
partilha, mas pode acontecer de um bem ser conhecido e mesmo assim ser deixado de fora
da partilha original: se há um litígio pendente sobre sua titularidade, por exemplo, pode a
partilha de todo o resto ser realizada, e deixar aquele bem para uma próxima partilha, a
sobrepartilha, a ser realizada quando o litígio findar-se.
A sobrepartilha nada mais é do que uma continuidade da partilha anterior. Se fora
judicial, requer-se o seu desarquivamento, e nos mesmos autos se inicia a nova relação
processual, sobre o bem agora objeto da partilha. Veja o artigo 2.021 do CC:

“Art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do


inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no
prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais
sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante,
e consentimento da maioria dos herdeiros.”

A competência é prevista no artigo 1.041 , parágrafo único, do CPC:

“Art. 1.041. Observar-se-á na sobrepartilha dos bens o processo de inventário e


partilha.
Parágrafo único. A sobrepartilha correrá nos autos do inventário do autor da
herança.”

2. Garantia dos quinhões hereditários

Diz o artigo 2.023 do CC:

“Art. 2.023. Julgada a partilha, fica o direito de cada um dos herdeiros circunscrito
aos bens do seu quinhão.”

Aquele que recebe determinado quinhão só pode ser responsabilizado até esse
limite. Responderá perante credores do de cujus, mas apenas até esse limite.
Problema surge é quando se trata da evicção de um determinado bem, recebido por
um herdeiro. Veja o artigo 2.024 do CC:

“Art. 2.024. Os co-herdeiros são reciprocamente obrigados a indenizar-se no caso


de evicção dos bens aquinhoados.”

Assim, se um determinado bem, integrante do quinhão de um só herdeiro, após a


partilha vem a ser alvo de evicção, os demais herdeiros deverão indenizá-lo, na proporção
de seus quinhões.

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Com base nisso, o herdeiro que se veja réu em ação que bisca a evicção de seu bem
pode até mesmo denunciar a lide aos demais, a fim de que ali mesmo estabeleça o quantum
indenizatório que receberá de cada um.
Esse direito é próprio de herdeiros legítimos. Se quem é evicto for herdeiro
meramente testamentário, ou legatário, não há direito a indenização alguma.
Caio Mario diz que essa indenização só se aplica para a evicção, e não para a
depreciação ou perecimento do bem por conta de vício redibitório. Se o herdeiro perde seu
quinhão por vício redibitório, não poderá indenizar-se dos demais.

Casos Concretos

Questão 1

Em março de 1999, os dois únicos filhos de Francesca, falecida em 02.02.1998,


cederam a Nina seus direitos hereditários relativamente a apartamento na Praia de
Botafogo, nesta cidade, imitindo-a na sua posse.
Em junho daquele ano, os filhos de Francesca apresentaram as primeiras
declarações no inventário, nas quais protestaram por posterior sobrepartilha e partilha
dos demais bens por ela deixados. Requereram a adjudicação do apartamento em
Botafogo à cessionária, mediante a prova de quitação de tributos a ele relativos e às
rendas do espólio.
A Procuradoria requereu que se procedesse à partilha, na qual será contemplada a
cessionária e serão incluídos todos os bens do espólio, até porque não indicaram os
herdeiros, nas primeiras declarações, os bens que compõem espólio, cingindo-se a
protestar por sua sobrepartilha.

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EMERJ – CP VI Direito Civil VI

Proferiu o juiz despacho seguindo o entendimento do Ministério Público.


Tempestivamente, interpõem os dois herdeiros, cedentes, e a cessionária, agravo de
instrumento; argumentam que a existência de outros bens a serem partilhados não impede
a adjudicação, uma vez obedecido o artigo 1.031 do CPC, dado que, segundo o artigo
1.038, aplicam-se subsidiariamente ao arrolamento as regras da sobrepartilha, dispostas
nos artigos 1.040 e 1.041. Aduziram que o deferimento da adjudicação em nada prejudica
o andamento do inventário e os interesses das partes.
Diante do caso concreto, decida em juízo de retratação.

Resposta à Questão 1

Há uma violação à indivisibilidade da herança, pois a sobrepartilha só pode ser feita


quando o bem estiver em litígio, ou quando for desconhecido à época da partilha.
Veja o seguinte julgado:

“2000.002.05917 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. LUIZ ROLDAO F.


GOMES - Julgamento: 26/09/2000 - SETIMA CAMARA CIVEL CIVIL.
PROCESSUAL. SUCESSAO "CAUSA MORTIS". CESSAO DE DIREITOS
HEREDITARIOS RELATIVAMENTE A IMOVEL PELOS HERDEIROS, QUE
NAO DESCREVERAM OUTROS, OS QUAIS PROTESTARAM DEIXAR
PARA SOBREPARTILHA. REQUERIMENTO PARA SER EXPEDIDA CARTA
DE ADJUDICACAO EM FAVOR DO CESSIONARIO, A QUE SE OPOS O
ESTADO. UMA VEZ QUE A PARTILHA POE FIM AO ESTADO DE
INDIVISAO (ART. 1.801 DO COD. CIVIL), EXCEPCIONALMENTE ADMITE-
SE A OUTORGA DA ADJUDICACAO, COM A RESSALVA NO ART. 1.035 DO
CPC, QUANDO HAJA AQUIESCENCIA DA FAZENDA OU SE RESERVEM
BENS PARA PAGAMENTO DA DIVIDA E PODE O RETARDAMENTO NA
CONCLUSAO DO INVENTARIO PREJUDICAR O CESSIONARIO.
INVENTARIO NO QUAL SEQUER FORAM DECLARADOS OS BENS.
RECURSO DESPROVIDO.

Questão 2

Antunes faleceu sem testamento, em abril de 2004. Seus três filhos, únicos herdeiros
arrolaram os bens nas primeiras declarações que, posteriormente foram ratificadas nas
últimas declarações do inventário. Os bens foram igualmente partilhados.
Doze anos depois da partilha, o filho mais velho descobre a existência de um bom
terreno totalmente desocupado, ainda registrado em nome do falecido. O que devem fazer
os herdeiros? A medida judicial deve ser produzida nos mesmos autos do inventário?
Esclareça.

Resposta à Questão 2

Os herdeiros devem requerer a sobrepartilha do imóvel – artigo 2.022 CC. Esta deve
ser requerida nos mesmos autos do inventário. A sobrepartilha é outra ação de inventário e
partilha no mesmo processo e tem como escopo fundamental pôr termo, o mais breve
possível, à indivisão.

Michell Nunes Midlej Maron 138


EMERJ – CP VI Direito Civil VI

“70007583388. Tribunal de Justiça do RS. CIVEL. Agravo de Instrumento. Órgão


Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
COMARCA DE BENTO GONCALVES
Ementa: INVENTÁRIO. BENS PARTILHÁVEIS. VEÍCULOS. PROPRIEDADE
CONTROVERTIDA. 1. No inventário deve ser promovida a partilha dos bens
existentes e que efetivamente integram o patrimônio deixado pelo autor da
herança. 2. Havendo veículos cuja situação registral não está regularizada ou que
porventura estejam em local ignorado, com proprietários que não são conhecidos
ou cuja propriedade possa ser controvertida, devem ser excluídos do inventário e
levados à sobrepartilha ou examinados nas vias ordinárias. Inteligência dos art. 984
e art. 1.040 do CPC. Recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70007583388,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, Julgado em 18/02/2004)”

Questão 3

Orlando e Maria Helena se casaram pelo regime da comunhão parcial de bens e


tiveram dois filhos, hoje maiores e capazes. Orlando faleceu em março de 2003, deixando
apenas uma casa recebida de herança de sua mãe.
A viúva e os herdeiros fizeram acordo lavrado em instrumento público, reduzido a
termo nos autos do arrolamento sumário, ficando a viúva com a meação e a outra metade
ficaria com os dois filhos do casal. O Juiz homologou o acordo, transitando em julgado em
janeiro de 2004.
Um mês após o trânsito em julgado, o filho mais velho, conversando com um
advogado amigo da família, descobre que a viúva não tinha direito à meação da casa, por
ter sido a aquisição a título gratuito, ficando inconformado com a meação a ela atribuída.
Pergunta-se:
a) O acordo homologado pode ser desfeito?
b) Qual(is) medida(s) judicial(is) cabível(is) na espécie? Explique.

Resposta à Questão 3

a) Sim, pode ser desfeito, porque há erro, e há anulabilidade.


b) Como ocorreu acordo, cabível ação anulatória, com prazo prescricional de um
ano a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória (jurisdição voluntária). Visa-
se desconstituir o acordo fundado em erro e não a homologação.

Michell Nunes Midlej Maron 139

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