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Capı́tulo 10

Difração de Ondas TEM

10.1 Introdução
Neste capı́tulo serão abordados os conceitos necessários ao estudo de atenuação
de ondas eletromagnéticas devido a presença de obstáculos em enlaces de rádio.
Estes conceitos dizem respeito à difração de ondas eletromagnéticas, sendo toda a
análise desenvolvida em cima do Princı́pio de Huygens. O estudo de difração será
apresentado em três partes. A primeira análise será feita numa região longe do
obstáculo que provoca a difração das ondas, região esta denominada de Fraunhofer.
Em seguida, será analisado o comportamento das ondas para regiões próximas ao
obstáculo, chamada de região de campos próximos ou Fresnel. Na última seção será
introduzido o conceito de elipsóide de Fresnel e suas zonas.

10.2 Princı́pio de Huygens


O princı́pio de Huygens estabelece que uma frente de onda pode ser definida como
uma composição de infinitas fontes puntiformes de ondas esféricas. Sendo assim, os
campos num dado ponto de uma frente de onda qualquer, posterior ou anterior a
esta, podem ser obtidos a partir das contribuições dos campos radiados por todas
as fontes puntiformes. A Figura 10.1 mostra este fenômeno para frentes de ondas
planas.

10.3 Fonte de Huygens


Supondo-se que o campo elétrico de uma onda plana, propagando-se na direção z,
está orientado na direção x e o campo magnético se encontra alinhado com a direção

197
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 198

rN
N
Frente r3
de onda
Frente
primária
3 r2 de onda
secundária

2
r1
1

Fonte de
Huygens

Figura 10.1: Frentes de ondas com destaque para as fontes de Huygens.

y, é possı́vel então se determinar os campos radiados por um elemento de área


infinitesimal ds = dx dy da frente de onda plana (Fonte de Huygens), considerando-
se esta frente como um plano de correntes elétricas e magnéticas (Figura 10.2). Estas
correntes estão associadas, respectivamente, com a densidade de corrente elétrica

J = n × Hp (10.1)
e a densidade de corrente magnética

M = −n × Ep (10.2)
sendo Hp e Ep , respectivamente, os campos magnético e elétrico da frente de onda
primária, enquanto que o versor n se encontra alinhado com o sentido de propagação.
Sendo assim, as densidades de correntes, para o caso em questão, podem ser escritas
como

Ex
Jx = −Hy = − (10.3)
η
e
199 10.3. Fonte de Huygens

r
My
Jx dy y
0
dx ds

Figura 10.2: Frente de onda representada por correntes elétricas e magnéticas.

My = −Ex (10.4)
Foi visto no Capı́tulo 7 que o Potencial Vetor A, devido a uma fonte de corrente
elétrica variante no tempo, é dado por (7.12), isto é,

µ J e − jkr
A= dV (10.5)
4π r
V

Para a densidade de corrente elétrica associada à fonte de Huygens, encontra-se


µ
dAx = Jx e − jkr ds (10.6)
4πr
O campo magnético de uma frente de onda secundária pode ser obtido através de

1
Hs = ∇× A (10.7)
µ
e o elétrico a partir de

∇ × Es = jωµ Hs (10.8)
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 200

ou

Es = −jωA (10.9)
O elemento infinitesimal de campo elétrico produzido pela fonte de Huygens é então
dado por

dEs = −jω dAx (10.10)


que também pode ser reescrito em coordenadas esféricas como
jk Ex
dEθ = −jω cos ϕ cos θ dAx = cos ϕ cos θ e − jkr ds (10.11)
4πr
e
jk Ex
dEϕ = jω sen ϕ dAx = − sen ϕ e − jkr ds (10.12)
4πr
Já os elementos infinitesimais dos campos magnéticos são fornecidos por
dEθ
dHϕ = (10.13)
η
e
dEϕ
dHθ = − (10.14)
η
De forma semelhante, tem-se para fontes de correntes magnéticas

 M e − jkr
F= dV (10.15)
4π r
V

sendo que, para o elemento de área ds, encontra-se



dFy = My e − jkr ds (10.16)
4πr
O campo elétrico de uma frente de onda secundária pode então ser obtido através
de
1
Es = − ∇ × F (10.17)

e o magnético a partir de

∇ × Hs = jωEs (10.18)
201 10.3. Fonte de Huygens

ou

Hs = −jωF (10.19)
No caso em questão, tem-se

dHs = −jω dFy (10.20)


que também pode ser reescrito em coordenadas esféricas como

dHθ = −jω sen ϕ cos θ dFy (10.21)


e

dHϕ = −jω cosϕ dFy (10.22)


Já as componentes de campos elétricos são fornecidas por

jkEx
dEθ = η dHϕ = cosϕ e − jkr ds (10.23)
4πr
e

jkEx
dEϕ = −η dHθ = − sen ϕ cos θ e − jkr ds (10.24)
4πr
Portanto, as componentes do campo elétrico infinitesimal, produzidas pela fonte de
Huygens, são resultados das somas de (10.11) com (10.23) e de (10.12) com (10.24),
ou seja,

jk Ex
dEθ = (cos ϕ cos θ + cos ϕ) e − jkr ds (10.25)
4πr
e

jk Ex
dEϕ = − (sen ϕ cos θ + sen ϕ) e − jkr ds (10.26)
4πr
Enquanto que as componentes do campo magnético infinitesimal são obtidas de

dEθ
dHϕ = (10.27)
η
e

dEϕ
dHθ = − (10.28)
η
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 202

10.4 Difração de Fraunhofer


Problemas de difração com conseqüências na região de Fraunhofer, também con-
hecida como região de campos distantes, são encontrados em várias aplicações de
engenharia de telecomunicações. Pode-se ilustrar a importância destes problemas em
estudos de antenas do tipo cornetas ou refletores parabólicos, como aqueles tratados
no Capı́tulo 15.
Um problema clássico de difração de Fraunhofer é a determinação dos campos
distantes produzidos por uma onda plana, propagando-se no sentido z + , que atrav-
essa uma parede absorvedora plana infinita de espessura desprezı́vel, através de
uma fenda ou abertura retangular. A frente de onda na fenda pode ser considerada
como um conjunto ou arranjo planar de fontes de Huygens, de área ∆s = ∆x ∆y,
distribuı́das uniformemente nas direções y e x, como mostrado na Figura 10.3. O
campo elétrico produzido por este arranjo, como será visto no Capı́tulo 13, é o re-
sultado do produto entre o campo elétrico radiado pelo elemento e os campo elétrico
radiado pelo conjunto de antenas isotrópicas (fator de arranjo), ou seja,

1 2 3 dy N y
dx
ϕ ds
2 a

x b

Figura 10.3: Área a × b de uma frente de onda, representada por um arranjo de


fontes de Huygens.
203 10.4. Difração de Fraunhofer

E = Eel FA (10.29)
sendo Eel , na direção θ, dado por

jk Ex
∆Eθ = (cos ϕ cos θ + cos ϕ) e − jkr ∆s (10.30)
4πr
e na direção ϕ

jk Ex
∆Eϕ = − (sen ϕ cos θ + sen ϕ) e − jkr ∆s (10.31)
4πr
enquanto, para ∆x e ∆y muito pequenos,
 
  M φx    N φy
sen 2 sen 2
FA =   (10.32)
φx φy
2 2

onde

φx = k ∆x sen θ cos ϕ (10.33)


e

φy = k ∆y sen θ senϕ (10.34)


Fazendo-se M e N tenderem ao infinito, têm-se ∆x e ∆y tendendo a zero, o que
produz os resultados

a = lim M ∆x (10.35)
M →∞
e

b = lim N ∆y (10.36)
N →∞

Portanto, as componentes do campo elétrico radiado podem ser escritas como

 
    φ y
jk Ex ab e − jkr sen φ2x sen 2
Eθ = (1 + cos θ) cos ϕ   (10.37)
φx φy
4πr 2 2

e
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 204

 
  φx    φy
jk Ex ab e − jkr sen 2 sen 2
Eϕ = − (1 + cos θ) sen ϕ   (10.38)
4πr φx φy
2 2

onde
φx = k a sen θ cos ϕ (10.39)
e
φy = k b sen θ senϕ (10.40)
As equações (10.37) e (10.38) serão empregadas no Capı́tulo 15, na deteminação
dos campos distantes radiados por um refletor parabólico com abertura retangular.
Elas podem ser interpretadas como uma espécie de transformada de Fourier espacial
bidimensional.

Exemplo 10.1 Determine a expressão do campo elétrico distante normalizado, no


plano zx (ϕ = 0), para uma onda eletromagnética 10GHz que atinge um anteparo
após passar por uma fenda com as seguintes dimensões: a = 10cm e b = 5cm.

Solução: Quando ϕ = 0, a componente Eϕ torna-se nula e


  
jk Ex ab e − jkr sen φ2x
Eθ (θ) = (1 + cos θ) φx
4πr 2

logo, seu valor normalizado é dado por


  φx  
1 + cos θ sen 2
En (θ) = φx
2 2

sendo φx = k a sen θ. As representações gráficas das intensidades dos campos na


fenda e no anteparo são mostradas na Figura 10.4. Observe a semelhança entre este
resultado e aquele encontrado nos problemas de análise espectral envolvendo uma
função porta e sua transformada de Fourier.

10.5 Difração de Fresnel


A teoria de difração de Fresnel diz respeito aos campos eletromagnéticos na região de
campos intermediários, também conhecida como região de Fresnel. Entende-se como
região intermediária aquela entre a região de campo distante e a região de campo
205 10.5. Difração de Fresnel

E n( θ )

Ex

-a/2 a/2 x θ

(a) (b)

Figura 10.4: Intensidade de campo na fenda (a) e no anteparo (b).

próximo, onde a diferença de amplitude das fontes de Huygens pode ser desprezada
mantendo-se a diferença de fase.
O problema de difração envolvendo uma onda plana incidindo num semiplano
absorvedor, como mostra a Figura 10.5, pode ser resolvido aplicando-se a teoria
de difração de Fresnel. Os campos num ponto dentro da região de sombra, após
o semiplano absorvedor, podem ser obtidos somando–se todas as contribuições de
campo das infinitas fontes de Huygens no semiplano superior a este. Cada fonte
radia um campo elétrico dado por

Eo −jkr
e
dE = dy (10.41)
r
sendo Eo o campo na onda plana. O campo resultante num ponto P , localizado a
uma distância d da placa absorvedora, é obtido integrando-se (10.41), ou seja,
∞
Eo −jkr
E= e dy (10.42)
r
h

Considerando-se que ∆r d, pode-se escrever, no que diz respeito a amplitude,

rd (10.43)
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 206

∆r

y r
h

k 0 E

Obstáculo
Absorvedor
Frentes
de
Onda

d z

Figura 10.5: Incidência normal de uma onda plana sobre um semiplano absorvedor.

e, com relação a fase,

y2
r = d + ∆r  d + (10.44)
2d
Sendo assim,

∞ 2
∞
Eo −jkd −j ky Eo −jkd πu2
E= e e 2d dy = e e−j 2 du (10.45)
d αd
h αh

2
onde u = αy e α = λd . A integral da equação (10.45) não tem solução analı́tica,
mas pode ser reescrita em função das integrais de Fresnel, isto é,
∞ 
 αh
Eo −jkd  2 2
e−j 2 du − e−j 2 du
πu πu
E= e (10.46)
αd
0 0

ou
       
Eo −jkd 1 π π
E= e (1 − j) − C αh − jS αh (10.47)
αd 2 2 2
sendo
207 10.5. Difração de Fresnel

 x
2
C(x) = cos u2 du (10.48)
π
0

a função cosseno integral de Fresnel, e

 x
2
S(x) = sen u2 du (10.49)
π
0

a função seno integral de Fresnel. Ambas têm seus valores tabelados. A seguir
são apresentadas algumas propriedades destas funções: C(0) = S(0) = 0; C(∞) =
S(∞) = 1/2, C(−x) = −C(x) e S(−x) = −S(x).

Exemplo 10.2 Uma onda plana incide normalmente sobre uma das faces de um
muro de 5m de altura. Considerando-se que esta onda oscila com uma freqüência
de 300MHz, determine o valor do campo elétrico normalizado na região de sombra,
num ponto do solo, a uma distância de 2 metros do muro.

Solução: A intensidade do campo elétrico normalizado pode ser obtido a partir da


equação (10.47), ou seja,

   2    2
|E| 1 π 1 π
En (h/rf ) =  0, 6 − C αh + − S αh
|Emax | 2 2 2 2

Como, neste caso,



2
α= =1
λd
então 
En (h)  0, 6 [0, 5 − C(1, 25 h)]2 + [0, 5 − S(1, 25 h)]2

O valor de h, neste caso, é igual à altura do muro. Portanto,



En (5)  0, 6 [0, 5 − C(6, 25 )]2 + [0, 5 − S(6, 25 )]2  0, 04

A Figura 10.6 mostra a variação En com a altura h.


CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 208

0.4

Campo normalizado E (h)


n 0.3

0.2

0.1

0
0 1 2 3 4 5
h (m)

Figura 10.6: Variação da intensidade do campo elétrico normalizado com a altura h


(α = 1).

10.6 Elipsóide e Zonas de Fresnel


Através de um exemplo envolvendo uma onda plana propagando-se de um ponto A
a um ponto B no espaço-livre e conceitos simples de geometria, pode-se determinar
como as fontes de Huygens, de uma determinada frente de onda, influenciam na com-
posição dos campos eletromagnéticos num dado ponto do espaço. Algumas destas
fontes da frente de onda contribuem positivamente para a formação dos campos em
B, enquanto outras, pertecentes à mesma frente, contribuem negativamente. Estas
fontes podem ser agrupadas em regiões ou zonas comumente chamadas de zonas de
Fresnel. A Figura 10.7 mostra a geometria deste problema, onde uma frente de onda
localizada no plano z = 0 é tomada como exemplo. A diferença de fase entre os
caminhos ACB e AOB é dada por

∆φ = β [(Rn + Rn ) − (d1 + d2 )] (10.50)


Esta diferença de fase será de 180◦ quando ∆φ = nπ e n = 1, 3, 5, .... Neste caso,

λ
Rn + Rn = d1 + d2 + n (10.51)
2
Quando n = 2, 4, 6, ..., a diferença de fase é nula.
209 10.6. Elipsóide e Zonas de Fresnel

y
C
Rn R' n

n
r
A O B
Linha de
Visada

Frente
de
Onda

d1 d2 z

Figura 10.7: Frente de onda plana propagando-se do ponto A até B.

A Figura 10.8 mostra a contribuição de cada ponto da frente de onda na com-


posição do campo resultante em B. O decaimento da amplitude se deve ao aumento
da distância entre a fonte C e o ponto B à proporção em que a fonte se encontra
mais distante do centro de referência O.
Observa-se que a soma das contribuições das fontes de Huygens dentro de um
cı́rculo de raio r1 é positiva (mesma fase do campo produzido pela fonte de Huygens
no ponto O). Exatamente nos pontos da circunferência de raio r1 , a defasagem
é de π. Entre as circunferências de raio r1 e r2 , que levam a defasagens de π a
2π, a soma das contribuições é negativa (em antifase com o campo produzido pela
fonte de Huygens no ponto O). Dessa forma, pode-se definir regiões onde os pontos
(ou fontes) contribuem de forma construtiva para a formação dos campos em B, e
regiões cujos pontos contribuem de forma destrutiva. Estas regiões, denominadas de
zonas de Fresnel, são delimitadas por circunferências, sendo que a primeira zona tem
a forma de um cı́rculo e as demais formam anéis concêntricos (veja Figura 10.9a).
Os raios das circunferências, também denominados de raios de Fresnel, são obtidos
fazendo-se


r2
Rn = d21 + rn2  d1 + n (10.52)
2d1
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 210

λ/2 λ 3λ/2 2λ

+ - + -

1 a Zona 2 a Zona 3 a Zona 4 a Zona

r1 r2 r3 r4

Figura 10.8: Variação do campo elétrico com a distância entre a fonte C e o ponto
B. Delimitação das zonas de Fresnel.

e

r2
Rn = d22 + rn2  d2 + n (10.53)
2d2
que substituı́das em (10.51) levam a

rn2 rn2
+ = nλ (10.54)
d1 d2
ou

nλ d1 d2
rn = (10.55)
d
sendo d = d1 + d2 . Para a primeira zona, a de maior contribuição para a formação
do campo em B, o raio de Fresnel é fornecido por

λ d1 d2
r1 = (10.56)
d
ou
211 10.6. Elipsóide e Zonas de Fresnel


d1 d2
r1 = 547 (10.57)
fd
sendo f expresso em MHz, r1 em metros, d1 , d2 e d em km. Pode-se verificar em
(10.56) que, para uma dada freqüência, o raio é máximo quando d1 = d2 e mı́nimo
nos planos que passam em A e B. O resultado são os elipsóides mostrados na
Figura 10.9b. Será visto no próximo capı́tulo que obstruções no elipsóide referente
à primeira zona de Fresnel levam à atenuação do sinal que chega em B.
CAPı́TULO 10. Difração de Ondas TEM 212

+
-
2 a Zona

+
r1
r3

r2
a
3 Zona

1a Zona

(a)
1r

A B

Linha de
Visada
Elipsóide
da 1 a Zona

d1 d2

(b)

Figura 10.9: (a) Corte transversal dos elipsóides de Fresnel indicando-se a 1a 2a e


3a zonas; (b) Elipsóides de Fresnel.

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