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252 Marta Maria Chagas de Carvalho secundérias. E indispensavel, a qualquer civilzagao, construir essa massa enorme de cidaddos de um CONHECIMENTO GERAL das cousas usuais do tempo, um GRAU MEDIO E GENERICO, que permite, conforme a tendéncia de cada qual, a subida @ crculos cada vez mais vastos para os cérebros maiores ou @ DIRETIVA para especializagdes ‘enicas diversas. Ea grande massa pastosa elementar, donde sairé 0 iédico, como o quimico, o mestre de obras como 0 desenhista, como podem sairo jurist, o engenheiro, @ artista, 0 police, 0 sAbio, 0 fildsofo. Massa necesséria, cuja formagdo média é 0 viveiro das profissées_e dos VALORES MAIS ALTOS DA PRODUCKO. Sem ela ndo hi onde ir buscar os elementos da DIRECAO e da COORDENAGAO das atividades humanas.'"" [No depoimento de Alba Canizares Nascimento evidencia- se um modelo de sociedade similar ao que permeou, como jf se viu no capitulo anterior, 0 discurso civico da ABE.” Ressalta _nele, com conotagio meciinica, 0 tema da ‘organizagao que foi o predileto dos reformadores organizados ‘no Departamento carioca. O tema assume, nel, figura de uma compartimentagio do social em camadas rigidas, interligadas € ativadas por um sistema de dutos por onde passamn diretivas emanadas do alto. Mecanismo total, a massa dos “motores hhumanos” engatada ao trabalho bragal 6 coordenada por cérebros imediatamente maiores", a partir daquelas diretivas, Nessa engrenagem, que a maquina discursiva de Alba Canizares evidencia em sua pr6pria sintaxe mecfinica, caberia ‘Molde Nacional e Forma Civica 253 ’ escola secundaria “construir essa massa enorme de cidados de um conhecimento geral das cousas usuais do tempo”, fun- cionando como instincia de homogeneizacio de uma cultura de “grau médio e genérico”, apandgio de “elites” de “menor visto “, mas dirigentes de “maiores massas”. ‘Alguns depoimentos constantes do Inquérito avangam, timidamente, para uma nova concepeio de escola secundtia, parecendo indicar a superagio, em nivel de projeto, de uma lites". O discurso que articulou a critica ao caréter exclusivamente propedéutico dessa escola ¢ a defesa de seu papel formativo construiu-se pela incorporagio de um Iéxico por imagens do sistema escolar que induzem a acreditar na presenga desta nova concepsio informando a discussfo. Assim, por exemplo, para Barbosa de Oliveira, a proposta da ABE assegurava relativa, intercomunicagio dos trés ramos: “A freqiiéncia livre em certas disciplinas de um ramo permitiré ao aluno de outro amo complementar 0 seu preparo, de acordo com qualquer particularidade de conveniéncia prépria”.'" Em outros depoimentos, expressées como “cultura bisica”, “cultura média do pais", “eduear para a vida", “fornecer a educaglo & cultura de acordo com as aptiddes individuais” parecem ‘apontar para a superagdo da escola dual. Na maioria dos depoimentos, as expectativas depositadas numa nova escola secundaria voltaram-se para a fundagdo de uma Escola ‘Normal Superior que deveria garantir a formacdo pedagégica especializada dos professores, fundamental ~ entendiam - para a remodelagao empreendida. © depoimento de Carneiro Lede & dos que mais se aproximam de uma nova concepeao de escola secundéria, No seu entender, a verdadeira finalidade de um curso secundério, 6 “educar para a vida". A expressiio condensava expectativas 254 ‘Marta Maria Chagas de Carvalho de que a escola secundiria fosse “formativa” e se organizasse de modo flexivel, adequando os estudos a postuladas diferencas individuais de “aptido” e “interesse” dos alunos e também postuladas “exigéncias sociais". Por essa raziio, Carneiro Leo apoiava a proposta da ABE de divisio da escola secundéria em ciclos, vendo nela a possibilidade de transigdo para um regime ainda mais flexivel. Organizada desta forma, a escola secundéria deveria ser destinada a “todos os capazes”, devendo, por isso, ser gratuita. Bolsas de cestudo deveriam ser reservadas a “todos aqueles (mogos ‘moges) que, embora inteligentes e capazes, nfo possam, pela cescassez. de recursos, aspirara tal educasao" © depoimento de Carneiro Leio, acenando com uma escola secundaria aberta a “todos os capazes”, articula a imagem de uma sociedade na qual as possibilidades de ascensiio social estariam abertas & concorréncia dos “talentos” ce “aptidses”. Sem enveredar aqui pela eritica dessa ideologia, pretende-se salientar que enunciados do tipo “E. necessario {que ao curso secundério possam ascender todos os capazes” 86 permitem aquilatar a extensio da tal abertura preconizada para a escola secundéria pela determinagio do que se centendia por “capacidade” para cursé-la, Tal determinacio implicaria um excurso pela nogées “cientificas”, correntes no pperfodo estudado, que embasavam os eritérios de aferigdo e medida de “capacidades” e “aptiddes”, bem como pelas representagies entiio dominantes acerca do que podia set considerado indicativo da “capacidade” de desempenhar um ‘determinado papel social. Em outros termos: a defesa da possibilidade de acesso 2 escola secundiria de “todos os capazes” pode significar apenas a sua manuteng3o como escola de “elites” ‘Também 0 depoimento de Décio Lyra da Silva articulava a ‘Molde Nacional e Férma Civica 255 imagem de uma nova escola secundéria, Nele se encontram quase todos os ingredientes que tém autorizado os intérpretes do movimento educacional nos anos 20 a atribuir & critica do carter exclusivamente proped&utico da escola secundéria e 3 defesa de seu papel formativo o estatuto de critica & escola dlualista: coneepgio do aparelho educacional como sistema integrado (a imagem que articula & a de um edificio); adequago da escola as preferéncias do aluno; simplificagdo do ensino © énfase no papel formative do conhecimento; critica & énfase exclusivamente intelectualista da escola secundaria existente e conseqlente valorizacio de atividades profissionais no propriamente “intelectuais”."* No entanto, esses ingredientes so insuficientes para autorizar a referida interpretagao. Uma das quest6es formuladas no Inquérito comporta interpretagio dupla: a questio 4", “Como garantir em todo 0 territério nacional o ensino secundario com a necesséria eficigneia?”. Pode ser entendida enfatizando-se seja a difusdo quantitative da escola, seja a questo de assegurar padroes nacionais de qualidade desse ensino. Ao responder a essa guestio, Décio Lyra da Silva escolheu a segunda dessas interpretagdes. O Governo Federal instalaria, a0 Norte e 20 Sul do pais, gindsios nos moldes do Pedro Il (i reorganizado), onde iriam “prestar exame ou seguir-Ihes 0 ccurso (Sob regime de internato) os alunos provenientes dos Estados vizinhos”, Estes Estados, na medida de suas necessidades e possibilidades, instalariam nas capitais, sob fiscalizagio federal, um colégio nos moldes do Pedro I. esses. estabelecimentos caberia a0 Governo Federal 0 provimento das cadeiras. Com isso, Décio Lyra da Silva acreditava ser possivel atender interesses da clientela que nfo precisaria sair de seu Estado de origem para cursar a escola 256 Marta Maria Chagas de Carvalho secundaria, o que ocorreria se existissem “apenas um ou dois ‘ou tr8s gindsios para todo o territério brasileiro”. Isto, sem. prejuizo da “qualidade” do ensino ministrado. A principal vantagem do sistema proposto residia para o depoente no ‘controle federal sobre o corpo docente: com 0 professor moral, téenica e didaticamente capaz, dispondo de estabelecimentos de ensino uuniformemente organizados, bem aparethados e com programas que seriam os mesmos para todo 0 Brasil estariam sendo eficazmente combatidas as posstveis veleidades regionais de fragmentagdo desse imenso todo que € a terra em que nascemos e que, para se fazer forte e respeitada, precisa de ser wma 6 ~ como jd é ppelas tradicées e lingua ~ pelo espirito comum e pelo pulsar sinerénico do coragdo de todos os seus ‘filios" Para quem tinha, como Décio Lyra da Silva, feito consideragdes acerca da finalidade e da organizacao da escola, secundaria em moldes de uma escola flexivel, aberta a toda a populagio, esta resposta é surpreendente. Primeiramente, como ‘adverténcia de que nem sempre a defesa da flexibilidade era incompativel com a _uniformizagao doutrindria da escola. Mas ela é especialmente reveladora do significado da incorporagdo de temas, expressOes e imagens pelos entusiastas da "moderna pedagogia”. Imagens de um. edificio escolar” podem estar associadas a projetos de “organizagio” e ni a qualquer intento de matiz liberal de cconstrucdo da conhecida estrada aberta & concomréncia dos “talentos” e “aptides (© exame dos depoimentos constantes do inquétito sobre O ‘Molde Nacional e Férma Civica 257 Problema Brasileiro da Escola Secundéria no pode deixar de levar em conta que a proposia da ABE a ele anexada ‘reformulava alguns dos artigos do Decreto n° 16.782 A. Este, observa Helidio Antunha, introduzira “algumas idéias poco familiares a0 pensamento até entio dominante”. Da exposigio de motives, constava a assergo de que, “base indispenssivel para a matricula nos cursos superiores, o ensino secundério deveria ser encarado como um preparo fundamental e geral para a vida, qualquer que seja a profissdo a que se dedicar 0 individuo”. Além disso, o decreto também concebia a escola secundéria como “prolongamento do ensino primério, para Fornecer a cultura média geral do pais’."” Assim, seja pelo nivel das. perguntas formuladas pelos organizadores do inguérito, seja pelo nivel das respostas dos depoentes, a incorporagdo de uma concepedo da escola secundaria ~ como prolongamento da escola priméria, como preparagio para a vida e como formagio de uma “cultura média geral do pais” ~ apesar de significar um endosso do espitito do Decteto, era ‘menos indicativa das concepgdes vigentes no Departamento carioca da ABE que as alteragbes que se procuravam imprimir ao Decreto. Tais alteragoes, propondo a extingio do Instituto da equiparagdo, parecem contemplar mais a contengio da demanda pelo ensino secundétio, & excegio do amo téenico, que sua expansio. ‘Apesar das dbvias restrigdes & expansio da escola secundaria, € entretanto inegavel que este grau de ensino estava sendo considerado, tendo-se em vista a incorporagao de novos setores sociais em sua clientela. Sua incorporagio & ‘escola secundéria era saudada como possibilidade de hhomogeneizagio de uma “cultura média", constitutiva da “nacionalidade” por sua disseminago para “‘maiores massas”. Era também saudada como possibilidade de “organizar” 0 258 Marta Maria Chagas de Carvatho trabalho no pals, “descobrindo”, desenvolvendo encaminhando “oeagtes” para profissSes técnica, para 0 comércio, para a industria, pra indmerss ocupagSes em que se vislimbravao Progreso ‘Aconcepeio de “educasao de elites” dominante na Segio de Ensino Secundério opuna-se outra, menos marcada pelo intersse. no fancionamento da escola como agencia de omogeneizagio’de uma “cultura média”. Para 0. grupo sediado na S250 de Ensino Técnico e Superior, “formar tltes" era instlar “usinas, mentais", universidades “onde fossem “postos em equaglo os problemas magnos da ncionalidade”. “Pensar 0 Brasil” e'prodvzitconhecimento tido como indispensével ao Progresso e formar a Ga. propria nacionalidade” eram a6 metas pritcipais niversidade.projetada pela. Segao de Enso Ténico ¢ Supetior. Tniciatva desta o Inquérito sobre o Ensino Universit teve ampla cobertura de O Jornal ede O Estado de So Paulo, tendo Sido apoiado por Jdio de Mesquita Filho, em So Paulo, Mendes Pimentel em Minas Gerais, e Bemdino de Sour, na Bahia.'* Aberto 4 colaboragio de todos aqueles que se Ginanizasem “honestanente nos meson esis de espiritualidade”, o Inquérito foi iniciado com a divulgagao de tm documento, em meados de 1928, que reunia tabathos da comiseio crganizadora sobre temas escolhidos. Estes eram proposos como “sntese ds idéas” que iam “ser agitadas em torno do problema da Universidade Brasileira”. Desenvolvdos, respectvamente, pela ordem, por Ferdinando Labousay, Roguete Pinto, Vicente Leino Cardoso, Raul Lito da Cunha, Indsio Azevedo “Amaral e Domingos Cunha, os temas escohidos foram os. seguintess "O Problems. Universitio Brasileiro", "Organizasio Universi”, "Clio de Focos de ‘Molde Nacional e Férma Civica 259 Brasilidade”, “A Crise Atwal do Ensino no Brasil”, “o Professor © © Aluno”, “A Situagdo Financeira do ‘Professorado Universitério e suas Deficigncias”. Um sétimo tema, “Oportunidade de Cooperagio Estadual na Organizagio Universtéria”, a cargo de Levi Cameiro, no chegou a ser ‘neluido no documento de langamento do Inquérito.'” Este documento, publicado em 1928, antes da morte de Labouriau, Moscoso ¢ Amoroso Costa, veicula as diretrizes que a Seco de Ensino Técnico e Superior imprimia 20 Inquérito. O documento publicado em 1929 reine a totalidade das respostas a0 Inquérito, 0 dacumento de 1928 e o Inquérito de 1926, promovido pelo jomal O Estado de So Paulo, sob 1 direg0 de Femando de Azevedo. Inicialmente, examina-se aqui o documento de 1928 para, em seguida, examinar-se 0 seguinte, Deste serio selecionadas as respostas de Amoroso Costa, Tobias Moscoso ¢ Alvaro Ozério de Almeida, ativos partcipantes da Segio, ¢ as de Barbosa de Oliveira e Francisco Vendncio Filho, do Conselho Diretor da ABE. No documento de 1928, ressalta © nacionalismo. Observa Irene Cardoso que isso distinguia projeto de universidade, formulado no Inquérito, daquele que fundou a Universidade de Sio Paulo, Segundo a Autora, a “reiteraglo de temas como brasilidade, consciéncia brasileira, nacionalizacao da cultura, tunidade nacional dos valores brasileiros” indica “a sua ligado com uma matriz ideolégica” diversa da que caracterizou a campanha no Estado de Sio Pauto pela tuniversidade. No caso de Sio Paulo, a “6tica de nacionalidade", além de no ser dominante, passava. pela ‘mediagio da tematica da “Comunhao paulista’ ‘J na “Apresentagio” do documento de 1928, desfralda-se 4 posigdo nacionalista de seus organizadores, Orientava-se fesse por “um ideal superior, qual seja 0 de compreender © 260 Marta Maria Chagas de Carvalho acreditar, robusta e energicamente, nas universidades brasileiras como usinas mentais que, dentro de nossa organizagao democritica, deverio preparar o escolas, classes condutoras e orientadoras dos destinos da nacionalidade”.'"* Tal apresentagio retomava 0 enfoque dado por Vicente Liefnio Cardoso ao tema “Criago de Focos de Brasilidade”, indicando que as proposigées deste eram endossadas pelos ‘organizadores do Inquérito. Assim, os t6picos desenvolvidos nos diversos depoimentos tinham como referencial 0 tema desenvolvido por Licinio. Diseorendo sobre 0 tema, Licfnio afitmava: “A Universidade brasileira, tal como a concebem as consciéncias politicas eminentemente brasilicas”, devia ser “a usina mental ‘onde pudessem ser pensados © postos em equagio os problemas magnos da nacionalidade”."® Era dever do professor fazer o aluno habituar-se desde cedo a “pensar 0 Brasil", formula que condensava “a necessidade do equacionamento, passado ¢ futuro, dos problemas complexos brasileiros”."* Da universidade dependia, segundo Licfnio, a formagao da “conscincia da propria nacionalidade".'“* Se as, instituigbes de ensino superior jé haviam tido enorme peso na conformago da “mentalidade brasileira” e decisiva atuagio na histéria do pais, arqutetando “projetos de livre iniciativa, de Aboligio © de Repiblica, antes que a sociedade... ppermitisse 0 combate decisivo aos direitos escravagistas e is regalias aristocréticas exéticas do nosso Império”,"* maior cera a misso que cabia, no momento, aos insttutos de ensino superior, A eles estavam “reservados, no mais campanhas de demoligo de direitos abusivos ou de aristocracias exéticas, mas essencialmente, honestamente, — intrinsecamente, programas de construgdo, planos amplos e seguros de {formagio das consciéncias brasileiras”."* Importava Molde Nacional e Forma Civica 261 “formar consciéncias unidades individuais, particulares, até o momento em que a fusio delas, em nimero suficiente”, determinasse a “eelosio da consciéncia da _prépria nacionalidade”.'" Para isso era chegado 0 tempo de juntar “as forgas acanhadas de nossas Faculdades, oficiais ou livres, fundindo-as inteligentemente numa resultante definitivamente orientada da nacionalizago da nossa cultura: nacionalizago mais eficiente do espirito de nossos estudantes, de nossos programas de estudo, de nossos professores universitirios”."* Isto era _urgente porque “os organismos sociais” tinham “necessidades tanto quanto os individuos, sabendo exigir, em tempo oportuno, que sejam satisfeitas”."” Como os individuos, as sociedades demandavam “um programa de vida", do contrério se perdiam, “enfraquecidas”, as capacidades de ago e “estioladas, as fontes de energia”.'* Formular tais “programas de ago” para as sociedades era 0 trabalho das “elites” formadas na universidade. ‘A énfase no ensino superior nfo significava descaso de Licino pelo papel homogeneizador de todo o sistema escolar; a0 contririo, era para cle uma “necessidade imperiosa congregar os individuos dentro de uma mesma pétria, argamassados & coesos todos. pela instrugo largamente difundida, visando uma melhoria acentuada no trabalho uma eficiéncia maior no processo de realizagies”."" Neste projeto, a universidade tinha importincia especifica, Fomecendo os referidos “programas de vida” ao organismo na ‘obra de construgio da nacionalidade”. Formulando a questo da “unidade nacional” por procedimentos ret6ricos que motivam a analogia, isto 6, naturalizam “nacdo” como “organismo”, “povo” como “corpo” e “elite” como “cérebro, diretor”, Licinio chegara 8 tragicOmica constatacdo de que 0 pais era uma “nacionalidade em ser”, sem “corpo” nem 262 Marta Maria Chagas de Carvatho “cabeca”.!® Faltavaclhe “coesto, densidade social (..) pegas de ligacio imprescindiveis, tecidos sociais econdmicos fundamentais (..) érgios aparelhados que (.) pudessem facilitar a unidade nacional almejada de um organismo de Alexibilidade social escass, perdendo energias ~jé de si mal catlivadas ~ em atritos e resistncias passivas formidaveis”."* © Brasil ndo era, portanto, pois era um “organismo de vida esxiéil”, sem “continuidade de seiva”, “ritmo de vida”, “seqiéncia de energia”."* Se a metitora organicisa era eficaz para a produgio de uma meta politica ~ a “unidade nacional” e para a proposigio dos meios hndbeis a alcangé-la —~ dispositives de unificagéo, homogeneizaglo, —coesto, congregagio, argamassa ec. — ela era, entretanto, insuficiente para dar conta da intervengo politica que se preconizava na proposta de universidade. A intervengio no fazia parte, apenas, de uma terapia do organismo que Ihe reconsttuisse tum equilibrio © desenvolvimento “saudéveis”. Ela se propunha aimprimir-he diegéo determinada do exterior, nio se lmitando a possibilidades de transformagio organicamente “dadas". Assim, a0 propor as universidades como “usinas rmentais", Licitio deslocava-se da matriz_organicista articulando uma nova metéfore - mecinica, artificial, indicando a intervengdo de uma forga exterior que se propunha dinamizadora, propulsora, energizadora e dinetora. ‘Conotando o teor das aspiragdes de Progresso partlhadas por Vicente Licfnio Cardoso e seu grupo, « metifora mecfinica permitia engatar aquilo que © organicismo 36 conseguia efetuar como néo-ser: a “nacionalidade"- Apenas potencial na insipiéncia orginica do pafs, cla passava a ser a energia cinética circulando no todo das partes dinamizadas e subordinadas ao “étebro dietoe” produzido na “sina, (© documento de 1928 caracteizou-se também pela €nfase Molde Nacional e Férma Civica 263 em és questOes: a pesquisa cientifica; o papel da tuniversidade ne formagao de uma “‘mentalidade” traduzida como “interesse piblico pelas questées gerais”; a erftica a um modelo universitério Gnico para 0 pals. As questBes no se dissociavam do projet nacionalista formulado no epoimento de Licinio. A pesquisa cientifica orientava-se para “pensar o Brasil” e produzir conhecimento tido como indispensivel ao Progresso. A formagio da “mentalidade” referida era a produgdo de um dos mods da “consciéacia nacional”. A critica ao modelo tnico visava uma maior atuagdo da universidade na resolugéo de problemas de sua zona de influéncia. 'No depoimento de Labouriau, a segunda dessas questBes era twatada como servigo de “extensdo universitéria’: “Levar a0 conhecimento do piiblico © que se vem fazendo no mundo ‘éenico, no campo da cincia, no dominio das artes e letras, os trabalhos que esto na ordem do dia, as diretivas que se Ihes dio”. O servigo de “extensio universtiria” destinavase a promover o “espitito universitério” de modo que a universidade rio fosse_ apenas um “agregado de diversas faculdades de ensino”." Além da “aproximaglo maior entre os professores das diversas escolas © entre os alunos”, imprescindivel & constituigo daquele “espirito”, propunha-se a desenvolver uma “mentalidade”, um interesse publico pela cultura produzida na uuniversidade, especialmente sobre 0 Brasil Essa era a concepsio de “extensio universitéria” que orientava o trabalho da Sego de Ensino Técnico e Superior, Os cursos de alta cultura e Conferéncias avangados por ela, desde 1926, mobilizavam professores e especialistas de diversas instituigGes e versavam sobre assuntos variados, Do Museu Nacional, do Instituto Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina, da Escola Politécnica, do Observat6rio Nacional, 264 Marta Maria Chagas de Carvatho do Servigo Geolégico € Mineralégico do Brasil eram convidados especialistas e professores para versarem, em ‘conferéncias ou em cursos (que iam, em geral, de 4 a 12 cconferéncias), sobre temas como “Estudo sobre 0 Metabolismo”, “A organizacfo universitéria e as Faculdades Superiores de Cigncias e Letras”, “Sobre a indeterminago em, ‘matemética’, “A evoluglo moderna da idéia de democracia”, “Estrutura geopolitica do Brasil”, “Mares e fenémenos correlatos”, "O problema social e o distributismo”, “Teorias do crescimento da populsc3o", “Simbologia antic “Civilizagio e “A. siderurgia”, geometrias nio-cuclidianas”, “Estrutura geol6gica do solo brasileito”, “A regulagdo nervosa da respiracao”."” ‘Amoroso Costa foi o principal defensor da pesquisa cientifica, Ele apresentou & Primeira Conferéncia Nacional de Educagio tese intitulada “As Universidades e a Pesquisa Cientifica”, incluida no Inquétito. As conclusdes desta tese foram incorporadas por Labouriau no depoimento a0 documento que serviu de base ao Inquérito. Afirmando que a “eriagdo de instituigdes destinadas a desenvolver os estudos, de pesquisa cientifica” era tarefa indissociével do estabelecimento da universidade no pafs, Labouriau reproduzia as conclusdes da tese de Amoroso: “{— As Faculdades de Ciéneia das Universidades devem ter como finalidade, além do ensino de ciéncia feita, a de formar pesquisadores, em todos os ramos dos conhecimentos, hhumanos. Il ~ Esses pesquisadores devem pertencer aos respectivos ccorpos docentes, mas com obrigagdes didéticas reduzidas, de ‘modo a que estas no perturbem os seus trabalhos originais. II ~ Dever ser-Ihes assegurados os recursos materiais os ‘mais amples: laboratérios para pesquisas biol6gicas e fsico- ‘Molde Nacional e Férma Civica 265 ‘quimicas, observatérios astronémicos, seminérios matemiticos, bibliotecas especializadas, facilidades _bibliogrficas, publicagées periddicas para divulgacdo de seus trabalhos, aparelhamento para exploragées geogriticas, geol6gicas e ‘mineraldgicas, biolbgicas, etmogréficas IV ~ Deve ser-Ihes assegurada uma remuneraeao suficiente para que eles dediquem todo o seu tempo a esses trabalhos”.!* ‘A nfase de Amoroso Costa na pesquisa cientifica estava relacionada a seu préprio trajeto de investigador no campo da ‘matemética e & polémica que mantinha com positivismo no somente no Ambito especifico de seu campo de investigagdo mas também na critica & concepgio do ensino Supetiog Como mera agéncia de transmissto de uma cinciajé pronta ‘Originada neste contexto, a valorizacgo da pesquisa cientifica teve, para Amoroso Costa, o estatuto de eritica 3 ‘mentalidade utilitéria que acreditava ser dominante no pais Dizia Amoroso: A dificuldade nao vem... de que alguém conteste a cigncia a sua soberana utildadle. O mundo moderno, com ‘0 seu fanatismo do progresso material, ndo desconhece 0 que deve ao trabalho dos homens de ciéncias. Nos paises novos esse famatismo € levado ao auge e mesmo pessoas ‘muito instruidas ignoram por completo que exista um ideal cientfico superior ao do homem que fabrica mil ‘automéveis por dia, ou do que opera wna apendicite em ddez minutos. Dafa opinido quase unanimemente admitida entre nés: a ciéncia € ttl, porque dela precisam os enge- heiros, os médicos, os industriais, os militares; mas nao vale a pena fazé-la no Brasil porque & mais comodo e ‘mais barato importé-la da Europa, na quantidade que for 266 ‘Marta Maria Chagas de Carvatho estritamente necesséria para 0 nosso consumo. Tal a rmentalidade dominant entre aqueles que nos educan. ¢ ‘por mais forte rasa, entre aqueles que nos governam. 'As conclusdes da tese de Amoroso apresentadas a Primera Conferéncia foram retomadas por Tobias Moscoso em resposta, ao Inquétito, posteriormente transformada em tese apresentada & Segunda Conferéncia e nela aprovada. As conclusdes deste trabalho ampliaram a tese de Amoroso, sintetizando as prineipais concepgées dominantes na Segio de Ensino Técnico Superior. Elas abrangiam a rejeigdo de um modelo tnico de uuniversidade; a énfase no estudo de temas ¢ problemas brasileiros; # reivindicagdo de “autonomia integral” assegurada, por patriménio proprio; a existéncia de um “regime de livre concorréncia” sem “regalias diferenciais” “ou “favores. peculiares” para nenhuma universidade em particular, alem da nfase na pesquisa cientifica, prescrevendo: — Nao se pode prefixar tipo de universidade adotével ‘como padrio Gnico para todo o pass. 2° — O que cumpre uniformizar é 0 preparo fundamental para a matricula nas universidades. = Na organizagio das universidades deve atender-se as condigées peculiares a cada uma pela regio correspondente, 6 destino para que vise encarreirar os discentes, a natureza das pesquisas e contribuigdes cientificas puras que pretende desenvolver ou 0 aperfeigoamento técnico e profissional que cntenda promover. 4° — As universidades deverdo cuidar de desenvolver, com ‘a maior documentagio possivel, os estudos referentes a0 nosso pafs, animando e nutrindo, assim, a unidade nacional. 5° — As universidades cabe zolar pelo enriquecimento da bibliografia brasileira, favorecendo, por meio de prémios subvengoes, a publicagio das obras didéticas, sobretudo ‘Molde Nacional e Forma Civica 267 relativas a assuntos do Brasil = As universidades devem gozar de autonomia integral, assogurada pela existéncia de patrim@nio estvel que o doador Ihes conceda com a cldusula do inaliendvel, intransferivel e insub rogavel, e cuja renda minima baste para a manutengio normal de todos os seus servigos de ensino e administracao, ‘PA Associagio Brasileira de Educagio fica encarregada de apelar, em nome da Segunda Conferéncia ora reunida, para 10 poderes puiblicos federais ¢ estaduais, no sentido de que, separadamente ou mediante acordo, constituam, nos termos da conclusio 6, patrimOnios que sejam outorgados as uuniversidades ja existentes a outras cuja criagdo as condigées atuais do pais justifiquem. ‘8 — Nas universidades brasileiras urge desenvolver a pesquisa ciemtifica, % — O ensino secundétio nfo é fungio precipua da uuniversidade. Quando, porém, ela o mantenha, convém que fobedega 20 principio de uniformidade a que se refere a conclusio segunda. 10° ~ As universidades devem manter-se sob regime de livre concorréncia, sem regalias diferenciais ou favores peculiares para que elas se ‘estabelegam 0 estimulo a0 melhoramento € a selegio mediante a s6 eficiéncia comprovada do ensino que ministrem.'*" ‘No trabalho de que foram exrafdas as conclusées submelidas aprovagdo da Assembiéia,"® Moscoso insistia em que a Universidade ndo era “uma simples justaposigao de escolas” que vivessem “sem solidariedade” © Se afastassem entre si “nas cexigéncias vestibulares, no regime de vida escolar, em praxes administrativas, em providéncias de cariter didético © em ‘muitos outros pontos”." Para haver “universidade”, deveria, haver entre as escolas que a compusessem “vinculo seguro, 268 ‘Marta Maria Chagas de Carvalho ‘comunho de patrim@nio, congregaeo conjunta ou conselho Geliberativo” que Ihes dessem, “em unidade, normas de marcha, quotidiana’™ O requisito principal para o seu funcionamento era a autonomia financeira, didética ¢ administrativa, que exigia, a existéncia de patriménio proprio ¢ a eleigo dos diretores © reitor pela comunidade docente. O “objetivo principal visado” cera a “pesquisa cientifica”. Néo hd, na tese de Tobias Moscoso, ‘mengio a formagdo de professores, objetivo que se havia firmado como fundamental no Inquérito coordenado em 1926 por Fernando de Azevedo e que seria referencia quase ‘consensual no Inquétito da ABE, O Problema Brasileiro da Escola Secundéria, de 1929. ‘A organizagiio da universidade deveria, contudo, distinguir duas orientagées: uma técnica, outra cientffica. Em funga0 elas seriam dispostos os cursos e regimes apropriados © recursos seria colocados & disposigio dos alunos. A. orientago técnica levaria “A formaco da pericia a vida pritica, profissional, da cigncia adquirida, mediante 0 ‘conhecimento dos preceitos © processos econdmicos étimos,, cconsiderados em geral particularmente, a0 nosso pais”. Ja 2 orientagfio cientffica visaria “a competéncia na investigagio cientifica © na contsibuiggo para 0 avango da cigncia, mediante os métodos experimentais e légicos em que se adestrem os sentidos na observagio dos fenémenos © 0 espitito na estatistica dos resultados, na indugdo das leis © no ricioeinio dedutivo, tudo, quando oportuno, ditigido especialmente para 0s fatos do Brasil”."* No caso das “letras” das “artes”, esta duplicidade de orientagdo deveria também, ir: “uns cuidando essencialmente de executar, 05 outros de criar e descobrit”.!” ara a realizagio dos objetivos propostos era urgente criar, “no sistema universitério”, um “tipo de instituto” que ‘Molde Nacional e Férma Civica 269 inexistia no pais, a “Faculdade de Cigncias”, jé reclamada por Amoroso Costa. Ao lado das Faculdades de Ciéneias deveria hhaver, conforme Moscoso, as de Letras ¢ Artes, em que os cestudos estéticos se desenvolvessem “com o cariter de doutrina pura e de aplicacao pritica”."® As Faculdades de Cigncias, Letras e Artes nfo eram pensadas, porém, como, faculdades integradas numa Gnica instituigdo — como foi 0 caso da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, no projeto universitério paulista, e 0 da Faculdade de Educagio, Cigncias e Letras no Estatuto de 1931," Dizia Moscoso: “Na, ‘organizacao do ensino a que se destine e das pesquisas a que se vole, deve cada universidade dispor de suas faculdades, cescolas, institutos, em nimero © com forma que the convenham.'” Umas terio faculdades de letras, de artes, de hist6ria, de agricultura, de minas; outras, nfo”. A liberdade de organizago da universidade deveria possibilitar que cla atendesse “com a méxima e mais pronta acomodagio possivel, na latitude da regio onde se instalar e dos problemas @ resolver em sua zona de influéncia”.!”" ‘Aceritica a um modelo universitério tinico imposto a0 pats foi retomada por Roquette Pinto, no documento que serviu de base ao inquérito, Seu argumento era o de que importava ser realista e aproveitar as instituigbes ja existentes sem prejuizo do trabalho que jé vinham realizando. Isto fazia com que, necessariamente, na dependéncia da existéncia ou ndo de instituiges aproveitaveis nos diversos Estados da Federacao, ‘0s tipos de universidade deveriam variar. Dizia: “Poderiamos projetar, a titulo de simples indicagio, universidades em cada uma das seguintes capitais: Belém, Recife, Bahia, Belo Horizonte, So Paulo, Rio, Curitiba e Porto Alegre. De todas essas cidades, apenas Rio ¢ Sio Paulo poderiam sem dificuldades instituir universidades de tipo completo. Nas 270 Marta Maria Chagas de Carvatho otras, ficaria esbogado o ensino universitério com as escolas superiores que jé existem, acrescidas de alguns cursos acompanhadas por instituicdes de fundagio particular, como so alguns institutes histéricos e geogrificos que, nada impede, venham prestar, nesse particular, o seu concurso”."”* Roquette Pinto esclarecia que sua proposta ndo significava que instituigées como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ‘ou o Instituto Butantd, em Si0 Paulo, “essencialmente cconsagrados A pesquisa cientifica, superior”, devessem, quando chamados a fazer parte do complexo universitétio, “prejudicar a sua clevada finalidade transformando-se em simples escolas das chamadas superiores do tipo corrente”. ‘Ao contrério,taisinstituigées poderiam “dar as universidades. ‘algo mais valioso". Caber-lhes-ia 0 “aperfeigoamento especializagio dos mestres”. Dotados com os 6rgios necessérios ao estabelecimento das novas fungdes, institutos deste tipo no deveriam perder o caréter que vinham tendo até centio!”. 0 mesmo prinefpio de realismo traduzido em termos, de aproveitamento de instituigdes 4 existentes formulava-se nna resposta de Venincio Filho a0 Inquérito. Apresentando uma sugestio, no seu entender viével, para atender 0 que considerava inadiével ~ 2 fundagio de uma Faculdade de Cigncias ~ , Vendncio esbogava um modelo: a Faculdade se “organizaria em trés seedes ~ Ciéncias Matemiticas, Ciéncias Fisico-Quimicas ¢ Ciéncias Biolégicas — e 0 corpo docente seria recrutado segundo critério estabelecido em regulamento, de instituigdes existentes: a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Escola Superior de Agricultura, 0 Observatério Nacional, 0 Servigo Geol6gico, © Instituto Oswaldo Cruz, © Institute de Meteorologia, 0 Museu Nacional, o Jardim Botinico. A proposta de Vendincio Filho no dava & pesquisa cientifica 0 mesmo estatuto que Amoroso, Molde Nacional e Férma Civica 271 ‘Costa e Moscoso conferiam a ela.'* "AS posigdes vigenles na Seglo de Ensino Técnico e Superior foram também sinttizadas por Alvaro Ozério de Almeida em Conferéncia promovida em novembro de 1927 pela referida Sesto, ¢ incorporada & publicagio de 1929 do Inguétto, Alvaro Orério proferiu a Conferéncia na qualidade de presidente em exercicio da Seglo e apresentou-a como 0 fesullado de discussio e estudos que até entio ela vinha realizando, 'Na Conferéncia, ram realgados os mesmos temas a aqui referidos: critica a0 cardter profisional do ensino superior, énfase na pesquisa cietifiea,autonomia univesiéra,extica 20 modelo tinico. Alvaro Oz6tio comegava por localizar 0 “problema”: no Brasil, o ensino superior estaria constituido exclusivamente por escolas profissiontis. As ciéncias ensinadas nelas 0 seriam de “um modo fragmentério © incompleto e, por conseguinte, deformadas”. Delas seria ‘ensinado apenas “o necessirio a solugo dos problemas da profissio", dominando, por isso, o “uilitarismo, espitito estteito incapaz de compreender verdadeiramente a ciéacia © muito menos tomar parte em seu desenvolvimento”."” Esta orientagio mataria o “dealismo”, “esséncia do progress da evolugéo © do aperfeigoamento das sociedades humana”. No havia no pais onde estudareignciase, muito menos, onde cultivé-las. A tinica excegio & regra era 0 Museu Nacional." Posto 0 “problema”, Alvaro Ozério se perguntava por que no Brasil se nfo tinham desenvolvid “as insituig6es centficas de carter supesior, as verdadeiras universidades". Estabelecida a preliminar de que “para a plena expansio dos estudos ientitios eliteriros” era preciso que nada pudesse “limita 0 trabalho da inteligéncia, nem o uilitarsmo, nem a dependéncia do pesquisador em relagéo a autoridades"!”” Alvaro Onério 272 Marta Maria Chagas de Carvatho comegava a examinar as origens histéricas do ensino no pais. Socorrendo-se, como afirmava, da meméria de José Verissimo, fencontrava a raiz do mal: a “origem religiosa e profissional do censino, sob os jesultas”, Ensino profissional, por aplicarse & preparagio de “mancebos pregadores que auxiliassem os padres, nna catequese” e também enquanto “aperfeigoamento dos ordindtios da Companhia de Jesus vindos de Portugal com a. educagio muito incompleta”, esse ensino fora sobretudo nefasto, por seu caréter religioso."” Enquanto tal, era “a antitese do vetdadeiro ensino”; “interesseiro”, destinava-se a “influenciar, dominar as almas pelo dominio do espirito”."”” Com a Reforma, pombalina ~ ‘‘para a época extremamente adiantada” embora, muito “mal feita” — extirpou-se o mal mas quase nada se empreendeu.""” Com a transferéncia da Corte, a feiglo profissional ganhou novo alento, com “a criagio de escolas que atendessem as primeiras necessidades de uma sociedade em via de organizagéo, fomecendo-Ihes militares de terra e mar, ‘médicos, parteiros e profisionais das carreiras mais necessérias, tais como gravadores, pintores, hidréulicos etc.""*. Com a Independéncia, novas.necessidades apareceram, prosseguia, fundando-se cursos juridicos ¢ academias militares. Periodo de excegio foi o Segundo Reinado, mas mesmo nele “as ‘organizagSes viveram de uma vida artificial, emprestada, com. ‘05 olhos fitos no Imperador, sem vitalidade propria © sem independéacia, como um luxo de Corte..." As primeiras iniciativas republicanas haviam abortado. Sucedeu-lhes uma pluralidade de reformas, “sempre feitas no papel”. Cada “‘ministro reformador” chamava um grupo de amigos, que as discutiam, juntando-Ihes as “idéias mais adiantadas da época” — ce organizando um “regulamento apertado, capaz de transformar ‘ormais ignorante, © mais relapso dos professores em um génio e ‘um devotado”."° Exceedo teria sido a Reforma Rivadévia ‘Molde Nacional e Férma Civica CComeia por ter procurado “dar liberdade administative © didatica As escolas superiores”.'* A Universidade do Rio de Janczo teria tdo “a mesma origem artificial", resumindo-e a uésescolasprofisionais com diretorese reitor nomeados pelo Govemo, subordinados ao Departamento Nacional do Ensino, 40 Minisro da Justia e ao President da Replica ‘Assim, conclufa Alvaro Ozério, eram eslarecias “a causas de nosso airaso ¢ as raades gue impedem nossa evolusio" Fazendo um resumo: “Inicialmente 0 ensino religioso tempregedo como arma de dominio: depois 0 easino de Estado ‘orginizado com o fim ulitro de exaeFuncionris etéenicos necessrios 20 pas, ensino subsidiado, dirgido,organizado e, pior que tudo, ttelado pelo Estado". A “influéncia do Estado” fra “incompetent erettgrada em quests de ensino superior. Fatava as drigentss politicos “o sabcr, para avaliar e deci quests ténicas e cientiticas”. A agto do Govemo devera Timitarse a “subsidiar largamente tanto quanto possvele dae liberdade de evolugdo as comporagdes de pofessores livres de resolverem os seus prprios nepévios, © se orgenizarem a seu criti, evoluindo no sentido que melhor Ihes pares Em. seauide, Alvaro Ovério examinava a expergncia snivestiria francesa, slemi ¢ norte-amercana, chamando tengo para um ponio que, no seu entender, vinha passando despereeido, sendo motivo de grande confunio: norte mercanos ¢slemiestinham compreendido que “ensinos sem aplicagdo uilittia tas como os de Letras ¢ Cincias” eram fundamentais & manutengao do “espirito de progresso" € que, or isso, er prociso, na niversidade, “manter 20 lado dos espiitos tiltros, outros, idealists, muito mais raros do que os primiros,capazes de encontrar na contemplagéo pura dos fenémenos naturas, em seu conhecimento ¢ estudo, ou no caltivo das letras, « plena satisfagio as sias necesidades 274 ‘Marta Maria Chagas de Carvalho intelectuais..” . Era a associagio, a convivéncia desses dois espititos que constitula “verdadeiramente” a universidade, Norte-americanos ¢ alemdes tinham compreendido, por cexemplo, que a melhor coisa para uma escola de agricultura era ser parte integrante de uma instituigao académica na qual se censinasse “o grego, a metafisica, a hist6ria © as ciéncias politicas”."* Finalizando, Alvaro. Ozério_propunha —_algumas. ‘modificagdes da situagio vigente: liberdade absoluta as universidades abrangendo medidas de constituigao de um patriménio cuja renda equivalesse As dotagGes orgamentérias Anuais; reunido das escolas num mesmo campus; insttuigto de Faculdades de Ciéncias e de Faculdades de Letras a0 lado dos estabelecimentos existentes, de modo que, em futuro préximo, fosse possfvel ter, na universidade, um lugar de que se pudesse dizer: “Aqui quem quer que seja pode estudar o. ‘que quer que seja”.""” 'A essas concepgbes de universidade vigentes na Segio de Ensino Técnico e Superior opunham-se projetos que também. tinham vigéneia no Conselho Diretor. Seu principal defensor cera Barbosa de Oliveira. Em seu depoimento a0 Inquérito, Oliveira defendia, inicialmente, que nio era possivel insttuir 1 universidade no pais sem profundas alteragées na escola secundaria, Sem alterar sua organizag3o de modo que nela se fomecesse uma “edueagio moral e intelectual” bisica © se desenvolvesse “o gosto pelo estudo e o habito de trabalho”, toda iniciativa de estabelecimento de ensino universitério fracessaria, Era preciso, numa escola secundéria bem cstruturada, selecionar “paciente e gradativamente” a “elite” ‘capacitada para cursar 0 ensino superior por um trabalho de “formagio da inteligéncia e do coragio”, criando “individuos animados por um caréter forte a servigo de uma regular Molde Nacional e Forma Civica 275 cultura geral e de sélidos principios morais’."* Uma vez estabelecida “a nova escola secundéria, formadora pela sua organizagio de individualidades, com aptiddes perfeitamente marcadas”,"” haveria condigdo para se estabelecer a uuniversidade no pais Depois de longas ressalvas, Barbosa de Oliveira se perguntava pelas caracteristicas da instituigio universitéria adequada a0 Brasil. Julgando que “deveria ser uma escola profissional superior ¢ um foco de alta cultura", acabava or concluir que, no pais, “o tipo cientifico” era muito “prematuro”, devendo-se “‘adotar 0 tipo profissional”. A ‘ciéncia pura” s6 podia interessar a uma “minoria, dotada de superior inteligéncia, de perseveranga pouco comum © de recursos materiais". Uma universidade voltada para a pesquisa cientifica ndo teria aceitagdo: a procura do ensino superior estava associada & busca de um diploma profissional que assegurasse meios de subsistEncia. Prosseguia perguntando se “o tipo profissional” a ser adotado deveria contemplar apenas as profissbes liberais. Nao sendo de tal opinio, Barbosa de Oliveira preconizava que deveriam ser Incorporados A universidade, “‘além de certos insttutos ja existentes, como museus, laboratérios, — observatérios, bibliotecas etc., Faculdades de Cigncias, Letras, Filosofia, ‘uma Escola Normal Superior ¢ escolas técnicas, destinadas 40 preparo de outras profissdes, que exijam conhecimentos cientificos”."" A fundagio dessas escolas técnicas de nivel superior era © ponto reforgado por Barbosa de Oliveira Citando © exemplo dos Estados Unidos onde “escolas ‘éonicas para profiss0es industriais, agricolas e comerciais estavam incorporadas as universidades fazendo-as abranger “os diversos ramos da atividade humana”, Oliveira frisava a importancia do que chamava de “universidades industriais” 276 Marta Maria Chagas de Carvalho Tas universidades, bascadas na experincia alema da “Technische Hoheschule”, segundo entendia, traduziam “o justo aprego devido, pela atividade produtora em que vvivemos, aos altos conhecimentos técnicos reclamados pelas ‘grandes indistrias da civilizagio moderna”."”” ‘Tio claro apelo “modernizador” de subordinagao do censino superior a indstria moderna era compatibilizado no depoimento de Barbosa de Oliveira com as mais caras aspiragées catélicas. Depois de posicionar-se favoravelmente a existéncia de universidades confessionais,"” Oliveira profetizava © papel a ser desempenhado no futuro pela universidade brasileira, integrada num sistema de ensino ‘organizado desde a escola priméria: a ela caberia “uma fungdo augusta, qual a de formar um povo, criar a sua alma coletiva, inspirar os propésitos nobres © elevados nos individuos, ditigindo a sua ago social para assim dominar a ‘obra superior e multiforme da patria comum”.”* Tao augusta, fungdo ni poderia, entretanto, ser desempenhada seno com © concurso da “doutrina da Btema Verdade”. A guerra de 1914 e 0s “acontecimentos mundiais” de entio, 0 “problema social” exigiam que se criasse “uma opinigo publica sobre & fratemidade humana pela educagio individual”."* A “moral leiga” estava sendo cada vez mais desacreditada por sua “neficiéncia”. Somente “a doutrina de bondade, perdéo e amor ~ pregada pelo Divino Mestre” era capaz de “educar 0 ‘eariter no sactficio do interesse individual ao coletivo, & assim preparar as novas geragGes para um futuro melhor”. Molde Nacional e Férma Civica 27 NOTAS Silva, Heitor Lyra — “Discurso pronunciado na Associagio Brasileira de Educagio, a 19 de novembro de 1925", in Oliveira, C. A. Barbosa de et alli, In Memoriam Heitor Lyra da Silva. Rio de Janeiro, Mendonga, Machado & Cia, sd, p. 229, Idem, ibidem, pp. 232-233 Idem, ibidem, pp. 232-233 Idem, ibidem, pp. 232-233 [Em discurso de saudagio da Academia Carioca de Letras a Edgar Silssekind de Mendonga, Carlos Sssekind assim rememorava o epis6dio: “Na madrugada de 27. erompia, em Natal, © 20 mesmo tempo aqui, © chamado ‘movimento comunista’. Ao ssirdes do leito, pela manhé, 0 ignoréveis| totalmente, Chegado & nossa casa, em Copacabana, & hora do almogo, nem sabes dizer por que motivo os bondes tinhars retardado 0 seu percurso, Poi entre incrédulo e brincalho, que repetstes ter ouvido a um chauffeur que 0 3° Regimento de Infantaria do Exército se revoltara na Praga Vermelha. Dias depois, no entanto, a Policia vos preadia como um dos implicados na preparagdo do movimento E, durante mais de um 278 ‘Marta Maria Chagas de Carvalho ano, fiestes preso ~ a principio, no depésito promisevo da Poca Central ~ depois, na antiga Casa de Detengfo ~ mais tarde, « bordo do "Pedeo T”~ por fim com investigadores sempre vista, os hospitais da Policia Militar e da Fandago Gatée-Guinle (.9. Pare maior requinte de perversidade dos «que vos pensaram subjugar prendendo-vos, também vossa Ihuther soffeu as agrras do cérere™. CF ms informapbes sobre a atvidede pots e pedagégica de Bdgar Sussekind de Mendonga in Mendonga, gar c Carlos Sissckind de, Diseursos na Academia, separta de Cadernos, 21, da ‘Academia Carioca de Letras, Rio de Janeiro, 1953, pp. 75 a 167. ‘Ata da Sessio do Conselho Direlor da ABE, de 5 de setembro de 1927 em, idem, 19 desetemibro de 1927 Relata Armanda Alvaro Alberto: “A escola, om seus primeiros tempos, foi manda exclsivamente pela fim F. Venincio & Cin fabricantes do explosivo Rupr, em Meri, Decorido tum ano e pouce, em 1922, meificamos nosso plano ‘nical, fundando uma esi eseoler, para agua os moradres de Merit poderiam conteibui. Passados outos dois anos, em 1924, 0 Aesenvolvimento da caixa era tal que reslvemostransformé-a em Fundagio Dr, Alvaro Alber, agora com ts sqSes: Escola Regional de Mer, Biblioteca Bucldes da Cunha e Museu Regional de Meri, as duas Glimas destinadas a auxin a primeira ea espaar um pouco de culture ene os adultos” In ‘Alberto, Amanda Alvar, “Tentativa de Escola Moder”, in Alberto, Armanda Alvaro et ali, A Escola Regional’ de “Merit, Rio de Janz, MEC/INEPICBPE, 1968, . 40, ‘Veniinncio Fiho, Francisco -*A Escola Popalat" in Alberto, Armand Alvaro et ali opt, p28 Mendonga, Elgar SUssckind de ~ “A Escola Regional de ‘Meri in Alberto, Armanda Alvar, opt, p. 2. ier, idem p. 16 Molde Nacional e Férma Civica 279 dem, ibidem,p. 16 dernier, pp. 15 a 22. ‘A respeito deste “preceito de ordem social” que orientava & expergncia, Sissekind afirma: “A escola regional, centalizando a atividade local no que esta possui de mais nobre, leva esta vantagem sobre a escola urbana: nio tem concorrentes na sua obra desinteressada pelo bem ée todos, indisriminadamente, ¢ 0 contaste do. seu ideal com as proocupagies teraatera que a rodeiam derpertaré Solidaiedade da populagdo contre 0s males coletves. que ninguém vencera sem ela". Mendonga, Edgar Stsscknd de, ia Alberto, Armanda Alvar et ali op. cit, p.18 "dem, ibidem, pp. 16-17, "der ibider,p. 17. ern ibidem,p. 17 “A Associagio Brasileira de EducasHo nfo se apressou em pedir a atengio 0 apoio pblicos, de que, no entanto, precisa estencialmente para o éxito da vasissima obra de propaganda, de orientagio, de estudo, que se propde a realizar. (..) Urge, agora, coordenar, orientar esforgosi amparar, fortalecer inicitivasnascentes; estimular novos -empreendimentos”. Boletim da Associagio Brasileira de Educagio, Rio de Janeiro, n® 1, stembro de 1925, p. 1 * Labouriau, Fecdinando ~ “Sobre um Ministéio da Eucasio Nacional”, in Edueagéo, rpio da Diretoria Geral da Instugi0 bla e da Sociologia de Educagéo de Sio Paulo, Sio Paulo, rmargo de 1928, voll, 3, 9.235. ® der ibidem, pp. 235.0248, 2 Adem, ibider,p. 237 ® dean ibider, p. 237 ® Idem, ibider, p. 237. % Idem, ibider, p. 248. Idem, ibider,p. 237 % Idem, ibidem, pp. 237-238. 280 ‘Marta Maria Chagas de Carvalho Idem, ibidem,p. 238. Idem, ibidem,p. 240. Idem, ibidem,p. 240. Idem, ibider,p. 240. “Mendonga, Elgar Sissekind de op. cit, p. 22. “HA cem anos, 0 preceito constitucional velava pela pétria Sinica, com a escola tnica, A loucura do separatismo latente, que € esse regime de federacio desaticulada, golpeou no Ato por contaminagio americana, a previ legisladores: de 1824. A constitunte republicana coroeu a ccoesio nacional, firmando o principio da escola priméia regional, estreitada no emperro das pequenas pétrias com seus ditigentes, 0s seus costumes, seu exclusivisme, suas tradigbes, suas justigas, seus exércitos e suas bandeira”. Magalhiies, Femando —'"Discurso_na_ sesso solene promovida pela Diretoria da Instragio Publica Municipal, no Centenério da organizagdo do ensino primério no Brasil”, in Discursos, 3 série (1924-1929), Sao Paulo, Melhoramentos, 1930, p. 71 “A reforma consttucional de 1925, atropelada no desejo saténico de compressio, sacrificou, por um acordo de convenigncias, 0 advento da escola nica E para poder conspurear 0 lieralismo tradicional condenaram a nacionalizagfo do ensino primétio, gaantia nica da ingrid de intelectual e territorial do pats. E desta maneira celebramos hoje a sabedoria desprezada dos antepassados. Aproveitemos, ‘porém, esta hora para jurar a eruzada da unidade nacional pela ‘nificagio do ensino primério. E a nossa tarefa seré ensinar & ler esta imensa palavra ~ Brasil - too grande que seu eco se perde nas quebradas do infnito, mas ensinar a Ie-Ia numa s6 cexenga ¢ a olhar para um 6 destino”, In Magalhies, Fernando, op. cit, p. 72 “Mendonca, Edgar Sussekind de, op. eit, p. 21 “Eo que de excelente escreveram os senhores Francisco Venincio Filho e Edgar Sissekind de Mendonga sobre essa Molde Nacional e Férma Civica 281 tentativa muito interessante bem orientada da Escola Regional dde Merit. A nio ser aquele absurdo de ‘ego dando ligbes de ‘mor!’ para justficar © emprego da moral prtica, da moral leiga, em vee de moral religiosa, por um qualquer preconceito| de ant-clericlismo ow de liberalismo muito pouco realist, ‘muito pouco regionalista. Alids, €necesséro, por sua vez, que a necessidade de adaptaso da esvola as variedades de meios © de gentes, condigio primordial de sua efiescia, nfo degenere jstamente no que hé de acanhado © de perigoso no regionalismo, Defendendo-se da objegio, esereve o Sr. Edgar Sissekind de Mendonga que isso “é uma questio de coafianga re unidade brasileira’. Infelizmente, nesse assunto néo hé questdes de confianga e sim de desconfianga” Athayde, Tristio de (Aleeu Amoroso Lima) —“Condigo primondial de efit Jn Alberto, Armanda Alvaro etait, op. cit, p31 Cr. Mendonga, Carlos ¢ Edgar Sissekind de — Iniclando uma campanha contra a agio catdlica no Brasil, Rio de Janeiro, ed, dos autores, 1924, Rememora Carlos Siissckind no discumso jf referido de saudagio a Edgar: “Ao 6° Congresso Nacional de Fducagio, reunido em Fortaleza, em fevereiro de 1934, é que estaria, fentretanto, reservada a nota mais alta das vossas ativdades inelectuais no agitado periodo em que se realizov. AS discussées decortiam monétonas no trato das primeiras teses, ppuramente formais. Até que, em determinado dia, o Padre Hélder Camara pronuncia uma conferéncia sobre “O trago fundamental da escola cearense’ que era, @ seu ver, 0 de "ser fundamentalmente catlica.(..) O delegado do Espirito Santo Conferéncia, (..), 0 st Cito Vieira, assim que o Padre HElder acabou de falar, disse que ‘ndo compreendia permanecessem os cedueadoresindiferentes & questio religiosae, por isso, sugeria {que © Congresso enviasse & Assembléia Consttuinte um telegrama solicitando que os representantes da Nacio inclufssem na Consttuigo a ser promulgada o ensino religioso

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