Você está na página 1de 14

I.

Introdução:

Direito das Coisas é o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas entre
os homens, em face às coisas corpóreas, capazes de satisfazer às suas necessidades e
suscetíveis de apropriação. No Direito das Coisas estudaremos o que,
modernamente, denominamos Direitos Reais. Os Direitos Reais, juntamente com os
Direitos Pessoais estão inseridos na categoria dos Direitos Patrimoniais.

Os Direitos Reais atribuem ao titular poder de senhoria direto e imediato sobre a


coisa. No Direito Pessoal, o poder do titular atua sobre uma pessoa, o devedor, que
lhe deve fazer uma prestação de conteúdo econômico. Em ambos se configura uma
relação jurídica: no Direito Real, ela se estabelece entre seu titular e todas as demais
pessoas que, indistintamente, estão obrigadas (obrigação passiva universal) a não
praticar ato que o turbe na utilização de seu direito; no Direito Pessoal, a relação
jurídica é a que existe entre o titular do Direito Subjetivo (o credor) e uma pessoa (o
devedor).

Os Direitos Reais estão protegidos por ações reais (actiones in rem) que se intentam,
não contra uma pessoa determinada (devedor),como sucede no Direito Pessoal, mas
contra quem quer que tenha turbado a sua utilização (erga omnes). Os Direitos Reais
outorgam ao titular a faculdade de seqüela, isto é, de perseguir a coisa nas mãos de
quem quer que a detenha e dão ao titular a faculdade de preferência, ou seja, o poder
de afastar todos aqueles que reclamem a coisa com base ou em Direito Pessoal ou
em Direito Real posterior ao dele.

Além disso, vigora, em Direito Romano, o princípio de que os Direitos Reais


constituem um numerus clausus (número fechado), isto é, só são Direitos Reais os
criados pelas diferentes fontes de Direito, não havendo assim, a possibilidade de os
particulares, por acordo de vontade, criarem Direitos Reais de tipo novo.

Entretanto, uma outra corrente de civilistas, inspirados na jurisprudência francesa,


sustenta ser livre às partes atribuírem realidade a direitos resultantes de convenções
havidas entre elas, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons
costumes. !!!!!!!!!!!!!!!

Entre nós, há ainda alguma controvérsia, questionando-se o fato da enumeração do


artigo 674 do Código Civil ser meramente exemplificativa ou, ao contrário, de ser
taxativa. Porém esta enumeração pode ser ampliada pelo legislador quando lhe
parecer mais conveniente admitir outro Direito Real.

Os jurisconsultos romanos não conheceram esses dois conceitos - Direito Real e


Direito Pessoal. A própria denominação ius in re com a qual se designam os Direitos
Reais não se encontra com esse sentido nas fontes. A distinção que hoje fazemos
entre esses dois direitos, os romanos a faziam no plano processual, com a dicotomia
actio in rem - actio in personam (ação real - ação pessoal). Partindo desta distinção,
os autores do Direito Intermédio formularam os conceitos de Direito Real e Direito
Pessoal.

O Direito Real pode ser classificado, quer tendo em vista o objeto sobre que recai,
quer tendo em vista a sua finalidade.

Quanto ao objeto:

Direito de Propriedade;

Direito Real sobre Coisa Alheia (iura in re aliena).

Quanto a finalidade:

Direito Real de Gozo;

Direito Real de Garantia: penhor, hipoteca, anticrese.

Segundo o já referido artigo 674 do Código Civil, são Direitos Reais: propriedade,
efiteuse, servidões, usufruto, uso, habitação, rendas expressamente constituídas
sobre imóveis, penhor, anticrese e hipoteca.

Na exposição que se segue, examinaremos um instituto que não é um direito, mas


um fato - a posse (possessio), um elemento de grande importância na aquisição dos
Direitos Reais.

II. Conceito e Natureza Jurídica da Posse:

A palavra possessio provém de potis, radical de potestas, poder; e sessio, da mesma


origem de sedere, significa estar firme, assentado. Indica, portanto, um poder que se
prende a uma coisa.

Os romanos já distinguiam claramente a posse do Direito de Propriedade. A


jurisprudência romana elaborou o conceito de posse com base na proteção pretoriana
(pretor - magistrado da Roma Antiga), que, por sua vez, data do início do século II
a.C..

A posse consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor,


criando mera relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A
propriedade é a relação entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade objetiva da
lei, implicando um poder jurídico e criando uma relação de direito.

Entre os modernos há duas teorias importantes:


Teoria de Savigny (subjetiva):

A posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e


defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois
elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico
sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a
coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi.

Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o
corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não
existe posse, mas mera detenção.

Teoria de Ihering (objetiva):

Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica


veementemente Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante,
pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o
proprietário age em face da coisa de que é possuidor.

A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário,
explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral,
quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase
sempre o legislador está protegendo o proprietário.

Concluindo, protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o


possuidor é o proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações
possessórias. Enquanto a ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação
possessória é a propriedade na defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um
complemento à defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o
proprietário ficar dispensado da prova de seu domínio.

É verdade que, para se facilitar ao proprietário a defesa de seu interesse, em alguns


casos vai o possuidor obter imerecida proteção. Isso ocorre quando o possuidor não
é o proprietário, mas um intruso. Como a lei protege a posse, independentemente de
se fundamentar ou não em direito, esse possuidor vai ser protegido, em detrimento
do verdadeiro proprietário.

Ihering reconhece tal inconveniente. Mas explica que esse é o preço que se paga, em
alguns casos, para facilitar o proprietário, protegendo-lhe a posse.

O Código Civil adotou a teoria de Ihering no artigo 485 que, caracterizando a pessoa
do possuidor, fornece os elementos para extrair-se o conceito legal de posse:
“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de
algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.”
Quanto a natureza jurídica da posse, sustenta Savigny que a posse é ao mesmo
tempo um direito e um fato. Considerada em si mesma é um fato; considerada nos
efeitos que gera, isto é, usucapião e interditos, ela se apresenta como um direito.

Para Ihering, a posse é um direito. Partindo de sua célebre definição de direito


subjetivo, segundo a qual aquele é o interesse juridicamente protegido, é evidente a
natureza jurídica da posse.

CLOVIS BEVILÁQUA A CONSIDERA UM DIREITO ESPECIAL POIS ORA SE


CONFUNDE COM DIREITO REAL OUTRA COM DIREITO OBRIGACIONAL..
ESTA É A TEORIA ADOTADA PARA EXPLICAR A NATUREZA JURÍDICA
DA POSSE.!!!!!1

Entretanto não são poucos os juristas que negam à posse a natureza de um direito.
Aliás, não se pode considerar a posse Direito Real, porque ela não figura na
enumeração do artigo 674 do Código Civil e segundo Silvio Rodrigues aquela regra
é taxativa e não exemplificativa, tratando-se aí de numerus clausus.

III. Espécies e Qualificações da Posse

1. Posse Direta e Indireta:

O Direito Civil moderno distingue a posse, quanto ao seu exercício, em direta e


indireta.

Diz-se indireta a posse quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade
a detenção da coisa, continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a
outrem a posse direta.

Há um desdobramento da relação possessória. O Código Civil em seu artigo 486 nos


mostra que o usufrutuário, o depositário, o credor pignoratício, o locatário e o
comodatário são possuidores diretos, pois todos detêm a coisa que lhes foi
transferida pelo dono, mas este, ao transferir a coisa, conservou a posse indireta, por
força de seu direito dominial.

Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a


possibilidade de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante
terceiros, além de conceder-lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se
necessário for.

2. Composse:

Desde o Direito Romano, decorre a TAMBEM CHAMADO DE


CONDOMÍNIO.simultaneidade da existência da posse por mais de um possuidor,
desde que o exercício por mais de um compossuidor não impeça o exercício por
parte do outro. Assim, os romanos não admitiam a possessio in solidum, ou seja, que
várias pessoas possuíssem a mesma coisa sem recíprocas limitações.

A composse no Direito moderno não se alterou muito. O nosso Código Civil, por
exemplo, em seu artigo 488 afirma: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa
indivisa ou estiverem no gozo do mesmo direito, poderá cada uma exercer sobre o
objeto comum atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros
compossuidores.”

Desta forma, os cônjuges no regime de comunhão de bens (compossuidores sobre


patrimônio comum) e os condôminos que são compossuidores podem reclamar a
proteção possessória caso sejam turbados, esbulhados, ou ameaçados em sua posse,
contra terceiros ou mesmo seus consortes.

3. Posse Justa e Posse Injusta: (vícios objetivos)

Tanto no Direito Romano como no Direito moderno, os conceitos de posse justa e


injusta se fundamentam na presença ou não dos vícios da posse (INJUSTA):
clandestinidade, violência e precariedade. A POSSE JUSTA NÃO POSSUI VÍCIO
ALGUM E É TOTALMENTE LÍCITA

A posse é clandestina quando alguém ocupa coisa de outro às escondidas, sem ser
percebido, ocultando seu comportamento E CONHECE A PESSOA QUE ESTÁ
LESANDO. RETIRADA AFORÇA COM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSSE.. A rigor, este caso não pode ser caracterizado como posse, pois se opõe à
conceituação de exteriorização de domínio, onde a publicidade se faz mister para sua
existência.

4. Posse de Boa Fé e Posse de Má Fé:

Desde a época dos romanos (possessio bonae fidei e possessio malae fidei), esta
classificação é feita sob um ângulo subjetivo do possuidor, a fim de se examinar a
sua posição psicológica em face da relação jurídica.

O nosso Código Civil atual, por exemplo, em seu artigo 490, prescreve: “É de boa fé
a posse, se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da
coisa, ou do direito possuído”; e em seu parágrafo único: “O possuidor com justo
título tem por si a presunção de boa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei
expressamente não admite esta presunção FRUTO DE ERRO DESCULPAVEL”.
Do disposto, vemos que será a posse de má fé quando o possuidor a exercer a
despeito de estar ciente de que esta é clandestina, precária, violenta, ou encontra
qualquer outro obstáculo jurídico à sua legitimidade e mesmo assim age.
Vemos ainda que o legislador presume posse de boa fé quando o possuidor tem o
título hábil para conferir ou transmitir direito à posse, como a convenção, a sucessão,
ou a ocupação segundo Clóvis Beviláquia. Tal presunção, entretanto, admite prova
em contrário, cabendo o ônus da prova à parte reclamante.

A importância da distinção entre uma espécie de posse e a outra é muito


significativa, tendo em vista a variedade de seus efeitos no que tange aos frutos
percebidos, benfeitorias, etc.

Para tal aplicação faz-se necessário identificarmos o instante da cessação da boa fé.
Segundo o artigo 491 do nosso Código Civil: “A posse de boa fé só perde este
caráter, no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o
possuidor não ignora que possui indevidamente”. Portanto a posse de boa fé se
transforma em posse de má fé ao tomar o possuidor conhecimento do vício que
infirma sua posse, tendo a parte adversa o ônus de demonstrar as circunstâncias
externas capazes de provar tal questionamento.

Cabe ressaltar aqui que a jurisprudência dominante entende que, havendo dúvida
quanto à época em que a posse se tornou viciosa, o melhor critério é fixá-la a partir
da data da propositura da ação, quando os efeitos de corrente da sentença acolhida
retroagem a esta data.

5. Posse Nova e Posse Velha

O legislador atual distingue ambas com o intuito de consolidar a situação de fato,


que possa remir a posse dos vícios da violência e clandestinidade, como fora
mostrado anteriormente, ou seja, o prazo de ano e dia.

Assim, a posse é considerada velha quando ultrapassar este lapso de tempo (e do


contrário, nova será) o que, conforme o Código Civil, artigo 508, dá ao possuidor a
manutenção de sua posse, sumariamente, até que seja convencido pelos meios
ordinários.

IV. Aquisição e Perda da Posse:

De acordo com o Direito Romano a aquisição de posse ou início de posse, se dá


quando concorrem os seus dois elementos constituintes: fato externo - o corpus
( apreensão) e um fato interno - animus (intenção), isto é, quando ocorre um ato
material ligado a uma certa vontade.

A princípio o corpus deve manifestar-se na apreensão material da coisa, ou seja, que


se entre em contato material com a coisa, porém, os jurisconsultos vão
espiritualizando esse contato e admitem, por exemplo, que haja tomada de posse
com a simples entrega das chaves de um celeiro ou, que preencha o requisito de
corpus aquele que armou a armadilha em que caiu o animal, antes mesmo de saber
da existência da presa.

Quanto ao animus, vimos que Savigny entendia que era o animus domini (intenção
de ser proprietário), e Ihering entendia que era a simples consciência de ter a coisa
consigo (affectio tenendi). Modernamente, os romanistas acreditam que essas duas
correntes não levaram em conta a evolução do Direito Romano. Assim, analisando
através do Direito Clássico, temos que o animus é visto como a intenção de
assenhorar-se completamente da coisa, tendo sobre ela poder de fato exclusivo e
independente (animus possidendi); e o possessio naturalis (a simples detenção) não
exige esta intenção, bastando apenas o elemento físico (o corpus). Já no Direito Pós-
Clássico o animus passa a ser para a posse o elemento preponderante, e no Direito
Justinianeu, prevalece o animus domini.

Embora, em regra, seja o próprio possuidor que inicie por si a posse, esta também
pode ser adquirida por meio de representantes, existindo então o corpus por outrem,
que detém a coisa em lugar do que tem o animus de possuí-la. No início o pater
familias adquiria a posse por meio do filho ou do escravo, que aparecem como
instrumentos de sua vontade, mais tarde, a posse pôde ser adquirida por meio de um
procurador, depois por terceiro (corpore alieno) e finalmente, por meio de qualquer
estranho (per liberam personam), desde que houvesse a ratificação da pessoa em
favor de quem a posse era iniciada.

É importante salientar que o detentor não pode transformar a detenção em posse sob
a alegação de que passou a ter o animus possidendi, pois, no Direito Romano
vigorava a regra de que a ninguém é dado, por si, mudar a causa de sua posse.

O Código Civil no seu artigo 493 dispõe sobre os modos de aquisição de posse nos
seguintes casos:

Pela apreensão da coisa ou pelo exercício do direito.

Pelo fato de se dispor da coisa ou do direito.

Por qualquer dos modos de aquisição em geral.

Segundo Silvio Rodrigues, é de pouca utilidade esta enumeração, pois se a posse é


uma situação de fato e se o possuidor é aquele que exerce poderes inerentes ao
domínio é evidente que quem quer que se encontre no exercício de tais poderes é
porque adquiriu a posse. E outra, se é possível adquirir a posse por qualquer dos
modos de aquisição em geral (inciso III), isso torna inútil a enumeração feita nos
incisos I e II. A lei foi mal redigida.

Os modos de aquisição da posse também podem ser classificados :


Tendo em vista a manifestação da vontade do agente: por ato unilateral, que são os
casos de apreensão, de exercício do direito e de dispor da coisa ou do direito; ou ato
bilateral, que é o caso da tradição, isto é, a transferência da posse de um possuidor a
outro. A apreensão pode recair sobre coisa sem dono, com também sobre coisas de
outrem, mesmo sem a anuência do proprietário.

Tendo em vista a origem da posse: distingue-se em originária, quando não há relação


de causalidade entre a posse atual e a anterior (sem vícios anteriores); ou derivada
quando acontece o contrário (com vícios anteriores). A regra está no artigo 492 do
Código Civil, que presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida;
e, aplicação prática dessa regra se vê no artigo 495 do mesmo código, que encarando
a sucessão causa mortis, determina transmitir-se a posse com os mesmos caracteres,
aos herdeiros e legatários do possuidor.

Vemos a influência marcante do Direito Romano na legislação, quando o artigo 494


do Código Civil declara poder a posse ser adquirida:

Pela própria pessoa que a pretende.

Pelo seu representante ou procurador.

Por terceiro, sem mandato, dependendo de ratificação .

Pelo constituto possessório.

A disposição mais importante desse artigo é a do inciso III, que possibilita a


aquisição de posse por terceiro sem mandato, desde que ratificado o ato; e, o inciso
IV se refere ao constituto possessório, que ocorre quando aquele que possuía em seu
próprio nome , passa a possuir em nome de outrem.

No Direito Romano em geral se perde a posse (término da posse) quando desaparece


um ou os dois elementos constitutivos: animus e corpus. Desta forma, a posse
termina quando o possuidor abandona a coisa a terceiro; ou perde, contra a sua
vontade, o poder de fato sobre a coisa; ou, embora continue a ter contato com a
coisa, não mais a quer possuir.

Em alguns casos, excepcionalmente a posse se conserva mesmo não tendo o corpus,


ou o animus. Estas atenuações eram admitidas mesmo no período clássico pelos
jurisconsultos. O caso de ocupação clandestina do imóvel não acarretava a perda
imediata da coisa pelo possuidor; também não terminava a posse se o possuidor se
separasse brevemente da coisa, nem ocorria o término imediato da posse quando
morria o locatário, por meio de quem o locador possuía. No caso dos terrenos
destinados a pastagens hibernais ou estivas (saltus hiberni et aestivi), o possuidor
não deixava de o ser na restante parte do ano, em que se afastou deles. Da mesma
forma, a loucura do possuidor não ocasionava o término da posse, e por fim, do
mesmo modo o senhor conservava a posse do escravo fugitivo.

Já no Direito Justinianeu, não há apenas atenuações, como no Direito Clássico, mas


sim, a idéia de que a posse pode conservar-se unicamente pelo animus (animo solo),
onde a posse não terminava com a perda apenas do corpus. Neste caso, com a prisão
na guerra do possuidor conservava-se a posse, ao contrário do que ocorria no Direito
Clássico. No entanto, se uma pessoa fosse desapossada violentamente de uma coisa
e se mostrasse impotente para recuperá-la, deixava de ser possuidora.

O Código Civil atualmente prevê a perda da posse das coisas em algumas situações,
de acordo com o seu artigo 520:

Pelo abandono.

Pela tradição.

Pela perda ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio.

Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi
manutenido, ou reintegrado em tempo competente.

Pelo constituto possessório.

Entretanto, a enumeração acima jamais poderá ser completa, cumprindo encará-la


como meramente exemplificativa. Neste artigo, como no da aquisição da posse, o
legislador se esquece que adotou a teoria de Ihering e deixa-se influenciar por
Savigny, enumerando as possibilidades em que o possuidor adquire ou perde a
posse, de acordo com a presença do corpus e/ou do animus.

V. Os Efeitos da Posse

Os efeitos da posse são as conseqüências jurídicas por ela produzidas. São eles:

a proteção possessória;

a percepção dos frutos;

a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa;

a indenização por benfeitorias e o direito de retenção para garantir seu pagamento;

o usucapião.

1. Proteção possessória:
De todos os efeitos da posse, o mais importante é a proteção possessória. A proteção
possessória consiste no consentimento de meios de defesa da situação de fato, que
aparenta ser uma exteriorização do domínio. Para facilitar a defesa de seu domínio, a
lei confere ao proprietário proteção, desde que prove que está ou estava na posse da
coisa, e que fora esbulhado ou esteja sendo perturbado. Este não precisa recorrer ao
juízo petitório, basta-lhe o ingresso em juízo possessório. Normalmente, o juízo
possessório não ajuda alegar o domínio; já no juízo petitório, a questão de posse é
secundária.

Normalmente, a defesa do direito violado ou ameaçado se faz através de recurso ao


Poder Judiciário. Contudo, há casos em que a vítima tem a possibilidade de
defender-se diretamente (defesa legítima) com seus próprios meios, contanto que
obedeça aos requisitos legais. Porém, a reação deve seguir imediatamente à agressão
e deve se limitar ao indispensável, ou seja, os meios empregados devem ser
proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso culposo.

As ações possessórias são fundamentalmente três:

A ação da manutenção de posse - concedida ao possuidor que, sem haver sido


privado de sua posse, sofre turbação. Através do interdito, pretende obter ordem
judicial que ponha termo aos atos perturbadores.

A ação de reintegração de posse - concedida ao possuidor que foi injustamente


privado de sua posse.

O interdito proibitório - concedido ao possuidor que, tendo justo receio de ser


molestado ou esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado contra a violência
iminente. Pede, portanto, ao Poder Judiciário que comine a quem o ameaça pena
pecuniária para o caso de transgressão do preceito.

Outras ações possessórias:

Imissão na posse: o proprietário, através da transcrição de seu título, adquire o


domínio da coisa que o alienante, ou terceiros, persistem em não lhe entregar;

nunciação de obra nova: impede que nova obra em prédio vizinho prejudique o
confinante;

embargos de terceiro senhor e possuidor: o legislador confere a quem, a fim de


defender os bens possuídos, não sendo parte no feito, sofre turbação ou esbulho na
posse de seus bens, por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda
judicial, arrecadação, partilha, ou outro ato de apreensão judicial.
Ações possessórias no Direito Romano: No Direito Romano, a posse era defendida
por interditos possessórios que visavam, alguns, a conservação da posse e outros sua
recuperação.

interdita retinendae possessionis causa:

Visava a conservação da posse tendo caráter proibitório e duplo pois o pretor


instituía proibição tanto ao possuidor quanto ao proprietário. Subdividia-se em :

interdito uti possidetis

Visava a conservação da posse não violenta, clandestina ou precária de coisa imóvel.


Poderia, excepcionalmente, acarretar a recuperação da posse ao ex-possuidor
esbulhado através de outro interdito: exceptio uitiosae possessionis (exceção de
posse viciosa) - se o possuidor violento, clandestino ou precário, molestado pelo
antigo possuidor esbulhado por ele e que tentara recuperar a posse, requeria ao
pretor um interdito uti possidetis contra o esbulhado, este podia opor exceptio
uitiosae possessionis e, demonstrando o vício da posse recuperava-a.

b) interdito utrubi

Visava a conservação da posse de coisa móvel. A princípio, estendia-se somente a


posse de escravos, passando posteriormente a abranger todas as coisa móveis cuja
posse não fosse viciosa. Protegia apenas o possuidor que, no ano em curso, tivesse
possuído por mais tempo a coisa em disputa.

Interdita reciperandae possessiones causa

Visava a recuperação da posse e subdividia-se em três interditos:

a) interdito unde ui

Reintegrava a posse a quem a perdeu violentamente e subdividia-se em dois


interditos, conforme a natureza da violência:

a.a) ui cotidiana

Em caso de violência comum. Válida para coisa imóvel incluindo todas as coisas
imóveis nela presente. Os requisitos para valer-se deste interdito eram:

requerê-lo dentro de um ano;

que o desapossador ou seus escravos tivessem cometido violência;

que o desapossado não tivesse posse viciosa em relação ao desapossador.


a.b) ui armata

Em caso de violência extraordinária. Para valer-se deste interdito era necessário que
tivesse havido uis armata (ação violenta por homens armados).

b) interdito de precário

Defendia o proprietário quando este, tendo concedido a posse da coisa a alguém a


título provisório, solicitava sua restituição e esta lhe era negada pelo precarista.

c) interdito clandestina possessionis

Visava a recuperação do imóvel ocupado clandestinamente por terceiro.

Interdictum momentariae possessionis

Concedido ao possuidor para recuperar provisória, mas imediatamente a posse


podendo ser utilizado até trinta anos após o ocorrido.

A posse das servidões:

Basicamente só se admite a posse das servidões contínuas e aparentes, porque sendo


a posse uma exteriorização do domínio, só as servidões aparentes, que também
sejam contínuas, é que oferecem condições de publicidade compatíveis com a noção
de posse.

2. A percepção dos frutos:

Sendo vencedor na ação reivindicatória, o proprietário reivindicante tem o direito de


receber do possuidor vencido a coisa reivindicada. Porém, indaga-se qual o destino
dos frutos pendentes ou das benfeitorias realizadas na coisa durante a posse, e, por
outro lado, o prejuízo pelos estragos e deteriorações experimentadas pela coisa
principal no período. Para solucionar estas questões, o legislador deve verificar se o
possuidor agia de má ou boa fé.

3. A responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa:

Também aqui é diferente a atitude do legislador, conforme a natureza da fé do


possuidor.

Caso o possuidor tenha agido de boa fé, a lei determina que ele não responde pela
perda ou deterioração da coisa a menos que tenha sido culpado. Entretanto, o
possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da coisa em todos os casos,
mesmo que decorrentes do fortuito ou força maior, só se eximindo com a prova de
que se teriam dado do mesmo modo, ainda que a coisa estivesse em mãos do
reivindicante.

4. As benfeitorias e o direito de retenção:

Ainda quanto às benfeitorias, o legislador discrimina entre o possuidor de boa e má


fé. O primeiro tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis,
podendo levantar as voluptuárias que não lhe forem pagas e que admitirem remoção
sem detrimento da coisa. Pelo valor das primeiras, poderá exercer o direito da
retenção, conservando a coisa alheia além do momento em que a deveria restituir.
Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias, porque
estas deviam ser efetuadas estivesse a coisa nas mãos de quem quer que fosse, sob
pena de deterioração ou destruição. Entretanto, ele não adquire o direito de retenção
para garantir o pagamento de referida indenização.

O usucapião:

É o modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por


determinado espaço de tempo, fixado na lei. O usucapião será estudado nos
trabalhos referentes à propriedade, pois este efeito da posse se fundamenta no
propósito de consolidação da propriedade.

VI. Conclusão:

De acordo com o exposto neste trabalho, percebemos que a posse deriva de idéias
primitivas extraídas do Direito Romano e que este direito influenciou decisivamente
nossos legisladores na elaboração do Código Civil Brasileiro, base da relação do
direito entre particulares.

Como vimos, a questão da posse, apesar de ser um tema antigo, ainda hoje é de
grande importância, principalmente no Brasil, um dos poucos países que não
realizou a reforma agrária. Diariamente, temos notícia de manifestações dos sem-
terra e da política agrária do atual governo. Mais recentemente, acompanhamos com
especial atenção à marcha dos sem-terra em Brasília, que avivou ainda mais a
discussão da posse da terra e trouxe a tona a dificuldade na realização desta reforma
devido a leis ainda ineficientes.

Torna-se necessário salientar que toda legislação a respeito da posse atende a uma
preocupação de interesse social , e não apenas ao intuito de proteger a pessoa do
possuidor. É importante destacarmos também que a propriedade, segundo o artigo 5º
inciso XXXIII da nossa Constituição Federal, atenderá a sua função social. Aí está a
base de toda a reforma agrária, afinal não podemos esquecer dos milhares de
hectares de terras improdutivas que existem de norte a sul do país, propriedades
rurais que não atendem a sua função social como podemos constatar no artigo 186
desta mesma Constituição, o qual enumera os requisitos para a observância desta
função.

Portanto, o que se pode constatar é que tanto a sociedade como o Poder Público
devem ajudar nesta luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra - MST, de
forma a tornar as leis eficientes e vigentes. A questão é provar que, em um país que
possui a extensão e a vocação agrícola como o Brasil, é, no mínimo, incoerente
manter inutilizadas terras que poderiam alimentar milhares de pessoas, evitando
assim o êxodo rural para as grandes cidades já tão repletas de problemas e
diminuindo consideravelmente o número de desempregados, viabilizando, deste
modo, o desenvolvimento nacional.

Você também pode gostar