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Livro Liberalismo e Democracia do autor Norberto Bobbio

Resumo:

01 – A liberdade dos antigos e dos modernos

Por liberalismo se entende a concepção de um Estado com poderes e funções limitados.


Por democracia se entende uma das várias formas de governo, principalmente aquela
em que o poder não está nas mãos de um só ou de alguns poucos, mas relativamente na
mão de todos. Um Estado liberal não é necessariamente democrático, assim como um
Estado democrático não dá vida necessária a um Estado liberal.

A liberdade dos antigos se baseava na preocupação com a distribuição do poder político


entre todos os cidadãos, já a dos modernos é a garantia da segurança de direitos
estabelecidos através das instituições sociais.

02 – Os direitos do homem

Todos os homens têm por natureza, independentemente de sua vontade própria, certos
direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade,
direitos esses que o Estado deve respeitar. O jusnaturalismo é a doutrina segundo a qual
existem leis não postas pela vontade humana, das quais derivam direitos e deveres que
são naturais.

A doutrina dos direitos do homem é considerada a racionalização póstuma do estado de


coisas que conduziu a luta entre a monarquia e outras forças sociais, que provocou a
concessão e proteção, por parte do Estado soberano, por meio de um pacto entre as
partes, da tão buscada liberdade, e que foi ainda protegida por ele. É um pacto feito de
uma relação entre dever de proteção e dever de obediência, cujo objetivo principal são
as formas e os limites da obediência e do direito de comandar. Nesse acordo temos a
importante figura da concessão, que é um ato unilateral, embora seja provocado pela
realização de um acordo bilateral, tendo como objetivo salvaguardar o princípio da
superioridade do rei, assegurando essa forma de governo.

Nasce aí o Estado liberal, que aos poucos vai diluindo os poderes monárquicos até uma
ruptura total, através de revoluções, quando esse Estado é justificado por um acordo
entre indivíduos livres que convencionaram estabelecer os vínculos estritamente
necessários a uma convivência pacífica e duradoura.

Os direitos naturais estão ligados à teoria do contrato social, pois a legitimidade do


poder político está condicionada ao consenso dos que estão submetidos ao poder do
dirigente do Governo. O que há de comum entre eles é que partem do princípio de que
em primeiro lugar está o indivíduo singular e depois a sociedade, ao contrário do que
sustenta o organicismo, que é representado pelo contratualismo moderno, que faz da
sociedade não mais um fato natural, mas sim artificial, criado pelos indivíduos para a
satisfação de seus interesses.
3 – Os limites do poder do Estado

O Estado limitado é compreendido sobre dois aspectos distintos que são os limites das
funções do Estado e os limites dos poderes do Estado, em que o liberalismo é uma
doutrina desse tipo de Estado. A noção corrente que representa o primeiro é o Estado de
direito, que se contrapõe ao Estado absoluto, e o segundo é o Estado mínimo,
contrapondo-se ao Estado máximo, embora possa ocorrer no liberalismo tanto um
Estado de direito não mínimo e também um Estado mínimo que não seja de direito.

Estado de direito é aquele em que os poderes públicos estão sujeitos à regulamentação


legal, onde há a superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens. Na
doutrina liberal do Estado, os direitos naturais foram constitucionalizados, onde todos
os mecanismos constitucionais são usados para coibir arbitrariedade e ilegitimidade do
poder, tais como o controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo, controle
do parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por parte do judiciário, que
decide sobre a constitucionalidade das leis, certa autonomia do governo local em todas
as suas formas em relação ao governo central, e o Poder Judiciário independente do
poder político.

4- Liberdade contra o poder

A liberdade é garantida pelos mecanismos constitucionais no Estado de direito, onde


essa liberdade conflitua com o poder, na medida em que o poder de um indivíduo é
limitado pela liberdade de outro, na chamada liberdade negativa, contribuidora para a
manutenção da ordem pública.

O controle de abusos de poder é fácil na medida em que é menor o poder de intervenção


do Estado, que deve se interferir o mínimo possível na esfera de ação dos indivíduos,
que tem o Estado como um mal necessário.

O Estado liberal surge, então, a partir da progressiva extensão dos direitos de liberdade
dos indivíduos, emancipados do Estado, nas esferas religiosa e econômica. Ao mesmo
tempo, esse Estado liberal contrapõe-se aos tipos de governo paterno e patronal.

As tarefas do Estado estão limitadas a defender a sociedade contra os inimigos externos,


proteger os indivíduos das ofensas uns dos outros, e viabilizar obras públicas inviáveis
através da iniciativa privada. Dessa forma o Estado é o meio pelo qual os indivíduos
alcance seus objetivos individuais.

5 – O antagonismo é fecundo

A doutrina liberal receber importância também pelo fato de suscitar o antagonismo, pois
enquanto o Estado paternalista, que intervém além de suas ideais funções, provoca nos
indivíduos um comportamento uniforme que prejudica a natural variedade dos caráteres
e das disposições, o Estado liberal estimula os homens a perseguir algo que os façam
completamente diverso, provocando atividade e variedade. É o antagonismo que é
fecundo, contrapondo ao organicismo, pois o contraste entre os indivíduos e grupos
concorrentes entre si traz benefício ao progresso da humanidade em vários
aspectos.Entende-se por antagonismo a concorrência entre os indivíduos na busca da
satisfação de seus interesses, não apenas econômicos, mas também moral.

6 – Democracia dos antigos e dos modernos

O liberalismo é moderno como teoria do Estado, enquanto a democracia é antiga, como


forma de governo. Desde a democracia praticada na Grécia antiga, até a atualidade, a
democracia foi adotada com bastante diversidade. A diferença entre a democracia dos
antigos e a dos modernos é o modo como que os direitos são exercidos. Enquanto os
antigos praticavam uma democracia direta, os modernos praticam a democracia
representativa.

A liberdade na democracia representativa acaba por ser praticada pela maioria dos
indivíduos somente nas eleições, após elas, tornam a ser subaltenos. Na verdade uma
democracia verdadeira não é possível com um Estado grande, e não existe Estado
suficientemente pequeno capaz de implantar uma democracia direta.

É feito todo um esforço para pregar que a democracia representativa não enfraquece o
princípio do governo popular, tal é a preocupação que se faz estabelecer nos textos
constitucionais as afirmações de que todo o poder do Estado é emanado do povo e que
os magistrados tem suas responsabilidades perante ele.

Considerando que os representantes estão em condições melhores que os próprios


cidadãos de avaliar quais seriam os melhores interesses para toda a sociedade, a
democracia representativa se sustenta como a mais perfeita para se atingir sua
finalidade. Não se pode é deixar estabelecer um mandato vinculatório, no qual os corpos
coletivos da sociedade, através de seus delegados, transmitem ao chefe do Executivo,
suas reivindicações particulares, ferino o princípio da representatividade coletiva.

7 – Democracia e igualdade

A democracia dos antigos não conhecia a doutrina dos direitos naturais nem o dever do
Estado de limitar sua própria atividade ao mínimo necessário para a sobrevivência da
sociedade. Também o liberalismo dos modernos não reconhecia o governo popular, e
fazia restrições ao sufrágio. Porém a democracia dos modernos é bem compatível com o
liberalismo.

Há uma democracia formal e outra substancial, sendo a primeira conhecida como


democracia de um governo do povo, ligada historicamente à formação do Estado liberal,
já a segunda como democracia de um governo para o povo. Essa faz com que as
relações entre liberalismo e democracia sejam bastante complexas,
necessitando resolver-se juntamente o problema das relações entre liberdade e
igualdade, que são valores antitéticos, pois a realização de um implica na limitação do
outro.

A finalidade do liberal é a ampliação da personalidade individual; já a do igualitário é o


desenvolvimento da comunidade em seu conjunto, mesmo que seja necessário diminuir
a liberdade individual. A igualdade na liberdade é fundamental na doutrina liberal e
inspira dois princípios fundamentais, que são o da igualdade perante a lei e o da
igualdade dos direitos. Princípios esses que prevaleceram por toda a história do
constitucionalismo moderno.

8 – O encontro entre liberalismo e democracia

Até aqui, percebemos que liberalismo e democracia estão fadados a não se encontrar.
Mas se considerarmos o uso desses termos na construção política de uma sociedade, na
maneira de conceber a soberania popular, onde temos a maior extensão dos direitos
políticos ao extremo, com pequenas e racionais exceções, veremos que no sufrágio
universal o liberalismo se encontra com a democracia, pois nos direitos políticos está o
complemento dos direitos de liberdade.

A preservação dos direitos invioláveis da pessoa é fundamental para o bom


funcionamento da democracia, que é necessária para a existência do Estado liberal. A
partir do momento que temos a livre e espontânea vontade dos indivíduos na direção
das urnas para expressar seus desejos e opiniões, além das liberdades de imprensa, de
reunião, de associação e das demais liberdades fundamentais na constituição de um
Estado liberal, temos a união do liberalismo com a democracia. Se por um lado os
direitos de liberdade foram condições para o estabelecimento da democracia, por outro a
democracia é instrumento de defesa dos direitos de liberdade.

9 – Individualismo e organicismo

O indivíduo é a conexão do liberalismo à democracia. O organicismo, que tem o Estado


como um corpo composto de pequenas partes que lhe dão vida, e o individualismo, que
considera o Estado um conjunto de indivíduos em atividades que os relacionam,
formam a dicotomia que domina a história do pensamento político. Para o organicismo
o todo precede à parte, enquanto para o individualismo os indivíduos se unem para
forma o todo que os protegerá.

A doutrina liberal está assentada no organicismo, pois considera o Estado uma


totalidade superior às partes, onde os interesses públicos estão acima dos interesses
individuais, portanto não atribui nenhuma autonomia aos indivíduos. E na democracia,
que se funda sobre uma concepção descendente do poder, tem-se como fundamento o
organicismo, findando-se, ao contrário, sobre uma concepção ascendente do poder, mas
inspirada nos modelos autocráticos de governo.

Mesmo que o liberalismo e a democracia sejam concepções individualistas, os interesse


defendidos por uma são diferentes aos defendidos pela outra, tornando necessária sua
combinação. Na primeira, o indivíduo é colocado à prova de sua individualidade, para
que se forme e se desenvolva intelectual e moralmente em condições máximas de
liberdade; na segunda institui um poder comum que é capaz de superar o isolamento
através de alguns expedientes.
10 – Liberais e democrátas no século XIX

A história do Estado liberal passa pela substituição do governo absolutista ao governo


constitucionalista, pela ampliação da capacidade política, pela libertação do domínio
estrangeiro. Partindo da Inglaterra do século XVII, quando movimentos políticos
abriram caminho para todas as idéias de liberdade, tornando-as patrimônio definitivo da
humanidade, migrou para toda a Europa e América. Apenas na Inglaterra a evolução da
democracia é pacífica. Na França, modelo para o resto do mundo, o processo de
democratização foi a preço de sangue. Esse foi tardio, porém rápido, suscitando temores
de que não eram sólidas as conquistas democráticas.

Separadamente ou em conjunto, os processos de liberalização e de democratização


foram se desenvolvendo ao longo do século, ora mais liberal, ora mais democrático. Os
puramente democráticos antagonisa com os socialistas, tornando-se incompatíveis.

Podemos ter liberalismo e democracia compatíveis num Estado; assim como podemos
ter liberalismo e democracia antitéticos, se a democracia for levada ao extremo; ou
termos o liberalismo e a democracia ligados por um laço de necessidade, considerado
que tão somente a democracia pode realizar plenamente os ideais liberais e apenas o
Estado liberal pode ser a condição da realização da democracia.

11. A tirania da maioria

Com o advento do capitalismo, pensadores famosos estudavam como se daria a


liberdade dos indivíduos nesse novo modelo econômico. A liberdade estava perdendo
espaço para a democracia. A democracia é uma forma de governo em que todos
participam da coisa pública, mas também é a sociedade inspirada no ideal de igualdade,
porém podendo haver níveis de igualdades diferentes para diversas camadas da
sociedade, sobressaindo daí a tirania da maioria.

Tocqueville, escritor liberal do século XIX, antepõe a liberdade do indivíduo à


igualdade social, pois se dispõe a suportar a pobreza, não a aristocracia. Admite a
incompatibilidade da liberdade com a igualdade, e da sobrevivência da liberdade na
sociedade democrática.

Aponta uma incoerência no quadro em que temos um governo liberal saído do sufrágio
de um povo de servos. Concorda que podemos ter democracia liberal e democracia
socialista, mas não socialismo liberal.

12. Liberalismo e utilitarismo

Contrapondo a doutrina que tinha como fundamento a prevalecência dos direitos


naturais, vem o princípio da utilidade, sobre o qual o legislador deve se inspirar, visando
a felicidade do maior número de pessoas possível. A melhor sociedade é a que consegue
obter o máximo de felicidade para o maior número de seus componentes, tendo a
felicidade definida como a ausência de dor assim como a existência do prazer. A prática
da liberdade sofre interferência da humanidade, para proteger uns membros dos outros,
quando ameaçados de danos, uns pelos outros.

13. A democracia representativa

A melhor forma de governo é a democracia representativa. “A participação de todos nos


benefícios da liberdade é o conceito idealmente perfeito do governo livre”. Contra a
tirania da maioria, é necessário que a maioria seja formada, ou sua escolha tenha a
participação, tanto das classes abastadas, quanto das classes populares, por meio do
voto, participando desse somente aqueles que pagam impostos, pois somente os que
pagam podem decidir o modo pelo qual cada um deve contribuir para as despesas
públicas.

Outro golpe na tirania seria a mudança no sistema eleitoral, passando do majoritário


para o proporcional, para assegurar uma adequada representação.

14. Liberalismo e democracia na Itália

Por todo o século passado, liberalismo e democracia designam doutrinas e movimentos


antagônicos entre si. Na Itália, a escola liberal era interpretada como aquela que rejeita a
liberdade como fim último, contentando com a liberdade como meio ou método,
liberdade formal, da qual cada um podia servir-se para os próprios fins; já a escola
democrática era a inspirada no ideal de uma nova sociedade fundamentada na justiça
distributiva, na igualdade de direitos.

15. A democracia diante do socialismo

A relação entre liberalismo e democracia é de antítese branda, diferentemente da relação


entre liberalismo e socialismo, onde o ponto da discórdia é a liberdade econômica, no
que se referendo à propriedade privada, fonte de desigualdade entre os homens. O
socialismo passou até a ser considerado compatível com a democracia, desde que o
processo de democratização produza uma sociedade socialista, fundada na
transformação do instituto da propriedade e na coletivização pelo menos dos principais
meios de produção; e com o advento da sociedade socialista a participação política seria
alargada, permitindo a realização da democracia, com a distribuição igualitária dos
poderes econômico e político.

16. O novo liberalismo

A aliança entre liberalismo e democracia foi se desfazendo quando a doutrina liberal


passou a promover a defesa da economia de mercado e da liberdade de iniciativa
econômica. O novo liberalismo é uma doutrina econômica conseqüente, da qual o
liberalismo político é apenas uma realização. Nele o Estado tem o poder limitado, diante
dos direitos individuais, garantida a propriedade privada.

17. Democracia e ingovernabilidade

A difícil relação entre liberalismo e democracia se agravou com a implantação da teoria


do Estado mínimo do novo liberalismo, trazendo um novo problema, o da
governabilidade. A liberdade dos indivíduos e seus grupos traz uma avalanche de
demandas aos poderes públicos; nos regimes democráticos e conflitualidade social é
maior do que nos regimes

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