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Renato Noguera2
Introdução
Sem dúvida, as investigações do nosso grupo de pesquisa têm motivado muitas
objeções. Nossos estudos sobre filosofia africana não são inéditos; mas, o aumento da
circulação de material acadêmico no Brasil que problematiza o nascimento da filosofia
na Grécia e traz à luz fontes africanas mais antigas que as ocidentais tem sido motivo de
críticas variadas. Objeções que alegam: “filosofia” é um termo grego; outras insistem
que só na Grécia antiga o pensamento ganhou tom laico. Ou ainda, por que deveríamos
“impor” o registro filosófico a outras formas de pensamento de povos da antiguidade
fora do mundo heleno? Em resumo, essas questões têm sido acompanhadas de
argumentos diversos que dizem algo como: a filosofia nasceu na Grécia, se desenvolveu
dentro da ambiência territorial europeia como uma aventura ocidental do pensamento
humano. Não cabe destrinchar cada uma das objeções, tampouco teríamos condições de
apresentar o vasto elenco de tréplicas em favor da produção filosófica africana desde
George James com Legado roubado, passando por Cheikh Diop3, Theóphile Obenga,
Molefi Asante, até A filosofia antes dos gregos de Carreira. Todos esses autores
advogam uma hipótese comum, a filosofia não nasceu grega. A abordagem que
defendemos denuncia uma grave confusão. A questão não é onde nasceu a filosofia.
Com base em fontes históricas diversas, os textos egípcios são documentos africanos
mais antigos do que os escritos gregos referências da cultura ocidental. Alguns
expoentes da egiptologia, seja Jean-François Champollion (1790- 1832), Cheikh Anta
Diop (1923-1986), Theóphile Obenga (1936), ou, Jan Assmann (1938) concordam que
os textos egípcios são mais antigos que os gregos. A polêmica está no caráter filosófico
dos escritos egípcios. Nós estamos de acordo com Diop e Obenga, o material egípcio é
filosófico.
4
PTAHHOTEP. “Ensinamentos de Ptahhotep”. In ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade: a
literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado, 2000, pp. 244-259, p. 244.
5
HARDT, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado filosófico. Trad. Sueli Cavendish, São Paulo:
Editora 34, 1996, p.1962.
dos manuais; mas, ela não poder vir sozinha, sem o registro de que existem posições a
favor do nascimento africano. Os manuais de filosofia precisam incluir versões diversas
sobre o seu “nascimento” reconhecendo a legitimidade de todas, assim como não
ignoramos perspectivas diferentes em várias questões filosóficas. É perigoso e
reducionista para uma boa formação filosófica reduzir toda a filosofia a poucas
tradições. Com efeito, o problema não seria estritamente teórico; mas, político (e
obviamente filosófico). O projeto de dominação do ocidente tem um aspecto
epistemológico que pretende calar qualquer filosofia sem sotaques ocidentais. Afinal, a
filosofia foi “eleita” como suprassumo da cultura ocidental6.
6
APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da Cultura. Trad. de Vera
Ribeiro. São Paulo: Editora Contraponto, 1997.