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O popular e o erudito

De acordo com Theodor W. Adorno, existem diferenças marcantes e


fundamentais entre a música popular e a música erudita, especialmente no
que concerne às formas e conteúdos de cada uma, bem como os
respectivos efeitos sócio-psicológicos particulares, causados por essas duas
esferas da música.
Segundo Adorno, o que difere fundamentalmente a boa música seria
(erudita) da música popular é que esta última sujeitou-se a um rígido sistema
de padronização de tal forma que, no decorrer de seus processos psico-
sociais, embotou a percepção estética de seus ouvintes.
Ao processo de padronização subjacente à música popular, Theodor Adorno
introduz o conceito de “estandardização” que, ao enquadrar a forma, estiliza
o conteúdo, fracionando suas partes de maneira que estas adquiram
significado independente do todo, isto é, tenham um sentido em si, separado
da totalidade da forma.
Em contrapartida, na boa música erudita, o desenvolvimento do conteúdo
formal faz com que as partes da composição contenham, virtualmente em si,
a idéia do todo; também os detalhes, assim como os fragmentos são
produzidos a partir da concepção do todo e, cada movimento musical é,
geralmente, uma introdução ao final, o que confere à música erudita um
constante estado de tensão favorável à sua própria dinâmica.
Ao referir-se à música popular, Adorno atesta que a estandardização
estrutural busca reações estandardizadas; em outras palavras, a música
popular é manipulada por aqueles que a promovem de tal maneira que seus
ouvintes, ao ouvi-la, enquadram-na em estruturas subjetivas estereotipadas
pré-existentes, de forma que facilite a compreensão e conseqüente
aceitação.
Na música erudita, é impossível a substituição mecânica de seus conteúdos
reais por padrões estereotipados, uma vez que as linhas que delimitam seus
conteúdos são demasiado singulares, originais e bem definidas; portanto;
impassíveis de indistinções e pseudo-identificações.
Então, ao analisarmos as reais condições destas duas esferas da música,
Adorno afirma que o sentido musical se faz através do “Novo”, isto é, algo
que o sujeito não espera e que acontece genuinamente. Esse caráter de
novidade é impossível na música popular, uma vez que ela subsiste sob a
tutela de processos insistentemente repetitivos, que determinam seu
reconhecimento e sua aceitação por parte do público ouvinte.
Entretanto, pode-se constatar que, para Adorno, existe um abismo entre
música popular e música erudita, uma vez que a música popular, em seu
desenvolver, foi acometida pelo advento da padronização de suas estruturas
formais. Outrossim, percebe-se que o processo de promoção e conseqüente
popularização da música “hit” se dá através da repetição até torná-la
reconhecível e, uma vez reconhecida, é simultaneamente aceita e, aceita
cria uma “ilusão de valor” que causa no ouvinte a falsa sensação de possuir
hegemonicamente algo que outrora era utilidade pública; portanto, em se
tratando de música popular e música erudita, padronização e não
padronização são termos contrastantes fundamentais.
“Um julgamento claro no que concerne à relação entre música séria e
música popular só pode ser alcançado prestando-se estrita atenção à
característica fundamental da música popular: a estandardização. Toda a
estrutura da música popular é estandardizada , mesmo quando se busca
desviar-se disso. A estandardização se estende desde os traços mais
genéricos até os mais específicos. Muito conhecida é a regra de que o
chorus [a parte temática] consiste em trinta e dois compassos e que a sua
amplitude é limitada a uma oitava e uma nota. Os tipos gerais de hits são
também estandardizados: não só os tipos de música para dançar, cuja rígida
padronização se compreende, mas também os tipos “característicos”, como
as canções de ninar, canções familiares, lamentos por uma garota perdida.
E, o mais importante, os pilares harmônicos de cada hit – o começo e o final
de cada parte – precisam reiterar o esquema padrão. Esse esquema
enfatiza os mais primitivos fatos harmônicos, não importa o que tenha
intervindo em termos de harmonia. Complicações não tem conseqüências.
Esse inexorável procedimento garante que, não importa que aberrações
ocorram, o hit acabará conduzindo tudo de volta para a mesma experiência
familiar, e que nada de fundamentalmente novo será introduzido”.2
2 ADORNO, Theodor W. Sociologia. São Paulo: Ática, 1986, p.116-117.
Por tudo isso, no que concerne à música, o popular e o erudito ocupam
posições diametralmente opostas desde o processo de composição e
definições formais até a FETICHISMO E DECADÊNCIA DO GOSTO
MUSICAL EM ADORNO - 5 - “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo
PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São
João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008.
sua promoção e venda. Então, diante da dificuldade de apropriação da
música séria por parte das grandes agências de publicidade e propaganda,
estas últimas encontram, na música popular, um veículo adequado para
levar a cabo seu intento de massificação do gosto. Dessa forma, não gostar
de uma canção muito tocada e difundida é pré-requisito de exclusão e
resistência; ou seja, é encarado como um sinal de má cidadania, como
incapacidade de se divertir, como falta de sinceridade do pseudo-intelectual,
pois, como pergunta Adorno, qual seria a pessoa normal que se colocaria
contra essa música normal?
Considerações Finais
A gradativa perda da autonomia na produção musical, bem como a
transformação da música em mercadoria, convalida a “coisificação” da obra
de arte que, sujeita às leis da oferta e da procura, torna-se objeto dos
artifícios fetichistas da racional sistematização da “indústria cultural”.
Nesse contexto, a música, ao ser apropriada por seus algozes, corrobora a
massificação do gosto e a conseqüente perda da individualidade na
apreciação estética; e ainda, oblitera todas as possibilidades de liberdade na
produção artística, influenciando negativamente a relação entre arte e
sociedade, interação que, pelo menos, deveria apontar para a emancipação
e a plenitude na fruição do belo.
Nesse sentido, em função dos meios de comunicação de massa e dos
poderes à ele subjacente, a música, na atualidade, é atrozmente
instrumentalizada como veículo cuja senda é o retorno à barbárie estético-
política e social.
Por tudo
sua promoção e venda. Então, diante da dificuldade de apropriação da
música séria por parte das grandes agências de publicidade e propaganda,
estas últimas encontram, na música popular, um veículo adequado para
levar a cabo seu intento de massificação do gosto. Dessa forma, não gostar
de uma canção muito tocada e difundida é pré-requisito de exclusão e
resistência; ou seja, é encarado como um sinal de má cidadania, como
incapacidade de se divertir, como falta de sinceridade do pseudo-intelectual,
pois, como pergunta Adorno, qual seria a pessoa normal que se colocaria
contra essa música normal?
Considerações Finais
A gradativa perda da autonomia na produção musical, bem como a
transformação da música em mercadoria, convalida a “coisificação” da obra
de arte que, sujeita às leis da oferta e da procura, torna-se objeto dos
artifícios fetichistas da racional sistematização da “indústria cultural”.
Nesse contexto, a música, ao ser apropriada por seus algozes, corrobora a
massificação do gosto e a conseqüente perda da individualidade na
apreciação estética; e ainda, oblitera todas as possibilidades de liberdade na
produção artística, influenciando negativamente a relação entre arte e
sociedade, interação que, pelo menos, deveria apontar para a emancipação
e a plenitude na fruição do belo.
Nesse sentido, em função dos meios de comunicação de massa e dos
poderes à ele subjacente, a música, na atualidade, é atrozmente
instrumentalizada como veículo cuja senda é o retorno à barbárie estético-
política e social.
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