Você está na página 1de 1

/LYURV

' ,QÇV0HQHVHV
QHPWRGR
0DLV
RDPRU
G¾XPOLYUR
$PNFTUFPCKFUPRVFOPTDIFHB EFTFVOPNFi"NPSFT *N
QPTTÐWFJTw 
BDPOIFDJEBSBEJBMJTUB*OÍT.FOFTFTFBFEJUPSB"CZTNPFOUSBNQFMPDBNJOIPQPVDP
TVSQSFFOEFOUFPOEFUPEBBNBUÌSJBFTDSJUBQPEFWJSBSMJWSP

."3$041&3&*3" samos transpor para outras latitudes. 2&217(;72 Já há algum tempo que no
NBSDPTQFSFJSBTE!HNBJMDPN Também não é bom livro cómico, pois estrangeiro este fenómeno se tornou
se por vezes esboçamos um sorriso, nou- recorrente: uma personalidade pública
“Amores (Im)possíveis” é um livro de 64 tras ocasiões (quase todas) apanhamos ou um anónimo escreve textos curtos de
páginas, bastante colorido e ilustrado, a autora a martelar o texto com uma rápida absorção e, por via da grande
onde foram compiladas máximas que referência da cultura pop só porque rima popularidade que estes textinhos ganham
Inês Meneses foi escrevendo no Face- ou só porque sim, não deixando espaço nas redes sociais, uma editora, que vê aí
book e que foram ganhando populari- à subtileza que nestas tentativas se exi- uma vantajosa oportunidade de ganhar
dade junto dos seus seguidores. ge. Em suma, tudo o que estes “Amores dinheiro, publica um livro e diz aos segui-
A editora apresenta o livro com pala- (Im)possíveis” não são dava para escre- dores do novo peão do mundo literato
vras da própria autora: “O amor não cos- ver um livro maior e melhor. “aí têm o aguardado amontoado de folhas
tuma dar-nos grande hipótese de esco- No entanto, façamos uma ressalva para impressas, correi”. E enquanto correm,
lha: primeiro sorrimos, muitas vezes cho- o trabalho hercúleo de Tiago Galo, ilus- as pessoas legitimam esta engrenagem
ramos e passado algum tempo acabamos trador da obra, e para os silvadesigners de mercantilização.
a rir do que vivemos (se tivermos capa- por conseguirem tornar um livro de che- Indo por partes, digamos que há hoje
cidade para isso). Olhar para este livro ques num objeto altamente propício à várias vias que a legitimação das massas
é como olhar para o registo de uma con- instagramatização e, talvez, um objeto percorre no chamado “mundo das letras”.
ta bancária e perceber os movimentos. digno de constar entre as garrafas colo- Por vezes, elevam autores medianamen-
Será para rir ou chorar? ridas dos novos bares do país. Sendo a te inofensivos ao estrelato súbito. Exem-
Vários anos no Facebook deram estas Abysmo uma editora que no passado plo disso é a jovem espanhola Elvira Sas-
frases que são quase minicontos. Em promoveu o chamado speed date com tre que, se nos abstrairmos do facto de
muitos casos conseguimos ver o roman- os seus autores, não é difícil imaginar encher as salas que os seus mestres (segun-
ce todo. Ou o fim dele...” um evento como um ciclo complexo, do a própria) deixam a meio e os 105 mil
Estruturalmente deparamo-nos com visualmente estimulante, onde Inês Mene- seguidores no Twitter, em nada (de bom)
duas secções: “Amores Possíveis” e “Amo- ses autografa o livro num bar lisboeta se diferencia da poesia espanhola con-
res Impossíveis”. Na primeira secção onde há à disposição do consumidor o temporânea. No entanto, o seu bordado
podem-se ler preciosidades como “Ele era pack livro + sacas (concebidas também poético de nó simples apela ao millen-
do tempo do Bolo-Rei e ela do Blu- pela editora) + gin. nial espanhol e há uma adesão extrava-
-Ray”. Na segunda, já num tom desencan-  gante ao que vai publicando em livro ou
tado, quase trágico, como o nome do con- em simples posts nas redes sociais. O que
junto deixa adivinhar, podemos ler “Era é de estranhar nestes casos é que não há
dono de uma Padaria Portuguesa e um aqui uma diferença vincada nas tentati-
pão duro”. Na contracapa do livro temos vas poéticas das gerações anteriores, mas
ainda um bom exemplo do tom autoral apenas e só um engagement cibernético
edificado na concisão sublime da máxi- a priori que posteriormente mobiliza as
ma “O gin tem uma paixão p’la tónica”. pessoas para procurarem o livro.
O leitor não conseguirá perceber se é Em outros casos, tentam convencer-
para rir ou chorar, pois o livro não apre- -nos de que o que está a ser escrito é de
senta nenhuma intenção identificável e uma relevância paratextual. Exemplo
nenhum objetivo alcançado. Quanto à disso é a poesia de Rupi Kaur que, sen-
definição do conteúdo, há alguma difi- do literariamente medíocre, é quase ina-
culdade em apelidar as frases de cada tacável, pois atrás de cada livro há um
página como “minicontos”. Não há enre- milhão de leitores a defendê-la, prontos
do, apenas trocadilhos linguísticos, por a evidenciarem que o que se trata aqui
vezes bem executados, outras vezes for- não é de literatura ou de arte, mas sim
çados, onde se brinca com a língua e com de dar às jovens mulheres reprimidas
referências ao universo da música e do por esta sociedade misógina e geografi-
cinema, ou às situações do quotidiano camente desigual uma voz e a mereci-
citadino. Também não há personagens, $PRUHV ,P SRVVLYHLV da atenção. Temos então aqui uma nova
apenas há sombras estereotipadas ao GH,QÇV0HQHVHV simbiose difícil de desmantelar: popula-
serviço da piada. Também não há qua- (GLÄÀR$E\VPRDEULOGH ridade-assunto subentendido.
lidade aforística, apenas um ele e uma 3¾JLQDV Percebamos que, nestes dois exemplos,
ela e nenhuma verdade breve que pos- 3UHÄRb a popularidade das redes sociais liga-se,

 ‰KVMIP

Você também pode gostar