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Bakhtin, Robert Stam e uma proposta de 

pensamento dialógico para os estudos 
cinematográficos1 
 
Sidney de Paulo2 
 
 
As questões que me levam a escrever este texto certamente já 
foram  discutidas  por  diversos  teóricos  do  cinema,  mas  o  que 
proponho  é  um  olhar  particularizado,  um  olhar  que  espero  que 
contribua  para  os  estudos  cinematográficos.  Ao  que  parece,  os 
problemas  fundamentais  ainda  recaem  sobre  certa  tríade: 
autor/obra/público, ou, então, vão desde a especificidade do gênero 
cinematográfico  até  sua  relação  com  gêneros  próximos,  como  o 
teatro, a fotografia ou a literatura. Questão não menos importante se 
concerne à dualidade entre Vida e Arte (ético e estético) que, a meu 
ver,  são,  antes,  partes  complementares  e  indissolúveis  do  que  uma 
bipartição propriamente dita. 
E, se existe a necessidade de uma filiação teórica, não escondo 
grandes  afinidades  com  o  pensamento  de  Mikhail  Bakhtin  e  seu 
Círculo.  Por  conseguinte,  muitas  vezes  estabeleço  diálogos  com 
estudiosos  que  denomino  bakhtinianos,  apesar  de muitos  deles  não 
se sentirem à vontade com tal rótulo: João Wanderley Geraldi, Irene 
Machado,  Beth  Brait,  Valdemir  Miotello.  No  campo  do  cinema, 
procuro conhecer os textos de Robert Stam, pois estes me ajudam a 
fazer  uma  ponte  entre  cinema  e  Bakhtin,  já  que  o  filósofo  russo 
nunca  se  pronunciou  acerca  da  Sétima  Arte.  Nesse  sentido,  os 

                                                            
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   As idéias aqui esboçadas foram levadas à discussão no XIV Colóquio Bakhtiniano – 
Bakhtin  e  Cinema:  as  contribuições  de  Robert  Stam,  evento  realizado  na  UFSCar, 
no mês de agosto de 2009, sob orientação do Prof. Dr. Valdemir Miotello, no qual 
estive  presente  como  convidado  (e  organizador),  juntamente  com  o  Prof.  Dr. 
Arthur Autran Franco de Sá Neto, do Departamento de Imagem e Som. 
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   Mestrando do programa de pós‐graduação em Lingüística, na área de Linguagem e 
Discurso,  na  Universidade  Federal  de  São  Carlos,  UFSCar,  São  Carlos,  SP,  Brasil. 
Endereço eletrônico: sidneydepaulo@hotmail.com 
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problemas  acima  serão  refletidos  sob  a  luz  das  correntes  de 
pensamento aqui expostas. 
Em  sua  Introdução  à  teoria  do  cinema  (2003),  Stam  faz  uma 
síntese da História e evidencia como o filme foi encarado conforme a 
época  e  a  corrente  filosófica  vigente.  Destas  várias  fases  e  teóricos, 
destacamos  Christian  Metz  que,  utilizando‐se  das  reflexões 
saussurianas, aborda o cinema de maneira peculiar, juntando, a este 
campo,  perguntas  advindas  da  lingüística:  o  cinema  é  língua  ou 
linguagem?  Existe  um  signo  fílmico?  Se  sim,  ele  é  natural  ou 
arbitrário?  Haveria  uma  gramática  do  filme?  Por  este  motivo,  Stam 
considerou importante a entrada de Metz nos estudos fílmicos, pois 
 
Metz foi o exemplo de um novo tipo de teórico de cinema, que chegava ao 
campo  já  “armado”  com  as  ferramentas  analíticas  de  uma  disciplina 
específica,  assumidamente  acadêmica  e  desvinculada  do  mundo  da  crítica 
cinematográfica.  Evitando  a  tradicional  linguagem  valorativa  desta  última, 
Metz  deu  primazia  a  um  vocabulário  retirado  à  lingüística  e  à  narratologia 
(diegesis, paradigma, sintagma) (Stam, 2003:129). 
 
Todavia,  de  minha  parte,  não  gostaria  de  entender  o  lingüista 
como  um  teórico  que  aborda  determinado  objeto  com  ferramentas 
(ou armas) preestabelecidas, prontas, por assim dizer. O processo de 
reflexão lingüística, estabelecido pelo filósofo da linguagem, dará os 
contornos do objeto. Em outros termos, é no próprio ato de refletir 
que o objeto se forma, se constrói. Assim, valoriza‐se o pesquisador 
como  parte  do  processo e  não  como mero  aplicador  de  conceitos  a 
um objeto já acabado. 
Entender  o  cinema  como  linguagem  também  implica  em 
considerar que este é uma ponte que se formaria entre um Eu e um 
Tu. Essa metáfora, apresentada por Bakhtin em Marxismo e Filosofia 
da Linguagem, acaba por valorizar não só o locutor como também o 
locutário, dado que, se por um lado essa ponte tem por sustentação 
o Eu, ela necessariamente precisa de um segundo ponto, o Tu. Logo, 
o  autor  da  obra  fílmica  tem  importância  em  igual  medida  que  o 
público,  pois  ambos  fazem  parte  do  processo  de  interação  verbal  e 
contribuem diretamente para a produção de sentidos. 

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O  autor,  ao  elaborar  sua  obra,  tem  por  objetivo  um 
determinado  público  e  isso  influenciará  o  modo  de  construção  e 
conteúdo do enunciado. O filme é função deste interlocutor e variará 
se  se  destinar  a  um  mesmo  grupo  social  ou  a  uma  pessoa  de 
diferente  nível  de  hierarquia.  Desse  modo,  a  linguagem  fílmica  é 
delimitada  conforme  seus  objetivos,  não  havendo,  de  certo  modo, 
uma liberdade plena do criador. “A situação social mais imediata e o 
meio  social  mais  amplo  determinam  completamente  e,  por  assim 
dizer,  a  partir  de  seu  próprio  interior,  a  estrutura  da  enunciação” 
(Bakhtin, 2004:113). 
Além  disso,  a  obra  pode  ainda  ser  uma  contrapalavra  a  uma 
outra  obra  (seja  ela  cinematográfica,  literária  ou  de  outro  gênero 
distinto),  estabelecendo  diálogos  entre  obras  já  produzidas  e 
motivando diálogos futuros. Penso aqui, a critério de exemplificação, 
no  filme  Tropa  de  Elite  (2007),  de  José  Padilha,  que  poderia  ser 
colocado  como  uma  oposição  à  romantização  do  criminoso  em 
Carandiru  (2002),  de  Hector  Babenco,  ou  o  filme  recentemente 
lançado, Rota Comando (2009), de Elias Júnior, que mantém o policial 
herói,  mas  sem  as  características  fortemente  violentas  de  Capitão 
Nascimento, personagem do filme de Padilha. 
Ainda acerca da aceitação do cinema como linguagem, nota‐se 
que  ele  adquire  um  caráter  bastante  interessante,  porque,  como 
numa  espécie  de  jogo,  os  participantes  do  processo  de  interação 
verbal  têm  a  intenção  de  agir  um  sobre  outro.  Logo,  a  linguagem 
cinematográfica pode até ser ingênua, contudo nunca será inocente. 
O autor fílmico procura agir sobre o público, mas a ideologia daquele 
que chega até este, via signo, marca ora um encontro conflitante ora 
consensual, pois o público pode aceitar em todo, em parte ou ter um 
pensamento completamente distinto daquela ideologia. 
A  importância  atribuída  ao  interlocutor  o  constitui  como 
parceiro no ato criativo e, ao mesmo tempo, torna‐o responsável ou 
culpado  pela  obra.  No  mesmo  grau  de  responsabilidade,  deve‐se 
pensar a relação entre vida e arte. A esse respeito, gostaria de expor 
um trecho do texto Arte e Responsabilidade, que acredito resumir de 
maneira quase poética a questão:  
 

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A  vida  e  a  arte  não  devem  só  arcar  com  a  responsabilidade  mútua,  mas 
também  com  a  culpa  mútua.  O  poeta  deve  compreender  que  a  sua  poesia 
tem culpa pela prosa trivial da vida, e é bom que o homem da vida saiba que 
a  sua  falta  de  exigência  e  a  falta  de  seriedade  das  suas  questões  vitais 
respondem pela esterilidade da arte. O indivíduo deve tornar‐se inteiramente 
responsável:  todos  os  seus  momentos  devem  não  só  estar  lado  a  lado  na 
série temporal de sua vida, mas também penetrar uns nos outros na unidade 
da culpa e da responsabilidade (Bakhtin, 2003). 
 
Ora, ao revisitar este lugar de  discussão, parece‐me que,  caso 
se  priorize  no  conjunto  autor/obra/público  uma  das  partes,  abre‐se 
mão  de  um  riquíssimo  diálogo  existente  no  processo  lingüístico.  Se 
olharmos o autor, podemos nos perguntar sobre sua função na obra, 
como ele pode aparecer no texto fílmico por meio de suas ideologias 
ou  como  este  autor  se  relaciona  com  a  vida  ética  e  estética.  Se  nos 
encontramos com a obra, nosso olhar poderia recair sobre como ela 
foi construída, as falas de personagens, imagem, tomadas de câmera, 
bem  como  os  efeitos  produzidos  pelos  recursos  estilísticos.  Por  fim, 
se  damos  supremacia  ao  público,  da  mesma  forma,  restringimos 
nosso campo de visão a perguntas parciais do problema. 
Stam  (2003)  observa  que  com  o  pensamento  estruturalista 
sobre  o  cinema,  era  bastante  provável  que  essa  poderosa  corrente, 
que  sustentava  que  a  linguagem  fala  o  autor  e  a  ideologia  fala  o 
sujeito,  asfixiasse  o  indefeso  e  solitário  autor  com  suas  amplas  e 
impessoais estruturas. O que caminho a dizer, e talvez esteja pouco 
claro em minha fala, é que se perguntar sobre o autor é se perguntar 
sobre  a  obra,  o  público,  sobre  o  contexto  sócio‐histórico,  sobre 
correntes de pensamento, sobre ideologia, sobre signo, enfim, sobre 
o mundo. Isso porque uma coisa se relaciona com outra e assim por 
diante. Todavia não penso numa ciência humana incapaz de estudar 
um fenômeno por este se estender ao infinito, mas sim numa ciência 
que  admita  sua  incompletude  e  considere  o  assunto  não  finalizado, 
com diversas pontas para novos diálogos. 
Lembro‐me  de  uma  metáfora  bem  interessante  realizada  por 
Geraldi, em uma visita à disciplina Filosofia da Linguagem, em 2008, 
na  UFSCar.  Interpreto‐a  tanto  para  compreender  melhor  os 
fenômenos  ideológicos  quanto  para  exemplificar  o  trabalho  do 
pesquisador  nas  ciências  da  linguagem.  Como  neste  momento  não 
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nos  cabe  a  primeira,  passo  a  representar  a  segunda  possibilidade. 
Consideremos  o  mundo  como  um  imenso  mar  e  o  estudioso  como 
um mergulhador. Ao se propor a investigar um fenômeno particular, 
o mergulhador afunda no mar e nada até um ponto específico. Mas 
este  mergulhador  não  pode  esquecer  que,  ao  seu  redor,  em 
constante contato com ele e seu objeto de estudo, está todo um mar. 
Caso  esqueça,  nosso  mergulhador  se  perderá,  não  retornará  à 
superfície e morrerá. 
A passagem do Cinema mudo para o Cinema falado, ao contrário 
do  que  se  temeu,  trouxe  novos  significados  ao  filme  e  forçou  o 
refinamento do investigador cinematográfico, que teria que lidar com 
uma nova linguagem que se incorporava ao campo.  Se por um lado, 
em  determinada  época,  temos  um  cinema  tido  como  de  Montagem, 
não é menos verdade que ainda podemos encontrar tais resquícios em 
filmes  atuais.  E  não  me  espantaria,  apesar  de  não  ter  conhecimento 
aprofundado sobre cinema de Montagem, se encontrasse neste, pistas 
de outras correntes que ainda estavam por vir. 
Já que falamos sobre história, é válido lembrar que o cinema é 
uma  arte  relativamente  nova,  se  comparada  com  anos  de  textos 
literários. Assim sendo, e fundindo a questão com os apontamentos de 
Mikhail  Bakhtin,  em  Epos  e  Romance  (1998),  a  arte  cinematográfica 
ainda  está  em  plena  evolução,  incorporando  e  re‐significando  outros 
gêneros  como  a  própria  literatura.  Tal  incorporação  traz  novos 
problemas,  pois  uma  obra  como  o  Primo  Basílio,  de  Eça  de  Queirós, 
quando  passa  para  as  telas  do  cinema,  deixa  de  ser  literatura?  O 
estudo dessa problemática leva os teóricos a propor categorias como 
“adaptação”, “releitura”, “transposição”, “baseado em”. 
Por outro lado, as categorizações não parecem condizer com o 
processo a ser estudado. Quando uma obra literária não está em seu 
campo,  mas  sim  no  cinema,  ela  deixa  de  pertencer  àquele  gênero. 
Isso  porque  o  gênero  está  relacionado  à  atividade  humana.  Uma 
receita de bolo não é um “gênero receita de bolo” só pelo fato de ter 
em sua composição termos do campo semântico culinário ou verbos 
predominantemente no imperativo. Receita de bolo é gênero quando 
vou  à  casa  de  um  amigo,  por  exemplo,  provo  um  pedaço  de  bolo  e 
digo:  “que  delicia”  e  ele  diz:  “É  bem  fácil  de  fazer.  Você  pega  três 

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ovos...”  A  mesma  estrutura  poderia  estar  num  livro  de  literatura  e, 
neste caso, não ser mais uma “receita de bolo”. 
Envolto  em  tais  pensamentos,  direciono  meu  olhar  para  o 
conceito  de  “transcriação”  literária  para  o  cinema.  O  ato  de  criar 
reúne  um  conjunto  de  elementos  interessantes  para  a  reflexão, 
passando  desde  os  problemas  de  autoria  até  a  compreensão  que  o 
público  tem  da  obra.  Reveste‐se  de  diferentes  questionamentos, 
dentre  eles  os  que  já  apontei  no  decorrer  deste  texto.  Mas, 
“transcriar”  coloca  todos  estes  elementos  em  um  movimento  vital 
para  a  compreensão  do  processo  de  produção  de  sentidos.  O  autor 
fílmico  não  reproduz  meramente  uma  obra  literária  para  o  cinema, 
ele  cria  uma  nova  obra  que  mantém  laços  dialógicos  com  um  outro 
texto, mas, além disso, ultrapassa os limites da adaptação mecânica e 
re‐significa o texto literário em um campo distinto. 
Por  fim,  concluo  que  a  filosofia  bakhtiniana  nos  faz  um  belo 
convite  ao  pensamento  dialógico,  um  pensamento  que  não 
delimitaria  fronteiras.  Ao  considerar  não  só  aquilo  que  vive  numa 
certa  oficialidade,  Bakhtin  nos  ensina  a  olhar  o  marginal  como 
necessário e complementar ao não‐marginal. É esse pensamento que 
faz  Robert  Stam  mergulhar  na  arquitetônica  bakhtiniana.  É  essa 
vontade de se livrar de uma reflexão estrutural de mundo. Acredito 
que  seguir  tal  pensamento  é  de  fato  recusar  rótulos,  não  escolher 
apenas A ou B, demonstrar afinidade com alguns autores, mas buscar 
dialogar e se constituir de outros. Nas palavras de Stam 
 
Recuso‐me a acreditar que sou o único no campo capaz de ler com prazer 
tanto Gilles Deleuze como Noel Carroll, ou, para ser mais preciso, ler tanto 
com prazer como com desprazer. Recuso‐me a escolher entre abordagens 
que  com  freqüência  percebo  muito  mais  como  complementares  que 
contraditórias (Stam, 2003:16).  
 
 
 
 
 
 
 

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Referências 
 
Livros e artigos 
 
BAKHTIN,  M.  M.  Marxismo  e  filosofia  da  linguagem:  problemas  fundamentais  do 
método  sociológico  na  ciência  da  linguagem.  Trad.  Michel  Lahud  e  Yara  Frateschi 
Vieira. 3 ed. São Paulo: Hucitec, 1986. 
______.  Epos  e  Romance.  In:  Questões  de  literatura  e  de  estética:  a  teoria  do 
romance. Trad. Aurora Fornoni Bernadini et al. 4 ed. São Paulo: EdUnesp, 1998. 
______.  Arte  e  Responsabilidade.  In:  Estética  da  criação  verbal.  4  ed.  Tradução  de 
Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 
STAM,  R.  Introdução  à  teoria  do  cinema.  Tradução  de  Fernando  Mascarello. 
Campinas: Papirus, 2003. 
______. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Tradução 
de José Eduardo do Moretzsohn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. 
______.  Bakhtin:  da  teoria  literária  à  cultura  de  massa.  Tradução  de  Heloísa  Jahn. 
São Paulo: Ática, 1992. 
______. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Revista Ilha 
do Desterro A Journal of English Language, Literatures in English and Cultural Studies, 
América do Sul, 0 12 03 2009. 
 
Filmes 
 
BABENCO, H. Carandiru. São Paulo: Columbia; Globo filmes, 2002. 
FILHO, D. O primo Basílio. São Paulo: Globo filmes, 2007. 
JUNIOR, E. Rota Comando. São Paulo: HDVStudio, 2009. 
PADILHA, J. Tropa de elite. São Paulo: Universal, 2007. 

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