Você está na página 1de 8

A consciência da antijuridicidade no

moderno Direito Penal

CLÁUDIO BRANDÃO

SUMÁRIO

1. Conceito da consciência de antijuridicidade.


2. Pressupostos do estudo. 3. Formação da
consciência da antijuridicidade. 4. Consciência de
antijuridicidade e culpabilidade. 5. Consciência de
antijuridicidade e antijuridicidade. 6. Teoria estrita
do dolo 7. Teoria limitada do dolo. 8. Teoria estrita
da culpabilidade. 9. Teoria limitada da culpa-
bilidade.

1. Conceito da consciência
de antijuridicidade
A consciência da antijuridicidade vem
sendo o conceito mais difícil de se estabelecer
em todo o Direito Penal, todavia, apesar dessa
dificuldade, ela é o elemento mais importante
da teoria do delito contemporânea. Sua
importância é tamanha que Jescheck chega a
afirmar que
“através do reconhecimento da cons-
ciência da antijuridicidade como base da
reprovação da culpabilidade, o processo
de moralização do Direito Penal alemão
alcançou o seu cume”1.
1
Hans-Heinrich Jescheck. A Nova dogmática
penal e a política criminal em perspectiva com-
parada. In : Ciência e política criminal em honra de
Heleno Fragoso. Rio de Janeiro : Forense, 1992. p.
233. Em outra obra o autor assim se expressa: “El
reconocimiento de la consciencia de la anti-
juridicidad como elemento de la culpabilidad por la
fundamental sentencia del Gran Senado para
assuntos penales de 18 marzo 1952 (BGH 2, 194
[201]) constitui un hito que señala el inicio de una
etapa en la historia moderna de la ciencia del
Derecho Penal alemán. (...) con la admissión del
Cláudio Brandão é Professor da Escola requisito de la conciencia del injusto para el reproche
Superior da Magistratura de Pernambuco e da de culpabilidad se há empreendido el camino para
UFPE, mestrando em Direito e advogado. la plena realización del principio de culpabilidad”.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 55
A consciência da antijuridicidade é o “porque ello nos levaría a la exigencia
reverso do erro de proibição. Enquanto o erro del conocimiento del derecho escrito en
de proibição consiste na falta de apreensão do todos los individuos, lo que es realmente
caráter ilícito da conduta, a consciência da imposible”4.
antijuridicidade consiste na percepção do A consciência da antijuridicidade, deve-se
caráter ilícito da ação. A ação humana passa ressaltar, não precisa ser atual, bastando que
por várias fases, uma delas é a sua elaboração ela seja potencial. Isso significa que não é
intelectual. É nesta fase que surge a consciência necessário, para que surjam seus efeitos
da antijuridicidade, que pode ser traduzida num jurídicos no âmbito da culpabilidade –
conhecimento prévio da significação ilícita do conforme se verá adiante – que ela esteja
comportamento. O conhecimento é dito prévio realmente presente no indivíduo, basta que o
porque é anterior à modificação do mundo sujeito tenha tido condições de auferi-la no seu
exterior, acarretado pela referenciada ação. convívio social. Welzel afirma que é dever do
Classifica-se a consciência da antijuri- indivíduo informar-se, por isso se reprova o
dicidade em consciência da antijuridicidade sujeito quando, em que pese o mesmo não ter a
formal e consciência da antijuridicidade consciência atual da ilicitude, ele poderia tê-la
material. A consciência da antijuridicidade adquirido se procurasse se informar5.
formal exige, para o seu perfazimento, o prévio
conhecimento da norma, que dá à conduta o 2. Pressupostos do estudo
caráter de ilícita, assim, por exemplo, o sujeito
só terá consciência da ilicitude de sua conduta Figueiredo Dias nos ensina que só podemos
homicida, se conhecer o art. 121 do Código estudar a consciência da antijuridicidade
Penal. Entre os autores que sustentam a partindo da análise teorética dos termos
consciência formal da antijuridicidade, des- consciência e antijuridicidade6. A conceituação
taca-se Franz von Liszt, afirmando que a de antijuridicidade pode ser sintetizada como
multirreferenciada consciência da anti- “um juízo de valor negativo ou desvalor
juridicidade só se perfaz se o autor sabe que que atribui ao fato do homem a qualidade
“su acto ataca, lesionando o poniendo en de ser contrário ao Direito, dando à ação
peligro, los intereses jurídicamente o caráter de não-querido pelo Orde-
protegidos, ya sean de un individuo o ya namento Jurídico”7;
sean de la colectividad”2. quanto à questão da definição de cons-
A consciência da antijuridicidade material ciência, é certo que não é um conceito jurídico
exige apenas que o sujeito apreenda o caráter propriamente dito, devendo-se buscar na
anti-social da ação, tendo por base a experiência Psicologia sua definição. Contudo, não devemos
adquirida na vida em sociedade, é a chamada absorver o conceito de consciência simples-
consciência profana do injusto. Esta segunda mente como ele é apresentado na Psicologia.
posição, vigente no Direito brasileiro, é a Com efeito, é tarefa do hermeneuta do Direito
defendida pela maioria da doutrina. Wessels adequar este conceito à categoria lógico-
afirma que jurídica, que precisa ser estudada (isto é, deve
“o objeto da consciência do injusto não é adequá-lo à consciência da antijuridicidade, de
o conhecimento da disposição penal ou acordo com sua função no Direito Penal).
da punibilidade do fato, mas a compre- 4
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Teoria juridica del
ensão do autor de que sua conduta é delito. Buenos Aires : Universidad del Litoral, 1956.
juridicamente proibida”3, p. 83.
enquanto Asúa alerta que não se pode exigir a 5
WELZEL, Hans. La posizione dogmatica della
consciência formal da ilicitude dottrina finalistica dell’azione. Rivista Italiana di
Diritto Penale. Milano, v. 4, n. 1/2, p. 12, gen./apr.
(Tratado de Derecho Penal : parte general. 1951.
6
Traducción de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde. DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da falta
Barcelona : Bosch, 1981. v. 1, p. 622). de consciência de ilicitude em Direito Penal. 3. ed.
2
LISZT, Franz von. Tratado de Derecho Penal. Coimbra : Coimbra Ed., 1987. p. 4.
7
Traducción Luis Jiménez de Asúa, Madrid : Reus, BRANDÃO, Cláudio. A importância da
[s. d.]. v. 2. p. 414. conceituação da antijuridicidade para a compreensão
3
WESSELS, Johannes. Direito Penal : parte da essência do crime. Revista de Informação
geral. Traducción Juarez Tavares. Porto Alegre : Legislativa, Brasília, v. 34, n. 133, p. 24, jan./mar.
Fabris, 1976. p. 90. 1997.
56 Revista de Informação Legislativa
Não se poderia, por exemplo, no âmbito querido pelo Direito e do que não é querido,
penal, definir a consciência como sendo um adquirindo assim, a consciência da antiju-
estado de espírito. Se assim se definisse, ridicidade.
nenhuma contribuição traria para a compre- Numa reflexão mais profunda, pode-se
ensão do problema. afirmar que a consciência da antijuridicidade
Para o Direito Penal, considera-se a está presente em qualquer ato de comunicação
consciência como um saber perceptivo no que o indivíduo realize a partir de quando ele
sentido de um estado disposicional. Isto é, a chega a uma reflexão de sociedade9.
consciência é uma apreensão de sentido, com
base na percepção, tendo em vista um deter- 4. Consciência de antijuridicidade
minado estado disposicional.
e culpabilidade
3. Formação da consciência A consciência da antijuridicidade tem por
da antijuridicidade conteúdo a antijuridicidade e por objeto a
culpabilidade. Tem por objeto a culpabilidade,
Em recente tese, o Professor Chaves de pois, como veremos, encerra a culpabilidade
Camargo, da Universidade de São Paulo, em si. Tem por conteúdo a antijuridicidade
baseado no código de comunicação de Habermas, porque a apreensão de sentido é formada tendo
propõe uma moderna teoria para explicar a em vista a contradição do fato com as exigências
formação da consciência da antijuridicidade. do Direito. Entretanto, como alerta Maurach,
Para o autor, a sociedade é formada por diversos “com la inclusión del conocimiento del
grupos sociais, que mantêm entre si um código injusto en la estructura total del delito
de comunicação. O que caracteriza a integração surgió además la necesidad de atribuir,
do indivíduo na sociedade é sua participação a esta característica, un lugar dentro de
solidária no mesmo código de comunicação. los particulares elementos del delito”10.
Essa solidariedade permite que a sociedade se A culpabilidade, com o finalismo, encontra
componha de ordens legítimas, aceitas pela o seu suporte teórico na consciência da
maioria do grupo social. antijuridicidade, “por isso se diz que a
O agir comunicativo do indivíduo deverá consciência da antijuridicidade está inserida na
estar em consonância com os valores conden- culpabilidade, sendo elemento desta”11.
sados nos modelos de comunicação, que estão A culpabilidade existe desde o Direito
presentes nas normas. A consciência da Romano, ainda que sem uma base científica
antijuridicidade limitará este agir comunicativo estruturada. Os romanos consideravam-na
do sujeito, que se não agir conforme o direito, como dolo e distinguiam dois tipos de dolo: o
terá sua conduta reprovada pelo único instru- dolus bonus e o dolus malus. O dolus bonus
mento existente para fazer a reprovação da era a sagacidade para enganar, sendo, para eles,
conduta individualmente considerada: a pena8. uma virtude; o dolus malus era aquele no qual
Por meio da teoria do agir comunicativo, havia uma vontade aliada a um mau propósito,
pode-se traçar um perfil da evolução da propósito este conhecido e querido pelo agente,
consciência de ilicitude no indivíduo. A partir qual seja, o dolo valorado pela consciência da
dos primeiros anos de vida, a criança vai antijuridicidade. O conceito romano de
construindo o seu código de comunicação, 9
tomando consciência do mundo social, até que Ibidem, p. 165-169.
10
se integre no dito grupo social, aceitando a MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho
Penal. Traducción de Juan Córdoba Roda.
veracidade dos conceitos que lhes foram Barcelona : Ariel, 1962, p. 131.
transmitidos. 11
Numa posição inovadora, mas minoritária, a
Com o seu crescimento, adquirido pela professora portuguesa Teresa Serra considera a
linguagem, o sujeito constrói um mundo de consciência da antijuridicidade elemento autônomo
vida, que é o ponto de partida e de chegada de do juízo de culpa, definitivamente separada do dolo.
uma reflexão de toda a sociedade. Entretanto, considera que o dolo tem uma dupla
Por meio desse código de comunicação, o função: pertence a ação e a culpa a um só tempo
indivíduo pode apreender o sentido do que é (Problemática do erro sobre a ilicitude. Coimbra :
Almedina, 1991. p. 38-40, 58). A maioria da
8
CAMARGO, A. L. Chaves de. Culpabilidade doutrina, contudo, considera o dolo definitivamente
e reprovação penal. São Paulo : Sugestões Literárias, livre da culpabilidade, tendo lugar exclusivamente
1994. p. 162. no tipo.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 57
culpabilidade perdurou durante toda a idade juízo de valor feito pelo juiz. Deve-se distinguir
média, período em que vigia o Direito a valoração (consciência da antijuridicidade)
Canônico. do objeto da valoração (ação). No seu sentido
Durante o século XIX, com a hegemonia próprio, a culpabilidade é só a consciência da
das ciências naturais, procurou-se uma antijuridicidade, estando a ação fora da
explicação puramente naturalística para a culpabilidade, que é apenas o objeto da
compreensão da ação humana, surgindo então valoração. O dolo se insere no objeto da
a Teoria Psicológica da Culpabilidade. Para esta culpabilidade, qual seja, a ação, nunca na
teoria, a culpabilidade era um fato da conduta culpabilidade em si; como o tipo penal descreve
interna do agente, de cunho psíquico, consis- a ação humana, diz-se acertadamente que, na
tindo no dolo e na culpa. O dolo consistia na teoria finalista, o dolo está no tipo. É, pois, a
vontade livre e consciente, enquanto a culpa consciência da antijuridicidade que converte a
na imprudência, negligência ou imperícia. ação e a vontade em ação e vontade culpável13.
Nesta época há, pois, um retrocesso no Direito Francisco de Assis Toledo ensina, com
Penal, posto que não mais se considera o inigualável precisão, que Welzel não adicionou
elemento normativo do dolo, abandonando-se nenhum elemento novo à Teoria do Delito. Ele
a valiosa contribuição do Direito Romano. apenas “rearrumou” seus elementos. Deslocou
Entretanto, este retrocesso não perdura na o dolo para a ação, mas o fez sem seu elemento
ciência do direito! Deveu-se a Franz von Lizt normativo, qual seja, a consciência da
a concepção psicológico-normativa da culpa- antijuridicidade. Isto ocorreu porque o dolus
bilidade, a qual trouxe novamente à tona a malus dos romanos já vivera muito tempo e não
valoração dada pelos romanos ao dolo. Desse poderia subsistir, frente a um direito penal
modo, a culpabilidade era composta pelo dolo moderno, impregnado de valiosas contribuições
e pela culpa, mas ocorre que o dolo não é uma da criminologia14.
simples vontade, despida de qualquer elemento Dentro do finalismo, cujas linhas básicas
normativo. Pelo contrário, o dolo era valorado norteiam o Código Penal pátrio, podemos
por um elemento normativo, que era justamente afirmar que a consciência da antijuridicidade
a consciência da antijuridicidade12. é o elemento mais importante da teoria do
Com o advento da teoria finalista da ação, crime, pois ela é a própria culpabilidade. Diz-
a concepção psicológico-normativa da culpa- se que a consciência da antijuridicidade é o
bilidade foi rechaçada, dando-se lugar a uma elemento mais importante da teoria do delito
concepção exclusivamente normativa da por força do princípio nulum crimen, nulla
mesma. Tal teoria foi criada por Hans Welzel, poena sine culpa, visto que este princípio é o
e preconizava que toda ação humana é dirigida corolário máximo das legislações penais
a um fim, ou seja, a ação é finalista, por modernas, aí incluída a brasileira.
conseqüência, o elemento psicológico (dolo)
está na ação e não na culpabilidade.
A consciência da antijuridicidade – na 5. Consciência de antijuridicidade
teoria finalista – é a essência da culpabilidade e antijuridicidade
e é o que permite que se faça um juízo pessoal
de reprovação sobre o autor do ilícito penal. Em que pese a consciência da antijuri-
Tal juízo é feito pelo juiz, que personifica o dicidade estar ou não estar inserida na
ordenamento jurídico. antijuridicidade propriamente dita, as relações
A culpabilidade, desse modo, é puramente entre elas são muito estreitas. Como visto, a
a consciência da antijuridicidade, que é um antijuridicidade é a relação entre o ordenamento
12 jurídico e a ação humana, onde há uma
Sobre esta concepção, são precisas as palavras divergência entre o primeiro e a última.
de Bettiol: “la coscienza dell’antiguiridicità è ancora
un dato di fatto que se aggiunge a queli della A relação de antijuridicidade não vai
pevisione e voluntarietà del evento lesivo. Eppure induzir a relação de consciência de antijuridi-
si può dire che la concezione valutativa e normativa cidade. De fato, a relação de antijuridicidade é
della colpevolezza è proprio partita dalla esigenza um juízo de reprovação sobre o fato do homem,
che l’imperativo della norma sai sentito dalla
13
coscienza indivuduale nel momento della perpe- WELZEL, Hans. Derecho Penal. Buenos
trazioe del reato.” (Il Problema Penale. Palermo : Aires : Depalma, 1956. p.147 e segs.
14
G. Priulla, 1948. p. 97-98). Ver também Bettiol e TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios
Mantovani. Diritto Penale. Padua : CEDAM, 1986. básicos de Direito Penal. São Paulo : Saraiva, 1991.
p. 508-509. p. 227-228.
58 Revista de Informação Legislativa
enquanto a relação de consciência de antijuridi- elas derivam da posição do antigo Reichsgericht,
cidade é um juízo de reprovação sobre o autor o alto tribunal do império alemão. O tribunal
do fato. desconsiderou a consciência da antijuridi-
É possível que o fato seja reprovável cidade, quer como elemento do dolo, quer como
(antijurídico) sem, contudo, ser culpável (por elemento da culpabilidade16.
não ter o autor consciência da ilicitude). A doutrina alemã então, diante de graves
Destarte, pela antijuridicidade infere-se um injustiças causadas pelo Tribunal do império,
juízo de desvalor sobre a ação, e pela cons- criou uma saída para as decisões do RG: deu
ciência da antijuridicidade faz-se um juízo de uma nova interpretação ao art. 59 do Código
desvalor pessoal sobre o autor, por ter agido Penal alemão de 1871, o qual vigorou até a
contráriamente ao ordenamento jurídico, segunda metade desse século17.
quando ele poderia dirigir seu comportamento Para a teoria estrita do dolo, a consciência
conforme o ordenamento. da antijuridicidade é elemento do dolo e,
Na hipótese do indivíduo agir com cons- quando ocorre a sua ausência, o dolo fica
ciência da antijuridicidade em um fato que não excluído. Para que se perfaça o dolo, o
é antijurídico, ainda que suponha sê-lo, não conhecimento da antijuridicidade precisa ser
haverá crime. Isso decorre do fato de ser a atual, pois “dolus significa reprovar al autor el
antijuridicidade a essência do crime, o crime hecho de no haber detenido ante el pensamiento
em si; sem haver primeiro o juízo de antiju- de estar obrando antijurídicamente”18. Ernst
ridicidade, não há que se cogitar em juízo de von Beling afirma que não se considerar a
culpabilidade (consciência de antijuridicidade). consciência atual da antijuridicidade como
Vejamos o seguinte exemplo: elemento do crime conduz a graves injustiças19.
João vê uma camisa que supõe ser do seu O agente precisa efetivamente saber que dirige
vizinho e pretende subtraí-la para si. Tem a sua vontade a uma ação antijurídica. A
consciência da reprobabilidade do fato, mas, culpabilidade, pois, “no sólo és culpabilidad de
mesmo assim, decide fazê-lo. Se a camisa la voluntad en el sentido aqui empleado, sino
realmente for do seu vizinho, haverá a de modo bien concreto ‘culpabilidad de la
antijuridicidade da ação e, como o autor poderia voluntad mala’”20.
evitar a ação antijurídica, a consciência da Nessa concepção, qualquer erro, quer seja
antijuridicidade, rectius, culpabilidade, perfaz-se de tipo, quer seja de proibição, exclui o dolo.
plenamente. Pelo erro de tipo, exclui-se a vontade de praticar
Se, entretanto, a camisa pertence ao próprio o fato típico e antijurídico, excluindo-se,
João e ele supõe por engano pertencer ao seu portanto, o elemento psíquico do dolo; pelo erro
vizinho, não haverá ação antijurídica e, de proibição exclui-se a consciência da
portanto, não haverá culpabilidade, apesar do antijuridicidade, excluindo-se, portanto, o
sujeito ter a consciência da antijuridicidade de elemento normativo do dolo.
seu atuar.
16
MAURACH, op. cit., p. 133.
17
Diz o referido dispositivo legal: “Lorsqu’au
6. Teoria Estrita do Dolo moment de la perpétration de l’infraction, l’auteur
Dentro da culpabilidade, quatro teorias ignorait l’existence des circonstances qui en
procuram explicar a posição da consciência da constituent les éléments légaux ou qui sont
antijuridicidade: a teoria estrita do dolo, a teoria aggravantes, ces circonstances ne lui seront point
imputeés.” RELINGER, A. Code Pénal Allemand.
limitada do dolo, a teoria estrita da culpa- Baden : Wervereis, 1995. p. 36.
bilidade e a teoria limitada da culpabilidade, 18
BELING, Ernst von. Esquema de Derecho
que veremos a seguir15. Penal : la doctrina del delito-tipo. Buenos Aires :
As teorias do dolo tiveram origem na Depalma, 1944. p. 72 (grifo nosso).
19
Alemanha. As construções doutrinárias sobre “Es también evidente la grave injustiça de
pensar que no importa para nada la conciencia de la
15
Afirma Córdoba Roda que “hoy, mientras ilicitud. Debiera, p. ej., ser considerada se condenado
existe acuerdo unánime por parte de la dogmática a muerte el agente de policia que habendo entendido
moderna en afirmar la necesidad del conocimiento erróneamente (talvez sin culpa alguna) sus
de la antijuridicidad, el punto central de la discusión instrucciones de serviço, se creyese obligado a al
se há desplezado a la determinación del lugar comissíon antijurídica de una muerte y hubiese
sistemático de este conocimiento”. (El conocimiento obrado por fidelidad a su deber”. Ibidem, p. 78.
20
de la antijuridicidad en la teoria del delito. p. 105). MAURACH, op. cit., p. 135.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 59
7. Teoria Limitada do Dolo objetivo do tipo. Entretanto, a inconsciência da
ilicitude exclui a culpabilidade, posto que, como
A teoria limitada do dolo também considera o dolo, esgota-se com vontade e previsibilidade,
a consciência da antijuridicidade como a consciência da antijuridicidade passa a ser,
elemento do dolo; ocorre que tal consciência ao lado da imputabilidade, a própria da
não precisa ser uma consciência atual, mas culpabilidade25.
apenas potencial. Essa teoria encontra seu ponto “los dos elementos de la culpabilidad,
de partida no Projeto Gürtner de 1936, que esto es, imputabilidad e possibilidad de
dispunha: conocimiento del injusto, non son
“Actúa dolosamente quien lleva a independientes entre si; el último no és
cabo el hecho con conciencia y voluntad, más que la concreción del primero (...).
siendo conciente de obrar el injusto o de El contenido de la culpabilidad estriba
infringir la ley (parágrafo a, párrafo 2)... en la abierta rebelión contra la norma o
El error es relevante si se basa en una por la reprochable indiferencia frente a
actitud que es incompatible con una las exigencias del Derecho, según que el
concepción sana de Derecho y injusto sujeto actuara con atual, o potencial,
(parágrafo b)”21. conocimiento del injusto”26.
Essa concepção foi embasada na doutrina A consciência da antijuridicidade é, por
de Mezger. Num primeiro momento Mezger conseguinte, sempre potencial. Não vai se
aderiu à teoria estrita do dolo, que exigia do indagar se o agente tinha efetivamente esta
autor o conhecimento “di quelle circostanze consciência, mas far-se-á um juízo pessoal
obbiettive della fattispecie legale, che già sobre o sujeito para aferir se ele tinha, naquelas
sussustono nel momento dell’atto volitivo, e determinadas circunstâncias do cometimento
perciò sono indepiendenti dalla volontà da ação típica e antijurídica, a possibilidade de
dell’agente”22. ter o conhecimento do injusto.
Mezger, contudo, reformulou a sua posição.
Afirma que existem distintos graus de culpabi-
lidade, mesmo frente à teoria do dolo: não há, 9. Teoria limitada da culpabilidade
pois, sempre o dolo na forma normal de A teoria limitada da culpabilidade é muito
culpabilidade 23. Em regra, o dolo exige a semelhante à teoria estrita da culpabilidade. A
consciência da antijuridicidade, mas em diferença reside no erro quanto às causas de
determinados casos ela é inexigível: quando a justificação ou discriminantes putativas.
conduta do autor é incompatível com uma Na teoria estrita da culpabilidade, essa
concepção sã, de conforme ao direito e de espécie de erro sempre excluirá a consciência
contrário ao direito, essa conduta desviante
pode ser chamada de inimizade ao direito ou da antijuridicidade, ou seja, sempre será erro
cegueira jurídica24. Tal erro sobre a antiju- de proibição. Na teoria limitada, o erro quanto
ridicidade seria evitado por uma concepção sã às discriminantes putativas, dependendo do
de direito, a qual o indivíduo não possui, caso, será equiparado ao erro de tipo, excluindo
devendo, portanto, responder a título de dolo o dolo, ou erro de proibição, excluindo a
por sua conduta. culpabilidade. Se o erro for quanto aos limites
da causa de justificação teremos erro de
proibição; se for quanto à existência da
8. Teoria Estrita da Culpabilidade justificadora que autoriza a ação típica, temos
A teoria estrita da culpabilidade, adotada a equiparação ao erro de tipo. Dizemos que o
pelos finalistas, vê toda falta de consciência de erro sobre as discriminantes putativas fáticas
antijuridicidade como erro de proibição. A falta se equipara ao porque o dolo não é excluído no
de consciência de antijuridicidade não exclui o mesmo sentido de que o agente não tem sua
dolo, porque o dolo esgota-se com o querer vontade dirigida à produção do resultado, mas
25
21
CÓRDOBA RODA, op. cit., p. 108. “Al constituir el conocimiento de la anti-
22
MEZGER, Edmund. Diritto Penale. Padova : juridicidad un elemento de la culpabilidad, el error
CEDAM, 1935. p. 328. inevitable de la proibición excluy este elemento del
23
Idem. La culpabilidad en el moderno Derecho delito, y el evitable da lugar a que el juez pueda
Penal, p. 28. atenuar a pena en virtud de la diminuición de la
24 culpabilidad.” CÓRDOBA RODA, op. cit., p. 111.
Ibidem, nota às p. 29-30; ver também nota à
26
p. 11. MAURACH, op. cit., p. 144-145.
60 Revista de Informação Legislativa
porque do mesmo modo que os elementos DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da falta de
objetivos da justificação compensam o desvalor consciência de ilicitude em Direito Penal. 3. ed.
do resultado, os elementos operam com igual Coimbra : Coimbra Ed. 1987.
conseqüência no que concerne ao elemento JESCHECK, Hans-Heinrich. A nova dogmática
penal e a política criminal em perspectiva
subjetivo27. comparada. In : Ciência e política criminal em
Os partidários da teoria limitada da honra de Heleno Fragoso, Rio de Janeiro :
culpabilidade fundamentam-na em uma razão Forense, 1992. p. 217-247.
de política criminal. von Weber dá o seguinte __________. Tratado de Derecho Penal : parte
exemplo: pode-se afirmar que um soldado que general. Traducción de S. Mir Puig e F. Muñoz
mata um camarada, por confusão com o Conde. Barcelona : Bosch, 1981. v. 1.
inimigo, teve resolução de cometer um delito JIMÉNES DE ASÚA, Luis. Teoría jurídica del
de homicídio?28 Deve ele, então, responder pelo delito. Buenos Aires : Universidad del Litoral,
crime na forma culposa, em virtude da 1956.
inexistência do dolo. Essa teoria é a adotada LISZT, Franz von. Tratado de Derecho Penal.
Traducción Luis Jiménez de Asúa. Madrid :
no Direito Positivo brasileiro. Reus, [s.d.]. v. 2.
MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal.
Traducción de Juan Córdoba Roda. Barcelona :
Ariel, 1962. v. 2.
Bibliografia MEZGER, Edmund. Diritto Penale. Traducción
Filippo Mandalari. Padova : CEDAM, 1935.
BELING, Ernst von. Esquema de Derecho Penal : __________. La culpabilidad en el moderno Derecho
la doctrina del delito-tipo. Buenos Aires : Penal. Valladolid : Universidade de Valladolid,
Depalma, 1944. 1956.
BETTIOL, Giuseppe, MANTOVANI, Luciano RELINGER, A. Code Pénal Allemand. Baden :
Petoelo. Diritto Penale. Padua : CEDAM, 1986. Wervereis, 1995. p. 36.
BETTIOL, Giuseppe. Il problema penale. Palermo : SERRA, Teresa. Problemática do erro sobre a
G. Priulla, 1948. ilicitude. Coimbra : Almedina, 1991.
BRANDÃO, Cláudio. A importância da concei- TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos
tuação da antijuridicidade para a compreensão de Direito Penal. São Paulo : Saraiva, 1991.
da essência do crime. Revista de Informação WELZEL, Hans. Derecho Penal. Traducción Carlos
Legislativa, Brasília, jan./mar. v. 34, n. 133, p. Fontan Balestra. Buenos Aires : Depalma, 1956.
23-31, 1997. __________. La posizione dogmatica della dottrina
CAMARGO, A. L. Chaves de. Culpabilidade e finalistica dell’azione. Rivista Italiana di Diritto
reprovação penal. São Paulo : Sugestões Penale, Milano, v. 4, n. 1/2, p. 1-16, gen./apr.
Literárias, 1994. 1951.
CÓRDOBA, RODA, Juan. El conocimiento de la WESSELS, Johannes. Direito Penal : parte geral.
antijuridicidad en la teoria del delito. Barce- Tradução Juarez Tavares. Porto Alegre : Fabris,
lona : Bosch, 1962. 1976.

27
SERRA, Teresa. Problemática do erro sobre
a ilicitude. Coimbra : Almedina, 1991. p. 83.
28
apud CÓRDOBA RODA, op. cit., p. 118.
Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 61
62 Revista de Informação Legislativa

Você também pode gostar