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ASPECTOS NEUROFISIOLÓGICOS DA MUSCULATURA FACIAL


VISANDO A REABILITAÇÃO NA PARALISIA FACIAL

Neurophysiologic aspects of the facial musculature


aiming at rehabilitation of Facial Paralysis
Adriana Tessitore (1), Leopoldo Nisan Pfelsticker (2), Jorge Rizzato Paschoal (3)

RESUMO

Objetivo: revisão teórica dos aspectos e particularidades neurofisiológicas relevantes da muscu-


latura orofacial, visando a reabilitação na paralisia facial periférica. Métodos: revisão da literatura
sobre neuro-anatomofisiologia da musculatura orofacial mediante pesquisa dos artigos dos periódi-
cos nacionais e internacionais e nos livros científicos sobre o tema, no período entre 1995 a 2005.
Resultados: foram revistas 50 referências neste trabalho. Destas, 20 sobre neurofisiologia, 14 sobre
neuroanatomia. As demais sobre fonoaudiologia e paralisia facial. Os artigos de neurofisiologia e
neuroanatomia estudados foram divididos em três grupos: I – Aspectos do complexo neuromuscular;
II – Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face e III – Denervação e atrofia
muscular. Conclusão: a partir dos achados, procurou-se sistematizar didaticamente as particularida-
des da neuro-anatomofisiologia, cujo conhecimento, na impressão dos autores, são relevantes para
o sucesso na reabilitação da paralisia facial.

DESCRITORES: Paralisia Facial; Neurofisiologia; Nervo Facial; Atrofia Muscular; Denervação

■ INTRODUÇÃO comunicação humana (mímica facial). A fala é difi-


cultada pelo desvio do filtro naso-labial e pela arti-
Na paralisia facial (PF) ocorrem comprometi- culação inadequada dos fonemas labiodentais e
mentos de ordens estética e funcional dos múscu- bilabiais, pelo comprometimento do músculo buci-
los faciais com repercussão emocional marcante. nador 10,11.
Dentre as causas da PF, além das idiopáticas, des- A redução da força na oclusão labial implica
tacam-se o trauma, o tumor e a infecção 1-3. em diminuição da pressão intra-oral, não reten-
A PF tem sido progressivamente, objeto de ção de líquido na cavidade oral e estase de
estudo dos fonoaudiólogos que trabalham com alimentos no vestíbulo, no lado paralisado,
motricidade e reabilitação orofacial. A terapia visa configurando comprometimento das funções
às reabilitações da fala, mastigação, deglutição, estomatognáticas. Eventualmente, os pacientes
sucção e expressividade facial 4-9. engasgam e podem ter dificuldade para deglutir
A ausência de movimentos nos músculos da alimentos sólidos em função da diminuição sali-
face acarreta desfiguração e comprometimento var e da paralisia nos músculos estilo-hióideo e
da expressão facial, fundamental no processo de ventre posterior do digástrico, ambos inervados
pelo nervo facial 12, 13.
(1)
Fonoaudióloga; Mestre e Doutoranda em Ciências Médi- A paralisia do movimento palpebral inferior gera
cas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade grande desconforto ocular no lado comprometido,
Estadual de Campinas.
podendo assumir características dramáticas como
(2)
Médico Otorrinolaringologista do Ambulatório da Base do
Crânio e Paralisia Facial da Disciplina de Otorrinolaringolo- úlcera de córnea, desconforto e dor decorrentes da
gia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de exposição prolongada da córnea 14.
Campinas.
O atendimento dos pacientes com PF deve ser
(3)
Médico Otorrinolaringologista; Chefe do Ambulatório da feito por equipe multidisciplinar envolvendo médi-
Base do Crânio e Paralisia Facial da Disciplina de Otor-
rinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade cos otorrinolaringologista e neurocirurgião, fonoau-
Estadual de Campinas. diólogo e, ocasionalmente, psicólogo.

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Neurofisiologia da musculatura orofacial 69
O tratamento pode ser medicamentoso apenas ■ RESULTADOS
ou associado à terapia de reabilitação ou ainda
medicamentoso e cirúrgico seguido da reabilitação Dentre os capítulos e artigos estudados, foram
orofacial. selecionadas 50 referências. Destas, 20 sobre neu-
A literatura relacionada à reabilitação orofacial rofisiologia, 14 sobre neuroanatomia e 16 sobre
na PF ainda é restrita. O conhecimento básico da reabilitação nas paralisias faciais, sendo considera-
neurofisiologia muscular permite compreender das as de importância na fonoaudiologia.
mais os fenômenos de denervação e atrofia. Esse Os trabalhos citados neste artigo de neurofisiolo-
conhecimento é importante para definir as técnicas gia e neuroanatomia estão dispostos didaticamente
de atuação e, eventualmente, para desenvolver segundo três aspectos relevantes:
novas estratégias de atuação na reabilitação facial. I. Aspectos do complexo neuromuscular
O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura II. Características morfológicas e histoquímicas
concernente à neuro-anátomo-fisiologia da muscu- dos músculos da face.
latura orofacial, visando a reabilitação na paralisia III. Denervação e atrofia muscular
facial periférica.
I. Aspectos do complexo neuromuscular
■ MÉTODOS 1. Estrutura do músculo esquelético
A unidade funcional do músculo esquelético,
Foi realizada pesquisa bibliográfica nos perió- estriado, é o sarcômero, que é composto de fila-
dicos nacionais e internacionais e em livros, sele- mentos espessos e finos. Os sarcômeros em série
cionando, segundo a impressão dos autores, as formam as miofibrilas, cujo conjunto em paralelo
informações de maior relevância para os objetivos forma a célula muscular (Figura 1). Os filamentos
propostos. são constituídos de proteínas 15:
1. Filamentos espessos – miosina,
A base de dados foi a Bireme (biblioteca virtual)
com consulta no Medline, Lilacs e Pubmed, sendo 2. Filamentos finos – actina, tropomiosina e
pesquisados os textos publicados no período entre troponina.
1995 a 2005. A miosina e a actina promovem a contração
muscular. A troponina e a tropomiosina são prote-
Os artigos estudados de neuofisiologia e neuro-
ínas reguladoras que, mediante bloqueio de sítios
anatomia foram divididos em três grupos:
ativos presentes na molécula de actina, impe-
I. Aspectos do complexo neuromuscular dem a interação actina-miosina no músculo em
II. Características morfológicas e histoquímicas repouso 15.
dos músculos da face. Existem três tipos de fibras musculares esque-
III. Denervação e atrofia muscular léticas referidas como A, B e C, porém no presente
trabalho utilizou-se a denominação de fibras tipo I,
Critérios de inclusão: II e III respectivamente:
– Tipo I: grande diâmetro, baixo teor de mio-
– Capítulos e artigos sobre reabilitação fonoau-
globina e coloração pálida. Caracteristicamente
diológica das paralisias faciais.
apresenta baixa resistência à fadiga e participa das
– Textos sobre neuroanatomofisiologia da mus- grandes unidades motoras.
culatura orofacial – Tipo II: diâmetro intermediário entre o da fibra
Critérios de exclusão: I e o da fibra III, alto teor de mioglobina e coloração
– Textos sobre reabilitação das PF por outras vermelha. São fibras de resposta rápida, resisten-
abordagens que não a fonoaudiológica. tes à fadiga.

1
2

Sarcômero Miofibrila Célula Muscular

Legenda: 1 – Filamento fino; 2 – Filamento espesso.

Figura 1 – Esquema da unidade funcional do músculo esquelético estriado

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– Tipo III: diâmetro pequeno e grande conteúdo O impulso nervoso produz um potencial na placa
de mioglobina. Compõe unidades motoras peque- motora da fibra muscular. Ao atingir o limiar do
nas, de resposta lenta, sendo resistente à fadiga 16. mesmo, desencadeia um potencial de ação que se
Segundo o mesmo autor 16 a maior parte dos propaga ao longo da fibra, provocando a contração
músculos faciais contém os três tipos de fibras, em muscular 21.
proporções diferentes. A capacidade do músculo em executar uma fun-
A variação, a força e o tipo de movimentos mus- ção determinada deve-se à soma das capacidades
culares são determinados pelas diferenças na inte- das unidades motoras que o compõem. Quanto
ração das unidades motoras. As informações sobre menor a fibra muscular, menor a quantidade de
a funcionalidade dessas unidades são obtidas atra- unidades motoras. Músculos com pequena quan-
vés da eletromiografia (EMG) e as informações da tidade de unidades motoras são específicos para
condução nervosa (elétrica) do nervo periférico são movimentos finos e delicados, como na muscula-
obtidas através da eletroneuromiografia (ENMG) 17. tura facial. Aqueles com grande quantidade de uni-
dades motoras respondem pelos grandes esforços
2. Junção Neuromuscular musculares 22.
A unidade funcional motora do sistema nervoso
é chamada motoneurônio. O estímulo elétrico pro-
veniente do mesmo é necessário para desencadear II. Características morfológicas e
a contração da fibra muscular esquelética. Esse histoquímicas dos músculos da face
estímulo passa através de um complexo denomi- Os músculos da face caracterizam-se por man-
nado junção neuromuscular, formado pelo moto- ter conexões íntimas com a pele, à qual se inse-
neurônio e pela célula muscular. Sob esses estí- rem diretamente por meio de feixes isolados. Não
mulos, ocorrem modificações na difusão de cálcio existem tendões como na musculatura esquelé-
no citoplasma da célula muscular. Os eventos sub- tica. Suas fibras são planas, finas e mal delimi-
seqüentes decorrem da excitação da membrana tadas. A maioria é desprovida de aponeurose e é
sarcoplasmática e conseqüente contração da fibra dependente, como nos demais músculos esquelé-
muscular 18. Além do cálcio, o sódio e a acetilcolina ticos, dos neurotransmissores liberados na junção
participam do fenômeno de contração muscular 19. neuromuscular. Essas características anatômicas
particulares determinam suas peculiaridades fun-
3. Unidade motora / placa motora cionais 23.
Quando o axônio de um motoneurônio chega a As fibras dos músculos faciais têm caracterís-
um músculo divide-se em terminais de número vari- ticas particulares quanto à distribuição das placas
ável, cada qual terminando numa só fibra muscular. motoras. Três padrões de distribuição foram des-
Esse conjunto é denominado unidade motora. A critos 24:
unidade motora constitui a via final comum e funcio- 1)Áreas pequenas, numerosas, providas de pla-
nal de toda a atividade motora (Figura 2). A unidade cas motoras;
motora é o componente básico da atividade mus-
2)Uma área de placas motoras predominante,
cular e refere-se ao conjunto do corpo celular do
associada a duas ou três outras espalhadas sem
motoneurônio e das fibras musculares esqueléticas
padrão de distribuição;
inervadas pelo mesmo 20.
O local exato de intersecção do terminal nervoso 3)Duas a quatro áreas de placa motoras distribuí-
com a célula muscular é chamado placa motora. das padronizadamente.
Portanto, a unidade motora é constituída de várias Nos pequenos músculos do complexo orofacial,
placas motoras. apenas oito a dez feixes de fibras participam de
cada unidade motora, garantindo um mecanismo
diferenciado que reponde pela precisão do movi-
mento muscular 25.
Na boca, o músculo orbicular é constritor,
enquanto todos os demais são dilatadores (músculo
levantador do lábio superior, levantador comum do
lábio superior e da asa do nariz, levantador do ângulo
da boca, zigomático menor, zigomático maior, risó-
rio, bucinador, abaixador do ângulo da boca, abai-
Legenda: Mn – Motoneurônio; Ax – Axônio; PM – Placa Motora xador do lábio inferior, mentual e platisma). Todos
os músculos faciais são inervados pelo nervo facial
Figura 2 – Esquema ilustrativo da unidade (NF), exceto o músculo levantador da pálpebra
motora superior, inervado pelo nervo óculo-motor 26,27.

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O diâmetro das fibras dos músculos faciais, lares degeneram-se e o músculo atrofia. O músculo
quando comparado ao restante da musculatura estará reduzido a aproximadamente um quarto do
esquelética, é significativamente menor. Varia de volume normal no prazo de seis meses a dois anos.
20 a 24 micrômeros (milésima parte do milímetro) e Suas fibras terão sido substituídas, em sua maioria,
de 41 a 45 micrômeros 28. por tecido fibroso 33.
Técnicas histoquímicas, que permitem estudo Ao contrário das fibras musculares faciais nor-
do tipo da fibra muscular, mostraram três grupos mais, ricas em placas motoras, neste estudo, não
distintos de músculos da mímica facial, segundo a observaram junções neuromusculares em fibras
proporção de fibras: de músculos denervados. No mesmo estudo,
1) Músculos fásicos: apresentam pequena con- embora não tenham encontrado associação entre
centração de mioglobina, têm grande potência e o grau de atrofia muscular e as durações da para-
velocidade de contração e entram em fadiga rapi- lisia facial, mostraram que a quantidade de fibrose
damente. Têm 14 a 15% de fibras tipo I; é maior quanto mais prolongado for o tempo de
2) Músculos intermediários: apresentam dois paralisia 34.
tipos de fibras musculares, fásicas e tônicas, com A placa motora degenera-se com a denervação.
28 a 37% de fibras tipo I; Uma pesquisa mostrou que a degradação progres-
3) Músculos tônicos: são também chamados de siva dos receptores de acetilcolina inicia-se em 30
vermelhos, devido ao grande teor de mioglobina. dias aproximadamente. A célula muscular sinaliza
São resistentes à fadiga e contém de 41 a 67% de os locais onde sinapses são neoformadas, fora
fibras tipo I 29. da região da placa motora original, mediante ação
As fibras musculares tipo I, isoladamente, são dos receptores de acetilcolina em sua membrana.
encontradas em três grupos musculares: orbicular Esses receptores difundem-se na célula e mantêm
dos olhos (5%); zigomático, levantador dos lábios, uma concentração constante de manutenção até a
levantador do ângulo labial, depressor do ângulo reinervação reverter o processo 35.
labial e platisma (27 a 38 %); occiptofrontal e buci- Estudos experimentais, nos músculos faciais de
nador (53 a 77 %). Enquanto o músculo bucina- ratos, mostram incremento de pequena monta no
dor é composto de mais de 53% de fibras tipo I, número de fibras atróficas. Ocorre, então, fibrose e
no músculo orbicular oral tem-se 71% de fibras tipo proliferação das células lipídicas, dificultando a dis-
II. Necessidades funcionais específicas são mais tinção do tipo histológico da fibra muscular. Esse
importantes que a origem embriológica ou a inerva- fenômeno ocorre em duas semanas após a dener-
ção para a diferenciação muscular 30. vação 36. Outro estudo, também no músculo orbi-
Diferenças específicas quanto à composição cular dos olhos de ratos, demonstrou diminuição
das fibras e de miosina caracterizam a especializa- importante no número das placas motoras. Após a
ção funcional do músculo humano, ao compararem- reinervação, ocorreu aumento de 50% no mesmo 37.
se músculos orofaciais com músculos esqueléticos Outro estudo observou que a reinervação muscular
de membros 31. primária precoce assegurou tendência à normaliza-
A velocidade da condução nervosa é maior na ção do diâmetro da fibra muscular 38.
musculatura ocular quando comparada à orbicular Estudo sobre as mudanças histopatológicas no
da boca. Estudando a relação entre força e dura- músculo facial denervado, mostraram que as fun-
ção de contração desses músculos, identificam-se ções vitais da fisiologia celular aumentaram nas
limiares menores no orbicular dos olhos. Obser- primeiras duas semanas pós-denervação. O fenô-
vando, à microscopia eletrônica, que a área de meno prolongou-se até seis meses, sendo que o
sinapses secundárias na placa motora do orbicular tipo histoquímico da miofibrila começou a modificar-
dos olhos é maior que no orbicular da boca, con- se um mês após a denervação 39.
cluíram que os músculos orbiculares dos olhos e Os núcleos das células musculares de ratos
da boca têm características anátomo-fisiológicas foram estudados e revelou-se a diminuição numé-
diferentes 32. rica no animal jovem, cinco a 10 dias após a dener-
vação. No rato adulto, ficou inalterado até 120 dias
III. Denervação e atrofia muscular depois da denervação. Os resultados sugerem que
Os impulsos tônicos intermitentes, na inervação a diferença de idade afeta o grau da diminuição
normal, são suficientes para manter o músculo tró- dos núcleos musculares. Atrofia da fibra citoplas-
fico, mesmo em repouso (tônus). As fibras muscu- mática pode ocorrer sem diminuição numerária dos
lares atrofiam completamente na ausência desses núcleos musculares 40. Investigando as mudanças
impulsos. A atrofia seria causada por alterações estruturais da micro-vascularização nos músculos
nutricionais no músculo denervado. Quando a iner- esqueléticos em desuso, verificaram que essas
vação de um músculo é destruída, as fibras muscu- dependem do tempo de desuso, do grau de atrofia

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muscular, do tipo de músculo e de doenças muscu- Conhecimentos das especificidades da musculatura


lares associadas, entre outros fatores. Esses auto- orofacial são de importância fundamental.
res acreditam na existência de relações importantes Neste estudo, resgatou-se conhecimentos bási-
entre o fluxo sanguíneo e o tipo de parede vascular cos sobre a neurofisiologia do fenômeno de con-
na formação da matriz extracelular ou da própria tração até a atrofia. Denervação e envelhecimento
fibra muscular 41. das estruturas das fibras musculares foram outros
Os processos de atrofia da fibra muscular e de aspectos destacados 15-20.
apoptose da musculatura esquelética denervada Os músculos faciais têm unidades motoras
seriam diferentes no tempo e na forma de expres- pequenas, com função de movimentos finos e
são. Portanto, diferentes fenômenos ocorrem no delicados, que garantem a precisão funcional.
período pós-denervação. Músculos faciais denerva- Suas fibras musculares têm estruturas adaptadas
dos, em ratos, mostraram alto índice de fenômenos ao tipo de contração muscular exigida. As carac-
determinantes da apoptose celular. Quando reiner- terísticas anátomo-fisiológicas de cada músculo
vados precocemente voltaram rapidamente a índi- facial, isoladamente, determinam a estratégia de
ces próximos do normal 42. reabilitação 25-27.
Estudos sobre músculos faciais denervados por As características das fibras musculares e o
tempo prolongado mostraram que alterações pro- potencial de resistência à fadiga muscular que
téicas facilitam a diferenciação celular das células os músculos orofaciais apresentam fazem refletir
satélites, com conseqüente melhora da paralisia como se deve solicitar esta musculatura. Obser-
facial 43. vou-se aqui que o músculo orbicular dos olhos
Particularidades genéticas podem modificar atua com mais velocidade e tem menor resistên-
suas funções potenciais durante a denervação e cia à fadiga quando comparado ao músculo orbi-
promover regeneração da fibra muscular 44. cular dos lábios. Dessa forma, ao se trabalhar na
Em estudo recente, demonstram que ocorre reabilitação dos movimentos orofaciais, solicita-se
redução total das fibras musculares no envelhe- mais a repetição rápida do orbicular dos olhos que
cimento. Há atrofia seletiva substancial das fibras a do orbicular da boca. A despeito de ser um mús-
musculares tipo II. De acordo com o autor, as fibras culo maior, este tem resistência à fadiga menor
tipo II teriam capacidade de regeneração reduzida e maior força de contração. Quando são solicita-
em comparação com as fibras tipo I. O envelheci- dos exercícios para o orbicular da boca, deve-se
mento provoca a diminuição numérica das unida- repetir menos e manter mais tempo de contração
des motoras na junção neuromuscular 45. (isométrico) para se buscar o que músculo tem de
melhor 30-32.
O prejuízo da função muscular no idoso está
relacionado às modificações das proteínas muscu- O músculo depende da fibra nervosa para suas
lares específicas 46. Biópsias dos músculos dener- funções. Por isso, a integridade da relação nervo-mús-
vados, entre quatro e 24 meses, exibiram diferença culo e junção neuromuscular são fundamentais 18,19.
na intensidade de atrofia da fibra muscular tipo II, Nos casos de paralisia, quanto mais precoce a rei-
entre ratos jovens e velhos 47. nervação, maiores as perspectivas de recuperação
favorável 42.
Estudos sobre os efeitos dos alongamentos
estáticos de pequena duração na morfologia dos A presença de fibras musculares faciais viáveis
músculos denervados e reinervados, concluíram após 36 anos de denervação, embora extrema-
que esse tipo de estímulo pode prevenir a atrofia mente atrofiadas, indicaria a possibilidade de rea-
das fibras musculares tipo I 48-50. bilitação, em princípio, mesmo nos pacientes sob
longo período de paralisia. O resultado, contudo,
refere-se à manutenção da atividade neuromuscular
■ DISCUSSÃO mínima, que é o tônus muscular. Portanto, mesmo
não existindo correlações clínica, eletromiográfica
Na reabilitação orofacial, utilizam-se recursos e morfológicas satisfatórias, o estudo detalhado de
como manobras de deslizamentos orofaciais pas- cada indivíduo com PF é essencial na decisão de
sivos e solicitação da execução funcional. Isto eventual reabilitação 17,42,43.
é feito isometricamente para aumento da força No envelhecimento, as alterações musculares
muscular, ou isotonicamente para manutenção degenerativas fisiológicas são fatores prognósticos
do tônus muscular e controle de movimento. As desfavoráveis na reabilitação do paciente idoso
abordagens terapêuticas em geral são baseadas com PF.
nestes recursos 4-9. Os dados, acima demonstrados, sem dúvidas,
Para reabilitação na paralisia facial deve-se ter evocam questionamentos de estudos complemen-
em mente as duas fases: flácida e de seqüelas. tares: qual o efeito da terapia miofuncional nos fato-

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res moleculares ligados à atrofia? A terapia miofun- ■ CONCLUSÃO
cional poderia interferir nos níveis das proteínas que
protegem a célula muscular da apoptose? A terapia A partir dos achados, foi possível sistematizar
miofuncional poderia atuar nos níveis bioquímicos, didaticamente as particularidades da neuro-anato-
fisiológico e ultramicroscópico, envolvidos no fenô- mofisiologia cujo conhecimento é relevante para o
meno de regeneração neuromuscular 39-50. sucesso na reabilitação da paralisia facial.

ABSTRACT

Purpose: theoretical review on the neurophysiologic aspects of the orofacial musculature, aiming at
the rehabilitation of peripheral facial paralysis. Methods: review of the literature on neuroanatomi-
cophysiology of orofacial musculature by means of researching articles of national and international
journals and in scientific books about the theme, in the period between 1995 and 2005. Results:
we have reviewed 50 references all along this work. Out of them, 20 on neurophysiology, and 14 on
neuroanatomy. The others were on speech therapy and facial paralysis. The studied articles were
divided in three groups: I. Aspects of the neuromuscular compound; II. Morphologic and histochemical
characteristics of the face muscles and III. Denervation and muscular atrophy. Conclusion: from the
findings, we managed to didactically systematize the particularities of the neuroanatomicophysiology,
whose knowledge, under the author’s point of view, is relevant for the success of the rehabilitation of
facial paralysis.

KEYWORDS: Facial Paralysis; Neurophysiology; Facial Nerve; Muscular Atrophy; Denervation

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RECEBIDO EM: 28/05/2007


ACEITO EM: 04/02/2008

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