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Reabilitação

Materiais e Técnicas
Tradicionais de Construção

série REABILITAÇÃO

vasco pereira
joão guerra martins 1.ª edição / 2005
Apresentação

Este texto resulta, genericamente, o repositório da Monografia do Eng.º Vasco Pereira.

Pretende, contudo, o seu teor evoluir permanentemente, no sentido de responder quer à


especificidade dos cursos da UFP, como contrair-se ainda mais ao que se julga pertinente e
alargar-se ao que se pensa omitido.

Embora o texto tenha sido revisto, esta versão não é considerada definitiva, sendo de supor a
existência de erros e imprecisões. Conta-se não só com uma crítica atenta, como com todos os
contributos técnicos que possam ser endereçados. Ambos se aceitam e agradecem.

João Guerra Martins


Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

Sumário

No domínio da recuperação e reabilitação do Património Urbano e Histórico Antigo uma


selecção adequada dos materiais utilizados reveste-se de uma importância primordial.

A presente monografia apresenta uma primeira parte em que são abordados aspectos ligados
aos materiais tradicionais e uma segunda aos procedimentos técnicos utilizados na
recuperação.

No que se refere à primeira parte do trabalho, é feita uma enunciação dos materiais
tradicionalmente utilizados e das suas respectivas características e formas de conservação,
comparando, em alguns casos, as suas vantagens e desvantagens em relação a materiais
actuais.

Em relação aos procedimentos técnicos descritos na segunda parte do trabalho convém


salientar a sua importância, pois mais recentemente tem vindo a estabelecer-se e a
desenvolver-se a aplicação de métodos de análise e diagnóstico de modo a apoiar o projecto e
o lançamento das obras necessárias à reabilitação de edifícios, fundamentando e auxiliando
assim, com maior rigor, as decisões a tomar.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

Índice de texto . Página

1 Introdução 1

2 Materiais e suas características 6


2.1 Pedras naturais 7
2.1.1 Transformação da pedra e seu assentamento 8
2.1.1.1 Alvenaria de pedra aparelhada 9
2.1.1.2 Alvenaria ordinária 10
2.1.1.3 Alvenaria de pedra seca ou junta seca 12
2.1.2 Exigências gerais da pedra utilizada na construção 14
2.1.3 Factores de alteração 15
2.1.4 Causas mecânicas de deterioração 15
2.1.4.1 Processos de deterioração devido à acção da água 16
2.1.4.2 Processos de deterioração consequente da acção química 17
2.1.4.3 Processos de deterioração consequente da acção biológica 18

2.2 Pedras artificiais 19


2.2.1 Tijolo 19
2.2.1.1 Técnica de aplicação de tijolo face-à-vista 20
2.2.1.2 Tipologia de paredes de tijolo 22
2.2.1.2.1 Pano de tijolo ao alto 22
2.2.1.2.2 Pano de tijolo a meia vez 22
2.2.1.2.3 Pano de tijolo a uma vez 23
2.2.1.3 Condições técnicas 23
2.2.2 Telha 24
2.2.2.1 Telhas de encaixe 31
2.2.2.2 Telhas canudo e romana 32
2.2.2.3 Telhas planas 33
2.2.2.4 Estanquidade à água 34
2.2.2.5 Susceptibilidade de condensações 35
2.2.2.6 Comportamento ao gelo-degelo 35
2.2.2.7 Permeabilidade ao ar 35

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Índice de texto . Página

2.2.2.8 Isolamento térmico 36


2.2.2.9 Comportamento mecânico 36
2.2.2.10 Comportamento sob a acção do vento 36
2.2.2.11 Estanquidade aos materiais em suspensão no ar 36
2.2.2.12 Isolamento sonoro 37
2.2.2.13 Exigências geométricas e de estabilidade dimensional 37
2.2.2.14 Uniformidade do aspecto 37
2.2.2.15 Reacção ao fogo 38
2.2.2.16 Resistência aos agentes químicos 38
2.2.3 Taipa e Adobe 39
2.2.3.1 Fases da construção de uma parede em taipa 41
2.2.3.2 Taipa de fasquio 48
2.2.3.2.1 Técnica de construção 48
2.2.3.3 Taipa de Rodízio 50
2.2.3.3.1 Técnica de construção 51

2.3 Aviamentos 52
2.3.1 Cal 52
2.3.1.1 Derivados de cal aérea 54
2.3.1.2 Cal hidratada com óleo 55
2.3.2 Gesso 59

2.4 Revestimentos 60
2.4.1 Metodologias de trabalho 61
2.4.1.1 Análise química 61
2.4.1.2 Análise mineralógica por diafractometria de raios X (DRX) 62
2.4.1.3 Análise termogravimetrica (TG) 62
2.4.1.4 Análise ao MEV/AXDE 62
2.4.2 Argamassas de cal 65
2.4.3 Argamassas de gesso 68
2.4.4 Rebocos 70
2.4.5 Estuque 71
2.4.6 Pinturas 72

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Índice de texto . Página

2.4.6.1 Pigmentos 73
2.4.6.2 Cor 74
2.4.6.3 Tinta de cal 77
2.4.6.4 Tinta de cola 78

2.5 Madeiras 79
2.5.1 Corte 84
2.5.2 Teor de humidade 84
2.5.3 Defeitos das madeiras apresentados genericamente 85
2.5.4 Classificação das madeiras para a construção 86
2.5.4.1 Madeiras finas 86
2.5.4.2 Madeiras duras ou rijas 87
2.5.4.3 Madeiras resinosas 87
2.5.4.4 Madeiras brandas 87
2.5.5 Tipos de madeiras 88
2.5.5.1 Castanho 88
2.5.5.2 Eucalipto 88
2.5.5.3 Casquinha 88
2.5.5.4 Pinho 88
2.5.6 Flaqueamento da madeira 89
2.5.7 Caracterização da madeira de pinho bravo 89
2.5.7.1 Secagem 90
2.5.7.2 Trabalhabilidade 90
2.5.7.3 Durabilidade 90
2.5.7.4 Preservação 91
2.5.7.5 Inconvenientes 91
2.5.7.6 Vantagens 92

3 Procedimentos técnicos utilizados na recuperação 93


3.1 Análises e diagnóstico 93
3.1.1 Observação dos deslocamentos ou deformação dos elementos das estruturas 93
3.1.2 Análises e diagnósticos de patologias em elementos da construção 93

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Índice de texto . Página

3.1.3 Tipificação 95

3.2 Procedimentos, técnicas e tecnologias de reabilitação ou recuperação 97


3.2.1 Manutenção 97
3.2.2 Reabilitação estrutural 97
3.2.3 Reabilitação das madeiras 99
3.2.4 Reabilitação não estrutural 99
3.2.4.1 Reabilitação higrotérmica e de segurança ao fogo 99
3.2.4.2 Reabilitação de revestimentos e acabamentos 100
3.2.4.3 Reabilitação de elementos em pedra 101

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Índice de figuras Página

Figura 2.1.1 Classificação de rochas 7


Figura 2.1.1.1 Operações e os diferentes tipos de blocos a obter 8
Figura 2.1.1.1.1 Exemplo de alvenaria de pedra aparelhada, Igreja Matriz de Caminha 9
Figura 2.1.1.1.2 Diversos aspectos possíveis de alvenaria aparelhada 10
Figura 2.1.1.1.3 Exemplos de pedra para se obter a alvenaria aparelhada 10
Figura 2.1.1.2.1 Reconstrução em alvenaria ordinária 11
Figura 2.1.1.2.2 Diferentes aspectos de alvenaria ordinária 11
Figura 2.1.1.3.1 Muros de suporte de alvenaria seca 12
Figura 2.1.1.3.2 Técnica mista, aplicação de tijolo burro no arranque da abóboda,
enchimento c/ alv. ordinária e a secção do arco em alv. Aparelhada 13
Figura 2.1.4.1 Causas que provocam a fissuração em materiais como a pedra e o
Tijolo 16
Figura 2.1.4.2.1 Causas de deterioração consequente da acção química 18
Figura 2.2.1.2.1 Exemplificação de um pano de tijolo ao alto 22
Figura 2.2.1.2.2 Exemplificação de um pano de tijolo a meia vez 22
Figura 2.2.1.2.3 Exemplificação de um pano de tijolo a uma vez 23
Figura 2.2.2.1 Telhados do Centro Histórico do Porto vistos da Torre dos Clérigos 24
Figura 2.2.2.2 Inclinação mínima das coberturas dependente da localização 26
Figura 2.2.2.1.1 Início da colocação das telhas na cobertura 31
Figura 2.2.2.2.1 Subtelha Onduline e aplicação de telha canudo 32
Figura 2.2.2.2.2 Princípios da fixação das telhas em função da inclinação 33
Figura 2.2.2.2.3 Inclinação mínima das coberturas 33
Figura 2.2.3.1 Aspecto da Taipa 39
Figura 2.2.3.1.1 Fases de construção de uma parede em taipa 41
Figura 2.2.3.1.2 Extracção das terras 42
Figura 2.2.3.1.3 Travamentos que deverão ser feitos e como devem ser lançadas as
Fiadas de alvenaria. 43
Figura 2.2.3.2.1 Taipa de fasquio 48
Figura 2.2.3.3.1 Taipa de rodízio 50
Figura 2.2.3.3.2 Taipa de rodízio – prumos de travamento 51

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Bibliografia

[1] - Fernandes, Afonso, “Qualidade dos materiais e componentes da construção”, M672,


LNEC.

[2] - Castro, Esla, “A Conservação de Monumentos em Pedra”, M627, LNEC.

[3] - Branco, J. Paz, “Manual do Pedreiro”, M – 3, LNEC

[4] - Teixeira, Gabriela de Barbosa e Belém, Margarida da Cunha, “Técnicas Tradicionais


de Construção”, CRAT

[5] - Simões, Abel, “O tijolo, velho e sempre novo material de construção”, M291, LNEC

[6] - “Cerâmica do Vale da Gândara”

[7] - “Manual de Aplicação de Telhas Cerâmicas”, Associação Portuguesa de Indústriais da


Cerâmica e Construção.

[8] - “7ª Conferência Internacional sobre o Estudo e Conservação da Arquitectura de


Terra”, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – 1993.

[9] - “Porto Património Mundial”, Câmara Municipal do Porto, 1998 – 1ª Edição

[10] - “Porto Património Mundial – CRUARB 25 Anos de Reabilitação Urbana”, Câmara


Municipal do Porto, 2000 – 1ª Edição

[11] - “Prática de Conservação e Restauro do Património Arquitectónico”, G.E.Co.R.P.A.

[12] - “Caracterização de argamassas antigas”, LNEC – Lisboa, 2001

[13] - Sousa, Pedro Manuel, “A madeira como material de construção”, LNEC – Lisboa,
1999

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[14] - Jroma. [Em linha]. Disponível em http://www.jroma.pt/humidade_madeiras.htm.


[Consultado em 20-07-2002]

[15] - Casema. [Em linha]. Disponível em http://casema.pt/faq.htm [Consultado em 20-07-2002]

[16] - Mapara. [Em linha]. Disponível em http://mapara.inpa.gov.br/madeira/bra/drying.htm.


[Consultado em 15-06-2002]

[17] - Mapara. [Em linha]. Disponível em


http://mapara.inpa.gov.br/madeira/bra/preservation.htm [Consultado em 15-06-2002]

[18] - Mapara. [Em linha]. Disponível em


http://mapara.inpa.gov.br/madeira/bra/durability.htm. [Consultado em 15-06-2002]

[19] - “Monografia Portuguesa sobre Inovação e Reabilitação de Edifícios”, LNEC – Lisboa,


1991

[20] - Xiloquímica. [Em linha]. Disponível em


http://www.xiloquímica.com/htmlsite/produtos.html. [Consultado em 15-07-2002]

[21] - Seival [Em linha]. Disponível em http://www.seival.com.br/boletins.htm. [Consultado


em 15-07-2002]

[22] - Banet. [Em linha]. Disponível em


http://www.banet.com.br/construcoes/materiais/argamassa/argamassas.htm. [Consultado
em 15-07-2002]

[23] - Gzcah. [Em linha]. Disponível em http://www.gzcah.pt/album/pedra/meteo.htm.


[Consultado em 15-07-2002]

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1. INTRODUÇÃO.

É intenção deste trabalho apresentar as mais significativas técnicas tradicionais de construção


e contribuir para o levantar de questões em torno da recuperação e valorização das mesmas.

A presente monografia, apresenta uma primeira parte em que são abordados aspectos ligados
aos materiais tradicionais e uma segunda aos procedimentos técnicos utilizados na
recuperação.

Sendo o homem agente da prática, é simultaneamente o instrumento e o depositário de uma


memória que não se pretende cristalizada, mas que deve ser reconhecida como fruto de
mutações e actualizações sofridas ao longo do tempo. De acordo com esta ideia, as técnicas
tradicionais de construção manifestam por inteiro as três dimensões do Homem: o pensar,
como conhecimento adquirido; o sentir, como capacidade criativa; e o agir como
concretização de ambos, revelando-se através delas o Artesão e o Alquimista. Faltando uma
destas dimensões desvirtua-se a essência das técnicas tradicionais.

Os séculos XIX e XX trouxeram um desenvolvimento que se traduziu na descoberta e na


utilização generalizada de novos materiais e de novas tecnologias, condicionando a
manutenção das técnicas tradicionais o que levou à actual falta de mão-de-obra especializada
que rege recuperar.

O cimento portland, considerado por muitos o paradigma deste século, foi um dos principais
agentes de alteração da prática tradicional de construção, pois desde então para cá, o que era
um material utilizado para fabricar vasos de flores tornou-se o material de construção por
excelência. Todos os outros passaram a auxiliares do “rei” cimento. O cimento Portland
desenvolveu-se no século XIX e foi assim chamado porque se assemelha a uma pedra muito
utilizada em construção, extraída em Portland, Inglaterra. O reforço do cimento através de
uma armadura interna em varas de ferro tornou-o extremamente resistente a qualquer tipo de
esforços e cargas. De então para cá, o betão armado é a imagem da resistência e da
durabilidade, e consequentemente, um dos materiais de construção de maior prestígio.

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O betão armado, aquele material tido como eterno é, sabemo-lo agora, muito resistente mas
não de eterna duração. Desconhecem-se processos de manutenção e restauro rentáveis e
eficazes destas estruturas. Tal poderá significar que o início de demolições em larga escala
estará quase a começar, atingindo principalmente, e simultaneamente, os maiores e os mais
antigos edifícios de betão armado em todo o mundo.

Desconhecem-se também formas de o decompor nos seus produtos constitutivos, pelo que a
sua reciclagem não é actualmente encarável. O destino dos entulhos resultantes dessas
demolições está ainda por encontrar. Aterros não deverão ser a resposta adequada, pelos
volumes envolvidos e também por razões ecológicas, visto ser constituído por uma
percentagem significativa de compostos de cimento.

O betão armado é portanto hoje a base de quase toda a construção. A produção regular deste
material composto sobretudo no que respeita ao fabrico do cimento e do aço, requer
tecnologias muito avançadas e altas temperaturas, o que implica o consumo de enormes
quantidades de combustível. Tanto os altos fornos de ferro e aço, como os de cimento se
encontram entre os grandes consumidores de combustível. Os próprios métodos actualmente
utilizados na construção consomem muita energia. Sabendo-se que o petróleo é um recurso
não renovável e finito, devemos procurar diminuir o seu consumo, reduzindo o volume de
energia utilizada na fabricação dos seus materiais e na própria construção.

Estas reflexões conduzem–nos, naturalmente, à procura de materiais alternativos de menor


consumo energético, mais duráveis, menos poluentes e que respondam aos padrões exigidos,
ou a materiais já encontrados, isto é, aos materiais tradicionais. Na realidade, materiais
tradicionais de construção como a pedra ou a terra, ainda hoje fazem parte do nosso
património arquitectónico. Prova, portanto, que perduraram através de séculos ou de milénios.
Não devemos também esquecer a madeira e outras fibras naturais que, embora de bastante
menor duração, são materiais renováveis e não poluentes, que respondem, com eficácia, aos
actuais padrões de conforto.

Os materiais de construção utilizados até à explosão do betão armado, tais como a pedra, a
terra ou a madeira, eram fáceis de encontrar. A forma de os utilizar foi estabelecida de
harmonia com as necessidades e os recursos disponíveis localmente. De tudo isso nos

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esquecemos ou já nem sequer chegámos a aprender. É-nos, hoje, mais fácil comprar e utilizar
alumínio ou cimento da América do Sul que tentar harmonizar as nossas necessidades com os
recursos disponíveis ao lado de fora da porta.

Isto não significa, de forma alguma, que devamos rejeitar ou recusar o uso dos materiais
industriais. Significa apenas que devemos aprender a tirar o melhor partido dos materiais
locais, e harmonizar o seu uso com outros, se necessário. Fazer portanto um pouco mais do
que o que foi feito durante este último século.

Os materiais tradicionais nunca foram sistemáticos e cientificamente estudados, ao contrário


do cimento, do ferro e de outros materiais modernos. Foram simplesmente rejeitados e
esquecidos. Em termos sociais, é aliás compreensível esta atitude, pois ela reflecte uma
postura típica dos tempos modernos que se viveram, descuidados em relação aos gastos de
energia e de forte adesão a tudo o que fosse novo, pela simples razão de que era novo. Se
tivesse sido feito esse estudo sistemático talvez tivéssemos descoberto que esses materiais
antigos possuem um sem número de outras potencialidades. E teríamos talvez descoberto
novas formas arquitectónicas e novos modelos urbanos. Por outras palavras, teríamos
contribuído para uma nova era e para uma nova arquitectura.

Falemos então de alguns desses materiais.

A madeira está, aos poucos, a reconquistar o espaço que perdeu na construção ao longo do
último século. Já é possível ver grandes edifícios, como o Conselho da Europa em
Estrasburgo, utilizando a madeira como principal elemento estrutural. Os países nórdicos têm
optimizado tecnologias de madeira com grande satisfação. Não é difícil acreditar que, mesmo
a um nível tecnológico menos elevado, a madeira retome o seu lugar, para um futuro longo e
brilhante. O seu uso é apenas limitado pelos recursos disponíveis. As florestas de todo o
mundo são ameaçadas por chuvas ácidas, incêndios e pragas de insectos para não mencionar
as devastações provocadas pela indústria do papel ou pelas novas áreas urbanas e agrícolas.

Há contudo que não esquecer que a mancha arbórea europeia de hoje é a maior de sempre, o
que nos deixa alguma esperança para o futuro. E a durabilidade da madeira leva a que os

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produtos com ela fabricados ultrapassem o tempo necessário ao refazimento de idêntica massa
lenhosa pela Natureza.

A pedra perdeu quase totalmente o seu peso na indústria de construção, enquanto material
estrutural directo. De extracção difícil, exige meios muito pesados de tratamento. A pedra é,
hoje, um material usado quase exclusivamente em folha de revestimento. Paredes de alvenaria
de pedra já não são de uso comum. São difíceis de construir e teoricamente mais caras.

Acredito, no entanto, que poderão ser reformuladas as contas referentes ao custo da pedra em
paredes de alvenaria, se para tal forem recuperadas as sobras e desperdícios das pedreiras, e
compará-las globalmente com o gasto efectivo em materiais, combustíveis e mão de obra
duma construção de alvenaria de tijolo. Também aqui haverá que equacionar os ganhos
obtidos pelo menor isolamento térmico necessário ao bom comportamento da parede. Tudo
depende, mais uma vez, das necessidades e das condições locais.

Porque não usar pedra onde esta é de fácil aquisição?

O cimento pode ser usado como material aglutinante, sendo a pedra o material inerte.
Também a alvenaria de pedra seca, isto é, não argamassada, é simples de construir, tendo até
em algumas circunstâncias, bastantes vantagens sobre outro tipo de paredes mais sólidas.
Basta lembrar que este tipo de construção é bastante permeável à água, retendo no entanto a
terra transportada por esta, o que torna a alvenaria seca ideal para limites de propriedades em
zonas de chuvadas súbitas.

Há muita investigação a desenvolver sobre o material pedra, quer em termos estruturais, quer
em termos estéticos. Enquanto material de revestimento, é ainda hoje difícil encontrar um
material com as suas características estéticas e de resistência ao desgaste.

A terra é um material existente em todo o Mundo. Poucas são as regiões que não têm ou não a
podem utilizar. As cidades de hoje são disso um exemplo: a construção em altura proíbe o uso
de terra. Os nossos regulamentos não permitem, ainda, tal tipo de construção.

Mas serão os edifícios altos a resposta aos nossos problemas urbanos?

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É possível obter densidades habitacionais elevadas em estruturas urbanas de baixa altura e


com melhor qualidade de vida e rentabilidade urbana. É nossa responsabilidade alterar a
forma inumana das cidades actuais e possibilitar que a terra seja usada como material
abundante, barato, mas altamente eficiente e sofisticado. As naturais características térmicas
da terra igualam as melhores características isolantes de outros bons materiais, em alguns
casos com vantagens, dado que utilizada maciçamente a terra funciona mais como volante
térmico do que como isolante. Então, torna-se capaz de reemitir dentro da construção o calor
ou frio que absorveu no exterior, passado determinado tempo.

Contudo, têm de ser solucionados alguns pontos fundamentais neste material: a sua fraca
resistência à água, à humidade e à tracção. A adição de fibras naturais, ou sintéticas, aumenta
grandemente a sua coesão e resistência, mas muito trabalho terá de ser desenvolvido nesse
domínio. A permeabilidade à água e à humidade são problemas que podem ser, pelo menos
parcialmente, resolvidos com aditivos. Uma simples camada de cal aplicada anualmente é
uma das respostas possíveis mas, dado o ritmo de vida a que hoje somos forçados, temos que
encontrar outras soluções.

As técnicas da terra ainda eficazes e em prática por todo o mundo provam que elas
prevalecem através dos tempos, e mesmo técnicas que julgamos inadequadas possam vir a ser
reprocessadas e tomar um novo alento.

Se a tradição já não é o que era, o facto é que a tradição é um produto da cultura e não
podemos ignorar as nossas próprias raízes. As grandes cidades ficam vazias aos fins de
semana, precisamente porque já não são amigas, já não respondem às nossas necessidades.
Devemos pegar nas nossas próprias referências culturais e reprocessá-las em novos termos.
Talvez uma nova paisagem urbana pós-indústrial apareça, menos consumidora que as actuais
cidades, e também mais agradável. Bastará pôr um pouco do nosso passado no nosso futuro.

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2. MATERIAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS .

As técnicas tradicionais de construção radicam numa herança cultural feita de um


conhecimento que permitiu ao Homem saber utilizar com exactidão cada material e
aperfeiçoar o modo de o trabalhar.

Observa-se muitas vezes que a degradação dos materiais, e por consequência das estruturas,
está ligada ao modo como estes são empregues. Tal facto deve-se, na maioria das vezes, ao
desconhecimento das suas características e ao uso conjunto de materiais incompatíveis entre
si, devendo por isso proceder-se a uma breve análise das características dos materiais e das
principais causas da sua degradação.

Os materiais [1] tradicionalmente utilizados na construção dividem-se em:

- Pedras naturais

- Pedras artificiais (tijolos de argila crua e cozida, telhas, azulejos, taipa)

- Aviamentos (cais, gesso)

- Revestimentos (reboco, estuque, tintas)

- Madeiras

As principais causas de deterioração dos materiais tradicionalmente empregues na construção


podem ser confinadas a quatro grandes processos:

1. Processo de deterioração mecânica;

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2. Processo de deterioração consequente de acção química;

3. Processo de deterioração consequente de acção biológica.

4. Processo de deterioração devido às acções da água;

2.1.PEDRAS NATURAIS

A construção de alvenarias exigiu desde sempre regras de execução que residem no


conhecimento do funcionamento estrutural global, de modo a garantir a sua resistência ao
longo do tempo [2].

Os princípios fundamentais que devem ser respeitados na construção de uma alvenaria de


pedra são: a boa arrumação das pedras, constituindo camadas o mais coesas e horizontais
possíveis, sem juntas descontinuas na vertical, máximo sentido superficial possível entre
elementos, sem descurar o travamento da parede nas esquinas, podendo ou não fazer uso de
argamassas.

A pedra é considerada, entre todos os materiais, o mais nobre e resistente.

Figura 2.1.1 – Classificação de Rochas [3]

Origem Tipo Densidade Resistência Kg/cm2 Aderência Argamassa


Ígnea Granitos 2.5 a 3.0 1500 a 2700 Muito boa

Eruptiva Basalto 2.8 a 3.3 3000 Má

Meláfiro 2.8 a 3.0 1800 Aceitável

Tufos 0.6 a 1.7 35 a 600

Sedimentar Calcário 1.8 a 2.6 600 a 1500 Variável, de muito boa a má

Brechas 1.8 a 2.7 800 a 1700 Variável, de boa a má

Arenites 300 a 2700 Variável, de boa a má

Metamórficas Mármores 2.4 a 2.8 1100 a 1800 Boa

Xisto 2.5 a 3.0 800 a 1300 Má

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A composição química e a estrutura das pedras é muito variável, pois resulta da confluência
da vários factores naturais que determinam tanto a formação da sua rocha de origem, como as
sucessivas alterações sofridas por esta até se transformar em matéria disponível para ser
extraída da pedreira, resultando então nas diferentes classes de pedras conhecidas.

Em Portugal, os tipos de pedra tradicionalmente mais utilizados na construção são os granitos,


os xistos e os calcários. Estes podem ser usados em diferentes técnicas construtivas.

2.1.1. Transformação da Pedra e seu assentamento

De um modo geral, as transformações dizem respeito à forma e à dimensão, pois


quando se pretende executar uma alvenaria tecnicamente perfeita, dificilmente se
podem aplicar as pedras tal como se obtêm no desmonte das rochas.

Normalmente são operações a levar a efeito na obra ou próximo do local de utilização,


e a maior parte das pedras é adaptada tendo em vista as condições do local de utilização
do fim a que se destinam [3].

Quando a pedra é originária de bancos de sedimentação, normalmente já possui duas


faces paralelas, bastando neste caso desbastar pontos e aprumar, desempenando um ou
dois cantos; quando os blocos são irregulares é necessário um trabalho árduo e
complicado.

Tratando-se de alvenaria aparelhada há que acrescentar às operações de adaptação


outras de aparelho das faces aparentes; aparelho que pode ser a picão, a ponteiro, a
bujardado ou simplesmente com escassilhado das arestas.

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Figura 2.1.1.1 – Operações e os diferentes tipos de blocos a obter.

Os escassilhos e pontas resultantes destas operações são na sua maior parte


aproveitados na alvenaria.

2.1.1.1. Alvenaria de Pedra Aparelhada

Constituída por pedras irregulares assentes em argamassa, escolhendo-se para


formar os paramentos, as pedras rijas de melhor aspecto e que se aparelham
numa das faces [3]. As arestas podem ser aperfeiçoadas, não para lhes dar forma
regular mas a fim de lhes tirar maiores irregularidades, de maneira a que a pedra
apresente no paramento à vista o aspecto de um polígono irregular, aparelho
rústico.

Figura 2.1.1.1.1 – Exemplo de alvenaria de pedra aparelhada, Igreja Matriz de Caminha

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Temos também o aparelho regular tosco, de alvenaria aparelhada, que


corresponde ao mesmo sistema anterior mas com as pedras rectangulares.

Figura 2.1.1.1.2 – Diversos aspectos possíveis de alvenaria aparelhada

Figura 2.1.1.1.3 – Exemplos de Pedras para se obter a Alvenaria Aparelhada

2.1.1.2. Alvenaria Ordinária

Constituída por pedra irregular assente em argamassa, sendo o seu modo de fazer
análogo ao da alvenaria aparelhada, observando-se porém que este trabalho é
menos cuidado e por isso mais fácil e rápido [3]. Esta alvenaria é normalmente
executada para ser revestida com reboco. De qualquer modo, as pedras devem
ser assentes pela parte mais lisa para não oscilarem, nem deixar espaços vazios
sem argamassa.

Pela irregularidade das pedras é necessário, muitas vezes, introduzir pedras


pequenas ou lascas de tijolo nos interstícios das pedras para as fixar e maciçar.

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Neste sistema o peso da pedra concorre para a estabilidade da construção, mas


também depende da aderência devida à argamassa. A argamassa pode ser de
simples barro, cal e areia ou argamassa hidráulica e areia usada em trabalhos à
prova de água, ou ainda o barro refractário no caso da construção de fornos.

Figura 2.1.1.2.1 – Reconstrução em alvenaria ordinária

Figura 2.1.1.2.2 – Da esquerda para a direita e de cima para baixo: pedra irregular; alvenaria
de junta larga; pedra irregular; pedra lamelar; pedra irregular natural; pedra irregular corrigida

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2.1.1.3. Alvenaria de Pedra Seca ou junta seca

Consiste na técnica de construção de paredes que dispensa o uso de argamassa na


ligação das pedras entre si, tendo-se desenvolvido principalmente nas zonas onde
a cal era escassa [3]. Apesar de se poder aplicar este termo técnico a toda e
qualquer alvenaria de pedra que não utilize argamassa de ligação, vulgarmente
ela é associada à alvenaria de pedra irregular, mas também pode ser adoptada em
obras que pela perfeição e desempeno das superfícies o uso da argamassa possa
ser dispensado, normalmente tendo em vista o efeito da junta seca.

Para obviar à menor coesão da parede, consequente da falta de argamassa de


assentamento, esta técnica requer uma boa execução no travamento das pedras
entre si através do encaixe cuidado das pedras e da utilização de escassilhos. Esta
é uma técnica de construção que pode ser utilizada em muros de suporte, de
espera ou de encosto, em paredes exteriores ou interiores, em fundações, e é
muito utilizada para muros de vedação. No entanto, não se deverá aplicar em
zonas sísmicas.

Figura 2.1.1.3.1 – Muro de suporte de alvenaria seca – Fiadas regularizadas à régua

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Figura 2.1.1.3.2 – Técnica mista, aplicação de tijolo burro no arranque da abóbada, enchimento com
alvenaria ordinária e a secção do arco em alvenaria aparelhada

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2.1.2. Exigências gerais da pedra utilizada na construção.

No domínio da construção a pedra pode ser utilizada tanto em alvenarias, cantarias, ou


coberturas interiores (abóbadas) e exteriores (terraços e telhados), quer como elemento
estrutural, ou mesmo como elemento decorativo.

A pedra empregue na construção de alvenarias, cantarias e coberturas, deverá


apresentar as seguintes características:

- Resistência mecânica à compressão;

- Resistência mecânica a acções externas à construção (sismos, vibrações, etc);

- Resistência ao desgaste (acção dos agentes climatéricos e atmosféricos : vento, chuva,


temperatura, gelo, poluição);

- Resistência à acção do fogo;

- Trabalhabilidade;

- Compatibilidade com o material que lhe vai estar adjacente;

No caso das rochas ornamentais, por terem a função exclusivamente decorativa, as


principais exigências são:

- Regularidade na cor;

- Regularidade de textura;

- Resistência ao desgaste.

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2.1.3. Factores de Alteração

Qualquer material, por mais resistente que seja, está sujeito à degradação. No caso das
pedras, verifica-se que a acção do clima (chuva, vento e temperatura) é a responsável
pela degradação das rochas. [2]

Alguns dos factores que podem determinar a alteração das pedras utilizadas na
construção são:

- O tipo de pedra, por causa da sua composição química e propriedades mecânicas que
as compõem.

- Os factores climáticos, tais como a acção da água, do gelo, do vento e das variações de
temperatura.

- Os factores físicos, como as cargas a que está sujeita, as eventuais fissuras provocadas
por sismos ou por assentamentos do terreno.

- Os factores químicos, como a presença de sais solúveis e de compostos minerais que


reajam com os gases atmosféricos devidos à poluição, ou mesmo sem minerais da
própria pedra.

- Os factores microbiológicos, como ataques de fungos.

2.1.4. Causas mecânicas de deterioração

Estas prendem-se normalmente com a rigidez e fragilidade dos materiais. Assim a


dureza de um material significa proporcionalmente a sua pouca flexibilidade,
determinando a baixa resistência a certos tipos de esforços mecânicos. [4]

Para estas causas podem confluir vários fenómenos, como sejam:

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i) O excesso de carga exercida sobre um elemento construído, o que pode provocar forças
de flexão que fissuram verticalmente os elementos horizontais, como as arquitraves, ou
pode provocar forças de compressão que fracturam horizontalmente os elementos
verticais, como as colunas e pilares. Estes fenómenos podem ser resultantes de erros de
projecto ou de assentamentos de terreno.

a) b) c) d)

Figura 2.1.4.1 – Causas que provocam a fissuração em materiais como a pedra e o tijolo, devido à sua pouca
flexibilidade determinando a baixa resistência a certos tipos de esforços mecânicos.
a) Fissuração em arquitrave devido à força de flexão
b) Fissuração em mísula devido à força de flexão
c) Fissuração em coluna devido à força de compressão
d) Degradação gradual da pedra aplicada em fachadas devido à diferença de temperatura dia/noite.

ii) A oscilação térmica, pode provocar movimentos mecânicos resultantes da variação de


temperatura e dos quais se salientam a dilatação e a retracção. A oscilação térmica mais
importante é a do ciclo dia/noite.

iii) A acção do homem, tendo influência no modo como se trabalha o material, é um factor
que pode determinar a sua posterior degradação.

iv) O mau assentamento das peças, determinando a concentração de esforços subsequente


provável fractura

2.1.4.1. Processo de deterioração devido à acção da água;

A acção da água é uma das causas principais de deterioração dos materiais, uma
vez que percorre muito facilmente o interior das estruturas e dos materiais. A sua
presença pode ainda implicar acções químicas (formação de sais e corrosão
devido aos ácidos que pode transportar) e acções fisico-mecânicas (cristalização

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de sais consequente da evaporação e cristalização do gelo em presença de baixas


temperaturas).

Para além da água da chuva que entra em contacto directo com o material, seja
pela sua superfície absorvente, seja por fissuras que nela existam, os restantes
fenómenos que determinam a entrada de água no interior do material são a sua
capilaridade e higroscopicidade própria.

O gelo forma-se aproximadamente na presença de temperaturas inferiores a 0ºC


e a sua cristalização implica um aumento de volume. Os materiais mais
susceptíveis à acção do gelo são os que apresentam muitos poros pequenos e
poucos grandes. Em termos de pedras, as menos resistentes são pedras
sedimentares (calcários, brechas e arenitos), porque têm uma estrutura
estratificada, criando vazios que são favoráveis à entrada da água e sua retenção,
o que, com o abaixamento da temperatura pode levar à fácil formação de cristais.

A cristalização de sais no interior dos materiais e estruturas dá-se de forma


semelhante ao gelo. O acesso dos sais ao interior pode dar-se pela água que
penetra nos materiais, que os transporta em solução, ou os materiais conterem
sais solúveis que entrando em contacto com a água se dissolvem. O fenómeno da
capilaridade é responsável por levar estes sais até ao local onde, em contacto
com o ar, se dá a secagem. Com a secagem os sais endurecem e exercem uma
força mecânica que parte do interior para o exterior, danificando sobretudo as
zonas superficiais.

Em presença de patologias deste tipo, a forma mais simples para inicialmente


obviar a eliminação dos sais na superfície será a de limpar a seco o muro com
ajuda de uma escova ou pano.

2.1.4.2. Processo de deterioração consequente de acção química;

Uma das causas químicas de deterioração reside na acção dos ácidos


atmosféricos que são transportados pela água até á superfície do material.

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A chuva ácida causa um processo de erosão directa, transportando ácidos que


atacam a estrutura do material desagregando-o.

O orvalho traz o aparecimento de uma substância negra e pegajosa que se


deposita nas superfícies, pois a função do orvalho é limpar as impurezas
existentes na atmosfera e depositá-las nas superfícies que apresentam
temperaturas mais baixas.

a) b)

c) d)

Figura 2.1.4.2.1 – Causas da deterioração consequente da acção química.


a) Depósitos de resíduos na superfície através de humidade nocturna (orvalho).
b) Evaporação da água, destilada, e a permanência dos resíduos na superfície.
c) Lavagem das superfícies que estão em contacto directo com a água da chuva.
d) Aparecimento de crosta negra nas zonas escondidas

2.1.4.3. Processo de deterioração consequente de acção biológica;

As causas mais frequentes da acção biológica são a formação de


microorganismos nas superfícies, tais como fungos, líquenes e algas. Estes
provocam uma alteração do aspecto e por vezes implicam uma desagregação das
mesmas.

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2.2.PEDRAS ARTIFICIAIS

2.2.1. Tijolo

Ao longo dos séculos a actividade construtiva, um pouco por todo o mundo [5],
manteve sempre o uso do tijolo como um dos seus principais materiais,
independentemente dos estilos arquitectónicos ou do modo como era empregue.

A criação deste material pelo homem terá resultado da exigência de produzir um


elemento construtivo que proporcionasse, ao mesmo tempo, resistência às intempéries e
ao fogo, isolamento do frio e do calor, sendo de emprego fácil e de produção rápida e
económica.

O tijolo tradicionalmente utilizado em paredes pode ser maciço ou furado. Por maciço
designa-se o tijolo feito à fieira ou prensado (tijolo burro), cuja função é garantir a
resistência mecânica. O tijolo furado tem canais paralelos às suas maiores arestas,
tendo funções de enchimento e isolamento térmico. O facto de ser mais leve favorece a
sua utilização em relação ao tijolo burro.

A qualidade e as dimensões variaram, mas as regras de travamento, bem como as


combinações entre tijolo-massa, mantiveram-se.

A relação tijolo-massa é semelhante à requerida pelos outros tipos de alvenaria de


blocos, ou seja, a quantidade de argamassa empregue deverá ser a mínima para garantir
a fixação dos mesmos. A sua função é anular o efeito das irregularidades na forma e
dimensões dos tijolos, garantindo uma transmissão de cargas verticais equilibrada.

A aderência tijolo/argamassa será grandemente reforçada se existir o cuidado de


humedecer o tijolo, nomeadamente com regas abundantes e frequentes nas épocas
quentes e seca, para compensar a evaporação excessiva durante o processo de
endurecimento, bem como a absorção de água pelo próprio tijolo em virtude do seu
processo de fabrico ser baseado no cozimento.

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O travamento, à semelhança do que se sucede noutras alvenarias, é indispensável para


permitir uma maior resistência das paredes à acção das cargas verticais. Se a carga
encontrar obstáculos no seu percurso vertical descendente, vai reduzir a sua acção,
então caso se verifique uma linha de ruptura esta fará um percurso irregular que garante
o travamento da parede.

A espessura das juntas não deve exceder 1 cm e a argamassa deverá preencher


completamente o intervalo entre tijolos. Para este fim deita-se uma chapada de
argamassa sobre a qual se põe o tijolo, carregando-o e empregnando-o levemente até a
argamassa sair pelas juntas.

Deve haver o máximo de cuidado em conservar as juntas horizontais e os paramentos


verticais. Para isso faz-se uso do fio de prumo e como mestras usam-se duas ripas, em
que se marcam as fiadas de tijolo. Para fazer esta divisão mede-se a altura da parede e
divide-se pela grossura do tijolo mais a junta. Como o resultado não deve ser um
número inteiro é necessário aumentar ou diminuir ligeiramente a espessura da junta
para que as fiadas fiquem igualmente espaçadas.

No assentamento do tijolo devemos considerar dois casos possíveis de aplicação: tijolo


à vista, quando não se pretende revestir o paramento, ou tijolo que se pretende
rebocado.

Ao levantar a parede, nunca se deve deixar parte dela com altura superior a um metro
relativamente à construção feita anteriormente. Caso se tenha de deixar por tempo
ilimitado uma parede por acabar, devem deixar-se as fiadas terminadas em forma de
escada, para que quando se retomar a obra, se possam endentar as novas fiadas. Deste
modo garante-se o travamento da parede.

2.2.1.1. Técnicas de Aplicação de Tijolo Face-à-vista

A elevação das paredes deve fazer-se com grande precisão, fixando-as às mestras
com o auxilio do fio de prumo, para que sirvam de orientação no levantamento
da parede.

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Nas réguas que servem de mestras, assinala-se com um cordel a espessura de


cada fiada. Porém essa espessura pode ser controlada com uma linha que faz
coincidir com a aresta superior da fiada que se está a assentar.

A fiada deve ficar perfeitamente horizontal, rectilínea e não sobressair da


superfície exterior, o que se consegue com o auxilio de cordéis. A
horizontalidade comprova-se com um nível de bolha de ar.

Os tijolos devem utilizar-se sempre molhados, para garantir uma aderência


adequada com a argamassa, evitando a desidratação deste material.

A argamassa das juntas horizontais que é vertida no assentamento dos tijolos


deve ser recolhida, servindo para encher as juntas verticais. No entanto, antes de
se assentar o tijolo face-à-vista deve-se aplicar uma pequena pirâmide de
argamassa no topo de encosto para melhor enchimento da referida junta. A
limpeza dos eventuais restos de argamassa depositados na face do tijolo deve
fazer-se de imediato com o auxilio da colher. Posteriormente, e quando
estiverem parcialmente secos, devem ser removidos com sisal seco ou com
auxílio de uma escova adequada e seca e só com movimentos horizontais.

Deve procurar-se que a argamassa aplicada nas juntas horizontais tenha uma
espessura constante, entre 1 e 1,5 cm.

O aplicador deve utilizar os restantes materiais (água, areia e cimento) com a


mínima quantidade possível de sais solúveis.

A aplicação de um bom hidrófugante nas argamassas de assentamento do tijolo


em fachadas exteriores é fundamental para evitar as infiltrações de humidade
através das juntas, pois representam cerca de 20% da superfície exposta [6].

Para executar uma parede com junta refundada ou reentrante, pode utilizar-se
uma régua calibrada. Este processo evita o transbordo da argamassa e melhora o
aspecto visual da parede. Contudo, se se deixar a junta parcialmente cheia

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passado algum tempo a argamassa começa a secar e o excesso pode ser removido
com auxílio de uma régua em chapa metálica com um dente na extremidade, o
qual terá aproximadamente a configuração final da junta. Deste modo, o
refundamento da junta é uniforme e a argamassa removida por estar semi seca,
não suja a face do tijolo aplicado. Posteriormente deve fazer-se o acabamento
final com auxílio de ferramentas adequadas, de molde a dar à junta a
configuração pretendida.

2.2.1.2. Tipologia de Paredes de Tijolo

2.2.1.2.1. Pano de Tijolo ao Alto

Emprega-se em tabiques ou paredes interiores de pequena espessura,


reforçadas de espaço a espaço, no máximo de 2 metros, por prumos de
madeira ou ferro.

ALÇADO PLANTA

Figura 2.2.1.2.1 – Exemplificação de um pano de tijolo ao alto.

2.2.1.2.2. Pano de Tijolo a Meia Vez

Formado pelo tijolo assente ao baixo de forma que a sua largura corresponda
à espessura da parede. Para que as suas juntas possam ser alternadas devem-
se começar as fiadas por um tijolo cortado ao meio. Este sistema apresenta
uma estabilidade superior ao anterior e não necessita de ser reforçado com
prumos para formar os tabiques ou divisórias anteriores.

ALÇADO PLANTA

Figura 2.2.1.2.2 – Exemplificação de um pano de tijolo a meia vez.

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2.2.1.2.3. Pano de Tijolo a Uma Vez

O tijolo é colocado como perpianho, isto é, o seu comprimento é a espessura


da parede. Este é um sistema que apresenta muitas combinações diferentes e
frequentemente é misturado com o sistema de meia vez.

ALÇADO PLANTA

Figura 2.2.1.2.3 – Exemplificação de um pano de tijolo a uma vez.

2.2.1.3. Condições Técnicas

Falando dos tijolos, deve-se referir as condições técnicas a que devem obedecer
de modo a poderem ser aplicados satisfatoriamente, sobretudo em paredes
exteriores:

o Regularidade de forma e dimensão, não apresentando deformações


consequentes de más condições de fabrico, como empeno, amolgadelas,
contracções irregulares de secagem, etc., devendo, ainda, apresentar todas as
arestas bem alinhadas e as faces bem esquadriadas entre si.

o Boa cozedura, não apresentando gretas, fendas, ou sinais de princípio de


vitrificação. O toque deve ser muito sonoro e a cor uniforme.

o A estrutura da massa deve ser uniforme, de boa porosidade aparente, sem ser
demasiado áspero, isenta de impurezas, nódulos calcários ou outras, que
comprometam o seu comportamento. Deve permitir o corte por percussão
com picadeira, ou aresta da colher, sem se fragmentar.

o Absorção de água não inferior a 8% do seu peso em seco e em caso algum


superior a 15% depois de mergulhado em água, até atingir um peso
constante.

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o Ausência de eflorescência resultantes da presença de sais solúveis, que


podem vir a comprometer, a médio prazo, o comportamento dos
revestimentos. O método seguro de obviar este inconveniente, para além dos
ensaios que podem mandar fazer-se em laboratório, é o de observar obras
onde este tijolo tenha sido aplicado há 3 anos, ou mais.

o Resistência mecânica dos tijolos, não deve, em caso algum, ficar aquém dos
15 Kg por cm2 da superfície exterior do tijolo [5], quando utilizado em
panos de enchimento de painéis de estruturas de betão armado; e 30 Kg por
cm2 para construções resistentes de alvenaria de tijolo.

2.2.2. Telha

Figura 2.2.2.1 – Telhados do Centro Histórico do Porto vistos da Torre dos Clérigos

O fabrico das telhas é já antigo no nosso país, pois as coberturas revestidas com telhas
cerâmicas constituem um elemento tradicional na paisagem portuguesa. Estas fazem

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parte da nossa cultura, identificando uma forma de viver adaptada a cada uma das
regiões em que se inserem.

Quando se pensa na construção de uma casa, o conceito telhado surge associado às


cores alegres das telhas cerâmicas, seguras e saudáveis. [7]

Este é um facto demonstrado pela actual revalorização das coberturas inclinadas


revestidas com telhas cerâmicas, a qual se vem registando na construção civil, com
especial incidência na área da habitação.

Inicialmente as coberturas eram feitas com materiais perecíveis, como o colmo, a casca
de certas árvores, folhagens, peles de animais, etc., com que eram cobertas as cabanas
primitivas, de que chegaram aos nossos dias alguns exemplos.

Embora concorrendo com outros materiais alternativos, as telhas cerâmicas têm vindo
progressivamente a ganhar terreno nos países da Europa do Norte, como consequência
quer das suas características estéticas, quer do eficaz comportamento que as suas
propriedades lhes facilitam, mesmo sob a acção das mais rigorosas condições
climáticas.

Assumindo a condição de grandes utilizadores de telhas cerâmicas, os europeus


incrementaram os níveis de exigência técnica, a par com exigências relativas a novos
modelos e melhorias na geometria dos formatos tradicionais [3].

Actualmente as telhas qualificam-se como produtos técnicos, correspondendo a


requisitos rigorosos expressos em normas de especificação de características e
respectivos métodos de ensaio, complementados com ensaios funcionais para avaliação
de desempenho, aplicáveis ao conjunto das coberturas, para simulação de exposições e
condições climáticas típicas das diferentes regiões.

Muitas das anomalias detectadas em coberturas inclinadas de habitações e edifícios,


revelam-se provenientes de soluções inadequadas, de aplicações deficientes e escolhas
erradas de materiais acessórios.

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As inclinações mínimas admissíveis para coberturas ordinárias sem forro são as


indicadas no quadro seguinte, em função do tipo de telha, desenvolvimento da vertente,
da localização e das condições de exposição.

Uma das funções básicas da habitação é a de confinar espaços interiores, protegendo-os


das condições desfavoráveis provocadas pelo ambiente exterior. O conhecimento das
condições climáticas é indispensável para a correcta concepção e constituição dos
edifícios para habitação. Assim, no que diz respeito ao zonamento, com base no
número médio anual de dias com geada, existem registos disponíveis que permitem a
sua distribuição pelo território Continental. Com o conhecimento destas características
climáticas dividiu-se o território em Zona I, II e III., recomendando inclinações
mínimas de aplicação de telhas cerâmicas.

Figura 2.2.2.2 – Inclinação mínima das coberturas dependente da localização (%). [7]

Desenvolvimento Localização
Modelo de Telha Exposição
da vertente Zona I Zona II Zona III
Protegida 32 40 45
Normal até 6.00 m 39 44 50
Exposta 44 51 57
Lusa
Protegida 39 44 50
Normal 6.00 a 10.00 m 43 48 55
Exposta 48 56 63
Protegida 61 65 70
Normal até 6.00 m 67 73 78
Exposta 77 84 90
Marselha
Protegida 66 72 77
Normal 6.00 a 10.00 m 74 80 86
Exposta 85 91 99
Protegida 50 55 59
Normal até 6.00 m 55 61 66
Exposta 64 69 76
Canudo
Protegida 55 59 65
Normal 6.00 a 10.00 m 61 67 73
Exposta 69 77 84
Protegida 40 45 49
Normal até 6.00 m 44 49 55
Exposta 51 57 64
Romana
Protegida 44 50 55
Normal 6.00 a 10.00 m 48 55 61
Exposta 56 63 69
Protegida 58 64 68
Normal até 6.00 m 64 70 76
Exposta 75 81 87
Plana
Protegida 64 69 75
Normal 6.00 a 10.00 m 71 77 84
Exposta 83 89 96

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A telha cerâmica enquadra-se em qualquer paisagem, conferindo às construções uma


beleza intemporal, conseguindo ajustar-se tão bem na arquitectura urbana
contemporânea, como na rural.

Encontram-se no mercado numerosas variações de cor e de texturas dentro de um


mesmo formato de telha. No entanto, dentro do leque das telhas cerâmicas
comercializadas em Portugal, em função da sua geometria e encaixes, há que distinguir:

- Telha LUSA

Características Geométricas Médias


Peso 2.9 a 4.5 Kg
Comprimento 40 a 48 cm
Largura 23 a 30 cm
Altura 5 a 9 cm
Recobrimento longitudinal 4 a 8 cm
Recobrimento transversal 4 a 8 cm
Espaçamento do ripado 33 a 45 cm
Unidades por m2 10 a 15

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- Telha MARSELHA

Características Geométricas médias


Peso 3.0 a 3.5 Kg
Comprimento 40 a 45 cm
Largura 26 cm
Altura 3 cm
Recobrimento longitudinal 5 a 6 cm
Recobrimento transversal 3 a 4 cm
Espaçamento do ripado 37 a 39 cm
Unidades por m2 11 a 12

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- Telha CANUDO

Características Geométricas médias


Peso 1.8 a 2.0 Kg
Comprimento 40 a 45 cm
Largura 12 a 16 cm
Altura 5 a 7 cm
Recobrimento longitudinal 9 a 15 cm
Recobrimento transversal 5 a 9 cm
Espaçamento do ripado 25 a 36 cm
Unidades por m2 20 a 35

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- Telha ROMANA

Características Geométricas médias


Peso 1.8 a 4.0 Kg
Comprimento 40 a 57 cm
Largura 12 a 20 cm
Altura 5 a 6 cm
Recobrimento longitudinal 10 a 15 cm
Recobrimento transversal 5 a 8 cm
Espaçamento do ripado 25 a 46 cm
Unidades por m2 18 a 35

- Telha PLANA

Características Geométricas médias


Peso 1.2 Kg
Comprimento 25 a 27 cm
Largura 15 a 17 cm
Altura 2 cm
Recobrimento longitudinal 7 a 9 cm
Recobrimento transversal
Espaçamento do ripado 15 a 18 cm
Unidades por m2 30 a 35

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2.2.2.1. Telhas de encaixe

As telhas de encaixe são assentes sobre um ripado com espaçamento


determinado pelo modelo de telha a empregar.

A colocação em obra deve começar por baixo, à direita ou à esquerda segundo o


sentido de encaixe lateral das telhas, de maneira a que cada telha recubra a
anteriormente colocada.

No caso de telhas com juntas desencontrada são necessárias duas meias-telhas, à


razão de umas por fiada, colocadas na extremidade da fiada.

Figura 2.2.2.1.1 – Início de colocação das telhas na cobertura

O bom posicionamento das telhas resulta do apoio das saliências previstas para o
efeito nas faces da telha. A parte inferior de cada telha apoia-se superiormente na
fiada inferior.

Acima duma inclinação de 150% e/ou se a exposição ao vento obrigar, as telhas


são fixadas às ripas na proporção mínima de uma telha em cada cinco com uma

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repartição regular. Acima de uma inclinação de 300% todas as telhas devem ser
fixadas. O mesmo deve acontecer às telhas dos beirados para inclinações
superiores a 100% ou em situação exposta.

2.2.2.2. Telhas canudo e romana

As telhas canudo e romana podem ser assentes sobre suportes contínuos ou


descontínuos concebidos em função da geometria da telha a empregar.

Figura 2.2.2.2.1 – Subtelha Onduline e aplicação da telha canudo sobre esta.

A telha canudo pode também ser assente sobre subtelha, exigindo remates
especiais de forma a evitar infiltrações.

O assentamento inicia-se pelas telhas inferiores, formando um canal para a


evacuação de águas, respeitando a sobreposição da telha da fiada superior sobre
a fiada inferior.

Colocadas as telhas inferiores, as superiores são assentes “encavalitadas” sobre


duas telhas inferiores consecutivas.

As fiadas são alinhadas. A parte larga da telha inferior dispõe-se virada para
cima, enquanto na telha superior a disposição é oposta.

A fixação das telhas pode ser necessária, seja para evitar o seu deslizamento, seja
para se opor ao efeito da acção do vento sobre as coberturas. As telhas podem ser
fixadas pelos seguintes processos:

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- através de grampos ou pregos;

- através de um mastique específico;

- através de argamassa.

A necessidade, ou não, de fixação das telhas em função da inclinação da


cobertura é indicada na figura 2.2.1.5

Figura 2.2.2.2.2 – Princípio de fixação das telhas em função da inclinação.


Inclinação da Cobertura Partes Lateriais e Beirais Parte Corrente
i < 30 Telhas Fixadas Telhas não fixadas
30 < i < 60 Telhas Fixadas Telhas Fixadas

Relativamente à exposição ao vento, e qualquer que seja a inclinação da


cobertura, é necessário fixar as telhas nas condições previstas na figura 2.2.1.6.

Figura 2.2.2.2.3 – Inclinação mínima das coberturas (%).

Localização e Exposição do Vento Partes Lateriais e Beirais Parte Corrente

i < 30 Telhas Fixadas Telhas não fixadas


30 < i < 60 Telhas Fixadas Telhas Fixadas

2.2.2.3. Telhas planas

Embora não sendo uma solução frequente em Portugal, devem ser respeitados
procedimentos adequados a este modelo.

As telhas planas são assentes sobre um ripado com espaçamento adequado ao


modelo de telha a empregar.

As telhas são colocadas com juntas cruzadas, necessitando de meias-telhas nos


extremos. O bom posicionamento das telhas resulta do apoio das saliências na
face superior da ripa ou madre. A parte inferior de cada telha apoia-se na telha da

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fiada inferior. Como as telhas se sobrepõem de um comprimento importante é


necessário empregar no beiral ou na cumeeira telhas “curtas”.

Acima de uma pendente de 175%, ou se a exposição da vertente o exigir, as


telhas deverão ser fixadas à ripa, por pregagem à razão de 10 telhas por m2,
repartidas criteriosamente, ou através de um gancho por telha.

Acima de 300% de inclinação todas as telhas serão fixadas.

As coberturas com revestimento a telha deverão satisfazer determinados


requisitos como os seguintes:

2.2.2.4. Estanquidade à Água

Esta é exigência fundamental de qualquer cobertura inclinada, o que impõe a


consideração de diversos factores:

- Factores relacionados com o desempenho das telhas cerâmicas


(impermeabilidade do material);

- Factores relacionados com o funcionamento global do telhado


(impermeabilidade da cobertura)

A estanquidade à água de uma cobertura inclinada é geralmente obtida pela


inclinação e pelo recobrimento dos elementos descontínuos. Quando a chuva é a
única acção exercida sobre um telhado, a água cai verticalmente e a inclinação da
cobertura garante o seu escoamento até aos dispositivos de evacuação de águas
pluviais. O efeito mais desfavorável para a estanquidade corresponde à acção
conjunta da chuva e do vento, que pode provocar movimentos ascendentes da
água nos telhados.

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2.2.2.5. Susceptibilidade de Condensações

O risco de aparecimento de condensações nas coberturas de telhas pode provocar


a humidificação dos materiais e o aparecimento de manchas de humidade ou
mesmo a queda de gotas de água.

As condensações expressam-se em g/m2 e dependem da composição da


cobertura, da permeabilidade dos diversos materiais que a constituem e das
condições climáticas interiores e exteriores (temperatura, humidade e
movimentação do ar).

2.2.2.6. Comportamento ao Gelo-Degelo

As coberturas dos edifícios sofrem continuamente variações de temperatura, que


podem ser bruscas e de grandes amplitudes, resultando por vezes na ocorrência
de ciclos de gelo-degelo, curtos e frequentes, envolvendo toda a massa das
telhas.

Em tais circunstâncias, as telhas cerâmicas estão susceptíveis a fenómenos de


fadiga, pelo que terão de satisfazer requisitos especiais quando aplicadas em
regiões propícias a estas ocorrências, sobretudo em condições desfavoráveis de
humidade.

2.2.2.7. Permeabilidade ao Ar

Pretende-se que o nível de permeabilidade ao ar evite um desperdício de energia


excessivo e correntes de ar desagradáveis nos locais habitáveis sob a cobertura.
A permeabilidade ao ar pode exprimir-se através do débito de ar em m3/h.m2 de
superfície, em função da diferença de pressão entre o exterior e o interior.

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2.2.2.8. Isolamento Térmico

As coberturas tem um papel importante no isolamento térmico que é


fundamental, quer numa perspectiva de conservação de energia, quer numa
perspectiva de conforto.

2.2.2.9. Comportamento Mecânico

Deve exigir-se às telhas um comportamento adequado quando solicitadas à


flexão e capacidade para resistir a cargas concentradas.

2.2.2.10. Comportamento sob a Acção do Vento

A acção exercida pelo vento sobre as coberturas inclinadas depende das


condições previsíveis dos ventos em cada região, da geometria das coberturas e
da implantação dos edifícios.

Em caso de tempestade podem ocorrer depressões e sobrepressões cuja


influência é particularmente importante no levantamento de elementos das
cumeeiras e dos remates de telhado.

Eventualmente serão necessárias fixações mecânicas em número e forma de


aplicação a recomendar pelos fabricantes.

2.2.2.11. Estanquidade aos Materiais em Suspensão no Ar

Os regimes de pressões e depressões que se desenvolvem nas coberturas


inclinadas, condicionam as infiltrações de neve ou poeiras sob as coberturas.

Deve definir-se uma pressão limite de estanquidade, que será o valor máximo de
pressão do ar interior para o qual não ocorra nenhuma entrada de matéria em
suspensão.

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2.2.2.12. Isolamento Sonoro

O comportamento acústico das coberturas é caracterizado pelo isolamento


sonoro aos sons aéreos, R, à frequência de 500 Hertz, expresso em decibel.

2.2.2.13. Exigências Geométricas e de Estabilidade Dimensional

A satisfação de exigências geométricas impõe valores limites dos coeficientes de


planaridade, de rectilinearidade e de homogeneidade dos perfis transversais,
apresentados como valores adimensionais, expressos em % referidas aos
comprimentos das telhas.

As exigências de estabilidade dimensional estabelecem valores percentuais limite


para o comprimento e largura das telhas em função das dimensões declaradas
pelo fabricante.

2.2.2.14. Uniformidade do Aspecto

São dois os problemas relativos ao aspecto:

- a alteração do aspecto;

- a não homogeneidade da cor;

A alteração do aspecto não é necessariamente um inconveniente, pode-se no


entanto verificar que por vezes existem alterações que provocam aspecto
envelhecido.

É possível obter o aspecto de envelhecimento das telhas através de processos de


fabrico adequados.

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2.2.2.15. Reacção ao Fogo

Nas coberturas deve exigir-se para os materiais a satisfação das exigências


quanto à classe de reacção ao fogo dos materiais.

2.2.2.16. Resistência aos Agentes Químicos

As telhas devem apresentar bom comportamento quando submetidas a acções


químicas.

Os materiais e elementos de construção a empregar na cobertura, bem como a sua


concepção deverão respeitar diversas especificações.

Assim, cada modelo de telha tem determinadas especificidades, tais como o


espaçamento do ripado, a forma de assentamento, o recobrimento, a necessidade ou não
de fixações para uma dada inclinação que obrigam a uma especificação modelo a
modelo.

As exigências funcionais das coberturas obrigam, para além de uma concepção


adequada, a um correcto assentamento, encaixe e mesmo fixação das telhas quando
necessário. Os pontos singulares das coberturas deverão ser objecto de particular
atenção, quer por se tratarem dos locais mais severamente solicitados pela acção do
vento e da chuva, quer por serem os pontos onde são necessários remates e peças
singulares resultando daí maior susceptibilidade à qualidade construtiva.

Como regra elementar para obtenção de um correcto alinhamento das fiadas de telha
(para além da execução do ripado respeitando com rigor os valores de projecto), deve-
se prever o início da colocação das telhas paralelamente ao beirado ou beiral e, caso
não seja possível manter o paralelismo até à linha da cumeeira, executar aí os cortes
imprescindíveis, corte mecânico e não manual, de preferência, rematados tão
uniformemente quanto possível com os adequados acessórios cerâmicos, em especial
com os remates e telhões de cumeeira.

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2.2.3. Taipa e adobe

Figura 2.2.3.1 – Aspecto da Taipa

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Em Portugal, as técnicas de construção que aproveitam como material principal a terra,


são conhecidas sob as designações tradicionais de taipa e adobe.

A designação de taipa, que tanto designa o material como a técnica de construção,


provém do método usado. Este método caracteriza-se pela utilização de taipas para a
moldagem da terra, que convenientemente humedecida e compactada, constitui as
paredes. [4]

Os adobes são tijolos crus, simplesmente secos ao sol e ao ar, cuja aplicação em obra se
faz de maneira idêntica à dos tijolos cozidos.

Tratando-se a terra de uma matéria prima geralmente muito abundante, os processos de


construção que a aproveitam são antigos e universalmente conhecidos.

Apesar desta tradição, muitos equívocos de carácter económico e arquitectónico


levaram a que nos últimos 200 anos a taipa e o adobe fossem considerados como
materiais pobres e sem interesse. No entanto, já a partir dos anos 50, em pleno pós-
guerra, as condições conjunturais (falta de materiais disponíveis e dificuldades
económicas), fizeram com que nalguns países europeus, voltasse a ser utilizado este
processo. Tal foi o caso da França onde se tem vindo a realizar experiências de
construção deste tipo, procurando dignificar o material por adição de correctivos ou
aglomerantes, aumentando assim as possibilidades de êxito na resistência às
intempéries e ao desgaste. A tendência actual no uso da terra em construções é a de
utilizar estabilizantes como o cimento ou o betume e, ainda em fase experimental, as
resinas sintéticas. Consideramos que seria igualmente importante estudar o uso da cal e
em especial da cal hidratada com óleo como material estabilizante da terra. [8]

Os adobes são fabricados com terras marginais das ribeiras. A moldagem faz-se em
moldes de madeira. As dimensões dos adobes não estão fixadas variando conforme as
necessidades ou conveniências de utilização. No entanto, os adobes mais vulgares
medem 0.08 x 0.16 x 0.35m e aplicam-se constituindo paredes a meia vez.

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O período mínimo de secagem destes elementos, após a fabricação, é de 15 dias, mas a


qualidade e resistência do material aumenta bastante com a maior duração da secagem.

Para as construções de terra com adobes, a técnica de pôr em obra tradicional, não tem
sofrido alteração nem é susceptível de sensíveis melhoramentos. Exige-se sempre o
emprego de mão de obra especializada e de tipos de acabamentos semelhantes aos da
construção corrente como a alvenaria de tijolo. A vantagem que possa apresentar em
relação a estes materiais reside no seu menor custo, no isolamento térmico e sonoro. [8]

2.2.3.1. Fases da Construção de uma Parede em Taipa

- Escolha da terra ou taipa a utilizar. Nos diferentes locais onde


tradicionalmente se utiliza a taipa, esta apresenta composições diferentes,
conferindo características e especificidade a cada modo de fazer. É de
salientar que a terra é empregue como material de construção, devido à
existência de componentes argilosos na sua constituição, os quais, não só
fornecem adesividade, como conferem grande estabilidade horizontal e
resistência aos esforços compressivos exercidos verticalmente. A escolha da
taipa é normalmente determinada pelo local onde se encontra a obra e pelos
próprios mestres pedreiros. Em todo o caso deverá ser arenosa, rica em
cascalho e pedra miúda.

Figura 2.2.3.1.1 – Fases de construção de uma parede em taipa

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- Depois de extraída, a terra é transportada ao estaleiro, sendo misturada à


enxada e adicionando-se-lhe ou não água, conforme a humidade natural que
apresenta.

Figura 2.2.3.1.2 – Extracção de terras.

- Trabalhando entre os taipais, dois homens comprimem, com os pilões, a terra


pouco húmida que vai sendo lançada no molde em camadas de cerca de
10cm. Esta compressão é executada por camadas pouco espessas devendo ser
demorada e forte. Os pilões ou maços que calcam a terra têm forma de cunha
e os que alisam a superfície da taipa são cilíndricos. As camadas de terra
deixam-se inclinadas superiormente bem como nos extremos ou juntas, de
modo a quando se termina um troço e se reinicia outro, se possa devidamente
matar a junta.

- Terminado um troço, cujo comprimento útil é variável, pois parte do


comprimento do taipal, retira-se a cofragem e fixa-se de novo na posição
seguinte, percorrendo-se deste modo o perímetro da construção.

- Antes de iniciada cada nova fiada é de uso aplicar uma fita de argamassa de
cal e areia a contornar todas as arestas do troço construído. Esta fita de

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argamassa destina-se a vedar as juntas do taipal, constitui uma cintagem das


várias fiadas e assegura linhas de protecção contra o desgaste do tempo.

As espessuras das paredes usadas variam de 50 cm a 90 cm.

As juntas entre fiadas horizontais consecutivas, são verticais e costuma-se


sobrepor em cada junta uma pedra com 20 a 30 cm de largura, cujo papel é o de
impedir o alargamento dessas juntas e a consequente fendilhação nas fiadas
superiores. As paredes apresentam orifícios que se atravessam e correspondem às
posições dos côvados. Estes orifícios são tapados apenas pelo reboco superficial.

Os cunhais são construídos endentando as fiadas neles convergentes, podendo


ser reforçados com tijoleiras, que se destinam a constituir alinhamento para os
rebocos. [3]

Figura 2.2.3.1.3 – Travamentos que deverão ser feitos e como devem ser lançadas as fiadas de
alvenaria.

Os vãos das portas e janelas são usualmente abertos depois da parede executada,
por demolição dos espaços correspondentes. Os vãos podem ser guarnecidos e
nesse caso os aros de carpinteiro ligam-se directamente à taipa, ou então tem
guarnecimento de tijolo ou cantaria. Raramente se começa a construção pela
execução dos aros dos vãos em tijolo, mas caso o façam são depois encostados
os taipais para execução da taipa. As vergas dos vãos são vulgarmente
constituídas por barrotes de madeira. [4]

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Quando se trata de fachadas com grande abundância de vãos, o que implica,


segundo o método de abertura de vãos atrás descrito, grande desaproveitamento
de trabalho, executa-se a parede de preferência em alvenaria de pedra.

Nos casos em que as terras naturais não mostram qualidades suficientes para serem
utilizáveis isoladamente ou em que, mesmo sendo boa, se exigem condições que por si
só não pode garantir, mistura-se à terra natural, extraída dos locais previstos, outras
terras naturais que, por adição, a corrijam, ou materiais estranhos que a aglomeram e
lhe dêem coesão.

Entre os casos mais comuns surge o de terras demasiadamente argilosas a que convirá
adicionar areias ou cascalho miúdo ou, inversamente, o de terras fracas a que convém
adicionar argilas. Como correctivo pode também considerar-se a palha cortada em
pequenos pedaços que se adicionam às terras muito argilosas, tanto em taipas como em
adobes com o fim de aumentar a uniformidade do material, e sobretudo, diminuir a
retracção aquando da secagem. [8]

A cal também se preconiza como aglomerante.

Parece, entretanto, que a cal só funciona de verdadeiro estabilizante com certas argilas
pozolânicas. Nos terrenos vulgares julga-se que a sua acção deve ser puramente
superficial, visto a hermeticidade do meio não permitir a carbonatação da cal no
interior da parede. Se assim for, a protecção conseguida pode também obter-se pela
simples caiação dos paramentos de um muro de terra simples. No entanto, a
possibilidade de um aumento da plasticidade pela amassadura com cal, revela um certo
interesse para a facilidade e perfeição do trabalho.

Se se trata de aplicar a terra sem estabilização, a preparação necessária consiste em


desagregar, passar à ciranda para expurgar de pedras e raízes, misturar e homogeneizar
a terra, o que pode ser feito manualmente à enxada e pá, ou mecanicamente em
betoneiras ou trituradores, sendo estes últimos melhores, sobretudo no caso de terras
demasiado argilosas que aderem às pás misturadoras das betoneiras e dificultam o

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trabalho. Caso se use as betoneiras, convém que a potência do motor seja superior à
vulgarmente usada para os betões normais.

Quando a terra tenha de ser corrigida e haja necessidade de misturar areias ou argilas, é
conveniente lançar primeiro na betoneira as areias e só depois as terras argilosas. Outro
processo aconselhado é o de fazer, durante pelo menos um dia, a embebição das argilas
com água, depois amassá-las em qualquer misturador até uma consistência de massa de
pão. Aí mistura-se a massa facilmente com areias ou cascalho. Quando a terra é
estabilizada a mistura é feita, regra geral, por meios mecânicos e a ordem de
lançamento dos materiais deverá ser:

Terra + estabilizante + água

Sem estabilizantes, e porque não existirá assim qualquer elemento activo, a terra pode
ser preparada em grandes quantidades e conservada até aplicação, em depósito coberto.
Antes de adicionada a água, o estabilizante deve ser uniformemente repartido na massa.
A mistura final deverá ter o aspecto de um betão seco, que não adira às ferramentas. Os
tempos de mistura, variáveis conforme a potência do misturador, são da ordem dos 3
minutos para a terra estabilizada e cerca de metade para a terra simples.

Tradicionalmente verifica-se se uma terra pode dar boa taipa, amassando-a com água e
enchendo um molde quadrangular de madeira com 0.50 x 0.50 m em camadas
sucessivas de cerca de 0.10 m de espessura, bem amassadas e comprimidas. Por fim
cobre-se o molde com uma tampa. Ao fim de uma semana a terra está bem seca e
retira-se o molde e verifica-se se ao longo de vários meses se a sua consistência
aumentou ou diminuiu o que determinará a qualidade da terra.

A correcta adição de água de amassadura depende da própria quantidade já existente na


terra. Vulgarmente a determinação da quantidade de água conveniente é deixada à
consideração do operário encarregado do trabalho e sempre apreciada à simples vista.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

Porém, para um dado material e para um sistema de compactação, existe uma dada
percentagem de água que conduz à compacidade máxima da mistura, isto é, à maior
resistência final.

Além da protecção contra a acção da água, as paredes de terra exigem outros cuidados
a ter tais como :

- Evitar a actuação de esforços inclinados sobre as paredes; a estrutura do telhado


deve ser travada horizontalmente por linhas que anulem quaisquer esforços fora de
uma resultante vertical.

- Em zonas muito carregadas da parede, prever estabilização local para aumento da


resistência unitária.

- Proteger, com estabilização superficial ou outro revestimento, as arestas existentes


no exterior ou no interior da construção.

- Assegurar as ligações dos guarnecimentos de portas e janelas, entre si, e dispô-los


de modo a que sejam autoportantes tanto quanto possível, de modo a não
sobrecarregar as ligações à parede.

- Evitar as plantas irregulares com numerosos cantos e arestas, no entanto, nos


cunhais pode reforçar-se a ligação de duas paredes convergentes com estabilização
local.

- Nos casos em que seja de temer excessiva retracção do material com a secagem e
consequente fendilhação da parede, tem que se separar, como é tradicional, as
sucessivas fiadas de terra por camadas de argamassa, limitando assim as superfícies
afectadas.

- Garantir a manutenção periódica dos rebocos e das caiações, protegendo as fendas


ou fracturas que apareçam.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

Grupos de técnicos têm vindo a pesquisar e estudar estas técnicas de construção,


procurando aperfeiçoá-las por forma a demonstrar e divulgar a fiabilidade deste
material. Assim, os estudos referem as seguintes vantagens: [8]

1.- A nível económico: a utilização deste material proporciona, se for devidamente


empregue, uma redução por vezes considerável dos custos de construção.

2.- A nível energético: dado poder ser utilizado localmente com baixos custos de
transporte e, sobretudo, sem necessitar de ser submetido a transformação indústrial,
este material permite importantes economias de energia a montante, sobretudo quando
comparado com as energeticamente muito dispendiosas indústrias do cimento, do aço
e do tijolo cozido. Para além disso, há outras apreciáveis economias domésticas de
energia, dado que a inércia térmica das paredes de terra pode contribuir para a
redução do custo do aquecimento e climatização dos edifícios.

3.- A nível ecológico: A desnecessidade de uma fase de cozedura a alta temperatura


(mais de 1100ºC para os materiais industrializados) no tratamento da terra crua,
poupa ao ambiente a poluição da atmosfera que contribui para a destruição da
camada de ozono no nosso planeta.

4.- A nível político: A terra crua é por definição um material de utilização local, de
acordo com as potencialidades de cada região e país; presta-se ainda a uma
descentralização das actividades em termos de ordenamento do território.

5.- A nível social: As tecnologias de terra crua permitem reduzir os custos de


habitação social.

6.- A nível cultural: A terra crua sempre permitiu, em todas as civilizações, rurais ou
urbanas, assegurar a manutenção de uma linguagem criativa e adaptada aos
particularismos de cada uma delas.

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2.2.3.2. Taipa de fasquio

Técnica de construção de paredes interiores e exteriores, apenas utilizada para os


andares superiores ao rés-do-chão, que é sempre feito de alvenaria de granito
aparelhado. Estas paredes compõem-se de uma estrutura feita com tábuas de
madeira, colocadas na vertical e sobre as quais se prega um segundo pano de
tábuas na diagonal, travadas por último, com ripado horizontal, o fasquio.

Figura 2.2.3.2.1 – Taipa de fasquio

2.2.3.2.1. Técnica de Construção

Como resumo do faseamento construtivo, sugere-se o seguinte esquema:

1.- Escolha da madeira a utilizar para cada fase do processo construtivo. Por ser um
elemento estrutural deverá ter recebido um tratamento adequado, estar bem seca e ter
idade que permita garantir qualidade.

2.- Assentam-se sobre as paredes de alvenaria de pedra, vigas horizontais, que vão,
simultaneamente, servir de suporte às paredes e de encaixe para as vigas de apoio do
soalho. Caso a parede a erguer não tenha apoios laterais o seu travamento deverá ser
garantido através do encaixe e travamento das vigas na base de pedra do rés-do-
chão.

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3.- Sobre as vigas mestras constrói-se um apoio de solho que posteriormente levará o
seu acabamento, soalho. As vigas de apoio deste solho terão cerca de 8 x 15 cm.
Quando se quiser construir um segundo andar, ou mais, parte-se da construção de
pavimento do piso e sobre ele apoiarão as novas paredes.

4.- Sobre o solho são pregadas as chamadas vigas soleiras, vigas horizontalmente
colocadas, com cerca de 10x13 cm para servirem de suporte à parede.

5.- Definição do pé direito através de vigas verticais que são pregadas às vigas
soleiras, no topo das quais se colocam outras vigas onde apoiará o tecto.

6.- Definição dos vãos com a montagem de aros e caixas de janelas em madeira.

7.- Para enchimento da parede, e começando por um dos lados, são pregadas às vigas
horizontais tábuas com cerca de 3 x20 cm, dispostas ao alto e com uma folga de 4
cm entre si. Estas tábuas são de solho não aplainadas.

8.- Construído este primeiro pano, pregar-se sobre ele uma nova fiada de tábuas, mas
agora diagonalmente dispostas.

9.- A seguir e para finalizar o travamento da parede, coloca-se uma série de ripas
horizontais, com cerca de 2 cm de largo, mantendo-se uma distância entre elas de 2 a
3 cm. A este ripado dá-se o nome de fasquio, sendo esta a identificação da própria
técnica.

10.- Segue-se a colocação do reboco. Para agarrar melhor a argamassa pode-se


aplicar uma rede.

11.- Aplica-se o reboco à colher, devendo este ter uma espessura de 1,5 cm. A
argamassa apresenta o seguinte traço:

Areia de rio Cal hidráulica Saibro Cal aérea


1 1 2 1/5

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12.- Depois de aplicar o reboco e antes de estanhar aplica-se o rodapé.

13.- Para finalizar o acabamento do reboco, aplica-se com a talocha uma argamassa
com espessura de 1 cm, o estanhado, e cujo traço é:

Areia fina Cal hidráulica Cal aérea


3 ½ ½

14.- Sobre este tipo de paredes aplicam-se tintas artesanais.

2.2.3.3. Taipa de rodízio

Técnica de construção de paredes interiores e exteriores, apenas utilizada para os


andares superiores ao rés-do-chão, que é sempre feito de alvenaria de granito
aparelhado. Estas paredes compõem-se de uma estrutura de vigas de madeira que
funciona como um esqueleto, bastante elástico, e cujos vãos são preenchidos por
tijolo burro acompanhado com argamassa.

Figura 2.2.3.3.1 – Taipa de rodízio

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

2.2.3.3.1. Técnica de Construção

Como resumo do faseamento construtivo, sugere-se o seguinte esquema:

As fases por que passa esta técnica são iguais às descritas anteriormente para a taipa
de fasquio até ao ponto 6, tendo como fases seguintes as que passamos a descrever:

7.- Pregar na base e no topo várias vigas a prumo com 12 x 12 cm mantendo uma
distância entre elas de cerca de 50 cm.

8.- A construção desta estrutura de emadeiramento apresenta várias morfologias, de


que salientamos dois tipos principais:

a) Vigas a prumo sem travamento entre elas, e apenas pregadas nas


extremidades.

b) Vigas a prumo com travamento:

i. travamento múltiplo, na perpendicular e em cruz.

ii. Travamento simples – na diagonal em forma de N.

Figura 2.2.3.3.2 – Taipa de rodízio – Prumos de travamento

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9.- Preencher os espaços entre as vigas assentando o tijolo burro com argamassa. A
direcção do assentamento dos tijolos é variável. Os tijolos que se adossam às vigas
devem ter sempre um corte lateral em V, para melhor se encaixarem na madeira,
permitindo à parede comportar-se como um todo. Com esta técnica, em que se
utilizam diferentes materiais, tem de se ter sempre um bom conhecimento da
qualidade e das características dos elementos utilizados e da forma de os aplicar
correctamente usufruindo de todas as suas potencialidades.

10.- Antes de aplicar o reboco e para que este agarre melhor, procede-se ao golpear
a madeira, com um pequeno machado.

11.- Finalmente, aplica-se o reboco à colher, devendo ter uma espessura de 1,5 cm.
A argamassa utilizada apresenta o seguinte traço:

Areia de rio Cal hidráulic. Saibro Cal aérea


1 1 2 1/5

12.- Depois de aplicar o reboco e antes de estanhar aplica-se o rodapé.

13.- Para finalizar o acabamento do reboco, aplica-se com a talocha uma argamassa
com espessura de 1 cm, o estanhado, e cujo traço é:

Areia fina Cal hidráulica Cal aérea


3 ½ ½

14.- Sobre este tipo de paredes aplicam-se tintas artesanais.

2.3. AVIAMENTOS

2.3.1. Cal

A cal pura não se encontra na natureza. A que se encontra no mercado, e que depois de
ser tratada se utiliza na composição de argamassas, é a cal pura ou viva, a que os

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

antigos davam o nome de cal virgem, que resulta do aquecimento da pedra calcária a
uma temperatura elevada, através da qual o óxido de cálcio é extraído. Este processo é
que dá ao ligante a capacidade de reagir com a água e posteriormente, quando
misturado na argamassa, endurecer em contacto com a água ou com o ar. [3]

O tempo necessário para se completar perfeitamente a operação, só pode ser fixado por
meio de experiências, não dependendo unicamente da natureza da pedra e da qualidade
do combustível, mas também do sistema do forno, da sua capacidade, do estado da
atmosfera, etc. A presença do vapor de água facilita a calcinação e convém, por isso,
que os calcários tenham alguma humidade. Ao resultado de uma excessiva calcinação
emprega-se a denominação de cal morta, ou queimada, que é imprópria para a
construção.

Na construção utilizam-se, normalmente, dois tipos de cais:

- Cal aérea

- Cal hidráulica

A cal aérea só endurece em contacto com o ar, sendo adequada para alvenarias e
rebocos, ao contrário das cais hidráulicas que, também endurecem em contacto com a
água ou em ambientes húmidos, servem igualmente para construções como cisternas,
poços, pontes, azenhas e fundações. Como se disse, a cal viva resultante da calcinação,
já se encontra preparada à venda no mercado. Para se conseguir uma melhor qualidade,
ela deverá ser extinta em obra.

O processo de extinção é a reacção resultante da adição de água à cal viva, o que leva a
um grande desenvolvimento de calor e resulta na transformação das pedras de cal viva
em pó ou em pasta conforme a necessidade em obra. Este processo requer bastante
cuidado, pois as altas temperaturas podem provocar queimaduras graves.

Há vários processos de extinção da cal:

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

- extinção por fusão ou ordinária: consiste na colocação da cal num recipiente


adequado lançando sobre ele uma quantidade de água suficiente para se dar a
hidratação completa.

- Extinção por imersão: consiste em colocar pequenos fragmentos da cal em sacos de


pano ou num cesto de verga, mergulhando-os durante alguns segundos na água,
retirando logo que comecem a fazer efervescência. Em poucos minutos a cal fica
reduzida a pó.

- Extinção espontânea: abandonam-se os fragmentos dos calcários calcinados à acção


lenta e contínua da atmosfera, cuja humidade é por eles espontaneamente absorvida.
Este modo de extinguir a cal é vantajoso para a cal gorda, que ao fim de três meses
fica em melhores condições do que se fosse apagada por qualquer dos outros métodos.

- Extinção por irrigação: consiste em colocar a cal viva em estâncias de madeira e regá-
la lenta e cuidadosamente com um regador. A vantagem deste método está em fazer
abrir a cal devagar o que resulta num controlo do processo de hidratação.

A água usada na extinção deve ser o mais pura possível e doce para evitar, no momento
da secagem, o aparecimento de sais à superfície das construções.

2.3.1.1. Derivados de Cal Aérea

A cal aérea comum, quando atinge o estado a que se dá o nome de cal hidratada,
apagada ou extinta, torna-se solúvel em 700 vezes o seu peso. Se a água for em
maior quantidade do que a suficiente para a hidratação, resultará numa calda,
mais ou menos espessa, a que se dá o nome de leite de cal. Em repouso, o leite
de cal torna-se límpido, água de cal, depondo no fundo as partículas que tem em
suspensão, formando o que se chama a pasta de cal.

- Leite de cal: serve para a caiação e como base das tintas calcárias.

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- Água de cal: serve para a consolidação de alvenarias, tijolos e pedras em


desagregação. Pode ser igualmente utilizada como água de amassadura pois
acelera o tempo de presa da argamassa de cal.

- Pasta de cal: serve para trabalhos de estuque ou para a aplicação em rebocos


exteriores ao que se chama de estanhar a cal: este método consiste em aplicar
uma pasta de cal com uma colher de estucador, à maneira de um tapa-poros,
devendo ser realizado no mesmo dia da aplicação do reboco, no início da sua
presa.

2.3.1.2. Cal hidratada com óleo

Normalmente, a cal que se utiliza na construção, seja aérea ou hidráulica, é


combinada com o cimento para se conseguir uma maior resistência da argamassa
e para se acelerar o tempo de presa. É por esta razão que, para as alvenarias
antigas, vários estudos apresentam argamassas bastardas (mistas) como sendo as
que oferecem melhor qualidade, porque juntam as características naturais da cal:
maior plasticidade, menor porosidade, respiração da alvenaria; e as vantagens do
cimento: maior resistência e tempo de presa mais rápido. [4]

A argamassa feita com a cal hidratada, com óleo, substitui com vantagem
qualquer tipo de argamassa bastarda, pois consoante o traço escolhido poder-se-á
ter uma argamassa de cal quer para consolidação, quer para reboco exterior ou
interior.

Em relação ao cimento a única desvantagem é o seu tempo de presa, que de facto


é mais longo. No entanto, em termos de durabilidade, é superior a qualquer
argamassa de cimento ou bastarda.

A cal hidratada com óleo encontrou a sua inspiração em técnicas ancestrais.


Desde a antiguidade, a cal é considerada como um excelente ligante das
argamassas, como pode constatar-se pela resistência das construções romanas.
No entanto, ao longo dos séculos, as necessidades específicas de cada povo

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acabaram por determinar melhoramentos nas argamassas. Assim, estes povos


transmitiram-nos um conhecimento que nos revela o uso de um betume cuja a
amassadura utiliza óleo em vez de água e que é composto por um tipo de cal
onde também se aplica uma pequena quantidade de óleo na sua fase de
hidratação. Este betume tem o nome de galagala. Nas alvenarias utiliza-se um
derivado deste betume que implicava a mistura desta cal com areia e água.

Esta técnica, ainda é hoje em dia utilizada, o que aliás é comprovado


historicamente. Um exemplo significativo é o da fortaleza de Ormuz, mandada
construir no séc. XVI. Esta fortaleza foi construída com cilhares de pedra de
arenito encarnado, cuja argamassa de ligação era a cal feita à base de conchas
variadas e em particular de ostras, hidratada com água e uma percentagem de
óleo vegetal. O vento forte que se verificava na zona do estreito de Ormuz fez
desaparecer totalmente o arenito, mantendo-se, no entanto, quase intacta a
argamassa das juntas, o que se observa ainda 400 anos depois, provando a
resistência e a durabilidade deste material.

Poderíamos citar outros estudos e exemplos que demonstram a rigidez, a


resistência, a impermeabilidade e os efeitos benéficos em termos de salubridade
que a cal hidratada com óleo oferece. [11] O importante a registar é que este tipo
de cal dá à argamassa as seguintes características:

- Grande resistência e durabilidade.

- Grande plasticidade, sendo facilmente trabalhável em obra.

- Ausência de fissuras durante a presa e posterior endurecimento, ao contrário da


cal utilizada normalmente.

- Deixa respirar a construção, seja no reboco ou na alvenaria. Este aspecto é de


grande importância para uma boa construção, porque impede a condensação de
humidade no interior das casas, tornando os interiores sãos.

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- A cal purifica o ar porque, devido à sua composição química, absorve o dióxido


de carbono. Este fenómeno deve-se ao processo de carbonatação da cal. De
facto, a cal que se utiliza na construção encontra-se hidratada ou extinta – Ca
(OH)2. Quando é empregue numa argamassa precisa de absorver o dióxido de
carbono que existe no ar para endurecer tornando-se em carbonato de cálcio,
processo químico a que se dá o nome de carbonatação.

Carbonatação
Ca(OH)2 + CO2 = CaCo3 + H2O
Cal hidratada + dióxido de carbono = carbonato de cálcio + água que
evapora

- É hidrófuga, isto é, preserva a parede da humidade exterior, combatendo a


formação de sais na alvenaria.

- É polivalente, pois tanto pode ser aplicada como uma argamassa de cal aérea,
porque faz presa em contacto com o ar, como também faz presa debaixo de água
ou em ambiente húmido, tal como uma argamassa hidráulica.

- A cal é igualmente um produto “ecológico” porque a temperatura necessária ao


seu fabrico (a cal resulta da calcinação de pedras calcárias) é de apenas
600º/800ºC, ao contrário do cimento que necessita de 1450ºC, o que implica um
menor gasto de energia fóssil. Este facto torna-se importante uma vez que hoje
em dia existe, cada vez mais, a preocupação de proteger o ambiente e
salvaguardar os recursos naturais do planeta.

- Por último, é de salientar que a cal dá à argamassa um acabamento esteticamente


mais agradável, pois os reflexos dados pelas partículas de cal e a irregularidade
da superfície resultante do trabalho à colher, permitem que a luz revele
semblantes luminosos e tons diferentes num mesmo reboco.

As desvantagens do cimento em comparação com a cal hidratada são:

- Um traço com cimento tem de ser utilizado imediatamente após ter sido feito,
porque em contacto com o ar e a humidade o cimento endurece rapidamente.

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Isto implica que, em obra, tem que estar sempre a fazer-se a mistura, sendo
difícil garantir um traço igual desde o princípio até ao fim dos trabalhos.

- As argamassas que levam cimento têm tendência a fissurar devido à retracção


que se dá no momento do endurecimento.

- Ao contrário do que se pensa, nunca deve utilizar-se argamassa com cimento ou


argamassas bastardas em técnicas de construção tradicionais, porque não
oferecem um comportamento flexível aos movimentos dos outros materiais. Isto
implica que, em caso de ruptura, esta se faça verticalmente, pondo em risco a
própria construção, o que demonstra, uma vez mais, a sua menor flexibilidade e,
consequentemente, a menor durabilidade da construção. A argamassa de cal
hidratada com óleo consegue ter um comportamento compatível com as técnicas
tradicionais, uma vez que a sua plasticidade (adquirida através do óleo) faz com
que a fractura siga a deformação naturalmente imposta pelos outros materiais
(pedras, tijolos...), mantendo o travamento da parede. A argamassa de cal
concilia duas grandes vantagens: a flexibilidade (que lhe permite ser compatível
com todo o tipo de alvenarias) e a extrema dureza, o que garante a sua solidez
durante séculos.

- Um dos problemas que vulgarmente se encontram nas construções,


principalmente nas mais antigas, é o do salitre (eflorescências salinas). O salitre
revela-se através de manchas brancas que surgem nas superfícies das paredes,
por baixo das quais encontramos uma alvenaria em desagregação. O perigo dos
sais está na sua capacidade de se dissolverem em contacto com a água (chuva,
humidade) e de se cristalizarem (aumentando de volume) em contacto com o ar.
É por esta razão que é fundamental que as paredes respirem, permitindo que os
sais que estão no estado líquido, se transformem (cristalizem) no exterior da
parede. Quando isto acontece, podem ser limpos com uma escova a seco. Se não
puderem manifestar-se no exterior das paredes, os sais cristalizam-se no interior
destas, desagregando as alvenarias. Os rebocos de cimento são os que tendem a
impedir a evaporação da água das superfícies em que foram aplicados. A
consequência é que a alvenaria acumula humidade e os próprios sais existentes

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não conseguem sair para o exterior, acumulando-se entre a alvenaria e o reboco


(subflorescências). Isto leva, com o passar do tempo, ao destacamento do reboco
e à própria desagregação da alvenaria. Nas argamassas de cal, a evaporação da
água faz-se normalmente, o que permite resolver o problema dos sais existentes.

- Por último refira-se que as misturas com cimento são geralmente consideradas
como desagradáveis à vista, obrigando à pintura ou ao revestimento com outros
materiais. Ao contrário, a argamassa de cal não só oferece um resultado plástico
muito agradável, como ainda tem a vantagem de permitir a adição de
determinados pigmentos, obtendo-se assim a coloração desejada.

Aditivos:

- Azeite e borras de azeite.

- Sebo – o aditivo mais barato à venda no mercado.

- Outros óleos vegetais (palma, girassol, etc.).

- Outros óleos animais (peixe, etc.).

2.3.2. Gesso

Desde a Antiguidade o gesso tem servido de base a argamassas de assentamento e de


revestimento. O gesso no seu estado natural aparece sob a forma de pedra ou em
minerais de rochas que contêm na sua base sulfato de cálcio. Dá-se o nome de “ligante
de gesso” ou simplesmente “gesso”, a todos os materiais aglutinantes obtidos mediante
desidratação parcial ou total do gesso natural. As pedras de que se faz o gesso são
submetidas a um processo de calcinação a baixa temperatura, em que libertam apenas a
água da cristalização.[4] O pó que resulta do processo da calcinação combina-se
prontamente com a água, convertendo-se numa massa fina e consistente que em
contacto com o ar endurece rapidamente. Aumenta então de volume, porque a nova

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cristalização se forma desordenadamente, o que desaconselha o seu uso nas argamassas


de assentamento, pois dá lugar a deformações e mesmo a impulsos que podem
comprometer a construção.

Ao contrário do que se observa na argamassa de cal, cuja tenacidade cresce com o


tempo, a argamassa de gesso perde a sua rigidez à medida que envelhece. A sua
aplicação deve ser imediata à calcinação. Se o não for, torna-se necessário abrigá-la
cuidadosamente para que não absorva a humidade do ar, tão prejudicial às sua
propriedades.

Para utilização na construção em Portugal, apenas se fabricam dois tipos de gesso, e


que são designados como: [3]

- Gesso para esboço - gesso escuro ou pardo resultante de tratamento térmico normal
proveniente de gesso bruto escuro, com granulometria mais elevada do que o gesso
para estuque, para ser utilizado sobre esboço de paredes executado com argamassa
de cal e areia.

- Gesso para estuque – gesso branco resultante do tratamento térmico do gesso bruto
branco ou amarelo a 140ºC utilizado em mistura com cal ou outro retardador.

A técnica ligada ao uso do gesso, implica muitas vezes o emprego de aditivos, que têm
a função de retardar ou acelerar o seu endurecimento e de reforçar a sua resistência.
Para aumentar a velocidade de presa, usam-se acelerantes como o sal ou o gesso
hidratado; para retardar o tempo de presa, usam-se normalmente materiais orgânicos,
como o amido ou a cola animal; para reforçar a capacidade de resistência, usam-se
reforçantes como o alúmen ou ainda o leite de cal.

2.4. REVESTIMENTOS

Nos últimos anos tem-se verificado um crescente interesse na conservação e reabilitação de


edifícios antigos por parte das entidades responsáveis. Neste contexto, os revestimentos de

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parede apresentam particular importância dado que deles depende o aspecto final e a
protecção do edifício. As argamassas, a par dos barramentos e pinturas, são pois um dos
componentes dessa protecção do edifício que importa caracterizar por forma a garantir a
compatibilidade com os materiais de construção actuais. Outro aspecto importante a realçar
em relação à caracterização dos revestimentos antigos é que o seu estudo pode fornecer
importantes informações acerca da história do edifício.

O núcleo de Química do LNEC tem vindo a ser cada vez mais solicitado no âmbito da
caracterização de revestimentos/argamassas de monumentos antigos, tendo-se desenvolvido,
por forma a uniformizar a sua actuação, uma metodologia para a caracterização destes
materiais.[12] Esta metodologia inclui a realização de análises químicas, mineralógicas e
microestrutural. Numa 2ª fase, pretende-se completar o trabalho já realizado com a aplicação
de técnicas de análise orgânica, nomeadamente espectrofotometria da absorção de
infravermelhos, para a pesquisa de compostos orgânicos.

2.4.1. Metodologia de Trabalho

A metodologia de trabalho, que foi desenvolvida em particular para revestimentos à


base de cal, inclui essencialmente a realização de ensaios de análise química,
mineralógico por difractometria de raios X (DRX) e termogravimetria (TG) e de
caracterização microestrutural por observação ao microscópio electrónico de
varrimento (MEV) complementada por microanálises de raios X por dispersão em
energias (AXDE) associada ao microscópio.

2.4.1.1.Análise química

Nas argamassas apenas se realiza a determinação do resíduo insolúvel (RI), dado


que de acordo com a técnica utilizada, para argamassas de cal o valor de RI
traduzirá, grosso modo, o teor actual de areia na amostra em análise.

Para determinação do RI a amostra depois de seca e moída é atacada a quente


(próximo da temperatura de ebulição) com uma solução de ácido clorídico.

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2.4.1.2.Análise mineralógica por difractometria de raios X (DRX)

A análise por difractometria de raios X baseia-se na propriedade dos mesmos,


radiações de comprimento de onda da ordem de grandeza das distâncias
interatómicas, poderem ser difractados pelos cristais, segundo orientações bem
definidas. Esta técnica permite, assim, a identificação dos compostos cristalinos
presentes num material.

Normalmente, efectuam-se registos difractométricos de raios X das amostras


depois de secas e moídas, utilizando a radiação do cobalto produzida por uma
unidade de difracção de raios X.[12]

2.4.1.3.Análise termogravimétricas (TG)

A TG é uma técnica que permite conhecer a variação de massa sofrida por uma
amostra quando a um aquecimento contínuo e uniforme. As variações de massa
que ocorrem em argamassa de cal carbonatadas estão essencialmente
relacionadas com a decomposição do carbonato de cálcio.

Normalmente, os registos termogravimétricos das amostras de argamassa são


efectuados num sistema de análise térmica, sob atmosfera inerte, com velocidade
de aquecimento uniforme de 15º C/min, desde a temperatura ambiente até
1000ºC.

2.4.1.4.Análise ao MEV/AXDE

As observações da microestrutura são realizadas num microscópio electrónico de


varrimento (MEV), em provetes constituídos por pequenos fragmentos do
material em ensaio e que são previamente recobertos por uma fina película de
carbono, de modo a tornar as superfícies a observar condutoras do feixe de
electrões. Em complemento, efectuam-se ainda nos provetes microanálises de
raios X por dispersão energias (AXDE) utilizando um microanalisador de raios
X NORM associado ao MEV, empregando-se tensões de feixe de electrões.

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O reconhecimento da importância das superfícies arquitectónicas como partes


integrantes e indissociáveis da autenticidade material dos edifícios históricos é uma
evolução ainda recente da prática da conservação do património arquitectónico.

Na realidade, removiam-se das paredes exteriores os painéis, essas pinturas,


nomeadamente as de maior valor artístico. Quanto ao resto, como os rebocos e
acabamentos das superfícies originais, sobretudo quando não tinham figuração, pouco
valor lhe era atribuído como testemunho, ou como parte indissociável da restante
composição.

Situação agravada pelo abandono dos materiais e técnicas ancestrais de construção,


pelo desaparecimento das tradições construtivas, o que impediu a continuidade da sua
reparação/manutenção com práticas similares, passando os antigos materiais a ser
substituídos por novas soluções e produtos de natureza industrial.

Na sua aplicação prática estas novas soluções de renovação, como por exemplo os
rebocos à base de ligantes hidráulicos ou de cimento Portland, acabados com pinturas
filmogénicas de base oleosa, ou feitas com outras substâncias mais ou menos
sofisticadas, que se revelaram, muito rapidamente, desadequadas. Na sua aplicação
prática apresentaram deficiências óbvias, tais como: incompatibilidades químicas e
funcionais; falta de durabilidade; mau comportamento construtivo.

Assim, como justificativo destas situações, encontrava-se a menor sensibilidade


cultural e alguma ignorância técnica.

As razões para se picar até ao osso e se fazerem rebocos com cimento eram: [11]

- Mais fácil de executar pelo operário não qualificado.

- Aplicação mais rápida, mais lucrativa e porque o construtor dizia que tinha de ser
assim, ou não assumia a responsabilidade do resultado.

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- A indústria de materiais de construção não dar comissões visíveis se utilizarmos


materiais baratos como a cal e a areia.

- O cliente querer uma pele resistente e impermeável à água e uma imagem exterior
mais moderna para o seu velho edifício.

- Os técnicos responsáveis eram formados dentro de uma lógica moderna, que


desprezava o antigo, sendo a sua formação totalmente dirigida para a construção
nova e ignorando as especificidades dos materiais e da própria cultura da
construção antiga.

É importante realçar que para se proceder à reutilização destas tecnologias importa:

- Dispormos de pasta da cal adequadamente processada tanto no seu fabrico como na


sua hidratação, sendo a mais adequada a provenientes de longos períodos de estágio
em poços de apagamento.

- Assegurar a utilização de areias de diferentes granulometrias e composição, tendo


uma particular atenção quanto aos traços com excesso de areia argilosas.

- Evitar ao máximo a adição de água nas argamassas à base de cal aérea apagada.

- Assegurar o adequado humedecimento das paredes sobre as quais se aplicam estas


argamassas.

- Assegurar o contacto capilar destas argamassas entre si e com o suporte,


nomeadamente através da sua projecção com a força adequada.

- Executar estes rebocos em várias camadas de pequena espessura, evitando a


secagem excessivamente rápida dos rebocos recentemente acabados.

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2.4.2. Argamassas de Cal

Entende-se por argamassa de cal as misturas plásticas obtidas com areia, água e um
ligante, que servem para ligar entre si as pedras ou os tijolos das construções de
alvenaria e para as revestir com camadas protectoras e ou decorativas.

Para se fazer uma boa argamassa é necessário saber escolher as areias, a água e o
ligante a utilizar, pois há argamassas com diferentes finalidades e características.

A base de uma boa argamassa está no traço correcto, entendendo-se por traço o
doseamento dos inertes e do ligante.

Por isto, o traço deverá ser feito no começo da obra, em quantidade suficiente e pela
mão de um operário experiente. Deste modo, garante-se que a qualidade da mistura de
cal e areia se mantém constante ao longo dos trabalhos, pois, como se sabe, na maior
parte das vezes a mão-de-obra é variada, e desta forma evitam-se diferentes traços. O
traço pode ser armazenado num monte ao ar livre sem cuidados especiais, porque não
perde as suas qualidades. Em contacto com o ar e com a humidade cria-se uma crosta
envolvente do monte, por baixo da qual se encontra o traço em óptimas condições de
conservação.

As condições ideais para a produção de uma boa argamassa encontram-se numa


combinação equilibrada entre grãos finos e grossos. Neste caso, resultam argamassas
mais compactas, com menor quantidade de ligante e de água, bem como plasticidade e
aderência satisfatórias [11]. Por esta razão é que se misturam areias do rio, mais puras,
em mistura equilibrada entre as areias grossas e mais finas.

As areias que devem ser utilizadas na composição de uma argamassa são:

- areia do rio

- areia de bancos naturais

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As areias devem ser bem crivadas e bem lavadas, a fim de as libertar de substâncias
orgânicas e químicas, porque, além de prejudicarem a resistência das argamassas, criam
condições para uma fácil penetração da água nas alvenarias.

As areias de melhor qualidade são:

Com argila:

- Areia amarela de Corroios

- Areia Vermelha

- Areia de Saibro

Sem argila:

- Areia de rio com base de calcário

- Areia de rio com base de granito

A melhor água para as argamassas é a potável que não contenha sais nocivos à presa da
argamassa e ao comportamento desta em obra.

Na amassadura a água utilizada confere maior plasticidade à argamassa, facilitando o


trabalho do pedreiro. No entanto, a sua quantidade deverá ser rigorosamente
controlada, porque, quando se mistura a areia, a cal e por fim a água, temos um
aumento do volume de argamassa que, com a presa, posterior endurecimento e
retracção, vai diminuir bastante, provocando fissuras que reduzem a resistência da
argamassa e facilitam a penetração de água na parede.

É importante salientar que esse mínimo de água necessária varia consoante o estado de
humidade das areias, a temperatura ambiente e o estado das superfícies a ligar ou a
revestir.

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A argamassa de assentamento e para reboco de exteriores, apresenta um excelente


comportamento em obra. É uma argamassa de grande plasticidade e trabalhabilidade,
bem como de grande resistência e durabilidade, respondendo excelentemente ao fim a
que se destina [4].

Areia de rio Cal hidratada c/ óleo Areia de Corroios


2 1 1

A argamassa para reboco de interiores, porque está naturalmente mais protegido que
um reboco de exterior, não necessita de ser tão forte e, por isso, o traço poderá ser feito
com uma menor quantidade de cal, sem que se prejudique a sua qualidade.

Areia de rio Cal hidratada c/ óleo Areia de Corroios


2 1 2

A aplicação do reboco com argamassa de cal para poder ter qualidade é necessário
que as paredes estejam limpas. No caso das paredes antigas é necessário picar e retirar
todos os velhos rebocos e limpar a seco, com a ajuda de uma escova de ferro.
Consoante o clima, é preciso humedecer de maneira diferente a alvenaria. No verão é
necessário molhar a parede para que a argamassa agarre, embora no inverno baste
salpicá-la com uma vassoura.

Para que a argamassa agarre bem à alvenaria é necessário que seja atirada com força.

Para o seu correcto assentamento deve respeitar-se as seguintes regras:

- espessura do emboço = 1,5 cm

- espessura do reboco = 1 cm

- o tempo de aplicação das camadas deve ter um intervalo de 24 horas.

Caso seja necessário regularizar a parede de suporte, aconselha-se a fazer o enchimento


do emboço com elementos cerâmicos (trabalho de encasque) e depois é que se aplica o
reboco. Quando se utiliza um reboco feito com cal hidratada com óleo, não deve levar
uma tinta cujo fixador seja feito à base de óleos. Quando se pinta um reboco de cal

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

deve esperar-se apenas 4 dias sobre a aplicação deste, pois o lento endurecimento do
reboco permite prender o pigmento, tornando a tinta mais resistente e duradoura. Por
fim, pode-se dizer que devido ao endurecimento lento da argamassa de cal, a princípio
nota-se que o interior dos rebocos está brando, o que não significa menor qualidade da
argamassa, porque é deste processo carbonatação prolongada que resulta a sua maior
resistência e dureza.

A argamassa isolante é empregue em paredes que apresentam problemas de humidade,


salitre e de isolamento. Aqui utiliza-se o traço já empregue para o reboco de exteriores,
com a variante de, no momento da amassadura, empregar-se uma emulsão betuminosa
acrílica. Esta argamassa deverá ficar bem líquida para que possa ser aplicada na parede
à trincha, pois deste modo consegue cobrir melhor a parede. Para tal, deverá juntar-se
uma pequena quantidade de água. Para a sua aplicação é necessário que a parede esteja
bem limpa de poeiras e que seja ligeiramente molhada. Após a aplicação da 1ª demão
deverá deixar-se secar a superfície para depois aplicar uma 2ª demão.

Areia de rio Cal hidratada c/ óleo Areia de Corroios


2 1 1
+ emulsão betuminosa acrílica (para amassar a argamassa)
+ água (para tornar mais líquida a argamassa)

A argamassa para betonilha é um tipo de argamassa gorda em que as proporções de


inerte e de ligante são iguais, pelo que apresenta uma grande dureza e resistência ao
desgaste.

Areia de Rio Cal hidratada c/ óleo


1 1

2.4.3. Argamassa de Gesso

Com o gesso de esboço ou de estuque, de presa rápida, formam-se normalmente pastas


simples, amassando-se somente com água. O gesso admite pouca areia, não devendo
ultrapassar os 50% em volume. A mistura não deve fazer-se sem a adição de um
retardador de presa, pois de contrário dificilmente poderá aplicar-se em boas condições,
por falta de tempo para isso [3].

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A quantidade de água de amassadura varia entre os 50% e 70% do volume do gesso,


não devendo nunca ultrapassar-se o máximo indicado.

Quando se trata de pasta simples, a amassadura processa-se espalhando suavemente o


gesso em pó sobre a água de uma vasilha larga, em camadas delgadas que vão
mergulhando na água até a saturarem. Quando já não recebe mais gesso, mistura-se
rapidamente e aplica-se imediatamente, pois a presa inicia-se 3 a 5 minutos depois, e
termina próximo dos 15 minutos.

O gesso ao fazer presa aumenta de volume em cerca de 1%, o que pode evitar-se
amassando-o com água de cal, existindo ainda tem a vantagem de aumentar a
resistência.

Quando se trata de argamassa de gesso e areia a mistura faz-se a seco e em recipiente


largo: agita-se com uma colher redonda enquanto se vai adicionando a água da
amassadura, à qual se junta o retardador de presa. O período de utilização deve situar-
se entre os 5 e 20 minutos, de acordo com o retardador utilizado e a dosagem da
mistura.

Habitualmente, quando se pretende utilizar argamassas de gesso, é aplicada uma


mistura de cal em pasta e areia que se amassa normalmente, à qual se adiciona o gesso
no momento da aplicação. Neste caso, a proporção recomendável é corrigida para o
seguinte:

- 2 volumes de cal em pasta

- 1 volume de areia

e, depois, 1 volume de gesso.

Esta mistura já permite uma utilização que pode situar-se entre os 10 e 30 minutos,
sendo, no entanto, conveniente a utilização de retardador relacionado com o gesso.

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2.4.4. Reboco

A história apresenta-nos inúmeros exemplos que testemunham intenções diversificadas


de utilização do reboco:

1 – Imitar o material nobre, como a pedra natural, pois razões económicas impediam de
o usar:

- através de um trabalho em relevo (representação da pedra ou do tijolo).

- Através da aplicação da cor (que imitava o material pretendido, por exemplo, o


branco e ocres serviam para imitar pedras).

2 – Intenção de decoração externa. A pintura do reboco apresenta uma expressão


artística:

- efeito ilusório, sobretudo quando a arquitectura das cidades adquire escalas


maiores, tornando-se necessário em termos de urbanismo desmaterializar os
volumes, através de uma maior refracção da luz nas ruas e nas praças.

- Aplicação de cores com funções higiénicas. A caiação tem um papel desinfectante,


assim como certas cores têm pigmentos com características cromáticas que
afastam os insectos.

O reboco, feito tradicionalmente, utilizava ligantes que iam desde as terras argilosas ao
gesso e à cal. Consoante o seu coeficiente de retracção adicionavam-se cargas, que
podiam ter origem orgânica ou inorgânica [11].

Para se conseguir um reboco de grande qualidade é necessário saber que a argamassa


deve obedecer a todas estas características:

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- Ter boa aderência aos materiais, pois isto garante desde logo um bom
comportamento em relação à fissuração.

- Ter uma boa capacidade de impermeabilização. Isto significa ter um nível de


capilaridade baixo (não absorver a água) e uma grande permeabilidade ao vapor de
água (deixar respirar a parede, permitindo aos vapores de água saírem do interior
das construções).

- Ter resistência mecânica e durabilidade para conservar as alvenarias, o que


também se relaciona com a boa capacidade de impermeabilização.

- No caso de alvenarias antigas, a argamassa deve ser compatível com o tipo de


elementos onde vai ser aplicada. Como se sabe, muitas vezes as alvenarias têm
salitre, são húmidas e encontram-se em desagregação, o que faz com que a
aplicação de um reboco deva ter em atenção todos estes factores, e assim
contribuir para a sua consolidação.

As argamassas tradicionais, quando bem feitas, obedecem a estas exigências, ao


contrário das argamassas de cimento e bastardas que não conseguem responder
globalmente a todas elas (a resistência será uma das principais excepções).

2.4.5. Estuque

O estuque é um tipo de revestimento que pelo seu polimento oferece o aspecto


mármore, chamando-se por isso “mármore artificial”.

É com o gesso dissolvido em água, e por vezes com a adição de uma cola forte, que se
forma a massa do estuque. Todo o processo posterior à sua aplicação se reduz a dar-lhe
o maior grau possível de firmeza e densidade e a polir-lhe a superfície [4]

O estuque também se obtém a partir do mármore em pó e da cal fina.

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2.4.6. Pinturas

Quanto às pinturas como técnica tradicional, como as tintas de cal, estas resultam
sempre em soluções cromáticas transparentes, criando um efeito de vibração e de
variabilidade cromática tipo aguarela, efeito que importa reter, ou reproduzir, visto que
é inútil procurar efeitos mais homogéneos, pois os próprios materiais e técnicas não o
permitem.

Os efeitos luminosos das tintas de cal eram, em geral, incentivados pela aplicação
prévia de uma camada de pintura com água de cal, situação corrente entre nós e
cientificamente já comprovada. A durabilidade, persistência de cor e aderência das
tintas de cal são também fortemente aumentadas se estas forem aplicadas enquanto as
superfícies de acabamento final do reboco estão ainda frescas, pois assim, provoca-se
um efeito similar à técnica do fresco já que se processa a inclusão do pigmento na
camada final da carbonatação. Aumentando, deste modo muito substancialmente a sua
duração e resistência ao envelhecimento natural [11].

A tinta é na sua base composta por um meio veículo através do qual se fixa o pigmento
ao suporte (leite de cal, óleo, cola, gomas, água, ovo, etc) e por pigmentos, substância
corante de origem mineral ou vegetal.

A adição de materiais que conferem à própria tinta determinadas propriedades são


designados por aditivos. São utilizados desde a antiguidade a cera, o amido, o mel, o
alvaiade, o gesso cré, o sebo, o óleo, a terebentina e outros. Estes produtos têm a
capacidade de aumentar a resistência, a flexibilidade e a durabilidade da própria tinta,
garantir a fixação e a estabilidade dos pigmentos, abrir-lhes o tom, evitar os problemas
de fissuração, acelerar ou retardar o tempo de secagem.

A qualidade da pintura reside na escolha da tinta adequada ao suporte onde vai ser
aplicada (madeira, pedra, argamassa de reboco, estuque, tijolo, etc.), devendo, antes de
mais, ser compatível com essa superfície, sob pena de se degradar facilmente. No
entanto, outros factores podem contribuir para a degradação da pintura, como sejam as
alterações da superfície, os factores atmosféricos e os agentes biológicos.

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2.4.6.1. Pigmentos

Desde as primeiras pinturas realizadas pelo homem pré-histórico que se utilizam


pigmentos de origem mineral e vegetal, apresentando uma gama variada de
cores: argilas vermelhas e amarelas, óxidos de ferro, terras naturais de tonalidade
ocre, negros de ossos calcinados ou de cinzas de ramagens, azuis derivados dos
bióxidos de manganésio e também vestígios de tintas vegetais.

A importância da referência histórica prende-se com o facto de existir a ideia de


que os pigmentos tradicionais condicionam muito a paleta de cores que se podem
utilizar. Pelo contrário, o conhecimento demonstra que a partir destes pigmentos
se pode conseguir uma variedade imensa de tons, o que aliás nos é confirmado
pela história da pintura mural.

Em Portugal, os pigmentos tidos como sendo os tradicionalmente mais utilizados


são:

- os ocres – ocres amarelos, ocres vermelhos, ocres lilases;

- os verdes – verde loureiro, verdes de crómio, verde salsa;

- os azuis – azul da prússia, azul ultramarino, roxo-rei;

- o preto – negro de fumo, terra preta ou pretos de carbono, pó de carvão vegetal;

- os vermelhos – vermelho cádmio, vermelho crómio, vermelho tijolo;

- as terras – terra de siena queimada, terra de siena, terra preta, terra verde;

- a sombra – crua e queimada;

- o pó de sapato.

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2.4.6.2. Cor

Não há cor sem luz. Significa isto, que é através dos raios luminosos que a cor se
propaga chegando até ao nosso olhar. Esta propagação faz-se através de ondas
electromagnéticas que são de comprimento superior ao das radiações
infravermelhas. Estes comprimentos de onda podem ser longos, médios ou
curtos, e são estas que determinam as características peculiares de cada tom. Há
cores, como o azul e o verde cobre, que apresentam comprimentos de onda
longos e que provocam o efeito de repelir os insectos.

O tipo de cor e a variação da intensidade luminosa pode condicionar as escolhas


de acabamento pictórico dos edifícios. Como é sabido, os fenómenos de
irradiação e de absorção, estão intimamente ligados a esta relação entre cor e luz.
As cores claras irradiam a luz, ou seja reflectem os raios luminosos, ao contrário
das cores escuras que os absorvem. Estes fenómenos podem funcionar como
veículos de condução ou de inércia térmica. Assim, habitualmente observa-se a
utilização de cores claras, nomeadamente o branco, sobretudo em zonas do país
mais quentes, como o Alentejo e o Algarve.

As tecnologias modernas apresentam produtos que podem obviar a estes


inconvenientes. Contudo, também a tecnologia tradicional nos demonstrou que a
utilização de determinados processos pode surtir o mesmo efeito, como os que se
descrevem em seguida [4]:

Cera – O uso da cera como aderente vem desde a antiguidade. A técnica de


pintura com cera, chamada encáustica, cera misturada com a emulsão de ovo e
óleo, era muitas vezes usada em suportes de madeira e em telas sobre madeira
com uma demão de gesso fino e cola. A encáustica e a têmpera, quando feita
com caseína e ovo, eram por vezes combinadas em camadas sobrepostas, e
sobretudo utilizadas na pintura sobre pedra, nomeadamente do mármore. A
encáustica utilizou-se na tradição da pintura de proas de navios, pois conferia-lhe
grande resistência, durabilidade e estabilidade dos tons, protegendo os
pigmentos. Em termos de conclusão pode-se dizer que a utilização da cera a

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quente na pintura confere uma fixação dos pigmentos e permite garantir a


durabilidade e resistência da tinta;

Sebo ou óleo de linhaça cru – Sendo aplicado no momento em que a cal viva é
hidratada, ferve em conjunto e permite dar à tinta um carácter isolante;

Fresco – É uma pintura feita com cores diluídas em água sobre uma preparação
de argamassa húmida. Esta preparação é feita à base de cal hidratada que ao
fazer presa, absorve o dióxido de carbono que existe no ar transformando-se em
carbonato de cálcio. Este é uma espécie de crosta transparente que envolve e
protege os pigmentos. O pigmento apesar de não entrar no interior da superfície,
apoia-se nela e funciona como uma carga inerte que é envolvida pela
carbonatação. A carbonatação do pigmento é feita no próprio dia em que o
mesmo é aplicado, enquanto que a carbonatação da superfície subjacente é mais
lenta, podendo durar até cerca de 1 ano.

É preciso notar que a técnica do fresco pressupõe várias tarefas, as quais


obedecem a critérios bem delineados. Para o demonstrar, descreve-se alguns dos
passos por que passa a realização da técnica:

1.- Preparação do muro

É necessário que este esteja seco.

Antes de iniciar o trabalho molha-se a superfície completamente com água


potável. Todas as pedras devem absorver bem a água. Este processo é
indispensável para que a argamassa adira bem e não fique mole, porque a água
de cal deve evaporar-se ao ar em vez de ser absorvida pelo muro.

2.- Fazer o emboço e a preparação

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Para o emboço é necessário cal gorda e areia do rio. A cal deve ser pura, sem
gesso e apagada, caso contrário as cores seriam queimadas e a preparação tornar-
se-ia quebradiça. Depois de extinta, a cal deve ser peneirada para garantir um pó
fino e sem impurezas. A areia empregue deve ser bem lavada e seca, libertando-a
de todos os vestígios de argila que podem fazer estalar a argamassa. Para a
camada de emboço deve utilizar-se o seguinte traço:

Cal Areia Grossa


1 3

Este traço deverá ser amassado até que resulte uma massa consistente e sólida.
Este revestimento, aplicado à colher, deve ter 1 a 1,5 cm de espessura.

Por cima deste emboço aplica-se um segundo revestimento uniformizador, 20


minutos após a primeira aplicação. O traço deste segundo revestimento é :

Cal Areia fina ou pó de mármore


1 2

3.- Aplica-se seguidamente uma última preparação muito fina de argamassa, cujo
traço é :

Cal Areia fina


1 1

Esta última preparação serve de base à fixação das cores pondo-se mais água de
cal na superfície.

A quantidade de água empregue na amassadura, diminui em cada camada


sucessiva.

4.- Relativamente às cores, tem que se ter um conhecimento prévio dos tons, de
forma a aplicar correctamente a cor que se quer, pois estas, ao secarem baixam
de tom. Como estamos na presença da cal, é necessário que os pigmentos

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resistam à acção da cal e se fixem facilmente. Os pigmentos a utilizar são os


descritos anteriormente.

5.- Na utilização desta técnica é importante que durante o período de execução se


impeça a formação demasiada rápida da película cristalina de carbonato de
cálcio, pois impediria a aliança do gás carbónico com a cal presente na
preparação. Para tal, limpa-se a superfície carregando-a com uma colher de
pedreiro flexível, de forma a desfazer a crosta em formação e deixar a água
atingir a superfície externa, assegurando a correcta secagem e carbonatação das
camadas de argamassa.

2.4.6.3. Tinta de Cal

Tradicionalmente, a pintura de paredes mais utilizada é a feita à base de tinta de


cal. Assim, o processo de fabrico da tinta de cal obedece aos seguintes passos:

1.- Num recipiente misturam-se a cal em pedra, uma vela de sebo e alguma
quantidade de água. A vela vai derretendo enquanto a cal ferve. Durante esta
operação deve mexer-se a mistura com um pau ou uma colher de madeira.

2.- Depois destes ingredientes misturados, obtém-se uma massa pastosa à qual se
vai juntando a água necessária, até se verificar uma consistência tal que faça
com que o pincel corra com facilidade na parede.

3.- Esta pasta final está pronta a ser aplicada em qualquer superfície, mas se lhe
quisermos dar outra cor que não seja o branco, deverá juntar-se um pigmento à
escolha. O pigmento deverá ser diluído primeiramente num recipiente com
água e depois junto à restante tinta.

Esta tinta calcária tem as seguintes características:

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- Deixa respirar as paredes, porque não provoca a obstrução dos poros da


argamassa, impedindo a condensação de humidade no interior das casas e na
própria alvenaria. Esta característica é importante, porque um dos factores de
degradação das paredes é a presença da água no seu interior que, pela
impossibilidade de ser expelida, leva à desagregação dos rebocos e das
alvenarias [11].

- É uma tinta que por conter cal permite desinfectar o ambiente onde é aplicada.

- Tem uma expressão plástica que não se consegue alcançar com as tintas
industriais. No entanto, esta tinta é conhecida por ter determinados
inconvenientes como sejam a pouca durabilidade, pois é facilmente lavada pela
água das chuvas, a pequena resistência ao desgaste e a dificuldade de fixação
do pigmento, necessitando por isso mesmo de uma frequente manutenção.
Diga-se que são às vezes usados alguns produtos que se misturam à tinta de cal,
como cola branca de madeira, para lhe aumentar o poder de fixação e
longevidade. Contudo, além de não resolverem completamente o problema,
podem manchar a pintura.

2.4.6.4. Tinta de Cola

Tinta especialmente utilizada para rebocos interiores. Assim, o processo de


fabrico desta tinta obedece aos seguintes passos :

1.- Num recipiente, colocar a cola e a água e por ao lume. O traço óptimo para uma
boa mistura seria :

Água Gelatina (Cola)


5 litros 2 barras

2.- A barra da cola vai-se desfazendo. Durante esta operação, deverá mexer-se a
mistura com um pau ou colher de madeira, para evitar que a cola se agarre ao
recipiente.

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3.- Depois dos ingredientes derretidos verifica-se a consistência da mistura,


colocando-se na palma da mão um pingo da mesma e, com a ajuda da outra
mão, fazer-se deslizar as palmas das mãos uma contra a outra num movimento
rotativo. De acordo com a forma mais ou menos pegajosa, assim se verifica a
consistência da base da tinta. O ponto ideal deverá ser o de uma consistência
média, não muito pegajosa nem demasiado líquida.

4.- Conforme se sentir a mistura mais presa ou solta, assim se junta água ou cola
respectivamente. Deve-se ter em atenção que uma base mal preparada origina o
estalar da tinta depois da sua aplicação.

5.- Na fase final de preparação da tinta, acrescenta-se à mistura o gesso cré, que a
engrossa e lhe dá corpo, bem como o pigmento com a cor desejada. Como
verificação à consistência da mistura final, pinta-se uma unha, deixa-se secar e
depois esfrega-se. Se esta não sair, será porque está boa.

6.- Para o apuramento do tom desejado, pintam-se pedaços de telha bem secos e,
conforme se quiser um tom mais claro ou mais escuro, assim se junta gesso cré
ou pigmento. Esta tinta requer um acerto de cor que se torna difícil de se
repetir, pelo que se aconselha a calcular as necessidades de utilização em obra e
a fazer a quantidade necessária.

2.5. MADEIRAS

A exploração correcta da floresta é essencial para que se possa trabalhar a madeira enquanto
material nobre de construção, sem pôr em causa o equilíbrio ecológico necessário à qualidade
de vida, introduzindo assim o próprio conceito de arquitectura ecológica.

O seu aspecto ecológico, prende-se, entre outros factores, pela sua capacidade de ser reciclada
e reaproveitada. Igualmente, este material permite um aproveitamento optimo que responde a
alguns problemas de construção, nomeadamente no que se refere à substituição de elementos
deteriorados por outros, sem pôr em causa toda a estrutura da construção.

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A madeira não é um material homogéneo, cada árvore é diferente das demais, variando a sua
composição consoante o clima e o solo. Esta sua característica, apesar de exigir um
conhecimento rigoroso e abrangente, tanto quanto possível, confere-lhe uma riqueza estética
excepcional. A heterogeneidade da madeira, verifica-se dentro da própria árvore, isto é, um
toro de madeira compõe-se de vários círculos concêntricos que se diferenciam entre si, quer se
trate do cerne do toro (interior da madeira) ou do borne (exterior da madeira). O cerne, é uma
zona de boa madeira, porque à medida que este se vai formando, começa a ser depósito de
resinas (quando se trata de uma árvore resinosa) ou de gomas (se se tratar de árvores
folhosas), e por este motivo a água não encontra espaço para aí se depositar [4].

Apesar deste carácter eclético, existem, no entanto, características que se podem considerar
“comuns” à grande maioria das madeiras:

- A madeira necessita de ar para não se degradar (excluindo o caso em que se encontra


totalmente mergulhada em água), não se devendo por isso encobrir as estruturas, por
exemplo, no caso das coberturas.

- A madeira é hidroscópica, ou seja, absorve e expele humidade (vapor de água). Para


este fenómeno contribui a temperatura ambiente e a percentagem de água nela
existente. Assim, quando é aplicada na construção, é necessário:

a) deixar um espaço “entre madeiras” para que ela possa inchar sem prejuízo da obra,
bem como gutilar evitando a proliferação de fungos.

b) quando em contacto com outros materiais que contenham água, deve ser objecto de
um tratamento apropriado nas zonas de contacto, pois a madeira irá naturalmente
absorvê-la ou perdê-la em função do que sucede com a superfície comum, sendo
certo que, além da própria humidade em si, os ciclos de molhagem e secagem são
altamente prejudiciais para qualquer madeira.

A madeira foi desde sempre um material construtivo de eleição, comprovando a sua enorme
resistência e durabilidade, pois não só se escolhia boa madeira e o melhor de cada árvore,
como também o mestre carpinteiro, conhecedor do seu ofício, sabia como a utilizar

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convenientemente. Hoje em dia, e principalmente devido à falta de qualidade do material e à


escassez de mão-de-obra especializada, torna-se necessário recorrer a estudos de carácter
científico que façam com que o uso deste material na construção se processe nas melhores
condições. Para tal contribuem os estudos do L.N.E.C., que têm a finalidade de realizar testes
a diversos materiais, por forma a verificar as suas características fisiomecânicas e anatómicas
[13].

No caso concreto da madeira, tais investigações permitem obter informações para responder
às questões mais prementes da sua boa utilização, relacionadas com a sua conservação,
manutenção e durabilidade. Por existirem muitos tipos de madeira, é necessário proceder-se à
classificação de cada um deles, para que posteriormente se possa realizar a homologação. Esta
análise inclui vários ensaios de resistência ao choque, à estanquidade (ao ar e à água), a cargas
excêntricas, etc., tentando sempre fazer-se uma aproximação daquilo que seria passível de
acontecer na realidade. [15]

Outra forma de desenvolver o conhecimento sobre madeiras é o recurso à tecnologia química


com a intenção de prevenir as vulgarmente chamadas “doenças” típicas da madeira, como é o
caso dos xilófagos (insectos e fungos).

A “Ficha de características de produtos preservadores para madeiras”, do L.N.E.C. (Janeiro de


1965), apresenta alguns tipos de produtos capazes de proteger a madeira do ataque dos
agentes xilófagos. Em primeiro lugar, há que exigir do produto[4]:

a) Elevada toxidade para os agentes biológicos destruidores do material lenhoso;

b) Permanência na madeira depois de aplicado;

c) Bom poder de penetração na madeira;

d) Ausência de efeito prejudicial sobre as características fisico-mecânicas da madeira;

e) Ausência de efeito corrosivo sobre os metais;

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f) Ausência de efeitos prejudiciais à saúde das pessoas que aplicam ou utilizam a madeira
tratada.

Em segundo lugar, a referida ficha indica os seguintes tipos de produtos preservadores para
madeiras:

1.- Produtos oleosos;

2.- Produtos aquosos;

3.- Produtos com solvente orgânico.

Os produtos oleosos apresentam as seguintes características:

a) Elevada permanência na madeira mesmo em condições rigorosas de exposição aos


agentes atmosféricos;

b) Tendência para reduzir os risco de fendilhação da madeira tratada quando submetida a


alternâncias de secura e humidade;

c) Fraca ou nula acção corrosiva sobre os órgãos metálicos em contacto com as peças
tratadas;

d) Incompatibilidade com pinturas ou outros acabamentos;

e) Cheiro muito intenso que pode comunicar-se a outros materiais ou a produtos


alimentares, quando situados nas proximidades da madeira tratada;

f) Aumento da combustibilidade da madeira, pelo menos nos primeiros tempos após o


tratamento.

Os produtos aquosos apresentam as seguintes características:

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a) Permanência na madeira mais ou menos longa, consoante na sua composição química


entrem ou não substâncias fixadoras;

b) Necessidade de efectuar uma secagem do material após o tratamento;

c) Ausência de exsudação (transpiração) depois da madeira seca, o que elimina o risco de


manchamento de rebocos e estuques;

d) Compatibilidade com pinturas e outros acabamentos;

e) Ausência de cheiro, na generalidade dos casos, sem risco, portanto, de contaminação


de produtos situados nas proximidades da madeira tratada;

f) Facilidade de transporte e armazenamento, dado que são normalmente comercializados


no estado sólido para diluir posteriormente;

g) Possibilidade de redução da combustibilidade da madeira pelo emprego de substâncias


ignífugas (evitam a combustão) que podem entrar na composição do produto.

Características de produtos com solvente orgânico:

a) Permanência na madeira, principalmente devida à insolubilidade na água dos seus


componentes activos;

b) Elevada penetração na madeira seca, sobretudo quando o diluente empregado é muito


volátil, o que se recomenda especialmente para aplicações por pincelagem,
pulverização ou imersão;

c) Ausência, em geral, do efeito de inchamento na madeira por não conterem água na sua
composição, o que permite utilizá-los em peças já acabadas ou aplicadas;

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d) Ausência de exsudações na madeira tratada depois de evaporado o solvente, condição


necessária para que não se verifique o aparecimento de manchas nos rebocos e
estuques;

e) Compatibilidade com pinturas ou outros acabamentos, logo que o solvente se evapore


da madeira;

f) Ausência de acção corrosiva sobre os órgãos metálicos em contacto com as peças


tratadas;

g) Presença ou ausência de cheiro consoante são ou não bastante voláteis os componentes


activos ou o solvente empregue;

h) Aumento da combustibilidade da madeira, sobretudo quando o diluente é muito volátil


e antes deste se ter evaporado.

2.5.1. Corte

Uma das questões essenciais para uma boa utilização da madeira, diz respeito ao modo
como se efectua o corte, porque o modo como este é feito influencia de forma decisiva
o comportamento deste material.

Em linhas gerais temos o corte radial e o corte tangencial.

O corte tangencial provoca o empenar da madeira apesar da retracção que a madeira


sofre (sobretudo se ela está verde) com o corte radial a madeira não empena tão
facilmente.

2.5.2. Teor de humidade

A água, ou seja, o teor de humidade da madeira é um factor que se deve ter sempre em
conta aquando da sua utilização.

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Cálculo de teor de humidade:

Ph − Po
H= × 100
Po
H – humidade da madeira em %

Ph – peso da peça com a humidade (H%)

Po – Peso da peça com a humidade a 0%

Determinar a humidade que a madeira contém é muito importante, pois vai influenciar
o seu comportamento em obra. A título de exemplo, referira-se que, caso a madeira não
tenha água no interior das sua células, os fungos não se desenvolvem.

De uma maneira geral considera-se que a madeira apodrece quando a percentagem de


humidade é superior a 20%, estando em boas condições para valores inferiores. [14]

A madeira pode-se considerar seca quando entra no ponto de equilíbrio de acordo com
o sítio onde vai ser aplicada. Este ponto de equilíbrio, também chamado de saturação
das fibras, dá-se quando a água se encontra somente nas paredes das células, e não nas
células em si.

2.5.3. Defeitos das madeiras apresentados genericamente:

- Os nós.

A sua existência é devida ao corte dos ramos junto ao tronco da árvore. São
inconvenientes na madeira, porque alteram a homogeneidade das suas fibras, devem
extrair-se e substituir-se por uma espécie de rolha de madeira dura embebida em
alcatrão, que se mete no orifício do nó.

- As fendas

O frio congela a seiva que aumentando de volume rebenta a casca, produzindo fendas
longitudinais, as quais chegam por vezes ao corpo lenhoso. A madeira nestas condições

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não deverá ser utilizada na construção. Se as fendas forem transversais, o que pode
acontecer devido às intempéries ou às alternâncias de secura/humidade, a madeira pode
ser aproveitada, tapando as fendas com alcatrão.

- O pé de galinha

É uma fenda aberta do cerne para a periferia, pode surgir coberta de bolor. A madeira
com este defeito é imprópria para a construção, principalmente se a fenda estiver
coberta por um pó roxo, sinal que manifesta podridão.

- Fibras torcidas ou reviradas

Este facto ocorre por exposição da madeira à violenta acção do vento, quando ainda era
uma árvore nova. Se o torcimento é demasiado, a serragem da madeira é difícil e a sua
resistência muito pequena.

- Madeira picada

Acontece quando os insectos e outros agentes danificadores da madeira se introduziram


sob a casca da árvore. Consoante o estrago, assim se deve proceder à avaliação da
madeira, sujeitando-a se for caso disso, a um tratamento adequado.

2.5.4. Classificação das madeira para a construção

As madeiras utilizadas na construção podem classificar-se genericamente em finas,


duras ou rijas, resinosas e brandas.

2.5.4.1. Madeiras finas

Estas madeiras pela sua dureza, textura, resistência e facilidade de receber


polimento, são mais apropriadas para a marcenaria do que para as construções
vulgares.

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Pertencem a esta classe o mogno, o vinhático, o ébano, o pau santo, o buxo, entre
outras.

2.5.4.2. Madeiras duras ou rijas

São das mais empregues na construção.

Pertencem a esta classe o carvalho, o azinheiro, o sobreiro, o ulmeiro, a faia, a


teca, o freixo, o castanheiro, o eucalipto e a nogueira.

2.5.4.3. Madeiras resinosas

As árvores que fornecem as madeiras resinosas são da família das coníferas, a


resina é a seiva destas árvores.

Devem descascar-se estas árvores logo depois de abatidas, pois apodrecem


facilmente. A madeira fica, assim, mais elástica e fácil de trabalhar e torna-se
menos provável o aparecimento de rachas.

As madeiras resinosas são as mais empregues na construção, entre as mais


importantes contam-se o pinheiro bravo, o pinheiro manso, o pinheiro silvestre, o
abeto, o cedro e o cipreste.

O grande problema destas madeiras, principalmente o pinho, é a sua durabilidade


dado a sua facilidade em serem atacadas por pragas.

2.5.4.4. Madeiras brandas

São madeiras de pouca duração, de tecido branco, mole e esponjoso, fáceis de


trabalhar. Pertence a esta classe o choupo, o vidoeiro, a tília, o plátano e a acácia.

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2.5.5. Tipos de Madeiras

2.5.5.1. Castanho

Madeira de folhosa, pálida ou castanha, de cerne distinto, poro em anel, textura


grosseira e não uniforme, tem veios e por vezes ondulados, dura, leve, fácil de
trabalhar e muito durável. Madeira de excelente qualidade, semelhante à do
carvalho. Conserva-se melhor dentro de água do que exposto ao ar, não
resistindo bem se sujeita a intempéries, pela variabilidade das condições a que
está sujeito. É dificilmente atacado pelo caruncho. Tem larga aplicação nas
construções.

2.5.5.2. Eucalipto

Madeira de folhosa, amarelada ou castanho-avermelhada , de cerne distinto, poro


difuso, textura uniforme, dura, pesada e difícil de trabalhar; empena e fende com
facilidade ao secar. Madeira dura, elástica, resistente, compacta, mas susceptível
de fender. Não é facilmente atacado por parasitas e conserva-se bem.

2.5.5.3. Casquinha

Madeira resinosa, pálida, de desenho venado, branda, leve, muito fácil de


trabalhar e durável.

2.5.5.4. Pinho

Madeira resinosa, pálida ou castanho-avermelhado, de cerne distinto, textura


grosseira, moderadamente dura e pesada, fácil de trabalhar, pouco durável e com
alguma capacidade de retracção (a variedade pinheiro manso é idêntica mas mais
nodosa).

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2.5.6. Flaqueamento de madeira

Consistem em cortar longitudinalmente quatro segmentos circulares, que se


denominam castaneiras ou casqueiras, de modo que a secção fique rectangular ou
quadrada. O tronco assim flaquejado recebe o nome de viga, empregue normalmente
para suportar grandes cargas.

As vigas são em seguida serradas em pranchas ou tábuas de igual espessura, ou em


vigotas.

Os barrotes são os troncos de árvores, geralmente delgados, e que se empregam sem se


flaquearem.

2.5.7. Caracterização da madeira de Pinho

A cor é amarelo-pálido no borne e castanho-avermelhado mais ou menos acentuado no


cerne. A existência do cerne varia para cada árvore mas a percentagem de cerne é
sempre pouco elevada, particularmente nas árvores jovens ou na parte superior do
tronco. As camadas de crescimento, distintas, originam nas secções transversais os
anéis e nas longitudinais os veios, que podem ser de tipo recto ou espinhado, consoante
a intersecção do plano de corte, imprimindo à madeira de pinho o seu característico
desenho venado.

Os anéis anuais podem apresentar largura variável, embora se mantenha normalmente


constante o anel de Outono; são em geral mais largos no centro, junto à medula e mais
apertados na periferia.

A madeira é heterogénea, de textura grosseira e de fio recto, com acentuado odor


resinoso.

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2.5.7.1. Secagem

É conduzida facilmente tanto ao ar, por secagem natural, como em estufa, por
meios artificiais. A madeira, no estado verde e pela elevada tendência que
apresenta para “azular”, deve sofrer uma secagem imediata, bastante rápida mas
não tão violenta que vá originar ou agravar os defeitos inerentes e uma secagem
mal conduzida, tais como fendas, empenamentos, etc. [16]

2.5.7.2. Trabalhabilidade

A madeira de pinho tem boa trabalhabilidade em todas as operações de


carpintaria manual ou mecânica, desde que se encontre convenientemente seca,
não possua nós ou outros defeitos em grande quantidade ou extensão. Revela boa
aptidão à colagem, recebe e mantém com segurança os pregos e os parafusos e é
susceptível de adquirir um bom acabamento.

2.5.7.3. Durabilidade

A madeira de pinho é facilmente atacada pelos insectos, embora se mantenha em


bom estado de conservação quando se lhe dispensem boas condições de
sanidade. As árvores em decrepitude, em geral para além dos 80 anos, são
susceptíveis na região do cerne ao ataque de um fungo que provoca uma
podridão branca do tipo alveolar (madeira cardida).

Esta madeira pode ser atacada por carunchos das madeiras ou, em algumas zonas
do país, por uma térmite vulgarmente conhecida por “formiga branca”.

Os xilófagos marinhos como os teredos e a limnória, podem destruir rapidamente


esta madeira quando imersa em água salgada sem protecção química. [18]

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2.5.7.4. Preservação

O borne pode facilmente ser tratado, mais ou menos profundamente, por simples
imersão, pulverização ou pincelagem. Quando se pretende fazer penetrar o
produto preservador em toda a profundidade, como no caso de peças destinadas a
obras expostas ao ar livre ou imersas em água salgada, o tratamento deve
efectuar-se em autoclave sob vácuo e pressão ou por imersão prolongada a
quente seguida de arrefecimento.

O cerne é praticamente impossível de impregnar; mesmo sob pressões elevadas


apenas se consegue uma ligeira penetração desta zona da madeira, que é bastante
mais durável que o borne.[17]

Aplicações: Em todas as obras de construção civil em geral, tanto em carpintaria


de toscos como em carpintaria de limpos. Sobretudo utilizada em elementos
estruturais, em pavimentos de tacos ou soalhos, escadas, caixilharias, portas e
janelas e em todos os trabalhos de carpintaria corrente.

Destinada a todos os tipos de postes, travessas de caminho de ferro, esteios de


minas, estacaria e outro material em condições de serviço ao ar livre, desde que
se encontre convenientemente tratada.

2.5.7.5. Inconvenientes

Esta madeira apresenta geralmente um elevado número de nós, bolsas de resina e


outros defeitos de estrutura. Portanto, deve fazer-se uma criteriosa escolha e
selecção do material por classes de qualidade definidas para os principais tipos
de utilização.

Mesmo quando tratada, esta madeira é de longevidade duvidosa, permanecendo


no grupo das menos recomendáveis quanto a esta propriedade, mantendo ainda
algum protagonismo dado o seu preço, muito embora com o cair do custo das
madeiras exóticas tenha vindo a perder protagonismo.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

2.5.7.6. Vantagens

O pinho é uma excelente madeira de construção, tanto para interiores como para
exteriores, devido às suas características de resistência, trabalhabilidade e
facilidade de tratamento com produtos preservadores.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS UTILIZADOS NA RECUPERAÇÃO .

Devido à especificidade das exigências do importante património construído português,


desde há muito se utilizam técnicas e métodos de recuperação que, no entanto, não
saem do quadro dos métodos tradicionais. Mais recentemente tem vindo a estabelecer-
se e a desenvolver-se a aplicação de métodos de análise e diagnóstico de modo a apoiar
o projecto e o lançamento das obras necessárias à reabilitação de edifícios
fundamentando e auxiliando assim, com maior rigor, as decisões a tomar.[11]

3.1.Análises e diagnóstico

3.1.1. Observação dos deslocamentos ou deformação de elementos das estruturas.

Estas técnicas são independentes das de outros levantamentos mais gerais,


mas sempre necessários. Destinam-se a permitir o conhecimento das
modificações do comportamento estrutural ao longo do tempo. O LNEC
segue, como procedimento geral, uma técnica que cuja a origem remonta ao
séc. XV, e que se define nos seguintes pontos:

- Nivelamento geométrico de precisão, estabelecendo a ligação entre


numerosos pontos notáveis da estrutura, reportando-os a um ponto fixo
exterior para registo dos deslocamentos verticais ou assentamentos;

- Estabelecimento de prumadas ópticas, para detecção de deslocamentos


horizontais de pontos em posição elevada;

- Leituras, por clinómetros, das rotações. Por vez as medidas dos


deslocamentos lineares e angulares processam-se durante anos.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

3.1.2. Análises e diagnósticos de patologias em elementos de construção

No meio técnico nacional há, hoje em dia, uma aceitação geral da


importância do lançamento de análises e diagnósticos destinados à
identificação das patologias em elementos da construção, possibilitando-se,
assim, a escolha da melhor solução. Esta aceitação baseia-se numa
concepção, ou entendimento, onde o diagnóstico é encarado como elaboração
de um modelo de comportamento. Exige-se então uma vasta e rigorosa
colecta de informação, assim como uma longa e sólida experiência
profissional das entidades envolvidas. Uma outra noção, cada vez mais aceite
e tomada em conta pelo nosso meio técnico, é a da importância do “Tempo”
no diagnóstico, não só na análise mas também na verificação posterior da
validade do diagnóstico realizado e das soluções técnicas elaboradas em
conformidade.

Reforça-se assim a ideia de que a identificação correcta das causas, e a


avaliação rigorosa da situação real. É uma condição indispensável para a
resolução das patologias. Nestas análises é necessário evitar as posições
extremas – de excessivo optimismo ou pessimismo. A avaliação muito
optimista, quanto ao estado e ao carácter das patologias em elementos da
construção, poderá conduzir ao prejuízo potencial da segurança e da
economia a médio/longo prazo. A posição de excessivo pessimismo poderá
conduzir à delapidação dos recursos.

Uma boa política será a de proceder a ensaios antes de decidir sobre a


solução da intervenção.

O LNEC estabeleceu recomendações quanto às situações de que podem


resultar patologias construtivas segundo uma classificação para cada uma das
situações seguintes: concepção e projecto (má concepção, inadequação
ambiental, insuficiência de dados, modelos incorrectos, etc.); construção (má
qualidade dos materiais e da mão-de-obra, insuficiências no controlo e

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

fiscalização dos trabalhos, etc.); utilização (uso excessivo, modificações no


uso, manutenção insuficiente, etc.). A estas, juntaram-se outras
recomendações sobre factores como: a acção degradante dos agentes naturais
(físicos, químicos e biológicos); das catástrofes naturais e sobre as acções
devidas a um uso inconveniente. [19]

Neste sentido, desenvolveu o LNEC metodologias de análise e diagnóstico


sobre as causas das patologias não estruturais, nomeadamente no que respeita
aos problemas de fissuração, aos efeitos do insuficiente isolamento térmico e
de humidades e ainda, por exemplo, à determinação “à posteriori” da
composição das argamassas e dos betões, assim como a identificação,
também “à posteriori”, dos ligantes e inertes. Estas metodologias incluem
também a observação da evolução dos estados de degradação.

3.1.3. Tipificação

Um dos critérios de análise ao qual também entre nós, e nomeadamente no


LNEC, se dá maior importância é a tipificação. Essa valorização provêm de
uma atitude metodológica global, já apresentada em páginas anteriores, face à
reabilitação geral. É um critério a aplicar, na leitura histórica, à procura de
laços sistemáticos entre causa e efeito, para a eficiência da pesquisa e da
produção de informação técnica. Por exemplo, uma das patologias típicas é a
da fissuração das alvenarias e argamassas, uma das soluções estruturais
possíveis foi típica na Lisboa dos séculos XVIII e XIX – instalação de uma
estrutura tridimensional, nesse caso de madeira, “a gaiola”, incorporada nas
alvenarias - aplicada nessa época como estrutura antisísmica e após o
terramoto de 1755.

Esta pesquisa tipológica – tipologia das causas e tipificação de soluções


correntes – é exemplificada no quadro junto que procura representar as
situações mais comuns na construção portuguesa quanto às causas de
anomalias não estruturais.

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

SÍNTESE DAS OCORRÊNCIAS DE ANOMALIAS NÃO-ESTRUTURAIS

DESAJUSTAM. FACE
ANOMALIAS DEVIDAS À HUMIDADE
ÀS EXIGÊNCIAS

ENVELHECIMENTO E DEGRADAÇÃO
Humidificação dos materiais

Alteração das propriedades físicas


Humidade de condensação
Humidade de Precipitação

Degradação dos materiais


Humidade de Construção

Exigências de segurança
ELEMENTOS DE

Exigências de economia
Exigências de conforto
CONSTRUÇÃO

Higroscopicidade dos
Humidade do terreno

DOS MATERIAIS
Causas fortuitas

FISSURAÇÕES
Paredes { { z z materiais
{ { { z { { { z z
Elementos Primários

Exteriores
Paredes { { { { { { { { { { {
Interiores
Pavimentos { { { { { { { { { {

Coberturas { z z { { z { z z

Janelas { z { { z { { { {
Cerramento
Elementos secundários

{ z { { z {
dos vãos
Portas { z { { z { { { {
exteriores
Portas { { { {
interiores
Guardas { { { { { {

Lanternins { z { { { { { { {
Acabam. Ext. { { z { z { { {
em paredes
Acabam. Int. { { { z { { { { { {
em paredes
Acabamentos

Acabam. Int. { { { { { { { { {
em tectos
Acabamentos { { { { { { { { {
em pisos
Acabam. em { z { { { { { {
coberturas

SIMBOLOGIA NOTAS
{ Anomalias correntes 1 – Em pisos térreos e enterrados
z Anomalias mais relevantes 2 – Em pisos sob cobertura
3 – Em locais húmidos
4 – Pavimentos sobre espaços abertos ou não
aquecidos
5 – Guardas exteriores
6 – Em paredes exteriores

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

3.2.Procedimentos, técnicas e tecnologias de reabilitação ou recuperação

3.2.1. Manutenção

O acto de recuperar, por si só, não assegura a desejável continuidade de


usufruto do património edificado existente. Tal pressupõe, a breve trecho, a
necessidade de desenvolver e aplicar uma mais efectiva gestão e conservação
desse património. [11]

3.2.2. Reabilitação estrutural

É dado um especial relevo e importância às análises das condições e causas


geotécnicas como geradoras de situações patológicas nas condições de
serviço das estruturas e de seus elementos principais, ou mesmo, como
provocadoras do colapso. A modificação das condições geotécnicas
desenvolve uma sequência de deslocações e acontecimentos, nos elementos
da construção, que marcam o início de acções destrutivas e/ ou o surgimento
de manifestações patológicas devidas das acções mecânicas e químicas. Foi
proveitoso para o avanço dos estudos, no LNEC, dispor de sectores
especializados em diferentes domínios (geotecnia, estruturas, sistemas de
construção e comportamento da construção, etc.) para analisar, de uma forma
compreensiva e pluridisciplinar, as causas e efeitos dessas sequências e suas
consequências.[19]

Na recuperação estrutural, no ponto de vista metodológico, utiliza-se


nomeadamente:

- Recuperação de elementos da estrutura (recuperação por correcção das


patologias, reforço, substituição, etc.);

- A diminuição das cargas de serviço;

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

- O ordenamento do sistema estrutural, aligeirando ou atenuando as


solicitações nos elementos mais degradados (por ex.: pela rigidificação
dos pavimentos segundo o seu plano).

Na definição de soluções e na análise da sua fiabilidade, os critérios de


segurança e de durabilidade deverão estar sempre presentes.

As técnicas de reabilitação estrutural que têm sido praticadas e sobre as quais


existe conhecimento teórico e prático são essencialmente as seguintes:

- Tratamento dos materiais visando a conservação das suas qualidades,


quando as situações são de reduzida degradação;

- Substituição de pequenos componentes (por ex. em alvenarias em


desagregação) ou de elementos (por ex. em estruturas de madeira) sempre
que possível;

- Reforço estrutural pela adição de novos elementos resistentes parciais ou


totais, geralmente mais resistentes que o inicial;

- Melhoria das condições de resistência estrutural dos elementos,


aumentando a ligação entre materiais pela aplicação de novos produtos
aglutinantes.

Na reabilitação estrutural tem surgido investigação essencialmente


tecnológica, estas estão em grande parte orientadas para determinados tipos
especiais de estrutura e de material estrutural. Exemplos:

- Estruturas de alvenaria – ligação e elementos simples de betão armado


pré-fabricado ou de aço ou estruturas de betão armado com betão
projectado; pregagens de aço ortogonais às fendas e introdução de
ferrolhos; substituição de componentes; calcetamento de fundações e

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

recolocação de elementos em posições correctas; injecção de caldas com


aditivos ou de resinas epoxi; consolidação de esmagamentos localizados.

- Estruturas de betão – reparação de fendas com resina epoxi; reforço


estrutural com elementos metálicos colados com resina epoxi e usando
por vezes, também, cavilhas metálicas; reconstituição parcial ou
encamizamento de vigas e pilares com armaduras revestidas com
argamassas especiais ou betão projectado; análise e tratamento da
corrosão de armaduras ou de reacções químicas degradantes da qualidade
do betão; análise e reparação de esmagamentos localizados.

3.2.3. Reabilitação das madeiras

Tem-se desenvolvido métodos de análise e diagnóstico e colaborado na


definição de medidas a adoptar para os tratamentos adequados a cada caso.
Estas medidas são ditadas pelo conhecimento das madeiras do país, dos
agentes destruidores (insectos, fungos) e da protecção conferida pelos
produtos preservadores.

Têm sido também estudados os métodos de aplicação dos produtos


preservadores e dos tratamentos curativos sem descurar as técnicas
construtivas de protecção.

Na construção utilizam-se vários produtos de tratamentos curativos e


preventivos das madeiras, tais como: [20]

- SARPA IFC – Insecticida, fungicida e antitérmitas, destinado ao


tratamento curativo das madeiras do interior ao abrigo ou não das
intempéries. Após secagem completa, as madeiras podem ser pintadas,
tingidas ou envernizadas;

- SARPA BX8 – Insecticida, fungicida e anti-formiga branca, destinado ao


tratamento das madeiras de interior ou ao abrigo das intempéries, para

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

madeiras folhosas (ex.: carvalho) e resinosas (ex.: pinho marítimo). Após a


secagem completa, as madeiras podem ser decoradas com velaturas de
impregnação.

- AXIL PRIM – Insecticida, fungicida, curativo preventivo e anti térmitas.


Permite assim, cobrir as seguintes regras de eficácia:

o Preventivo/curativo contra caruncho grande, caruncho pequeno e


térmitas.

o Preventivo contra a podridão cúbica.

Como velaturas, ou seja, produtos que conferem à madeira uma protecção


hidrofuga importante que repelem a àgua, permitindo-lhes resistirem com
eficácia aos agentes climáticos (raios ultra violetas), temos como exemplo os
produtos a seguir descritos:

- ARCOBOIS – Velatura em solvente orgânico, que protege e decora as


madeiras em interiores e exteriores. Velatura de impregnação que deixa a
madeira respirar, não estala nem escama.

3.2.4. Reabilitação não estrutural

3.2.4.1.Reabilitação higrotérmica

Um dos principais processos de degradação construtiva dos elementos não


estruturais é o que resulta da penetração da humidade associada a fenómenos
de fissuração, deslocamento ou degradação dos componentes protectores.
Ligados a estes fenómenos patológicos estão outros que podemos designar
como degradação ambiental ou de insuficiência ambiental, pelo aumento de
humidade e pela inexistência, ou perda, de isolamento térmico – razão pela
qual se têm desenvolvido estudos integrados combinando a resolução da

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

patologia construtiva coma ambiental (melhoria da estanquidade combinada


com ventilação). No LNEC têm sido desenvolvidos estudos sobre o
tratamento de eflorescências e bolores como fenómenos patológicos
associados à humidade. Um dos aspectos que tem merecido mais atenção,
pela sua repetição e dificuldade em resolver, tem sido o da aplicação de
soluções que impeçam a subida da humidade na construção a partir do solo.

Relativamente ao problema de eflorescência, este surge quando a pintura é


feita sobre reboco húmido. A secagem do reboco dá-se pela eliminação de
água sob forma de vapor, que arrasta o hidróxido de cálcio do interior para a
superfície, onde se deposita. [21]

Para existir eflorescência é necessário que ocorram ao mesmo tempo a


presença da água, sais solúveis e pressão hidrostática. Este fenómeno só não
ocorre quando uma das três variáveis não estiver presente, principalmente a
água.

Os sais podem-se transformar em sais solúveis ou insolúveis, sendo que se a


transformação for em solúveis, estes serão dissolvidos por novas absorções
de água, podendo penetrar novamente no material. A mudança constante de
diluição e cristalização dos sais solúveis em água conduz com o tempo à
destruição da estrutura da argila, o que faz com que o material vá se
debilitando e comece a degradar-se.

3.2.4.2.Reabilitação de revestimentos e acabamentos

Os revestimentos e acabamentos sãos os elementos mais sujeitos à


degradação precoce – os interiores pelo uso e os exteriores pela acção dos
agentes naturais.

Tem sido estudada a composição de argamassas para a reparação de


revestimentos de alvenarias e as mesmas têm também sido objecto de
experimentação por gabinetes e empresas de construção, com o fim de

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

conseguir a consolidação das bases, boas adesões, reduzidas retracções/


fendilhações e boa estanquidade sem impedir, na generalidade, a circulação
do ar. [22]

No que respeita às pinturas, é já longa a experiência e o conhecimento


adquiridos, fundamentalmente, através da investigação, de estudos, de
ensaios e de controlo de pinturas e vernizes, que permitam uma capacidade
de intervenção no domínio das patologias e da reabilitação de pinturas em
edifícios, nomeadamente por:

- Exame e diagnóstico do estado de degradação das pinturas;

- Identificação dos tipos de produtos de pintura utilizados;

- Controlo do estado da película de pintura;

- A escolha e apreciação do comportamento dos produtos de pintura.

Como soluções de revestimentos e acabamentos, foi já mencionado e


desenvolvido neste trabalho no capítulo anterior, alguns pontos que vão ao
encontro e explicam algumas das técnicas aqui apresentadas.

3.2.4.3.Reabilitação de elementos em pedra

Tendo-se desenvolvido estudos de base que apoiam a análise e o diagnóstico


sobre as causas e os mecanismos de alteração resultantes da composição
mineralógica, da acção da água e dos sais nela solúveis. Estes e os estudos de
base sobre as técnicas de conservação ao nível da limpeza, consolidação e
protecção, apoiam a capacidade destas entidades, para dominar e aplicar
técnicas e tecnologias de intervenção em trabalhos de campo e de laboratório
e no estabelecimento de programas de reabilitação. Foram desenvolvidas
também análises à acção erosiva de materiais e substâncias químicas

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Materiais e Técnicas Tradicionais de Construção

transportadas pelo vento recorrendo a modelos dos monumentos e ensaiando-


os em túnel de vento. [23]

Alguns dos processos e causas de deterioração das pedras são descritos no


capítulo anterior.

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