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ESTUDO DO HOMEM CONTEMPORÂNEO – Texto de Paulo Pozzebon

A GLOBALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO


CONTEMPORÂNEO

Conhecer e compreender a sociedade em que vivemos representa um


considerável desafio. No entanto, para que possamos nos inserir plenamente nela,
participando ativa e eficazmente de seus processos, influenciando seus rumos e
contribuindo para a construção de estruturas mais justas e solidárias, é necessário
empreender um esforço contínuo de conhecimento e interpretação. Essa é uma
tarefa permanente e que nunca será completada, pois a sociedade se transforma
continuamente.
Entender as linhas principais da transformação da sociedade brasileira
nos permitirá compreender melhor a realidade que vivenciamos. A seguir,
apresentaremosas principais fases da história e algumas características.

SOCIEDADE TRADICIONAL – DO DESCOBRIMENTO ATÉ INÍCIO DO


SÉCULO XX

Desde o descobrimento até as primeiras décadas do século XX, o Brasil


constituiu-se como um conjunto heterogêneo de sociedades tradicionais isoladas
que foram se integrando a partir do desenvolvimento do comércio entre as regiões
do Brasil, gerado principalmente pelo ciclo econômico do ouro.
Uma sociedade tradicional é fundamentalmente agrária, isto é, a população
vive no campo, trabalhando na agricultura e na pecuária, algumas vezes praticando
a economia de subsistência, outras praticando um comércio restrito, com base na
produção agropecuária.
Não existe o emprego como o conhecemos. Predominam a escravidão e
diversos sistemas de parceria, numa economia quase sempre estável e de lento
crescimento.
Os grandes ciclos econômicos que se sucederam no Brasil até o início do
século XX – cana de açúcar, gado, ouro, café – criaram movimentos migratórios e
expansão econômica, levando à ocupação do interior do país. Contudo, na medida
em que tais ciclos se esgotavam, persistiam nos locais ocupados as atividades
agropecuárias de subsistência ou de pequeno comércio.
Sociedades tradicionais possuem, em geral, a característica da estabilidade
institucional, isto é, formas duradouras de organização social e política. No Brasil,
predominaram pequenos núcleos urbanos, essencialmente ligados à atividade rural
e ao poder dos proprietários de terras. O Estado se fez presente desde o início da
colonização, mas seu poder se concentrou nos centros maiores, por meio de
estruturas subsidiárias da monarquia absoluta do Reino Português. Poucas eram as
possibilidades de ascensão social, numa sociedade dividida, fundamentalmente, em
proprietários e seus servos.
No campo da cultura, predominaram saberes e costumes estabelecidos pela
tradição, valores morais de origem religiosa, cuja estruturação indica como fonte a
matriz feudal transplantada pelos colonizadores lusitanos.
Escolas existiam apenas nos centros principais e, mesmo assim, destinam--se
aos filhos dos nobres e dos proprietários enriquecidos.
A Igreja Católica, atrelada ao Estado pela instituição do Padroado (o rei era,
por delegação do papa, o governante da Igreja em Portugal e em todas as suas
colônias), estava presente nos principais centros e em formas e graus muito
diferentes nas localidades rurais. A religião era um dos principais traços dessa
sociedade, representando fator de identificação pessoal e social, bem como fator
de organização coletiva (as capelas originavam as vilas).

SOCIEDADE MODERNA – SÉCULO XX, A PARTIR DOS ANOS 1920-1930

Uma sociedade moderna (também chamada sociedade industrial) é,


principalmente, uma sociedade de economia baseada na indústria e no comércio de
bens industrializados, frente aos quais a agricultura e pecuária perdem importância
relativa.
A industrialização é acompanhada da migração da população do campo para
as cidades, em busca de novas oportunidades. Surge o emprego remunerado em
dinheiro, o desemprego gerado pelas crises econômicas e os grandes e inchados
centros urbanos.
Nessa sociedade, marcada pela forte urbanização e pelas crescentes massas
humanas, desaparecem os laços comunitários típicos das sociedades tradicionais e
dos pequenos centros.
Resultado das migrações, o indivíduo desvincula-se de sua comunidade,
tornando-se integrante anônimo de uma sociedade de massas, com a qual mantém
relações despersonalizadas.
Surgem, aos poucos, os movimentos de reivindicação social e política e o
fenômeno da opinião pública. Por força de pressões e reivindicações, em que se
enfrentam oligarquias tradicionais e parcelas organizadas do operariado, as
instituições vão se modernizando aos poucos:
▪▪ o Estado tende a democratizar-se;
▪▪ surgem leis de proteção ao trabalho;
▪▪ organiza-se a escola pública, os sistemas públicos de assistência à saúde
e de previdência social.
No campo cultural, as sociedades modernas caracterizam-se pela pluralidade
e diversificação das manifestações artísticas e culturais. Surgem os meios de
comunicação de massa (rádio, televisão e jornais) e começa a difundir-se a cultura
de massas. Cresce a importância da educação, da ciência e da tecnologia.
O Brasil começou a se transformar numa sociedade moderna no século XX,
após a primeira Guerra Mundial (1914-1918), devido ao início da industrialização e,
principalmente, ao fim do ciclo econômico do café.
O processo de modernização da sociedade brasileira acelerou-se a partir dos
anos 1950 e se estende até o presente, pois ainda não se completou.
Nesse período, a população brasileira saltou de cerca de 50 milhões, em
1940, para cerca de 200 milhões no presente. Foi notável o êxodo rural: em 1940,
75% dos habitantes moravam no campo, e, em 2000, 87% habitavam as cidades.

SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL – SÉCULO XXI

Integrando-se cada vez mais ao mercado mundial e sofrendo os efeitos da


globalização, o Brasil vem se transformando numa sociedade pós-industrial. Nesta,
a maior parcela da renda é produzida pelo mercado financeiro e pelo setor de
serviços, fato que faz a indústria perder importância relativa. Os serviços absorvem
cerca de 60% da mão de obra total (LUCCI, 2013). A produção e o consumo massivo
de bens supérfluos criam progressivamente a sociedade de consumo. A criação de
novos produtos e de novas tecnologias torna-se mais importante que a própria
produção dos bens, provocando o surgimento da sociedade do conhecimento.
A expressão Sociedade de Consumo designa uma sociedade característica do mundo desenvolvido
em que a oferta excede geralmente a procura, os produtos são normalizados e os
padrões de consumo estão massificados. O surgimento da sociedade de consumo decorre
diretamente do desenvolvimento industrial que a partir de certa altura, e pela primeira vez
em milénios de História, levou a que se tornasse mais difícil vender os produtos e serviços do
que fabricá-los. Esse excesso de oferta, aliado a uma enorme profusão de bens colocados no
mercado, levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente agressivas
e sedutoras e às facilidades de crédito quer das empresas industriais e de distribuição, quer
do sistema financeiro (NUNES, 2008).

Características da sociedade de consumo:


▪▪ A oferta de produtos no mercado excede a procura.
▪▪ Os produtos são padronizados.
Consumo de massas: consomem-se em grandes quantidades os produtos que estão em moda.

Por sua vez, a Sociedade do Conhecimento ou Era da Informação é o


conceito que registra o fato de que o conhecimento tornou-se o principal fator de
produção no mundo atual.
Nesse sentido, o sociólogo espanhol Manuel Castells destaca:

No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na


tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento de informação e de comunicação
de símbolos. Na verdade, conhecimentos e informação são elementos cruciais em todos os
modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de
conhecimento e no processamento da informação. Contudo, o que é específico ao modo
informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos
como principal fonte de produtividade (CASTELLS, 1999).

Manuel Castells é um dos principais pensadores da influência da Tecnologia


da Informação na sociedade. Atualmente é professor da Universidade
Aberta da Catalunha, em Barcelona; e professor emérito das disciplinas de
Sociologia e Planejamento Urbano, da Universidade de Berkley, Califórnia.

Vivemos hoje na sociedade do conhecimento, isto é, o processamento das informações e a


geração do conhecimento tornaram-se o principal fator de produção.

Cada vez mais as transformações econômicas são rápidas e profundas,


alcançando abrangência mundial. Vejamos agora algumas dessas transformações
significativas:
▪▪ O emprego formalizado tende a ser substituído pelo trabalho autônomo ou
terceirizado.
▪▪ No campo político, o Estado se torna cada vez mais burocratizado e controlado
por objetivos econômicos.
▪▪ A disputa política se torna um espetáculo protagonizado por políticos
profissionais que as massas são convidadas a legitimar, sem dispor de canais
efetivos de participação.
▪▪ No campo da cultura, predomina a cultura de massa, na forma de bem de
consumo distribuídos pelos meios de comunicação, superficial e reduzida a mero
entretenimento. Seu conteúdo e valores são marcados pela cultura pós-moderna,
surgida na Europa, após a Segunda Guerra Mundial.

A GLOBALIZAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

O termo “globalização” tem sido utilizado de forma variada e designa


conceitos muito diferentes, conforme se enfatizem os aspectos históricos,
econômicos, políticos ou culturais. Para nos aproximarmos desse fenômeno,
utilizamos a caracterização elaborada pelos editores da Wikipédia (2013),
vantajosa por sintetizar as várias dimensões do fenômeno:

A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social,


cultural, política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos meios de transporte e
comunicação dos países do mundo no final do século XX e início do século XXI. É um fenômeno
gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global que
permita maiores mercados para os países centrais (ditos desenvolvidos) cujos mercados
internos já estão saturados. O processo de globalização diz respeito à forma como os países
interagem e aproximam pessoas, ou seja, interliga o mundo, levando em consideração aspectos
econômicos, sociais, culturais e políticos. Com isso, gerando a fase da expansão capitalista,
em que é possível realizar transações financeiras, expandir seu negócio até então restrito ao
seu mercado de atuação para mercados distantes e emergentes, sem necessariamente um
investimento alto de capital financeiro, pois a comunicação no mundo globalizado permite tal
expansão, porém, obtêm-se como consequência o aumento acirrado da concorrência.

Como podemos ver, trata-se de um processo complexo e continuado, que


tende a se aprofundar cada vez mais. Entre suas principais características,
destacamos a constituição de uma economia em rede mundial, intensificando a
circulação de mercadorias e criando possibilidades mais amplas de consumo.
Da mesma forma, a globalização intensifica a comunicação entre os países,
abrindo novas possibilidades de difusão cultural e de circulação de informações.
Devemos, contudo, observar que a globalização traz importantíssimas
consequências, em graus distintos para cada país, que afetam profundamente
a sociedade em que vivemos, conforme apresentamos a seguir:
▪▪ A facilidade de comunicações e a maior circulação de mercadorias cria uma
concorrência global, tanto exercida por empresas globais que produzem e
distribuem produtos globais, quanto por empresas locais, que eventualmente
encontrem maiores facilidades para vender seus produtos. Resulta disso a
globalização de padrões de consumo e a acentuação da interdependência das
relações econômicas entre os países.
▪▪ A concorrência global atinge também o mundo do trabalho, impondo novos
padrões de organização e remuneração, bem como criando uma nova divisão
mundial do trabalho. Hoje os países centrais produzem tecnologias, enquanto os
países periféricos produzem as mercadorias, contribuindo com matérias-primas e
mão de obra baratas, arcando com eventuais danos ambientais e sociais.
▪▪ A cultura de massas também se globaliza, divulgando em escala mais ampla às
referências culturais impostas pelos modismos e pelos interesses econômicos.
O significado do fenômeno da globalização não é consenso entre seus
intérpretes. Para construirmos uma ideia mais justa e completa sobre o tema, temos
de ver também as críticas sofridas pela globalização. Confira a seguir.

CRÍTICAS À GLOBALIZAÇÃO

Desde que, nos anos 1990, o mundo tomou consciência da intensificação da


globalização, não faltaram críticas. Algumas enfatizam os riscos trazidos à economia
dos países pela rede global do mercado financeiro; outras destacam a perda de
parte da soberania dos Estados nacionais, gerada pela interdependência econômica
e pela multiplicação dos organismos supranacionais; outras, ainda, denunciam
danos à identidade cultural de populações regionais, provocada pela intensificação
da cultura de massas.
No que toca ao mundo do trabalho, são representativas as críticas do
economista italiano Luciano Vasapollo, que denuncia a precarização do trabalho:

A globalização neoliberal e a internacionalização dos processos produtivos estão


acompanhadas da realidade de centenas e centenas de milhões de trabalhadores
desempregados e precarizados no mundo inteiro. O sistema fordista nos havia acostumado ao
trabalho pleno e de duração indeterminada. Agora, ao contrário, um grande número de
trabalhadores tem um contrato de curta duração ou de meio expediente; os novos
trabalhadores podem ser alugados por algumas poucas horas ao dia, por cinco dias da semana
ou por poucas horas em dois ou três dias da semana.
[...]
A nova condição de trabalho está sempre perdendo mais direitos e garantias sociais. Tudo se
converte em precariedade, sem qualquer garantia de continuidade: O trabalhador precarizado
se encontra, ademais, em uma fronteira incerta entre ocupação e não ocupação e também em
um não menos incerto reconhecimento jurídico diante das garantias sociais. Flexibilização,
desregulação da relação de trabalho, ausência de direitos. Aqui a flexibilização não é riqueza.
A flexibilização, por parte do contratante mais frágil, a força de trabalho, é um fator de risco e
a ausência de garantias aumenta essa debilidade. Nessa guerra de desgaste, a força de
trabalho é deixada completamente descoberta, seja em relação ao próprio trabalho atual, para
o qual não possui garantias, seja em relação ao futuro, seja em relação à renda, já que
ninguém o assegura nos momentos de não ocupação (VASAPOLLO, 2005).

Ao tomarmos consciência do que significa a globalização e dos efeitos


que ela acarreta, tornam-se inevitáveis alguns questionamentos:

▪▪ Que vantagens e desvantagens trouxe a globalização para nosso país?


▪▪ É possível, como querem alguns, rejeitar ou lutar contra a globalização?
▪▪ A globalização da cultura de massas provocará o fim das culturas e identidades
regionais?

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