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EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Tema I

Tutelas de urgência: preventivas e cautelares. Tutela inibitória. Generalidades. Finalidade. Distinção da


tutela de remoção de ilícito e da tutela ressarcitória. Tutela inibitória individual e coletiva. Positiva e
negativa. A antecipação dos efeitos da tutela inibitória. Natureza da sentença. Cumprimento.

Notas de Aula1

1. Tutelas de urgência

Tutela é sinônimo de proteção. Aquele que busca uma tutela jurisdicional está
pretendendo que o Estado proteja alguma coisa. A tutela varia de acordo com aquilo que se
quer proteger.
A tutela mais comumente pretendida é a ressarcitória: ocorrido um fato, contrário
ao direito, causador de um dano, o prejudicado pretende haver ressarcimento de seu
prejuízo.
Há também a tutela inibitória, que se presta a prevenir a ocorrência de um ilícito,
antes que seja necessário o pleito pela tutela ressarcitória, ou seja, antes que haja
oportunidade de causação de dano. Esse tipo de tutela se dedica a evitar que um ilícito
ocorra, inibir a sua prática, repetição ou continuidade, a fim de que não venha a surgir
eventual dano. Repare que não se discute o dano, ainda, porque a tutela inibitória pretende
impedir o ato ilícito de ocorrer, consequentemente impedindo que qualquer dano, que
eventualmente decorreria do ilícito, venha a ser causado.
Há ainda a chamada tutela de evidência, consagrada, por exemplo, no artigo 285-A
do CPC, que se aplica em casos em que, ou por estar explícito, ou por não haver qualquer
evidência de que o direito pretendido realmente seja devido, pode o juiz entregar desde
logo a proteção estatal, ou refutar imediatamente a pretensão, respectivamente. Veja:

“Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo


já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos,
poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da
anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não
manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. (Incluído pela Lei nº
11.277, de 2006)
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder
ao recurso. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006).”

Pode haver, em um mesmo processo, a pretensão por tutelas de diferentes naturezas


cumuladas, sem óbice. Tanto no rito ordinário como no sumário, e mesmo em ritos
especiais, é possível essa cumulação.
A tutela inibitória não se confunde com a tutela cautelar, apesar da relativa
semelhança. Esse tipo de tutela, o cautelar, se distingue pelo seu escopo, que é justamente
garantir a efetividade do provimento jurisdicional, tornar útil e proveitoso o provimento
jurisdicional que será proferido em outra ação. A nota principal da cautelar é a não
satisfatividade: é um instrumento dedicado não a satisfazer desde logo a pretensão, mas sim
garantir que, quando da dedução dessa pretensão na via própria, haja a efetividade do

1
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 8/10/2010.

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eventual provimento final que atenda a tal pretensão. É por isso que é comum que se diga
que a cautelar é o “instrumento do instrumento”, porque se dedica a instrumentalizar o
instrumento que carreará a pretensão substancial. A tutela inibitória não se confunde com
essa cautelar, porque seu escopo não é meramente instrumental: seu objetivo é prevenir a
ocorrência de um ilícito, e essa prevenção é desde logo a pretensão principal que se busca –
é material, substancial, é um fim em si mesmo, ao contrário da cautelar.
Qualquer que seja o tipo de tutela, essa poderá ser prestada de forma antecipada: a
antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, qualquer que seja a espécie, é hoje possível
em qualquer processo. É cabível a liminar em tutela ressarcitória, cautelar ou inibitória,
desde que presentes os seus requisitos, seja em processo individual, seja em coletivo.
A tutela inibitória pode ser positiva ou negativa: pode a pretensão do autor exigir
que o réu não faça algo, ou pare de fazer alguma coisa, a fim de com isso impedir que o
ilícito ocorra ou se perpetue – essa é a tutela inibitória negativa. Pode o autor, no entanto,
pretender que o réu faça alguma coisa, a fim de que seja evitado o ilícito – é a tutela
inibitória positiva, que existe quando há um dever de agir para evitar um ilícito, e esse
dever está sendo descumprido, por uma omissão do réu. Marinoni dá um bom exemplo de
tutela inibitória positiva: se o fabricante de um medicamento não redige uma bula com
informações claras sobre o uso do produto, já há o ilícito por falta de informação, pelo que
pode-se pleitear tutela inibitória positiva para compelir esse fornecedor a cumprir o dever
de informação, produzindo a bula corretamente – agir para evitar que o ilícito persista.
Sobre a tutela inibitória e suas várias nuances, segue transcrito, na íntegra, um artigo
de Luiz Guilherme Marinoni, altamente relevante e esclarecedor2.

2. Tutela inibitória

2.1. Introdução

A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga
instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". Trata-se de "ação de
conhecimento" de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a
continuação do ilícito3.
A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que
efetivamente pode inibir o ilícito. Dessa forma, distancia-se, em primeiro lugar, da ação
cautelar, a qual é caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação
declaratória, a qual já foi pensada como "preventiva", ainda que destituída de mecanismos
de execução realmente capazes de impedir o ilícito.
A inexistência de uma ação de conhecimento dotada de meios executivos idôneos à
prevenção, além de relacionada à idéia de que os direitos não necessitariam desse tipo de
tutela, encontrava apoio no temor de se dar poder ao juiz, especialmente "poderes
executivos" para atuar antes da violação do direito. Supunha-se que a atuação do juiz, antes
da violação da norma, poderia comprimir os direitos de liberdade. Tanto é verdade que a
doutrina italiana, ainda que recente, chegou a afirmar expressamente que a tutela inibitória
2
Texto dos itens 2, 3 e 4 compilado de artigo de autoria de Luiz Guilherme Marinoni, professor titular de
Direito Processual Civil dos cursos de graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em
Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da
República.
3
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, São Paulo, Ed. RT, 2003. 3a. ed.

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antecedente a qualquer ilícito – denominada de "tutela puramente preventiva" – seria


"certamente la più energica", mas também "la più preoccupante, come è di tutte le
prevenzioni che possono eccessivamente limitare l’umana autonomia"4.
A ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas
situações de direito substancial. Ou seja, a sua estruturação, ainda que dependente de
teorização adequada, tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo,
bem como com a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos,
especialmente aos de conteúdo não-patrimonial.
Frise-se que a estrutura do CPC brasileiro, nos moldes estabelecidos em 1973, é no
mínimo curiosa, pois ao mesmo tempo em que não permite a elaboração dogmática de uma
ação de conhecimento preventiva atípica, renegando a função preventiva à ação cautelar,
institui dois procedimentos especiais que conferem toda a força necessária para o juiz
conceder tutela preventiva à posse e à propriedade, quais sejam, a nunciação de obra nova
(art. 934, CPC) e o interdito proibitório (art. 932, CPC). Isso, ao mesmo tempo em que
revela a ideologia que inspirou o CPC de 1973, dá sustentação à tese de que a ação de
conhecimento atípica não podia exercer efetiva função preventiva.

2.2. Fundamentos da tutela inibitória

A ação inibitória se funda no próprio direito material. Se várias situações de direito


substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade
de se admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que
proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer
significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o
ressarcimento do dano.
Como o direito material depende - quando pensado na perspectiva da efetividade -
do processo, é fácil concluir que a ação preventiva é conseqüência lógica das necessidades
do direito material. Basta pensar, por exemplo, na norma que proíbe algum ato com o
objetivo de proteger determinado direito, ou em direito que possui natureza absolutamente
inviolável, como o direito à honra ou o direito ao meio ambiente. Lembre-se, aliás, que
várias normas constitucionais afirmam a inviolabilidade de direitos, exigindo, portanto, a
correspondente tutela jurisdicional, que somente pode ser aquela capaz de evitar a violação.
Não obstante tudo isso, a Constituição Federal de 1988 fez questão de deixar claro
que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"
(art. 5.º, XXXV, CF). Ora, se a própria Constituição afirma a inviolabilidade de
determinados direitos e, ao mesmo tempo, diz que nenhuma lei poderá excluir da
apreciação do Poder Judiciário "ameaça a direito", não pode restar qualquer dúvida de que
o direito de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, CF) tem como corolário o direito à tutela
efetivamente capaz de impedir a violação do direito.
Na verdade, há direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e, assim,
direito fundamental à tutela preventiva, o qual incide sobre o legislador - obrigando-o a
instituir as técnicas processuais capazes de permitir a tutela preventiva - e sobre o juiz -
obrigando-o a interpretar as normas processuais de modo a delas retirar instrumentos
processuais que realmente viabilizem a concessão de tutela de prevenção.

4
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, Milano, Giuffrè, 1964, p. 428.

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Lembre-se que a ação declaratória não é capaz de conceder tutela de inibição do


ilícito, uma vez que somente pode declarar a respeito de uma relação jurídica ou,
excepcionalmente, de um fato (art. 4º, CPC). A sentença declaratória, como é sabido, é a
sentença típica do estado liberal clássico, uma vez que, além de incapaz de permitir ao juiz
interferir sobre a vontade do demandado, tem seu fim restrito a regular uma relação jurídica
já determinada pela autonomia de vontade.
A ação cautelar, por outro lado, pelo fato de exigir uma ação principal, também não
é adequada para proteger os direitos que dependem da inibição de um ilícito. O direito à
inibição do ilícito não pode ser considerado como direito que objetiva uma tutela que seria
mero instrumento de outra. Imaginar que a ação inibitória é instrumental exige a resposta
acerca de que tutela ela estaria servindo. Ora, tendo em vista que não há como aceitar que o
direito à prevenção conduz a uma tutela que pode ser vista como instrumento de outra, é
impossível admitir uma ação inibitória rotulada de cautelar, ou mesmo uma ação cautelar
"satisfativa" ou "autônoma", como era chamada antes da reforma de 1994.

2.3. Pressupostos da tutela inibitória

A ação inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, ainda que se trate de


repetição ou continuação. Assim, é voltada para o futuro, e não para o passado. De modo
que nada tem a ver com o ressarcimento do dano e, por conseqüência, com os elementos
para a imputação ressarcitória – os chamados elementos subjetivos, culpa ou dolo5.
Além disso, essa ação não requer nem mesmo a probabilidade do dano,
contentando-se com a simples probabilidade de ilícito (ato contrário ao direito). Isso por
uma razão simples: imaginar que a ação inibitória se destina a inibir o dano implica na
suposição de que nada existe antes dele que possa ser qualificado de ilícito civil. Acontece
que o dano é uma conseqüência eventual do ato contrário ao direito6, os quais, assim,
podem e devem ser destacados para que os direitos sejam mais adequadamente protegidos.
Assim, por exemplo, se há um direito que exclui um fazer, ou uma norma definindo
que algo não pode ser feito, a mera probabilidade de ato contrário ao direito – e não de
dano – é suficiente para a tutela jurisdicional inibitória. Ou seja, o titular de uma marca
comercial tem o direito de inibir alguém de usar a sua marca, pouco importando se tal uso
vai produzir dano. Do mesmo modo, se uma norma impede a venda de determinado
produto, a associação dos consumidores (por exemplo) pode pedir a inibição da venda, sem
se preocupar com dano.
Alguém, mais apressado, poderia supor que a distinção entre probabilidade de dano
e probabilidade de ilícito não tem repercussão prática. Ora, a possibilidade do uso da ação
inibitória, nos casos exemplificados no parágrafo anterior, já seria suficiente para desfazer o
equívoco. Contudo, quando se percebe que a matéria da ação inibitória se restringe ao

5
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, 3a. ed., cit., p. 38 et seq.; Marco Saviero Spolidoro, Le misure di
prevenzione nel diritto industriale, Milano, Giuffrè, 1982, p. 161 et seq.; Lodovico Barassi, La teoria generale
delle obbligazioni, cit., p. 431; Cristina Rapisarda, Inibitoria, Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p.
479; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale, La fattispecie, Rivista di Diritto Industriale, 1963, p.
273; Edoardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1957, p. 579.
6
Como conclui Adolfo di Majo, "resta che l’immediato referente della tutela inibitoria è il torto subito, a
prescindire dal danno che esso abbia provocato" (Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela, Processo e
tecniche di attuazione dei diritti, Napoli, Jovene, 1989, p. 30).

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ilícito, verifica-se que o autor não precisa alegar dano e o que réu está impedido de discuti-
lo. Bem por isso, o juiz, em tal caso, não pode cogitar sobre o dano e, dessa forma,
determinar a produção de prova em relação a ele.
É certo, porém, que em alguns casos há uma identidade cronológica entre o ato
contrário ao direito e o dano, pois ambos podem acontecer no mesmo instante. Nessas
hipóteses, a probabilidade do dano constituirá o objeto da cognição do juiz e, assim, o autor
deverá aludir a ele e o réu poderá obviamente discuti-lo. Por isso mesmo, a prova não
poderá ignorá-lo. Porém, fora daí, vale a restrição da cognição ao ato contrário ao direito,
não apenas pela razão de que essa é a única forma de realizar o desejo da norma - que
estabelece uma proibição exatamente para evitar o dano - como também porque, em
determinados casos, são proibidas ações contrárias ao direito, independentemente de
provocarem efeitos danosos.

2.4. Modalidades

A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para
impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu.
Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana 7.
Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de
qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é
muito mais difícil constatar a probabilidade do ilícito sem poder considerar qualquer ato
anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita8.
Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à
prova da ameaça. Enquanto que duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva
inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da
repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a
outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos
que constituam indícios de que o ilícito será praticado.
No caso de ilícito já praticado, torna-se muito mais fácil demonstrar que outro ilícito
poderá ser praticado, ou mesmo que a ação ilícita poderá prosseguir. Nesses casos, levando-
se em conta a natureza da atividade ou do ato ilícito, não é difícil concluir a respeito da
probabilidade da sua continuação ou da sua repetição9.
Note-se que as três ações se diferenciam na medida em que se distingue o que nelas
deve ser provado. Isso não quer dizer, como é óbvio, que a necessidade de ação inibitória
possa ser vista de forma diferenciada diante das três hipóteses elencadas. A necessidade de
ação inibitória não tem nada a ver com a questão da prova. A dificuldade da prova não pode
constituir obstáculo à ação inibitória, seja ela qual for.
Lembre-se que a modalidade mais pura de ação inibitória, que é aquela que interfere
na esfera jurídica do réu antes da prática de qualquer ilícito, vem sendo aceita em vários
países preocupados com a efetividade da tutela dos direitos. Assim, por exemplo, no direito
alemão, não obstante o teor da letra do §1.004 do BGB, que se refere expressamente a
7
Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 428.
8
Como diz Frignani, o problema dessa modalidade de ação inibitória consiste "nel fatto che qui la prova del
pericolo della commissione di un illecito è più difficile, in quanto è estremamente arduo dare una valutazione
ex ante dell’idoneità dei mezzi messi in atto nei preparativi ai fini della perpetrazione dell’illecito" (Aldo
Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, Milano, Giuffrè, 1974, p. 429).
9
Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 429.

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"prejuízos ulteriores"10, e no direito anglo-americano, em que é admitida a chamada quia


timet injunction, que nada mais é do que espécie de tutela inibitória anterior ao ilícito11.
Na Itália, a Lei sobre Direito do Autor admite expressamente o uso da ação
inibitória em suas três modalidades, não se limitando a prever a tutela destinada a impedir
"la continuazione o la ripetizione di una violazione già avvenuta", mas frisando que "chi ha
ragione di temere la violazione di un diritto..." "può agire in giudizio per ottenere che il suo
diritto sia accertato e sia interdetta la violazione" (art. 156 da Lei sobre Direito do Autor -
Lei 633/1941)12.
A doutrina italiana mais moderna13 não só sustenta que a melhor definição
legislativa de ação inibitória está presente na norma que acaba de ser referida, como
também admite que essa ação, diante de sua evidente necessidade para a efetividade da
tutela dos direitos, é garantida pelo art. 24 da Constituição 14, que funda o princípio da
efetividade, garantindo a todos uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva 15.
Com isso, como é óbvio, a doutrina italiana reconhece a imprescindibilidade da ação
inibitória anterior a qualquer ilícito16.
2.5 Ação ilícita continuada

10
Dieter Medicus, Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, München, C. H. Beck’sche
Verlagsbuchhandlung, 1986, v. 4, p. 963 et seq.; Karl Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, München, C. H.
Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1972, p. 528 et seq.
11
É o que diz Arwed Blomeyer: "Therefore in some countries an ‘initial violation’ as well as a ‘danger of
repetition’, are prerequisites for the action, as under the German CC 1004, in the socialist systems and, for the
most part, under Anglo-American law. To a substantial extent, however, modern law has outgrown these
requirements. German and Swiss practice admit a complaint for injunctive relief even before an initial
violation; and Anglo-American law has developed the quia timet injunction for just this purpose" (Arwed
Blomeyer, Types of relief Available (Judicial remedies), International Encyclopedia of Comparative Law, v.
16, p. 54).
12
Art. 156 da Lei 633/1941: "Chi ha ragione di temere la violazione di un diritto di utilizzazione economica a
lui spettante in virtù di questa legge, oppure intende impedire la continuazione o la ripetizione di una
violazione già avvenuta, può agire in giudizio per ottenere che il suo diritto sia accertato e sia interdetta la
violazione...".
13
Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, Padova, Cedam, 1987, p. 92; Aldo Frignani,
Inibitoria, Enciclopedia del diritto, v. 21, p. 560.
14
Como dizem Rapisarda e Taruffo, "in sostanza, la concezione meramente risarcitoria della tutela di
condanna apre dei vuoti di grande rilievo nell’attuazione concreta della garanzia di cui all’art. 24, 1 co., Cost.;
per contro, l’estensione di tale garanzia alle situazioni sostanziali non tutelabili in via risarcitoria impone di
ammettere per esse la tutela inibitoria. Essa deve, quindi, essere atipica, proprio per poter svolgere la funzione
generale di tutela prevista dalla norma costituzionale" (Cristina Rapisarda e Michele Taruffo, Inibitoria,
Enciclopedia Giuridica Trecanni, v. 17, p. 9).
15
Italo Andolina e Giuseppe Vignera, Il modelo costituzionale del processo civile italiano, Torino,
Giappichelli, 1990, p. 89; Luigi Paolo Comoglio, Commentario della Costituzione (a cura di G. Branca),
Bologna-Roma, Zanichelli-Foro italiano, 1981, p. 1 et seq.; Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti,
Milano, Giuffrè, 1993, p. 1; Andrea Proto Pisani, Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria,
Foro italiano, 1983, p. 128 et seq.; Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione, Rivista
Critica del Diritto Privato, 1986, p. 635 et seq.; Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile,
Torino, Giappichelli, 1995, p. 169 et seq.
16
"A prescindire dal fatto che la tutela inibitoria appare sempre di più generalizzata a nuove categorie di diritti
(oltre quelli tradizionali), è da sottolineare comunque che essa, proprio per la sua funzione di prevenzione,
non può non ritenersi parte integrante di un complessivo sistema di tutela dei diritti, ove naturalmente
sussistano le ragioni della prevenzione. Il fondamento più immediato di essa è il principio costituzionale
secondo cui la tutela dei diritti deve essere ‘effettiva’ (art. 24)" (Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela,
Processo e tecniche di attuazione dei diritti, cit., p. 30).

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Quando se pensa em repetição do ilícito, supõe-se um intervalo entre um ato e


outro, e assim na possibilidade de se impedir a prática de um novo ilícito, independente do
primeiro. Porém, a questão se complica quando a atenção se volta para o ilícito continuado.
Isso porque é possível supor uma ação com eficácia ilícita continuada e uma ação
continuada ilícita.
Na primeira hipótese há apenas uma ação, cujo efeito ilícito perdura no tempo,
enquanto que, no segundo caso, há uma ação continuada (ou uma atividade) ilícita. Nessa
última situação, a ilicitude continua na medida do prosseguimento da ação ou da atividade,
ao passo que na primeira a ilicitude não é relacionada com a ação, mas sim com o efeito
que dela decorre e se propaga no tempo.
Se é correto inibir a continuação de uma ação ou de uma atividade, o ilícito, cujos
efeitos são continuados, deve ser removido. Quando o ilícito se relaciona com os efeitos da
ação que se exauriu, basta remover o ato que ainda produz efeitos, pois não se teme uma
ação futura.
A ação inibitória diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos
perduram no tempo. Isso por uma razão lógica: o autor somente tem interesse em inibir
algo que pode ser feito e não o que já foi realizado. No caso em que o ilícito já foi
cometido, não há temor a respeito do que pode ocorrer, uma vez que o ato já foi praticado.
Como esse ato tem eficácia continuada, sabe-se de antemão que os seus efeitos
prosseguirão no tempo. Portanto, no caso de ato com eficácia ilícita continuada, o autor
deve apontar para o que já aconteceu, pedindo a remoção do ato que ainda produz efeitos.
Exemplificando: a produção de fumaça poluente constitui agir ilícito continuado.
Isto é, a ilicitude pode ser medida pelo tempo em que a ação se desenvolve. Nessa hipótese,
há como usar a ação inibitória, pois o juiz pode impedir a continuação do agir. Porém, no
caso de despejo de lixo tóxico em local proibido, há ato ilícito - que depende apenas de uma
ação – de eficácia continuada. Nesse caso, basta a remoção do ilícito, ou melhor, que a
tutela jurisdicional remova o ato já praticado para que, por conseqüência, cessem os seus
efeitos ilícitos.
Portanto, a ação inibitória deve atuar quando se teme a continuação de ação ilícita,
enquanto que a ação de remoção de ilícito deve se preocupar com o ilícito de eficácia
continuada.

2.6. Tutela inibitória mediante imposição de não-fazer e de fazer

Considerando-se as antigas normas, que apenas distribuíam direitos, o medo de


violação de um direito nada mais podia ser do que o temor de uma ação positiva, ou seja, de
um fazer.
Porém, quando se percebeu o dever do Estado editar normas para proteger os
direitos fundamentais – por exemplo, o dever de proteger o consumidor e o meio ambiente
-, as normas jurídicas "civis" também assumiram função preventiva17, que até então era
17
Gabriel Stiglitz e Rubén Stiglitz, salientando a revolução provocada pela nova natureza de algumas normas,
como as de proteção do consumidor, afirmam que essas, em vista da sua natureza preventiva, representam
uma das mais importantes superações do sistema clássico, que somente admitia "la reacción jurídica frente al
daño ya producido". Acrescentam que isso seria "absolutamente estéril no âmbito da proteção do consumidor,
pois os custos sociais que deixam como seqüelas (não apenas aos consumidor mas também ao próprio
mercado), os acidentes de consumo e as práticas abusivas, não são reparáveis através dos mecanismos
sancionatórios tradicionais" (Gabriel Stiglitz e Rubén Stiglitz, Derechos y defensa de los consumidores,

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reservada às normas penais. Essa função preventiva passou a ser exercida através de
normas proibitivas e impositivas de condutas. Na verdade, com a evolução da sociedade,
cada vez mais surgiram direitos dependentes de algo que deveria ser feito, não mais
bastando a simples abstenção (ou não-violação). Ou seja, o próprio direito material passou
a depender de ações positivas. Essas últimas passaram a ser imprescindíveis para a
prevenção dos direitos.
Isso significa que a prevenção deixou de se contentar apenas com a abstenção,
passando a exigir um fazer. Nessa perspectiva, ficou fácil perceber que o ilícito poderia ser,
além de comissivo, também omissivo. Se alguém possui dever de fazer para que um direito
não seja violado, é evidente que o não-fazer implica em ato contrário ao direito, o qual pode
ser qualificado de ilícito omissivo.
Dessa forma, torna-se fácil compreender que a ação inibitória não visa somente
impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não-fazer. O seu objetivo é evitar o
ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir um não-fazer ou um
fazer, conforme o caso18.
O direito brasileiro possui normas processuais (arts. 84, CDC, e 461, CPC) que
autorizam ao juiz não apenas impor um fazer ou um não-fazer, como também impor um
fazer quando houver sido pedido um não-fazer, desde que o fazer seja mais adequado à
proteção do direito no caso concreto.
De modo que, se o direito material exige um não fazer, nada impede que o juiz
ordene um fazer para que o direito seja efetivamente tutelado. Assim, por exemplo, se
alguém está proibido de perturbar a vizinhança, nada impede que o juiz, ao invés de
ordenar a paralisação da atividade, ordene a instalação de determinado equipamento. Nesse
caso, partindo-se da premissa de que não há regra de direito material que obrigue a
instalação do equipamento, a imposição do fazer decorre do poder conferido ao juiz, pela
legislação processual (arts. 84, CDC, e 461, CPC), de se valer – evidentemente mediante
fundamentação – da medida executiva mais adequada ao caso concreto.
Porém, quando é o próprio direito material, com o objetivo de assegurar a
prevenção, que estabelece um dever de fazer, a violação da norma já configura violação de
dever positivo. Assim, a diferença é que, na hipótese do parágrafo anterior, estabelece-se
dever negativo e, nesta última, dever positivo. Entretanto, se o dever negativo pode levar a
uma ordem de fazer (em razão da legislação processual), e nesse caso há prestação de tutela
inibitória positiva, é pouco mais do que óbvio que a ordem judicial de fazer, que objetiva
impor a observância do dever positivo, constitui tutela inibitória positiva.
Supor que a ordem para o cumprimento de dever de fazer não constitui tutela
inibitória, seria o mesmo que aceitar que a inibitória positiva somente existe quando o
direito material não prevê dever positivo, mas apenas dever negativo. É esquecer que o
próprio direito material, em alguns casos, possui função preventiva, e que a tutela
jurisdicional destinada à atuação deste direito não tem como perder o caráter inibitório da
norma não observada.

Buenos Aires, La Rocca, 1994, p. 76-77) .


18
Há, no direito anglo-americano, o que se chama de prohibitory injunction e mandatory injunction, a
primeira consistindo em ordem que impõe um não fazer e a segunda em ordem que impõe um fazer. Como
esclarecem Baker e Langan, "an injunction restraining the doing or continuance of some wrongful act is
called prohibitory or restrictive. An injunction to restrain the continuance of some wrongful omission is called
mandatory (P. V. Baker e P. St. J. Langan, Snell’s principles of equity, London, Sweet & Maxwell Ltd.,1982,
p. 625).

Michell Nunes Midlej Maron 8


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

A dificuldade de se compreender a ação inibitória positiva deriva da confusão entre


os planos do direito material e do direito processual. É preciso esclarecer que a tutela do
direito pode ser prestada pela norma de direito material, pela "atividade administrativa" e
pelo processo jurisdicional. Ou melhor, a tutela jurisdicional é somente uma das espécies de
tutela dos direitos. No plano do direito material há exigências de simples abstenção e de
condutas positivas e, por esse motivo, desenvolve-se a noção de ilícito comissivo e
omissivo. Assim, ninguém pode negar, em uma perspectiva apenas processual, a
inexistência dessas modalidades de ilícito. No plano exclusivamente processual,
considerando-se as normas dos arts. 461, CPC e 84, CDC, verifica-se que foi conferido ao
juiz o poder de adequar a medida executiva ao caso concreto e, assim, de conferir uma
ordem de fazer, ainda que o direito material preveja somente a abstenção. Contudo, quando
é o próprio direito material que exige um dever positivo para proteger um direito, a
violação da regra deixa ver que um ilícito omissivo foi produzido, e assim, que um fazer,
necessário para a prevenção, deixou de ser praticado. Nesse caso, quando se requer, com
base na legislação processual, a observância do fazer, exige-se o cumprimento do dever,
imposto pela norma, para a prevenção do direito. Melhor explicando: nessa última hipótese,
como a função preventiva da norma depende do fazer, a sua imposição (do fazer) pelo juiz
nada mais é do que a realização do desejo preventivo do direito material, e assim significa
tutela jurisdicional preventiva, e, portanto, tutela jurisdicional inibitória (contra o ilícito
comissivo contrário à função preventiva da norma).
Imaginar que a tutela inibitória somente pode impor um não-fazer é esquecer que o
próprio direito processual (arts. 461, CPC e 84, CDC ) dá ao juiz o poder de impor um fazer
quando foi pedido um não fazer com o objetivo de viabilizar uma tutela jurisdicional mais
efetiva, e, mais do que isso, que existem normas de direito de material que, com o objetivo
de prevenção, impõem condutas positivas. Ora, se a norma de direito material impõe uma
conduta positiva com o fim de proteger um direito, é evidente que a ordem judicial de fazer,
no caso em que o dever positivo foi violado, presta tutela jurisdicional inibitória.
Se a tutela inibitória pode ser usada para impor um fazer quando a norma já foi
violada, a sua oportunidade é ainda mais evidente nos casos em que se teme a violação ou a
repetição da violação. Exemplificando: se uma norma obriga as indústrias de cigarro a
informar o consumidor sobre os efeitos nocivos de seu produto, e determinada indústria já
veiculou propaganda sem conter essa informação, é lógica a possibilidade de o legitimado à
ação coletiva requerer, mediante ação inibitória coletiva (ver a seguir), que o juiz ordene,
sob pena de multa, que a informação seja realizada quando da próxima propaganda, dando-
se efetividade à norma que objetiva proteger a saúde dos cidadãos.
Nos casos em que a norma define um dever de prestação fática ao Estado, não é
correto pensar que tal dever não possa ser pensado como uma atribuição para a proteção,
imaginando-se que ao direito à proteção bastariam prestações direcionadas a exigir dos
particulares a não violação dos direitos.
É certo que há direitos fundamentais que não podem ser vistos como direitos de
defesa (direitos que se contentam em afastar a intromissão do Estado), mas como direitos a
algo, ou seja, como direitos a prestações. Porém, dentro do gênero direitos a prestações,
está incluído o direito à proteção.
Acontece que, quando se consideram as prestações de proteção, não é correto
associá-las apenas a ações normativas ou fáticas dirigidas a proteger um particular diante
do outro. Ora, se uma norma define um dever fático ao Estado, pouco importa se esse é um

Michell Nunes Midlej Maron 9


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dever de fazer observar uma norma (por exemplo) ou um dever de realizar algo para
proteger um direito. Em outras palavras, não é correto pensar que o dever do Estado
fiscalizar a proibição de corte de árvores possui natureza distinta do dever do Estado tratar
dos esgotos urbanos e industriais.
É certo que nem todo dever de prestação fática configura dever de prestar algo para
a prevenção Para que se possa dizer que tal dever se destina à prevenção, deve-se
considerar a finalidade do dever. Lembre-se que a Constituição Federal, no seu art. 225,
"caput", afirma expressamente que incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Assim, por
exemplo, quando se retira do art. 208 da Constituição do Estado de São Paulo o dever do
Município tratar da higiene dos rios, para evitar a poluição do meio ambiente, não há como
deixar de concluir que esse dever se destina a proteger um bem inviolável. Referindo-se
exatamente a essa questão, anota Alvaro Luiz Valery Mirra que o Poder Público, nesse
caso, "deve agir para alcançar o fim previsto na norma, ação essa precipuamente
preventiva", pouco importando que essa atuação ocorra sem ou com a intermediação do
Poder Judiciário, uma vez que "tal atividade não pode ser postergada por razões de
oportunidade e conveniência nem mesmo sob a alegação de contingências de ordem
financeira e orçamentária"19.
Esse dever de realizar algo objetiva preservar ou proteger o meio ambiente, não
importando que não seja um dever de atuar sobre os particulares (ação normativa ou, por
exemplo, fiscalizadora), mas sim um dever de fazer algo que incida diretamente sobre o
direito fundamental (tratamento de um rio). É evidente que o dever de tratar de um rio deve
ser englobado no dever de proteção do Estado aos bens fundamentais.
Se o processo serve para permitir a obtenção da tutela do direito, e o direito
material, visando à preservação do meio ambiente, confere ao Poder Público determinado
dever de fazer, a ação processual, ao tomar em consideração esse dever, objetiva evitar que
a omissão ilícita se perpetue como fonte de danos. A não-ação, quando o Estado possui
dever de atuar para proteger um bem, configura "ação" que precisa ser suprimida para que a
fonte dos danos não fique aberta. O ilícito, assim como a fonte dos danos que não foi
secada em virtude da omissão, perpetua-se no tempo, constituindo um não agir continuado.
Assim, a tutela jurisdicional que objetiva obrigar a Administração a praticar o ato
necessário para que o ilícito não se perpetue, possui a mesma natureza do dever de fazer
não observado. Não há dúvida que essa tutela jurisdicional determina o adimplemento de
um dever. Mas, se o próprio dever possui o fim de evitar a violação do meio ambiente, a
ação voltada a efetivá-lo logicamente presta tutela inibitória, ou melhor, a própria
prevenção desejada pelo direito material20.
Quem não raciocina com a distinção entre dano e ilícito, realmente não tem
condições de pensar em ilícito que se perpetua como fonte de danos. O não cumprimento de
um dever legal por parte da Administração, necessário para evitar a degradação do meio
ambiente, perpetua-se no tempo. A distinção entre ato contrário ao direito (ilícito) e fato
danoso permite enxergar que a simples violação de um dever pode abrir ensejo a danos, na
medida em que a omissão ilícita caminha no tempo. Em um caso como esse, a ação
processual não se volta contra um ato ilícito ou fato danoso que já se exauriu, mas sim

19
Alvaro Luiz Valery Mirra, Limites e controle dos atos do Poder Público em matéria ambiental, Ação Civil
Pública, São Paulo, Ed. RT, 1995, p. 56.
20
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 109.

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contra uma omissão ilícita que prossegue no tempo. Tanto é verdade que se, depois de
violado o dever, a Administração realizar o ato, não haverá simples outorga de
ressarcimento, mas evitar-se-á que danos sejam ocasionados.
A prática desse ato não configura simples observância de um dever, destituída de
qualquer conteúdo, mas sim o cumprimento de um dever instituído com finalidade de
prevenção21. O próprio direito material, ao impor dever ao Poder Público, objetiva conferir
prevenção ao meio ambiente. Trata-se de observância de prestação material imprescindível
para o Estado se desincumbir do seu dever de proteção ao direito fundamental.
Ao considerar a natureza desse dever, o juiz pode identificar a verdadeira situação
concreta, que não só não pode perder de vista a inviolabilidade do direito, como também
não pode permitir que o magistrado se deixe seduzir por teses que podem ter racionalidade
em países como a Alemanha e os Estados Unidos, mas que não se importam, nem de longe,
com a realidade brasileira. Perceba-se que, apenas quando se toma em conta a razão do
dever imposto ao Estado e a sua imprescindibilidade para evitar a degradação do meio
ambiente – que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações -, é que se pode
perceber a necessidade e a impostergabilidade da prestação, que não pode, então, ficar
submetida a meras alegações de impossibilidade orçamentária.
Nesse caso, as costumeiras alegações de conveniência e oportunidade são mais do
que descabidas, e a mera afirmação de indisponibilidade orçamentária não pode desonerar o
Estado do seu dever, sob pena de se admitir que ele pode entender que não deve dispor de
dinheiro para evitar a degradação de um direito afirmado inviolável pela própria
Constituição Federal. É por isso que a ação coletiva - fundada no art. 84 do CDC – voltada
à obtenção dessa prestação, objetiva evidente tutela preventiva ou inibitória do direito
ambiental22, que não pode ser vista como uma simples e neutra tutela de um dever legal.
Anote-se, aliás, que se o Estado realmente demonstrar (o ônus da prova é seu) sua
impossibilidade orçamentária, a conclusão será a de que ilegalmente deixou de considerar
tal necessidade. Portanto, o juiz deverá ordenar sob pena de multa que o Estado não só
inclua, em seu próximo orçamento, dinheiro necessário para a realização da prestação, mas
também que o use de modo a cumprir o seu dever constitucional.
A multa – em qualquer um dos casos acima - não poderá incidir em relação à pessoa
jurídica de direito público, mas sim sobre a pessoa física da autoridade pública. Como essa
multa possui fim coercitivo, não há como imaginar que ela possa incidir sobre um
patrimônio, na hipótese o patrimônio da pessoa jurídica. Tal multa, diante de sua finalidade,
somente pode visar uma vontade. Como a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por
meio da autoridade pública, a multa coercitiva somente pode ser pensada se for imposta
diretamente à autoridade capaz de dar atendimento à decisão judicial.
Não se diga, simplesmente, que não se pode impor multa em relação a quem não é
parte no processo. É que essa multa não constitui pena, mas somente ameaça para que
alguém, de quem depende o cumprimento da ordem judicial, atue em conformidade com a
decisão. É claro que a multa somente pode ser direcionada à autoridade que tem capacidade
21
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 109.
22
A doutrina fala expressamente na omissão Estatal que abre oportunidade para que sejam produzidos danos
ambientais. Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra, "a prática tem revelado inúmeras situações em que o Poder
Público, notadamente a Administração, deixa de agir, omite-se no cumprimento do seu dever de adotar as
medidas necessárias à proteção de bens e recursos ambientais, causando com isso diretamente danos ao meio
ambiente ou permitindo que degradações ambientais se concretizem" (Álvaro Luiz Valery Mirra, Ação civil
pública e reparação do dano ao meio ambiente, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p. 367).

Michell Nunes Midlej Maron 11


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para atender a decisão, e não outra. Perceba-se que a autoridade sempre terá a escolha entre
obedecer ao juiz ou arcar com a multa. Não há nada de arbitrário aí, pois a autoridade,
diante da decisão judicial, deve cumprir a ordem. O contrário seria admitir que a autoridade
pode descumprir decisão jurisdicional que determina a observância de prestação que
decorre de dever constitucional. Seria admitir, de uma só vez, que é possível desobedecer à
lei e ao juiz.

3. Tutela de remoção do ilícito

3.1. Introdução

Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a continuação do


ilícito, a ação de remoção do ilícito, como o próprio nome indica, dirige-se a remover os
efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu.
Esclareça-se que a ação inibitória, quando voltada a impedir a repetição do ilícito,
tem por fim evitar a ocorrência de outro ilícito. Quando a ação inibitória objetiva inibir a
continuação do ilícito, a tutela tem por escopo evitar o prosseguimento de um agir ou de
uma atividade ilícita. Perceba-se que a ação inibitória somente cabe quando se teme um
agir ou uma atividade. Ou melhor, a ação inibitória somente pode ser utilizada quando a
providência jurisdicional for capaz de inibir o agir ou o seu prosseguimento, e não quando
esse já houver sido praticado, estando presentes apenas os seus efeitos.
Há diferença entre temer o prosseguimento de uma atividade ilícita e temer que os
efeitos ilícitos de uma ação já praticada continuem a se propagar. Se o infrator já cometeu a
ação cujos efeitos ilícitos permanecem, basta a remoção da situação de ilicitude. Nesse
caso, ao contrário do que ocorre com a ação inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no
passado, e não no futuro.
A dificuldade de se compreender a ação de remoção do ilícito advém da falta de
distinção entre ato ilícito e dano. Quando se associa ilícito e dano, conclui-se que toda ação
processual voltada contra o ilícito é ação ressarcitória ou de reparação do dano. Acontece,
como já esclarecido, que há ilícitos cujos efeitos se propagam no tempo, abrindo as portas
para a produção de danos. Isso demonstra que o dano é uma conseqüência eventual do
ilícito, mas que não há cabimento em ter que se esperar pelo dano para se poder invocar a
prestação jurisdicional.
A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para colocar o
processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o ilícito e, assim,
de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo preventivo do direito material.

3.2. Fundamentos da tutela de remoção do ilícito

Assim como a ação inibitória, a ação de remoção do ilícito é decorrência do próprio


direito material, especialmente das normas que estabelecem condutas de não-fazer para
proteger os direitos.
Determinadas situações, quando contrárias a certos direitos, devem ser removidas. É
o caso da divulgação, através de outdoor, de propaganda que configura concorrência
desleal. A divulgação dessa propaganda constitui ilícito, embora esse último possua efeitos
que caminham no tempo.

Michell Nunes Midlej Maron 12


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Porém, a evidência da necessidade da remoção do ilícito está na necessidade de se


dar efetividade às normas de direito material que, objetivando a prevenção, proíbem certas
condutas. Se o direito material, para evitar dano, proíbe uma conduta, é evidente que a sua
violação deve abrir ensejo para uma ação processual a ela ajustada. Ora, essa ação somente
pode ser a de remoção do ilícito, uma vez que o direito material, nesse caso, somente pode
ser reavivado com a remoção do ilícito.
Em outras palavras, de nada adiantaria a norma de direito material que proíbe um
agir se não existisse a possibilidade de uma ação processual capaz de permitir a sua
remoção. Portanto, essa ação também encontra fundamento no art. 5o, XXXV da
Constituição Federal, que consagra o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

3.3. Ilícito de eficácia continuada

A ação de remoção do ilícito, como já adiantado, não se dirige contra um agir


continuado, mas sim contra uma ação que se exauriu enquanto agir, mas cujos efeitos ainda
se propagam no tempo.
Quando o dano se identifica cronologicamente com o ilícito, basta a tutela
ressarcitória. No caso em que o ilícito não produziu dano e não abre margem para a sua
produção, não há sequer razão para a ação de remoção do ilícito. Apenas quando o ilícito se
prolonga no tempo, deixando em aberto a possibilidade de danos, é que há interesse de agir
em sua remoção. Nesse caso, fala-se em ilícito de eficácia continuada. Frise-se que, nessa
hipótese, não é a ação ou o agir que são continuados, mas apenas os efeitos do ilícito que se
concretizou, em termos de agir, em uma única ação.
Ora, se a ação já foi praticada, e apenas os seus efeitos se perpetuam, basta a
remoção do ilícito, pois não se teme, no caso, uma ação que possa prosseguir no tempo.

3.4. A ação de remoção é voltada ao ilícito passado e ao dano futuro

Como já foi possível perceber, a ação de remoção do ilícito possui duas direções.
De um lado olha para trás, mirando um ato que já ocorreu; de outro zela pelo futuro, ainda
que indiretamente, impedindo que danos sejam produzidos.
Assim, em relação ao ato contrário ao direito, que é o verdadeiro alvo atacado, a
ação de remoção é repressiva. A sua preventividade é indireta, ou melhor, conseqüência
imediata da sua finalidade, uma vez que a remoção do ilícito impede a ocorrência de danos.
Essa espécie de ação, ao remover o ilícito, dá tutela ao direito absoluto,
independentemente do dano. Porém, o seu efeito preventivo mais evidente advém de sua
ligação com a regra de direito material que, visando proteger um direito, proíbe uma
conduta. A ação de remoção do ilícito é imprescindível para dar efetividade à proibição, e
assim realiza o próprio desejo preventivo da norma não observada.
Como essa ação se volta contra o ilícito, ela logicamente não tem como
pressupostos o dano e o elemento subjetivo relativo à imputação ressarcitória23.
23
Como diz Bonasi Benucci: "il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento
costitutivo dell’illecito civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto
l’angolo visuale della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della
responsabilità per tali danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2043 c.c.), si è costruito l’illecito su
base soggettiva ossia sulla base della colpa dell’agente" (Edoardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza
sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579).

Michell Nunes Midlej Maron 13


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3.5. Tutela de remoção do ilícito e tutela ressarcitória na forma específica

Como o ilícito não se confunde com o dano, constituindo-se em um primeiro degrau


no caminho que pode gerá-lo24, fica fácil demonstrar que a supressão do ilícito nada mais é
do que a eliminação da fonte do dano.
A remoção do ilícito constitui a remoção da causa do eventual dano 25. Ora, não há
como confundir a reparação do dano com a remoção da sua causa. A remoção da causa do
dano elimina a possibilidade da sua produção, ao passo que o ressarcimento tem por
objetivo corrigir o estrago por ele ocasionado.
Para remover o ilícito ou a causa do dano basta restabelecer a situação que era
anterior ao ilícito. Dessa maneira ocorrerá a sua supressão, secando-se a fonte capaz de
gerar o dano. Porém, no caso de reparação do dano é preciso corrigir integralmente o
estrago provocado pelo fato danoso.
O ressarcimento não pode se resumir ao mero restabelecimento da situação anterior
à do ilícito. Ressarcir é estabelecer o que deveria existir caso o dano não houvesse
ocorrido26. O dano deve ser sancionado com a sua integral eliminação, ou mediante a
correção da totalidade do prejuízo cometido. Porém, no caso de mero ilícito, basta a sua
supressão, ou melhor, a eliminação da fonte do eventual prejuízo que deve ser reparado27.
Se há casos em que é impossível o estabelecimento de uma situação equivalente
àquela que existiria caso o dano não tivesse ocorrido, certamente será possível gerar uma
situação que satisfaz, em parte, à necessidade de sua reparação 28. Assim, por exemplo, se
somente é possível, no caso da poluição de um rio, o estabelecimento de uma situação
parcialmente equivalente àquela que existia antes da poluição, apenas parcela do dano será
ressarcida por meio da tutela ressarcitória na forma específica. A outra parcela do dano, que
não poderá ficar sem sanção, terá que ser ressarcida por meio do pagamento de dinheiro 29.
No caso de corte de árvores, a determinação do plantio de pequenas árvores, evidentemente
não equivalentes àquelas que existiriam caso o corte não houvesse ocorrido, configura
apenas ressarcimento parcial do dano, sendo necessário, também nesse caso, para que o

24
Isso em regra, pois, como é sabido, existe obrigação de ressarcir derivada de ato lícito.
25
Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza, Rivista
Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381.
26
Como explica Helmut Rübmann, o § 249 do CC alemão fala em obrigação de estabelecer a situação que
existiria caso o dano não houvesse ocorrido. "§ 249 Satz 1 gibt dem Gläubiger einen Anspruch auf
Herstellung in Natur" (Helmut Rübmann, Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Darmstadt,
Luchtenhand, 1980, p. 185).
27
Como ensina Adolfo di Majo, a diferenciação entre remoção do ilícito e ressarcimento na forma específica é
necessária para evidenciar que o ressarcimento na forma específica objetiva eliminar as conseqüências
prejudiciais do fato danoso e não simplesmente restaurar o "status quo ante". Conforme adverte o jurista,
garantir o ressarcimento na forma específica quer dizer, em outras palavras, assegurar a reconstituição da
mesma situação de fato que existiria caso o dano não houvesse ocorrido (Adolfo di Majo, La tutela civile dei
diritti, cit., p. 225).
28
Ver Peter Erman, Handkommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch. Münster: Aschendorf, 1993, v.1, p. 22.
29
O ressarcimento pode ser prestado de duas maneiras: na forma específica ou pelo equivalente monetário.
Lembre-se que ressarcir é reparar e, assim, em princípio implica em uma obrigação de fazer fungível ou em
uma obrigação de entregar coisa igual à destruída. O ressarcimento pelo equivalente monetário nada mais é do
que a obrigação de pagar a soma equivalente ao valor do dano, e desta maneira deve ser vista como uma
forma de reparação não adequada ao ressarcimento de direitos do porte do direito ao meio ambiente.

Michell Nunes Midlej Maron 14


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dano seja adequadamente sancionado, a cumulação da tutela ressarcitória na forma


específica com a tutela ressarcitória pelo equivalente monetário30.
Perceba-se que, no caso de remoção do ilícito, descabe imaginar uma tutela que, por
atender apenas parcialmente a necessidade de remoção, deve ser complementada com outra
sanção ressarcitória. Até porque não há como pensar em remoção do ilícito complementada
por ressarcimento pelo equivalente, uma vez que remoção e ressarcimento não se misturam.
No plano administrativo, a remoção pode ser cumulada com a sanção punitiva – e não
ressarcitória. Por exemplo: o despejo de lixo tóxico em local proibido não só pode ser
objeto de remoção do ilícito, como pode gerar a imposição de multa pecuniária (sanção
punitiva).
Nessa perspectiva, fica clara a distinção entre remoção ou sanção contra o ilícito e
ressarcimento ou sanção contra o dano.

4. Aspectos comuns às tutelas inibitória e de remoção do ilícito

4.1. A impossibilidade da cognição do dano como pressuposto de efetividade das ações


inibitória e de remoção do ilícito

Como já foi visto, as ações inibitória e de remoção do ilícito se dirigem contra o ato
contrário ao direito, e assim não têm entre seus pressupostos o dano e o elemento subjetivo
(culpa ou dolo) relacionado à imputação ressarcitória.
De modo que, a não ser nos casos em que se teme um ilícito que se identifica
cronologicamente com o dano, o autor não deve e não precisa invocar dano para obter a
tutela inibitória. No caso de ação de remoção, existindo regra estabelecendo um ilícito, a
invocação da violação da norma é suficiente para permitir a remoção do ilícito de eficácia
continuada.
Os problemas das ações inibitória e de remoção, nessas hipóteses, são justamente os
dos limites da defesa do réu e o da extensão da cognição judicial. Ou seja, o que se
pergunta é se, quando basta evidenciar a proibição de uma conduta, há como justificar a
impossibilidade do réu discutir o dano e o juiz perguntar sobre ele nessas ações.
Não temos dúvida que sim. No caso de direito absoluto, pouco importa o fato
danoso, uma vez que o seu titular tem o direito de impedir qualquer ato que lhe seja
contrário. O mesmo acontece em relação a normas que, embora relacionadas a direitos
individuais, objetivam protegê-los através da vedação de condutas.
Mas, o que mais importa são as normas que, também por intermédio da proibição de
condutas ou ações, protegem determinados direitos transindividuais (direito ao meio
ambiente, direito do consumidor etc). Ora, se a norma objetiva dar tutela ao direito,
impedindo certa conduta, ela foi editada justamente porque a sua prática pode trazer danos,
e por isso deve ser evitada. Assim, ampliar a cognição das ações inibitória e de remoção do
ilícito, viabilizando a discussão do dano, é o mesmo que negar a norma jurídica. Em outros
termos: caso o réu pudesse negar a norma, afirmando que sua conduta não produziria dano,
a norma não teria significação alguma. Do que adiantaria a norma proibir uma conduta, por
entendê-la capaz de produzir dano, se o procedimento judicial abrisse oportunidade à
discussão do que foi nela pressuposto? Pense-se, por exemplo, na norma que proíbe a venda
de determinado remédio ou produto, reputados nocivos ao consumidor. Caso não existissem
30
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 463-464.

Michell Nunes Midlej Maron 15


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ações voltadas a impor a vontade da norma, sempre seria possível a comercialização de


remédio ou produto afirmado nocivo pela legislação. Não existiria, nessa perspectiva, ação
capaz de inibir ou remover o ilícito, pois o réu sempre poderia apresentar contestação
dizendo que tal comercialização não iria trazer danos. Portanto, essas ações seriam
reduzidas, no máximo, a uma ação contra a probabilidade de dano. E daí novamente
apareceria a pergunta: qual a razão de ser das normas de proteção?
Frise-se que essas normas nada mais são do que frutos do dever de proteção do
Estado – proteção normativa material. Isto é, tais normas são editadas a partir da premissa
de que certas condutas devem ser evitadas. Porém, para o Estado efetivamente cumprir o
seu dever de proteção, não é suficiente a chamada proteção normativa material, sendo
necessária, também, a proteção normativa processual (regras instituidoras de técnicas
processuais adequadas à proteção) e a tutela jurisdicional, entendida em sua dimensão de
prestação jurisdicional de proteção.
Se o dever de proteção do Estado se espraia nesses três setores, obviamente não
basta a norma de proteção. É necessário que o Estado estabeleça técnica processual idônea
à sua efetivação e que o juiz preste uma forma de tutela jurisdicional que seja realmente
capaz de lhe outorgar utilidade.
Aliás, ao se ligar a efetivação da norma de direito material com a necessidade de
atuação do ordenamento jurídico, fica claro que a busca da realização do desejo da norma
não pode se ligar apenas ao dever de proteção dos direitos fundamentais. Explique-se: a
norma de direito material protetiva deve ser atuada, pouco importando o objeto da sua
proteção.
Tem-se, a partir daí, a idéia de que devem existir ações processuais destinadas
apenas a dar atuação ao desejo das normas, seja evitando (ação inibitória negativa) ou
impondo (ação inibitória positiva) condutas, seja eliminando o ato que, embora proibido,
foi praticado (ação de remoção do ilícito).
Nesse exato momento é que entra em jogo o labor da doutrina que liga o dever de
proteção estatal à norma de direito material, ou que é consciente de que a atuação do
ordenamento jurídico requer a atuação das normas protetivas. As ações inibitória e de
remoção do ilícito constituem resultados de uma construção dogmática preocupada em dar
ao processo a possibilidade de atuação das normas. Para tanto, essa elaboração dogmática
não só parte de uma interpretação dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC à luz do direito
fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como ainda é obrigada a pensar no procedimento
como algo materialmente sumarizado, ou melhor, que elimina a possibilidade de discussão
do dano, e assim deve possuir cognição parcial, a qual é plenamente legitimada pela
necessidade de atuação das normas de proteção.
A restrição da cognição em relação ao dano, nessas ações, encontra justificativa na
necessidade de se dar efetividade à norma. Portanto, não há nada de lesivo ao contraditório
ou à igualdade em impedir a discussão do dano nas ações inibitória e de remoção do ilícito.
Arbitrário e irracional seria dar a um perito a possibilidade de substituir o juízo técnico que
fundamentou a atuação do legislador ao proibir, por exemplo, a comercialização de um
produto.
Como é óbvio, não se quer dizer, através dessa argumentação, que o dano não possa
ser discutido, ou, em outras palavras, que aquilo que foi pressuposto pela norma não possa
ser questionado. O que se quer frisar é que nessas ações a cognição deve ficar restrita ao ato
contrário ao direito, pois de outra forma simplesmente não haverá razão para a norma de

Michell Nunes Midlej Maron 16


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direito material e para a existência dessas ações processuais. Ou seja, da mesma forma que
na ação possessória não se discute o domínio, nas ações inibitória e de remoção do ilícito
não se discute o dano. Porém, e como é evidente, esse poderá ser discutido através de ação
inversa posterior.

4.2. As ações inibitória e de remoção do ilícito diante i) da inexistência de regra de


proibição, ii) da observância das normas técnicas e iii) do licenciamento da administração
pública

O fato de as ações inibitória e de remoção do ilícito pressuporem, em princípio,


regras proibitivas de condutas, não significa que elas não possam ser utilizadas diante da
inexistência dessas regras.
Lembre-se que, diante do gênero norma, existem princípios e regras. Assim, quando
inexistir norma-regra definindo a proibição de determinada conduta, a norma constitucional
que, por exemplo, institui o direito fundamental do consumidor ou o direito fundamental ao
meio ambiente, pode evidenciar a ilicitude.
Aliás, o art. 10 do CDC afirma textualmente que "o fornecedor não poderá colocar
no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau
de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança". Se o fornecedor ameaça colocar
produto ou serviço com essa característica no mercado, logicamente cabe a ação inibitória.
Mas, em tal caso, diante da inexistência de norma específica de proibição da
comercialização de determinado produto ou serviço, a cognição judicial deverá admitir a
investigação do grau de nocividade ou periculosidade do produto ou do serviço à saúde ou
à segurança do consumidor.
Esse grau de nocividade ou periculosidade tem relação com a característica do
produto, e não com a chamada "probabilidade de dano". Quando certos produtos não
podem ser postos no mercado, por serem altamente nocivos ou perigosos, parte-se do
pressuposto que a sua fabricação ou exposição à venda (por exemplo) pode gerar danos.
Porém, essa pressuposição falta no caso em que se pensa em probabilidade do dano, pois a
sua demonstração é necessária exatamente porque não pressuposta. Assim, a probabilidade
de ilicitude pode exigir o aprofundamento da cognição na direção da novidade ou
periculosidade do produto. Mas isso, contudo, não significa examinar a probabilidade de
dano.
Do mesmo modo, quando já está exposto à venda produto cuja comercialização não
é expressamente proibido na lei, é possível investigar a sua nocividade ou periculosidade.
Nesse caso, o Ministério Público pode, por exemplo, pedir sua busca e apreensão através de
ação de remoção. Porém, nessa situação, embora deseje apenas a apreensão do produto, e
não a imputação da sanção ressarcitória, o Ministério Público deverá demonstrar o alto grau
de nocividade ou periculosidade do produto à saúde ou à segurança do consumidor. Como
não é difícil perceber, a definição da periculosidade ou da nocividade não se faz para impor
a sanção ressarcitória, mas sim para remover a causa do possível dano. Também não é o
caso de se pensar em probabilidade do dano, pois essa é presumida pela norma em caso de
alto grau de nocividade ou periculosidade.
Além disso, diante de produto que atendeu às normas técnicas de produção, também
é de se admitir as ações inibitória e de remoção do ilícito. Algumas normas técnicas podem
envelhecer, e assim perder correspondência com a evolução da tecnologia. Como o objetivo

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dessas normas é proteger o consumidor, é evidente que aquele que deve ser tutelado por
elas, ou mesmo aquele que tem legitimidade para tutelar os direitos do consumidor, pode
discuti-las em juízo. De modo que, ainda que um produto tenha atendido às regras técnicas,
ele pode ser afirmado nocivo ou perigoso, quando então a cognição do juiz será
aprofundada em relação a essa particular questão. Porém, o fato de um produto ser
afirmado altamente nocivo ou perigoso, dispensa a investigação acerca da probabilidade do
dano, uma vez que essa, nesse caso, é presumida. Portanto, a situação é exatamente a
mesma da relativa à ausência de norma proibitiva. Quando é evidenciada a periculosidade
ou a nocividade, dispensa-se a investigação em torno da probabilidade de dano.
É interessante analisar, ainda, os casos em que a administração pública licenciou
uma atividade ou obra i) ao arrepio da necessidade de estudo do impacto ambiental; ii)
desconsiderando, sem fundamentação, esse estudo; ou iii) baseando-se em estudo de
impacto ambiental contraditório, incompleto ou fincado em omissão ou falsa descrição de
informações relevantes.
Nessas hipóteses, como é óbvio, não se pode pensar que não é possível inibir a
atividade ou a obra (e, nesse caso, até removê-la) apenas porque o licenciamento foi
concedido. Ora, se o licenciamento pode ser questionado judicialmente em todas essas
situações, não pode haver dúvida quanto à possibilidade das ações inibitória e de remoção
do ilícito. Com a desconstituição do licenciamento, deve haver inibição da atividade ou da
obra e, se for o caso, a obra realizada – ou parte dela – deverá ser removida. Mas, diante
dessa possibilidade, é inevitável, mais uma vez, a extensão da cognição.
Mas, outra vez se perguntará se a cognição do juiz deverá se aprofundar na
probabilidade do dano. Ora, ao se desconstituir o licenciamento, evidencia-se que a
atividade ou a obra não tem suporte para prosseguir, e isso é o que basta para a concessão
da tutela inibitória final, sendo completamente equivocado pensar em probabilidade do
dano.
Frise-se que, quando basta evidenciar o alto grau de nocividade ou de
periculosidade ou a ilegalidade do licenciamento para a concessão da tutela final, a
probabilidade do dano não importa nem mesmo em relação à tutela antecipatória. Para a
obtenção dessa última, basta demonstrar a probabilidade de alto grau de nocividade ou
periculosidade ou ainda a probabilidade da ilegalidade do licenciamento.
4.3. A prova

Na ação inibitória destinada a impedir a repetição ou a continuação de um agir


ilícito, a prova da probabilidade do ilícito é facilitada em virtude de já ter ocorrido um
ilícito ou de a ação ilícita já ter se iniciado. Diante da prova do fato passado (fato
indiciário), e tomando-se em consideração a natureza do ilícito, torna-se fácil estabelecer
um raciocínio (presuntivo) que, ainda que partindo de uma prova indiciária (prova que
aponta para o fato futuro), permita a formação de um juízo (presunção) de probabilidade de
ocorrência de um fato futuro.
No caso em que nada ainda aconteceu, e apenas existe o temor da prática do ilícito,
a prova também deve recair no que passou, embora esses fatos não constituam atos de igual
natureza ao que se deseja evitar, ou ainda não configurem o início da ação ilícita que se
objetiva impedir a continuação. Nessa modalidade de ação inibitória somente é possível
demonstrar fato de natureza diversa do temido, muito embora tal fato deva ser um indício
capaz de formar um juízo favorável ao autor. Assim, por exemplo, temendo-se a divulgação

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de notícia lesiva à personalidade, constituirá relevante indício, capaz de formar um juízo de


procedência, a divulgação de anúncio, por parte de determinada rede de televisão, de que
será divulgada a notícia. Tal prova indiciária é relevante meio para demonstrar que
provavelmente a notícia será divulgada31.
Perceba-se que na ação inibitória é necessário demonstrar a probabilidade do ilícito,
mas na ação de remoção do ilícito basta evidenciar a sua ocorrência. De modo que, na ação
de remoção do ilícito, não é preciso provar um fato passado para indicar a probabilidade de
um fato futuro, sendo suficiente provar um fato passado.
De qualquer maneira, apontando-se para a probabilidade ou para a ocorrência do ato
ilícito, não basta demonstrar um ato qualquer, sendo necessário provar um ato ilícito que
poderá ocorrer ou já aconteceu. Esse qualificativo do ato, ou seja, sua ilicitude, exige o
confronto entre a descrição do ato temido e o direito, constituindo uma "questão de direito".
É possível que o réu não negue que praticou ou praticará o ato, mas apenas que esse
não tem ou terá a natureza ou a extensão daquele vedado pela norma. Nesse caso, tratando-
se de ação inibitória, a prova32 não precisará demonstrar um fato indiciário que indique a
probabilidade da ocorrência de outro, mas apenas que o ato que se pretende praticar é
contrário ao direito. Na hipótese de ação de remoção, bastará a demonstração de que o ato
praticado está em desacordo com o direito.
O que importa frisar, porém, é que bastará ao autor, em qualquer desses casos, fixar-
se no ilícito e não no dano.

4.4. A tutela antecipatória

As ações inibitória e de remoção do ilícito, diante de sua natureza, não podem


dispensar a tutela antecipatória. A técnica antecipatória é imprescindível para a estruturação
de um procedimento efetivamente capaz de prestar as tutelas inibitória e de remoção do
ilícito. Se a natureza dessas tutelas exige tal técnica, não é difícil visualizar, na legislação
processual, o local de sua inserção. Ora, tanto o art. 461 do CPC, quanto o art. 84 do CDC,
permitem "ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o
réu", na "ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer".
A tutela antecipatória não requer, nesses casos, a probabilidade de dano irreparável
ou de difícil reparação. A idéia de subordinar a tutela antecipatória ao dano provável está
relacionada a uma visão das tutelas que desconsidera a necessidade de tutela dirigida
unicamente contra o ilícito. Se há necessidade de tutela destinada a evitar ou a remover o
ilícito, independentemente do dano que eventualmente possa por ele ser gerado, a tutela
antecipatória, seja de inibição ou de remoção, também não deve se preocupar com o dano.
No caso de inibição, basta a probabilidade de que venha a ser praticado ato ilícito, enquanto
que, na remoção, é suficiente a probabilidade de que tenha sido praticado ato ilícito. Porém,
tratando-se de ação inibitória nada impede que o autor invoque a probabilidade do dano nos
casos em que há identidade cronológica entre o ilícito e o dano, até porque esse último,
apesar de não ser sintoma necessário, constitui sintoma concreto do ilícito.
Contudo, além da probabilidade de que tenha sido praticado (remoção) ou venha a
ser praticado (inibição) um ilícito, exige-se o que as normas dos arts. 461, §3º, CPC e 84,
31
Luiz Guilherme Marinoni, La prueba en la acción inhibitoria, in La Prueba – Homenaje al maestro
Hernando Devis Echandía, Bogotá, Universidad Libre, 2002, p. 324 e ss.
32
Sobre o direito à prova na perspectiva constitucional, ver Eduardo Cambi, Direito constitucional à prova no
processo civil, São Paulo, Ed. RT, 2001.

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§3º, CDC, denominam "justificado receio de ineficácia do provimento final". Esse


"justificado receio de ineficácia do provimento final" quer indicar, diante da ação inibitória,
"justificado receio" de que o ilícito seja praticado antes da efetivação da tutela final. No
caso de remoção, o periculum in mora é inerente à própria probabilidade de o ilícito ter sido
praticado. Ou melhor: como a tutela final, na ação de remoção, objetiva eliminar o próprio
ilícito ou a causa do dano, não há como supor que a tutela antecipada de remoção exija,
além da probabilidade da prática do ilícito (fumus), a probabilidade da prática do dano (que
seria o perigo nas ações tradicionais). Isso por uma razão óbvia: a simples prática do ilícito
abre oportunidade à tutela final, sem que seja preciso pensar em dano, que já é pressuposto
pela regra de proteção e, assim, descartado para a efetividade da tutela jurisdicional, seja
final ou antecipada. Perceba-se que, quando se demonstra que provavelmente foi praticado
um ilícito, evidencia-se, por conseqüência lógica, que provavelmente poderá ocorrer um
dano.
Por outro lado, diante dos termos do art. 273, § 2º, do CPC, que afirma que "não se
concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado", discute-se se a tutela antecipatória pode ser concedida diante do risco de
causar prejuízo irreversível ao demandado. Entretanto, por uma simples questão de lógica,
não há como deixar de conceder tutela antecipatória a um direito provável sob o argumento
de que há risco de dano irreparável ao direito do réu. Isso porque essa modalidade de tutela
antecipatória já parte do pressuposto de que um direito provável pode ser lesado. Portanto,
não admitir a tutela antecipatória, com base no referido argumento, é o mesmo que deixar
de dar tutela ao direito provável para não colocar em risco o direito improvável33.
Para a concessão da tutela antecipatória, nesses casos, requer-se que a atuação do
juiz, na proteção do direito do autor, seja justificável diante do risco de dano imposto ao
réu. Não se trata de verificar qual é o "dano maior", como se estivéssemos frente a uma
operação aritmética, mas sim de analisar se é justificável, em face dos valores dos direitos
em conflito e das circunstâncias do caso concreto, a proteção do direito do autor mediante a
imposição de um risco de dano irreversível ao réu. No caso em que a concessão da tutela
antecipada causa risco de dano irreversível ao réu, exige-se a ponderação dos direitos em
conflito de acordo com as circunstâncias do caso concreto para concluir-se se é justificável
a atuação do juiz mediante a imediata proteção do direito do autor.
Frise-se que a probabilidade da ilicitude pode ser suficiente para a admissão da
tutela antecipatória, ainda quando ela possa colocar em risco o direito do réu. Basta pensar,
por exemplo, no caso em que se requer tutela antecipatória para impedir a construção de
uma indústria em lugar proibido pela legislação ambiental. Nessa hipótese a tutela
antecipada inibitória requer apenas a probabilidade da prática do ilícito. A prevenção do
dano, no caso, já é feita pela própria legislação, ao determinar que no local não é possível a
33
"O princípio da probabilidade consagra a própria lógica da tutela antecipatória contra o periculum in mora.
Na tutela antecipatória fundada em periculum in mora está sempre em jogo um direito provável que pode ser
lesado. Assim, a afirmação de que o direito do réu, em virtude da tutela antecipatória, pode ser lesado de
forma irreparável, não é suficiente para convencer alguém – que esteja caminhando sobre os trilhos da boa
lógica – de que a tutela antecipatória não pode ser concedida. Admitir que a tutela antecipatória está
obstaculizada, apenas porque sua concessão pode trazer um dano irreversível ao réu, é esquecer que a própria
tutela antecipatória pressupõe que o direito do autor pode ser lesado e, mais do que isso, que o direito do autor
é provável. Portanto, cair na armadilha de que a tutela antecipatória não pode ser admitida apenas porque
pode causar dano irreparável ao réu é desprezar a obviedade de que não tem cabimento se impedir a tutela
adequada de um direito provável para se proteger um direito improvável" (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela
inibitória, 3a. ed., cit., p. 195).

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instalação da indústria. A tutela antecipatória não se liga, em situações como essa, à


probabilidade do dano, mas sim à probabilidade do ilícito. Note-se, aliás, que se a tutela
inibitória tivesse uma relação necessária com o dano ambiental, o réu poderia defender-se
alegando que a simples construção da indústria não acarreta dano ao meio ambiente e que,
portanto, não há fundado receio de dano irreparável capaz de autorizar a tutela inibitória
antecipada. Não é incomum, de fato, na prática da ação civil pública, contestações que
afirmam que não há perigo de dano (e, portanto, fundamento para a tutela antecipatória)
porque ainda não foi deferida a Licença de Operação, que é requisito indispensável para a
indústria passar a operar. É certo que se impedindo o ilícito evita-se um provável e futuro
dano. Entretanto, para se dar efetividade ao direito, é fundamental impedir a sua violação,
pouco importando se o dano não é iminente. Em hipóteses como essa, estando o ilícito
caracterizado como provável e iminente, cabe a tutela antecipatória ainda que um prejuízo
possa ser imposto ao réu34.
Por último, é importante verificar a distinção entre prova e juízo, bem como analisar
o objeto da prova em face da tutela antecipatória, conforme a ação seja inibitória, de
remoção do ilícito ou ressarcitória. O art. 273 do CPC, ao tratar da "tutela antecipatória",
diz que o juiz poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela, desde que,
"existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".
Como um dos principais responsáveis pelo gasto de tempo no processo é a produção
da prova, muitas vezes admite-se a antecipação da tutela antes que todas elas tenham sido
produzidas. Afirma-se, então, que a tutela é concedida com a postecipação da produção da
prova ou com a postecipação do contraditório. Nesses casos, "prova inequívoca" significa
prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a
imediatidade em que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado)35.
No caso em que o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam
produzidas, o juízo formado, no seu curso, deve ser denominado de "juízo provisório",
muito embora seja designado, pelo referido art. 273, de "juízo de verossimilhança". Afirmar
que a prova deve formar um "juízo de verossimilhança", porém, é dizer o óbvio. Isso
porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a
formação de um "juízo de verossimilhança", uma vez que a verdade é algo absolutamente
inatingível36. Ao que parece, o legislador, ao aludir a "juízo de verossimilhança", pretendeu
expressar a idéia de juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das
partes, e assim não deveria ter se valido da expressão "juízo de verossimilhança", mas sim
da de "juízo-provisório"37.
Por outro lado, é importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da
tutela inibitória antecipada, da tutela de remoção do ilícito antecipada e da tutela
ressarcitória antecipada. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve
recair sobre fato que indique que o fato temido poderá ocorrer antes da efetivação da tutela
34
Luiz Guilheme Marinoni, Tutela inibitória, 3a. ed., cit., p. 236.
35
Portanto, jamais existirá "prova de verossimilhança", uma vez que, quando se fala a respeito de
verossimilhança, pensa-se em juízo. A respeito da distinção entre prova e juízo, ver Luiz Guilherme Marinoni,
Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 58 e ss.
36
Luiz Guilherme Marinoni, La prueba en la acción inhibitoria, in La Prueba – Homenaje al maestro
Hernando Devis Echandía, cit., p. 327 e ss.
37
Ademais, a idéia de juízo provisório, como contraposta a de juízo final, permite perceber que não é a tutela,
concedida no curso do processo, que é provisória, mas sim o juízo. O contrário de juízo final é juízo
provisório, ao passo que a tutela fundada em juízo provisório pode ser antecipada (e aí posta em relação com
a tutela final) ou cautelar (Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 190).

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final e, evidentemente, sobre a afirmada ilicitude desse último. No caso de tutela de


remoção do ilícito antecipada, ao contrário, o juízo provisório, além de considerar a
ilicitude, deve se centrar sobre um fato já ocorrido, e não sobre um fato futuro. Como já foi
dito, o periculum in mora, nesse caso, é decorrência automática da probabilidade da
ocorrência do ilícito e, nesse sentido, deve ser extraído da própria probabilidade de
violação.
Na hipótese de tutela antecipada em ação ressarcitória, o juízo provisório deve estar
centrado sobre o dano já ocorrido (fumus boni iuris) e na necessidade de a tutela ser
prestada antecipadamente para que não ocorra a sua potencialização ou para que não venha
a ocorrer outro dano (periculum in mora), diverso daquele que se deseja reparar através da
tutela final. É o caso, por exemplo, da tutela antecipada de soma em dinheiro requerida em
ação ressarcitória sob o argumento de que há necessidade imediata dessa tutela para que
sejam supridas necessidades primárias. Nessa situação, importa, além da probabilidade do
dano e da responsabilidade do réu, o fundado receio de que, se o ressarcimento não ocorrer
– ao menos em parte - na forma antecipada, outro dano possa acontecer 38. O mesmo se pode
dizer em relação à necessidade de imediata higienização de um rio (tutela ressarcitória na
forma específica) para que outros danos não sejam produzidos ou também para que o
próprio dano não se potencialize.

4.5. A ação individual e a ação coletiva (arts. 461 do CPC e 84 do CDC)

Após tudo isso, é necessário atentar para duas normas processuais que dão ao juiz
instrumentos hábeis para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Trata-se
dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Tais artigos têm redação praticamente idêntica.
Lembre-se que ambos fazem menção à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer.
Porém, a identidade entre tais normas é apenas aparente, pois suas funções são
distintas. O art. 84 do CDC foi instituído para servir às relações de consumo e à tutela de
quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É certo que, em uma
análise mais rápida, alguém poderia supor que essa norma, por estar inserida no CDC,
apenas poderia tratar dos direitos do consumidor. Acontece que, para a tutela dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, há um sistema processual próprio, composto
pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e pelo Título III do CDC. Como diz o art. 90
do CDC, às ações fundadas no CDC se aplicam as normas da Lei da Ação Civil Pública.
Por outro lado, complementa o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública que as disposições
processuais que estão no CDC são aplicáveis à tutela dos direitos que nela estão previstos39.
Essa interligação entre a Lei da Ação Civil Pública e o CDC faz surgir, como já dito,
um sistema processual para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Como o art. 84 está inserido no Título III do CDC, e assim dentro desse
sistema processual, ele se aplica à tutela de quaisquer direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos. Nesse sentido, o art. 84 do CDC é a base processual para as ações
coletivas inibitória e de remoção do ilícito40.

38
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 190.
39
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 2000, 4a.ed., p. 86 e
ss.
40
Sobre a ação coletiva inibitória, ver Sérgio Cruz Arenhart, Perfis da tutela inibitória coletiva, São Paulo, Ed.
RT, 2003.

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Ainda que o art. 84 do CDC também tenha sido pensado para dar tutela aos direitos
individuais do consumidor, o posterior surgimento do art. 461 do CPC, por ser capaz de dar
tutela a qualquer espécie de direito individual, tornou desnecessária a invocação do art. 84
do CDC para a tutela dos direitos individuais do consumidor. Ou se a lembrança dessa
norma ainda pode ser feita quando em jogo direitos individuais do consumidor, isso se deve
à necessidade de relacionar as normas de direito material de proteção do consumidor com
uma norma de caráter processual para ele especificamente criada.
De qualquer forma, se há no sistema de proteção aos direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos uma norma (art. 84 do CDC) que serve para a prestação das tutelas
inibitória e de remoção do ilícito (entre outras tutelas), essa deve ser apontada como a base
da ação coletiva, deixando-se o art. 461 do CPC como sustentáculo para as ações
individuais.
Tanto o art. 84 do CDC, quanto o art. 461 do CPC, abrem oportunidade para o juiz
ordenar sob pena de multa ou decretar medida de execução direta (por exemplo, a busca e
apreensão), no curso do procedimento ou na sentença. Portanto, ainda que a tutela inibitória
não tenha que se ligar necessariamente à ordem sob pena de multa, e a tutela de remoção do
ilícito possa não se contentar apenas com medidas de execução direta, uma vez que ambas
podem, consideradas as peculiaridades da situação concreta, exigir um ou outro desses
mecanismos executivos, o certo é que tais normas possuem instrumentos adequados à
prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito aos direitos coletivos (lato sensu) e
individuais. Assim, por exemplo, no caso de concorrência desleal, deverá ser invocado o
art. 461 do CPC, mas na hipótese de direito ao meio ambiente o art. 84 do CDC.

4.6. O direito à tutela jurisdicional efetiva e o poder do juiz

O legislador tem o dever de instituir procedimentos judiciais capazes de permitir a


efetiva tutela dos direitos, bem como a adequada participação dos cidadãos na
reivindicação e na proteção dos direitos.
Acontece que o legislador não pode prever, a priori, as técnicas processuais ideais
para os casos conflitivos, até porque as necessidades do direito material e da vida das
pessoas variam conforme as peculiaridades das diversas situações.
Por essa razão, o legislador, ao editar as regras processuais, resolveu deixar de lado
a rigidez das formas ou a idéia de traçar técnicas processuais abstratas. A solução foi
estabelecer regras que conferissem maior poder ao juiz, dando-lhe a oportunidade de
conformar o processo segundo as peculiaridades dos casos concretos.
Exemplo disso se encontra nos artigos 84 do CDC e 461 do CPC. Como se sabe,
tais artigos, voltando-se para a possibilidade de imposição de um fazer ou de um não-fazer,
permitem que o juiz conceda a tutela específica ou determine providências que assegurem
resultado prático equivalente (caput). Além disso, dá-se ao juiz o poder de, segundo as
circunstâncias do caso concreto, ordenar sob pena de multa (§§ 4o) ou decretar medida de
execução direta (que estão somente exemplificadas nos §§ 5o), tanto no curso do processo
(§§ 3º) quanto na sentença (§§ 4o). Além disso, o juiz pode, na fase de execução, aumentar
ou diminuir o valor da multa, ou ainda alterar a modalidade executiva prevista na sentença.

Michell Nunes Midlej Maron 23


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Isso tudo é reflexo do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, que se dirige
não apenas contra o legislador, obrigando-o a edição do procedimento judicial adequado,
mas também contra o juiz, que deve prestar a efetiva tutela ao direito material e ao caso
concreto. No caso da outorga de uma maior esfera de poder ao juiz para a utilização da
técnica processual adequada à situação conflitiva concreta, o juiz tem o dever de buscar a
efetividade da tutela jurisdicional à luz da regra da proporcionalidade.
O aumento do poder do juiz, necessário para a adequação do procedimento às
variadas situações conflitivas, retira do jurisdicionado a prévia ciência dos limites do
processo jurisdicional, e assim exige um controle do exercício do poder judicial no caso
concreto. Esse controle exige a observância da regra da proporcionalidade e, requer,
especialmente, justificação capaz de convencer que a técnica processual foi utilizada de
maneira justa e racional.

4.7. As sentenças (técnicas) mandamental e executiva

Na sentença mandamental, o juiz atua sobre a vontade do demandado, ordenando


sob pena de multa ou sob pena de prisão. Ou seja, a peculiaridade da sentença (técnica)
mandamental está na coerção indireta, vale dizer, na força que visa convencer o demandado
a observar o conteúdo da sentença.
Embora a ordem mediante coerção indireta seja absolutamente necessária à
efetividade da decisão ou da sentença que depende do cumprimento de um não-fazer ou de
um fazer infungível - uma vez que nesses casos não há outra alternativa a não ser "tentar
dobrar a vontade do réu" -, admite-se o seu uso também em relação às situações em que o
direito, para ser efetivado, não exige o convencimento do demandado (obrigações
fungíveis).
De modo que não há relação entre sentença mandamental e infungibilidade, pois
essa sentença também pode atuar no local em que, em tese, a execução forçada (execução
direta) pode trazer resultados. O uso da multa (execução indireta) pode ser preferido em
relação às medidas de execução direta nos casos em que é mais efetivo atuar mediante
coerção indireta patrimonial, especialmente porque a sua utilização elimina o gasto e a
demora inerentes à execução forçada.
Com o surgimento da necessidade de uma tutela jurisdicional de remoção do ilícito,
tornou-se evidente que a remoção do ilícito não deveria depender da condenação do réu. Só
há sentido em condenar nos casos em que se deseja algo que esteja legitimamente no
patrimônio do réu. Fora daí, declarando-se, por exemplo, que a coisa está ilegitimamente na
posse do réu, ou que esse praticou um ato ilícito, basta a sentença executiva, que nada mais
é do que a declaração atrelada a uma medida de execução direta (como a busca e
apreensão). Não tem o menor sentido condenar alguém a remover algo que é contrário ao
direito, uma vez que, nesse caso, a sentença que declara a ilicitude autoriza a remoção,
independentemente da necessidade de qualquer prestação do réu.
A sentença executiva tem "força executiva", ao passo que a sentença condenatória
apenas abre oportunidade para o uso dessa "força do Estado", a qual somente pode entrar
em ação após o seu inadimplemento. É verdade que os arts. 461 e 461-A do CPC
generalizaram a unificação do processo de conhecimento e do processo de execução em
relação às imposições de fazer, de não-fazer e de entrega de coisa, restando a sentença
condenatória apenas ao pagamento de soma em dinheiro. Também é certo que podem

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existir sentenças que, ainda que independentes da ação de execução, devem exigir
prestações do réu – pois dependentes de algo que, mesmo após a sentença, ainda está na sua
esfera jurídica. Porém, mesmo essas sentenças, ao dispensarem a ação de execução, não
possuem apenas o simples significado de que a execução, a partir de agora, pode ser
realizada no próprio processo de conhecimento.
No que diz respeito ao que aqui interessa, ou seja, às medidas de execução direta
dos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, a quebra da dualidade conhecimento-execução
também implica na ruptura do princípio da tipicidade das formas executivas. Em outras
palavras, antes desses artigos a sentença de condenação deveria ser implementada através
da ação de execução de obrigação de fazer, segundo os seus estritos termos e em
conformidade com os meios executivos para ela previstos. Assim, não há como negar que a
unificação do conhecimento com a execução, posta nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC,
teve a intenção de dar ao juiz maior mobilidade para a adequação da medida executiva ao
caso concreto.
Quando a tutela inibitória objetiva evitar um fazer, o ideal é o uso da multa como
medida destinada a convencer o demandado a não praticar o ato temido. Entretanto, não se
descarta a possibilidade de utilização de medida de execução direta para impedir a prática
de ilícito. Pense-se na nomeação de administrador para atuar no seio de uma pessoa jurídica
com o objetivo de impedir a violação de direito.
No caso em que se teme a repetição de uma omissão, a multa, em princípio, também
é mais eficaz do que a execução direta. De qualquer maneira, diante da situação concreta, o
juiz poderá optar por uma medida de execução direta para garantir o fazer, e assim impedir
o ilícito omissivo.
Quando um dever de fazer decorre de uma imposição para a prevenção, esse,
mesmo depois de violado, deve ser objeto de tutela jurisdicional para que o desejo da
norma seja efetivamente atuado pelo Estado. Ainda que tal dever constitua uma "obrigação
fungível", e portanto passível de execução direta, não há motivo para se priorizar essa
forma de execução em detrimento da multa. É o caso concreto, novamente, que vai
determinar a melhor opção.
No caso de remoção do ilícito, em princípio basta a execução direta, como, por
exemplo, a busca e apreensão. Mas, a multa poderá ser utilizada quando a remoção do
ilícito depender de algo que seja de conhecimento do demandado ou apenas possa ser feito
por ele, ou ainda, excepcionalmente, quando, diante do caso concreto, mostrar-se mais
eficaz que a execução direta.
O que não é possível esquecer, diante de todas essas hipóteses, é a justificativa da
escolha da medida executiva, pois é essa que permitirá o controle do poder do juiz.

4.8. A prisão como meio de coerção indireta

Resta analisar, ainda, a questão da possibilidade de se ordenar sob pena de prisão a


partir dos artigos 461, §5o, do CPC e 84, §5o, do CDC. Nessa linha, é necessário considerar
o art. 5o, LXVII da Constituição Federal, que assim estabelece: "não haverá prisão por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel".
A interpretação dessa norma deve considerar os direitos fundamentais. Assim, se é
necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e assim considerar um

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direito fundamental -, também é absolutamente indispensável permitir o seu uso, em certos


casos, para a efetividade da tutela dos direitos.
A interpretação que simplesmente nega o uso da prisão como meio coercitivo
desconsidera os métodos hermenêuticos modernos41, os quais são absolutamente
necessários quando o que se tem a interpretar é um contexto de grande riqueza e
complexidade. Com efeito, não sendo o caso de apenas considerar o texto da norma, como
se ela estivesse isolada do contexto, é necessário recorrer ao método hermenêutico-
concretizador42. Ou seja, deparando-se com a norma do art. 5o, LXVII, da Constituição
Federal, deve o intérprete estabelecer, como é óbvio, a dúvida que a sua interpretação
suscita, qual seja: se ela veda o uso da prisão como meio de coerção indireta ou apenas a
prisão por dívida em sentido estrito. A partir daí, verificando-se que a norma aponta para
dois direitos fundamentais, isto é, para o direito à efetividade da tutela jurisdicional e para o
direito de liberdade, deve ser investigado o que significa dar aplicação a cada um deles.
Concluindo-se, a partir da análise da própria razão de ser desses princípios, que a sua
aplicação deve ser conciliada ou harmonizada, não há como deixar de interpretar a norma
no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de
patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa e as medidas de
execução direta não se mostrarem adequadas – a violação de um direito. Note-se que essa
interpretação, além de considerar o contexto, e por essa razão ser muito mais abrangente do
que a "clássica", dá ênfase aos direitos fundamentais, realizando a sua necessária
harmonização para que a sociedade possa ver a sua concretização nos locais em que a sua
própria razão recomenda. De outra maneira, os próprios direitos ficarão desprovidos de
tutela, e assim o ordenamento, exatamente na parte que consagra direitos invioláveis,
assumirá uma configuração meramente retórica, e nesse sentido sequer merecerá a
designação de "jurídico"43.
Considerando a tutela inibitória que impõe um não-fazer, a tutela inibitória que
impõe um fazer e a tutela de remoção de ilícito, é fácil concluir que a prisão poderá ser
utilizada para impor um não-fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não
implique em disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito.
Nesses casos, ao mesmo tempo em que prisão não estará sendo usada para constranger o
demandado a dispor de patrimônio, ela estará viabilizando – no caso em que a multa e a
medida de execução direta não se mostrarem adequadas – a efetiva prevenção do direito, ou
melhor, a tutela jurisdicional específica por excelência, única a permitir a tutela dos direitos
que não se conciliam com o ressarcimento.
A prisão, depois de descumprida a ordem judicial, somente conserva caráter
coercitivo no caso em que ainda se espera um fazer infungível, pois no caso em que a
ameaça de prisão objetiva um não-fazer, a efetivação da prisão evidentemente não pode ter
função coercitiva. Contudo, a violação da ordem diz respeito ao juiz civil e, assim, deve
ficar dentro da sua esfera de poder. Isso porque a prisão, no caso, não tem a finalidade de
castigar o réu, mas sobretudo o objetivo de preservar a seriedade da função jurisdicional.
Na verdade, a partir do momento em que se concebe o uso da prisão como meio
coercitivo em relação a ordem de não-fazer, não há como excluir da jurisdição civil o poder
de aplicá-la, sob pena dela simplesmente deixar de existir como meio destinado a dar
41
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993 e Jorge Miranda, Manual
de direito constitucional. t. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1983.
42
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 323.
43
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3a. ed., cit., p. 234.

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efetividade à decisão do juiz civil. O problema, assim, não é o de saber se a aplicação da


prisão, no caso de descumprimento de ordem de não-fazer, e da competência do juiz civil,
mas sim o de admitir que esse juiz tem a necessidade e a possibilidade – diante dos direitos
fundamentais – de determinar a prisão como meio de convencer a parte ao cumprimento da
sua decisão.
Lembre-se que o juiz civil somente pode ordenar sob pena de prisão nos casos em
que outra modalidade executiva não se mostrar adequada e o cumprimento da ordem não
exigir a disponibilização de patrimônio. Assim, deve haver, de um lado, a evidência de que
não existe nenhuma modalidade executiva capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional, e,
de outro, a constatação de que o uso da prisão não permitirá a restrição da liberdade de
quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio. Ou melhor, nesse caso a
prisão estará garantindo a efetividade ao direito à tutela jurisdicional sem violar o direito
daquele que, por não possuir patrimônio, não pode ser obrigado a cumprir a ordem judicial,
nem muito menos punido por não tê-la observado.
Nessas hipóteses, a própria decisão que ordena o não-fazer deve fixar o prazo da
prisão, considerando as circunstâncias do caso concreto. Não é preciso dizer que o
enfrentamento do meio executivo adequado não é a parte mais agradável (ou simpática) da
dogmática processual, mas não se pode esquecer que a sua análise é imprescindível à
efetividade da tutela dos direitos. Pensar na prisão como meio de coerção civil não implica
em ter uma visão autoritária da justiça civil, mas sim em ter consciência de que o seu uso
não pode ser descartado para se dar efetividade aos direitos. Em um país em que a multa
freqüentemente pode não atingir peso coercitivo, a ameaça de prisão é imprescindível para
evitar, por exemplo, a violação dos direitos da personalidade ou do direito ambiental. A não
admissão do seu uso, em razão de um preconceito que não olha para o contexto social do
país e para os direitos não-patrimoniais, pode abrir as portas até mesmo para que sejam
instituídos "testas de ferro", sem patrimônio, com a única missão de violar os direitos.

4.9. A quebra da regra da adstrição do juiz ao pedido

Uma das grandes inovações dos art. 84 do CDC e 461 do CPC está na possibilidade
de o juiz poder se desvincular do pedido, podendo conceder a tutela solicitada ou um
resultado prático equivalente, e, ainda, aplicar a medida executiva que lhe parecer
necessária e idônea para a prestação efetiva da tutela jurisdicional.
Tal possibilidade vem expressa nos referidos artigos, e decorre da tomada de
consciência de que a efetiva tutela dos direitos depende da elasticidade do poder do juiz. É
apenas por esse motivo que tais normas ampliaram o poder do juiz, eliminando a
necessidade da sua adstrição ao pedido.
Assim, no caso de ação inibitória destinada a impedir a prática ou a repetição do
ilícito (comissivo ou omissivo), ou mesmo a continuação de um agir ilícito, o juiz tem o
poder de conceder o que foi pedido pelo autor, ou algo que, vindo em sua substituição, seja
efetivo e proporcional, considerando-se os direitos do autor e do réu (ver a seguir, item
3.11).
Por outro lado, o juiz pode determinar medida executiva diversa da requerida, seja a
ação inibitória ou de remoção do ilícito. O seu poder, nesse caso, novamente deverá atender
à regra da proporcionalidade (ver a seguir, item 3.11).

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No caso em que, quando da propositura da ação, temia-se um ilícito, e esse veio a


ser praticado no curso do processo, constituindo-se em ilícito de eficácia continuada, o juiz
poderá conceder a tutela de remoção do ilícito no lugar da tutela inibitória. Mas, para tanto,
diante da ocorrência do ilícito, o autor deve alterar o seu pedido inicial por pedido de
remoção, dando-se obviamente ao réu a oportunidade de se opor ao novo pedido e à
ocorrência do fato que lhe dá sustentação. Como exemplo, pode ser lembrada a hipótese em
que foi proposta ação inibitória para evitar a venda de certo produto, e esse passou a ser
exposto à compra do consumidor no curso do processo. Nesse caso, embora não tenha sido
possível evitar o ilícito, será possível removê-lo, impedindo-se, conseqüentemente, os
eventuais danos.
Porém, o que importa é perceber que esse incremento do poder do juiz deriva da
necessidade de efetividade na prestação da tutela contra o ilícito.

4.10. A possibilidade de o juiz, na fase de execução, alterar de ofício a medida executiva

Nessa linha de argumentação, não é difícil perceber a razão de se dar ao juiz a


possibilidade de aumentar ou diminuir o valor da multa na fase de execução. O art. 461,
§6o do CPC é expresso nesse sentido. Se é inegável a possibilidade de se alterar o valor da
multa, isso se deve ao fato de que a multa é uma modalidade executiva e, assim, deve ser
proporcional à finalidade a que se destina. Na verdade, o juiz pode alterar qualquer
modalidade executiva, e não só a multa, podendo até mesmo substituir a multa por uma
medida de execução direta.
Como se vê, partindo-se da idéia de que o importante é o que deve ser realizado, e
não a forma por meio da qual isso vai ocorrer, admite-se a alteração da forma executiva
ainda que após o trânsito em julgado.
4.11. Critérios para o controle do poder executivo do juiz

Como já foi explicado, o princípio da tipicidade e a regra da congruência possuem


íntima relação com a idéia de se garantir a liberdade dos litigantes.
Quando se percebeu que, para bem tratar das novas situações de direito substancial,
era necessário dar maior mobilidade ao juiz, até porque o Judiciário não mais merecia ser
visto com olhar suspeito - da mesma forma que o Estado não pode mais ser pensado como
um "inimigo público" -, ampliou-se o poder do juiz para a efetiva prestação da tutela
jurisdicional.
Com isso, o poder do juiz deixou de ser controlado, ou melhor, limitado pela lei.
Porém, não é porque isso se mostrou necessário, que o poder do juiz poderá restar sem
controle. A diferença é que, agora, tal controle não é mais feito pela lei, em abstrato, mas
sim diante do caso concreto, por meio da regra hermenêutica da proporcionalidade.
Essa regra se desdobra em três sub-regras, que são a regra da adequação, a regra da
necessidade (menor restrição possível) e a regra da proporcionalidade em sentido estrito.
Porém, aqui se faz necessário diferençar a ação material destinada a tutelar o bem e o meio
executivo que objetiva implementá-la.
Quando se pensa nos limites da ação material (limites do fazer e do não-fazer) capaz
de tutelar o direito do autor, deve-se pensar em termos de adequação, necessidade (meio
mais idôneo e menor restrição possível) e proporcionalidade em sentido estrito. Em termos
de adequação, quer-se dizer que o não-fazer ou o fazer devem ser aptos a proporcionar a

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tutela do direito. Aqui ainda não se raciocina em termos de necessidade da ação escolhida,
mas sim sobre sua adequação, isto é, sobre sua capacidade de atingir o fim almejado.
Passando-se para a questão da necessidade, a pergunta que deve ser esclarecida é se tal ação
(em termos de limites) é necessária, ou melhor, se pode ser substituída por outra que, com a
mesma efetividade, cause uma menor restrição à esfera jurídica do réu. Como é fácil
perceber, toda ação adequada pode ser necessária, mas não se pode falar em ação necessária
que não seja adequada. Por fim, ainda que a ação seja adequada e necessária, ela pode
significar um gravame despropositado diante da restrição que causa ao direito do réu.
Porém, nessa hipótese, não há propriamente balanceamento dos bens em colisão, mas sim
balanceamento entre o direito do autor e a restrição causada pela ação necessária para a
efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Resumindo: quando se raciocina em relação aos limites do fazer ou do não-fazer –
por exemplo, cessação da atividade ou instalação de equipamento antipoluente -, e não
sobre a medida executiva para a implementação da ação material – por exemplo, ordem sob
pena de multa para a cessação ou interdição da fábrica -, o juiz deve justificar a adequação,
a necessidade e a prevalência do direito do autor sobre a restrição que pode ser causada ao
direito do réu. Assim, por exemplo, se o Ministério Público, alegando que o réu está
poluindo o meio ambiente, pede a cessação de suas atividades, e a prova pericial demonstra
que basta, para conter a poluição, apenas a instalação de um equipamento antipoluente, não
há racionalidade em desconsiderar a demonstração de que a atividade do réu está causando
poluição ambiental. Como o juiz, no caso, está autorizado a conceder a tutela específica ou
um resultado prático equivalente, ele tem o poder de fugir do pedido e, sempre
considerando a sua fundamentação, impor a ação que se mostrou, em razão do
desenvolvimento do contraditório, eficaz à proteção do direito do autor e, ao mesmo tempo,
geradora da menor restrição possível ao réu (a instalação do equipamento antipoluente). Se
a situação for inversa, tendo o Ministério Público pedido a instalação de equipamento
antipoluente, e o contraditório demonstrado a necessidade de cessação das atividades, o juiz
deverá demonstrar que o acolhimento do pedido do autor não será capaz de proporcionar o
fim que deriva da fundamentação da petição inicial. Dessa forma, poderá determinar a
cessação das atividades do réu, ainda que o pedido tenha sido de instalação de equipamento
antipoluente.
Ademais, como a sentença deve fixar a ação material e o meio executivo capaz de
implementá-la, é preciso atentar, em relação a esse último, para as regras da adequação e da
necessidade. Em relação à adequação não há grande dificuldade, pois é evidente que o meio
executivo deve ser capaz de proporcionar a realização da ação prevista na sentença. Porém,
no que diz respeito à regra da necessidade, é preciso mais cuidado. São as circunstâncias do
caso concreto que poderão indicar a medida executiva que configura a menor restrição
possível.
É possível dizer, embora a regra da necessidade somente possa ser solucionada
diante do caso concreto, que a tutela inibitória, em princípio, encontrará mais efetividade
com a imposição da multa, ainda que se almeje um fazer fungível, enquanto que a tutela de
remoção do ilícito, também em princípio, encontrará mais efetividade com a imposição de
uma medida de execução direta, como a busca e apreensão. Porém, nada impede que as
circunstâncias de determinado caso concreto indiquem que a medida de execução direta é
mais idônea para a tutela inibitória, ou que a multa é mais idônea para a prestação da tutela

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de remoção do ilícito, por ser essa dependente de algo que somente é conhecido pelo
demandado, por exemplo.
A prisão, como meio de coerção, não pode ser imposta para constranger o
demandado a dispor de dinheiro ou de patrimônio. Assim, não é possível utilizá-la no caso
de soma em dinheiro (sem natureza alimentar, por óbvio), entrega de coisa ou fazer
fungível. Mas, como já dito, não há motivo para não admitir o seu uso para evitar a
violação de um direito por parte de quem tem o dever de não-fazer ou de prestar um fazer
infungível que não exige a disposição de dinheiro. Aí, além de não se cogitar do uso da
prisão por dívida, estar-se-á permitindo, quando a multa e a execução direta não se
mostrarem eficazes, a efetiva prevenção do direito.
É necessário frisar, porém, que a escolha do agir e da medida executiva, na
perspectiva da regra da proporcionalidade, torna imprescindível a justificação do juiz. A
justificação, como fundamentação da escolha judicial, é indispensável no presente caso. A
sua ausência torna arbitrária a opção do juiz, pois cabe à justificação demonstrar a perfeição
do raciocínio amparado na regra da proporcionalidade. Frise-se que quando o juiz reputa, a
partir da regra da necessidade, que a ação não configura a menor restrição possível, cabe a
ele, além de impor o agir que traz a mesma utilidade para o autor e uma menor restrição ao
réu, justificar adequadamente o seu procedimento, explicando a razão da sua decisão.
A sentença deve concluir que determinado agir é i) adequado à tutela do direito, ii)
significa a menor restrição possível e iii) não representa algo desproporcional. Na fase de
execução, se o agir fixado na sentença não for observado pelo réu, esse - que configura, de
acordo com a sentença, a menor restrição possível - poderá ser alterado, pois aquele que
seria o meio mais idôneo para tutelar o direito do autor, por ter sido recusado pelo réu, não
pode mais assim ser considerado, e portanto exige a definição de outro agir, que possa ser
idôneo à tutela do direito. Como se vê, não é possível ao juiz questionar, na fase de
execução, se o agir fixado na sentença é adequado à tutela do direito ou se nela foi
corretamente observada a regra da proporcionalidade em sentido estrito. É apenas a regra
da necessidade que pode ser novamente analisada, e isso diante do fato de o agir não ter
sido observado pelo réu. O réu, com o não cumprimento da sentença, abre oportunidade
para que outro agir seja imposto, uma vez que o fixado na sentença restou inidôneo. Por
isso, outro agir, idôneo à tutela do direito, deve ser escolhido pelo juiz. Isso tudo,
evidentemente, com a devida justificação.
Para exemplificar: o juiz não pode, na fase de execução, considerar que a instalação
de equipamento antipoluente – imposta na sentença – i) não é adequada para a tutela do
direito; ii) não representa a menor restrição possível; ou iii) configura algo desproporcional.
O juiz apenas pode inovar, na fase de execução, quando o réu não atende à sentença, e
assim o agir não se configura, por culpa sua, como meio mais idôneo, permitindo que um
outro seja imposto no seu lugar. De modo que se o réu não instala o equipamento,
atendendo à ordem sob pena de multa, o juiz não é obrigado a determinar que o
equipamento seja instalado por terceiro – alterando apenas o meio executivo -, mas fica
com a possibilidade de determinar a interdição da fábrica.
Em relação ao meio executivo – multa, execução direta ou prisão -, importam as
regras da adequação e da necessidade. No que concerne à adequação e à necessidade, é
possível verificar se o valor da multa, que observou essas regras no momento em que a
sentença foi proferida, não deve ser aumentado ou diminuído, diante das circunstâncias
concretas. Ademais, se a sentença foi descumprida, o juiz, considerando a situação concreta

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e as possibilidades de tutela, pode substituir a multa pela execução direta ou vice-versa, ou


ainda impor a prisão no lugar da multa. Nessa linha, a única forma de se controlar o
exercício do poder será através da análise da justificação. Ou seja, o juiz deverá justificar a
razão pela qual, por exemplo, a multa não teve êxito, e porque acredita que a execução
direta ou a prisão poderão viabilizar o encontro da efetividade da tutela jurisdicional.

4.12. Distinção entre as ações de remoção do ilícito e inibitória em face da ação cautelar

A confusão entre as ações inibitória e de remoção do ilícito com a ação cautelar


deriva do fato de que todas se identificam pela preventividade. Porém, quem não separa
ilícito (ato contrário ao direito) de dano, obviamente não pode entender que as ações
inibitória e de remoção do ilícito têm como pressuposto a probabilidade de ilícito
(inibitória) e a sua prática (remoção do ilícito), enquanto que a ação cautelar requer a
probabilidade do dano.
A ação de remoção do ilícito pressupõe um ilícito que já ocorreu, tendo por objetivo
a sua remoção, que, por mera conseqüência da realização do desejo do próprio direito
material, impede a produção de eventuais danos. Portanto, admitindo-se a separação entre
ilícito e dano, fica bastante fácil perceber a distinção entre ação de remoção do ilícito –
voltada contra o ilícito e, apenas por isso, capaz de impedir danos – e a ação cautelar.
Quando não se percebia a separação entre ilícito e dano, e assim supunha-se apenas a sua
probabilidade, era impossível raciocinar em termos de remoção do ilícito, e apenas por esse
motivo admitia-se a ação cautelar, ainda que se estivesse na realidade atacando um ilícito já
praticado. Basta pensar na busca e apreensão de produto exposto à venda e nocivo à saúde
do consumidor. Se não se constata que essa situação representa ilícito de eficácia
continuada, mas erradamente se imagina que ela simplesmente pode produzir dano, estará
aberta a porta para se concluir que a ação de busca e apreensão, no caso, possui natureza
cautelar.
Supor que tal ação de busca e apreensão é cautelar traz ainda outros problemas. O
primeiro deles ligado à prova, pois a prova do ato contrário ao direito é completamente
diferente da prova da probabilidade do dano. No caso de ação de remoção, a prova deve
recair somente no ilícito, não sendo correto cogitar de probabilidade de dano. Além disso,
no caso de busca e apreensão de produto ilicitamente exposto à venda, não há como pensar
em alguma ação principal, e por isso é impossível aceitar que a ação é cautelar (que possui
natureza instrumental). A partir do momento em que se percebe que a remoção do ilícito ou
o seu impedimento por meio de ação inibitória é tão ou mais importante do que a reparação
do dano, é que se pode concluir que tais ações não podem ser renegadas a uma função
meramente instrumental ou acessória de uma ação que seria principal.
No que diz respeito à ação inibitória, que é voltada contra a probabilidade do ilícito
(e não contra a sua prática, como acontece com a remoção), a problemática é a mesma. Na
ação inibitória a prova deve incidir somente sobre a probabilidade do ilícito. A prova
poderá recair na probabilidade do dano apenas quando houver identidade cronológica entre
o ilícito e o dano; nesse caso o autor tem a possibilidade de falar em probabilidade do dano.
Mas, tal possibilidade é deferida unicamente ao autor, pois o réu não pode afirmar que não
há probabilidade de dano (que é conseqüência do ilícito) quando o autor alega somente
probabilidade de ilícito.

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A ação inibitória, como a ação de remoção, é obviamente uma ação autônoma, e por
isso de conhecimento. O que é uma ação autônoma? Autônoma é a ação dita "satisfativa",
compreendido esse último termo no sentido leigo, de "satisfação". Trata-se da ação que
"satisfaz" o desejo de tutela jurisdicional do autor, e assim lhe é "bastante". A ação
"satisfativa" é a ação "bastante", ou melhor, a ação que basta para satisfazer o autor.
As ações inibitória e de remoção são "bastantes" porque o desejo de tutela
jurisdicional pode se limitar à inibição ou à remoção do ilícito. É absurdo imaginar que tais
tutelas possam ter um significado menor do que a ressarcitória, ou que dessa última sejam
meros instrumentos. Pensar que o desejo do autor deve se direcionar ao ressarcimento é
esquecer que, a partir do momento em que se percebeu que o direito não podia mais ser
compreendido como uma coisa dotada de valor de troca, houve uma ruptura entre as
categorias da ilicitude e da responsabilidade pelo dano, a qual deve necessariamente refletir
sobre o processo civil.
Note-se que a ação em que se deseja impedir a violação de um direito da
personalidade, quando pensada à distância da teoria da ação inibitória, certamente receberia
o rótulo de cautelar, pois essa seria a única ação - para aqueles que desconhecem a ação
inibitória - capaz de conferir tutela preventiva. Contudo, se essa ação fosse concebida como
cautelar, tendo sido concedida a tutela para impedir a violação, seguramente surgiria a
problemática da finalidade da "ação principal". Ora, seria impossível encontrar fim para a
"ação principal" pela simples razão de que o único objetivo do autor foi "satisfeito" com a
ação rotulada de "cautelar". Tal ação, ainda que denominada de cautelar, por ser
"satisfativa" é, por conseqüência, autônoma. E daí a conclusão final: toda ação autônoma –
que evidentemente não seja uma ação de execução - é uma ação de conhecimento, e não
uma ação instrumental ou cautelar. De modo que a ação inibitória, especialmente nos dias
de hoje, não pode ser compreendida ou confundida com uma ação cautelar.

4.13. Cumulação das ações inibitória, de remoção do ilícito e ressarcitória

Se as ações inibitória e de remoção do ilícito não são ações instrumentais a de


ressarcimento, a necessidade de uma delas, ou de ambas, quando também é imprescindível
o ressarcimento, abre ensejo para a cumulação das ações. Em outros termos, não há como
imaginar que a tutela inibitória ou a tutela de remoção do ilícito possam ser tutelas
instrumentais à tutela ressarcitória. Todas essas tutelas estão em um mesmo patamar, pois
todas objetivam a satisfação de necessidades diferenciadas do direito material.
Imagine-se, por exemplo, a veiculação de propaganda configuradora de
concorrência desleal através de cartazes publicitários. Nesse caso, o lesado pode possuir
três necessidades: a remoção dos cartazes, inclusive mediante tutela antecipatória; a
inibição da veiculação de novas propagandas, também inclusive mediante tutela
antecipatória; e, por fim, o ressarcimento dos danos causados pelos atos de concorrência
desleal. Essas três necessidades exigem três formas de tutela: a de remoção do ilícito, a
inibitória e a ressarcitória pelo equivalente, sendo completamente equivocado supor que é
possível pedir apenas tutela final ressarcitória e "liminares" de remoção do ilícito e
inibitória.
Nesse caso, as "liminares" teriam eficácia temporal subordinada à decisão sobre a
tutela ressarcitória (final). Acontece que a tutela ressarcitória tem como pressuposto o dano,
que nada tem a ver com as outras duas tutelas. Como conseqüência, é possível julgar

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improcedente o pedido de tutela ressarcitória, por ausência de demonstração do dano, ainda


que o ilícito esteja evidenciado, e assim seja capaz de fundamentar a remoção do ilícito e a
sua inibição. Nessa hipótese, porém, com o julgamento de improcedência do pedido de
tutela ressarcitória, as eventuais liminares de remoção e inibição, por constituírem somente
decisões liminares ou interinais no processo que se voltou apenas à obtenção da tutela final
ressarcitória, perderiam sustentação e, desse modo, deixariam de produzir efeitos. Em
outras palavras: nesse caso, ainda que evidenciado o ilícito, a tutela inibitória seria
revogada, e então o infrator teria liberdade para continuar atuando, ainda que a jurisdição
tivesse tido a capacidade de declarar a ilicitude.
Portanto, é pouco mais do que óbvio que as necessidades do direito material
estavam a exigir três tutelas finais e, por isso, três ações cumuladas. É certo que a ação de
remoção e a ação inibitória, por se preocuparem unicamente com o ilícito (e não com o
dano), têm os seus campos de cognição limitados em relação à ação ressarcitória, onde a
cognição do juiz deve recair sobre o dano. Porém, a nova técnica antecipatória, posta no
§6o do art. 273 do CPC, que viabiliza a tutela antecipada "quando um ou mais de um dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso", certamente poderá resolver
o problema44.
Nessas situações, evidenciado o ilícito praticado e sua probabilidade, e restando
apenas o dano para ser demonstrado, o juiz deverá conceder imediatamente tutela
antecipada de remoção e tutela antecipada inibitória, sem que tenha que pensar em fumus
boni iuris ou periculum in mora. É que essa modalidade de tutela antecipatória exige direito
evidente, e não apenas direito provável ou direito que ainda dependa da produção de prova.
Com isso fica clara a independência das tutelas de remoção e inibitória em relação à tutela
ressarcitória. De modo que se o dano não restar positivado ao final, isso não repercutirá
sobre as tutelas de remoção e inibitória, que deverão ser reafirmadas ainda que a tutela
ressarcitória tenha sido negada.

44
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, São Paulo, Ed. RT, 2002, 5a.
ed. Sobre o tema, ver ainda Rogéria Dotti Doria, A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da
demanda, São Paulo, Ed. RT, 2003, 2a. ed.; Fredie Didier Jr., Processo de conhecimento, in A nova reforma
processual (Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr e Marcelo Abelha Rodrigues), São Paulo, Saraiva, 2003.

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Casos Concretos

Questão 1

Sindicato dos contabilistas do Município do Rio de Janeiro propôs ação em face do


Sindicato dos Empregados de Empresas de Serviços Contábeis do Estado do Rio de
Janeiro, com pedido de medida liminar, pretendendo que o demandado deixe de divulgar e
informar notícias em seu site na Internet que lhe afetem a imagem e idoneidade, além de
retirar as informações e notícias relativas ao seu nome já veiculadas no referido site.
Alega o autor que o réu vem há algum tempo divulgando na Internet informações que
maculam e inibem a sua imagem, com o título de "ALERTA IMPORTANTE", que "...o
Sindicato dos Contabilistas do Município do Rio de Janeiro NUNCA representaram nossa
categoria", prossegue dizendo que "... quanto aos ofícios enviados pelo Sindicato dos
Contabilistas do Município do Rio de Janeiro, cobrando contribuição assistencial é
totalmente ilegal, uma vez que não representa contabilistas empregados, por ser Sindicato
de Contabilistas Autônomos desde a sua fundação há mais de 80 anos."
O réu , em contestação, arguiu preliminar de litispendência, já que há uma ação em
andamento em outra vara cível, onde está se discutindo a abrangência da
representatividade e os limites territoriais de atuação dos dois Sindicatos e eventual
nulidade de atos praticados em desconformidade com o âmbito de sua atividade. E no

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

mérito sustentou que as expressões utilizadas não são ofensivas, não maculam, nem inibem
a imagem do autor , que além do mais há liberdade de expressão, pugnando pela
improcedência do pedido.
1) Autos conclusos, decida sobre o pedido liminar.
2) Essa liminar tem natureza cautelar ou de antecipação dos efeitos da tutela
principal?
3) A ação proposta pelo Sindicato tem natureza declaratória ou condenatória?
4) Há litispendência entre as duas ações?
5) Há distinção entre tutela inibitória e tutela cominatória?
6) Há distinção entre tutela inibitória e tutela cautelar?

Resposta à Questão 1

1) A veiculação não foi ofensiva, e por isso a liminar não deve ser concedida.
2) Trata-se de antecipação de tutela, pela coincidência entre o pedido e o
provimento final. Todavia, há julgados que entendem ser cautelar.
3) É condenatória, de natureza inibitória.
4) Não: os objetos são distintos.
5) Certamente, pois ambas são impositivas, mas a cominatória pressupõe dano,
enquanto a inibitória pode ser concedida sem que o haja, antes de sua
ocorrência, pois se dedica a afastar o ilícito (que pode ou não gerar dano).
6) Sim: a inibitória é satisfativa, e a cautelar não.

Veja o seguinte julgado:

“Processo: 0033019-92.2000.8.19.0001 (2001.001.04009). 1ª Ementa –


APELACAO. DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento:
02/10/2001 - TERCEIRA CAMARA CIVEL.
ACAO DECLARATORIA. PUBLICACAO OFENSIVA. INTERNET.
SINDICATO DE CLASSE. MEDIDA LIMINAR. INDEFERIMENTO DO
PEDIDO. INVIABILIDADE DO PEDIDO. RECURSO NEGADO.
CONSTITUCIONAL. AÇÕES CAUTELAR E DE PRECEITO COMINATORIO
OBJETIVANDO TUTELA JUDICIAL INIBITÓRIA E RETIRADA DE
INFORMAÇÕES VEICULADAS EM SÍTIO NA INTERNET, CONSIDERADAS
OFENSIVAS À IMAGEM DE SINDICATO REPRESENTANTE DE
CATEGORIA PROFISSIONAL, EM CONFLITO COM O AUTOR ACERCA DA
ABRANGÊNCIA DE REPRESENTATIVIDADE QUESTIONADA.
FORMULAÇÃO, DE OFÍCIO, E REJEIÇÃO DE PRELIMINAR DE
PREJUDICIALADADE DO JULGAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DO
ACRÉSCIMO DE PEÇAS APÓS A RESPECTIVA INCLUSÃO EM PAUTA,
PELO APELANTE INEXISTÊNCIA DE CARÁTER INFAMANTE NA
VEICULAÇÃO PROTEGIDA PELAS NORMAS DE INSTITUIÇÃO COMO
DIREITOS FUNDAMENTAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS
CAUTELAR E PRINCIPAL. APELO IMPROVIDO.”

Questão 2

Aparecida ajuizou ação de indenização por danos morais cumulada com obrigação
de fazer em face do Banco X, e pleiteou liminarmente a exclusão do seu nome dos
cadastros do SERASA e SPC.

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

A autora argumenta que há ação paralela, pendente de recurso, onde as partes


discutem a existência e extensão do débito e que a inscrição do devedor como inadimplente
deve aguardar tal julgamento. Fundamenta que constitui constrangimento e ameaça,
vedados pela Lei nº 8.078/90, o registro do nome do consumidor em cadastros de proteção
ao crédito, quando a dívida é objeto de discussão em juízo.
O Banco, em contestação, alegou impossibilidade do pedido liminar, ao argumento
de que a inclusão no SERASA e no SPC está amparada pelo art. 43, caput e § 1º, da Lei
8.078/90, não em contrato, daí ser defeso aplicar o art. 461 do CPC. Afirma que quem
possui um título executivo não pago tem direito de inscrever o nome junto aos arquivos dos
órgãos criados para tal fim.
Autos conclusos, decida o pedido antecipatório.
No âmbito da tutela inibitória a cognição é exauriente ou sumária?

Resposta à Questão 2

A tutela inibitória inicia sob cognição sumária, mas ao ffinal deve se pautar em
cognição exauriente.
Veja o REsp. abaixo:
“REsp 190616 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator(a) Ministro RUY ROSADO
DE AGUIAR. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento
15/12/1998. Data da Publicação/Fonte DJ 15/03/1999 p. 252.
Ementa: BANCO DE DADOS. SERASA. SPC. ACIPREVE. Cabe o deferimento
de liminar para impedir a inscrição do nome do devedor em cadastros de
inadimplência enquanto tramita ação para definir a amplitude do débito. Art. 461, §
3º, do CPC. Recurso conhecido mas improvido.”
Questão 3

Marcos ajuizou ação cautelar em face de seu Condomínio a fim de impedir um


"jogo de futebol" diário de moradores no playground, por violar a Convenção de
Condomínio e seu Regimento Interno. Alegou que os jogos são praticados por rapazes de
16 anos, que dão chutes violentos, fazendo "tremer" as janelas dos apartamentos do 1º
andar, onde mora. Comprovou, com fotos, os danos causados por tal prática, como por
exemplo os danos causados ao teto de gesso do play.
O juiz extinguiu o processo sem julgamento do mérito com fundamento na falta de
interesse do requerente na ação cautelar proposta, porque o caso é de tutela inibitória e de
cunho totalmente satisfativo.
Marcos apelou da decisão com argumento de que o juiz deve aplicar o Princípio da
Fungibilidade instituído expressamente pelo novo § 7º do art. 273 do CPC. Afirma, ainda,
que o próprio art. 273, § 3º, alude expressamente ao art. 461, §§ 4º e 5º. Alega que pelo
Princípio da Fungibilidade entre as medidas antecipatórias e cautelares, pode a
providência ser deferida pelo juiz a um desses títulos ainda quando haja sido pedida com
denominação inadequada. Alega violação aos Princípios do "acesso à justiça" e do "iura
novit curia", pelo qual "cabe ao autor dar os fatos e ao juiz, o direito". Além do mais, o
juiz deve dar oportunidade ao autor para que adapte o seu pedido. Que o fato do pedido
ter natureza satisfativa não afasta a possibilidade da tutela, dado que os requisitos da
tutela antecipada são mais rígidos que os da tutela cautelar.
Assiste razão ao apelante? Justifique.

Michell Nunes Midlej Maron 36


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Reposta à Questão 3

Veja o seguinte julgado do TJ/RJ:

“Processo: 0000215-68.2003.8.19.0065 (2004.001.11986). 1ª Ementa –


APELACAO. DES. CELIA MELIGA PESSOA - Julgamento: 06/07/2004 -
DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL.
ACAO CAUTELAR. INTERESSE DE AGIR. INEXISTENCIA. EXTINCAO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MERITO.
AÇÃO CAUTELAR. TUTELA SATISFATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO
SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.
Com a previsão em nosso Código de Processo Civil da antecipação dos efeitos da
tutela pretendida (artigo 273), inclusive da tutela inibitória (artigo 461, parágrafo
3ª), é descabida a propositura da ação cautelar com o fim de se alcançar medida
satisfativa. A fungibilidade estabelecida no parágrafo 7º, do artigo 273, do CPC
refere-se à possibilidade da antecipação dos efeitos da tutela quando proposta ação
cautelar incidental, ou seja, quando está em curso o processo principal. No caso em
tela, não há processo principal algum. Ainda que se admitisse a propositura da ação
cautelar satisfativa em face da ausência de óbice expresso no Códice e com arrimo
na inafastabilidade do Judiciário, o pedido de abstenção é genérico e inócuo, além
de desprovido de sanção, a uma, porque as condutas praticadas pelo apelado por si
só já caracterizam tipos penais, e a duas, porque impossível a aplicação do art.461,
§§ 3º e 4º, do CPC às ações cautelares. Dessa forma, não há utilidade na concessão
da medida cautelar e, portanto, não há interesse processual na ação proposta.
Manutenção da sentença guerreada. DESPROVIMENTO DO APELO.”

Tema II

Antecipação dos efeitos da tutela: conceito, finalidade e momentos em que pode ser concedida. Distinção de
figuras afins: tutela cautelar e julgamento antecipado da lide. A antecipação da tutela e o princípio do
contraditório e da correlação ou da congruência. Revogação ou modificação da decisão antecipatória da
tutela de mérito.

Notas de Aula45

1. Antecipação dos efeitos da tutela

O CPC, originalmente, não contemplava a figura da liminar genérica, passível de


aplicação em qualquer tipo de processo. Havia previsões pontuais de liminares, em alguns
procedimentos especiais, a exemplo das ações possessórias (nas quais a liminar exigia o
requisito especial do interregno de não mais do que ano e dia desde a ofensa para poder ser
concedida).
A regra genérica somente veio ao corpo do CPC em 1994, quando a Lei 8.952
reformou o artigo 273 do Código Adjetivo, adiante transcrito. Antes disso, porém, ocorreu
na jurisprudência uma verdadeira banalização do processo cautelar, justamente com esse
escopo de suprir a falta de uma norma geral dedicada ao provimento in limine nas ações
ordinárias. Ocorre que a cautelar, como já se disse, não é satisfativa, porque não há nessa a
análise do direito material pretendido, em si, mas apenas dos requisitos para que se garanta
que, caso esse direito seja considerado procedente, no futuro, a providência jurisdicional
45
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 8/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

que lá será dedicada a satisfazê-lo tenha eficácia. Por não ser satisfativa, o seu uso com esse
escopo substancial é equivocado – equívoco esse que aconteceu, bastante, antes da previsão
da liminar genérica do artigo 273 do CPC, justamente por falta de opção dos autores das
pretensões de urgência.
Veja um erro muito comum de concepção: não é porque o processo principal, a que
se refere uma cautelar, não foi necessário, que se pode dizer que a cautelar foi satisfativa.
Entenda com um exemplo: o autor de uma cautelar preventiva de produção antecipada de
prova obtém provimento desse pleito acautelatório, e produz a prova; ao fazê-lo, percebe
que seu direito substancial não é bom, e deixa de ajuizar o processo principal, no qual
aquela prova seria usada, porque sabe que sua pretensão é infundada. A cautelar não foi
satisfativa, por óbvio, mesmo que tenha-se exaurido o seu propósito: jamais foi analisado,
na cautelar, o próprio direito que seria deduzido pelo autor.
A cautelar nunca tem cognição exauriente: sua cognição é sempre sumária, pois é
suficiente para que haja provimento cautelar que exista o fumus boni juris e o periculum in
mora, a fim de que nessa pauta de probabilidade seja conferido ao autor o provimento de
seu pleito acautelatório, porque o direito material não é analisado em seu fundo, nem
provido ou improvido – é apenas acautelado. A cautelar, como dito, é instrumento de um
instrumento, pautada nessa chamada instrumentalidade hipotética, instrumentalidade ao
quadrado, como chamou Calamandrei.
É possível, também na cautelar, a antecipação dos efeitos da tutela. Pode haver
liminar no processo cautelar. Se o autor demonstrar que a providência cautelar precisa, ela
própria, ser antecipada, a fim de que o provimento não perca efetividade, a antecipação é
possível. A liminar da cautelar funciona exatamente da mesma forma que a liminar no
processo satisfativo, com a diferença de que o seu nível de cognição é ainda mais
perfunctório, pautado em juízo de mera possibilidade, e não probabilidade (porque o
próprio rito da cautelar já é todo pautado em cognição de probabilidade, sumária).
Como dito, a cautelar teve seu uso bastante banalizado, antes da previsão genérica
do artigo 273 do CPC vir ao ordenamento. De forma atécnica, situações que claramente
eram satisfativas, porque o provimento liminar era exatamente o mesmo que se pretendia ao
final, só que provisoriamente concedido, eram deduzidas por meio de cautelares,
desvirtuando o procedimento, e dando origem à já antiga discussão sobre a existência ou
não de “cautelares satisfativas”, expressão que é uma contradição em termos.
Com a criação da tutela antecipada genérica, a concepção técnica dos instrumentos
passou a ser mais claramente exigível. Se a pretensão é satisfativa, o cabimento é de pedido
de antecipação de tutela no rito em questão; se é assecuratória, o pleito deve ser cautelar,
preventiva ou incidental.
Vejamos, então, o artigo 273 do CPC:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei
nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído
pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as
razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de


irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de
13.12.1994)
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua
natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação
dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em
decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final
julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei
nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)”

Não é cabível pedido de antecipação de tutela declaratória ou constitutiva: quando o


pedido substancial da demanda for uma declaração ou constituição, não é possível que esse
seja antecipado, porque as sentenças declaratórias ou constitutivas só produzem efeitos
após o seu trânsito em julgado. Um exemplo: em uma ação de declaração de inexistência de
dívida, não se pode antecipar a tutela final quanto a esse pedido principal, declaratório da
inexistência; porém, é possível que seja pedida uma antecipação de um dos efeitos dessa
tutela, qual seja, a retirada dos dados do autor de eventuais cadastros restritivos de crédito –
mas ocorre que essa providência, na verdade, é uma medida cautelar, pois visa a assegurar
que não haja, ou que se obstem, os danos causados por essa negativação.
O STJ tem entendido que a antecipação da tutela é um conceito mais amplo, porém:
não se limita à exata congruência entre o pedido final e o que se quer antecipar, podendo
ser considerada antecipação da tutela final aquele pedido liminar que postule a antecipação
de uma consequência do provimento final. No exemplo da ação declaratória de inexistência
de dívida, portanto, o pedido declaratório, em si, não pode ser antecipado, mas uma
consequência do seu futuro reconhecimento poderá: é antecipação da tutela, e não cautelar,
o pedido de retirada dos dados dos cadastros desabonadores, porque é a antecipação de uma
das consequências da tutela principal declaratória, quando ao final provida.
Por isso, fala-se que há admissibilidade de antecipação de tutela em pleitos
declaratórios ou constitutivos, pois o STJ faz essa construção: essa Corte admite a
antecipação das consequências da tutela final, e não da própria providência principal
declaratória ou constitutiva, o que de fato é impossível.
A distinção entre tutelas cautelares e antecipatórias é, por vezes, muito difícil.
Especialmente se se tomar em conta os anos e anos de uso incorreto, mas outrora admitido,
das cautelares com escopo satisfativo, como se disse, e se se considerar que uma cautelar
pode não resultar em processo ulterior, porque o autor da cautelar não vê mais interesse no
provimento substancial, por qualquer razão (geralmente, porque vislumbra chance de
derrota no principal) – caso em que parece que a cautelar satisfez a pretensão. Não é
verdade: só há cautelar quando não houver enfrentamento da pretensão substancial, porque
do contrário o que se dá é uma antecipação dos efeitos da tutela.
Um exemplo peculiar, de Fredie Didier, é interessante para ilustrar a diferença entre
tutelas cautelares e antecipatórias: dois homens disputam a propriedade sobre um pedaço de

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

carne; no andamento da contenda, percebem que a peça está se estragando; requerem,


então, ao juiz, que coloque a carne em um refrigerador, enquanto resolvem a disputa por
sua propriedade: essa medida, de colocar a carne na geladeira, é cautelar, porque se presta a
que a lide principal, quando finalizada, tenha utilidade, eis que se a carne se deteriorar, de
nada valerá o provimento material entregando a uma das partes a titularidade sobre o bem.
Se, ao contrário, um dos contendores pede ao juiz que, no curso da luta pela carne, ao
perceber que está se estragando, reparta uma fração para que possa comer imediatamente, a
medida é antecipatória, e não cautelar, eis que satisfaz a pretensão desse contendor, que é
haver para si aquele bem (mesmo que parcialmente, no exemplo).
Existiam leis especiais que impediam a concessão de tutelas de urgência, cautelares,
contra a Fazenda Pública. Tais leis de restrição eram anteriores à criação da tutela
antecipada, ou seja, anteriores à Lei 8.952/94, que trouxe o artigo 273, supra, ao CPC. Por
isso, os juizes passaram a permitir antecipação de tutela contra a Fazenda, mesmo nos casos
vedados, porque entendiam que a vedação era restrita aos pleitos cautelares. A Lei 9.494/97
refutou esse entendimento, dispondo que as restrições se aplicavam também à antecipação
de tutela:

“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de
Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de
26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e
nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”

A Lei 10.444/02, que promoveu grande parte do sincretismo processual como hoje
se conhece, promoveu também o sincretismo processual entre cautelares e processo
principal de conhecimento, ao inserir o § 7º no artigo 273 do CPC, supra. Essa regra, ao
contrário do que já se apregoou – que teria igualado medidas antecipatórias a medidas
cautelares –, veio reforçar a linha divisória entre tais medidas: ao dizer que “se o autor, a
título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz,
quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter
incidental do processo ajuizado”, o dispositivo traçou com clareza a existência de diferença
entre cautelares e antecipatórias satisfativas, pois se fossem a mesma coisa, não haveria por
que se prever fungibilidade entre si. Na verdade, o que esse dispositivo diz é que há
realmente uma dificuldade em se identificar, por vezes, qual é a natureza da medida, se
cautelar ou satisfativa, e por isso poderá haver a fungibilidade.
A tutela antecipada tem requisitos cumulativos e alternativos para sua concessão. É
preciso que esteja presente: 1) a prova inequívoca que convença da verossimilhança da
alegação, e 2) que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou 3)
fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu. O primeiro requisito, fumus boni juris, deve sempre estar presente, cumulando-se com
o segundo, periculum in mora, ou com o terceiro, abuso de defesa. Os requisitos da liminar
na cautelar, por seu turno, são restritos ao fumus boni juris e periculum in mora, em
cognição superficial.
Na tutela inibitória, há que se observar uma peculiaridade: como não se discute
dano, ali, mas apenas o ilícito potencialmente causador de dano, não se pode exigir da parte
que requer a antecipação da tutela inibitória a prova do risco de dano – requer-se a prova do
risco de ocorrência de um ilícito, somente

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

O § 7º do artigo 273 do CPC acabou também por mitigar a autonomia da cautelar,


criando o sincretismo que se mencionou, porque no processo satisfativo é possível que haja
o deferimento de uma tutela cautelar, no próprio bojo. Antes, o processo cautelar era
necessariamente autônomo, preventivo ou incidental; hoje, é possível requerer providência
cautelar no curso do processo de conhecimento principal, nos próprios autos, graças à
previsão desse § 7º.
É assim que as cautelares autônomas estão cada vez mais em desuso, porque é mais
correto, proveitoso, célere, ajuizar desde logo a ação principal com pedido de medida
liminar acautelatória, o que é perfeitamente possível, por conta desse § 7º do artigo 273 do
CPC. Tanto é assim que, nos juizados especiais, nunca existiu cautelar autônoma, e o
projeto do novo CPC acaba com quase todas as hipóteses de ocorrência dessa cautelar,
restando a forma autônoma para umas poucas hipóteses realmente necessárias (como uma
antecipação de produção de provas, por exemplo).
Dessarte, a cumulação de pedido cautelar com o pedido satisfativo, no processo
satisfativo, é perfeitamente possível. Diferentemente ocorre, porém, quando se cogita do
inverso: pleitear-se uma medida antecipatória satisfativa substancial com o pleito cautelar,
em um processo cautelar, é inviável. A fungibilidade não é uma via de mão dupla, pois não
se pode cogitar de tutela antecipada satisfativa num procedimento cautelar autônomo. A
fungibilidade é de mão única, somente podendo se prestar a amparar a cautelar no processo
satisfativo, e não o contrário. Assim o é porque a satisfatividade é um requisito negativo do
processo cautelar. Se há satisfatividade, não há como se pretender processo assecuratório –
a incompatibilidade é inafastável. Mesmo porque, se assim fosse possível, o processo
cautelar seria idêntico ao satisfativo, e não há sentido em haver procedimentos idênticos,
com propósitos idênticos, no ordenamento. Nesse sentido, entendem Marinoni e Câmara,
dentre outros.
Sobre os requisitos da antecipação da tutela e da cautelar, se disse que é preciso que,
na antecipação, haja prova inequívoca, enquanto na cautelar basta o fumus boni juris,
verossimilhança. Assim se diz porque a doutrina reconhece que a expressão “prova
inequívoca” é mais profunda do que a mera verossimilhança, fumus boni juris. Assim, vê-se
mais um elemento de reforço para o entendimento de que a fungibilidade é de mão única:
no artigo 273, vê-se que ambos os elementos estão contemplados – verossimilhança e prova
inequívoca – o que permite que se enquadre a liminar cautelar também ali; já no processo
cautelar autônomo, não há como se contemplar a prova inequívoca que é requisito para a
antecipação de tutela.
Quanto ao momento de concessão da tutela antecipada, essa pode ser deferida logo
no início do processo, realmente in limine, mas pode ser concedida a qualquer momento, no
curso do processo, e até mesmo na própria sentença. Quando o juiz conceder a tutela
antecipada na sentença, poderá fazê-lo tanto na fundamentação quanto no dispositivo,
sendo mais técnico tecer sua fundamentação no capítulo destinado a esse elemento, à
motivação, e mencionar o seu deferimento na parte dispositiva.
A concessão da tutela antecipada na sentença faz com que perca a natureza de
decisão interlocutória: o fato de ser proferida no bojo da sentença a torna parte dessa, passa
a ser mais um capítulo da sentença. Assim, qualquer irresignação acerca dessa providência
do juiz, dessa concessão na sentença, deverá ser deduzida na apelação.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

O propósito da concessão da antecipação de tutela na sentença é simples, já bem


conhecido: esse expediente se destina a afastar o efeito suspensivo de uma eventual
apelação daquela sentença, porque passará a incidir na hipótese do artigo 520, VII, do CPC:

“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela; (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)”

A interpretação desse dispositivo supra é de que ali se lê “confirmar, conceder ou


revogar” a antecipação de tutela, por mera questão de lógica, pois o provimento em
cognição exauriente, a sentença, não pode restar menos eficaz do que o provimento que
fora dado em cognição sumária – a antecipação ab initio ou no curso do processo, que seria
impugnável por agravo, sem efeito suspensivo, sendo eficaz desde sua prolação.
Note-se que o juiz poderá, também, naturalmente, conceder medida cautelar na
sentença, ou seja, medida não satisfativa, necessária para assegurar a efetividade do feito.
Nesse caso, mais do que se pautar na fungibilidade trazida pelo § 7º do artigo 273 do CPC,
o fundamento para essa providência é o poder geral de cautela do magistrado, que pode ser
efetivado até mesmo de ofício.
Vale relembrar que a antecipação outrora concedida é revogada tacitamente pela
simples prolação da sentença de improcedência; a confirmação, idem – é também implícita
na sentença de procedência. Apenas a concessão inaugural, na sentença, precisa ser
expressa.
Na liminar do processo cautelar, antecipação do efeito da tutela cautelar autônoma,
não satisfativa, requerido no processo cautelar, há uma peculiaridade, até já mencionada: a
sua concessão é pautada em mero juízo de possibilidade, ou seja, é uma cognição ainda
mais perfunctória do que a cognição da antecipação de tutela satisfativa, que é uma
cognição sumária: trata-se da cognição superficial. Assim o é porque o processo cautelar,
ele todo, já corre sob cognição sumária, juízo de probabilidade (motivo pelo qual sequer a
sentença cautelar faz coisa julgada material), sendo que o juízo de possibilidade basta para
uma antecipação da cautelar ao final pretendida.
A decisão antecipatória da tutela é revogável, porque é uma decisão provisória. Já
os seus efeitos, por vezes, podem ser irreversíveis, e se assim acontecer, o juízo não deverá
antecipar a tutela: a reversibilidade dos efeitos é um requisito para que a decisão de
antecipação possa ser concedida, pois do contrário, se forem os efeitos irreversíveis, mesmo
que seja a decisão revogada, porque encontrada indevida, posteriormente, não será eficaz
essa revogação, eis que os efeitos não poderão ser desfeitos. Reversível, a decisão
antecipatória sempre o é, pois é revogável; já seus efeitos, podem ser irreversíveis, e essa
cautela deve ter o julgador. Mas isso não significa que é impossível tal tutela, pois mesmo
nos casos em que a irreversibilidade dos efeitos ficar evidente, se houver verossimilhança
suficiente e periculum in mora, a antecipação deve ser concedida, sendo admissível a
exigência de uma caução. Nesse sentido, veja o artigo 475-O do CPC, especialmente o § 2º:

“Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo


modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei nº
11.232, de 2005)

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a


sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; (Incluído
pela Lei nº 11.232, de 2005)
II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto
da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais
prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; (Incluído pela Lei nº 11.232, de
2005)
III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem
alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado
dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada
nos próprios autos. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 1º No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for
modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a
execução. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 2º A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser
dispensada: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito,
até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar
situação de necessidade; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto
ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo
quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil
ou incerta reparação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
(...)”

A tutela antecipada não se confunde com o julgamento antecipado da lide. A tutela


antecipada é prestada em decisão interlocutória, em regra, sendo apenas excepcionalmente
concedida na sentença; o julgamento antecipado da lide é sempre uma sentença, e sempre
meritória.
Mesmo por isso, a tutela antecipada é provisória, e o julgamento antecipado da lide
é definitivo – afinal, é uma sentença, pautada em cognição exauriente, enquanto a
antecipação da tutela é pautada em cognição sumária, de probabilidade. A reversibilidade
dos efeitos da decisão de tutela antecipada decorre justamente da sua provisoriedade.
O juiz pode revogar a tutela antecipada de ofício, sem qualquer óbice. A concessão
de ofício, porém, é questionável, porque o artigo 273 do CPC, no caput, estabelece que a
concessão será mediante requerimento da parte. Por isso, surgem mesmo duas correntes,
uma que interpreta literalmente o dispositivo, exigindo requerimento – assim defende
Câmara –; e outra que entende que a concessão de ofício é perfeitamente possível, baseada
na teoria dos poderes implícitos, de quem pode o mais, pode o menos: se o juiz é provocado
para prestar a tutela final, definitiva, está claramente provocado a prestar a tutela provisória,
se bem entender – assim defende Fux, e tem prevalecido. Apoiando a tese da concessão de
ofício, o artigo 3º da recente Lei 12.153/09, que institui os juizados especiais da Fazenda
Pública, entrega essa possibilidade de tutela antecipada de ofício:

“Art. 3º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer


providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de
difícil ou de incerta reparação.”

O requerimento de tutela antecipada, por questão de lógica, é feito pela parte autora,
pois é ela quem pede a providência jurisdicional, e por isso tem interesse em que essa seja
prestada antecipadamente. Quem pede a antecipação dos efeitos do provimento de sua

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

pretensão é quem deduz tal pretensão, ou seja, o autor. O réu só poderá pedir tutela
antecipada em uma eventual reconvenção, mas quando assim o fizer, estará ocupando uma
posição de autor, pois estará formulando pretensão. No pedido contraposto, idem: mesmo
continuando na posição de réu, estará deduzindo pretensão, e por isso pode pedir
antecipação dos efeitos dessa pretensão.
Em uma ação dúplice, entendida essa não como a ação em que se permite o pedido
contraposto, como o faz parte da doutrina, mas sim aquela em que a mera contestação pode
ensejar mudança na situação fática do réu, favorecendo-o, poderia se cogitar de um pedido
de antecipação da tutela por parte do réu.
A tutela antecipada definitiva é aquela que se encarta no § 6º do artigo 273 do CPC,
que diz que a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. A tutela antecipada da parte
incontroversa é clara medida de implemento da lógica, pois se há parte do pedido que não
está sendo resistida pelo réu – ou seja, há o reconhecimento parcial do pedido –, não há
porque não ser concedida desde logo. Se não há controvérsia alguma, é caso de julgamento
antecipado da lide, como se sabe.
Da decisão que incide nesse caso do § 6º, da tutela antecipada definitiva, cabe
agravo de instrumento, porque mesmo que seja uma decisão de mérito, que incorre no
artigo 269, II, do CPC – reconhecimento do pedido – não é considerada sentença, porque o
conceito de sentença que hoje é prevalente é o de decisão que incorre nos artigos 267 ou
269 do CPC e que põe termo ao processo ou fase processual – o que essa antecipação não
faz. Não se cogita mais, portanto, da “apelação por instrumento”, como se chegou a cogitar,
porque não é mais considerada uma sentença parcial. Se essa decisão interlocutória não for
impugnada por agravo, fará coisa julgada material, e poderá ser executada definitivamente.
A regra, na antecipação de tutela, é que haja contraditório prévio à sua concessão.
Todavia, nem sempre esse será possível, dada a urgência, pelo que a liminar inaudita altera
parte será admissível. Há quem refute esse cabimento de antecipação sem contraditório,
mas a maior corrente pugna pelo cabimento. O novo CPC que está em discussão, todavia,
preza muito pelo contraditório, prevendo até mesmo que nem as matérias de ordem pública
podem ser abordadas pelo juiz sem abrir à manifestação das partes.

Michell Nunes Midlej Maron 44


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Casos Concretos

Questão 1

Silvia ajuizou ação ordinária visando a revisão de cláusula de um contrato de


leasing em face do Banco X Leasing S/A, arrendamento mercantil. Requereu a autora,
antecipação de tutela para determinar o depósito de prestações indexadas pelo INPC e
não pelo dólar e abstenção de ter seu nome incluído no cadastro dos inadimplentes.
A empresa ré sustenta, em resumo, não ser caso de antecipação de tutela mas sim de
cautelar, que o mérito gira em torno da natureza jurídica do contrato celebrado, do
desequilíbrio contratual que teria resultado do fato superveniente à proibição de utilização
da variação cambial como indexador e à vulneração do direito de ação da empresa ré,
insculpido no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, questões que, enfrentadas
como devem ser, revelarão que não concorrem, na hipótese, os requisitos da antecipação
de tutela.
Indaga-se: O caso é de medida cautelar ou de antecipação de tutela? Qualquer que
seja a hipótese, poderá ser decidida pelo juiz? Concederá ou não a medida?

Resposta à Questão 1

A questão é discutível, havendo quem entenda das duas formas. O STJ tem
manifestado que é antecipação de tutela não só o pedido exatamente congruente com a
prestação final, mas também o pedido de antecipação da consequência do provimento do
pedido. Ao contrário, porém, veja o seguinte julgado, do TJ/RJ:

Michell Nunes Midlej Maron 45


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“Processo : 0022202-06.1999.8.19.0000 (1999.002.02213). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. ROBERTO WIDER - Julgamento: 13/04/1999 -
QUINTA CAMARA CIVEL.
CONTRATO DE ARRENDAMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA.
CONCESSAO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Contrato de arrendamento mercantil. Aquisicao de veiculo nacional com as
prestacoes vinculadas `a variacao cambial. Medida cautelar inominada visando a
correcao pelo indice do INPC e abstencao de incluir o devedor em cadastros
negativos. Concessao de liminar. Controversia sobre a utilizacao da variacao
cambial na correcao de valores que nao sejam adquiridos com recursos
externos.Modificacao de clausula contratual que estabeleca prestacao
desproporcional ou revisao em razao de fatos supervenientes que a torne
excessivamente onerosa. Presenca do "fumus boni iuris" e risco de dano grave e
irreversivel. Confirmacao da decisao.”

Questão 2

Caio ingressou em juízo com ação de investigação de paternidade contra seu


indigitado pai. No decorrer da demanda, já realizado o exame de DNA que confirmara a
paternidade, mas antes de proferida a sentença, surgiu a necessidade de o menor
submeter-se a urgente cirurgia decorrente de doença súbita.
O indigitado pai possuía plano de saúde na empresa em que trabalhava,
concedendo direito aos filhos de se valerem dos serviços médicos na qualidade de
dependentes. Foi feito então pedido de antecipação dos efeitos da sentença para que o
menor fosse incluído no plano de saúde como dependente do réu e pudesse se submeter à
cirurgia.
É possível a antecipação da tutela no caso apresentado?

Resposta à Questão 2

A antecipação de pedido declaratório, em regra, não é possível, e esse é o cerne da


questão, permitindo concluir que a antecipação não seria possível. Além disso, a
providência requerida consistiria na coerção do réu, pelo juiz, à contratação, o que é
discutível.

Questão 3

João, motorista de táxi, ajuizou ação declaratória de nulidade de ato


administrativo, com pedido de tutela antecipada, em face do DETRAN, por ter tido
suspenso temporariamente seu direito de dirigir, em razão de ter se envolvido num
acidente. Alega o autor que a punição foi aplicada com base no art. 176, I da lei 9.503/97
(atual Código de Trânsito Brasileiro) que entrou em vigor em 23/01/98, data posterior ao
fato que deu causa à instauração do processo administrativo, já que o acidente ocorreu em
12/10/97, desta forma, ilegal a punição por afronta ao Princípio da irretroatividade da lei.
Além disso, conforme demonstrado no ato administrativo impugnado, foi notificado para
ciência da penalidade aplicada sem oportunidade de prévia defesa, denotando a violação
das garantias estabelecidas no art. 5º, LIV e LV da CF/88. Pleiteia a tutela antecipada ao

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

argumento de ser provedor de sua família e exercendo a profissão de motorista de táxi,


está impedido de trabalhar.
O demandado afirma que a penalidade resultou de comunicação da 6ª DP, em
razão de acidente com vítimas graves, infração considerada de natureza grave, que o autor
colidiu com uma motocicleta que trafegava à sua frente, evadindo-se do local após o
acidente, sendo a placa de seu veículo anotada por testemunhas que se encontravam no
local. Sustenta que até em razão de sua profissão deveria o causador do acidente parar e
averiguar pessoalmente a situação das vítimas, inclusive com eventual condução das
mesmas ao hospital.
Diante do caso, decida a respeito do pedido antecipatório.

Resposta à Questão 3

Veja o seguinte julgado:

“Processo : 0017134-70.2002.8.19.0000 (2002.002.18093). 1ª Ementa - AGRAVO


DE INSTRUMENTO. DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento:
13/05/2003 - TERCEIRA CAMARA CIVEL.
DECLARATORIA DE NULIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. TUTELA
ANTECIPADA. INDEFERIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO
CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, AO
FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DO FUMUS BONI lURIS, ACARRETANDO
NA MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A APREENSÃO DA
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DO AGRAVANTE, ALÉM DE
IMPOSIÇÃO DE MULTA. VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE TAXISTA DO
RECORRENTE, DEPENDENDO DO USO DO VEÍCULO PARA O SUSTENTO
PRÓPRIO E DA FAMÍLIA. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO
DERIVADA DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI NO TEMPO E DO
PRINCÍPIO DE IRRETROATIVIDADE DA LEI. AUSÊNCIA DE
OBSERVÂNCIA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA, EXIGÍVEIS
MESMO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO (ART. 5º, LV, CF).
CONTESTAÇÃO OFERECIDA EM 1º GRAU, CUJO, TEOR REITERADO
PELO AGRAVADO EM CONTRA-RAZÕES, SILENCIANDO ACERCA DO
DESCUMPRIMENTO DAS REFERIDAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS.
CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO ATIVO. PARECER MINISTERIAL
PELO ACOLHIMENTO DO RECURSO. PROVIMENTO DO AGRAVO PARA
DEFERIR A TUTELA ANTECIPATÓRIA COM O AFASTAMENTO DO
RECOLHIMENTO DA CNH E A SUSPENSÃO DA IMPOSIÇÃO DE MULTA.”

Questão 4

Foi proposta demanda por sindicato de cooperativados. Pretendeu-se a declaração


de nulidade de cláusulas contidas no contrato que regulava a prestação de serviços
médicos pela demandada aos filiados da demandante.
O sindicato requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que o reajuste no
valor das prestações fosse afastado.
O magistrado deferiu a antecipação dos efeitos da tutela sob a condição de a
demandante prestar caução em valor determinado.
Irresignada com a decisão, a demandante interpõe o recurso processual adequado
para buscar a reforma daquela decisão. Fundamenta sua insatisfação na revogação do

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

artigo 588 do CPC (pela Lei n. 11.232/05), a que faz expressa referência o artigo 273,
parágrafo 3° do CPC.
Pergunta-se: Correta a decisão do magistrado? Fundamente.

“Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a


definitiva, observadas as seguintes normas:
I - corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença
for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer
II - o levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que importem
alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado,
dependem de caução idônea, requerida e prestada nos próprios autos da execução;
III - fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto
da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior;
IV - eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo.
§ 1º No caso do inciso III, se a sentença provisoriamente executada for modificada
ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.
§ 2º A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza alimentar, até
o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar
em estado de necessidade." (Revogado pela Lei nº 11.232, de 2005)”

Resposta à Questão 4

Veja o REsp. abaixo:


“REsp 952646 / SC. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministra NANCY
ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
04/11/2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 04/08/200.
Ementa: Processo civil. Antecipação dos efeitos da tutela. Exigência de caução,
com fundamento no art. 273, §3º, do CPC. Remissão feita, pela lei, ao art. 588 do
CPC, que foi revogado pela reforma promovida pela Lei nº 11.232/05. Alegação de
impossibilidade de exigência de caução não acolhida. Dispositivo que foi
meramente deslocado, do art. 588 para o art. 475-O, do CPC. Hipótese em que,
ademais, é da natureza dos provimentos não-definitivos a possibilidade de causar
dano à parte contrária, do que exurge a possibilidade de exigência de caução.
Recurso não conhecido. - A prévia propositura de medida cautelar pelo recorrente e
seu deferimento, pela Relatora, nesta Corte, não vinculam a decisão a ser tomada
por ocasião do julgamento do recurso especial. O julgamento de medidas
cautelares se dá com base em cognição sumária e provisória dos fatos e elementos
da causa. O Recurso Especial é julgado mediante cognição exauriente e definitiva,
o que pode levar o julgador à revisão de seu posicionamento inicial.
- A revogação do art. 588 do CPC, pela Lei nº 11.232/2005, não leva à perda de
eficácia da remissão feita a ele pelo art. 273, §3º do CPC. A revogação desse
dispositivo foi meramente formal, já que a regra nele contida, do ponto de vista
substancial, continua presente no art. 475-O do Código, com redação quase
idêntica. Assim, a interpretação teleológica do CPC recomenda que remissão feita
a um dispositivo, seja lida como se indicasse o outro.
- Não há incompatibilidade entre o procedimento da antecipação de efeitos da
tutela, e a exigência de caução. Apesar de o art. 475-O mencionar, apenas, a
execução provisória do julgado, sua proteção deve ser estendida, 'no que couber',
aos provimentos antecipatórios. Recurso especial não conhecido.”

Michell Nunes Midlej Maron 48


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Tema III

Admissibilidade de antecipação da tutela. Requisito geral: a prova inequívoca e a verossimilhança da


alegação. Requisitos especiais: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso do
direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Restrição à antecipação: a irreversibilidade.
Efetivação do provimento antecipatório. Processos e procedimentos em que é admissível a antecipação da
tutela. O pedido de antecipação e a decisão concessiva ou denegatória. Tutelas antecipadas em face da
Fazenda Pública. Requerimento de suspensão dos efeitos das decisões judiciais (Lei nº 8.437/92).

Notas de Aula46

1. Antecipação de tutela

Como é cediço, a antecipação da tutela não se confunde com o julgamento


antecipado da lide. Nesse evento, do artigo 330 do CPC, a sentença é proferida desde logo,
por estar presente uma das condições ali arroladas: há cognição exauriente antecipadamente
realizada. Na antecipação da tutela, a cognição é sumária, e a decisão é interlocutória.

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: (Redação


dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

46
Aula ministrada pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 13/10/2010.

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II - quando ocorrer a revelia (art. 319). (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973).”

O juiz, na antecipação da tutela, adianta a produção dos efeitos que se quer da


prestação jurisdicional final. É uma tutela satisfativa de adiantamento dos efeitos
perseguidos no processo.
A eficácia declaratória de uma sentença não pode ser antecipada; as consequências
dessa declaração, no entanto, poderão ser antecipadas, se for o caso. Quanto à eficácia
constitutiva, da sentença constitutiva, porém, também não é possível a antecipação, em
regra. Novamente, cabe a ressalva de que as consequências da sentença constitutiva podem,
por vezes, serem antecipadas. Há casos em que a lei permite expressamente a antecipação
dos efeitos de uma sentença constitutiva, como na fixação dos aluguéis provisórios em
ações revisionais, por exemplo. A antecipação da eficácia da sentença condenatória, por seu
turno, é perfeitamente admissível, havendo mesmo quem, por ser de fato a regra geral,
chame o instituto de “antecipação da condenação”.
Pode requerer a antecipação da tutela o autor, em regra. O assistente da parte autora,
segundo Nelson Nery, pode também requerer a antecipação, seja ele assistente simples ou
litisconsorcial. Para Cassio Scarpinella, somente o assistente litisconsorcial tem essa
legitimidade, porque é também titular do direito demandado; para ele, o assistente simples
somente teria legitimidade na hipótese em que o réu se quedasse revel, quando o assistente
simples atua como substituto processual.
O MP, como parte autora, claramente pode pedir antecipação de tutela; como custos
legis, porém, há controvérsia: Cassio Scarpinella entende que pode, por ser parte de suas
atribuições promover a eficácia do direito; Câmara, por seu turno, diz que não, eis que
fiscal da lei não é parte da demanda.
O réu poderá pedir antecipação da tutela quando puder deduzir pretensão, o que
acontece quando é reconvinte ou quando pode deduzir pedido contraposto. Na contestação
de uma ação dúplice, em que a improcedência favorece o réu com alteração de sua situação
fática, também poderia haver esse pedido, peculiarmente um pedido de “antecipação da
tutela de improcedência”, por assim dizer. Seria o caso de uma ação de prestação de contas,
em que a segunda sentença pode ser condenatória do autor ao pagamento de diferenças ao
réu: pode este requerer que a sentença seja antecipada para condenar o autor a tal
pagamento, ou alguma providência que resguarde, em tutela de urgência, o direito que o réu
diz ter, e convence o juízo de sua verossimilhança.
Os requisitos da antecipação de tutela estão no artigo 273 do CPC, já visto, mas que
precisa ser revisitado:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei
nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído
pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as
razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

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EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de


irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de
13.12.1994)
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua
natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação
dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em
decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final
julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei
nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)”

Os requisitos gerais estão no caput; os especiais, nos incisos I e II. O primeiro


requisito geral é o requerimento da parte, o que suscita a discussão se é possível a
concessão de ofício ou não. A maioria da doutrina reputa impossível, mas a jurisprudência
tem admitido, especialmente quando a concessão é feita na sentença. Há que se dizer que a
concessão de ofício pode gerar uma dificuldade ao menos em um aspecto: o da
responsabilidade por eventuais prejuízos que a antecipação de tutela acarrete. Isso porque,
revogada a antecipação, se houver danos, o autor será imputado, mas se a concessão foi de
ofício, como se lhe imputar algo que não requereu? Essa dificuldade é um bom argumento
para defesa de que o requerimento é requisito geral imprescindível.
Segundo requisito geral, presente no caput, é a prova inequívoca e o convencimento
da verossimilhança das alegações, o que, na verdade, é uma coisa só: se há prova
inequívoca, há convencimento de verossimilhança; se não há prova inequívoca, não há
convencimento de verossimilhança. Além disso, essa prova “inequívoca”, em verdade, na
leitura literal, se trata de uma prova incontestável, o que levaria a um juízo de certeza, mais
do que mera verossimilhança. A leitura é a seguinte, portanto: diante das provas
produzidas, se há verossimilhança, é possível a antecipação de tutela.
Somando-se aos requisitos gerais do caput, há que se apresentar um dos requisitos
especiais, do inciso I ou II do artigo supra. O inciso I é o clássico periculum in mora. Esse
requisito difere bastante quando se o analisa na antecipação de tutela e na cautelar: na
antecipação, satisfativa, há perigo de perecimento do próprio direito do autor; na cautelar, o
perigo de perecimento é da eficácia da tutela jurisdicional. Há, aqui, o que se chama de
tutela de urgência propriamente dita.
No inciso II, o requisito especial não tem relação com perigo de perecimento de
direitos. Ali está presente a possibilidade de antecipação quando houver abuso do direito de
defesa ou manifesto propósito protelatório. Nesse caso, mais do que tutela de urgência, há
aqui o que se chama de tutela de evidência, ou tutela sanção, porque o réu não está
enfrentando efetivamente o mérito do que se lhe imputa.
Há menos discricionariedade na concessão dos efeitos da tutela do que se imagina.
Uma vez presentes os requisitos, e sendo a concessão reversível, o juiz deve concedê-la,
sob pena de estar pondo em risco o direito pretendido ao final. Deve-se observar justamente
a chance de ocorrer a irreversibilidade reversa, ou reflexa, ou seja, quando a não concessão

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

puder resultar em um prejuízo irreversível à parte autora: se assim for percebido, o juiz
deve proteger o direito do autor, concedendo a medida – mesmo que a medida concedida
seja faticamente irreversível.
Entenda-se com um exemplo: um pedido antecipatório de uma transfusão de sangue
é fisicamente irreversível, se concedido – o sangue não poderá ser devolvido pelo autor –;
contudo, a não concessão também pode gerar dano irreversível a esse autor – a sua morte.
Sendo assim, o juiz, ponderando os valores – a vida do autor e o prejuízo material do réu –,
deverá conceder a medida, pois a irreversibilidade da não concessão é mais gravosa do que
a irreversibilidade da concessão.
Assim, em regra a reversibilidade é exigida, mas quando se estiver diante de
possível irreversibilidade reversa, a ponderação deve ser feita, e a concessão de medida
irreversível deve ser operada.
O § 3º do artigo 273 do CPC encaminha o cumprimento da medida antecipatória de
pagamento ao artigo 588 do CPC, mas com a revogação desse, a norma passa a ser
remetida parta o artigo 475-O do mesmo diploma, já transcrito, que trata a execução
provisória de obrigação de pagar. Se for obrigação de fazer ou não fazer, o rito a ser
seguido é o do cumprimento provisório desse tipo de obrigação, e o mesmo se dá com as
obrigações de dar coisa diferente de dinheiro.
O momento de concessão da antecipação de tutela pode ser qualquer um até a
sentença. Em regra, é necessário o contraditório, porém, pelo que a concessão antes da
citação é excepcionalíssima (mas possível, a depender do grau de urgência e
verossimilhança).
A concessão pode se dar na sentença, quando se presta ao afastamento do efeito
suspensivo de uma eventual apelação, como já se adiantou.
A antecipação da tutela pode ser deferida em fase recursal, mas é importantíssimo
salientar que ali se pleiteará a antecipação dos efeitos da decisão que será proferida no
recurso, porque a pretensão já foi enfrentada, de forma exauriente, na sentença. Na fase
recursal, portanto, a dinâmica da antecipação é exatamente idêntica à da primeira fase, mas
com a diferença de que o que se pede é que antecipe o efeito do provimento do recurso.
O § 6º do artigo 273 do CPC estabelece uma inovação bastante positiva: a
antecipação dos efeitos da tutela em relação à parte incontroversa do pedido, a partir da
contestação. Veja que, nesse caso, os requisitos para a antecipação são totalmente
diferentes: não se exige prova inequívoca que indique verossimilhança, porque sendo
matéria incontroversa, a cognição se exauriu; também não se exige abuso do direito de
defesa. Tecnicamente falando, portanto, essa decisão que antecipa a tutela é, na verdade,
um julgamento antecipado, travestido de antecipação de tutela, é formalmente uma tutela
antecipada, desafiando agravo de instrumento.
O maior detalhe é que essa antecipação de tutela de matéria incontroversa é decisão
definitiva, irreversível (senão por recurso), e poderá ser executada na forma do
cumprimento definitivo. Essa matéria não poderá ser alterada ou revogada pelo juiz.
O § 7º do artigo 273 do CPC trata da fungibilidade entre a providência antecipatória
e a cautelar. A distinção entre antecipação e cautelar está na mira do que alvejam: a
antecipação se destina a garantir o direito material em foco, satisfazendo-o
antecipadamente; a cautelar, pretende assegurar a eficácia da tutela jurisdicional, e não
satisfazer o próprio direito em disputa.

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Ocorre que essa distinção entre objetos não é sempre evidente em casos concretos,
pelo que o legislador preferiu garantir uma maior efetividade do processo, prevendo que
haja fungibilidade entre os institutos, quando requerida uma a antecipação de tutela que, na
verdade, é uma providência cautelar: o juiz poderá receber como pedido de medida cautelar
aquele pedido de antecipação de tutela.
A transformação da antecipação de tutela em cautelar é possível, mas e o oposto?
Haveria uma via de mão dupla, em que pode o juiz reconhecer, em uma cautelar autônoma,
a natureza satisfativa do provimento requerido, e transformá-la numa antecipação de tutela,
recebendo o pedido como se fosse uma inicial cognitiva com pedido de antecipação de
tutela?
Parte da doutrina dizia que sim: havia essa via de mão dupla, segundo Cândido
Rangel Dinamarco. Todavia, esse entendimento, que sempre foi minoritário, agora inexiste,
pois até mesmo esse autor alterou sua visão sobre o tema, como já se viu anteriormente.
A fungibilidade não esbarra no quesito negativo do erro grosseiro, como ocorre na
fungibilidade recursal. Aqui, mesmo que o requerente erre grosseiramente, pedindo
antecipação de tutela quando é claramente caso de cautelar, não há óbice à fungibilidade.

1.1. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública

Muito já se discutiu sobre a possibilidade ou não de se antecipar os efeitos da tutela


quando o réu é a Fazenda Pública. Além das vedações legais que já existiram, e ainda
existem, há o argumento de que quando a Fazenda sucumbe, há necessidade de reexame
obrigatório para que possa haver produção de efeitos, o que impediria que a decisão
antecipasse tais efeitos. Outro argumento contra a antecipação em face da Fazenda é o de
que o cumprimento de obrigações de pagar é feito pelo rito dos precatórios, o que impediria
o pagamento antecipado.
As restrições legais às liminares contra a Fazenda, porém, existem, e mesmo que
haja quem entenda que são inconstitucionais – por violação à efetividade e à
inafastabilidade do Judiciário –, devem ser observadas, especialmente após a resolução,
pelo STF, da ADC 4, em que se discutiu justamente a constitucionalidade de tais restrições
e na qual fora concedida liminar para mantê-las no ordenamento, por considerá-las
constitucionais. Em 2008, julgou-se o mérito dessa ADC, confirmando a liminar, conforme
se vê na notícia do informativo 522 do STF:

“ADC 4 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY
SANCHES. Julgamento: 11/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 21-05-1999.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI
N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR:
CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA
CONCESSÃO. 1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, da 10.09.1997: "Art. 1º .
Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo
Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de
junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos
arts. 1º , 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." 2. Algumas instâncias
ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda
Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando


constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é admissível Ação
Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da
C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão
prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de
Processo Civil. 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos
termos do art. 102, § 2º , da C.F. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder
medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura
decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de
medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar.
Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade jurídica na argüição de
constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC
- 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face
da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que,
apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de
acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de
servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o
precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças
noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram. 8.
Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex
nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de
tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de
10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já
proferidas, nesse sentido.”

“Informativo 522, STF. Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública - 2


Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em
ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e
pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a
constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 ("Aplica-se à tutela antecipada
prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e
seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º
da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de
junho de 1992.") - v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a
jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder
geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a
referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º,
XXXV). O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus
fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao
mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser
revogada pelo legislador ordinário. Asseverou que seria uma contradição afirmar
que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse
ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das
sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas
pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a
Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em
conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a
viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o
Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela
antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer
limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado,
presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame
não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de
jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as
respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os
embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda
Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes
incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min.
Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida
provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e
declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que
o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello,
1º.10.2008. (ADC-4).”

As restrições à liminar contra a Fazenda, portanto, são constitucionais. Vale


mencionar, porém, que essas restrições existem em leis pontuais, sendo que dessas as leis
4.348/64 e 5.021/66 foram revogadas pela Lei 12.016/09, que regulamenta o mandado de
segurança hoje, e assim dispõe no artigo 29:

“Art. 29. Revogam-se as Leis nos 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4


de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de
1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1o da Lei no
6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e
o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. “

Dessarte, as restrições que constavam dessas leis revogadas não mais persistem,
mesmo que fossem consideradas, quando vigentes, constitucionais. Vige, portanto, a
restrição do artigo 1º da Lei 8.437/92, específico para as cautelares, mas também aplicável
às antecipatórias pela referência do artigo 1º da Lei 9.494/97. Veja, pela ordem:

“Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no
procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou
preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações
de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a
sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de
segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e
de ação civil pública.
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o
objeto da ação.
§ 4° Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao
dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será
imediatamente intimado. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos
tributários ou previdenciários. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de
2001).”

“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de
Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de
26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e
nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.”

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Sendo concedida medida de urgência contra a Fazenda, poderá essa pleitear ao


presidente do respectivo tribunal a suspensão da medida de urgência, seja essa medida
cautelar ou antecipatória, quando demonstrar que há risco à ordem, saúde, segurança.
economia pública, ou em caso de flagrante ilegitimidade do provimento jurisdicional de
urgência ou manifesto interesse público na sua suspensão.
Segundo Marinoni, a suspensão da tutela não poderá ser requerida quando se tratar
de uma tutela sanção, a tutela de evidência que se mencionou, concedida por ocorrência do
abuso de defesa ou intento procrastinatório. Se foi concedida na sentença, também não
caberia pedido de suspensão, assim como quando se tratar da liminar baseada no
reconhecimento do pedido, do artigo 273, § 6º, do CPC.

Casos Concretos

Questão 1

João intentou, em face de determinado clube recreativo, ação ordinária postulando


a declaração de nulidade que, em assembléia, o excluiu do quadro de sócio. Sustentando
haver prova inequívoca dos fatos e verossimilhança em suas alegações, pleiteou a
concessão da antecipação da tutela para garantir a sua frequência às dependências do
clube. Sendo você o juiz da causa, decida a questão, fundamentadamente.

Resposta à Questão 1

A tutela pode ser concedida, por força do artigo 273 do CPC, desde que haja o
fumus boni juris e o periculum in mora, bem como a presença de prova inequívoca de que
haja verossimilhança daquelas alegações, ou do abuso do direito de defesa do réu. No caso
em exame, não estão todos presentes, porque o autor não sofrerá prejuízo em aguardar o
provimento final – não há periculum in mora.

Questão 2

Em ação de reparação de danos morais cumulada com cumprimento de obrigação


de fazer, o magistrado antecipou os efeitos da tutela para determinar ao réu, empresa
jornalística, sob pena de multa diária, a publicação de retratação em seu jornal escrito,

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

uma vez que teria sido veiculada matéria ofensiva à pessoa do autor, havendo prova
inequívoca de que os fatos não se passaram como noticiado.
Em agravo de instrumento contra a referida decisão, a empresa jornalística
sustenta a irreversibilidade da medida concedida. Analise a questão.

Resposta à Questão 2

Veja o seguinte julgado:


“Processo : 0009129-20.2006.8.19.0000 (2006.002.08635). 1ª Ementa - AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DES. MARIA AUGUSTA VAZ - Julgamento: 04/07/2006 -
PRIMEIRA CAMARA CIVEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE REPARAÇÃO DE
DANO MORAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, CONSITENTE
NA PUBLICAÇÃO DE RESPOSTA A MATÉRIA PUBLICADA POR VEÍCULO
DE COMUNICAÇÃO. A concessão de tutela antecipada inaudita altera parte só se
justifica quando houver ameaça a bens jurídicos inerentes à personalidade e
protegidos pela Constituição Federal, como a vida, a incolumidade física e a
liberdade. Tratando-se de resposta a matéria jornalística e havendo, como há, a
alegação de que já houve a publicação da resposta encaminhada ao jornal, alegação
que não foi pela magistrada considerada em sua decisão, não se vislumbra para o
autor da ação dano irreparável, porque, em ficando comprovada a afronta e que
ainda não houve qualquer reparação, determinará o juiz o atendimento aos pedidos
formulados na ação. Por outro lado, o imediato atendimento do pleito de
publicação de matéria redigida pelo próprio autor da ação, devendo ainda ser
examinada a alegação de que já foi concedida a resposta, esgota a matéria, dado o
seu inegável caráter satisfativo. Assim, estando demonstrada a irreversibilidade da
medida concedida, não deve prevalecer, nos termos do § 2º. do artigo 273 do CPC.
Dá-se provimento ao recurso.”

Questão 3

Tício, comandante de aviões comerciais, foi afastado de suas funções em razão de


alcoolismo. Há anos, ele possuía seguro com previsão de pagamento de considerável
quantia no caso de invalidez para o trabalho em decorrência de moléstia incapacitante.
O seguro recusou-se a pagar o valor previsto na apólice, usando o argumento de que a
dipsomania não é doença. Tício ingressou com ação condenatória e requereu a
antecipação da tutela para o pagamento do valor devido, já que, com os parcos recursos
hauridos da pensão previdenciária (INSS), ele não conseguia fazer frente às despesas com
o tratamento para se livrar do mal, o que se afigurava urgente.
Devidamente citada, a Seguradora impugna o pedido de antecipação da tutela
argüindo a irreversibilidade da medida, se deferida, considerando que se tratava de
dinheiro a ser entregue ao doente, que seria certamente consumido, sem qualquer garantia
de retorno no caso de improcedência do pedido principal. Decida.

Resposta à Questão 3

A consequência de não ser concedida a medida antecipatória é o dano irreversível


ao autor, hipótese de irreversibilidade reversa que autoriza a concessão. O seguro deve ser

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

pago ao beneficiário, eis que estão presentes os requisitos dessa antecipação, ponderando-se
os riscos da não concessão com os riscos da concessão, prevalecendo o direito do autor.

Questão 4

Mévio foi mordomo por mais de quarenta anos na casa de família da alta sociedade
de São Paulo. Com a morte do patriarca, já viúvo, os filhos e herdeiros do de cujus
permitiram a estada do empregado por mais dois anos no local, até que ele encontrasse
outra morada.
Após o decurso do prazo, Mévio não se mudou da casa, e se recusou a dela sair
para que os herdeiros providenciassem a venda da propriedade.
Diante dessa situação, eles propuseram ação de reintegração de posse, requerendo
a antecipação da tutela, com base no inciso II, do artigo 273, do CPC.
É possível a antecipação da tutela no caso?

Resposta à Questão 4

Sim, não há qualquer óbice a essa antecipação de tutela para imissão na posse dos
herdeiros. É insustentável a pretensão do empregado em se manter na posse, sendo devida a
liminar possessória antecipatória.

Questão 5

O Estado do Rio de Janeiro interpôs agravo de instrumento contra decisão do Juízo


da 1ª Vara da Fazenda Pública que, no âmbito da ação ajuizada por Fátima, professora
aposentada, concedeu antecipação de tutela, para garantir a percepção imediata do
adicional de magistério, a título de reajuste de seus vencimentos.
Argumenta o ilustre procurador que a lei 9.494/97, em seu art. 1º, veda a concessão
de tutelas de urgência contra a Fazenda Pública, além de determinar, em seu art. 2º-B, que
a sentença que tenha por objeto a concessão de aumento ou extensão de vantagens a
servidores só possa ser executada após seu trânsito em julgado, o que só será possível
após o reexame necessário, de acordo com o art. 475, I do CPC. Ressalta, ainda, que não
cabe a antecipação de tutela contra Fazenda porque a execução contra ela é feita de forma
especial e com obediência ao disposto nos arts. 730 do CPC e 100 da Constituição
Federal.
Assiste razão ao recorrente? Por quê?

Resposta à Questão 5

Os argumentos da Fazenda, aqui, são errôneos: não há restrições legais vigentes


contra a concessão da antecipação dos efeitos, no caso concreto, nem mesmo por
interpretação extensiva, que sequer é cabível, por ser a vedação uma exceção.
Veja os seguintes julgados:
“Processo : 0040056-08.2002.8.19.0000 (2002.002.13708). 1ª Ementa - AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DES. SERGIO CAVALIERI FILHO - Julgamento:
18/09/2002 - SEGUNDA CAMARA CIVEL.

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

TUTELA ANTECIPADA. Possibilidade Contra a Fazenda Pública. Não se


tratando de reclassificação ou de equiparação de servidores públicos, e nem ainda
de concessão de aumento ou extensão de vantagem funcional, é possível a
concessão de tutela antecipada contra a Fazenda. E não se cuidando de sentença
definitiva, mas de simples decisão interlocutória, cuja força e efeito longe se
acham da coisa julgada, o princípio do duplo grau de jurisdição forçado não
impede, igualmente, o deferimento da tutela antecipada.”

“REsp 171258 / SP. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro ANSELMO


SANTIAGO. Órgão Julgador - SEXTA TURMA. Data do Julgamento 10/11/1998.
Data da Publicação/Fonte DJ 18/12/1998 p. 425.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - FAZENDA
PÚBLICA - LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA
RELAÇÃO - ARTS. 273 E 475, II, DO CPC.
1. Os comandos dos arts. 273 e 475, II, do CPC, não afastam a possibilidade da
concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública.
2. Recurso não conhecido.”

Questão 6

Trata-se de ação civil pública proposta pelo MPF, em face de Cia. de Seguros.
Proferida decisão interlocutória de antecipação dos efeitos da tutela em desfavor da parte
demandada, esta interpôs o recurso de agravo de instrumento para impugnar a
antecipação, bem como para aduzir a ilegitimidade ad causam ativa, rechaçada pelo
magistrado.
Quando do recebimento do recurso pelo relator, este negou seguimento ao recurso,
sob o fundamento de perda de objeto. O fato é que, antes do recebimento do recurso, já
havia sido proferida sentença de mérito.
Pergunta-se: O advento da sentença de mérito inviabiliza o conhecimento e o
julgamento do recurso de agravo no caso concreto acima descrito? Fundamente.

Resposta à Questão 6

Veja o REsp. abaixo, e sua notícia no informativo 418 do STJ:

“REsp 1074149 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relatora Ministra NANCY


ANDRIGHI. Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento
01/12/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 11/12/2009.
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO CONCESSIVA DE
PEDIDO LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO PRINCIPAL
SENTENCIADA. PERDA DE OBJETO. AGRAVO QUE DISCUTE TAMBÉM
QUESTÃO RELACIONADA ÀS CONDIÇÕES DA AÇÃO. IRRELEVÂNCIA.
- Em regra, sentenciada a ação principal, perde o objeto o agravo de instrumento
interposto contra a decisão que concede ou nega a antecipação dos efeitos da tutela
ou o pedido liminar. Precedentes.
- Nessa circunstância, é irrelevante o fato do agravo de instrumento insurgir-se
também contra alguma das condições da ação, pois essa matéria pode ser
devolvida ao Tribunal em sede de preliminar na apelação. Ademais, em se tratando
de questão relativa às condições da ação, cognoscível de ofício em qualquer tempo
e grau de jurisdição nos termos do art. 267, § 3º, do CPC, mesmo que não tenha
sido incluída nas razões daquele recurso, poderá ser levada posteriormente ao
conhecimento do Tribunal. Não há, pois, que se cogitar de cerceamento de defesa.

Michell Nunes Midlej Maron 59


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Recurso especial não provido.”

“AG. CONDIÇÕES. AÇÃO PRINCIPAL. SENTENÇA.


A questão está em determinar se a prolação de sentença no processo principal
acarretou a perda de objeto do agravo de instrumento tirado de decisão
interlocutória que concedeu pedido de liminar. As recorrentes alegam inexistir
motivo para negar seguimento ao agravo de instrumento com fulcro no art. 557 do
CPC, pois aquele recurso tinha por objeto, além da reforma que deferiu a liminar
requerida pelo MPF, a análise de questões jurídicas relevantíssimas à causa que,
com a prolação do acórdão recorrido, não foram examinadas em segundo grau. A
Min. Relatora destacou que o entendimento deste Superior Tribunal é que, em
regra, sentenciada a ação principal, perde o objeto o agravo de instrumento
interposto contra a decisão que concede ou nega a antecipação dos efeitos da tutela
ou o pedido de liminar. Todavia, a hipótese dos autos traz em si uma peculiaridade,
consistente no fato de que o agravo não se limitou a questionar a concessão da
liminar, também se insurgiu contra a legitimidade do MPF e da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS) para figurarem, respectivamente, nos polos ativo e
passivo da ação. A Min. Relatora entendeu que, nessa circunstância, é irrelevante o
fato de o agravo de instrumento insurgir-se também contra alguma das condições
da ação, pois essa matéria pode ser devolvida ao Tribunal em preliminar na
apelação. Ademais, em se tratando de questão relativa às condições da ação
cognoscível de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, nos termos do art.
267, § 3º, do CPC, mesmo que não tenha sido incluída nas razões daquele recurso,
poderá ser levada posteriormente ao conhecimento do Tribunal, não havendo, pois,
que se cogitar de cerceamento de defesa. Precedentes citados: AgRg no REsp
899.315-PR, DJe 7/2/2008; REsp 745.748-PR, DJ 23/11/2007; REsp 946.880-SP,
DJe 31/3/2008, e REsp 991.208-PR, DJe 4/8/2008. REsp 1.074.149-RJ, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 1º/12/2009.”

Esse posicionamento não é pacífico, como se vê no EREsp. 765.105, mais recente,


noticiado no informativo 427 dessa Corte:

“EREsp 765105 / TO. EMBARGOS DE DIVERGENCIA EM RECURSO


ESPECIAL. Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO. Órgão Julgador:
CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento: 17/03/2010. Data da Publicação/Fonte:
DJe 25/08/2010.
Ementa: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE CONCEDE TUTELA
ANTECIPADA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO
CONFIRMANDO A TUTELA. PERDA DO OBJETO. INOCORRÊNCIA.
1. A superveniência da sentença de procedência do pedido não prejudica o recurso
interposto contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela.
2. Embargos de divergência rejeitados.”

“JULGAMENTO. MÉRITO. AGRAVO. ANTECIPAÇÃO. TUTELA.


Trata-se de embargos de divergência opostos contra acórdão que, ao julgar o REsp,
considerou que a sentença de mérito superveniente não prejudica o julgamento de
agravo de instrumento interposto contra a tutela antecipada. A matéria não está
pacificada, e a divergência situa-se entre julgados de todas as Seções deste
Superior Tribunal. Para o Min. Relator, que liderou a tese vencedora, realmente a
superveniência da sentença de procedência do pedido não torna prejudicado o
recurso interposto contra a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela,
é que a aludida tutela não antecipa simplesmente a sentença de mérito, mas
antecipa a própria execução dessa sentença que, por si só, não produziria os efeitos
que irradiam da tutela antecipada. Nesse sentido, aponta a própria lei processual

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vigente, o art. 273, § 3º (com a redação dada pela Lei n. 8.952/1994), bem como o
item III e parágrafo único do art. 588 (citado no art. 273, § 3º, do CPC) em sua
redação anterior à Lei n. 11.232/2005 e, por fim, referiu-se à regra do pedido de
cumprimento de sentença constante do art. 475-O, II, III, § 1º (incluído pela Lei n.
11.232/2005). Por outro lado, para a tese vencida, não haveria dúvida de que,
processualmente, estaria prejudicado o julgamento do agravo de instrumento
interposto contra a decisão deferitória da liminar, uma fez que ela esgotou
inteiramente a função para a qual foi deferida no processo. Pois as medidas
liminares, tanto as antecipatórias quanto as tipicamente cautelares, são
provimentos jurisdicionais com características e funções especiais, além de
desempenharem funções temporais, ao contrário dos provimentos finais, como as
sentenças. Assim, dava provimento aos embargos de divergência e confirmava a
decisão do tribunal a quo. Nesse contexto, a Corte Especial, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, rejeitou os embargos de divergência. Precedentes citados:
REsp 546.150-RJ, DJ 8/3/2004 e AgRg no Ag 470.096-RJ, DJ 13/10/2003. EREsp
765.105-TO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgados em 17/3/2010.”

Tema IV

A ação cautelar. Finalidade. Natureza jurisdicional do processo cautelar. Características dos provimentos
cautelares: a instrumentalidade; a provisoriedade; a acessoriedade; a revogabilidade; a autonomia; a
fungibilidade. Processo cautelar, procedimento cautelar e tutela cautelar. Requisitos da tutela cautelar: o
fumus boni iuris e o periculum in mora. A concessão ex officio. Classificação do processo cautelar
(preparatório e incidental) e do procedimento cautelar (típico e atípico).

Notas de Aula47

1. Ação cautelar

A cautelar se presta a assegurar a efetividade do provimento jurisdicional que será


proferido num processo de conhecimento ou execução. É isso que a diferencia das tutelas
antecipadas, eis que na cautelar não se busca satisfazer o direito material que se alega.
A natureza da cautelar é não satisfativa, e é duplamente instrumental, é um
instrumento do instrumento – se presta a que o processo adiante entabulado, que é um
instrumento em si, possa ser efetivo ao final. Seja preventiva, seja incidental, a cautelar é
sempre dependente do processo principal, respectivamente o que será proposto ou o que já
está em curso.

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Aula ministrada pelo professor Sérgio Mandelblatt, em 13/10/2010.

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Outra característica da cautelar, além da instrumentalidade, é sua provisoriedade: a


tutela cautelar sempre terá duração temporária, eis que ao final será sempre exaurida
quando o provimento jurisdicional de direito material for prolatado.
Terceira característica da cautelar é a acessoriedade, pois, como dito, não tem
propósito algum em existir senão para garantir que outro processo, o principal, seja efetivo
ao final.
A revogabilidade da cautelar é outro requisito dessa espécie, porque todo
provimento cautelar pode ser deposto pelo juízo que o prolatou.
O processo cautelar é autônomo, mesmo sendo acessório: é um tipo de processo
diferente do processo de conhecimento ou execução do qual é acessório. Veja que a medida
cautelar, a providência em si, pode ser concedida no curso de um processo de
conhecimento ou execução, quando então não há autonomia, mas o processo cautelar, esse
sim é um tipo autônomo.
A fungibilidade entre medidas cautelares é ampla, pois pode o juízo deferir medida
diferente da requerida pelo interessado, sempre que perceber necessidade. Veja o artigo 798
do CPC:

“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula
no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

Não se confunde, essa fungibilidade, com aquela já vista entre as cautelares e a


antecipação de tutela, do artigo 273, § 7º, do CPC.
Além do procedimento cautelar geral, destinado a operacionalizar os pedidos
cautelares inominados, há diferentes procedimentos cautelares específicos, nominados no
CPC.
A medida cautelar é a providência; o processo, o instrumento. É possível que a
medida cautelar seja deferida em processo de conhecimento, ou seja, pode haver medida
cautelar sem processo cautelar.
A cautelar precisa do periculum in mora tal qual na antecipação de tutela. Já no que
diz respeito ao fumus boni juris, não há a mesma exigência de verossimilhança tão
profunda quanto há na antecipação de tutela: basta que haja a plausibilidade do direito que
o autor afirma, calcada em um mínimo probatório, e não em uma prova inequívoca. A
fumaça do bom direito pode ser menos densa, na cautelar, do que na antecipação de tutela.
O processo cautelar tem mérito, qual seja, exatamente a verificação da presença de
seus requisitos, permitindo a concessão da medida. Presentes os elementos autorizadores da
cautela, a sentença deve ser de procedência do pedido, porque enfrentou o mérito.
A medida cautelar pode ser concedida de ofício, o que se depreende da possibilidade
de concessão de liminares sem oitiva das partes – alheio à atenção de ambas, e não só do
réu –, como se vê no artigo 797 do CPC:

“Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei,


determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.”

Esse artigo fundamenta o poder geral de cautela do juiz. Critica-se a redação desse
dispositivo, porque ali há, na verdade, dois casos possíveis de concessão de medidas
cautelares de ofício: quando for excepcionalmente necessária, e quando for prevista em lei.

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Entender que são cumulativos os requisitos é uma incoerência: se se exigir que para
determinar essa cautela de ofício o caso precise ser excepcional e previsto em lei, inexistirá
caso que assim o seja, porque se o evento chegar a estar previsto em lei, é porque é
recorrente no mundo fático, e por isso não é mais excepcional. Nesse sentido, por todos,
Alexandre Câmara.
Há previsões legais de medidas cautelares de ofício nos artigos 1.001 e 1.018 do
CPC:

“Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no
inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez)
dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios
ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro
excluído até que se decida o litígio.”

“Art. 1.018. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de


pagamento feito pelo credor, será ele remetido para os meios ordinários.
Parágrafo único. O juiz mandará, porém, reservar em poder do inventariante bens
suficientes para pagar o credor, quando a dívida constar de documento que
comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em
quitação.”

Exemplo de medida cautelar deferida de ofício por excepcionalidade seria o da


caução imposta para aquele que obteve uma antecipação de tutela poder efetivá-la – a
contracautela é medida assecuratória imponível ex officio.
Calmon de Passos entende que somente quando a cautelar visar a assegurar direitos
indisponíveis essa poderá ser concedida de ofício, porque a atividade julgadora sem
provocação só é admissível quando assim o for. É posição isolada, porém, vez que se
entende que é um dever do Estado manter a efetividade da tutela que será prestada em seu
monopólio jurisdicional, pelo que, em cumprimento a esse dever, é possível a medida
cautelar ex officio, em qualquer caso.
A cautelar, como dito, pode ser preventiva, preparatória, se vier proposta antes do
processo principal de conhecimento ou execução; ou pode ser incidental a esses
procedimentos principais, quando vier após o início desses.

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Casos Concretos

Questão 1

Defina e distinga tutela cautelar, tutela antecipatória e julgamento antecipado da


lide.

Resposta à Questão 1

O que distingue a cautelar da antecipatória é o objeto: a cautelar pretende assegurar


a efetividade do provimento jurisdicional material futuro; a antecipatória pretende a entrega
antecipada do próprio provimento material que se quer ao final.
Ambas distinguem-se do julgamento antecipado da lide por conta da sua
profundidade: a cognição das tutelas de urgência é sumária, enquanto a antecipação do
julgamento é justamente porque não há mais cognição a ser feita, tendo essa se exaurido.

Questão 2

No curso de processo de conhecimento que tramitava pelo rito comum ordinário, o


magistrado, com vistas a assegurar a estabilidade e preservação de uma situação de fato
sobre a qual iria incidir a prestação jurisdicional, determina a realização de medida
cautelar assecuratória.
O réu, irresignado, peticiona para requerer ao magistrado a revogação da medida
em razão da flagrante violação do princípio da inércia da jurisdição (art. 2° c.c. 128

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ambos do CPC), uma vez que não houve requerimento do autor quanto à medida cautelar
concedida.
Decida fundamentadamente, com destaque para a possibilidade ou não de
concessão de medidas cautelares ex officio.

Resposta à Questão 2

Veja as citações doutrinárias abaixo sobre o princípio da inércia:

“Esse princípio dogmático vigora também, como norma geral, no campo da tutela
cautelar. Sofre, contudo, abrandamento em duas circunstâncias peculiares aos
juízos de segurança ou prevenção, a saber: a) pela previsão excepcional de
medidas cautelares ex officio (art. 797); e b) pelo poder reconhecido,
implicitamente, ao juiz de modificar a medida cautelar que lhe foi requerida pela
parte, ou de eleger a medida que julgar adequada diante do caso concreto (arts. 798
e 807). A permissão, porém, de medidas cautelares de ofício encontra rigorosas
limitações no direito positivo. O art. 797 só as admite em 'casos excepcionais' e
desde que 'expressamente autorizados por lei. Esse poder nunca compreende o de
abrir um verdadeiro processo cautelar; mas apenas consiste em tomar medidas
cautelares avulsas, dentro de outros processos já existentes, em situações
adredemente reguladas pela lei." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de
Direito Processual Civil, Vol. III, 41ª ed: Forense).”

“A medida cautelar é a providência jurisdicional protetiva de um bem envolvido no


processo; o processo cautelar é a relação jurídica processual, dotada de
procedimento próprio, que se instaura para a concessão de medidas cautelares...
nem todas as medidas cautelares são determinadas ou deferidas em processo
cautelar. Algumas delas podem ser determinadas dentro do próprio processo de
conhecimento ou de execução (como, p. ex., o arresto do art. 653).(p. 152, GRECO
FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 3° Volume. 13" Ed. São Paulo:
Saraiva, 1999).”

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Tema V

As chamadas "ações cautelares satisfativas" e a nova releitura do assunto após a criação da tutela
antecipada. O art. 273, parágrafo 7º e o esvaziamento do processo cautelar. A permanência dos processos
cautelares tendentes à reunião de provas e aos inominados para efeito suspensivo a recurso e para
destrancamento de recursos constitucionais. Utilização de ação cautelar inominada em caso para o qual a
lei prevê o uso de ação cautelar nominada. Limites ao poder de cautela em relação ao Poder Público.

Notas de Aula48

1. Cautelar satisfativa e antecipação de tutela

O Livro III do CPC de 1973 veio dedicado ao processo cautelar, desde a sua
redação original. Nessa redação, não há qualquer menção aos provimentos antecipatórios,
as liminares antecipatórias de cunho satisfativo, dedicando-se o legislador apenas às
medidas assecuratórias, acautelatórias.
O processo cautelar, portanto, em sua essência, contemplou apenas uma tutela
dedicada à efetividade de outro processo, e não um objeto substancial próprio. Todavia,
com a praxe forense, os advogados perceberam que havia situações em que se necessitava
de mais do que isso, mais do que simplesmente resguardar a efetividade de um outro
processo: era preciso resguardar o próprio direito substancial. Com isso, os advogados
passaram a pleitear em juízo a proteção desse direito material, na tutela cautelar – que era a
única tutela urgente positivada –, criando o que se chama de “cautelar satisfativa”.

48
Aula ministrada pela professora Flávia Pereira Hill, em 14/10/2010.

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Como construção jurisprudencial, “quebra-galho” jurídico, o maior problema dessa


cautelar satisfativa era a insegurança jurídica: o cidadão ficaria sempre à mercê do
entendimento do juízo sobre a admissibilidade de tal providência. Diante dessa realidade
processual, portanto, o legislador bem andou quando, em 1994, promoveu a reforma que
introduziu no CPC o artigo 273, sede da antecipação de tutela, instrumento com escopo
verdadeiramente satisfativo:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,


os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei
nº 8.952, de 13.12.1994)
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído
pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as
razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de
13.12.1994)
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua
natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação
dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em
decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final
julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos
pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei
nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)”

Com essa previsão, criou-se uma resposta técnica à necessidade de tutela urgente
percebida na prática, além de incrementar a segurança jurídica para o jurisdicionado, que
não mais dependeria da tolerância do juízo à criação jurisprudencial da cautelar satisfativa.
Desde então, a doutrina passou a tecer bastantes estudos para definir a exata
distinção entre a cautelar e a tutela antecipada. Após tantas digressões, a distinção, hoje, é
clara: a antecipação da tutela é essencialmente satisfativa, enquanto a cautelar é
instrumental, assecuratória de outro processo, o principal; a tutela antecipada adianta os
efeitos de um provimento jurisdicional favorável ao direito do requerente, enquanto a
cautelar tutela a efetividade de outro processo, permitindo que ele opere seus devidos
efeitos ao final; a tutela antecipada protege o próprio direito material, enquanto a cautelar
protege a efetividade da justiça; a tutela antecipada é provisória, subsistindo até nova
decisão pautada em cognição exauriente, enquanto a cautelar é temporária, perdurando
apenas enquanto o risco existir, e não até que haja outra decisão; a tutela antecipada deve
ser preferencialmente reversível, enquanto a medida cautelar, por ser apenas assecuratória,
é essencialmente reversível.

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A medida cautelar não apresenta espécies, enquanto a tutela antecipada poderia ser
assecuratória, punitiva ou pautada na incontrovérsia, ou seja, quando a parte ré não
questionasse determinada pretensão, ela poderia ser desde logo entregue. Mesmo por isso,
um outro elemento distintivo que a doutrina costumava apontar era quanto aos requisitos
para provimento da medida requerida: para a cautelar, exige-se o fumus boni juris clássico e
o periculum in mora; para a antecipação de tutela, os requisitos variariam de acordo com a
tutela requerida, com a espécie de antecipação, se punitiva (abuso do direito de defesa),
assecuratória (risco ao direito material) ou por incontroversão (clara ausência de contra-
argumentos por parte do réu).
Todo esse panorama levou a uma exigência doutrinária e jurisprudencial de que os
advogados não se equivocassem na escolha da medida. Inicialmente intolerante com os
erros, a doutrina, porém, passou a admitir uma certa fungibilidade entre as tutelas. Araken
de Assis, na verdade, foi o primeiro a apregoar que ambas as tutelas, cautelar e
antecipatória, eram espécies de um mesmo gênero, integrando um só regime denominado
de tutelas de urgência.
Essa fungibilidade ganhou força com o passar do tempo, e o legislador achou por
bem adotá-la expressamente: em 2002 editou-se a Lei 10.444, que incluiu o § 7º no artigo
273 do CPC, supra, que como se vê consigna expressamente a fungibilidade nas tutelas de
urgência.
A fungibilidade, no entanto, precisa ser aplicada com certa parcimônia, segundo
Marinoni. A boa técnica deve sempre ser privilegiada, e o erro do advogado não deve ser
sempre ignorado pelo juízo. O magistrado deverá aplicar a fungibilidade apenas nos casos
em que ele perceber que o equívoco do advogado é fundado em uma dúvida razoável, em
uma casuística de difícil definição dos contornos do provimento esperado.
Acerca da fungibilidade, a doutrina admite-a em uma mão dupla: tanto o
requerimento de medida cautelar pode ser convertido, pelo juízo, em medida antecipatória,
como pode o provimento satisfativo ser convertido em medida cautelar. Alexandre Câmara,
ao contrário, não admite essa mão dupla, dizendo que só há fungibilidade da antecipação
satisfativa em cautelar, e não o inverso.
O projeto do novo CPC traz essa fungibilidade com ainda mais clareza, trazendo o
gênero, tutelas de urgência, expressamente em seu teor.

1.1. Requisitos para concessão das tutelas de urgência

Candido Rangel Dinamarco, já sob esse prisma da fungibilidade, defende que não
mais há diferenças entre os requisitos das tutelas antecipadas e das cautelares. Para ele, por
exemplo, o fumus boni juris deve ser medido em sua intensidade de acordo com o grau de
invasividade sobre o réu da medida requerida, e não de sua espécie: quanto mais invasiva a
medida, maior o aprofundamento probatório exigido pelo juiz para concessão da medida. É
assim que, por exemplo, uma medida de arresto, cautelar, pode representar muito mais
chance de dano para o réu do que uma antecipação de tutela de não fazer.
A jurisprudência, no entanto, trata o tema de forma um pouco diferente,
especialmente o STJ, Luiz Fux, por exemplo, tem julgados recentes em que deixa claro que
identifica uma gradação na intensidade probatória entre as medidas cautelares e as
antecipatórias: na cautelar, identifica fumus boni juris simples, enquanto na antecipação
entende que é exigido o fumus qualificado, mais profundo.

Michell Nunes Midlej Maron 68


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1.2. O suposto esvaziamento do processo cautelar

Com o implemento e reforço da fungibilidade, seria correto asseverar que o


processo cautelar caiu em desuso, esvaziando-se em sua utilidade?
A tutela antecipada, tecnicamente, deve ser pleiteada incidentalmente em um
processo de conhecimento, e a cautelar, tecnicamente, deve ser utilizada em um processo
cautelar, mesmo que haja um processo de conhecimento principal em curso: se o autor de
um feito cognitivo precisa de uma providência cautelar, tecnicamente deveria requerê-la em
um processo cautelar incidental.
É claro que essa situação acima, que é o que deveria ocorrer na técnica exata, não é
mais o que se dá na prática, por conta da fungibilidade. Se há um processo cognitivo
principal em curso, é muito mais coerente, porque mais célere e econômico, que o autor
peça a medida cautelar já no próprio processo, por meio de uma simples petição. E é por
isso que se tem entendido que o processo cautelar está, de fato, esvaziado, porque mesmo
que não seja a exata técnica jurídica, acaba por ser o mais correto, do ponto de vista da
economia e celeridade processuais.
Vale repisar, porém, que essa fungibilidade desmesurada não é admitida pela
doutrina e jurisprudência, o que significa que o processo cautelar ainda tem seu campo de
aplicação. Como dito, é preciso que haja uma razoabilidade na evocação da fungibilidade,
pelo que há casos em que haverá necessidade, sim, de cautelares. Uma hipótese de
utilidade, mais clara, é a da cautelar antecedente ao processo principal, que por vezes é a
melhor opção para resguardar o futuro provimento jurisdicional satisfatório, além de ser a
opção mais técnica.
Há ainda que se apontar, como exemplos do não tão severo esvaziamento das
cautelares, as medidas bem específicas, como a produção antecipada de provas, as
notificações, ou as cautelares nominadas. Um exemplo peculiar é o das cautelares
especificamente dedicadas a requerer efeito suspensivo em recursos excepcionais, ou o das
cautelares ajuizadas com escopo de destrancamento de recursos excepcionais.

1.2.1. Cautelar para obtenção de efeito suspensivo dos recursos

A cautelar para obter efeito suspensivo do recurso infraconstitucional não tem sido
admitida, ao menos no TJ/RJ, porque se entende que a parte deve interpor um recurso da
decisão que recebe o recurso original sem tal efeito suspensivo, justamente para obter esse
efeito. É o caso de, por exemplo, se interpor um agravo de instrumento da decisão que
recebe a apelação apenas no efeito devolutivo, como estabelece a parte final do artigo 522
do CPC:

“Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na
forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão
grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos
relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua
interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. (Redação dada pela Lei nº
9.139, de 30.11.1995)”

Michell Nunes Midlej Maron 69


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Se o recurso recebido no efeito apenas devolutivo for o de agravo de instrumento,


caberá a interposição de agravo regimental, e não a cautelar inominada, na forma do artigo
226 do Codjerj, combinado com o parágrafo único do artigo 527 do CPC:

“Art. 226 - A parte que, em processo judicial ou administrativo, se considerar


agravada por decisão, do Presidente ou dos Vice- Presidentes do Tribunal, dos
Presidentes das seções, grupos de Câmaras ou Câmaras isoladas, ou ainda do
relator, de que não caiba outro recurso, poderá requerer, no prazo de cinco dias,
contados da intimação da mesma por publicação no órgão oficial, a apresentação
do feito em mesa, afim de que o órgão julgador conheça da decisão, confirmando-a
ou reformando-a.
Parágrafo único - Em relação às decisões proferidas pela Terceira Vice-Presidência
nos processos judiciais, o presente recurso somente será cabível nos casos de
competência extraordinária, conferida por delegação, nos termos do artigo 33,
inciso IV.”

“Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído


incontinenti, o relator: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557; (Redação dada
pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de
decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como
nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação
é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (Redação dada pela Lei nº
11.187, de 2005)
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em
antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao
juiz sua decisão; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
IV - poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10
(dez) dias; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao
seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no
prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2o), facultando-lhe juntar a documentação que
entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que
o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante
publicação no órgão oficial; (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo,
mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo
de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput
deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo,
salvo se o próprio relator a reconsiderar. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de
2005)”

Já nos recursos constitucionais, REsp., RE e RO, a cautelar para atribuir efeito


suspensivo tem sido admitida pelo STJ e STF, desde que preenchidos alguns requisitos,
porém. O primeiro requisito é que o recurso original já tenha sido admitido pelo tribunal de
origem, que é o momento após o qual se dá a inauguração da competência dos tribunais
superiores. A respeito, veja as súmulas 634 e 635 do STF:

“Súmula 634, STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida
cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi
objeto de juízo de admissibilidade na origem.”

Michell Nunes Midlej Maron 70


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“Súmula 635, STF: Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de


medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de
admissibilidade.”

Segundo requisito para essa cautelar é a existência dos requisitos básicos de toda
cautelar, ou seja, a presença de fumus boni juris e periculum in mora.

1.2.2. Cautelar para destrancamento de recursos

A medida cautelar para destrancamento de recursos gravita em torno do artigo 542,


§ 3º, do CPC:

“Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido,
abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razões. (Redação dada pela Lei nº
10.352, de 26.12.2001)
§ 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso,
no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº
8.950, de 13.12.1994)
§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
(Incluído pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
§ 3º O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra
decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à
execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no
prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-
razões. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)”

Uma vez retido o recurso excepcional interposto contra decisão interlocutória, surge
o eventual interesse em ajuizar cautelar para que o recurso seja apreciado imediatamente,
para o recorrente que entenda que a espera pelo julgamento final, quando ocorrerá o natural
destrancamento do recurso, é-lhe prejudicial.
Essa cautelar tem sido admitida pelos tribunais superiores, e o STJ tem admitido,
nesses casos, até mesmo o atravessamento de uma simples petição avulsa, contendo apenas
esse pedido de destrancamento, petição que conta com procedimento absolutamente
simplificado. O STF admite, além da cautelar e dessa petição avulsa, ainda, a reclamação
constitucional com esse mesmo objetivo de destrancamento.
Em todos os instrumentos, vale dizer, é necessário que haja a demonstração do
periculum in mora e do fumus boni juris.

1.3. Cautelares inominadas ajuizadas em casos em que há cautelar típica prevista em lei

É comum, na prática processual, que haja o ajuizamento de uma cautelar inominada


para requerer uma providência para a qual há cautelar típica prevista no CPC, quer porque o
advogado se equivoca, quer porque há requisitos específicos da cautelar típica que o
advogado não consegue cumprir. Com esse expediente, por exemplo, pode o advogado
conseguir um arresto, cautelar típica, sem preencher os requisitos específicos do arresto,
pelo simples fato de ter ajuizado a cautelar como inominada, sem a tipificação da medida
que a lei prevê.

Michell Nunes Midlej Maron 71


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

A doutrina e a jurisprudência não têm admitido esse expediente, por ser uma clara
tentativa de burlar requisitos que o legislador achou por bem impor. Veja, nesse sentido, o
trecho do julgado abaixo, do STJ:

“AgRg na MC 8786 / RS. AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR.


Relator Ministro LUIZ FUX. Órgão Julgador - PRIMEIRA TURMA. Data do
Julgamento 21/09/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 25/10/2004 p. 212.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE
EXAURIMENTO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INADMISSIBILIDADE
1. A concessão de Medida Cautelar depende do preenchimento dos seus requisitos
autorizadores.
2. Ausente o exaurimento da instância local, inadmissíveis o recurso especial e, por
conseguinte, a medida cautelar conexa.
3. O eventual periculum in mora surgido em razão do deferimento liminar
monocrático, deve ser analisado pelo próprio Tribunal incumbido de julgar o
agravo, apenas resolvido, si et in quantum, em sede de antecipação de tutela, à luz
da competência funcional estabelecida no art. 800 do CPC.
4. Ademais, é princípio assente que o E. STJ, na sua competência constitucional,
não é Tribunal de apelação reiterada, tampouco se lhe concede poderes para a
análise de questões de fato, consoante a ratio essendi da Súmula nº 07/STJ.
5. Indeferimento in limine da inicial.
6. Agravo regimental improvido.”
(...)
Conforme tivemos oportunidade de destacar in "Curso de Direito Processual
Civil", ao abordarmos o Poder Cautelar genérico do Juiz, Parte XVI, Capítulo II,
2.2.2, pág. 1271⁄1272:
‘As cautelares inominadas reclamam, como se assentou, os mesmos requisitos dos
provimentos cautelares típicos, em geral. "A única diferença é a falta de previsão
legal daquela providência específica pretendida. Por esta razão, não é lícito almejar
uma medida inominada que conduza ao mesmo resultado de uma medida
específica sem o cumprimento dos requisitos desta". Assim, v.g., não pode a parte
pretender o bloqueio de bens ou dinheiro para garantia de determinado crédito sem
estar munida de título executivo, posto que, no fundo, o que pretende é algo
semelhante ao arresto.
No mesmo sentido, "se a parte não faz jus a um arrolamento não pode pretender a
constrição de bens, pelo simples fato de dar à medida um outro nome". Em suma,
não se pode deferir a título de medida atípica aquilo que não se concederia como
provimento específico pela ausência dos respectivos pressupostos cautelares.
É nesse sentido que devem ser entendidos os julgados que preconizam que "a
medida cautelar específica não pode ser concedida senão nos casos expressos em
lei, não podendo ser ampliada como medida cautelar inominada, tampouco deve-se
deferir cautela inominada na hipótese de prever o ordenamento jurídico
providência específica para atender à necessidade cautelar, tendo em vista que um
dos limites a adstringir o poder geral de cautela do magistrado está em que,
havendo um dispositivo legal específico, prevendo determinada medida com feição
cautelar para conter uma ameaçadora lesão ao direito, não se há de deferir cautela
inominada. Se for o caso de deferi-la, devem ser observadas todas as exigências
contidas naquela medida específica."
Não obstante, a redação do dispositivo suscita uma série de controvérsias uma vez
que deixa ao critério do juiz a medida a ser produzida, o que arrasta
questionamentos sobre a amplitude desses poderes e seus correspectivos limites.
Assim é que a primeira indagação é se o juiz pode conceder uma "medida
adequada" diversa da que foi pleiteada?

Michell Nunes Midlej Maron 72


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

A resposta afirmativa impõe-se. É que o próprio pedido quanto à providência


pleiteada é formulado "em aberto", como medida atípica, podendo o juiz adequá-la
ao caso concreto.
Por outro lado, num sistema ideal de direito, essa regra da adstrição do juiz ao
pedido, ao menos no campo cautelar onde se cuida da defesa dos instrumentos da
jurisdição, ressoa anacrônica. Em conseqüência, imperioso que o juiz proveja de
maneira idônea a proporcional, tanto mais que as cautelares servem ao processo e
não ao direito substancial da parte.
Aliás o princípio da proporcionalidade da medida atípica é um dos que informa o
juiz no momento da concessão, impondo ao magistrado avaliar os bens
controvertidos e averiguar se não vai criar uma situação de perigo maior do que
aquela que se quer evitar com a cautela pretendida.
Por isso, a lei franqueia ao juiz no exercício de seu poder cautelar genérico,
"autorizar" a prática de atos, "vedá-los" etc. Diz-se, por isso, que "as cautelares
inominadas são fungíveis" numa alusão à possibilidade de o juiz conceder aliud
porém minus em relação ao pedido formulado. Assim, é correto afirmar-se que os
limites do juiz no exercício de seu poder cautelar genérico situam-se na
"necessidade, idoneidade e suficiência" das medidas cautelares produzidas.’”

2. Limites das tutelas de urgência contra o Poder Público

Há, de fato, um regime especial de tutelas de urgência contra o Poder Público,


diferente do tratamento dado a tais tutelas ordinariamente. Deixe-se claro, porém, desde
logo, o seguinte: é, sim, cabível a concessão de tutelas de urgência contra o Poder Público,
tanto cautelares quanto antecipatórias. Veja a súmula 60 do TJ/RJ, nesse sentido, com as
notas que a justificam:

“Súmula 60, TJ/RJ: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FAZENDA PÚBLICA.


ADMISSIBILIDADE
Admissível a antecipação de tutela de mérito, mesmo conta a fazenda pública,
desde que presente os seus pressupostos.
Obs.: Não se justifica o privilégio em favor da Fazenda Pública, não previsto em
lei, já que o artigo 273 do Código de Processo Civil não faz qualquer
discriminação, ao admitir a antecipação da tutela de mérito, comprometida apenas
com a efetividade do processo e submetida a seus pressupostos.”

Assim, é cabível a tutela de urgência que desfavoreça a Fazenda, mas o legislador


infraconstitucional impôs algumas restrições a essa concessão. A Lei 8.437/92 traçou
restrições à cautelar, e a Lei 9.494/97 também fez restrições à tutela antecipada satisfativa.
Essas restrições foram discutidas em sua constitucionalidade. Marinoni entende-as
inconstitucionais, porque é providência legislativa atentatória contra o acesso à justiça, sem
nada que a justifique. Porém, dentre as justificativas em prol da validade de tais normas, a
supremacia do interesse público e o sistema dos cumprimentos de precatórios são os mais
renitentes.
O STF, instado sobre tal inconstitucionalidade, declarou as normas constitucionais,
como se vê na ADC 4:

“ADC 4 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY
SANCHES. Julgamento: 11/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 21-05-1999.

Michell Nunes Midlej Maron 73


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI


N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR:
CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA
CONCESSÃO. 1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, da 10.09.1997: "Art. 1º .
Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo
Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de
junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos
arts. 1º , 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." 2. Algumas instâncias
ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda
Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias
igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando
constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é admissível Ação
Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da
C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão
prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de
Processo Civil. 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos
termos do art. 102, § 2º , da C.F. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder
medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura
decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de
medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar.
Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade jurídica na argüição de
constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC
- 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face
da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que,
apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de
acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de
servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o
precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças
noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram. 8.
Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex
nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de
tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de
10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já
proferidas, nesse sentido.”

“Informativo 522, STF. Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública - 2


Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em
ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e
pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a
constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 ("Aplica-se à tutela antecipada
prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e
seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º
da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de
junho de 1992.") - v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a
jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder
geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a
referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º,
XXXV). O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus
fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao
mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser
revogada pelo legislador ordinário. Asseverou que seria uma contradição afirmar

Michell Nunes Midlej Maron 74


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse
ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das
sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas
pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a
Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em
conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a
viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o
Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela
antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer
limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado,
presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou
que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame
não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de
jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as
respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os
embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda
Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes
incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min.
Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida
provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e
declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que
o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello,
1º.10.2008. (ADC-4).”

Vejamos, então, as hipóteses de restrições às tutelas de urgência contra a Fazenda.

2.1. Restrições da Lei 8.437/92

Veja o artigo 1º da Lei 8.437/92:


“Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no
procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou
preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações
de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a
sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado
segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e
de ação civil pública.
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o
objeto da ação.
§ 4° Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao
dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será
imediatamente intimado. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos
tributários ou previdenciários. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de
2001)”

Como a restrição do caput se refere ao mandado de segurança, devemos ver a


redação do artigo 7º, § 2º, da Lei 12.016/09:

“Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

Michell Nunes Midlej Maron 75


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda


via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez)
dias, preste as informações;
II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica
interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo,
ingresse no feito;
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento
relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja
finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou
depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
§ 1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá
agravo de instrumento, observado o disposto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 - Código de Processo Civil.
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de
créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a
reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou
a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
§ 3º Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a
prolação da sentença.
§ 4º Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo
se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no
5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”

O que a Lei 12.016/09 pretendeu foi restringir as tutelas de urgência que se


apresentassem irreversíveis, como regra.
Na restrição do § 1º do artigo 1º da Lei 8.437/92, o legislador pretendeu prestigiar a
competência por prerrogativa de função, criando uma correlação entre a competência para o
mandado de segurança e a tutela de urgência.
A restrição do § 3º desse artigo 1º da lei em tela estabelece mais uma hipótese em
que a tutela de urgência não deve ser concedida porque possivelmente é irreversível.
O artigo 2º da Lei 8.437/92 traz outra restrição, essa impeditiva da medida de
urgência inaudita altera parte:

“Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será


concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa
jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas
horas.”

2.2. Restrição da Lei 7.347/85

Veja o artigo 12, § 2º, da Lei 7.347/85:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.

Michell Nunes Midlej Maron 76


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em


julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.”

Essa restrição condiciona a exigibilidade da multa ao trânsito em julgado da decisão


final do processo, por conta da questão dos precatórios.

2.3. Restrição do artigo 928 do CPC

Veja o artigo 928, parágrafo único, do CPC:

“Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no
caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-
se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a
manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos
representantes judiciais.”

Novamente, se restringe a tutela de urgência inaudita altera parte.


Há também, no artigo 816 do CPC, uma prerrogativa dada à Fazenda, que não é
uma restrição ao particular, mas um favorecimento ao Poder Público:

“Art. 816. O juiz concederá o arresto independentemente de justificação prévia:


I - quando for requerido pela União, Estado ou Município, nos casos previstos em
lei;
II - se o credor prestar caução (art. 804).”

2.4. Suspensão da tutela de urgência concedida contra o Poder Público

A suspensão da medida de urgência concedida contra a Fazenda é prevista em


diversos dispositivos: no artigo 4º da Lei 8.437/92, no artigo 15 da Lei 12.016/09, e no
artigo 12, § 1º, da Lei 7.347, esse último transcrito há pouco. Veja os dispositivos, pela
ordem:

“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do


respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do
Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação
cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto
não transitada em julgado.
§ 2º O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em
setenta e duas horas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de
cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o
restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de

Michell Nunes Midlej Maron 77


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso


especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando
negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se
refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 7º O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar,
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 8º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em
julgado da decisão de mérito na ação principal. (Incluído pela Medida Provisória nº
2,180-35, de 2001)”

“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada


ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e
à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e
da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5
(cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput
deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal
competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo,
quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a
que se refere este artigo.
§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida.
§ 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”

Em linhas gerais, o que todos esses dispositivos autorizam é que, uma vez
concedida uma medida urgente contra o Poder Público, tanto o MP quanto o próprio ente
que suporta os efeitos de tal medida, podem requerer diretamente ao presidente do
respectivo tribunal a suspensão de tal medida, sob alguns fundamentos expressamente
estabelecidos para tal suspensão: manifesto interesse público, flagrante incorreção, ou para
evitar lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.
A natureza dessa suspensão é sui generis, não se encartando em nenhum
instrumento processual conhecido.
Se a suspensão for concedida, vigorará até o trânsito em julgado da decisão final do
processo em que foi exarada a decisão liminar.

Michell Nunes Midlej Maron 78


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Contra a decisão do presidente que concede ou denega a suspensão, cabe agravo


interno. E, da denegação da suspensão, o Poder Público pode requerer novamente a
suspensão ao tribunal ad quem, STJ ou STF, a depender do caso.

Casos Concretos

Questão 1

Auto-ônibus Ltda., permissionária de serviço público de transporte coletivo de


passageiros de ônibus, promove, em face do Município X e sua Autarquia Municipal de
Trânsito, medida cautelar inominada.
Alega, em síntese, que as linhas urbanas que atualmente explora foram invadidas
pelo transporte remunerado e ilegal de passageiros por meio das "Vans". Afirma que tanto
o Município, quanto a sua autarquia não vêm procedendo à fiscalização e à proibição de
transporte irregular, omitindo-se quanto ao regular exercício do poder de polícia.
Requer seja concedida liminar determinando aos réus que procedam à fiscalização
regular, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
A liminar foi concedida, entretanto, o magistrado, ao sentenciar, declarou extinto o
processo, sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 267, VI e 329, ambos do
Código de Processo Civil. Considerou tratar-se de cautelar com cunho satisfativo,
havendo, na hipótese, impossibilidade jurídica do pedido.
Correta a decisão?

Resposta à Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 79


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Andou bem o magistrado ao extinguir o processo sem resolução do mérito. De fato,


não mais se discute apregoa tão fortemente a inadequação, ante a fungibilidade entre as
medidas, mas deve haver certa parcimônia na aplicação dessa fungibilidade, exigindo-se ao
menos uma dúvida razoável na escolha da medida. Ademais, o ajuizamento de cautelares
com escopo satisfativo deve ser tolerado apenas excepcionalissimamente, porque o
processo cautelar tem traços próprios que não oportunizam a mesma dilação do processo de
conhecimento, e por isso representa um maior perigo para o réu que padecerá do
provimento. Não é o caso dos autos, e por isso acertou o juízo – errando apenas quanto ao
fundamento, eis que o que justifica essa extinção do processo é a falta de interesse-
adequação.
Veja o entendimento do TJ/RJ:

“Processo: 0003597-90.2002.8.19.0037 (2007.001.31771) 1ª Ementa –


APELACAO. DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 30/07/2007 - DECIMA
QUARTA CAMARA CIVEL.
MEDIDA CAUTELAR. APELAÇÃO CÍVEL. INADEQUAÇÃO DA VIA
ELEITA. CA-RÊNCIA DE AÇÃO. AUSÊNCIA DE INTE-RESSE DE AGIR.
EXTINÇÃO DO PRO-CESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Cautela
significa segurança. A ação caute-lar é medida judicial que visa a garantir o
resultado útil de outro processo, isto é, o não perecimento do objeto da lide, ou, em
outros termos, visa a assegurar a eficácia do processo principal. In casu, a cautelar
ajuizada não visava a assegurar a eficácia do processo principal, sendo, pois,
satisfa-tiva e daí ter sido julgada extinta, sem re-solução do mérito. A sustentação
de nuli-dade da sentença por não ter sido a maté-ria aventada por qualquer das
partes, ha-vendo julgamento extra petita, deve ser re-chaçada, eis que se trata de
objeção, não dependendo de manifestação das partes para seu reconhecimento ex
officio. Sen-tença mantida, porém, por falta de interes-se de agir e não
impossibilidade jurídica do pedido. Não provimento do recurso.”

“2ª Ementa – APELACAO. DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 29/08/2007


- DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL AGRAVO INOMINADO. MEDIDA
CAUTE-LAR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CARÊNCIA DE AÇÃO.
AUSÊNCIA DE IN-TERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PRO-CESSO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Cautela significa segurança. A ação cau-telar é
medida judicial que visa a garantir o resultado útil de outro processo, isto é, o não
perecimento do objeto da lide, ou, em outros termos, visa a assegurar a efi-cácia do
processo principal. In casu, a cautelar ajuizada não visava a assegurar a eficácia do
processo principal, sendo, pois, satisfativa e daí ter sido julgada ex-tinta, sem
resolução do mérito. A susten-tação de nulidade da sentença por não ter sido a
matéria aventada por qualquer das partes, havendo julgamento extra petita, deve
ser rechaçada, eis que se trata de objeção, não dependendo de manifesta-ção das
partes para seu reconhecimento ex officio. Sentença mantida, porém, por falta de
interesse de agir e não impossibi-lidade jurídica do pedido. Negado provimento ao
recurso.”

Questão 2

Antonio, pretendendo atribuir efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário


interposto contra acórdão proferido por uma das Câmaras do Tribunal de Justiça, formula
tal pedido em medida cautelar junto ao Supremo Tribunal Federal.

Michell Nunes Midlej Maron 80


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Considerando que ainda estava sendo apreciada a admissibilidade do referido


Recurso Extraordinário no juízo a quo, agiu corretamente o recorrente ao ajuizar a
cautelar perante o Tribunal ad quem?

Resposta à Questão 2

Não, pois não inaugurou-se ainda a competência superior, como exigem as súmulas
634 e 635 do STF, já vistas, eis que a admissibilidade a quo é necessária.
Veja o seguinte julgado:

“CC 7160 / RJ STF – Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 04/12/2003, Decisão


Monocrática “1 - Auto Posto Kakareko IV Ltda. suscitou conflito negativo de
competência entre o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro sob a alegação de que ambas as Cortes teriam rejeitado a análise
do pedido de medida cautelar formulado para a concessão de efeito suspensivo ao
recurso especial interposto em 28.07.2003. Noticia que após o STJ ter indeferido
liminarmente a cautela requerida em razão da ausência do exame de
admissibilidade, no Tribunal a quo, do recurso especial manejado pela empresa
suscitante (fls. 187/189), foi o pleito cautelar apresentado perante a Corte de
Justiça fluminense que, no entanto, afirmou sua incompetência por meio da
seguinte decisão: (fl. 242) "À 3ª Vice-Presidência compete, precipuamente, 'deferir
ou indeferir, por delegação do Presidente do Tribunal e em despacho motivado, o
seguimento de recursos extraordinários (atualmente também dos recursos
especiais), resolvendo os incidentes que se suscitarem'. (C.O.D.J.E.R.J., artigo 33,
II). Não tem, portanto, em que pesem as recentes súmulas 634 e 635, ainda sem
força vinculante, a competência para apreciar pedidos de medidas cautelares,
inclusive para atribuição de efeito suspensivo a recursos excepcionais, os quais não
se classificam como 'incidentes' no sentido do citado dispositivo de lei, ainda que a
parte lhes confira tal denominação, uma vez que constituem, na realidade, processo
cautelar, originando relação jurídica processual autônoma e distinta daquela
correspondente ao processo principal. Intime-se. Em 13.11.2003" Alegando a
existência de plausibilidade jurídica e urgência na concessão cautelar de efeito
suspensivo ao recurso especial interposto, este último requisito consubstanciado na
iminência da execução da ordem de despejo decretada contra a suscitante, requer a
concessão de liminar para suspender o curso da ação executória principal e, no
mérito, a fixação do Órgão Judiciário competente para processar e julgar a medida
cautelar proposta. 2 - Ao contrário do que afirma o requerente, não há, no presente
caso, conflito de competência a ser dirimido por este Supremo Tribunal. É que a
configuração deste incidente pressupõe a atuação decisória de órgãos judiciários
que não possuam entre si nenhum vínculo de hierarquia jurisdicional, o que não
ocorre entre o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro. Nesse sentido, assentou esta Corte que "embora manifestado entre
Tribunais, o dissídio, em matéria de competência, entre o Superior Tribunal de
Justiça e um Tribunal de segundo grau da justiça ordinária - não importando se
federal ou estadual - é um problema de hierarquia de jurisdição e não, de conflito:
a regra que incumbe o STF de julgar conflitos de competência entre Tribunal
Superior e qualquer outro Tribunal não desmente a verdade curial de que, onde
haja hierarquia jurisdicional, não há conflito de jurisdição" (CC nº 7.094, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 04.05.2001). Confira-se, ainda, o CC nº 7.002, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ 06.11.1992, CC nº 6.997, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
25.09.1992 e CJ 6.627, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ 120/69. 3 - Ainda que
assim não fosse, o andamento processual disponibilizado na página eletrônica do
TJRJ noticia que a 3ª Vice-Presidência daquela Corte estadual inadmitiu, em
decisão publicada em 02.12.2003, o recurso especial do suscitante, restando

Michell Nunes Midlej Maron 81


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

ausente, assim, o juízo positivo de admissibilidade necessário para a instauração da


jurisdição cautelar da instância extraordinária representada, no caso em foco, pelo
Superior Tribunal de Justiça. 4 - É oportuno registrar, por último, a recalcitrância
do Tribunal estadual mencionado em prestar jurisdição, enquanto não examinados
os recursos de natureza extraordinária, quando pacífica nesta Corte a orientação
(Enunciado nº 635 da Súmula do STF) de que cabe ao Presidente do Tribunal de
origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário que se
encontre pendente do seu juízo de admissibilidade, tal como se encontrava a
situação ora examinada até a decisão de inadmissão retro citada. 5 - Por todo o
exposto, e em consonância com a jurisprudência da Casa, nego seguimento ao
presente conflito de competência, ficando prejudicada a análise do pedido de
medida liminar (RISTF, art. 21, § 1º). Publique-se. Brasília, 4 de dezembro de
2003. Ministra Ellen Gracie Relatora”

Tema VI

Competência para o processamento do processo cautelar. Procedimento inicial e desenvolvimento: petição


inicial, citação, resposta. O poder cautelar genérico do juiz (art. 798). Duração da eficácia da tutela
cautelar: decretada antes da instauração do processo principal; decretada depois da instauração do
processo principal. Cessação da eficácia da medida: pela revogação; pela não execução, no prazo de 30
(trinta) dias. Repetição do pedido após a cessação da eficácia da medida cautelar.

Notas de Aula49

1. Processo cautelar

O procedimento cautelar está previsto a partir do artigo 796 do CPC:

“Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do


processo principal e deste é sempre dependente.”

49
Aula ministrada pela professora Flávia Pereira Hill, em 14/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 82


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

A cautelar, como já se disse e reiterou, é um processo dedicado a outro processo: a


cautelar se destina a assegura que haja efetividade em um processo considerado principal,
seja esse de conhecimento, seja de execução.
É comum dizer que o processo cautelar é uma das chamadas tutelas diferenciadas,
terceira onda do acesso à justiça do processo civil, nas quais o legislador cria uma espécie
peculiar de rito para atender a necessidades igualmente peculiares. No caso, a peculiaridade
é a urgência na proteção à efetividade de outro processo.
Para Humberto Theodoro Junior, o processo cautelar é o processo destinado a
eliminar a ameaça de perigo de prejuízo iminente e irreparável ao processo principal.
A ideia de instrumentalidade é fundamental no processo cautelar. É a primeira
característica distintiva desse processo, pois não é destinado a satisfazer nenhuma pretensão
material, a qual será deduzida no processo principal. A cautelar é um instrumento a serviço
de outro instrumento, um instrumento “ao quadrado”, eis que todo processo é instrumental
do direito material, e o processo cautelar é instrumental de outro processo.
A temporariedade é outra nota distintiva da cautelar, porque o provimento ali
exarado é predestinado a se exaurir no tempo. A cautelar só vai perdurar enquanto a
situação de risco perdurar.
A revogabilidade é outra característica essencial da cautelar, e encontra previsão
expressa no artigo 807 do CPC:

“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo


antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo,
ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará
a eficácia durante o período de suspensão do processo.”

Cessando o risco, a medida é revogada; mudando as condições que a ensejaram, ela


também poderá ser modificada, qualitativa ou quantitativamente. Por exemplo, se um
arresto sobre bens indeterminados for deferido, nada impede que, por qualquer motivo se
identificando um bem suficiente, a medida se concentre nesse bem e se transforme em
sequestro. Ínsita à revogabilidade, portanto, está a ideia de modificabilidade das medidas
cautelares.
Há dois critérios para classificar as cautelares: quanto à tipicidade e quanto ao
momento de sua concessão.
Quanto à tipicidade, classificando-se em típicas, ou nominadas, e atípicas, ou
inominadas, respectivamente aquelas previstas em lei e aquelas que são fruto da
cautelaridade genérica, urgências não previstas pelo legislador, mas admitidas pelo artigo
798 do CPC, que cria o poder geral de cautela do juiz:

“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula
no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que
julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do
julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

Há uma subsidiariedade nessas medidas atípicas: se houver medida nominada


destinada para determinada urgência, ela deve ser a adotada, não devendo ser concedida
uma cautelar atípica.

Michell Nunes Midlej Maron 83


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Quanto ao momento de concessão das cautelares, essas se classificam em


antecedente e incidente: antecedente é a que é concedida antes mesmo da instauração do
processo principal, e incidente é a que é ajuizada durante o curso do processo principal.
Os requisitos para concessão da tutela cautelar são os consabidos periculum in mora
e fumus boni juris, que dispensam abordagem mais detalhada aqui, por serem bem
conhecidos. Nas cautelares, estão previstos no inciso IV do artigo 801 do CPC:

“Art. 801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que


indicará:
(...)
IV - a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
(...)”

A competência do processo cautelar é a mesma do processo principal, esteja ele em


curso ou porvir. Veja o artigo 800 do CPC:

“Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando


preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.
Parágrafo único. Interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente
ao tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)”

O parágrafo único do artigo supra trata de uma situação até mesmo corriqueira: o
risco surgido após o processo já se encontrar em instância superior. Se assim for, esse
tribunal ad quem ganha competência para a cautelar. Se o risco surgir entrementes, entre a
interposição de um recurso e sua subida ao tribunal ad quem, diz Dinamarco que a
competência será do juízo a quo, eis que os autos ainda se encontram em seu poder, desde
que a urgência não possa aguardar a subida dos autos.

1.1. Poder geral de cautela

O poder geral de cautela, já mencionado, sediado no já transcrito artigo 798 do


CPC, trata-se de uma autorização do legislador ao magistrado para que esse conceda
medidas cautelares atípicas sempre que as medidas típicas não forem adequadas a obter a
tutela necessária na casuística.
Tal poder decorre da simples constatação, pelo próprio legislador, de que seria
impossível prever todas as hipóteses imagináveis de risco ao processo principal. Porém,
para as que previu, exige prioridade, abrindo-se ao poder genérico apenas quando a
situação for igualmente atípica.
O fundamento principiológico do poder geral de cautela é o acesso à justiça, que é
dependente da efetividade processual para que seja realmente implementado – não há
acesso verdadeiro à justiça se essa não for efetiva.
O poder geral de cautela não se confunde com as cautelares de ofício. Veja o artigo
797 do CPC:

“Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei,


determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.”

A cautelar de ofício só pode ser deferida em casos excepcionais. Repare que o artigo
fala, ao mesmo tempo, que a cautela de ofício deve ser concedida apenas em casos

Michell Nunes Midlej Maron 84


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

excepcionais e expressamente autorizados por lei, mas a doutrina majoritária apregoa que
não são requisitos cumulativos: se deferirá cautelar de ofício em situação excepcional, ou
em situação que a lei expressamente autorize. A lógica é simples: se há autorização legal, é
porque não é mais, a situação, excepcional, ou não teria alçado até mesmo previsão legal.
Exemplos de cautelas de ofício legalmente previstas vêm nos artigos 1.001 e 1.018 do CPC:

“Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no
inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez)
dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios
ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro
excluído até que se decida o litígio.”

“Art. 1.018. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de


pagamento feito pelo credor, será ele remetido para os meios ordinários.
Parágrafo único. O juiz mandará, porém, reservar em poder do inventariante bens
suficientes para pagar o credor, quando a dívida constar de documento que
comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em
quitação.”

A contracautela é também um exemplo de cautelar de ofício.


O juiz, por óbvio, somente poderá conceder uma tutela cautelar de ofício na forma
incidente, porque do contrário sequer haverá atuação judicial em curso para que ele possa
captar a necessidade de um provimento cautelar. Não pode o juízo, pelo princípio da
demanda, dar início a um processo cautelar autônomo antecedente.

2. Procedimento cautelar

O legislador traçou um procedimento cautelar geral, que se presta a servir de base


para as cautelares inominadas, e como fonte supletiva para as cautelares típicas, naquilo
que não previrem com especificidade. O tratamento se inicia no artigo 801, que traça os
requisitos da inicial cautelar:
“Art. 801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que
indicará:
I - a autoridade judiciária, a que for dirigida;
II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido;
III - a lide e seu fundamento;
IV - a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
V - as provas que serão produzidas.
Parágrafo único. Não se exigirá o requisito do no III senão quando a medida
cautelar for requerida em procedimento preparatório.”

No inciso III, o que o legislador quis foi que o autor da cautelar exiba, em linhas
gerais, quais são os contornos do processo principal que pretende ajuizar no futuro, e que é
alvo da proteção ora requerida cautelarmente. Tanto é assim que o parágrafo único dispensa
esse requisito se a cautelar for incidental, eis que, por óbvio, o juízo já terá ciência do que
se trata a lide principal acautelada.
Além dos requisitos específicos do artigo supra, a petição inicial deve ser produzida
na mesma forma de qualquer inicial, com observância do artigo 282 do CPC, que dispensa
transcrição aqui.

Michell Nunes Midlej Maron 85


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

O valor da causa do processo cautelar não se confunde com o valor da causa dado
ao processo principal. O conteúdo econômico desses processos não se confunde, mesmo
porque seria uma hipótese de bis in idem da taxa judiciária, se o processo cautelar
precisasse ser custeado no mesmo montante do principal que ele pretende proteger.
Estando a petição em ordem, o magistrado a receberá, determinará a emenda ou a
indeferirá, tal como qualquer processo, na forma do artigo 295 do CPC, que também não
precisa ser revisto.
Em situações excepcionais, o juiz poderá, assim que recebida a inicial, conceder a
cautela inaudita altera parte, na forma do já visto artigo 797, e do artigo 804 do CPC:

“Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a


medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá
torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução
real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

Se o juiz se convencer de que a mera ciência do processo, pelo réu, pode acarretar
risco ao provimento do processo principal, poderá conceder essa tutela antes mesmo da
oitiva do réu.
Esse artigo supra traz uma medida intermediária: a justificação prévia. Se o juiz
entender que, antes da concessão da cautelar inaudita, é preciso maiores esclarecimentos
por parte do autor, exigirá essa justificação, para somente após o que deferir a cautela,
ainda antes de citar o réu.
No processo cautelar são cabíveis as mesmas espécies de citação do processo
comum, sem ressalvas. Citado, o réu tem prazo de cinco dias para contestar, na forma do
artigo 802 do CPC:

“Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar,
para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido, indicando as provas que
pretende produzir.
Parágrafo único. Conta-se o prazo, da juntada aos autos do mandado:
I - de citação devidamente cumprido;
II - da execução da medida cautelar, quando concedida liminarmente ou após
justificação prévia.”

A exiguidade desse prazo de cinco dias é ferrenhamente criticada pela doutrina, mas
é previsão legal vigente.
Esgotado o prazo in albis, aplicam-se ao processo cautelar os mesmos efeitos da
revelia que se aborda no processo cognitivo. Veja o artigo 803 do CPC:

“Art. 803. Não sendo contestado o pedido, presumir-se-ão aceitos pelo requerido,
como verdadeiros, os fatos alegados pelo requerente (arts. 285 e 319); caso em que
o juiz decidirá dentro em 5 (cinco) dias. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
Parágrafo único. Se o requerido contestar no prazo legal, o juiz designará audiência
de instrução e julgamento, havendo prova a ser nela produzida. (Redação dada pela
Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

No processo cautelar são cabíveis exatamente as mesmas exceções que no processo


de conhecimento – de suspeição, impedimento ou incompetência.

Michell Nunes Midlej Maron 86


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Não há, no processo cautelar, audiência de conciliação, porque a matéria só poderá


ser composta no processo principal, em que se operará a verdadeira discussão material.
Pode o juiz, porém, designar AIJ no procedimento cautelar, se necessária a prova oral.
O TJ/RJ emitiu a súmula 58, que se aplica quando a decisão concessiva da urgência
for recorrida, asseverando que apenas quando for claro o erro se a reformará:

“Súmula 58, TJ/RJ:


REFORMA DA CONCESSÃO OU INDEFERIMENTO. Somente se reforma a
concessão ou indeferimento de liminar, se teratológica, contrária à Lei ou à
evidente prova dos autos.
Obs.: Estando a outorga da liminar adstrita a juízo discricionário do Juiz da causa,
apenas naquelas situações, consoante também, a exegese pretoriana, faz sentido
sua reforma ou concessão, máxime quando desatenda aos pressupostos legais.”

2.1. Coisa julgada no processo cautelar

O processo cautelar se confirma com o juízo de probabilidade, como se sabe. A


sentença cautelar é pautada apenas em probabilidade, surgida de um juízo pautado em
cognição sumária. Mesmo por isso, essa sentença não faz coisa julgada material, podendo
ser alterada a qualquer tempo, como já se adiantou.
A exceção a essa regra de ausência de coisa julgada vem no artigo 810 do CPC:

“Art. 810. O indeferimento da medida não obsta a que a parte intente a ação, nem
influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a
alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.”

Apenas a sentença que reconhece a decadência ou a prescrição do direito a ser


protegido na ação principal fará coisa julgada material, portanto. Assim o é porque o
processo principal pautado nesse direito seria absolutamente inútil, e por isso já se autoriza
ao processo cautelar fulminar desde logo tal pretensão.

2.2. Apelação no processo cautelar

Por força do próprio artigo 520, IV, do CPC, a apelação interposta contra a sentença
cautelar só conta com efeito devolutivo:

“Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)
IV - decidir o processo cautelar; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
(...)”

Exceção a essa regra é a apelação ou reexame necessário em processo cautelar


contra a Fazenda, que terão efeito suspensivo por conta do artigo 3º da Lei 8.437/92:

“Art. 3° O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo


cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que

Michell Nunes Midlej Maron 87


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá


efeito suspensivo.”

Os ônus de sucumbência, na cautelar, são impostos da mesma forma que no


processo de conhecimento, ou seja, segundo o princípio da causalidade, sendo dado seu
custeio a quem deu causa indevida à instauração do processo.

3. Eficácia temporal das medidas cautelares

Como se anteviu, a medida cautelar é concebida para ter fim em determinado


momento. É essencialmente temporária.
A cessação da eficácia das cautelares se dá por diversos motivos. O primeiro é a sua
revogação ou modificação, na medida em que a eficácia da decisão acompanha os fatos,
como se viu na abordagem do artigo 807 do CPC.
Segunda situação que faz cessar a eficácia do provimento cautelar é a falta de
ajuizamento do processo principal, por ela acautelado, no prazo decadencial de trinta dias
desde a concessão da cautela, na forma do artigo 808, I, do CPC, que remete ao artigo 806:

“Art. 808. Cessa a eficácia da medida cautelar:


I - se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806;
II - se não for executada dentro de 30 (trinta) dias;
III - se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do
mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a medida, é defeso à parte repetir o
pedido, salvo por novo fundamento.”

“Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da
data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento
preparatório.”

O prazo é peremptório, decadencial, não sendo suspenso nem mesmo por causas
que suspendem o processo cautelar, como as exceções.
Há alguns julgados que entendem que esse prazo de trinta dias se aplica
peremptoriamente apenas para as medidas cautelares constritivas de direitos da parte ré.
Não há porque perder eficácia, por exemplo, uma medida de produção antecipada de
provas, eis que não há prejuízo, e nem mesmo lógica, na mantença da decisão cautelar
mesmo se passarem trinta dias desde sua concessão, sem ajuizamento do feito principal.
Terceira hipótese de cessação da eficácia da medida cautelar é a não execução dessa
medida no prazo de trinta dias desde sua concessão, do inciso II do artigo 808 do CPC,
supra. Esse prazo é também decadencial e peremptório, e a sua lógica é que, se a cautela é
pautada no risco, a sua não execução em trinta dias revela que não há tanto risco assim – o
comportamento é incompatível com a urgência. É claro que se a demora na execução não
for imputável à parte autora, mas ao réu ou ao próprio Judiciário, não há que se falar em
perda da eficácia da medida.
A quarta hipótese de perda da eficácia da cautelar, do inciso III do artigo 808 do
CPC, é causada pelo desfecho do processo principal, desfavorável ao autor, julgado com ou
sem resolução do mérito. Se o processo principal for procedente, é claro que a medida de
cautela se manterá o quanto for necessária. Veja que se o processo principal for julgado
improcedente, mesmo assim pode ser recomendável que a cautelar se sustente vigente, ao

Michell Nunes Midlej Maron 88


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

menos preventivamente, até que haja o trânsito em julgado de tal decisão, eis que, se for
revertida, a perda da eficácia da cautelar poderá acarretar prejuízo irreversível.

Casos Concretos

Questão 1

Proposta a cautelar de sequestro de bens de Benedito, o requerente (Mariano)


obteve a liminar, promovendo, em seguida, a ação principal no prazo de 30 (trinta) dias.
Proposta a ação principal, reivindicatória do bem, ocorreu a extinção do processo sem
resolução do mérito.
Indaga-se: A extinção do processo sem julgamento do mérito ou com julgamento de
mérito na ação principal influi na cautelar com liminar concedida? Por quê?

Resposta à Questão 1

As cautelares, sejam preparatórias ou incidentais, têm por fim manter o equilíbrio da


relação jurídica de que são titulares as partes, sendo considerada uma tutela jurisdicional a
serviço do processo de conhecimento ou de execução. A atividade da cautelar é
instrumental, presta serviço ao processo, e não especificamente às partes. Dando-se a

Michell Nunes Midlej Maron 89


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

extinção do processo principal, com ou sem exame do mérito, deixa de existir a situação de
perigo que a cautelar visa proteger, pondo fim ao processo cautelar. Assim, julgado o
processo principal, fica ela prejudicada por perda de seu caráter preventivo ou preparatório.

Questão 2

João ajuizou ação cautelar inominada, buscando fosse resguardada sua


participação em etapa de concurso público municipal, até que fosse decidida questão
acerca de sua reprovação na primeira fase do certame. A liminar pleiteada foi deferida.
Seis meses após o cumprimento da liminar, João propõe ação de rito ordinário, buscando
discutir a irregularidade de sua reprovação na primeira fase do concurso. Tendo em vista
que a ação de rito ordinário fora proposta após o decurso do prazo previsto em lei, o juízo
proferiu sentença na ação cautelar, extinguindo o feito sem resolução de seu mérito.
A fundamentação da sentença é correta? Explique.

Resposta à Questão 2

A observância do prazo é necessária, pois a medida interfere na esfera de direitos


alheios. Porém, quanto aos efeitos da perda do prazo – a cessação da eficácia da tutela
concedida ou a extinção do processo cautelar –, há duas correntes.
A primeira, que se vê na Apelação Cível abaixo, entende que essa perda do prazo
gera estritamente a cessação da eficácia da medida concedida, e não a extinção do processo
cautelar como um todo:

“Processo: 0021403-12.2003.8.19.0003 (2006.001.68750). 1ª Ementa –


APELACAO. DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 28/02/2007 -
SEGUNDA CAMARA CIVEL.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. FORNECIMENTO
DE ENERGIA ELÉTRICA. LIMINAR DEFERIDA. NÃO-AJUIZAMENTO DA
AÇÃO PRINCIPAL DO TRINTÍDIO LEGAL (ART. 806, CPC).
CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO ENSEJA A EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR,
MAS APENAS A PERDA DE EFICÁCIA DA LIMINAR. CORRETO
PROSSEGUIMENTO DO FEITO. MÉRITO. CAUTELAR SATISFATIVA.
DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRINCIPAL.
PRECEDENTES DO STJ. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA
ESCORREITA Versa a controvérsia recursal acerca do deslinde conferido à Ação
Cautelar Inominada, na qual visava o postulante a obter o restabelecimento do
serviço de energia elétrica em sua residência, tendo obtido, previamente, o
deferimento da liminar, contudo, sem proceder ao ajuizamento da respectiva ação
principal cujo resultado útil pretendia assegurar. Como cediço, há muito se
consolidou a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores no sentido de que, em
casos de deferimento de liminar no âmbito da cautelar, a ausência de ajuizamento
da ação principal no prazo e forma previstos pelo art. 806 do CPC, não acarreta,
por si só, a extinção, sem resolução do mérito, da demanda cautelar, mas sim,
apenas e tão-somente, enseja a perda de eficácia da liminar deferida. Sendo assim,
verifica-se que nada mais fez o julgador de primeira instância do que aplicar ao
feito a correta interpretação ao disposto nos artigos 806 e 808 do CPC, sendo
descabida a pretensão da recorrente em ver julgada extinto feito, sem resolução do
mérito, pelo simples fato de não ter o Autor, ora Apelado, intentado a ação
principal no prazo e forma do art. 806 do CPC. Ademais, versando a presente
demanda acerca de uma hipótese excepcional de cautelar satisfativa, aplica-se ao

Michell Nunes Midlej Maron 90


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

caso concreto o entendimento jurisprudencial capitaneado pelo C. STJ, segundo o


qual, nas denominadas cautelares satisfativas não se considera imperativo o
ajuizamento da ação principal, muito menos no indigitado prazo genérico previsto
no artigo 806, do CPC. Desta feita, à luz da jurisprudência remansosa do C. STJ e
deste E. TJERJ, resta patente a correta solução conferida à lide pelo ilustre
magistrado singular, que ao verificar o preenchimento dos requisitos originários
para a obtenção da medida cautelar, julgou procedente o pedido deduzido na
inicial. RECURSO DESPROVIDO.”

A segunda corrente, de Humberto Theodoro Junior, vista no REsp. abaixo, entende


que essa inércia revela ausência de interesse-necessidade, porque se a parte obteve a
cautelar e não manifestou qualquer interesse no pleito principal, não há mais interesse no
próprio processo cautelar:

“REsp 401531 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro FERNANDO


GONÇALVES. Órgão Julgador - QUARTA TURMA. Data do Julgamento:
02/02/2010 Data da Publicação/Fonte: DJe 08/03/2010.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR. ARROLAMENTO DE
BENS. NATUREZA. INCIDENTAL OU PREPARATÓRIA. CONTROVÉRSIA
NOS AUTOS. EXTINÇÃO DA AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL.
TRÂNSITO EM JULGADO. CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA MEDIDA
CAUTELAR. ART. 808, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO
AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE PARTILHA NO PRAZO ESTABELECIDO
PELO ART. 806 DO DIPLOMA PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO FEITO
CAUTELAR.
1. Extinto o processo principal, com trânsito em julgado, cessa a eficácia da
medida cautelar (art. 808, III, do Código de Processo Civil). Precedentes.
2. Ainda que se admita a natureza preparatória da cautelar em apreço, relativa a
eventual ação de partilha de bens, é pacífico na Corte Especial o entendimento de
que o "não-ajuizamento da ação principal no prazo estabelecido pelo art. 806 do
CPC, acarreta a perda da medida liminar e a extinção do processo cautelar, sem
julgamento do mérito" (EREsp 327.438/DF, DJ de 14.08.2006).
3. Recurso especial conhecido e provido.”

Questão 3

Após 12 dias, contados da efetivação de medida cautelar concedida em


procedimento preparatório, o autor promoveu a ação principal. Três dias após a
distribuição da ação principal, o magistrado determinou a regularização da representação
processual. Passados 2 anos da intimação da parte para promoção da regularização da
representação processual, não houve qualquer manifestação. Como deverá proceder o
magistrado, em especial quanto à eficácia da medida cautelar?

Resposta à Questão 3

Veja o seguinte julgado:

“REsp 225357 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE


NORONHA. Órgão Julgador - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento
19/04/2005. Data da Publicação/Fonte: DJ 15/08/2005 p. 227.
Ementa: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR
PREPARATÓRIA.

Michell Nunes Midlej Maron 91


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

1. Em se tratando de medida cautelar preparatória, o requerente tem o prazo


decadencial de 30 dias, contados da data da sua efetivação, para ajuizamento da
ação principal. Não sendo cumprido esse prazo,cessa a eficácia da medida na
forma do art. 808, I, do Código de Processo Civil.
2. A cessação da eficácia da medida também deve ser imputada aos casos em que,
a despeito de ter sido proposta, a ação principal permanece paralisada por mais de
dois anos consecutivos, por negligência da parte autora, o que configura o
desinteresse na rápida solução do litígio, fulminando o requisito do periculum in
mora.
3. Recurso especial conhecido e improvido.”

Tema VII

Procedimentos cautelares típicos: arresto, sequestro, busca e apreensão, caução e alimentos provisionais.

Notas de Aula50

1. Procedimentos cautelares típicos

Antes de passar ao estudo de cada um dos procedimentos cautelares típicos, é


preciso tecer algumas considerações gerais, a começar pela aplicação do artigo 812 do
CPC, que trata da regulamentação subsidiária do capítulo geral do processo cautelar aos
procedimentos específicos:

“Art. 812. Aos procedimentos cautelares específicos, regulados no Capítulo


seguinte, aplicam-se as disposições gerais deste Capítulo.”

50
Aula ministrada pelo professor Ademar Vidal Neto, em 15/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 92


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

O procedimento padrão, em síntese, começa pela petição inicial; se o juiz entender


necessário, determina a realização da audiência de justificação prévia; em seguida, aprecia
o pedido liminar inaudita altera parte, se houver; concedida ou não, cita o réu, que
contestará em até cinco dias; contestado o feito, realiza-se AIJ, se for preciso; colhem-se
alegações finais, e profere a sentença. Com esse esqueleto, as cautelares específicas típicas
promovem as alterações rituais que são cabíveis em cada tipo, como se verá.

2. Arresto

O arresto se presta a assegurar a efetividade de uma futura execução por quantia


certa contra credor solvente. Sua função é permitir que o credor encontre bens do devedor
no futuro, quando da execução.
Como qualquer cautelar, o arresto depende do fumus boni juris e do periculum in
mora para ser deferido. Em relação ao periculum, é preciso que haja indícios suficientes de
que o devedor está esvaziando seu patrimônio, o que levará a ser infrutífera a futura
execução. No artigo 813 do CPC, o legislador estabelece um rol exemplificativo de motivos
que configuram periculum in mora:

“Art. 813. O arresto tem lugar:


I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que
possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado;
II - quando o devedor, que tem domicílio:
a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente;
b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta
contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de
terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a
execução ou lesar credores;
III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou
dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados,
equivalentes às dívidas;
IV - nos demais casos expressos em lei.”
No artigo 814 do CPC, por seu turno, o legislador estabeleceu algumas situações em
que se encontra presente o fumus boni juris, em rol igualmente exemplificativo:

“Art. 814. Para a concessão do arresto é essencial: (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
I - prova literal da dívida líquida e certa; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
II - prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo
antecedente. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de
concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso,
condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro
possa converter-se. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”

Conseguindo o requerente do arresto provar a dívida, por qualquer meio, o juiz pode
entender presente o fumus boni juris.
O artigo seguinte, 815 do CPC, trata da justificação prévia, também possível no
arresto:

Michell Nunes Midlej Maron 93


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

“Art. 815. A justificação prévia, quando ao juiz parecer indispensável, far-se-á em


segredo e de plano, reduzindo-se a termo o depoimento das testemunhas.”

Essa audiência já faz parte do procedimento padrão, e por isso esse artigo seria
dispensável, eis que poderia supri-lo a previsão da parte geral, na forma do artigo 812 do
CPC.
O artigo 816 do CPC estipula que é dispensável a justificação prévia, mesmo se o
juiz não estiver plenamente convencido dos requisitos (pois se estiver, pode dispensá-la ope
judicis), em duas hipóteses: quando requerida pela Fazenda, ou quando o credor prestar a
contracautela. Veja:

“Art. 816. O juiz concederá o arresto independentemente de justificação prévia:


I - quando for requerido pela União, Estado ou Município, nos casos previstos em
lei;
II - se o credor prestar caução (art. 804).”

Na cautelar de arresto, só podem ser arrestados os bens que, no futuro, possam ser
penhorados e excutidos, pois a função do arresto é justamente permitir que essa penhora
seja possível. Se o bem é impenhorável, não pode ser arrestado.
Arrestado o bem, ele é entregue a um depositário. Comumente, o próprio devedor é
nomeado depositário, a não ser que esse ofereça motivos para que o juiz desconfie que,
mesmo sob a constrição, ele vá desvirtuar o bem.
O artigo 820 do CPC trata de hipóteses em que o arresto cessa, mas menciona
apenas os casos de extinção da obrigação principal, que levam à natural dispensa da
constrição:

“Art. 820. Cessa o arresto:


I - pelo pagamento;
II - pela novação;
III - pela transação.”

Na verdade, o arresto cessa também quando for convertido em penhora, porque esse
é o destino dos bens arrestados, em última análise. E cessa também por causas processuais,
na forma do já abordado artigo 808 do CPC.
O arresto pode também ser suspenso, na forma do artigo 819 do CPC:

“Art. 819. Ficará suspensa a execução do arresto se o devedor:


I - tanto que intimado, pagar ou depositar em juízo a importância da dívida, mais
os honorários de advogado que o juiz arbitrar, e custas;
II - der fiador idôneo, ou prestar caução para garantir a dívida, honorários do
advogado do requerente e custas.”

3. Sequestro

O sequestro difere do arresto quanto ao objeto: o sequestro se destina a garantir a


futura execução para entrega de coisa certa.
O periculum in mora é exemplificado no artigo 822 do CPC:

“Art. 822. O juiz, a requerimento da parte, pode decretar o seqüestro:

Michell Nunes Midlej Maron 94


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I - de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando Ihes for disputada a


propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações;
II - dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de
condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar;
III - dos bens do casal, nas ações de separação judicial e de anulação de casamento,
se o cônjuge os estiver dilapidando;
IV - nos demais casos expressos em lei.”

O procedimento do arresto é aplicável ao sequestro, dada a similitude dessas


cautelares:

“Art. 823. Aplica-se ao seqüestro, no que couber, o que este Código estatui acerca
do arresto.”

A única previsão do arresto que não se aplica ao sequestro é a do artigo 819, II, do
CPC, porque é incompatível com o objeto do sequestro, eis que o credor não quer dinheiro,
e sim a coisa certa, específica, seqüestrada.
Deferida a liminar, o juiz nomeia depositário, tal como no arresto, podendo ser
também o próprio devedor, se recomendável:

“Art. 824. Incumbe ao juiz nomear o depositário dos bens seqüestrados. A escolha
poderá, todavia, recair:
I - em pessoa indicada, de comum acordo, pelas partes;
II - em uma das partes, desde que ofereça maiores garantias e preste caução
idônea.”

Somente se o juiz nomear o autor como depositário há que se falar em caução, pois
não há sentido essa contracautela se o réu é o depositário.

4. Caução

O procedimento típico da caução, regulado nos artigos 826 a 838 do CPC, na


verdade, não tem natureza cautelar, efetivamente. A caução verdadeiramente cautelar é a
contracautela, já vista, no artigo 804 do CPC. A caução do artigo 826 e seguintes é um
procedimento de conhecimento satisfativo, erroneamente alocado nessa parte do CPC.
A caução desses artigos pode ser proposta sempre que, por lei ou contrato, uma das
partes ficar obrigada a prestar caução, e não o fizer: aquele que tem o direito de exigir a
caução possui a legitimidade para deduzir esse direito em juízo, na forma desses
dispositivos. Também é possível que aquele que tenha obrigação de prestar a caução ajuíze
essa ação, com a finalidade de que esta receba a caução devida, desonerando-se da
obrigação.
Há então, na verdade, dois procedimentos distintos de caução: o de exigir caução e
o de prestar caução (dicotomia similar às ações de prestar e de exigir contas). A ação de dar
caução está prevista no artigo 829 do CPC:

“Art. 829. Aquele que for obrigado a dar caução requererá a citação da pessoa a
favor de quem tiver de ser prestada, indicando na petição inicial:

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I - o valor a caucionar;
II - o modo pelo qual a caução vai ser prestada;
III - a estimativa dos bens;
IV - a prova da suficiência da caução ou da idoneidade do fiador.”

O artigo 830, por seu turno, trata da ação de exigir caução:

“Art. 830. Aquele em cujo favor há de ser dada a caução requererá a citação do
obrigado para que a preste, sob pena de incorrer na sanção que a lei ou o contrato
cominar para a falta.”

O procedimento de ambas as ações, no entanto, segue o rito das cautelares


inominadas, da parte geral do processo cautelar.
Concedida a liminar ou julgado procedente o pedido, o juiz determina que haja a
efetiva prestação da caução. Se o requerido se nega ao cumprimento – se não presta ou não
recebe a caução, a depender do caso –, estará incurso nas sanções normais pelo
descumprimento da obrigação judicialmente imposta, inclusive multa.
O artigo 835 do CPC trata de uma hipótese bastante peculiar:

“Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se
ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução
suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no
Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.”

A lógica é evitar demandas aventureiras, temerárias, o que se faz por meio da


imposição da caução. O artigo 836 do CPC excepciona o antecedente, justamente por não
haver essa chance de temeridade:

“Art. 836. Não se exigirá, porém, a caução, de que trata o artigo antecedente:
I - na execução fundada em título extrajudicial;
II - na reconvenção.”
No processo de exigir caução, pode ser que, no decurso, a caução prestada por força
da decisão liminar se demonstre insuficiente. Ocorrendo isso, pode o autor demandar do
juiz que imponha ao réu o reforço da caução, ainda que o processo esteja em fase recursal.
Veja os artigos 837 e 838 do CPC:

“Art. 837. Verificando-se no curso do processo que se desfalcou a garantia, poderá


o interessado exigir reforço da caução. Na petição inicial, o requerente justificará o
pedido, indicando a depreciação do bem dado em garantia e a importância do
reforço que pretende obter.”

“Art. 838. Julgando procedente o pedido, o juiz assinará prazo para que o obrigado
reforce a caução. Não sendo cumprida a sentença, cessarão os efeitos da caução
prestada, presumindo-se que o autor tenha desistido da ação ou o recorrente
desistido do recurso.”

5. Busca e apreensão

O procedimento cautelar de busca e apreensão oferece certa dificuldade de


identificação da sua hipótese de cabimento. Há, na verdade, diversas modalidades de busca
e apreensão espalhadas na legislação, mas há uma ressalva fundamental: são todas

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

hipóteses que se tratam de medidas de cunho satisfativo, e não cautelar, como é o caso do
Decreto-Lei 911/69, que trata da busca e apreensão em alienação fiduciária, ou a execução
específica de coisa certa, na forma do artigo 461-A, § 2º, do CPC:

“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a
tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (Incluído pela
Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o
credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao
devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do
credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar
de coisa móvel ou imóvel. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.
(Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)”

No próprio sequestro há também uma busca e apreensão, quando o bem tiver que
ser entregue pelo devedor e não o for de bom grado.
A busca e apreensão cautelar, aqui abordada, não é satisfativa. Ela se destina
unicamente a assegurar a efetividade do processo principal, como qualquer cautelar. Um
exemplo desse cabimento seria a busca e apreensão de documentos em poder do réu, para
assegurar a prova de uma ação principal de cobrança pelo autor. Mas repare que, apesar de
ser uma hipótese clara, nesse caso há uma cautelar típica mais específica, que será
abordada, e que deve ser observada: a exibição de documentos.
Como se vê, é difícil identificar hipóteses de cabimento dessa busca e apreensão
cautelar, de fato. É claro que, havendo ajuizamento de uma cautelar de busca e apreensão
quando houver outra medida cautelar mais específica, o juiz apenas converterá o rito, e não
rejeitará a inicial, de acordo com a fungibilidade (desde que o erro seja justificável, como
se viu).
Nem mesmo a busca e apreensão de pessoas é uma hipótese em que se identifica
bem o cabimento dessa cautelar: na verdade, a busca e apreensão de um filho, com o fim de
garantir sua segurança até o fim de um processo de guarda, por exemplo, é uma medida
antecipatória da tutela jurisdicional da guarda – satisfativa, portanto –, e não um
provimento essencialmente cautelar.
Sobre o procedimento, a inicial da busca e apreensão, além dos requisitos gerais do
artigo 282 do CPC, deve observar o artigo 840 desse Código:

“Art. 840. Na petição inicial exporá o requerente as razões justificativas da medida


e da ciência de estar a pessoa ou a coisa no lugar designado.”

Veja os procedimentos especiais da busca e apreensão:

“Art. 841. A justificação prévia far-se-á em segredo de justiça, se for indispensável.


Provado quanto baste o alegado, expedir-se-á o mandado que conterá:
I - a indicação da casa ou do lugar em que deve efetuar-se a diligência;
II - a descrição da pessoa ou da coisa procurada e o destino a lhe dar;
III - a assinatura do juiz, de quem emanar a ordem.”

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“Art. 842. O mandado será cumprido por dois oficiais de justiça, um dos quais o
lerá ao morador, intimando-o a abrir as portas.
§ 1º Não atendidos, os oficiais de justiça arrombarão as portas externas, bem como
as internas e quaisquer móveis onde presumam que esteja oculta a pessoa ou a
coisa procurada.
§ 2º Os oficiais de justiça far-se-ão acompanhar de duas testemunhas.
§ 3º Tratando-se de direito autoral ou direito conexo do artista, intérprete ou
executante, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão, o juiz
designará, para acompanharem os oficiais de justiça, dois peritos aos quais
incumbirá confirmar a ocorrência da violação antes de ser efetivada a apreensão.”

“Art. 843. Finda a diligência, lavrarão os oficiais de justiça auto circunstanciado,


assinando-o com as testemunhas.”

O restante do procedimento segue o rito geral das cautelares, já visto.

6. Alimentos provisionais

A diferença entre alimentos provisionais, cautelar típica, e alimentos provisórios, do


artigo 4º da Lei 5.478/68, é justamente a sua natureza: os alimentos provisórios são
antecipação da tutela requerida na própria ação de alimentos, enquanto os provisionais são
uma medida cautelar autônoma, ação autônoma de cunho preparatório para a ação de
alimentos. Veja o artigo dos alimentos provisórios:

“Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a


serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não
necessita.
Parágrafo único. Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado
pelo regime da comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que
seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns,
administrados pelo devedor.”
Acontece que, novamente, a natureza dos alimentos provisionais, dessa ação
nomeada de cautelar típica, é também de medida satisfativa: o autor requer alimentos,
liminarmente, e seu intento final é a obtenção dos mesmos alimentos, no futuro processo
principal. Trata-se de uma antecipação de tutela requerida em processo autônomo, portanto.
Veja o artigo 852 do CPC:

“Art. 852. É lícito pedir alimentos provisionais:


I - nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam separados
os cônjuges;
II - nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial;
III - nos demais casos expressos em lei.
Parágrafo único. No caso previsto no nº I deste artigo, a prestação alimentícia
devida ao requerente abrange, além do que necessitar para sustento, habitação e
vestuário, as despesas para custear a demanda.”

Se o autor de uma dessas ações supra pode requerer, nela mesma, a antecipação da
tutela, com base no artigo 273 do CPC, não há interesse em ajuizar uma ação cautelar
própria de alimentos provisionais – por isso é que se diz que os alimentos provisionais são
sempre antecedentes, e nunca incidentais ao processo principal. Se porventura houver o

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ajuizamento de uma cautelar de alimentos provisionais incidental, o juiz a receberá como


um pedido normal de antecipação de tutela, dada a fungibilidade das medidas.
Os artigos 253 e 254 do CPC trazem pequenas peculiaridades rituais dessa cautelar,
que diferem das regras gerais das cautelares:

“Art. 853. Ainda que a causa principal penda de julgamento no tribunal, processar-
se-á no primeiro grau de jurisdição o pedido de alimentos provisionais.”

“Art. 854. Na petição inicial, exporá o requerente as suas necessidades e as


possibilidades do alimentante.
Parágrafo único. O requerente poderá pedir que o juiz, ao despachar a petição
inicial e sem audiência do requerido, lhe arbitre desde logo uma mensalidade para
mantença.”

Casos Concretos

Questão 1

Caio ajuizou ação cautelar de sequestro de bens em face de Tício. O processo


tramitou regularmente e, na sentença, o magistrado concedeu o ARRESTO de bens, medida
esta diversa da que foi pleiteada pelo autor na inicial. Indaga-se:
a) Esta decisão judicial ofende o princípio da correlação/congruência?
b) Se, hipoteticamente, for concedida a tutela cautelar no bojo do processo cautelar
e, posteriormente, o seu pedido formulado no processo principal for julgado improcedente,
deve o juiz fazer expressa menção sobre a perda de sua eficácia?

Resposta à Questão 1

a) Os processos cautelares têm como característica a fungibilidade (artigo 805 do


CPC), na ótica de alguns doutrinadores, como Vicente Greco Filho. Assim, a medida
cautelar poderá ser substituída pelo juiz, de ofício, sempre que se revelar adequado e
suficiente por caução ou por qualquer outra garantia capaz de assegurar um resultado

Michell Nunes Midlej Maron 99


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proveitoso igual ou mais efetivo do que a medida cautelar requerida (artigo 797 do CPC).
No entanto, existem aqueles que entendem que não é esta a melhor interpretação do artigo
805 do CPC, conforme se aquilata na obra de Alexandre Freitas Câmara, que pugna pela
impossibilidade do juiz proferir sentença extra petita no processo cautelar;

b) A eficácia temporal da tutela cautelar está disciplinada no artigo 808, incisos I, II


e III do CPC. Sendo desfavorável o desfecho do processo principal para o demandante, a
cautelar tem sua eficácia extinta, automaticamente, com ou sem julgamento do mérito.

Questão 2

Caio move ação de cobrança em face de Tício, cuja sentença julgou procedente o
pedido. Interposta a apelação por Tício, Caio ajuíza ação cautelar incidental de arresto,
visando a indisponibilizar os bens de Tício, eis que este procurou ausentar-se furtivamente
do país, só não alcançando o êxito por ter sido negado o visto norte-americano que havia
solicitado.
Tício contesta, alegando a carência de ação por falta de interesse de agir na
modalidade interesse-adequação, eis que a cautelar de arresto só pode ser proposta em
sede de execução, seja fase executiva, seja ação autônoma de execução. No mérito, alega
Tício que deve ser o pedido julgado improcedente, eis que a simples caracterização de uma
das hipóteses do art. 813 do CPC não autoriza a concessão da medida, sendo
indispensável demonstrar que, com a prática do ato descrito no citado art. 813, verifica-se
o periculum in mora. Não havendo mais provas a serem produzidas, como magistrado,
decida acerca da alegação de carência de ação suscitada e sobre o mérito da ação
cautelar.

Resposta à Questão 2

Quanto à alegação de carência de ação, dispõe o artigo 814, do CPC que é


indispensável, para a concessão do arresto, a prova literal da divida líquida e certa. Em
razão desta redação, poder-se-ia concluir que o arresto só pode ser concedido em sede de
execução, visto que a “prova de dívida líquida e certa” se dá através de um título executivo,
o que ensejaria um módulo processual de execução e não de conhecimento.
É a posição sustentada, por exemplo, por Alexandre Freitas Câmara em suas Lições
de Direito Processual Civil, Vol. III. Contudo, o parágrafo único do citado artigo 814, com
redação dada pela Lei 10.444/02, equipara à prova literal da dívida líquida e certa a
sentença pendente de recurso, evidenciando a possibilidade de arresto, eis que pendente o
recurso, na fase de conhecimento do processo sincrético instituído peia Lei 11.232/05.
Assim, afastada a alegação de inadequação e, portanto, de carência de ação. Este é o
entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro exarado no
Acórdão proferido no Agravo n.° 2006.002.06357 da lavra da eminente Desembargadora
Simone Gastesi Chevrand:

“AI 2006.002.06357 TJRJ – Rel. JDS. DES. SIMONE GASTESI CHEVRAND, j.


06/06/2006, 18ª CCTJ

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM AÇÃO


DE ARRESTO. ALEGAÇÃO DO AGRAVANTE NO SENTIDO DE NÃO
FIGURAR COMO DEVEDOR DO VALOR CONSTANTE DE CHEQUE QUE
INSTRUI A AÇÃO CAUTELAR, ALÉM DE TER DOMICÍLIO CERTO E
CONHECIDO. Em que pese não se exigir, para fins de ajuizamento de ação
cautelar de arresto, que o autor apresente titulo executivo extrajudicial em desfavor
do réu, é necessário que detenha prova literal da dívida líquida e certa (art. 814, I,
CPC). Não figurando o agravante como responsável cambial pelo valor
consubstanciado no cheque que instrui a ação, a princípio, não pode ter bens
constritos para assegurar a eficácia de ação executiva futura. Sua responsabilidade
indenizatória pode vir a ser reconhecida através de ação de conhecimento. Porém,
para a determinação, de plano, do arresto, não é suficiente a mera afirmação de que
permitiu que negócios fossem celebrados entre as demais partes em seu
estabelecimento. De outro lado, a instituição financeira agravante mantém suas
atividades empresariais em endereço certo, inexistindo quaisquer indícios de que
pretenda fraudar credores o que, na verdade, deveria ser demonstrado pelo
agravado. De concreto, em sede de cognição sumarissima exercida na apreciação
do requerimento de concessão de medida liminar em ação de arresto, não se pode
inferir a presença dos necessários fumus boni iuris e periculum in mora. Recurso
provido.” No mérito, Assiste razão ao Requerido. Com efeito, Não basta
demonstrar as hipóteses do art. 813, mas juntamente com elas, a presença efetiva
do periculum in mora (Agravo n.° 2002.002.16662, Rel. Des. Francisco de Assis
Pessanha), o que não foi demonstrado pelo Requerente na inicial. Isto posto, julgo
improcedente o pedido de arresto dos bens.”

“AI 2002.002.16662 TJRJ – Rel. DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA, j.


06/05/2003, DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL
MEDIDA CAUTELAR. ARRESTO. INDEFERIMENTO LIMINAR. AGRAVO
DE INSTRUMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRESTO.
INDEFERIMENTO DA LIMINAR. A concessão de liminar em ação cautelar de
arresto está condicionada ao preenchimento dos requisitos elencados no artigo 814,
do Código de Processo Civil, e aos pressupostos gerais da tutela cautelar, quais
sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. A doutrina e a jurisprudência
comungam do entendimento de que as hipóteses contempladas pelo Art. 813, do
Código de Processo Civil, não são exaustivas, pois a finalidade da medida
postulada é a de garantir o resultado prático e útil do processo principal, bastando,
para a concessão do arresto, o risco de dano e o perigo da demora, não sendo esta a
hipótese dos autos. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.”

Questão 3

Foi deferida uma liminar de sequestro de bens em desfavor de diversos


demandados. Os sequestros dos bens de cada um dos demandados foram efetivados em
datas distintas. Pergunta-se: qual é o termo a quo para a contagem do prazo de 30 dias de
que trata o artigo 806 do CPC? Fundamente.

Resposta à Questão 3

O prazo desse artigo começa a correr desde a efetivação da medida cautelar


requerida e concedida, ou seja, desde quando o provimento cautelar invadir direito alheio.
No caso, a efetivação contra um só dos réus pode fazer começar a correr o prazo ou não,
dependendo de quais sejam os réus: se entre eles há litisconsórcio necessário, o prazo
começa a correr para a ação principal contra todos, desde quando um só for afetado; se o

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

litisconsórcio é facultativo, correrá apenas para a ação em face daquele réu, e não para as
ações principais contra todos.

Tema VIII

Procedimentos cautelares típicos: produção antecipada de provas, exibição, justificação, arrolamento de


bens, protestos, notificações e interpelações, homologação de penhor legal, posse em nome do nascituro,
atentado, protesto e apreensão de títulos.

Notas de Aula51

1. Exibição

A cautelar de exibição, do artigo 844 do CPC, é sempre preparatória, porque a


exibição incidental, meio de prova, está prevista nos artigos 355 a 366, e 381 e 382, do
CPC – tanto que o artigo 845 do CPC remete a esses dispositivos para suprir o
procedimento da cautelar de exibição. Veja todos os dispositivos:

“Art. 844. Tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial:


I - de coisa móvel em poder de outrem e que o requerente repute sua ou tenha
interesse em conhecer;
II - de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio,
condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua
51
Aula ministrada pelo professor Ademar Vidal Neto, em 15/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens


alheios;
III - da escrituração comercial por inteiro, balanços e documentos de arquivo, nos
casos expressos em lei.”

“Art. 845. Observar-se-á, quanto ao procedimento, no que couber, o disposto nos


arts. 355 a 363, e 381 e 382.”

“Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache
em seu poder.”

“Art. 356. O pedido formulado pela parte conterá:


I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa;
II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento
ou a coisa;
III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento
ou a coisa existe e se acha em poder da parte contrária.”

“Art. 357. O requerido dará a sua resposta nos 5 (cinco) dias subseqüentes à sua
intimação. Se afirmar que não possui o documento ou a coisa, o juiz permitirá que
o requerente prove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à
verdade.”

“Art. 358. O juiz não admitirá a recusa:


I - se o requerido tiver obrigação legal de exibir;
II - se o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de
constituir prova;
III - se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes.”

“Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por
meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:
I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo
do art. 357;
II - se a recusa for havida por ilegítima.”

“Art. 360. Quando o documento ou a coisa estiver em poder de terceiro, o juiz


mandará citá-lo para responder no prazo de 10 (dez) dias.”

“Art. 361. Se o terceiro negar a obrigação de exibir, ou a posse do documento ou


da coisa, o juiz designará audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem
como o das partes e, se necessário, de testemunhas; em seguida proferirá a
sentença.”

“Art. 362. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz
lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar
designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das
despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de
apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da
responsabilidade por crime de desobediência.”

“Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a


coisa: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I - se concernente a negócios da própria vida da família; (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)
II - se a sua apresentação puder violar dever de honra; (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973)

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

III - se a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro,


bem como a seus parentes consangüíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes
representar perigo de ação penal; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
IV - se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou
profissão, devam guardar segredo; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de
1º.10.1973)
V - se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz,
justifiquem a recusa da exibição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a
uma parte do conteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser
apresentada em juízo. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”

“Art. 381. O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos
livros comerciais e dos documentos do arquivo:
I - na liquidação de sociedade;
II - na sucessão por morte de sócio;
III - quando e como determinar a lei.”

“Art. 382. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e
documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como
reproduções autenticadas.”

A cautelar de exibição pode, por vezes, exibir o caráter de antecipação de tutela,


satisfativa, dependendo da causa de pedir invocada pelo autor. Se a exibição de
documentos, por exemplo, for necessária para instruir um processo ulterior principal de
cobrança, por exemplo, é claramente cautelar; se a exigência da exibição for por
observância de norma societária que dá direito ao sócio de ter ciência dos documentos, por
exemplo, essa exibição tem cunho satisfativo, porque a pretensão é somente essa ciência,
que será satisfeita desde quando se entender procedente o pedido.
As hipóteses do artigo 844 do CPC, como se vê, não podem ser interpretadas
gramaticalmente, porque se assim o forem chegar-se-á à conclusão de que o bem que se
quer exibido, ao menos nas hipóteses dos incisos I e II, é sempre próprio do autor, a ele
pertencente, documento que ele tenha assinado ou em que figure como parte, de qualquer
forma. Apesar de a jurisprudência se manter nessa literalidade, a doutrina tem reconhecido
o interesse de terceiros, alheios aos bens ou documentos cuja exibição se requer, para tal
cautelar. Como exemplo, um contrato é firmado por um administrador de uma empresa
controlada, em nome próprio, com a controladora, acertando comissão na venda da
controlada; essa é vendida, mas ao administrador não é dado saber o valor. O administrador,
mesmo alheio ao contrato de compra e venda da empresa, tem claro interesse em sua
exibição, para fins de verificação de quanto lhe é devido.
A cautelar de exibição pode ser proposta contra a parte, aquele que figurará no pólo
passivo da ação principal, ou contra terceiro, que é o detentor da coisa, mesmo sem ser
quem figurará no processo principal futuro. O procedimento, em cada caso, é diverso,
porque quando a exibição for contra a parte, aplica-se o artigo 359 do CPC, que cria a
presunção de veracidade do que se quer provar com os itens cuja exibição é requerida – ou
seja, não há necessidade de busca e apreensão das coisas a serem exibidas; se a ação for
contra terceiro, que não figurará no processo principal, essa presunção não faz sentido, pelo
que a providência necessária será a busca e apreensão.
O STJ entende que na exibição de documentos não é cabível a multa cominatória,
como se vê na súmula 372 dessa Corte, por conta justamente de abraçar essa lógica acima

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

exposta: na ação cautelar de exibição movida contra a parte, aplica-se a presunção do artigo
359 do CPC, e por isso a multa cominatória é providência desnecessária, eis que pior, para
o autor, do que a mencionada presunção.

“Súmula 372, STJ: Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de


multa cominatória.”

Já nas cautelares de exibição contra terceiros, tanto a multa cominatória quanto a


busca e apreensão têm lugar, eis que a presunção é inaplicável.

2. Produção antecipada de provas

O periculum in mora, nessa cautelar típica, consiste na demonstração de que a prova


necessária para um processo principal está em vias de perecer. Exemplo mais claro é o de
uma testemunha que está em vias de falecer.
O artigo 846 do CPC fala das provas possíveis de assim serem produzidas, e se
omite quanto à inspeção judicial, mas a interpretação é que essa inspeção é passível dessa
produção cautelar.

“Art. 846. A produção antecipada da prova pode consistir em interrogatório da


parte, inquirição de testemunhas e exame pericial.”

O artigo 847 do CPC traz rol exemplificativo de situações que caracterizam o


periculum:

“Art. 847. Far-se-á o interrogatório da parte ou a inquirição das testemunhas antes


da propositura da ação, ou na pendência desta, mas antes da audiência de
instrução:
I - se tiver de ausentar-se;
II - se, por motivo de idade ou de moléstia grave, houver justo receio de que ao
tempo da prova já não exista, ou esteja impossibilitada de depor.”

Na petição inicial, além dos requisitos gerais de toda inicial, há que se observar o
artigo 848 do CPC:

“Art. 848. O requerente justificará sumariamente a necessidade da antecipação e


mencionará com precisão os fatos sobre que há de recair a prova.
Parágrafo único. Tratando-se de inquirição de testemunhas, serão intimados os
interessados a comparecer à audiência em que prestará o depoimento.”

Se a prova a ser antecipada é a testemunhal, simplesmente se observará o rito de


produção dessa prova, só que preparatoriamente ao processo principal; o mesmo se aplica
para a perícia cuja produção antecipada for requerida. Veja os artigos 849 a 851 do CPC:

“Art. 849. Havendo fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito
difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação, é admissível o exame
pericial.”

“Art. 850. A prova pericial realizar-se-á conforme o disposto nos arts. 420 a 439.”

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

“Art. 851. Tomado o depoimento ou feito exame pericial, os autos permanecerão


em cartório, sendo lícito aos interessados solicitar as certidões que quiserem.”

Produzida a prova, o juiz que conduz a sua colheita não a valora, porque essa se
destina ao juízo do processo principal, e somente nesse será avaliada.

3. Arrolamento de bens

O arrolamento de bens é cabível sempre que se estiver diante de uma massa


patrimonial em vias de dissipação, e não se puder identificar quais são exatamente os bens
que componham essa massa patrimonial.
Bom exemplo é o do falecimento de uma pessoa que deixa uma biblioteca com
vasto acervo de livros valiosos, e um dos herdeiros começa a alienar esses livros: há
interesse, pelos demais herdeiros, em ajuizar a cautelar de arrolamento, a fim de delimitar
exatamente a extensão dos bens em questão, antes que sejam dissipados, tornando-os
indisponíveis.
Veja que se a pessoa já sabe quais são os bens alvo de dissipação, ela não precisa
desse arrolamento: precisará da cautelar de sequestro, apontando os bens que estão sendo
ameaçados.
Veja os artigos 855 a 860 do CPC:

“Art. 855. Procede-se ao arrolamento sempre que há fundado receio de extravio ou


de dissipação de bens.”

“Art. 856. Pode requerer o arrolamento todo aquele que tem interesse na
conservação dos bens.
§ 1º O interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva
ser declarado em ação própria.
§ 2º Aos credores só é permitido requerer arrolamento nos casos em que tenha
lugar a arrecadação de herança.”

“Art. 857. Na petição inicial exporá o requerente:


I - o seu direito aos bens;
II - os fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens.”

“Art. 858. Produzidas as provas em justificação prévia, o juiz, convencendo-se de


que o interesse do requerente corre sério risco, deferirá a medida, nomeando
depositário dos bens.
Parágrafo único. O possuidor ou detentor dos bens será ouvido se a audiência não
comprometer a finalidade da medida.”

“Art. 859. O depositário lavrará auto, descrevendo minuciosamente todos os bens e


registrando quaisquer ocorrências que tenham interesse para sua conservação.”

“Art. 860. Não sendo possível efetuar desde logo o arrolamento ou concluí-lo no
dia em que foi iniciado, apor-se-ão selos nas portas da casa ou nos móveis em que
estejam os bens, continuando-se a diligência no dia que for designado.”

Deferida a liminar, o oficial de justiça realizará o inventário, e não o depositário,


como diz o artigo 859, supra. O depositário é nomeado após o arrolamento dos bens.

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

4. Justificação

Veja o artigo 861 do CPC, que apresenta o escopo da cautelar de justificação:

“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica,
seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova
em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.”

A justificação se presta à produção de uma prova, mas difere da cautelar específica


de produção antecipada de provas porque nessa última a prova está em vias de perecer,
enquanto na justificação não há essa premência.
Além disso, a justificação é mais uma providência satisfativa, e não cautelar: o autor
quer produzir a prova não porque intenta ajuizar um processo principal adianta, mas apenas
pela prova em si. Ele quer documentar um fato qualquer, mesmo que não haja intenção de
ajuizar processo futuro com base em tal fato.
Exemplo de cabimento dessa ação é o de um casal que queira documentar a sua
situação de conviventes em união estável, a fim de obter uma pensão previdenciária. Não
haverá processo judicial, mas sim administrativo, a princípio, e a medida correta para tanto
é a justificação.
A justificação só comporta prova documental e testemunhal.
O artigo 862 do CPC exige a citação de todos os interessados, ou a intervenção do
MP, quando isso não for possível:

“Art. 862. Salvo nos casos expressos em lei, é essencial a citação dos interessados.
Parágrafo único. Se o interessado não puder ser citado pessoalmente, intervirá no
processo o Ministério Público.”

Os interessados são definidos na casuística. No exemplo dado, é interessado a ser


citado o INSS, alvo de destino da prova produzida nessa justificação.
Não há contestação no procedimento de justificação: os interessados são citados
para participar do processo, e não para contestar o pedido, porque não haverá valoração da
prova. Veja os artigos 865 e 866 do CPC:

“Art. 865. No processo de justificação não se admite defesa nem recurso.”

“Art. 866. A justificação será afinal julgada por sentença e os autos serão entregues
ao requerente independentemente de traslado, decorridas 48 (quarenta e oito) horas
da decisão.
Parágrafo único. O juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a
verificar se foram observadas as formalidades legais.”

O que se vê é que esse é um procedimento de jurisdição voluntária, de fato. O


interesse dessa ação é a certificação da situação que se quer provar por meio da verificação
judicial, o que não acontece em declarações cartorárias, por exemplo. Essa é a mesma
lógica que fundamenta a utilidade dos protestos, notificações e interpelações, próximo
tópico.

5. Protestos, notificações e interpelações

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Veja o escopo dessas cautelares típicas no artigo 867 do CPC:

“Art. 867. Todo aquele que desejar prevenir responsabilidade, prover a


conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo
formal, poderá fazer por escrito o seu protesto, em petição dirigida ao juiz, e
requerer que do mesmo se intime a quem de direito.”

O interesse nessas providências judiciais, que também podem ser realizadas em


cartório, é a sua maior correção, eis que conduzida por um juiz. No protesto cartorário, por
exemplo, é possível que o credor de má-fé consiga efetivar, mesmo assim, o gravame,
mesmo que indevido. Em juízo, há o controle judicial do ato. Esse interesse fica claro na
previsão do artigo 869 do CPC:

“Art. 869. O juiz indeferirá o pedido, quando o requerente não houver


demonstrado legítimo interesse e o protesto, dando causa a dúvidas e incertezas,
possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio lícito.”

Veja os demais artigos sobre essas cautelares:

“Art. 870. Far-se-á a intimação por editais:


I - se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em
lei, ou quando a publicidade seja essencial para que o protesto, notificação ou
interpelação atinja seus fins;
II - se o citando for desconhecido, incerto ou estiver em lugar ignorado ou de
difícil acesso;
III - se a demora da intimação pessoal puder prejudicar os efeitos da interpelação
ou do protesto.
Parágrafo único. Quando se tratar de protesto contra a alienação de bens, pode o
juiz ouvir, em 3 (três) dias, aquele contra quem foi dirigido, desde que Ihe pareça
haver no pedido ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito,
decidindo em seguida sobre o pedido de publicação de editais.”

“Art. 871. O protesto ou interpelação não admite defesa nem contraprotesto nos
autos; mas o requerido pode contraprotestar em processo distinto.”

“Art. 872. Feita a intimação, ordenará o juiz que, pagas as custas, e decorridas 48
(quarenta e oito) horas, sejam os autos entregues à parte independentemente de
traslado.”

“Art. 873. Nos casos previstos em lei processar-se-á a notificação ou interpelação


na conformidade dos artigos antecedentes.”

6. Homologação do penhor legal

Veja o artigo 874 do CPC:

“Art. 874. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor,
ato contínuo, a homologação. Na petição inicial, instruída com a conta
pormenorizada das despesas, a tabela dos preços e a relação dos objetos retidos,
pedirá a citação do devedor para, em 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou alegar
defesa.
Parágrafo único. Estando suficientemente provado o pedido nos termos deste
artigo, o juiz poderá homologar de plano o penhor legal.”

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

O artigo 1.467 do CC estabelece os casos de penhor legal:

“Art. 1.467. São credores pignoratícios, independentemente de convenção:


I - os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens,
móveis, jóias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo
nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí
tiverem feito;
II - o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou
inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas.”

O credor pignoratício legal, das hipóteses supra, poderá tomar o bem garantidor por
mão própria, mas o penhor só se considerará válido, apto a produzir seus efeitos de
garantia, após esse procedimento cautelar típico do CPC.
Veja os demais artigos do CPC sobre essa cautelar:

“Art. 875. A defesa só pode consistir em:


I - nulidade do processo;
II - extinção da obrigação;
III - não estar a dívida compreendida entre as previstas em lei ou não estarem os
bens sujeitos a penhor legal.”

“Art. 876. Em seguida, o juiz decidirá; homologando o penhor, serão os autos


entregues ao requerente 48 (quarenta e oito) horas depois, independentemente de
traslado, salvo se, dentro desse prazo, a parte houver pedido certidão; não sendo
homologado, o objeto será entregue ao réu, ressalvado ao autor o direito de cobrar
a conta por ação ordinária.”

Repare que o que o credor quer, de fato, é cobrar uma dívida, que está supostamente
garantida pelo penhor legal. Por isso, esse procedimento é verdadeiramente cautelar, porque
seu escopo é garantir a excução judicial futura daquele bem.
E note-se que, peculiarmente, esse processo cautelar se destina a proteger o réu: se o
autor está na posse do bem de propriedade do réu, por penhor realizado de mão própria, a
homologação visa a proteger o réu de penhores indevidos.
Mesmo que o penhor não seja homologado, porque considerado indevido pelo juízo,
a ação principal de cobrança não resta perturbada de forma alguma. Na cautelar de
homologação, não se discute o crédito, mas tão somente a regularidade do penhor
empreendido pelo credor.
Homologado o penhor, os autos ficam no cartório, porque a ação de cobrança
correrá no mesmo juízo – não havendo que se entregar ao autor em quarenta e oito horas,
como diz o artigo 876, supra.

7. Posse em nome do nascituro

Veja os artigos 877 e 878 do CPC:

“Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar
seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério
Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.
§ 1º O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o
nascituro é sucessor.

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

§ 2º Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da


requerente.
§ 3º Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro.”

“Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença,
declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.
Parágrafo único. Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz
nomeará curador ao nascituro.”

O objetivo desse procedimento é somente o de atestar que a requerente está grávida,


e com isso autorizá-la a habilitar o nascituro nos autos de inventário do qual ele seja
herdeiro. É uma cautelar bastante específica.
Veja que não se discute se o nascituro é ou não herdeiro, nessa cautelar: essa
discussão pertine ao processo de inventário, principal. Aqui, somente se verifica e atesta a
situação de gravidez da requerente, e nada mais.

8. Atentado

A cautelar de atentado é cabível sempre que, no curso de um processo judicial


qualquer – a cautelar de atentado é sempre incidental, portanto –, uma das partes começa a
inovar as circunstâncias fáticas, com o objetivo de induzir o juízo a erro.
Um exemplo: em ação demarcatória, uma das partes altera a cerca divisória, que
delimita a extensão dos imóveis. Com a liminar na cautelar de atentado, essa parte será
impedida de continuar a alteração indevida dos fatos, sob pena de multa, e será condenada a
desfazer aquilo que alterou, restituindo o status quo das coisas, além de eventuais perdas e
danos já causadas.
Veja os artigos 879 a 881 do CPC:

“Art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo:


I - viola penhora, arresto, seqüestro ou imissão na posse;
II - prossegue em obra embargada;
III - pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato.”

“Art. 880. A petição inicial será autuada em separado, observando-se, quanto ao


procedimento, o disposto nos arts. 802 e 803.
Parágrafo único. A ação de atentado será processada e julgada pelo juiz que
conheceu originariamente da causa principal, ainda que esta se encontre no
tribunal.”

“Art. 881. A sentença, que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento


do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos
autos até a purgação do atentado.
Parágrafo único. A sentença poderá condenar o réu a ressarcir à parte lesada as
perdas e danos que sofreu em conseqüência do atentado.”

Além de obstar as alterações, condenar a parte ao desfazimento do que fez, e a


pagar eventuais perdas e danos, o juiz pode determinar também que o processo principal
fique suspenso até que seja desfeita a inovação artificiosa. Mas veja que essa previsão do
artigo 881, supra, deve ser aplicada com cautela, pois pode acabar favorecendo ao réu
recalcitrante, que terá inovado atentando contra o processo, e ainda será beneficiado com a
suspensão do feito. No exemplo demarcatória, se quem altera a cerca é o autor, a suspensão

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

da demarcatória até que corrija a inovação é providência correta, pois o autor tem pressa em
mover o processo e demarcar sua área, mas se quem inovou foi o réu, não deve haver
suspensão até a reforma da inovação, pois o réu poderá atrasar o feito, o que
presumidamente é seu interesse – dever-se-á impor-lhe multa cominatória.
O artigo 881 estabelece que o requerido na cautelar de atentado fica impedido de
falar nos autos da ação principal. Essa previsão é claramente inconstitucional, porque atenta
contra o acesso à justiça, mas há quem entenda que seja um mecanismo válido de coerção –
o que não prevalece, decerto.

9. Do protesto e da apreensão de títulos

Veja os artigos 882 a 887 do CPC, bastantes para compreensão dessas cautelares:

“Art. 882. O protesto de títulos e contas judicialmente verificadas far-se-á nos


casos e com observância da lei especial.”

“Art. 883. O oficial intimará do protesto o devedor, por carta registrada ou


entregando-lhe em mãos o aviso.
Parágrafo único. Far-se-á, todavia, por edital, a intimação:
I - se o devedor não for encontrado na comarca;
II - quando se tratar de pessoa desconhecida ou incerta.”
“Art. 884. Se o oficial opuser dúvidas ou dificuldades à tomada do protesto ou à
entrega do respectivo instrumento, poderá a parte reclamar ao juiz. Ouvido o
oficial, o juiz proferirá sentença, que será transcrita no instrumento.”

“Art. 885. O juiz poderá ordenar a apreensão de título não restituído ou sonegado
pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só decretará a prisão de quem o recebeu
para firmar aceite ou efetuar pagamento, se o portador provar, com justificação ou
por documento, a entrega do título e a recusa da devolução.
Parágrafo único. O juiz mandará processar de plano o pedido, ouvirá depoimentos
se for necessário e, estando provada a alegação, ordenará a prisão.”

“Art. 886. Cessará a prisão:


I - se o devedor restituir o título, ou pagar o seu valor e as despesas feitas, ou o
exibir para ser levado a depósito;
II - quando o requerente desistir;
III - não sendo iniciada a ação penal dentro do prazo da lei;
IV - não sendo proferido o julgado dentro de 90 (noventa) dias da data da execução
do mandado.”

“Art. 887. Havendo contestação do crédito, o depósito das importâncias referido no


artigo precedente não será levantado antes de passada em julgado a sentença.”

10. Outras medidas provisionais

Veja os artigos 888 e 889 do CPC:

“Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou


antes de sua propositura:
I - obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendida;
II - a entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos;

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

III - a posse provisória dos filhos, nos casos de separação judicial ou anulação de
casamento;
IV - o afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos
pais;
V - o depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais,
tutores ou curadores, ou por eles induzidos à prática de atos contrários à lei ou à
moral;
VI - o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal;
VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita;
VIII - a interdição ou a demolição de prédio para resguardar a saúde, a segurança
ou outro interesse público.”

“Art. 889. Na aplicação das medidas enumeradas no artigo antecedente observar-


se-á o procedimento estabelecido nos arts. 801 a 803.
Parágrafo único. Em caso de urgência, o juiz poderá autorizar ou ordenar as
medidas, sem audiência do requerido.”

Casos Concretos

Questão 1

Augusto promoveu ação cautelar preparatória de exibição de documentos em face


do Banco X para que este apresente os extratos de conta-corrente indicados na inicial, sob
pena de multa diária.
O magistrado, considerando a urgência do pleito, já que próximo o término do
prazo prescricional para propositura de demanda principal sobre os expurgos
inflacionários dos planos econômicos, defere liminar para que o banco réu apresente em
05 dias os extratos indicados na inicial, sob pena de multa diária de R$ 250,00.
Correta a decisão?

Resposta à Questão 1

Veja o seguinte julgado:

“AI 2007.002.20749 TJRJ – Rel. DES. ADEMIR PIMENTEL, j. 08/08/2007, 13ª


CCTJ.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR
PREPARATÓRIA DE EXIBIÇÃO - PLANOS BRESSER E VERÃO. DECISÃO
QUE DEFERE LIMINAR PARA QUE O BANCO APRESENTE EM 05 (CINCO)
DIAS OS EXTRATOS INDICADOS NA INICIAL, SOB PENA DE MULTA
DIÁRIA. INADMISSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA MULTA.
PRECEDENTES DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO COM BASE NO ART. 557, § 1º-
A, DO CPC.

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I - Consagra a jurisprudência de nossa mais alta Corte infraconstitucional o


princípio de que a multa cominatória é pertinente quando se trate de obrigação de
fazer ou não fazer, não cabendo na cautelar de exibição de documentos, em que, se
não cumprida a ordem, é possível a busca e apreensão;
II - Ante a carência de maiores provas, remete-se ao Juízo a quo a apreciação da
prescrição alegada;
III - Recurso ao qual se dá provimento com base no art. 557, § 1º-A, do Código de
Processo Civil.”

Questão 2

Espólio de Almeida propõe ação cautelar em face de Indústria Afonso de Vidros


Ltda., Antônio Pereira e Márcia Pereira, alegando que celebrou contrato de locação com a
primeira ré, figurando como fiadores os demais réus.
O autor afirma que proporá ação de indenização em face dos réus, fundada em
danos provocados no imóvel decorrentes de sua má utilização. Afirma, ainda, ser
necessária a realização da prova pericial de forma antecipada, já que pretende fazer os
reparos necessários no imóvel.
O magistrado determina a produção da prova pericial. Intimado, o perito
apresentou laudo pericial antes que os réus fossem citados, porém, logo após a citação, foi
oportunizada aos réus a formulação de quesitos, todos apreciados e respondidos
posteriormente pelo perito.
A sentença é proferida com a homologação do laudo pericial e de seu
complemento. O primeiro réu apela, alegando a nulidade da prova pericial produzida.
Decida fundamentadamente.

Resposta à Questão 2

Veja o seguinte julgado:

“AC 2007.001.44481 TJRJ – Rel. DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, j.


04/09/2007, 5ª CCTJ
MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA PERICIAL.
CITAÇÃO POSTERIOR A PRODUÇÃO DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE
NULIDADE. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, UMA VEZ QUE
NÃO OCORREU A VALORAÇÃO DA PROVA PERICIAL PELO JULGADOR,
SENDO, INCLUSIVE, DETERMINADA A INTIMAÇÃO DO PERITO PARA SE
MANIFESTAR SOBRE OS QUESITOS APRESENTADOS EM
CONTESTAÇÃO PELOS RÉUS, OPORTUNIZANDO A PRETENDIDA
DILAÇÃO PROBATÓRIA. LEGITIMIDADE DOS FIADORES, UMA VEZ
QUE SE TRATA DE RESPONSABILIDADE E OBRIGAÇÕES PRÉVIA E
LIVREMENTE AJUSTADAS PELOS CONTRATANTES. NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO.”

Questão 3

O segundo maior acionista de uma S.A. move contra essa sociedade empresária
Ação Cautelar de Exibição de Documentos, de que trata o artigo 844, II do Código de
Processo Civil.

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Conforme a pretensão deduzida, os documentos deverão ser disponibilizados em


juízo para extração de cópias autenticadas que permitam sua complexa análise e
valoração acerca da conveniência ou não de propositura de demanda indenizatória por
perdas e danos, já que os documentos referem-se ao período da gestão em que se verificou
ausência de dividendos. Ocorre que o Autor formula pedido de concessão de liminar.
Seria possível ao magistrado deferir tal pedido, concedendo liminar que determinasse à ré
a apresentação em juízo dos documentos, já que o Autor alega periculum in mora temendo
pela adulteração dos documentos após a citação da Ré? Seria satisfativa tal medida,
esvaziando por completo a demanda cautelar?

Resposta à Questão 3

Veja:

“REsp 513707 / SC STJ – Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES


DIREITO, Relator p/ Acórdão Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, j.
14/02/2006
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR DE CUNHO SATISFATIVO.
EXIBIÇÃO JUDICIAL DE DOCUMENTOS. POSSIBILIDADE. A jurisprudência
tem admitido, em caráter excepcional, diante das nuances do caso concreto,
medidas liminares de caráter satisfativo desde que presentes os pressupostos
específicos do fumus boni iuris e o periculum in mora e sempre que a previsão
requerida seja indispensável à preservação de uma situação de fato que se revele
incompatível com a demora na prestação jurisdicional. In casu, há de se prestigiar
o deferimento da medida, até porque a exibição dos documentos não trará nenhum
prejuízo à recorrida, cujo objetivo é apenas a apresentação, em juízo, das fichas de
custo de produtos comercializados, pelo tempo necessário à reprografia. Recurso
especial provido.

“Informativo nº 274 do STJ - Terceira Turma


AÇÃO CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. LIMINAR.
A questão consiste em saber da possibilidade ou não de se deferir liminar em
medida cautelar de exibição de documentos proposta pelo segundo maior acionista
de empresa, por não ter recebido dividendos relativos ao exercício de 2001. O Min.
Relator, vencido, não conhecia do recurso por entender que não cabe o deferimento
de liminar em ação cautelar de exibição de documentos diante do caráter
satisfativo, o que esgotaria o próprio conteúdo da ação, que perderia seu objeto,
além de que, no caso, o juiz de primeiro grau, apesar de deferir a liminar, destacou
que o autor não havia indicado nenhum elemento concreto de prova a justificar
suas suspeitas. Note-se que o Tribunal a quo posicionou-se no sentido de não caber
o deferimento de liminar. Entretanto a Turma, ao prosseguir o julgamento, por
maioria, deu provimento ao recurso. O voto vencedor do Min. Castro Filho
ponderou que o Direito Processual Civil tem evoluído, admitindo, inclusive, a
antecipação de tutela de mérito. Afirmou que a questão dos autos é de antecipação
de tutela cautelar em que a exibição de documentos, quando antecedente à
propositura da demanda principal, identifica-se com a antecipação de prova, que,
sem a possibilidade de concessão de liminar, poderia significar, ao final, não existir
mais a prova ou essa não ser mais aproveitável. Assim, pela sua similitude, a
exibição de documentos não deferida in limine poderia não servir mais aos seus
propósitos. Outrossim, afirmou ser inegável que essa medida tem natureza
satisfativa, mas satisfatividade de natureza cautelar e não de mérito, assim,
atendidos os pressupostos específicos, não obsta a concessão da liminar. Alertou,
ainda, que, no caso, a exibição dos documentos não trará prejuízo nenhum à

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

recorrida. REsp 513.707-SC, Rel. originário Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
Rel. para acórdão Min. Castro Filho, julgado em 14/2/2006.”

Questão 4

Maria Clara promove cautelar em face de Josué para postular a produção


antecipada de prova, alegando que o requerido, na sua ausência, construiu em terreno
dela uma casa de caseiro. Na inicial, fundamenta seu pleito na dúvida sobre os limites da
propriedade dos imóveis. Expressa seu interesse em alcançar judicialmente a eliminação
dessa dúvida, devendo ser nomeado pelo juiz um perito com conhecimento da matéria,
para elaboração de laudo conclusivo sobre os verdadeiros limites das propriedades das
partes. Citado, o réu alega que a pequena casa foi construída dentro dos limites de sua
propriedade, juntando planta do imóvel.
Indaga-se.
a) A produção antecipada de prova comporta contestação, como foi determinado
pelo juiz?
b) A propositura da ação cautelar de produção antecipada de prova se submete aos
pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora? Por quê?

Resposta à Questão 4

a) A ação cautelar de produção antecipada de prova não comporta contestação,


segundo a maioria da jurisprudência e, sim, impugnação restrita ao exame do atendimento
do que estabelecem os artigos 846 a 851 do CPC. Destaca-se que não se pode impedir o
oferecimento de contestação pelo requerido, principalmente, se vem alegar matéria de
natureza processual. Não se trata de cautelar preparatória e, sim uma medida acautelatória,
não prevenindo a competência. Outros doutrinadores entendem que é cabível a contestação,
apenas não se admitindo a discussão da matéria da ação principal a ser proposta. Destaca-se
que essa cautelar não é preparatória à propositura da ação principal, até porque feita a prova
o promovente pode se dar por satisfeito, ou porque o material probatório colhido não lhe
favorece.

b) O entendimento da doutrina, e acompanhado pela jurisprudência, é no sentido de


que ela não se subordina a um rigoroso exame do fumus boni iuris e periculum in mora. Ela
é medida acautelatória, na qual o juiz nada decide, sendo apenas meio de pretensão à prova.

Michell Nunes Midlej Maron 115


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Tema IX

A sentença cautelar. Estrutura. Objeto. Natureza. Coisa julgada. Encargos da sucumbência. Recursos
interponíveis.

Notas de Aula52

1. Sentença cautelar

O processo cautelar conta com duas decisões principais, justamente a interlocutória


que concede a liminar pretendida, e a sentença cautelar, concedida ao final do processo. É
comum, no entanto, duas ocorrências na praxe forense: a ausência de prolação da sentença
cautelar pelo juiz, que se limita a proferir a sentença principal, quando a cautelar fora
proposta preparatoriamente; ou a prolação de uma sentença única, no processo principal,
resolvendo ali tanto o direito principal quanto a questão cautelar.
Ambos os expedientes são errôneos, sendo necessária uma sentença para cada
matéria, por um detalhe: a apelação da sentença sobre a questão principal é recebida, em
regra, no duplo efeito, e a apelação da sentença cautelar conta apenas com efeito
devolutivo. Agrupar ambos no mesmo bojo cria conflito, porque a apelação terá um efeito
parcialmente suspensivo – além de furtar a parte vencedora de um dos honorários a que
teria direito.
A sentença cautelar não gera efeitos sobre o processo principal, e nem condiciona a
si o seu desenrolar. Como já se está ciente, os objetos não se confundem, sendo
perfeitamente lógico que haja uma procedência na cautelar e uma improcedência no
processo principal.
52
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 18/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 116


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O processo cautelar tem mérito, segundo a maior parte da doutrina. Humberto


Theodoro Júnior defende que não há, eis que mérito, para ele, é questão de direito material.
É isolado, porém, sendo que o STJ entende que existe mérito na ação cautelar, qual seja,
justamente a possibilidade de se entregar a cautela que se pleiteia.
Muitas vezes, o autor da cautelar, quando obtém a liminar, e a efetiva, abandona o
processo. Nesse caso, não há que se falar em perda superveniente do interesse: a sentença
deve ser de procedência.
Formalmente, a sentença cautelar é idêntica a qualquer outra sentença. Acerca da
sucumbência, deve haver condenação em honorários e custas processuais, com base no
princípio da causalidade, havendo até previsão específica no artigo 819 do CPC, que se
refere à cautelar de arresto, mas pode reprisar-se em todos os processo cautelares:

“Art. 819. Ficará suspensa a execução do arresto se o devedor:


I - tanto que intimado, pagar ou depositar em juízo a importância da dívida, mais
os honorários de advogado que o juiz arbitrar, e custas;
II - der fiador idôneo, ou prestar caução para garantir a dívida, honorários do
advogado do requerente e custas.”

A sentença cautelar tem natureza jurídica sui generis, não se encartando em


nenhuma das classificações usuais, declaratória, constitutiva ou condenatória. Assim o é
porque a sentença cautelar é inábil a eliminar o estado de incerteza das coisas, eis que é
pautada na probabilidade; e também não pode constituir, desconstituir ou condenar a nada,
materialmente. Além disso, não pode ser executada: essa sentença se cumpre apenas por
ofício ou mandado. Entretanto, a questão é controvertida, havendo quem diga que não há
qualquer diferença: a sentença cautelar será constitutiva, declaratória ou condenatória a
depender da pretensão que contempla. Por exemplo, os alimentos provisionais, que vêm em
uma sentença cautelar condenatória, para essa corrente.
A coisa julgada no processo cautelar é bem peculiar. Primeiro, devemos fixar a
premissa de que o processo cautelar tem mérito próprio, como entende a maioria da
doutrina, pois do contrário sequer será possível se falar em coisa julgada. Partindo daí,
questiona-se se essa sentença teria conteúdo imutável ou não, qualidade essa que define a
coisa julgada – a imutabilidade.
Quanto à coisa julgada formal, não há dúvida que a sentença cautelar a adquire. Já a
existência de coisa julgada material gera controvérsias. Isso porque a coisa julgada,
pressupõe imutabilidade, o que só pode vir da atribuição de certeza a um determinado
status, e tal certeza nunca virá de uma cognição não exauriente – o que é a regra da
cautelar, que se pauta em cognição sumária, contentando-se com a probabilidade. Mesmo
julgando o mérito, esse se refere a um juízo de probabilidade – e, assim, não há coisa
julgada material na sentença cautelar.
Ocorre que há autores, como Gustavo Badaró, que defendem que há, sim cognição
exauriente no processo cautelar: há instrução exaurida sobre o objeto do processo, que não
é a existência do direito material, e sim a cautelaridade em se prover medida assecuratória
do provimento jurisdicional final. Há provas exaurientes de que a probabilidade do fato
existe. Seguindo-se essa linha, é possível defender que haja coisa julgada material na
cautelar, porque seu objeto é a probabilidade, e se exauriu a prova sobre esse aspecto.
Quem entende que o processo cautelar não faz coisa julgada material assim postula
porque a sentença é pautada em cognição sumária, e por isso instável, mutável. Fux e

Michell Nunes Midlej Maron 117


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Ernani Fidélis entendem que não faz coisa julgada material, de fato, mas não porque é
pautada em cognição sumária, e sim porque poderá ser modificada ou revogada, na forma
do artigo 807 do CPC:

“Art. 807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo


antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo,
ser revogadas ou modificadas.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a medida cautelar conservará
a eficácia durante o período de suspensão do processo.”

Se é possível revogar ou modificar, o conteúdo é instável, e por isso não transita


materialmente em julgado. Mas veja a seguinte peculiaridade: só se revoga ou modifica
aquilo que antes foi concedido, ou seja, se a cautelar tem sentença favorável, poderá ser
modificada ou revogada, mas se a sentença cautelar é de improcedência, não há o que se
revogar ou modificar: qualquer alteração na sentença de improcedência será uma concessão
da medida cautelar, que não fora concedida antes. O que Fux e Fidélis entendem, então, é
que a sentença cautelar de procedência não faz coisa julgada material, por ser alterável ou
revogável, mas a sentença cautelar de improcedência faz coisa julgada material, por ser
imodificável.
A tese desses autores se complementa pela leitura do parágrafo único do artigo 808
do CPC, seguinte:
“Art. 808. Cessa a eficácia da medida cautelar:
I - se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806;
II - se não for executada dentro de 30 (trinta) dias;
III - se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento do
mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a medida, é defeso à parte repetir o
pedido, salvo por novo fundamento.”

Assim, julgado improcedente um pedido cautelar, até pode ser repetida a demanda
cautelar, desde que por novo fundamento, nova causa de pedir, ou seja, é uma ação diversa
da originalmente proposta e refutada, demonstrando que aquela improcedência original
transitou, sim, em julgado, materialmente – adquiriu imutabilidade, porque a reiteração será
uma nova ação.
Com isso, esses autores acabam fixando uma espécie de coisa julgada secundum
eventum litis para o processo cautelar: se procedente, a coisa julgada é meramente formal;
se improcedente, faz coisa julgada material.
Dinamarco entende que o capítulo referente à sucumbência, uma vez transitado em
julgado, faz coisa julgada material, porque esse sim ganha inquestionável imutabilidade. É
um capítulo estável, totalmente independente da decisão do processo principal (seguindo-se
a melhor técnica, que demanda duas sentenças, sempre, uma cautelar e uma do processo
principal).
A revogação do provimento liminar no processo cautelar deve ser expressa, mas há
quem sustente que a mera improcedência acarreta revogação implícita da liminar outrora
concedida. Nagib cita, nesse sentido, a súmula 405 do STF, que trata de situação análoga:
“Súmula 405, STF: Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no
julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária.”

Michell Nunes Midlej Maron 118


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1.1. Prescrição e decadência na sentença cautelar

A regra é que a cautelar não tem influência sobre a demanda principal, mas quando
na cautelar se perceber prescrição ou decadência do direito futuramente pretendido, há
vinculação. Veja o artigo 810 do CPC, que assim estabelece:
“Art. 810. O indeferimento da medida não obsta a que a parte intente a ação, nem
influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a
alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor.”

A sentença que reconhece prescrição ou decadência é meritória, e como na inicial


cautelar preparatória é preciso que haja os fatos e fundamentos jurídicos da demanda a ser
proposta no futuro (como dispõe o artigo 801, III, e seu parágrafo único), e não apenas os
da própria cautelar, é possível que o juiz pronuncie, desde logo, a prescrição ou decadência
do direito material da demanda principal que sequer foi ainda proposta.

“Art. 801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que


indicará:
I - a autoridade judiciária, a que for dirigida;
II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido;
III - a lide e seu fundamento;
IV - a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
V - as provas que serão produzidas.
Parágrafo único. Não se exigirá o requisito do no III senão quando a medida
cautelar for requerida em procedimento preparatório.”

A hipótese inversa, em que o réu da cautelar alega prescrição ou decadência, e o juiz


rejeita tal arguição, no entanto, não vincula a principal, porque simplesmente não faz coisa
julgada, essa rejeição da prescrição ou decadência: essa matéria é resolvida na
fundamentação da sentença cautelar, e não no dispositivo, não sendo alcançada pela coisa
julgada, nem mesmo formal, portanto – a matéria pode ser deduzida e acolhida na ação
principal.

1.2. Responsabilidade pelos prejuízos causados pela execução da medida cautelar

O artigo 811 do CPC trata do tema, e sua interpretação é bastante conflituosa:

“Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento


cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:
I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;
II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não
promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;
III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos
no art. 808, deste Código;
IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de
prescrição do direito do autor (art. 810).
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar.”

O autor de uma cautelar que, posteriormente à sua execução, vê-se sucumbente


diante do réu, deverá arcar com os prejuízos que a execução da medida tenham acarretado
ao réu. Essa é a regra geral, consubstanciada no artigo supra.

Michell Nunes Midlej Maron 119


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Esse dispositivo é considerado cláusula de responsabilidade objetiva, sendo


irrelevante o dolo ou culpa do requerente da cautelar: ele assumiu o risco de que o fumus
boni juris que suscitou se desvanecesse, ou seja, de que a fumaça de seu bom direito se
mostrasse, ao final, carente do fogo originário – a probabilidade voltou-se contra ele. Sendo
atividade arriscada, perseguir um direito que pode não existir, gera responsabilidade
objetiva.
A abrangência dessa responsabilidade é ampla, tal qual qualquer responsabilidade
civil: há que se observar o restitutio in integrum, ou seja, lucros cessantes, danos
emergentes, materiais ou morais, devem ser reparados.
Esses danos, no entanto, dependem de prévia liquidação de sentença, pois não
foram objeto de discussão no curso do processo. O capítulo da sentença que reconhece a
responsabilidade do autor será executável na forma pertinente à obrigação condenada, tal
como qualquer decisão condenatória.
Há quem entenda que se na sentença cautelar não houver expresso capítulo sobre
essa condenação, mesmo assim poderá o réu liquidar a sentença, eis que o dano é um
conteúdo implícito dessa sentença, e por isso pode ser simplesmente liquidado,
provavelmente por artigos – dispensada ação autônoma indenizatória.

1.3. Recursos contra a sentença cautelar

Sentença que o é, essa decisão da cautelar desafia apelação, com a peculiaridade de


não contar com efeito suspensivo.
Imagine-se que tenha havido a concessão da liminar em uma cautelar, e
posteriormente a sentença cautelar, improcedente, revoga expressamente a liminar outrora
concedida. Dessa sentença, cabe apelação sem efeito suspensivo, pelo que a liminar foi
revogada de pronto, e, diga-se, mesmo que a liminar tenha sido revogada apenas
implicitamente.
Para se fazer viger a liminar concedida, nesse caso em que é revogada expressa ou
implicitamente na sentença cautelar, é preciso conseguir efeito suspensivo da sentença que
a revogou. Há mais de uma maneira para conseguir tal efeito suspensivo na apelação:
requerer ao desembargador para o qual for distribuída; agravar de instrumento da decisão
que recebe no efeito devolutivo; requerer ao próprio juiz para que o conceda, com base em
seu poder geral de cautela; ajuizar uma ação cautelar justamente para obter tal efeito
suspensivo, diretamente no órgão ad quem; ou ainda impetrar um mandado de segurança
com tal propósito.
A medida cautelar concedida em decisão interlocutória será impugnável por agravo
de instrumento.

Michell Nunes Midlej Maron 120


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Casos Concretos

Questão 1

Em ação cautelar preparatória, foi requerida e concedida por sentença, medida de


caráter assecuratório para evitar que o fornecimento de água da residência do autor fosse
interrompido em razão da inadimplência deste junto à fornecedora do serviço, ré na
presente demanda.
A sentença proferida na ação cautelar transitou em julgado e encontrava-se em
fase de efetivação quando o magistrado, na ação principal, julgou improcedentes tanto o
pedido formulado na ação principal, quanto o pedido formulado na cautelar preparatória.
O autor, irresignado, interpôs recurso de apelação, objetivando a reforma da sentença
proferida nos autos da ação principal. Alegou ofensa à coisa julgada formada na ação
cautelar.
A parte ré / recorrida ofereceu contrarrazões defendendo o acerto da decisão.
Decida de forma fundamentada.

Resposta à Questão 1

Veja a decisão abaixo:

“AC 2007.001.05548 TJRJ – Rel. DES. NASCIMENTO POVOAS VAZ, j.


18/04/2007, 14ª CCTJ
PROCESSO CIVIL. FORMAÇÃO DE COISA JULGADA EM AÇÃO
CAUTELAR. IMUTABILIDADE DESSA DECISÃO. CONSUMIDOR.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DE MODO A FAVORECÊ-LO. TAL
PRERROGATIVA NÃO IMPORTA EM DESINCUMBÍ-LO DE PROVAR
QUAISQUER FATOS TIDOS COMO CONSTITUTIVOS DE SEU DIREITO,
MAS TÃO SOMENTE DAQUELES PARA CUJA EVIDÊNCIA SE ENCONTRE

Michell Nunes Midlej Maron 121


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

EM MANIFESTA HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA EM FACE DO EX-


ADVERSO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.”

Questão 2

A sentença proferida em processo cautelar apenas transita em julgado


formalmente, ou é possível que, em algumas hipóteses, a mesma também gere coisa
julgada material? Caso a resposta seja afirmativa, citar pelo menos dois exemplos.

Resposta à Questão 2

Deve ser mencionado que a coisa julgada formal sempre se fará presente na
sentença cautelar. A coisa julgada material somente ocorre nas situações indicadas no artigo
810 do CPC (reconhecimento de prescrição e decadência). Ressalva-se que, para Wilson
Marques, se a sentença for de improcedência haverá coisa julgada material, mesmo que em
sede de ação cautelar, pois nesta situação não se aplica o disposto no artigo 807 do CPC.
Deve ser acrescentado ainda que, para Wilson Marques e Cândido Rangel
Dinamarco, também o capítulo da sentença relativo aos encargos da sucumbência e no de
indenização por danos (artigo 811, CPC) farão coisa julgada material. Vale dizer que este
doutrinador também entende que a sentença que reconhece a prescrição e a decadência faz
coisa julgada material, tal como prevê o artigo 810 do CPC.
Porém, para Luiz Fux, se a sentença na ação cautelar não reconhecer a decadência
ou a prescrição (hipótese inversa àquela indicada no artigo 810, CPC), tal situação não
impedirá que estas matérias sejam novamente ventiladas nos autos da ação principal. De
resto, destaca-se que Fux, ao comentar a redação do artigo 810 do CPC, também
reconheceu, embora por outros fundamentos, que a sentença na ação cautelar tem um
conteúdo que se toma imodificável. Segundo este autor:

“Denegado o pedido por outra razão, somente por novos fundamentos poderá ser
renovado. Desta sorte, muito embora a provisão da sentença não se refira ao direito
substancial, ela se toma imutável. Em conseqüência, não se pode negar que há um
mérito cautelar, uma lide cautelar e, a fortiori, coisa julgada geradora de
imodificabilidade da decisão cautelar. Entretanto, é possível voltar a juízo por
novos fundamentos, porquanto não há eficácia preclusiva a impedir, conforme a
própria lei o autoriza expressamente no parágrafo único do artigo 808 do CPC (...)
esta é a ótica singular através da qual se revela o fenômeno da coisa julgada na lide
cautelar.”

Ernane Fidélis também expressa o mesmo entendimento, embora designe tal


fenômeno como “eficácia preclusiva da sentença cautelar”.

Questão 3

Tício propôs, em face de Caio, ação cautelar de arresto dos bens do demandado.
O pedido foi julgado improcedente por sentença, da qual não se recorreu. Alegando que a
decisão da causa foi proferida por juízo absolutamente incompetente, Tício propôs em face
de Caio ação rescisória da sentença, com alardeado suporte no artigo 485, II, do Código
de Processo Civil.

Michell Nunes Midlej Maron 122


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Respondeu o réu com preliminar de carência da ação, baseado no argumento de


que não cabe ação rescisória de sentença proferida em sede de ação cautelar.
Essa preliminar merece acolhimento?

Resposta à Questão 3

A questão proposta relaciona-se com outra, consistente em saber se a sentença que


julga a ação cautelar faz coisa julgada material. Autores como Galeno Lacerda, Humberto
Theodoro Jr. e Pestana de Aguiar acham que a sentença proferida no âmbito da ação
cautelar não faz coisa julgada material porque não julga a lide, o mérito, o conflito de
interesses e somente as sentenças de mérito, ex vi do que dispõe o artigo 468, fazem coisa
julgada material.
Assim, todavia, não é. A sentença que julga procedente ou improcedente o pedido
cautelar, julga o mérito da ação cautelar, que não se confunde com o mérito da ação
principal. Quando o juiz afirma ou nega a existência do direito à cautela, alegado pelo autor
e impugnado pelo réu, ele está decidindo o mérito da ação cautelar. Se julgar o mérito é
afirmar ou negar a existência do direito e se é exatamente isso o que o juiz faz quando,
afirmando ou negando a existência do direito à cautela, julga procedente ou improcedente o
pedido cautelar, então é claro que a sentença que profere, em tais circunstâncias é sentença
de mérito.
Mas essa sentença de mérito, se de procedência do pedido acautelatório, não faz
coisa julgada material, não pela razão mencionada, mas por outra: é que essa sentença é
mutável, pois pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo (artigo 807) e o conceito
de coisa julgada material, como se sabe, repousa exatamente na imutabilidade da sentença.
Nos outros casos, ou seja, em todos os que o juiz não concedeu medida
acautelatória, a sentença faz coisa julgada material normalmente, como qualquer outra,
exatamente por ser sentença de mérito.
Assim, nos casos de declaração de improcedência do pedido de cautela; nos de
acolhimento, em sede cautelar, da prescrição ou da decadência do direito material litigioso;
no capítulo relativo aos encargos da sucumbência e no de indenização de danos (artigo
811), há coisa julgada material. Por outro lado, a sentença rescindível é a sentença de
mérito, transitada em julgado (artigo 485). A lei não distingue entre sentenças de mérito que
fazem coisa julgada material (o que é a regra) e sentenças de mérito que, por exceção, não
fazem coisa julgada material (v.g. sentença de procedência da ação cautelar; sentença de
improcedência por falta de provas de pedido veiculado em Ação Popular, em Ação Civil
Pública e no Código de Defesa do Consumidor). Mas não há dúvida possível de que estas
últimas, apesar de serem de mérito e de terem transitado em julgado não são rescindíveis
por falta de interesse processual na obtenção da prestação jurisdicional: se essas sentenças
não fazem coisa julgada material, a parte interessada pode intentá-la de novo, não tendo,
pois, necessidade e, assim, interesse, na propositura da ação rescisória.
No caso ora sob exame, o pedido de cautela foi julgado improcedente, por sentença,
que, pelas razões assinaladas, é sentença de mérito; transitou em julgado (porque dela não
se recorreu) e que fez coisa julgada material (porque não se insere na exceção do artigo 807
a que já se fez referência).
Portanto, é admissível, sim, a ação rescisória da referida sentença, fundada em vício
enquadrável na moldura do artigo 485, II, do CPC.

Michell Nunes Midlej Maron 123


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

Tema X

Cumprimento da sentença cautelar. A responsabilidade do autor da ação cautelar pelos prejuízos que a
execução da medida cautelar causar ao réu. Liquidação e execução do valor da indenização. Tutelas
cautelares em face da Fazenda Pública. Requerimento de suspensão dos efeitos das decisões judiciais (Lei nº
8.437/92). Efetivação do provimento antecipatório.

Notas de Aula53

1. Tutelas de urgência contra a Fazenda Pública

Antes da criação da tutela antecipada do CPC, havia inúmeras leis que restringiam a
tutela liminar contra a Fazenda Pública, em procedimentos específicos. A Lei 9.494/97
estendeu essas restrições à tutela antecipada, criada posteriormente a tais leis restritivas.
Muito se discutiu a constitucionalidade dessas restrições, tanto que foi proposta a
ADC 4, já mencionada, mas que precisa ser revista:

“ADC 4 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY
SANCHES. Julgamento: 11/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 21-05-1999.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI
N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR:
CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA
CONCESSÃO. 1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, da 10.09.1997: "Art. 1º .
Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo
Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de
junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos
arts. 1º , 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." 2. Algumas instâncias

53
Aula ministrada pelo professor Rodolfo Kronemberg Hartmann, em 18/10/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 124


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda


Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias
igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando
constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é admissível Ação
Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da
C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão
prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de
Processo Civil. 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos
termos do art. 102, § 2º , da C.F. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder
medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura
decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de
medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar.
Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade jurídica na argüição de
constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC
- 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face
da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que,
apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de
acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de
servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o
precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças
noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram. 8.
Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex
nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de
tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de
10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já
proferidas, nesse sentido.”

“Informativo 522, STF. Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública - 2


Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em
ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e
pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a
constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97 ("Aplica-se à tutela antecipada
prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e
seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º
da Lei 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437, de 30 de
junho de 1992.") - v. Informativo 167. Entendeu-se, tendo em vista a
jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder
geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a
referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º,
XXXV). O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus
fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao
mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser
revogada pelo legislador ordinário. Asseverou que seria uma contradição afirmar
que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse
ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das
sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas
pela CF. Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a
Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em
conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a
viabilidade constitucional de assim proceder. Concluiu que, no caso, o fato de o
Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela
antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer

Michell Nunes Midlej Maron 125


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado,


presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo. Frisou
que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame
não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de
jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as
respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os
embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda
Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional. Os Ministros
Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes
incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito. Vencido o Min.
Marco Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida
provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e
declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que
o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
ADC 4/DF, rel. orig. Min. Sydney Sanches, rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello,
1º.10.2008. (ADC-4).”

Mesmo quando estava vigente apenas a liminar nessa ADC 4, o STF emprestou
caráter vinculante a tal decisão. Concluída a votação, como se vê no informativo acima, que
manteve o entendimento de que as restrições às tutelas de urgência contra a Fazenda
previstas em lei vigente (pois algumas foram revogadas, como já se viu, pela Lei
12.016/09) são perfeitamente constitucionais.
Mas há casos em que a restrição não se aplica, mesmo diante desse permissivo
jurisprudencial. Por exemplo, o caso que fez ser editada a súmula 729 do STF:

“Súmula 729, STF: A decisão na Ação Direta de Constitucionalidade 4 não se


aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária.”

Veja também os informativos abaixo:

“INFORMATIVO Nº 547. Reclamação: ADC 4 e Causas de Natureza


Previdenciária
Adotando o Enunciado da sua Súmula 729 (“A decisão na ação declaratória de
constitucionalidade 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza
previdenciária”), o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido
formulado em reclamação ajuizada contra o Juízo de Direito da 1ª Vara dos Feitos
da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que deferira liminares no sentido de
determinar ao Estado do Espírito Santo a imediata reinclusão, no cálculo dos
vencimentos de 54 Delegados da Polícia Civil Estadual, alguns já aposentados, da
gratificação de função de chefia. Entendeu-se que o acórdão reclamado, ao
concluir pela inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97, teria ferido a
autoridade da decisão proferida pelo Supremo na ADC 4 MC/DF (DJU de
21.5.99), que suspendera liminarmente, com eficácia ex nunc e com efeito
vinculante, até final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre
pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tivesse por pressuposto a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97. Salientou-
se, também, já ter ocorrido o julgamento final da ADC 4/DF (DJE de 15.10.2008),
no qual confirmada a constitucionalidade do citado dispositivo legal. Determinou-
se, por conseguinte, fossem cassadas as decisões prolatadas nos processos em que
os interessados não estivessem protegidos pelo referido Verbete. Vencido o Min.
Marco Aurélio, relator, que julgava o pleito improcedente. Rcl 4361/ES, rel. orig.
Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, 20.5.2009. (Rcl-4361)

Michell Nunes Midlej Maron 126


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

“INFORMATIVO Nº 549. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e


Antecipação de Tutela contra o Poder Público - 2
Preliminarmente, aduziu-se ser viável a concessão da antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional contra o Poder Público. Observou-se que, na realidade, uma vez
atendidos os pressupostos legais fixados no art. 273, I e II, do CPC e observadas as
restrições estabelecidas no art. 1º da Lei 9.494/97 tornar-se-ia lícito ao magistrado
deferir a tutela antecipatória requerida contra a Fazenda Pública. Asseverou-se que
o exame dos diplomas legislativos mencionados no preceito em questão
evidenciaria que o Judiciário, em tema de antecipação de tutela contra o Poder
Público, somente não poderia deferi-la nas hipóteses que importassem em: a)
reclassificação funcional ou equiparação de servidores públicos; b) concessão de
aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; c) outorga ou acréscimo de
vencimentos; d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor
público ou e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que esta diga
respeito, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas. Registrou-se,
destarte, que a pretensão deduzida não incorreria em qualquer das hipóteses
taxativas da restrição legal ao deferimento da tutela antecipada. RE 495740 TA-
referendo/DF, rel. Min. Celso de Mello, 2.6.2009. (RE-495740).”

Dessarte, seja em decisão interlocutória, seja em sentença, a tutela de urgência –


cautelar ou satisfativa – pode ser deferida contrariamente à Fazenda, se não se encartar em
uma das vedações legais, hoje consideradas constitucionais pelo STF.
Uma vez concedida a tutela de urgência contra a Fazenda, há meios para que essa
reverta essa posição processual desfavorável. Primeiramente, são cabíveis recursos –
agravo, se interlocutória, e apelação, se sentença. Entretanto, peculiar mesmo é o
mecanismo da reclamação: se o magistrado concede tutela de urgência contra a Fazenda
em hipótese em que é vedada tal medida, cabe reclamação perante o STF, eis que a ADC 4
tem efeito vinculante, devendo ser cumprida: se o juiz concedeu em caso vedado por lei
considerada constitucional, descumpriu a ADC 4, e por isso cabe reclamação.
A reclamação, em que pese haver muitas teses, tem natureza jurídica de ação
constitucional autônoma. É exercício do direito de ação, cujo escopo é a preservação da
competência e autoridade dos órgãos jurisdicionais superiores. Seu cabimento é
constitucionalmente previsto:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da


Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
(...)”

“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação


declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
(...)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou
que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que,
julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial
reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da
súmula, conforme o caso.”

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

Michell Nunes Midlej Maron 127


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

I - processar e julgar, originariamente:


(...)
f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de
suas decisões;
(...)”

O instrumento da reclamação não tem regulamentação em lei. Os regimentos


internos de cada tribunal superior têm tratamento sobre o processamento das reclamações,
em suas esferas, mas regulamentação legal, não há.
Hoje, tem-se percebido uma utilização mais corriqueira das reclamações, que têm
sido ajuizadas em tribunais inferiores. No CPC que está por vir, há previsão de reclamação
em tribunais inferiores, aos quais se entregará a competência regimental para tratar do
procedimento de suas respectivas reclamações.
Não há prazo para ajuizamento da reclamação, mas não cabe esse instrumento
contra decisão transitada em julgado, que faça coisa julgada material, porque a reclamação
não pode se prestar como sucedâneo de ação rescisória. Veja a súmula 734 do STF:
“Súmula 734, STF: Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado
o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal
Federal.”

Podem correr concomitantemente o recurso de uma decisão e a reclamação, pois


têm naturezas diferentes. Aquele que for primeiramente favorável ao reclamante/recorrente
fará com que o outro instrumento perca o seu objeto, perdendo o interesse
supervenientemente.
Ainda sobre o tema, é necessário tratar da suspensão de segurança, ou de tutela
antecipada – suspensão de tutela de urgência, genericamente. Paralelamente aos recursos e
à reclamação, a Fazenda Pública pode peticionar ao presidente do respectivo tribunal
pedindo que a liminar, qualquer que seja a espécie, seja suspensa.
O tema é regulado em diversas leis: no artigo 12, § 1º, da Lei 7.347/85; no artigo 4º
da Lei 8.437/92; no artigo 16 da Lei 9.507/97; no artigo 15 da Lei 12.016/09; e no artigo 25
da Lei 8.038/90. Veja, pela ordem citada:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita a agravo.
§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar
grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o
Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso
suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo
para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação
do ato.
(...)”

“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do


respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar
nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do
Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de
manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Michell Nunes Midlej Maron 128


EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação


cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto
não transitada em julgado.
§ 2º O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em
setenta e duas horas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de
cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.
(Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o
restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de
suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso
especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 5º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando
negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se
refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. (Incluído pela
Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 7º O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar,
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 8º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.
(Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)
§ 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em
julgado da decisão de mérito na ação principal. (Incluído pela Medida Provisória nº
2,180-35, de 2001)”

“Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual
competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da
sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida.”

“Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada


ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e
à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e
da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5
(cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.
§ 1º Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput
deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal
competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.
§ 2º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo,
quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a
que se refere este artigo.
§ 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações
movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o
julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.
§ 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar
se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na
concessão da medida.
§ 5º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única
decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a
liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.”

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EMERJ – CP VI Direito Processual Civil VI

“Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional,
compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do
Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada,
e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública,
suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão
concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito
Federal.
§ 1º O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral
quando não for o requerente, em igual prazo.
§ 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.
§ 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem
efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou
transitar em julgado.”

O artigo 4º da Lei 8.937/92 é o mais abrangente, e por isso é o mais citado em


requerimentos de suspensão.
Cássio Scarpinella reputa inconstitucional a suspensão de tutela de urgência, porque
é instrumento unilateral da Fazenda, desequilibrando os direitos processuais.
O instrumento é dirigido diretamente ao presidente do tribunal de origem do ato que
se quer suspenso, e somente gradativamente escala até a presidência do STF.
Se a decisão da tutela urgente prejudicar a Fazenda, nos limites previstos – ordem
pública, prejuízo ao erário, etc. –, pode ser alvo dessa suspensão. Veja que não se opera a
reforma da decisão: somente se suspende a eficácia dessa, para obstar o prejuízo que se está
alegando. Suspensa a tutela de urgência, isso valerá até o trânsito em julgado final do
processo, da última decisão do processo.
Mais um argumento pela inconstitucionalidade desse instrumento – tese essa que,
debalde, não prevalece, porque se entende que o interesse público por trás da existência do
instrumento justifica sua existência –, é o de que a Fazenda sequer precisa fazer prova do
prejuízo que está alegando: basta que argumente que há tal prejuízo, qualquer que seja a
natureza dos que as leis prevêem, que poderá haver a suspensão, sem necessidade de
provar. Assim o é porque há presunção de legalidade e veracidade nas assertivas da
Fazenda.
Não há prazo para requerer a suspensão: no curso da vigência da tutela de urgência,
a qualquer tempo, pode ser formulado o pedido de suspensão.
A legitimidade é da Fazenda Pública, em regra, mas entidades da administração
pública indireta têm sido reconhecidas como legitimadas pra tal pedido, desde que exerçam
função publica, ou seja, estejam agindo no interesse público – raciocínio que pode ser
estendido a qualquer pessoa privada que exerça função pública, portanto.
Como dito, não é possível a suspensão de tutela de urgência per saltum: deve haver
o pedido ao presidente do tribunal ao qual o juízo prolator esteja vinculado, e, somente em
sendo denegada, subir ao presidente do tribunal ad quem, e assim por diante.
O procedimento está bem descrito no artigo 4º da Lei 8.937/92, supra. O MP
acompanha o feito como custos legis.
Da decisão do presidente do tribunal cabe agravo interno, por qualquer das partes,
para o pleno ou para o órgão especial – se defere, pela parte oposta à Fazenda Pública; se
indefere, pela própria Fazenda. Da decisão do agravo interno, caberá o novo pedido de
suspensão para o presidente do tribunal acima desse em questão, nunca cabendo recurso,
especial ou extraordinário.

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Casos Concretos

Questão 1

Nos autos de uma ação de indenização decorrente de um acidente aéreo, ajuizada


por Sandra e outros em face de Northrop Corporation, o Ministério Público, na função de
custos legis, requereu ao juízo a prestação de uma caução para garantir o resultado útil do
processo.
O juiz deferiu o pedido com base nos artigos 798 e 799 do CPC e determinou a
prestação de caução no valor de R$ 500.000,00 por vítima, no prazo de 20 dias, a ser
realizada pela parte demandada.
Pergunta-se:
A)Tem o Ministério Público legitimidade para realizar o referido pedido?
Justifique.
B) Agiu corretamente o juiz ao deferir a medida? Justifique.

Resposta à Questão 1

A) Sim, é perfeitamente possível esse pedido, e o MP é legitimado, como custos


legis.

B) Sim, até mesmo de ofício poderia conceder essa medida, se entendesse


necessário.

Veja o seguinte julgado:


“REsp 506321 / SP STJ – Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, j. 30/11/2004
Processual civil. Medida cautelar. Liminar inaudita altera pars determinando a
prestação de caução. Aplicação analógica do disposto nos arts. 797 e 798 do CPC.
Limites do poder geral de cautela.
- A aplicação analógica da lei pressupõe: a ocorrência de hipótese não prevista ou
nova possibilidade; existência de elemento de identidade entre os temas e
semelhança das matérias, tanto na essência, quanto em seus efeitos.

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- O poder geral de cautela, ressalvado os limites atinentes à própria medida


cautelar e aos princípios relativos ao devido processo legal, é amplo, facultando-se
ao julgador a análise da conveniência sobre a adoção de uma determinada
constrição que busque garantir a efetividade da prestação jurisdicional pleiteada.
Recurso não conhecido.”

Questão 2

Empresa "Computador Moderno" e sociedade civil de advocacia "Araújo


Advogados Associados" celebraram contrato cujo objeto era o desenvolvimento de um
software pela primeira, que permitisse a interligação dos dezessete escritórios de
advocacia que a segunda possui em todo o país, possibilitando, ainda, a prestação de
informações em tempo real, pela internet, sobre o andamento de processos, aos clientes do
escritório de advocacia.
O programa foi desenvolvido e instalado, mas a empresa "Computador Moderno"
passou a exigir que o serviço de suporte do programa também fosse feito por ela, segundo
sua interpretação de uma cláusula do contrato. Informou tal fato à sociedade de
advogados por mera correspondência, que incluía ameaça de desinstalação do programa.
Diante disso, "Araújo Advogados Associados" demandou ação cautelar, requerendo
liminar para a manutenção do software até o julgamento de futura ação de rescisão
contratual.
O juiz acolheu o pedido liminar, fixando, outrossim, caução no valor de R$
10.000,00 (dez mil reais). "Araújo Advogados Associados" interpôs agravo de instrumento,
sob o argumento de que a hipótese não se enquadra naquelas de fixação de caução.
A empresa "Computador Moderno", citada, também interpôs agravo de instrumento,
aduzindo somente que a caução fixada é irrisória, pois não seria suficiente para amparar
os eventuais prejuízos que a concessão da liminar poderia lhe causar.
Sendo você o relator dos referidos recursos de agravo, o que entende sobre as alegações de
ambas as partes? Justifique.

Resposta à Questão 2

Veja o julgado abaixo:

“REsp 489514 / RJ STJ – Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES


DIREITO, TERCEIRA TURMA, j. 20/05/2003
Ação cautelar. Medida liminar. Ação principal. Caução. Interpretação do contrato.
Súmula nº 05 da Corte. Dissídio.
1. Não viola o art. 796 do Código de Processo Civil o Acórdão que considera não
ser satisfativa a cautelar e que adverte que ausência do ingresso da ação principal
no prazo autoriza o Juiz a determinar o esgotamento da liminar, suprindo a
deficiência da não indicação do tipo de ação principal, que, ademais, já foi
ajuizada.
2. A caução do art. 804 do Código de Processo Civil, como assentado em
precedentes da Corte, é facultativa, cabendo ao Juiz, se entender cabível, fixar o
seu valor, imprestável a impugnação deste sem que haja qualquer efetiva
demonstração de sua inadequação.
3. Provocando a parte o tema do cumprimento da obrigação com base em
interpretação de cláusula contratual, não há falar em violação ao art. 522 do
Código de Processo Civil.

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4. O dissídio não prospera quando não existe similitude fática do paradigma com o
tema tratado no Acórdão recorrido, sendo certo que, no caso, o Tribunal local
cuidou de interpretar cláusula do contrato para concluir pelo deferimento da
liminar, presente, portanto, a Súmula nº 05 da Corte.
5. Recurso especial não conhecido.”

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