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Resenhas de Traduções 273

anos de vida adulta e aqui são


Giacomo Leopardi: Poesia e traduzidos por nomes como
Prosa, organizado por Marco Affonso Félix de Sousa, Alexei
Lucchesi. Traduções de Affonso Bueno, Álvaro Antunes, Ivan
Félix de Sousa... et al.. Rio de Junqueira, Ivo Barroso e José
Janeiro: Nova Aguilar, 1996, pp Paulo Paes. Esses poemas retratam
1032. o pessimismo profundo, a
angústia, mas também as ilusões e
esperanças do autor italiano.
Vale salientar que Lucchesi
Fruto do incessante trabalho de
opta por acrescentar à sua edição
Marco Lucchesi, que é crítico,
várias traduções do poema que,
ensaísta, poeta, tradutor e
segundo Haroldo de Campos,
incansável divulgador das letras
“marcou o apogeu da lírica
italianas no Brasil – Lucchesi já
leopardiana” (1977: 186), isto é,
traduziu Tasso, Vico, Eco etc., a
“L’Infinito”.
edição Giacomo Leopardi: Poesia
No Brasil, esse poema foi um
e Prosa é uma das poucas, senão
dos mais traduzidos: de Vinícius
a única, nesse tipo, mesmo se
de Morais, Tavares Bastos, A.
comparadas às estrangeiras, pois
Herculano de Carvalho, passando
além de uma Cronologia da Vida
por Pontes de Paula Lima, Haroldo
e da Obra e Iconografia, o livro
de Campos, Mário Faustino, Ivo
apresenta uma seleção dos mais
Barroso entre outros.
importantes ensaios sobre o poeta
Cabe destacar a tradução
de Recanati escritos por críticos e
realizada por Haroldo de Campos,
estudiosos de várias épocas e
pois apesar de ele acentuar a
nacionalidades, dentre os quais
importância dos aspectos formais
destacam-se os italianos Benedetto
na tradução de poesia, poderíamos
Croce, Francesco de Sanctis e
dizer que na tradução do
Walter Binni; o francês Sainte-
“L’Infinito”, ele realiza uma das
Beuve e os brasileiros Alfredo
melhores versões desse poema,
Bosi e Haroldo de Campos.
conservando na língua de chegada
Depois dos ensaios críticos, em
tanto os aspectos semânticos quanto
edição monolíngüe, o leitor
os formais do poema.
depara-se com a poesia completa
Como se sabe, o procedimento
leopardiana - 41 Canti, que foram
de respeitar literalmente o texto de
compostos ao longo dos seus vinte
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partida nem sempre é a melhor Operette morali: “Il dialogo della


solução em se tratando de tradução Natura e un Islandese” (1824). O
poética, se deseja reconstruir não primeiro é que a profa. Wilma de
apenas a unidade do significado K. Barreto consegue, com a sua
mas a textura poética, partindo tradução, reproduzir com clareza
acima de tudo do impulso rítmico o denso pensamento leopardiano,
e reproduzindo as linhas de força quando, por exemplo, aproxima
do texto de partida. Todavia, há sujeito e verbo, que no texto
situações contextuais em que a leopardiano estão distantes e de
justaposição é, não só aceitável, difícil acesso, como no seguinte
como a única solução no sentido passo:
de respeitar a própria consistência Islandese. [...] Tutte le quali
da linguagem poética. incomodità in una vita sempre
Na organização da prosa de conforme a se medesima, e
Leopardi, traduzida ao português spogliata di qualunque altro
por quatro italianistas: Ana desiderio e speranza, e quasi
Thereza Vieira, Mauricio Dias, di ogni altra cura, che d’esser
Vera Horn e Vilma Barreto, quieta; riescono di non poco
encontram-se os escritos dos momento, e molto più gravi
Opúsculos Morais (1824) – obra che elle non sogliono apparire
de cunho satírico, ético e moral; quando la maggior parte
os seus Pensamentos; parte da dell’animo nostro è occupata
vasta Correspondência do escritor; dai pensieri della vita civile,
e páginas escolhidas do Zibaldone e dalle avversità che
di Pensieri (1817-1832). provengono dagli uomini..[...]
O prosador das Operette Morali Islandês. [...] Numa vida
aparentemente teve a sua primeira sempre em conformidade
e única tradução em português consigo mesma e despojada de
brasileiro em 1992, realizada pela todo e qualquer desejo e
professora Vilma De Katinszkyi esperança, preocupada apenas
Barreto de Souza, editada pela em viver tranqüilamente, tais
Hucitec/Istituto Italiano di incomodidades permanecem
Cultura/Instituto Cultural Ítalo- por muito tempo e são muito
Brasileiro, e incluída nessa edição. mais graves do que costumam
Dois aspectos me chamam a parecer, quando a maior parte
atenção na tradução de uma das do nosso espírito se ocupa das
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preocupações da vida civil e nenhuma tradução integral (nem


das adversidades, que provêm sequer ao inglês e ao francês).
dos homens. [...] (p 359) As traduções existentes têm
O segundo aspecto é que nessas sido até agora monolíngües,
Operette, que o próprio Leopardi compiladas em forma de antologia,
define como “poesia in prosa”, o sempre acompanhadas de notas
ritmo, a pontuação, a escolha biográficas e introdução como é o
lexical, a ordem na combinação das caso das edições publicadas na
palavras, não são de secundária Itália, na Espanha, na França e nos
importância. Muitas vezes, Estados Unidos.
Leopardi usa trechos longos, com Seguindo este padrão, freqüente
abundante emprego de ponto e nas traduções de longos textos
vírgula, tornando árdua a leitura ensaísticos, Marco Lucchesi dispõe
das Operette mesmo para o leitor tematicamente (diferenciando-se,
italiano médio. Alterar esse tipo assim, das outras antologias) os
de escolha do autor, implica trechos traduzidos do Zibaldone
redução de intensidade. É o que em três partes: “Considerações
parece acontecer em algumas Estéticas”; “O Homem e o Universo”
passagens da tradução brasileira, e “Considerações Filosóficas”,
que prefere normalizar o uso da totalizando 139 páginas, cuja tradução
pontuação. esteve a cargo de Vera Horn.
Quanto ao Zibaldone di A tradução é, de maneira geral,
Pensieri, convém sublinhar que foi bastante precisa, ficando bem
somente nessa edição, - quase cem próxima do texto original, aspecto
anos após a primeira publicação importante quando se traduz um
italiana -, por iniciativa de Marco texto argumentativo. Contudo, o
Lucchesi, que foram traduzidos ao uso freqüente do pronome vós, por
português fragmentos das quase 4000 exemplo, parece tornar a tradução
páginas contidas no manuscrito. O distante do português falado no
Zibaldone di Pensieri, caracterizado Brasil de hoje.
como “caos escrito”, “diário”, Talvez essa escolha deva-se à
“livro paralelo” etc, traz ao leitor preocupação de manter o texto
uma série de reflexões de caráter traduzido o mais próximo possível
literário, lingüístico, filológico, da língua italiana, que usa o voi
estético, filosófico, religioso, (formalmente similar ao vós
político etc, ainda não recebeu português) no dia-a-dia. O
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problema é que em português do simplicidade é um dos elementos


Brasil o equivalente pragmático é que embelezam os textos.
vocês, não vós, um pronome hoje Afora essas observações, resta
em desuso no país. parabenizar Vera Horn pela
É o caso, por exemplo, do 17o corajosa tarefa de traduzir uma
fragmento inserido nas obra desconhecida entre nós,
“Considerações estéticas”: introduzindo o leitor brasileiro nas
“Experimentai (grifo meu)
reflexões leopardianas, possibilitando
respirar artificialmente e conhecer a grandeza e a riqueza dos
realizar intencionalmente ensaios leopardianos, pois
algum dos muitíssimos atos Leopardi é famoso como poeta,
que se realizam naturalmente; mas pouco conhecido como prosador
não podereis, senão à força e praticamente desconhecido como
de padecimentos e danos ensaísta.
[...]” (p 556). Giacomo Leopardi - Poesia e
Prosa nos permite percorrer
São problemáticas também
páginas do “maior escritor que a
algumas escolhas lexicais de Vera
Itália teve depois de Dante e
Horn. Em muitas passagens, a
Petrarca”, estimulando nossa
tradutora opta por um vocabulário
sensibilidade, além, é claro, de
rebuscado como mormente (p 586),
contribuir para estreitar os laços
agasta (p 587), soía (p 599),
culturais ítalo-brasileiros.
fealdade (p 599), galhardas (p
Andréia Guerini
661), entre outras.
Com esse tipo de escolha –
aliás, demasiado usuais nas
traduções de textos teóricos entre
nós - Vera produz um tipo de texto
que está talvez mais de acordo com Obras completas II, de Jorge Luis
o padrão de textos argumentativos Borges, tradução de Sérgio
brasileiros do que de Leopardi, que Molina, Josely Vianna Baptista,
em seus escritos críticos e teóricos Leonor Scliar-Cabral, Nelson
não parece privilegiar um léxico Ascher, Carlos Nejar & Alfredo
arcaico ou raro. Ao contrário, Jacques e Hermilo Borba Filho.
apesar de toda a sua erudição, São Paulo: Globo, 1999, 565 pp.
sempre defendeu (inclusive no
Zibaldone) a tese de que a

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