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Antiseri
HISTÓRIA
DA FILOSOFIA
De Spinoza
4 a Kant
D a do s Inte rn a cio n a is d e C a talo g açã o na P ub lica çã o (CIP)
(C âm ara B rasileira d o Livro, SP, Brasil)
Reale, G iovanni
H istó ria d a filo so fia : d e S pino za a K ant, v. 4 / G iovanni Reale, Dario A ntise ri. — São Paulo:
P aulus, 2005.
0 4-5031 C D D -1 09
Título original
S toría d e lia filo s o fia - V olum e II: D a lIV m a n e s im o a K a n t
© Editrice LA SCUOLA, Brescia, Itália, 1997
ISBN 88-350-9271-X
Tradução
Ivo S to rn io lo
Revisão
Z o lfe rín o Tonon
© PAULUS - 2005
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066
w w w .paulus.com .br • editorial@ paulus.com.br
ISBN 85-349-2255-1
y\ p r e s e n fação
* * * •k ★ ★
A firm o u -s e com ju s te z a que, em A o executar este complexo traçado,
linha geral, um grande filósofo é o gênio os autores se inspiraram em cânones psico
de uma grande idéia: Platão e o m undo pedagógicos precisos, a fim de agilizar a
das idéias, Aristóteles e o conceito de Ser, memorização das idéias filosóficas, que
Plotino e a concepção do Uno, Agostinho são as mais difíceis de assimilar: seguiram o
e a "terceira navegação" sobre o lenho da m étodo da repetição de alguns conceitos-
cruz, Descartes e o "cogito", Leibniz e as chave, assim como em círculos cada vez
"mônadas", Kant e o transcendental, Hegel mais amplos, que vão justamente da síntese
e a dialética, M arx e a alienação do traba ã análise e aos textos. Tais repetições, re
lho, Kierkegaard e o "singular", Bergson e petidas e amplificadas de m odo oportuno,
a "duração", W ittgenstein e os "jogos de ajudam, de m odo extremamente eficaz, a
linguagem ", P o p p e re a “falsificabilidade" fixar na atenção e na memória os nexos
das teorias científicas, e assim p o r diante. fundantes e as estruturas que sustentam
Pois bem, os dois autores desta obra o pensamento ocidental.
propõem um léxico filosófico, um dicioná * * *
rio dos conceitos fundamentais dos diversos Buscou-se também oferecerão jovem,
filósofos, apresentados de m aneira didá atualm ente educado para o pensamento
tica totalm ente nova. Se as sínteses iniciais visual, tabelas que representam sinotica-
são o instrumento didático da m em oriza m ente mapas conceituais.
ção, o léxico fo i idealizado e construído Além disso, julgou-se oportuno enri
como instrum ento da conceitualização; e, quecer o texto com vasta e seleta série de
juntos, uma espécie de chave que perm ita imagens, que apresentam, além do rosto
entrar nos escritos dos filósofos e deles dos filósofos, textos e momentos típicos da
apresentar interpretações que encontrem discussão filosófica.
pontos de apoio mais sólidos nos próprios
* * *
textos.
* * * Apresentamos, portanto, um texto cien
tífica e didaticamente construído, com a
Sínteses, análises, léxico ligam-se,
intenção de oferecer instrumentos adequa
portanto, à ampla e meditada escolha dos
dos para introduzir nossos jovens a olhar
textos, pois os dois autores da presente
para a história dos problemas e das idéias
obra estão profu n da m e n te convencidos
filosóficas como para a história grande,
do fato de que a compreensão de um fi
fascinante e difícil dos esforços intelectuais
lósofo se alcança de m odo adequado não
que os mais elevados intelectos do Ociden
só recebendo aquilo que o a uto r diz, mas
te nos deixaram como dom, mas também
lançando sondas intelectuais também nos
como empenho.
modos e nos jargões específicos dos textos
filosóficos. G iovanni Reale - Dario A ntiseri
üná i c e gem i
1. A análise geométrica das paixões, 26; 2. A 1. A natureza da mônada como “força repre
tentativa de pôr-se “além do bem e do m al”, sentativa”, 45; 2. Cada mônada representa
2 7 ; 3. O conhecer com o libertação das o universo e é com o um microcosmo, 46;
paixões e fundamento das virtudes, 27; 4. A 3. O princípio da identidade dos indiscerní-
visão das coisas “sub specie aeternitatis” e veis, 47; 4. Individualidade e infinita varie
o “amor Dei intellectualis”, 28. dade das mônadas, 47; 5. A hierarquia das
mônadas, 48 ; 6. A criação das mônadas e
VI. Religião e Estado sua indestrutibilidade, 48.
em Spinoza__________________ 28
V. As mônadas
1. Avaliação da religião, 2 8 ; 2. Os pon
tos doutrinais fundam entais da Bíblia, e a constituição do universo__ 49
segundo Spinoza, 29; 3. A religião não tem 1. Os problemas ligados à concepção das
“dogmas verdadeiros”, mas “dogmas pios”, mônadas como elemento, 49; 2. Explica
29; 4. Juízos de Spinoza sobre Cristo, 30; ção da materialidade e corporeidade das
5. O conceito spinoziano do Estado como mônadas, 49 ; 3. Explicação da constituição
garantia de liberdade, 30. dos órgãos animais, 50; 4. A diferença das
A derivação necessária
M apa C o n c e it u a i, -
mônadas espirituais em relação às outras
do todo a partir da substância divina, 31. mônadas, 50.
to, 3 97; 2. A “revolução copernicana” de deve ser determinado por meio da lei, 419;
Kant, 4 0 1 ; 3. Estética transcendental, 408; 9. O respeito da lei moral e o supremo signi
4. Analítica transcendental, 4 1 2 ; 5. A /<?/ ficado ético do dever, 420; 10. Os postulados
moral e sua natureza, 41 7 ; 6. A fórmula do da razão prática, 42 2 ; 11. O fundamento
imperativo categórico, 41 8 ; 7. A /ei moral do juízo estético, 42 4 ; 12. O sublime e seu
e a liberdade, 4 1 8 ; 8. O conceito de “bem ” fundamento, 424.
Z)n<Ái c e d e n om es*
* Neste índice:
-reportam -se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados ao desenvolvimento
do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas em que o autor é tratado de
acordo com o tema, e em itálico as páginas dos textos;
-reportam -se em itálico os nomes dos críticos;
-reportam -se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.
XVIII ±
< Jy \ a ic e
,
d e n o m es
N R T
Nanteuil R., 160 R a y n a l F. X , 244, 254 Tácito P. Cornélio, 192, 199, 210
N a u d f. G., 155, 156 R eid T., 3 0 9 ,3 1 0 ,3 1 1 T a l e s df. M i l e t o , 134, 358, 402
N k w t o n I., 37, 38, 43, 116, 117, R e im a r u s H. S., 324, 325, 326 T a m b u r in i P., 163
118, 120, 133, 134, 219, 221, Reuter R., 347, 348 Tencin, madame de, 246
222, 240, 241, 242, 246, 257, Ricci G., 192 T e r t u l i a n o , 80, 273
258, 302, 303, 310, 317, 318, Richelieu, A.-J. cardeal de, 171 T e t e n s J. N . , 321, 323
331, 338, 340 R i v i è r e , M. d e l a , 227 T h o m a s i u s C. (Thom as), 3 1 7 ,
N ic o i.f . P ., 161, 164 Roannez (duque de), 171 318-319, 320
Norris J., 303 R o b b io B., 334, 338 T i n d a l M . , 224, 3 0 1 ,3 0 4
N o v a c i a n o , 273 R o b e r t s o n W., 232 T o l a n d J., 2 2 4 , 30 1 , 30 2 -3 0 3 ,
N o v a t o , 273 Robespierre M., 277, 279 306
Rocca J., 192 T o r r i L., 334, 338
R o u s s f a u J.-J., 84, 131, 132, 237, T o r r i c e l l i E., 170, 403
238, 241, 244, 246, 254, 277 T s c h i r n h a u s E. W., 317-318
O 291, 292-300, 338, 340 Tucídides de Atenas, 73
R u d i g e r , 320 T u r g o t A. R. J., 2 3 7 ,2 3 8
R u s s e l l B., 116, 124
O l d f ie l d A., 256
O r I g e n f .s , 273
O s w a i.d J., 311
O u v r è A., 252 s u
S t a n y a n X , 244
WryghtJ. M., 74
S t e e l e R., 335
Q S t e w a r t D., 309, 311
S t u a r t M., 92 z
Q u esn ay F., 227, 237, 238 Suyreaux Madalena, 164
Q u e s n e l P., 161, 163 Suyreaux Maria, 164
Q i j i n t i l i a n o , 192 S w i f t J., 115, 116, 256, 304, 335 Zedlitz von, 349
i c e d e cc m c e i+ o s
■fxmdamerv+a is
belo, 392
lei moral (o dever), 379
liberdade, 384
‘divertissement”, 181
númeno (“coisa em si”), 368
sublime, 393
fenômeno, 3 67 substância, 16
filosofia, 75
filosofia e filologia, 198
finalidade da natureza, 394
transcendental, 359
hábito, 137 V
harmonia preestabelecida, 52
história ideal eterna, 206 vontade geral, 285
DE SPINOZA
A KANT
O OCASIONALISMO,
SPINOZA E LEIBNIZ
■ As grandes construções metafísicas
do racionalismo
Capítulo segundo
Capítulo terceiro
A m e ta fís ic a d o O c a s io n a lis m o
e y V l a Ie b r a r v c k e
I. O s pHmei^os
O c a sio rv alis + a s
* ca —lê -s e cerca ( “ a p r o x im a d a m e n t e ” , “ em to r n o d e ” )
Primeira pãrte - O Ocasionalismo/ .Spinoza e .Leibnie
II. M alebrarvcke.
e os deservvolvimerv+os do O c a s i o n a l i s m o
paganismo, inoportunamente mantido pelos pois, com efeito, resistência, golpe, pressão
escolásticos. Já a contraposição dualista etc., nada mais são que “impressões” e
cartesiana entre res cogitans e res extensa “idéias”.
devia parecer-lhe muito oportuna e em Mas de onde derivam as idéias em nós?
perfeita concordância com o espiritualismo De que modo Malebranche chega à solução
cristão. Não existe uma alma “vegetativa”, extrema da visão das idéias em Deus?
assim como não existe uma alma “senso- Nosso filósofo procede por exclusão
rial”, porque as funções da alma se reduzem sistemática de todas as soluções que logica
ao pensar e ao querer, não havendo mais mente são dadas como possíveis, de modo
nada no corpo além da extensão (com suas a deixar espaço unicamente para a sua. Em
determinações). Aliás, nesse ponto M ale particular, ele enfatiza o que segue.
branche vai até além de Descartes: ele não a) As idéias não podem derivar do
nega aos corpos somente as “qualidades modo como os peripatéticos e os escolásticos
ocultas” (que lhes haviam sido atribuídas entendiam, ou seja, através do complexo
no passado e que a nova ciência já excluíra jogo das “espécies impressas” e das “espé
definitivamente), mas também lhes nega a cies expressas”, do “intelecto paciente” e do
ação mecânica do choque. “intelecto agente” (Malebranche se refere a
Os corpos não agem sobre as almas (ou uma interpretação já totalmente desgastada
vice-versa), da mesma forma não interagem dessas doutrinas, que se apresentavam qua
uns sobre os outros. se totalmente desfiguradas em relação às
doutrinas originais, sendo-lhe assim muito
fácil excluí-las).
3 i O conhecimento da verdade b) As idéias não podem também deri
var da potência da alma, porque, se a alma
possuísse tal poder, seria criadora de reali
M as, então, como se explica o conheci dades espirituais (como são precisamente as
mento e como é possível alcançar a verdade? idéias), o que é inadmissível, porque é contra
Cada alma permanece isolada tanto a) das toda a evidência.
outras almas com o b) do mundo físico. c) Também a solução inatista deve ser
Como se pode sair desse isolamento, que rejeitada, porque faz da alma o receptáculo
parece verdadeiramente absoluto? de uma quantidade infinita de idéias, contra
A solução de Malebranche se inspira toda plausibilidade.
em Agostinho (que, por seu turno, se inspi d) Do mesmo modo, não se pode dizer
rava no neoplatonismo, embora com uma (com Arnauld) que a alma pode extrair as
série de mudanças e reformas): a alma, que idéias do mundo corpóreo, enquanto con
está separada de todas as outras coisas, tém suas perfeições por excelência, porque
tem união direta e imediata com Deus e, nesse caso, por analogia, teríamos de defen
portanto, conhece todas as coisas através der o mesmo para todo o resto, dado que a
da visão em Deus. alma pode conhecer todo o real; assim, por
De Descartes, M alebranche extrai a conseqüência, teríamos de concluir que a
convicção de que aquilo que nós conhe alma contém as perfeições de todo o real (o
cemos é só a “idéia” (conteúdo mental). que, obviamente, é insustentável).
M as, ao mesmo tempo, dá a tal idéia uma
densidade ontológica inteiramente ausente
em Descartes e que extrai precisamente do J L A visão das coisas em Deus
exemplarismo metafísico platônico-agosti-
niano.
Nós só conhecemos “idéias” porque só Só nos resta então concluir que nós
elas são visíveis à nossa mente em si mesmas, conhecemos todas as coisas em Deus. Todas
ao passo que os “objetos” que elas repre as idéias estão na mente de Deus (o mundo
sentam permanecem invisíveis ao espírito, das idéias) e nossas almas (que são espíritos)
“porque não podem agir sobre ele nem se estão unidas a Deus, que é como que “o
apresentar a ele”. Todas as coisas que vemos lugar dos espíritos” .
são idéias e apenas idéias. O que, bem entendido, não significa
Carece de validade a objeção de que que nós conheçamos a Deus em sua essência
nós sentimos os corpos resistirem, golpea absoluta, mas implica somente que aquilo
rem, fazerem pressão e coisas semelhantes, que nós conhecemos é em Deus que o co
Primeira parte - CD Ocasionalismo, Spi noza e Leibmz
nhecemos, até sem conhecer a Deus em sua efeito, é em Deus que conhecemos as ver
totalidade e perfeição. dades eternas e a extensão inteligível (que é
E a ciência? N ão estaria ela, desse o arquétipo do mundo físico) e, portanto,
modo, perdendo todo o seu fundamento estamos em condições de daí deduzir a priori
objetivo? uma série de conhecimentos físicos. Da alma,
Pelo contrário, responde Malebranche. ao contrário, não temos um conhecimento
Em última análise, a ciência é até benefi através de sua idéia em Deus, mas somente
ciada pela nova metafísica. Com efeito, ela através de um “sentimento interior”.
estuda as relações e os nexos matemáticos O ra, o sentimento interior nos diz:
que ligam os fenômenos. E tais nexos entre a) que existimos, b) que pensamos, c) que
os fenômenos são os nexos entre as idéias, queremos, d) que experimentamos uma
nada mais refletindo senão a regularidade série de sensações. Mas não nos revela a
perfeita com que as idéias se vinculam entre natureza metafísica de nosso espírito. Para
si. Assim, ao invés de captar nexos entre nos conhecermos em nossa essência, nós
impossíveis ações e interações existentes deveríamos ver o arquétipo do ser espiritual
entre as coisas, a ciência captará os nexos e descobrir todas as relações que dele deri
entre as idéias na visão de Deus. vam, assim como conhecemos o arquétipo
da extensão inteligível, do qual deduzimos
todas as relações que dele derivam. Mas não
é assim que acontece.
5 ;As relações São claras as razões pelas quais M a
enti^e alma e co^po lebranche assume essas posições. Se tivés
semos a idéia ou o arquétipo da natureza
e o ccmKecimento dos seres espirituais, nós estaríamos em
que a alma tem de si mesma condições de deduzir todos os seus aconte
cimentos e de construir uma espécie de geo
metria espiritual capaz de nos fazer conhecer
Como já dissemos, Malebranche não tudo, inclusive o futuro e até a totalidade
apenas rejeita a concepção tradicional da alma das experiências psicológicas, a priori, em
como forma do corpo, mas leva o dualismo todos os sentidos.
cartesiano até as extremas conseqüências. Entretanto, a consciência que temos de
Não há união metafísica entre alma e corpo nós mesmos nos mostra somente uma parte
e, portanto, não há ação recíproca. A alma mínima do nosso ser. [T]
pensa seu corpo, mas está intimamente unida
a Deus. Todas as atividades da alma que nos
parecem causar efeitos sobre o corpo são, na
realidade, causas ocasionais, que agem tão- 6 ~Cudo es+á em Deus
somente pela eficácia da vontade de Deus.
E o mesmo pode-se dizer sobre as su
postas “ações” do corpo sobre a alma. Nós conhecemos, portanto, os corpos
Malebranche escreve: “Não há nenhu através das idéias (em Deus) e as almas
ma relação entre um espírito e um corpo. E através do sentimento.
digo mais: não há nenhuma relação entre um E como conhecemos Deus?
corpo e outro corpo, nem entre um espírito e Nós conhecemos Deus por si mesmo.
outro espírito. Nenhuma criatura, portanto, A proposição “existe um Deus” é tão certa
pode agir sobre outra em virtude de uma quanto esta outra proposição: “penso, logo
eficácia que lhe seja própria [...]. Não me existo” . Malebranche retoma o argumento
pergunteis por que Deus quer unir espíritos ontológico, baseando-se particularmente no
a corpos. Este é um fato constante, mas as atributo da infinitude.
principais razões dele nunca foram até agora Mas não é o caso de insistir nesse pon
conhecidas pela filosofia”. to, tratando-se de variações sobre temas que
Resta ainda a destacar um ponto muito já conhecemos bem. E assim que Malebran
interessante. che resume o seu argumento: “Se pensamos
Segundo M alebranche, nós estamos Deus, então ele deve existir.”
de posse de um conhecimento dos corpos Entretanto, gostaríamos de recordar al
que é mais perfeito do que o conhecimento guns pensamentos malebranchianos sobre a
que temos da natureza de nossa alma. Com relação entre Deus infinito e o mundo finito.
Capítulo primeiro - y\ metafísica do Ocasionalismo e yV\a1f brtuicke
Se Deus é infinito, Deus contém tudo em si. Nessa construção, em muitos casos,
Os neoplatônicos já diziam que não existe ele antecipa algumas idéias que, embora
alma no mundo, mas o mundo na alma; e, com base em pressupostos diferentes e com
por seu turno, a alma existe nas hipóstases finalidades diferentes, encontraremos nas
superiores, e tudo está em Deus. grandes construções metafísicas racionalis-
Malebranche repete algo de análogo, tas de Spinoza e Leibniz.
mas ampliando ainda o pensamento neopla- M as ele também apresenta algumas
tônico. A realidade de Deus não está apenas analogias importantes em relação ao em
em todo o universo, mas também além dele, pirismo de Berkeley, embora em uma ótica
porque Deus não está abrangido na própria diversa e ao lado de grandes diferenças.
obra, e sim a abrange e a transcende. Exa Entretanto, certas analogias impensá
tamente porque é tudo em sua imensidade, veis, que só recentemente a historiografia
ele pode ser tudo em tudo. E seu ser tudo filosófica percebeu, levam diretamente a
em tudo não significa mais que a presença Hume. Este destacou que M alebranche
de todas as coisas em sua imensidade. tem importância na história do pensamento
francês, mas não fora da França. Na reali
dade, isso é uma espécie de desculpa não
7 Z Jy n p ov ia n cia d o p e n s a m e n t o pedida. Com efeito, certas análises sobre
d e J\Aa l e b m n c k e a não experimentabilidade do princípio de
causa-efeito e certos exemplos que ilustram
tal idéia retornam igualmente nas obras de
Os estudiosos destacaram bem o des Hume, repropostos com bases inteiramente
locamento do epicentro da especulação que diversas (ou seja, em bases empírico-ceti-
Malebranche realizou em relação a Descar cizantes). Mas nem por isso tais tangentes
tes: este se orientava na direção dos proble revelam-se menos significativas. Essas analo
mas do conhecimento e da metodologia da gias só poderão ser compreendidas quando
ciência, ao passo que Malebranche constrói falarmos de Hume.
um sistema acentuadamente teocêntrico, Tudo isso basta para garantir a M a
sustentado por fortes motivações de caráter lebranche um lugar bem determinado na
metafísico e religioso. história do pensamento ocidental.
D E
LA RECHERCHE
D E
LA V E R IT È ,
P a s N . M A L E B R A N C H E , P r ilr t
de 1 'Q r a i o i r t d e J e s u s .
S K XS. R
A PARIS,
Chez D u R * n d , rue du F o i n , la p r e m ie r e
p o r te cochere en e n tr a m p a r la n ic
S a in t Ja c q u rs, au G riffo n .
Sp inoza:
a m e t a f í s i c a d o morvismo
e d o im arven+ism o p a r v fe ís la
I. S p i n o z a : a v id a , os e s c r it o s
e a s fi n a l id a d e s d a filosofia
(entre os quais Cícero e Sêneca) e deu-lhe agilidade (mas guardou, como lembrança,
acesso aos autores renascentistas e aos filó o manto cortado pela punhalada).
sofos modernos, especialmente Descartes, O ano de 1656 assinalou dramática
Bacon e Hobbes. e decisiva reviravolta: Spinoza foi exco
À medida que o pensamento de Spi- mungado e banido da Sinagoga. Os amigos
noza ia se delineando, revelava-se sempre judeus e os parentes o abandonaram. A irmã
mais clara a sua irreconciliabilidade com o contestou-lhe até mesmo o direito à herança
credo da religião judaica. Conseqüentemen paterna. (Ele entrou com um processo para
te, começaram também os confrontos com resolver a questão e venceu; depois, porém,
os teólogos e os doutores da Sinagoga. Os recusou tudo, porque pretendera lutar só
atritos tornaram-se bastante fortes, porque pela defesa de um direito enquanto tal e não
Spinoza logo havia atraído a atenção sobre pelos benefícios que dele derivariam.)
si em virtude de seus destacados dotes in Depois da excomunhão, Spinoza refu
telectuais, e os dirigentes da comunidade giou-se em uma aldeia nas proximidades de
judaica teriam desejado que ele se tornasse Amsterdam, onde escreveu uma Apologia,
rabino. Mas Spinoza mostrou-se irremovível ou seja, uma defesa de suas posições, escrito
em suas posições, sobretudo depois da morte que não chegou até nós. Em seguida, foi para
do pai (ocorrida em 1654), tanto que um Rijnsburg (nas proximidades de Leiden) e
fanático tentou até matá-lo. Spinoza salvou- daí para Voorburg (perto de Haia), sempre
se apenas por sua presteza de reflexos e sua em quartos de aluguel. Em 1670, em Haia,
Capítulo segundo - Spi noza: a me+afísica do monismo e do imanenfismo pan+eís+a
o pintor Van der Spyck hospedou-o em sua Tratado sobre a emenda do intelecto é de
casa. 1661. Sua obra-prima é a Ethica, iniciada
Com o e de que vivia Spinoza? Ele em torno de 1661 (que constituiu o traba
aprendera a cortar vidros óticos. E os pro lho de toda a vida do filósofo) e publicada
ventos que ganhava com esse trabalho co postumamente em 1677, juntamente com
briam grande parte de suas necessidades. o Tratado sobre a emenda do intelecto , um
Devido ao nível de vida modesto que manti Tratado político e as Cartas.
nha (os únicos luxos que se concedia eram os A única obra publicada com o próprio
livros), tinha necessidade de pouco. Amigos nome por Spinoza foi uma exposição em
e admiradores ricos e poderosos chegaram forma geométrica dos Princípios de filosofia
a oferecer-lhe grandes doações, mas ele as de Descartes, à qual foram agregados Pen
recusou ou então, como no caso de uma samentos metafísicos.
renda que lhe foi oferecida por S. de Vries, Já o Tratado teológico-político, que
aceitou-a, mas reduziu drasticamente seu suscitou grande celeuma e acesas polêmicas,
valor, com base no pouco de que necessitava foi publicado anonimamente (em 1670) e
para sua vida frugal. com falsa indicação do local de impressão.
A excomunhão da Sinagoga, que com A cultura de Spinoza era notável e as
portava conseqüências sociais e jurídicas fontes de sua inspiração muito variadas: a
notáveis, isolou-o totalmente dos judeus, filosofia tardio-antiga, a Escolástica (espe
mas não o isolou dos cristãos (à cuja fé, no cialmente a judaica medieval de Maimônides
entanto, ele não aderiu). Com efeito, foi e de Avicebron, (a Escolástica dos séculos
acolhido em círculos de cristãos abertos e X V I-X V II, o pensam ento renascentista
favoráveis à tolerância religiosa. Conheceu (Giordano Bruno e Leão Hebreu) e, entre os
homens poderosos, como os irmãos de Witt modernos, sobretudo Descartes e Hobbes.
(que lideravam o partido democrático), de Mas essas fontes foram fundidas em uma
cuja proteção desfrutou, e cientistas como poderosa e nova síntese, que assinala uma
Huygens, além de manter correspondência das etapas mais significativas do pensamento
com homens doutos e renomados. ocidental moderno.
Em 1673, o Eleitor do Palatinado ofe Os antigos gregos consideravam a
receu-lhe uma cátedra universitária em Hei- coerência entre a doutrina e a vida de um
delberg, mas ele recusou, cortês mas fir filósofo como a mais significativa prova
memente, temendo que a aceitação de uma de credibilidade de uma mensagem espiri
posição oficial como a de professor univer tual. E os filósofos gregos deram os mais
sitário pudesse lim itar sua liberdade de admiráveis exemplos dessa coerência. Ora,
pensamento. Spinoza alcançou plenamente o paradigma
Contudo, se não chegou a ensinar ofi dos antigos: sua metafísica está em perfeita
cialmente de uma cátedra, mantinha, porém, consonância com sua vida (em muitos as
amigos e admiradores com os quais podia pectos, como teremos oportunidade de ver
falar de filosofia e discutir seus escritos. mais adiante, ele pode ser considerado como
Morreu em 1677, de tuberculose, com estóico moderno).
apenas 44 anos. Como veremos, ele pregou como meta
suprema do itinerário filosófico a visão das
coisas sub specie aeternitatis, que é uma
visão capaz de libertar o homem das pai
2 O se n tid o xões e dar-lhe um estado superior de paz
d a filo so fia s p i n o z i a n a e tranqüilidade. E, como nos dizem unani
memente os contemporâneos de Spinoza, a
em s u a s o b r a s m a io re s paz, a tranqüilidade e a serenidade foram a
marca de toda a sua existência.
O próprio selo que escolheu para lacrar
O primeiro trabalho escrito por Spi
os papéis de sua correspondência é significa
noza foi o Breve tratado sobre Deus, sobre tivo: uma rosa, tendo acima a palavra caute,
o homem e sua felicidade, elaborado talvez da mesma forma como o sentido de sua filo
em torno de 1 6 6 0 . Esse escrito, porém, sofia, como veremos, está na compreensão
permaneceu inédito, sendo descoberto e pura e distanciada do entender, despojado
publicado somente no século passado. O de toda perturbação e de toda paixão.
Primeira parte - O Ocas ionalismo, Spinoza e .Leibniz:
II. y\ c o n c e p ç ã o d e D e u s
c o m o eixo fu n d a m e n tal
d o p e n s a m e n t o sp in o zJa n o
1 ord em geo m étrica Por que nosso filósofo escolheu esse mé
todo, precisamente ao tratar da realidade su
prema de Deus e do homem, que são objetos
A obra-prim a spinoziana, a Ethica, para os quais os procedimentos matemati-
como diz o próprio subtítulo “ ordine geo- zantes pareceriam demasiadamente restritos
metrico dem onstrata”, tem um esquema e inadequados? E a pergunta que se colocam
de exposição calcado no dos Elementos de todos os intérpretes, dado que esse método,
Euclides, ou seja, segue um procedimento em sua translúcida clareza formal, muitas
que se desenvolve segundo definições, axio vezes não revela, mas até oculta as motiva
mas, proposições, demonstrações e escólios ções do pensamento spinoziano, a ponto de
(ou explicações). Trata-se do método indu- alguns terem acreditado resolver o problema
tivo-geométrico, em parte já utilizado por pela raiz, tentando dissolver a ordem geo
Descartes e bastante apreciado por Hobbes, métrica de sua rigidez formal e estendê-la
com o veremos, mas que Spinoza leva às em um discurso continuado. Uma solução
últimas conseqüências. absurda, porque a escolha de Spinoza não
teve uma motivação única, mas razões múl
tiplas. Procuremos identificar as principais.
rf.x j t : nrs c art/ x Está claro, entretanto, contra o que Spi
noza pretendeu reagir ao adotar o método
P R I N C I F I O R U M geométrico. Ele queria rejeitar:
i! II I I, O S O P II I iE a) o procedimento silogístico abstrato e
extenuante, próprio de muitos escolásticos;
l '.! U J, & II, b) os procedimentos inspirados nas re
Alorc Ccmictrkv tUnwnjhvtt.c gras retóricas próprias do Renascimento;
c) o método rabínico da exposição ex
p F. R
cessivamente prolixa.
B H N I- D [ C l U M dc S P I N O Z A
O estilo de Descartes e, em geral, o
kS Í ( c tffe r t t H t h j a f i U m
gosto pelo procedimento científico próprio
COGITATA METAPIIYSICA, do século 17 influenciaram grandemente
I n q t / iífu t d i f f i a h e r n , e ju .H a m m p . n t e ( J l l c u p l n f i c t i g e u r r á t i , q u h m Spinoza em sentido positivo.
t u i t r i u n t , y u .t jh c n t i l / r c r t h r < < fiu a n t u r . Todavia, o método e o procedimento
adotados por Spinoza na Ethica não cons
tituem um simples revestimento extrínseco
(ou seja, formal), como pareceu a alguns,
não sendo também explicáveis como simples
concessão a um modismo intelectual. Com
efeito, os nexos que explicam a realidade,
como a entende Spinoza (como logo vere
mos), são expressão de uma necessidade
AMt i r r n o AMi ,
' J O IliN H F .H R i r w i , R T 5 , t» v i c e ‘V«Ajtí À i i l o , d c D i f k
racional absoluta. Posto Deus (ou a Subs
vun A flc n flc c g , (ní, ji^ w <JMsrtjrolo$u. tância), tudo daí “procede” com o mesmo
rigor com que, posta a natureza do triângulo
b r o n t i s f i í a o d o s P r in c ífiio s d a fd osof/a tal como se expressa em sua definição, todos
d c R. D e sca rte s. os teoremas relativos ao triângulo daí “pro
A o h r a c c o n s t it u íd a f)or u m a e x p o s i ç ã o cedem” rigorosamente, não podendo deixar
em f o r m a g e o m é t r i c a d a filo s o fia carte sia na, de proceder. Assim, se, suposto Deus, tudo é
s e g u id a p e l o s P e n s a m e n t o s m e t a físic o s . “dedutível” com esse mesmo rigor absoluto,
Primeira pãrte - O Ocasionalismo, .Spinoza e .Leibniz
da substância, ou seja, aquilo que existe só pode ser determinado por “um atributo,
em outra coisa, por meio da qual também enquanto é modificado por uma modificação
é concebido” . Sem a substância e seus atri que é finita e tem existência determinada”. O
butos, o “modo” não existiria e nós não infinito só gera o infinito e o finito é gerado
poderíamos concebê-lo: com efeito, ele só pelo finito.
existe e só é conhecido em função daquilo M as uma coisa fica inexplicada: o modo
de que é modo. como nasceu um finito, no âmbito da infi-
Mais propriamente, dever-se-ia dizer nitude da substância divina, que se explicita
que os “modos” procedem dos “atributos”, em atributos infinitos, modificados por mo
e que são determinações dos atributos. dificações infinitas.
Mas Spinoza não passa imediatamente Com efeito, para Spinoza, omnis deter-
dos “atributos” infinitos aos “modos” fini minatio est negatio, e a substância absoluta,
tos, mas admite “modos" também infinitos, que é ser absoluto, ou seja, o absolutamente
que estão entre os atributos (por sua natu positivo e afirmativo, é tal que não se deixa
reza infinitos) e os modos finitos. “determinar”, ou seja, “negar”, de modo
O “intelecto infinito” e a “vontade nenhum.
infinita”, por exemplo, são “modos infini Essa é a máxima aporia do sistema
to s” do atributo infinito do pensamento, ao spinoziano, da qual deriva toda uma série de
passo que o “movimento” e a “quietude” dificuldades, como os intérpretes destacaram
são “modos infinitos” do atributo infinito várias vezes, mas que é necessário enfocar
da extensão. Outro modo infinito é também bem, precisamente para compreender de
o mundo com o totalidade ou, com o diz maneira adequada o resto do sistema.
Spinoza, “a face de todo o universo, que
permanece sempre a mesma, apesar de variar
em infinitos modos” .
D e u s e m uiado,
Chegando a esse ponto, poderíamos
esperar de Spinoza uma explicação sobre o u " n a t u r a i i a t u m n s 11
a origem dos “modos finitos”, ou seja, a e "i'l a t u m n a t u r a ia "
explicação de como ocorre a passagem do
infinito ao finito.
Isso, porém, não ocorre; Spinoza in Com base no que explicamos, o que
troduz de repente a série dos finitos, dos Spinoza entende por Deus é a “substância”
modos e das m odificações particulares, com seus atributos (infinitos); já o mundo é
dizendo simplesmente que eles derivam uns dado pelos “modos”, por todos os modos,
dos outros. infinitos e finitos. Mas estes não existem sem
Spinoza sustenta que aquilo que segue aqueles; portanto, tudo é necessariamente
à natureza de um atributo de Deus, que determinado pela natureza de Deus e não
é infinito, só pode ser um modo também existe nada contingente (como já vimos).
infinito e que, portanto, aquilo que é finito O mundo é a “conseqüência” necessária
de Deus.
Spinoza também chama Deus de natu-
ra naturans, o mundo de natura naturata.
■ O modo é "aquilo que existe Natura naturans é a causa, ao passo que
em outro e que apenas mediante natura naturata é o efeito daquela causa,
este outro é concebido". Os modos que, porém, não está fora da causa, mas é
são as especificações particulares tal que mantém a causa dentro de si. Pode-
dos atributos da substância divina, e se dizer que a causa é imanente ao objeto e
podem ser: também, vice-versa, que o objeto é imanente
- infinitos (como, por exemplo, o à sua causa, com base no princípio de que
movimento, que é modificação do
“tudo está em Deus”.
atrib u to divino "extensão", ou o
intelecto divino, que é modificação Agora, estamos em condições de en
do atributo divino "pensamento"); tender por que Spinoza não atribui a Deus
- ou finitos (por exemplo, os mo o intelecto, a vontade e o amor. Com efeito,
vimentos singulares e os pensamentos Deus é a substância, ao passo que intelecto,
singulares). vontade e am or são “modos ” do pensamen
to absoluto (que é um “atributo” ). Tanto
entendidos como “modos infinitos” quanto
Primeira parte - O O casionalism o, S p in o za e L-eibni
com o “modos finitos” , eles pertencem à Quando se diz que Spinoza fala de Deus
natura naturata, isto é, ao mundo. sive natura deve-se indubitavelmente enten
Portanto, não se pode dizer que Deus der que ele pensa nesta equação: Deus sive
projete o mundo com o intelecto, que o Natura naturans. Entretanto, como Deus
queira com um ato de livre escolha ou que (e, portanto, a Natura naturans) é causa
o crie por amor, porque essas coisas são imanente e não transcendente, e como nada
“posteriores” a Deus, dele procedendo: mais existe além de Deus, pois tudo está nele,
não são o originário, mas o conseqüente. então está fora de dúvida que a concepção
Atribuir essas coisas a Deus significa trocar spinoziana pode ser chamada “panteísta”
o plano da natureza naturante pelo da na (= tudo é Deus ou manifestação necessária
tureza naturada. de Deus nos modos explicados). |T]
T r a c t a t u s
E T H I C E S
T á r s 7 *r im a » THEOLOGICO
D E D E O. 1> O L 1 T I C U S
D H I HI T IO N! S
1. fui tntiHigo t d , curu< clU n iu
Contincns
r f i ( d A i in v o lv t ri^ ilic n n a m .fiu id ,cuhi*nanir.i
«MQ p R f f g non p o filt OHKip», n ificxilicm .
Diflcrtationcs aliquot,
/E j B f l g j I I . f a r o d i r i n i r m fu o p rtK jv finita,
Qutbui oOcrtJmu L<Wrut<rm Phtlofophaiuii nonramum
• M W I <]uar aJw < ru n trx ttrm inan po*
laU j Pi<rtatc, S< R< í |hiWu * Pa» epóflcn *v«.d' •
td V h . i ; f curpu* dirm tr fir w u m , qma almd lim pcr
candctniiifi cum Pare H cipuhlicz, tptaquc
nuiu.» or* tpitmiv Su «f*yiTjfio j l u í rcnnitu-
Pietaic tolli nonpofle.
fuc. A t «or^>u> oontiT irnru n trcogK atiO K , n a c o g ir a -
fm . orporc ►j.,:1 ! C»p IV roí XUI
III l’ir fttHnnriam inrrD igo k J , qu od m í c e f t , ic r. ' ?*(_*»{> rmul >« D** •iWBMí . ( f O t »» tm jTf
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»»i r cm vt pm ah criii' m .a q u o form an tk b r a f.
I\ f‘ti jrtiiU i(u m in tclhpo u l , qttod u tftllr â m vk
íitl*;! inru jx h «pit , ranqiiam t w lJ c m t-flcntwun coníti-
tlnii.
V P a m c n lu m u m Ilyo fu l^ U n n arafle ü io o c*. fiv ctd ,
>114 I.0 1.11, prt qii<*l<tUíDCOOCipirur.
V I Ptf iX u jn in t d fy jo ifw jh fo lu tc m fim cum , I »
*1’ !nrum conJiin»cm inhniniaftíitw it>, quorum
"'n » i. jUüd*jiK: x u t r u m , èt in tim tvn cflcm u m n p r» -
H* M•t I CI.
nnr ÀpO«i Clí lí <1**
A ordem das idéias corre paralela à or à ordem dos modos e das coisas corpóreas,
dem dos corpos: todas as idéias derivam de porque tanto em um como em outro caso
Deus, enquanto Deus é realidade pensante; se expressa inteiramente a essência de Deus
analogamente, os corpos derivam de Deus, vista sob diversos aspectos.
enquanto Deus é realidade extensa. O que Existe, portanto, perfeito paralelismo,
significa que Deus gera os pensamentos só que consiste em perfeita coincidência, en
como pensamento e gera os modos relativos quanto trata da mesma realidade vista sob
à extensão só como realidade extensa. Em dois diferentes aspectos: "ordo et conne-
suma, um atributo de Deus (e tudo aquilo xio idearum idem est ac ordo et connexio
que se encontra na dimensão desse atributo) rerum" (“ordem e conexão das idéias é o
não atua sobre outro atributo de Deus (sobre mesmo que ordem e conexão das coisas” ).
aquilo que se encontra na dimensão deste Em função desse paralelismo, Spinoza
outro atributo). interpreta o homem como união de alma e
Spinoza tem agora a possibilidade de corpo. O homem não é uma substância e
resolver o grande problema do dualismo muito menos um atributo, mas é constituí
cartesiano de modo brilhantíssimo. Visto do “por certas modificações dos atributos
que cada atributo, como sabemos, expressa de Deus”, ou seja, “por modos do pensar”,
a essência divina de igual modo, então a série com a proeminência do modo que é a idéia, e
dos modos de cada atributo deverá necessá “por modos da extensão”, ou seja, pelo cor
ria e perfeitamente corresponder à série dos po, que constitui o objeto da mente. A alma
modos de cada um dos outros atributos. Em ou mente humana é a idéia ou conhecimento
particular, a ordem e a série das idéias deve do corpo. A relação entre mente e corpo é
rão corresponder necessária e perfeitamente constituída por um paralelismo perfeito.
IV. O conkecimeKvto
Em particular, a consideração das coi doutrina é útil para a vida, o que veremos
sas como “contingentes” (ou seja, como facilmente com o que segue.
coisas que podem tanto ser com o não ser) é Com efeito, esta doutrina é útil:
uma espécie de “ilusão da imaginação” ou, 1) Enquanto ensina que nós agimos uni
se assim se preferir, uma espécie de concep camente pelo querer de Deus e somos partí
ção inadequada da realidade, limitada ao cipes da natureza divina, tanto mais quanto
primeiro nível. mais perfeitas são as ações que realizamos
Ao contrário, é próprio da razão consi e quanto sempre mais conhecemos a Deus.
derar as coisas não como contingentes, mas Assim, além de tornar o espírito tranqüilo,
como “necessárias”. E considerar as coisas essa doutrina tem também a vantagem de
com o necessárias significa considerá-las nos ensinar em que consiste nossa suprema
“sob certa espécie de eternidade”. felicidade ou nossa bem-aventurança, isto é,
O terceiro gênero de conhecimento unicamente no conhecimento de Deus, pelo
capta a necessidade das coisas em Deus de qual somos induzidos a realizar somente as
modo ainda mais perfeito, ou seja, sob a ações que nos são aconselhadas pelo amor
mais perfeita espécie de eternidade. e pela piedade. A partir daí, podemos com
Compreendemos então que não existe preender claramente quanto se afastam da
nesse contexto lugar para uma vontade verdadeira estima da virtude aqueles que,
livre: “Não há na mente nenhuma vontade em troca da mais dura servidão, esperam ser
absoluta ou livre; a mente é determinada agraciados por Deus com os prêmios mais
para querer isto ou aquilo por uma causa altos, em recompensa por sua virtude e por
que também é determinada por outra, esta suas boas ações, como se a virtude e o ser
a seu turno por outra e assim por diante, viço a Deus não fossem a própria felicidade
ao infinito. ” Isso significa que a mente não e a suprema liberdade.
é causa livre de suas próprias ações. A voli- 2) Ela é útil enquanto nos ensina de que
ção mais não é que a afirmação ou negação modo devemos nos comportar em relação
que acompanha as idéias, e “a vontade e o às coisas do destino ou que não estão em
intelecto são uma única e mesma coisa”. nosso poder, ou seja, em relação às coi
Desse modo, em outro plano e com sas que não procedem de nossa natureza:
valências diversas, Spinoza retoma a posição esperando, isto é, suportando com ânimo
do intelectualismo que, de Sócrates em dian igual cada reviravolta da sorte, já que tudo
te, havia caracterizado todo o pensamento procede do eterno decreto de Deus com a
grego, mas que, depois do cristianismo (que mesma necessidade com a qual, da essência
fundamentou toda a sua ética precisamente do triângulo, deriva que seus três ângulos
na vontade), assumiu novo sentido, de cujo são iguais a dois ângulos retos.
alcance falaremos adiante. 3) Essa doutrina facilita a vida social
enquanto ensina a não irritar-se contra
ninguém, a não desprezar, a não ironizar,
a não conflitar e a não invejar ninguém.
4 C o n s e q u e n c ia s m o ra is
Além disso, também enquanto ensina que
d o co n k ecim en +o a d e q u a d o cada qual deve se contentar com o que tem
e ajudar o próximo, não por piedade femi
nina, por parcialidade ou por superstição,
As conseqüências dessas doutrinas me mas somente sob a guia da razão, isto é, se
tafísicas e gnosiológicas revestem-se de no gundo aquilo que o tempo e a circunstância
tável relevância ética. E Spinoza as elaborou exigem [...].
justamente para poder resolver o problema 4) Por fim, essa doutrina também faci
da vida. lita bastante a sociedade comum, porquanto
Eis como o nosso filósofo resume as ensina de que modo os cidadãos devem ser
conseqüências morais de sua teoria, no fim governados e dirigidos, isto é, não para que
da segunda parte da Ethica: “Finalmente, sirvam como escravos, mas sim para que
falta apontar como o conhecimento desta realizem livremente aquilo que é melhor.”
Primeira parte - O O cas icmalismo, S Pin o z c x e .Leilmiz
V . (D ideal e+ico d e S p i n o z a
e o ; a m o r D e i in+ellec+ualis”
• Dado que tudo acontece sob o signo da necessidade mais rigorosa, não
existem na natureza "bem" e "mal", assim como não existem fins: o que se pode
corretamente chamar de bem é apenas o útil, e mal é seu con-
o ideal ético trário. Por conseguinte, agir absolutamente por virtude significa
de Spinoza: para nós agir, viver, conservar nosso ser sob a guia da razão, e isso
ag ir sob a guia sobre o fundamento da busca do que nos é útil. E o primeiro e
daí af ã° único fundam ento da virtude é o conhecimento adequado, em
* 3 que reside a verdadeira salvação do homem.
qual a mente afirma uma força de existir aquilo que deve ser, segundo a série de cau
do seu corpo, ou de parte dele, maior ou sas necessárias.
menor do que aquela que afirmava antes e, O “bem” e o “mal” também não indi
dada a qual, a própria mente é determinada cam nada que existe ontologicamente nas
a pensar mais isto do que aquilo” . Como coisas consideradas em si, objetivamente,
força da natureza (se permanecermos em mas também são “modos de pensar” e no
seu plano), as paixões são irrefreáveis e uma ções que o homem forma, comparando as
gera a outra com lógica matemática. coisas entre si e referindo-as a ele mesmo.
Dessa análise, que poderia parecer Em suma: toda consideração de caráter fi-
impiedosa, Spinoza extrai uma conclusão nalístico e axiológico é banida da ontologia
eticamente positiva. Se imaginarmos que de Spinoza, que, aliás, considera que alcança
são livres as ações dos outros homens que a “libertação” e a consecução do objetivo a
consideramos nocivas, então somos levados que se propunha precisamente por meio de
a odiá-los; mas, se sabemos que elas não são tal eliminação.
livres, então não os odiaremos ou os odiare Com base na concepção das “paixões”
mos muito menos (pois consideraremos as acima expostas e na visão do homem es
ações deles no mesmo nível da pedra que cai sencialmente radicada na conservação e
ou de qualquer outro acontecimento natural no incremento do seu próprio ser, só resta
necessário). a Spinoza concluir que aquilo que se pode
Além disso, Spinoza chega inclusive a chamar corretamente de bem é somente o
ponto de dizer que “o ódio se acresce pelo útil, e mal é o seu contrário: “Entendo por
ódio recíproco”, mas, ao contrário, pode bom aquilo que sabemos com certeza que
“ser destruído pelo am or” . É perfeitamente é útil para nós. Já por mau entendemos
compreensível que o ódio gere o ódio e o aquilo que sabemos com certeza que nos
amor o extinga. M as, se é verdadeira a ine impede de possuir o bem (ou seja, o útil)” .
xorável concatenação das causas, de que fala Conseqüentemente, a “virtude” torna-se
Spinoza, como pode um homem responder tão-somente a consecução do útil, e “vício”
ao ódio com o amor? Ele só poderia admiti- é o contrário.
lo (e isso foi bem destacado pelos estudiosos) Portanto, quando os homens seguem
se admitisse um componente de liberdade a razão, não só alcançam seu próprio útil,
que, embora seja firmemente negado, na mas também o útil de todos: o homem que
verdade, contra as intenções do autor, está se comporta segundo a razão é o que há
presente em várias partes da Ethica. de mais útil para os outros homens. Spi
noza chega até a dizer que o homem que
vive segundo a razão “é um Deus para o
homem”.
2 7 ^ te n ta tiv a d e p ô r - s e
" a l é m d o b e m e d o m a \"
3 C) conkecer
co m o lib erta çã o d a s p a ix õ e s
O jogo das paixões e dos comporta
mentos humanos aparece sob luz totalmente e f u n c la m e - n t o d a s v i r t u d e s
diversa, segundo Spinoza, se percebermos
que não existem na natureza “perfeição” e
“imperfeição”, “bem” ou “m al” (ou seja, Sócrates já havia dito que vício é igno
valor e desvalor), assim como não existem rância e virtude é conhecim ento. Essa
fins, dado que tudo acontece sob o signo tese, nos modos mais variados, havia sido
da necessidade mais rigorosa. “Perfeito” reafirmada ao longo de toda a filosofia
e “imperfeito” são visões, ou seja, modos greco-pagã. Spinoza a repropõe em termos
(finitos) do pensamento humano que nascem racionalistas. Eis um dos textos mais elo
da comparação que o homem institui entre qüentes dentre os muitos que podemos ler na
os objetos que ele produz e as realidades Ethica, no qual revelam-se particularmente
que são próprias da natureza. Com efeito, evidentes os ecos socráticos e estóicos: “Não
“perfeição” e “realidade” são a mesma coi sabemos com certeza que alguma coisa é
sa. Assim, não devemos dizer de nenhuma boa ou má senão enquanto leva realmente
realidade natural que ela seja “imperfeita”. ao conhecimento ou pode impedir o nosso
Nada daquilo que existe carece de algo: é conhecimento. ”
PtifflCÍTU pCITtC - O Ocasionalismo/ s Pinoza e .Leitmiz
V I . R e l igião e E s t a d o
e.m S p inoza
SPINOZA
A DERIVAÇÃO NECESSÁRIA DO TODO
A PARTIR DA SUBSTÂNCIA DIVINA
Deus
SUBSTANCIA: é a única substância, eterna e infinita,
aquilo Causa sui e Natura naturans:
que existe em si
e é concebido necessidade absoluta de ser
por si e causa imanente da qual tudo (atributos, modos, coisas)
procede necessariamente
e intemporalmente
pensamento extensão
{res cogitans) (res extensa)
as idéias ^ corpos
(ordo et connexio idênticas aos (ordo et connexio
idearum) rerum)
C o n h e c im e n t o h u m a n o
Axiomas
1. Todas as coisas gue existem, existem
ou em si mesmas ou em outro.
Parte I. Deus 2. Aguilo gue não se pode conceber por
outro, deve conceber-se por si mesmo.
3. De uma causa determinada segue-se
Definições necessariamente um efeito, e, ao contrário,
1. se não se dá nenhuma causa determinada, é
Por causa de si entendo aguilo cuja
essência implica a existência; ou seja, aguilo impossível gue derive um efeito.
cujo natureza não se pode conceber a não ser 4. O conhecimento do efeito depende do
como existente. conhecimento da causa, e a implica.
O. Diz-se em seu gênero fnita a coisa 5. Coisas gue não têm nada em comum
gue pode ser delimitada por outra da mesma entre si, não podem seguer entender-se uma
natureza. Por exemplo, um corpo se diz finito, por meio da outra, ou seja, o conceito de uma
porgue dele concebemos outro sempre maior. não implica o conceito da outra.
Da mesma forma, um pensamento é delimitado 6. fl idéia verdadeira deve convir com
por outro pensamento. Mas um corpo não é seu ideado.
delimitado por um pensamento, nem um pen 7. fl essência de tudoagui Io gue se pode con
samento por um corpo. ceber como não existente, não implica a existência.
,
Cdpítulo Segundo - S p in o za; a
. .
metafísica do monismo e do imanentismo panteísta
. 33
___
desta demonstração, por estarem acostumados mesmo atributo, o que (pela proposição 5) é
a contemplar apenas as coisas que procedem absurdo; e por isso nenhuma substância além
de causas externas; e das coisas que são de Deus pode existir e, por conseguinte, nem
produzidas rapidamente, isto é, que facilmente ser concebido. Se, com efeito, se pudesse con
existem, vêem também que rapidamente pe ceber, deveria necessariamente ser concebida
recem, e julgam ao contrário como coisas mais como existente; mas isso (pela primeira parte
difíceis de serem feitas, isto é, não tão fáceis desto demonstração) é absurdo. Rlém de Deus,
de existir, aquelas às quais concebem pertencer portanto, não pode haver nem ser concebida
mais coisas. Todavia, pora que se libertem des nenhuma substância. C.d.d.
tes preconceitos, não tenho necessidade aqui Corolário 1. Daí deriva clarissimamente,
de demonstrar por qual razão este enunciado, em primeiro lugar, que Deus é único, isto é
segundo o qual isso que rapidamente é pro (pela definição 6), que na natureza das coisas
duzido rapidamente perece, seja verdadeiro, e não há apenas uma só substância, e que ela
nem mesmo se, considerando todas as formas é absolutamente infinita, como já acenamos no
de natureza, todas as coisas sejam igualmente escólio à proposição 10.
fáceis ou não. Mas bosta apenas notar isto, Corolário 2. Segue-se, em segundo lugar,
que eu aqui não falo das coisas que são pro que a coisa extensa e a coisa pensante, ou são
duzidas a partir de causas externas, e sim das atributos de Deus, ou então (pelo axioma 1)
substâncias apenas que (pela proposição 6) afecções de atributos de Deus.
não podem ser produzidas por nenhuma causa 15. Tudo aquilo que existe, existe em
externo. Com efeito, as coisas que são produzi Deus, e nada pode existir nem ser concebido
dos por causas externas, seja que constem de sem Deus.
muitas, seja de poucas partes, seja qual for a Demonstração. Rlém de Deus, não pode
perfeição ou realidade que tenham, tudo isso haver nem se pode conceber alguma substância
deve-se à virtude da causa externa, e portanto (pela proposição 14), isto é (pela definição
sua existência surge da única perfeição da 3), alguma coisa que exista em si e que por si
causa externo e não de sua própria. Qualquer mesma seja concebida. Na verdade, os modos
perfeição, ao contrário, tenha a substância, ela (pelo definição 5) não podem existir nem ser
não é devida a nenhuma causa externa; por concebidos sem o substância; por esta razão,
isso, tombém sua existência deve seguir de podem existir apenas na natureza divina, e
sua natureza única, que portanto não é mais somente mediante ela ser concebidos. Mas,
que sua essência. Portanto, a perfeição de uma além dos substâncias e dos modos, nada é
coisa não tolhe a existência, mas, ao contrário, dado (pelo axioma 1). Portanto, nada sem Deus
a põe; é a imperfeição que vice-versa o tolhe. pode existir nem ser concebido. C.d.d.
Por isso, de nenhuma coisa podemos estar mais
certos do que da existência do ente absoluta c. Deus é causa imanente e é eterno
mente infinito, ou seja, perfeito, vale dizer. Deus.
Com efeito, dado que sua essência exclui toda 16. Da necessidade da natureza divino
imperfeição, e implica absoluta perfeição, por devem seguir-se infinitas coisas em infinitos
isso mesmo tolhe toda causa de duvidar de sua modos (isto é, todas as coisas que podem cair
existência, e dá suma certeza dela, o que, creio, sob um intelecto infinito).
tornar-se-á claro tombém para quem prestou 17. Deus age unicamente pelas leis de sua
apenas um pouco de atenção. natureza, e nõo obrigado por alguém.
12. Nõo se pode conceber segundo a 18. Deus é causa imanente e não transitiva
verdode nenhum atributo do substância, do qual de todas as coisas.
resulte que a substância possa ser dividida. 19. Deus é eterno, ou seja, todos os atri
13. fí substância absolutamente infinita butos de Deus são eternos.
é indivisível. 20. R existência de Deus e sua essêncio
14. Rlém de Deus não pode haver nem se são uma única e mesma coisa.
conceber nenhuma substância. Demonstração. Deus (pela proposição
Demonstração. Dado que Deus é o ente precedente) e todos os seus atributos são
absolutamente infinito, do qual nenhum atri eternos, isto é (pela definição 8), cada um de
buto, que exprime a essência da substância, seus atributos exprime a existência. Portanto,
se pode negar (pela definição ó), e que ele os mesmos atributos de Deus, que (pela de
necessariamente existe (pela proposição 11), finição 4) manifestam a eterna existência de
se houvesse alguma substância além de Deus, Deus, manifestam juntos também sua existência
ela dever-se-ia explicar mediante algum atributo eterna, isto é, a mesma coisa que constitui a
de Deus, e assim existiriam duas substâncias do essência de Deus constiui ao mesmo tempo a
Capitulo SCgundo - Spi hoza: a m etafísica do monismo e do imcmetrHsmo panteísta
suo existência, 0 por isso ©sta 0 su a essên cia Demonstração, C 0vidente pela definição
sõ o uma única 0 m0sma coisa. C.d.d. 1. Apenas aguilo cuja natureza (em si conside
Corolário 1. Disso decorre, em primeiro rada) implica a existência é causa de si, 0 existe
lugar, gue a ©xistência de Deus, assim como pela única necessidade de sua natureza.
sua ©ssência, 0 verdade eterna. Corolário. Daí provém gue não apenas
Corolário 2 . S e g u e -s ® , em S0gundo lu Deus é causa de gue as coisas comecem a
gar, gu© D0US, ou seja , todos o s atributos d e ©xistir, mas também gue perseverem no existir,
D0US, s ã o imutáveis. Se, com efeito, sofressem ou seja (para usar um termo escolástico), gu0
mudança por razão d e existência, deveriam D0 US é a causa essendi das coisas. Com efeito,
também (pela proposição precedente) mudar- tanto se as coisas existem como se não existem,
s e por razão d e essência, isto é (segundo já todas as vezes gue consideramos sua essência,
notam os), d e verdadeiros se tornariam falsos, vemos qu© esta não implica nem a existência
o g u e é absurdo. nem a duração; por isso, sua essência não
21. Todas as coisas gue d 0 correm da ab pode ser causa nem de sua existência nem de
soluta natureza de gualguer atributo de Deus, sua duração; mas causa é apenas Deus, a cuja
tiveram de existir sempre e como infinitas, isto única natureza pertence existir (pelo corolário
é, são eternas 0 infinitas mediante o próprio 1 da proposição 14).
atributo. 25. Deus é não apenas causa eficiente
22 . Q u algu er coisa g u e resulte d e um da existência das coisas, mas também de sua
atributo d0 D0US, enguanto é modificado por essência.
uma modificação, gu e existe mediante o mesmo 26. Uma coisa, gue foi determinada para
infinita e necessariam ente, d e v e também ela realizar algo, foi assim determinada necessaria
existir infinita e necessariam ente. mente por Deus; e a gue não foi determinada
23. Todo modo gue existe infinito e por por Deus, não pode determinar a si própria
necessidade, d 0V0 por necessidade decorrer para realizar.
ou da absoluta natureza de algum atributo de 27. Uma coisa, gue por Deus foi deter
Deus, ou de gualguer atributo modificado por minada a realizar algo, não pode tornar a si
uma modificação gue existe infinita e necessa própria indeterminada.
riamente. 28. Tudo aguilo gue é singular, ou seja,
24. fl essência das coisas produzidas por gualguer coisa gue é finita e tem uma existência
Deus não implica a existência. determinada, não pode existir nem ser determi-
r a—
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Carta d e Spinoza a I.udw ig M eyer Fi'- ■
so b r e o e s b o ç o d e um p refá cio deste 41 -*■ " « V a A jj .
à o b ra Principia philosophiae cartesianae
d e Spinoza.
Paris, B ib lioth èq u e Unwersitaire.
Primeira parte - O O casionalism o, S p in o z a e Leibniz
nada a operar, a não ser que seja determinada amor etc., devem se referir ã natureza naturada
a existir e a operar por outra causa, que é tam e não à naturante.
bém finita e tem uma existência determinada: 32. fi vontade não pode dizer-se causa
por sua vez, esta causa não pode existir nem ser livre, mas apenas necessária.
determinada para operar, se não for determina 33. Rs coisas não puderam ser produ
da a existir e a operar por outra, que também zidas por Deus de nenhuma outra maneira,
é finita e tem uma existência determinada, e nem em uma ordem diversa de como foram
assim ao infinito. produzidas.
29. Na natureza das coisas não há nada 34. O poder de Deus é sua própria es
de contingente; mas todas as coisas são deter sência.
minadas pela necessidade da natureza divina 35. Tudo aquilo que concebemos existir em
a existir e a operar de algum modo. poder de Deus, necessariamente existe.
3 0 .0 intelecto, finito em ato ou infinito em 36. Não existe nada de cuja natureza não
ato, deve compreender os atributos de Deus e resulte algum efeito.
as afecções de Deus, e nada mais. ^ 13. Spinoza,
3 1 . 0 intelecto em ato, seja ele finito ou ética demonstrado
infinito, como também a vontade, a cupidez, o segundo o ordem geométrica.
(S a p ítu lo t e r c e ir o
l _ e i b n\z e a m e ta fís ic a
d o p lu r a lis m o m o r v a d o ló g ic o
e d a k a r m o ia ia p r e e s t a b e l e c i d a
= 1= I. y \ v i d a n z^z
e a s o b ra s d e Leibniz
W ilhelm L eibn iz (1 6 )6 -1 7 1 6 )
fo i cientista, lóg ico e filo s o fo
de gran de valors
teorizou com lucidez
a diferen ça estrutural
entre a p esqu isa científica
e a filosófico-m etafisica.
/4 im agem qu e reprodu zim os
é tirada d e um a gravura da ép oca.
Primeira parte - O O casionalism o, S p in o z a e J_eibniz:
1 — II. y\ m e d ia ç ã o ... —
e n tre ^pkilosopkia p e r e n n is ;/ e ^pkilosopki novi/;
e a r e c u p e r a ç ã o d o finalismo
e d a s f o r m a s s u b s + a n c ia is /;
III. y\ r e fu t a ç ã o d o m e ca n ic ism o
e a g ê n e s e d o co n c e ito d e m ô n a d a
tra que isso é cientificamente insustentável, sobre Descartes, que, em um primeiro mo
pois o que permanece constante é a energia mento, levou-o a abandonar Aristóteles,
cinética, isto é, a “força viva”, como ele a depois a uma fugaz superação de Descartes
cham a, expressa pelo produto da massa pela aceitação do atomismo relançado por
pela aceleração (mv2 = massa x velocidade Gassendi e, por fim, a uma recuperação do
ao quadrado). conceito aristotélico de substância, oportu
A correção de um erro de física de namente repensado e redimensionado.
Descartes, portanto, leva Leibniz a uma Sucessivamente, Leibniz também adota
conclusão filosófica muito importante, ou novamente ele próprio o nome de “entelé
seja, a de que os elementos constitutivos da quia”, que indica a substância enquanto
realidade (os fundamentos dela) são algo tem em si mesma sua própria determinação
que está acima do espaço, do tempo e do e perfeição essencial, ou seja, sua própria
movimento, e que portanto se coloca no finalidade interior. Mas o termo mais típico
âmbito daquelas substâncias tão depreciadas para indicar as substâncias-forças primi-
pelos “modernos” . Desse modo, Leibniz gênias seria o de “m ônadas” (do grego
reintroduz as substâncias entendidas como monás , que significa “unidade” ), de gênese
princípios de força, como uma espécie de neoplatônica (e que Giordano Bruno havia
pontos metafísicos, forças originárias. recolocado em circulação, embora com
Leibniz não chegou a essa solução de acepção diferente).
repente, mas através de intensa meditação
A s c o n s e q ü ê n c ia s
d a d e s c o b e r t a le ib n iz ia n a
■ Mônada. "Mônada" é a expressão
com que Leibniz traduz o termo gre
go monás, que significa "a unidade" Antes, porém, de tratar da doutrina das
ou "aquilo que é uno"; a palavra, de “mônadas”, devemos destacar algumas con
origem pitagórica, fora retomada seqüências muito importantes que derivam
pelos neoplatônicos e depois por de tudo o que Leibniz estabeleceu.
Giordano Bruno.
A mônada é propriamente uma subs
tância simples, isto é, uma entidade
indivídua capaz de ação, e os princí B I co n cep ção leib n izia n a
diz até que, entendido como o entendiam “revolução” posterior que Kant realizará a
“certos ingleses modernos”, o espaço é um esse respeito.
“ídolo” no sentido baconiano e, portanto,
como tal, deve ser eliminado. Em conclusão,
o espaço é um modo de aparecer subjetivo E l y \ s le is f í s i c a s
IV. O s pontos fu n d a m e n ta is
d a m e ta físic a monc\<do\ócj\(2a.
Como já dissemos, segundo Leibniz, a Mas eis os novos problemas que daí
realidade constitui-se de “centros de força”, nascem e como Leibniz os resolve.
ou seja, de centros de atividade, pontos ou
átomos físicos e imateriais. Esses centros de
força são “substâncias simples”, que Leibniz 1 n a tu re z a d a m ô n a d a
chamou de “mônadas”, exatamente para co m o " fo r ç a r e p r e s e n ta tiv a "
indicar sua simplicidade e unidade, e tam
bém chamou de “enteléquias” para indicar
a perfeição intrínseca que possuem. Qual é a natureza da mônada? Ou melhor,
Tudo o que existe é uma simples môna do momento que já se estabeleceu que ela
da ou é um conjunto de mônadas. Em suma, não é matéria, mas “força”, de que natureza
as mônadas são os “elementos de todas é essa força?
as coisas”, de modo que, se conseguirmos Em geral, a mônada deve ser concebida
conhecer a natureza da mônada, consegui analogamente à nossa atividade psíquica. Isso
remos também conhecer a natureza de toda permite ao nosso filósofo, ao mesmo tempo,
a realidade existente. afirmar a absoluta unidade da mônada e,
Primeira parte - O O cas ionalismo, S p in o za e Leibniz
juntamente, garantir-lhe um conteúdo rico e eficácia maior do que se costuma pensar. São
múltiplo. Com efeito, também nossa mente é elas que formam aquele não-sei-quê, aque
una e, ao mesmo tempo, seu conteúdo é rico les gostos, aquelas imagens das qualidades
e múltiplo, sendo constituído pelas várias dos sentidos, claras em seu conjunto, mas
“representações”. Além disso, nossa mente confusas em suas partes, aquelas impressões
passa de uma representação para outra e de que os corpos externos provocam em nós e
uma volição para outra, “apetecendo” (ou que encerram o infinito, aquelas ligações que
seja, tendendo a) conteúdos sempre novos. cada ser tem com todo o resto do universo”.
Pois bem, são exatamente estas as duas Portanto, voltando ao problema do
atividades fundamentais de toda mônada: significado da afirmação leibniziana de que
a) a da percepção ou representação; toda mônada tem como atividade essencial
b) a da apetição, ou seja, a tendência a a percepção, poderíamos dizer que ela,
sucessivas percepções. como nosso filósofo diz expressamente,
São exatamente essas atividades que significa tão somente que toda mônada é
identificam e distinguem as várias mônadas expressio multorum in uno, expressão de
entre si. uma multiplicidade na unidade, razão pela
Este é um dos pontos mais delicados qual essa expressio tem diferentes níveis, só
da monadologia, que deve ser muito bem alcançando o nível do conhecimento no grau
compreendido, caso contrário toda a cons das mônadas mais elevadas.
trução leibniziana corre o risco de cair no
non sense ou no jogo do paradoxo intelec
tual gratuito. 2 (S a d a m ô n ad a rep resen ta
Quando Leibniz diz que a natureza da o u n iverso
atividade de todas as mônadas está em
e é c o m o um m ic r o c o s m o
perceber (ou em representar), não pretende
falar de percepção (ou representação) acom
panhada de consciência ou entendimento.
Existe grande diferença entre a) o sim A solução dada a esse primeiro e funda
ples perceber eb ) o perceber consciente, que mental problema relativo à natureza da môna
Leibniz destaca também do ponto de vista da propõe imediatamente um segundo proble
lexical, chamando este último com o termo ma, também importante: o que cada mônada
“apercepção”. percebe e representa? A resposta de Leibniz
Ora, a “apercepção” é própria somente é muito clara e extremamente reveladora.
de certas mônadas particulares, ou seja, dos Cada mônada representa todas as
espíritos ou inteligências, de modo que se outras, ou seja, o universo inteiro: “cada
pode dizer que todas as mônadas percebem, substância expressa exatamente todas as
mas somente algumas (além de perceberem) outras, por efeito das relações que tem com
também apercebem. Todavia, até nas môna elas”, “cada mônada representa todo o
das que têm apercepções o número de percep universo”, ou seja, a totalidade.
ções inconscientes continua infinitamente su Portanto, em cada mônada há uma
perior ao número das percepções conscientes. “conspiração de todas as coisas”. Em suma,
Além disso, Leibniz mostra oportuna realiza-se aquilo que os gregos chamavam de
mente que nós mesmos — que, como entes “cooperação de todas as coisas entre si” e
inteligentes, também temos apercepções — , que os pensadores renascentistas chamavam
em muitos casos percebemos sem aperceber, omnia ubique, ou seja, uma presença e uma
ou seja, sem termos consciência daquilo que ressonância de todas as coisas em tudo.
está nos acontecendo. Podemos, portanto, dizer que a doutri
Ainda mais refinadas são as observações na leibniziana segundo a qual cada mônada
que ele, faz, sobretudo nos Novos ensaios representa todas as outras nada mais é do que
sobre o intelecto humano, onde fala de pe a variante moderna (isto é, expressa em ter
quenas percepções (petites perceptions), que mos de “representação”) da clássica doutrina
são “percepções insensíveis”, ou seja, per do tudo-em-tudo, enunciada primeiramente
cepções das quais não temos consciência, das pelos naturalistas e médicos gregos e levada
quais é tecida nossa vida cotidiana e das quais às suas extremas conseqüências metafísicas
podemos apresentar inumeráveis exemplos. pelos neoplatônicos antigos e renascentistas.
“Essas pequenas percepções - escreve Além disso, devemos destacar que a an
Leibniz - por suas conseqüências são de tiga doutrina do homem como microcosmo
Capitulo terceiro - .Leibniz e a m etafísica do plufalismo monadológico
estende-se agora a íoíizs as substâncias: cada grávido do futuro”, o que significa que, em
mônada é um microcosmo. cada instante, está presente a totalidade do
Leibniz chega até a dizer que, do mo tempo e dos acontecimentos temporais. E
mento que cada mônada é “espelho vivo esse também é um modo de expressar em
perpétuo do universo”, de todos os eventos dimensão cronológica o grande princípio
do universo, se tivéssemos mente suficiente segundo o qual “tudo está em tudo.”
mente penetrante poderíamos perceber na
menor mônada tudo aquilo que aconteceu,
tudo aquilo que acontece e tudo aquilo que 3 O p rin cíp io d a id e n tid a d e
acontecerá, tudo aquilo que está distante no
d o s in d isc e rn ív e is
tempo e no espaço, toda a história do univer
so. Na alma de cada um de nós (assim como
em cada mônada), está representada toda a
De tudo o que foi dito brota ainda
“conexão do universo”, mas não de forma
um terceiro problema: se todas as mônadas
distinta: só em um tempo infinito poder-se-ia
representam todo o universo, como podem
explicitar tudo aquilo que nela está implícito.
elas se diferenciar entre si?
Leibniz também expressa esse conceito
Cada mônada representa todo o uni
com a belíssima fórmula “o presente está
verso, mas com diferente (maior ou menor)
distinção das percepções e sob diversos ân
gulos. Cada mônada representa o mundo em
perspectiva diferente, e é precisamente essa
GOTHOFREDI GUILLELMI perspectiva que faz com que cada mônada
seja diversa de todas as outras.
L E I B N I T I I , Aliás, segundo Leibniz, é tal a varieda
S. Gtfitr» M ajcftaús Conjiharn, a r 5 . J?<g. MajcJ},
de de perspectivas nas representações, que
Bntatmitirum a Confihn Jufttnjt inttmis» nec non
a fc rib c n Jj Htflonà , não apenas diferem as coisas diversas entre
si por espécie, mas também até no âmbito de
OPERA OMNIA, uma mesma espécie não existem duas coisas
N unc primum co llt-éla, in ClaíTcs diílributa, pncfktio- absolutamente iguais entre si. Não existem
nibus & indicjbus exorn ata. ftudio em todo o universo duas folhas, dois ovos
L U D O V I C I DUTENS. ou dois corpos da mesma espécie totalmente
iguais entre si. Aliás, não existem sequer duas
TOMUS PRIMUS,
gotas de água iguais.
QUO T H E O L 0 G 1 C A C O N T I N E N T U R . E aquilo que é dito nesses exemplos
referidos a folhas, ovos, corpos, gotas
d’água, que são conjuntos de mônadas,
vale integralmente para cada mônada em
particular.
E daí que Leibniz extrai seu princípio
da “identidade dos indiscerníveis”, segun
G E N E V JE , do o qual, exatamente, não existem duas
Apud F R A T R E S D E T O U R N E S . substâncias indiscerníveis (ou seja, absoluta
mente indiferenciadas e, portanto, idênticas)
m d c c l x v i i i ou, para falar em outros termos, dado que
houvesse duas substâncias indiscerníveis,
elas coincidiriam, sendo assim uma única e
idêntica substância.
Lrontispício da Opera ornnia d e Leibniz.
Im portan te na doutrina leibniziana
é o eo n eeito de m ô n a d a , 4 C J n d i v i d M a l i d a d e e in fin ita
co n tid o em sua ob ra m ais fa m o s a ,
Monadologia, d e 1714.
va rie d a d e d a s m ô n a c la s
Segundo L eibn iz, ci realid ad e é constituída
/>or "centros d e força" ;
estes centros d e fo rça são “substâncias sim ples", O princípio da identidade dos indiscer
qu e o filó s o fo cham ou d e “m ô n a d a s " ex atam en te níveis é, segundo Leibniz, importantíssimo,
para indicar sua sim plicidade e unidade. a ponto de mudar (juntamente com o prin
Primeira parte - O Ocasionalismo/ S p in o za e, Leibniz
cípio da razão suficiente, de que falaremos elas têm, permitem a Leibniz estabelecer
adiante) “o estado da m etafísica” . Com uma hierarquia das mônadas.
efeito, ele fundamenta duas doutrinas es No grau mais baixo, encontram-se as
senciais do sistema leibniziano: mônadas nas quais nenhuma percepção al
a) fornece um novo modo de explicar cança o nível de apercepção; pouco a pouco
a individualidade de cada substância; seguem-se as mônadas nas quais, progressi
b) explica a variedade infinita das subs vamente, os níveis de percepção tornam-se
tâncias e da harmonia do universo. mais claros, a ponto de alcançar a memória
No que se refere ao primeiro ponto, e, mais acima, até a razão. Em Deus, todas as
Leibniz diz textualmente: “Nos indivíduos, representações têm o nível da mais absoluta
o princípio de individuação se reduz ao prin clareza e consciência. Portanto, Deus vê de
cípio de distinção (...). Se dois indivíduos modo perfeito tudo em tudo.
fossem inteiramente semelhantes e iguais,
em suma, indistinguíveis por si mesmos, não
teríamos o princípio de individuação e, ouso
até dizer, dada tal condição, não haveria 6i„, ;A criação das mônadas
nenhuma distinção individual e diferenças e sua indes+ru+ibilidade
entre indivíduos.”
No que se refere ao segundo ponto,
Somente Deus é a unidade ou m ô
com base no princípio em questão, Leibniz
nada primitiva, a substância originária e
pode pensar em riqueza extraordinária da
simples.
realidade. Se nem mesmo duas mônadas, Todas as outras mônadas são produzi
por mais pequenas e modestas que sejam,
das ou “criadas” por Deus: “por assim dizer,
podem ser idênticas, então o universo, não
elas nascem de fulgurações contínuas da
apenas em seus com postos, mas também
divindade”. Nesse caso, “fulguração” é um
em seus elem entos simples e m ínim os,
termo neoplatônico aqui usado por Leibniz
representa uma d iferen ciação in fin ita,
para expressar a criação a partir do nada.
o que significa uma variedade infinita e
Além disso, uma vez criadas, as mô
uma riqueza infinita, a maior das riquezas
nadas não podem perecer: elas só poderiam
possíveis.
perecer por meio de uma aniquilação por
parte do próprio Deus que as criou.
Leibniz, portanto, tira as seguintes
5 A kierarcjuia das mônadas conclusões: “ (...) que uma substância só
pode começar por criação e só pode perecer
por aniquilação; que não se pode dividir
Por fim, devemos destacar que os dife uma substância em duas e que de duas não
rentes ângulos segundo os quais as mônadas se pode fazer uma, de modo que o número
representam o universo, e os diferentes ní das substâncias não aumenta nem diminui
veis de consciência das representações que por via natural
Cãpítulo terceiro - Leibniz e a metafísica do pluralismo monadológico
------- V ./ V s m ônadas
e a co n stitu ição d o universo
ela tem e que esse, precisamente, é o aspecto Aquilo que chamamos de “gerações” são
passivo próprio da mônada. acréscimos e desenvolvimentos, ao passo
E evidente que, entendida nesse novo que aquilo que chamamos de “mortes” são
sentido, ou seja, como o fundo obscuro de diminuições e involuções.
cada mônada, com o limite da atividade Trata-se de uma idéia, já levantada
perceptiva, a matéria primeira torna-se algo pelos antigos pensadores gregos, que Leibniz
completamente novo: a grandeza, a impe- não deixa de recordar.
netrabilidade e a extensão, que antes eram b) Em segundo lugar, não se deve falar
consideradas características que a definiam, de epigênese, ou seja, de geração do animal,
tornam-se agora um “efeito”, uma “mani mas sim de pré-formação. No sêmen animal
festação” . A obscuridade das percepções já existe, pré-formado, em pequena escala,
da mônada se manifesta como grandeza, o futuro animal, que se desenvolverá preci
impenetrabilidade e extensão. samente com o crescimento.
b) A corporeidade e extensão (que Leib c) Em terceiro lugar, deve-se falar de
niz chama também de “matéria segunda”) e, certa indestrutibilidade do animal (que é
em geral, aquilo que chamamos “corpos” são diversa da imortalidade pessoal, própria do
“agregações de mônadas”. Mas deve-se notar homem, da qual falaremos adiante).
bem que a corporeidade não tem uma consis
tência ontológica, uma realidade em si: ela é
fenômeno que tem seu fundamento nas mô
I A d ife r e n ç a
nadas que entram em relação entre si, é “fenô
meno bem fundado”, como vimos serem “fe das mônadas espirituais
nômenos bem fundados” o tempo e o espaço. em relação às outras m ônadas
economia seguida por Deus em relação a e de qualidades morais, sendo ele próprio
elas é a de operário ou maquinista, ao passo espírito e como que um entre nós, a ponto
que em relação aos espíritos Deus cumpre de entrar em uma ligação de sociedade co
as funções de príncipe e legislador, que é nosco, da qual é o chefe. Essa sociedade
infinitamente mais elevada. E enquanto, em ou república geral dos espíritos, sob aquele
relação a tais substâncias materiais, Deus supremo M onarca, é a parte mais nobre do
não representa nada mais do que aquilo universo, composta de muitos pequenos
que representa em relação a tudo, isto é, a deuses, sob a direção daquele grande Deus.
função de autor geral das coisas, já em re Com efeito, pode-se dizer que os espíritos
lação aos espíritos ele assume outro papel, criados diferem de Deus somente como o
pelo qual o concebemos dotado de vontade menos do mais, como o finito do infinito”.
V I . ; A k a rm o n ia p r e e s t a b e le c i d a
• As mônadas não têm janelas por meio das quais algo possa entrar ou sair, ou
seja, nenhuma mônada age sobre outra ou sofre a ação de outra. As várias mônadas
são, com efeito, estruturadas em geral de modo a extrair tudo
de seu interior, razão pela qual aquilo que cada uma extrai do Correspondência
próprio interior coincide com aquilo que outra extrai do próprio entre as
interior, com uma correspondência e harmonia perfeitas, queridas representações
por seu criador. O sistema da harmonia preestabelecida garante, das mônadas
portanto, a perfeita correspondência entre as representações das e a realidade
várias mônadas e a realidade externa: Deus é a verdadeira ligação externa.
Leibniz responde
de comunicação entre as substâncias, e é em virtude dele que os
a Bayle
fenômenos de uma mônada concordam com os da outra e que -*§ 1-4
nossas percepções são objetivas e verdadeiras.
gidos por uma mônada hegemônica, que coberta recente). Dados dois relógios de
é alma nos animais (como vimos), devia, pêndulo, sua perfeita sincronia poderia se
para começar, dar conta das relações entre dar de três modos:
alma e corpo e, além disso, de modo enor 1) construindo-os de modo que um
memente ampliado (dado que a questão influa sobre o outro;
não diz respeito somente ao homem, mas 2) encarregando o relojoeiro de sincro
a todos os corpos, já que, para Leibniz, em nizá-los a todo momento;
última análise, todos os corpos são vivos e, 3) pré-construindo-os de modo tão
portanto, animados). perfeito que possam , autonom am ente,
marcar sempre o mesmo tempo, em perfeita
concordância.
Para Leibniz, a primeira solução é
2 jA s p o ssív e is so lu çõ e s banal e vulgar. E, como tal, ele a rejeita (as
d o s d o is p ro b le m a s sim como a rejeitava a filosofia racionalista
e a p o siçã o a ssu m id a moderna). A segunda é a solução ocasiona-
lista, que pressupõe um milagre contínuo
p o r L e ib n iz co m a
e, em última análise, revela-se contrária à
" k a r m o n i a p r e e s + a b e l e c i d a // sabedoria divina e à ordem das coisas. E o
terceiro caminho é o da “harmonia prees
tabelecida” .
A solução dos dois problemas (embora Sintetizando sua solução e generalizan
alcançada por Leibniz com muito esforço do-a de modo quase axiomático, Leibniz
e em momentos sucessivos) é a mesma e é escreve em uma Epístola: “Não creio que
muito engenhosa. seja possível um sistema em que as mônadas
Ela foi denominada pelo próprio autor atuem uma sobre a outra, porque não há um
(a partir de 1696) com a expressão “sistema modo de explicação possível, e acrescento
da harmonia preestabelecida”, tornando-se que a influência é supérflua: com efeito, por
a marca peculiar e como que o símbolo de que uma mônada deveria dar à outra aquilo
todo o sistema de Leibniz. que ela já tem? Exatamente essa é a própria
O que é essa “harmonia preestabele natureza da substância: estar o presente
cida” ? grávido do futuro, e de um elemento poder
Para explicar a relação e o acordo entre se entender o todo
duas mônadas em geral (entre as represen A presença do “tudo em tudo”, que já
tações de duas mônadas), particularmente apontamos como um dos pontos básicos da
entre a mônada-alma e as mônadas-corpo
(as representações e acontecimentos da pri
meira e os acontecimentos da segunda), há
três hipóteses possíveis:
1) a de supor uma ação recíproca,
I ■ Harmonia preestabelecida. É a
| hipótese metafísica com a qual Leib-
biunívoca; | niz coroa seu sistema especulativo.
2) a de postular uma intervenção de I Em geral, o princípio da harmonia
Deus em todas as ocasiões, como artífice preestabelecida se refere à conexão
do acordo: : ou harmonia universal entre todas as
3) a de conceber as substâncias (as ; mônadas, as quais, por força de sua
várias mônadas em geral, assim como as : simplicidade e impenetrabilidade,
| não agem fisicamente uma sobre a
mônadas-alma e as que constituem o corpo)
p outra; portanto, "a influência entre
estruturadas de tal modo que elas extraiam I as mônadas é apenas ideal", e "pode
tudo do seu interior, e de tal modo que aquilo | ter sua eficácia apenas mediante a
que cada uma extrai do seu interior coincida f intervenção de Deus",
com aquilo que todas as outras extraem do f Para explicar em particular o acordo
seu próprio interior com correspondência e : da alma com o corpo, Leibniz ser
harmonia perfeitas, considerando que isso * ve-se do exemplo de dois relógios
faz parte de sua própria natureza, desejada I de pêndulo, cuja perfeita sincronia
r ocorre porque suas estruturas foram
por seu Criador. í construídas desde o princípio com
Leibniz valeu-se do exemplo eficaz f perfeita correspondência.
de dois relógios de pêndulo, que fez muito
efeito (recordemos que o pêndulo era des
Capítulo terceiro - Leifc>n \ z e a metafísica do pluralismo monadológico
sitividade, em comparação com as outras perfeição daquele que o sofre, como o grão
possíveis. que é semeado se sujeita a uma espécie de
3) No que se refere ao mal físico, escre
decomposição para germinar: esta é uma
ve Leibniz: “Pode-se dizer que Deus muitas bela comparação, da qual o próprio Jesus
vezes o quer como pena devida à culpa e Cristo se serviu.”
outras vezes como meio adequado a um fim, Essa grandiosa concepção, que vê rea
isto é, para impedir males maiores ou para lizado nos seres (em cada um e em todos) o
alcançar maiores bens. A pena serve para melhor daquilo que era possível, constitui
a correção e o exemplo. Freqüentemente, o “otimismo leibniziano”, que foi objeto de
o mal serve para se apreciar melhor o bem vivas discussões e polêmicas durante todo
e, algumas vezes, contribui para m aior o século 18.
V I I I . O s e r n e c e s s á r io .
o s p o s sív e is e a s v e r d a d e s d e r a z ã o e d e fa lo
1 D e u s com o s e r n e ce ssá rio não poder não existir, desde que seja possí
vel. E, como nada pode impedir a possibili
dade daquilo que não implica nenhum limi
Deus é o ser necessário, como já vimos. te, nenhuma negação e, portanto, nenhuma
Aliás, para prová-lo, Leibniz, entre outras contradição, só isso já basta para conhecer
coisas, adota o argumento ontológico, já a priori a existência de Deus”.
retomado modernamente por Descartes, se Deus, portanto, é o único ser necessá
gundo o qual o perfeito deve necessariamen rio que existe, ou seja, o único ser em que
te existir, caso contrário não seria perfeito. essência e existência coincidem.
Além disso, Deus é necessário porque, nele,
essência e existência coincidem.
Diz Leibniz que só Deus possui essa
2 jA s e s s ê n c ia s e o s p o ssíve is
prerrogativa, isto é, que só de Deus se pode
dizer que lhe basta ser possível para que Entretanto, Deus é fonte tanto das
tam bém exista atualm ente (enquanto é essências como das existências. A essência
perfeição ilimitada). expressa “aquilo que” uma coisa é (o que
Escreve Leibniz: “Assim, somente Deus é), ao passo que a existência expressa a
(ou o Ser necessário) tem esse privilégio de subsistência real, o existir de fato.
Capítulo terceiro - Lei {?v\\2 e a metafísica do pluralismo monadológico
I X . y \ c\ouirinc\ do conke.cime.Kvto:
o ina+ismo vir+ual
X . O kom em e s e u des+ino
LEIBNIZ
A DOUTRINA DA MÔNADA
R a z ã o s u fic ie n te :
M ônada:
o fundamento
substância simples,
que determina M ônada originária, Substância suprema, ativa e imaterial
aquilo que acontece
Deus
é o único Ser necessário e perfeito, E s s ê n c ia
V e rd a d e s r a c io n a is :
no qual essência e existência coincidem: (ou P o s s í v e l ) :
aquelas cujo oposto
R azão suficiente última do universo c aquilo que não
é impossível
e região das verdades racionais eternas é contraditório
(baseadas
sobre os princípios
de identidade,
E x is t ê n c ia :
não-contradição,
atuação
terceiro excluído) j da essência
V e r d a d e s fa c tu a is :
Segundo o princípio da conveniência
aquelas cujo oposto (“escolha do melhor entre os possíveis” ),
é possível
D e u s c r i a m e d ia n te f u lg u r a ç õ e s
(baseadas
O SISTEM A DA H ARM ONIA PREESTABELECIDA,
sobre o princípio
de conveniência) isto é, as regiões das verdades factuais
H a r m o n ia
Cidade de Deus,
o Estado mais perfeito dirigido pelo monarca mais perfeito,
universo moral no universo natural
Primeirã parte - O O casionalism o, S p in o za e Leibniz
interno, isto é, uma diferença fundada sobre constatamos que até mesmo o menor pensa
uma denominação intrínseca. mento de que temos consciência implica uma
variedade em seu objeto.
3. Os princípios internos da mônada: Rssim, todos aqueles que admitem que a
percepção e apercepção alma é uma substância simples devem reconhe
cer esta multiplicidade na mônada [...].
10. Considero também como comprovado
que cada ser criado está sujeito a mudança - e 4. Ruto-suficiência
portanto o mesmo se dá com a mônada cria e finalismo das mônadas ou enteléquias
da e que esta mudança é contínua em cada
uma dos mônadas. 17. Por outro lado, deve-se reconhecer
11. Do que dissemos até aqui resulta que que a percepção, e aquilo que dela depende,
os mudanças naturais das mônadas dependem é inexplicável mediante razões mecânicas, isto
de um princípio interno, dado que nenhuma é, mediante as figuras e os movimentos.
causa externa poderia influenciar sobre seu Imaginemos uma máquina estruturada de
interior. modo tal que seja capaz de pensar, de sentir
12. Todavia, além do princípio da mudan e de ter percepções; suponhamo-la agora au
ça, deve também haver um detalhe daquilo que mentada, com as mesmas proporções, de modo
muda, um aspecto particular que determine por que nelo se possa entrar como em um moinho.
assim dizer a especificação e a variedade das Feito isso, visitando a máquina em seu interior,
substâncias simples. encontraremos sempre e apenas peças que se
13. Este detalhe deve implicar uma multi impulsionam mutuamente, mas nada que esteja
plicidade na unidade, isto é, no simples. em grau de explicar uma percepção.
Com efeito, uma vez que cada mudança Portanto, a [razão da] percepção deve
natural ocorre por graus, algo muda e algo ser procurada na substância simples, e não no
permanece; por conseguinte, é necessário que composto ou na máquina.
na substância simples, embora desprovida de Rssim, é unicamente na substância simples
partes, haja uma pluralidade de afecções e de que se podem encontrar as percepções e suas mu
relações. danças; apenas nisso, portanto, podem consistir
14. O estado transitório que implica e todas as ações internas das substâncias simples.
representa uma multiplicidade na unidade, isto 18. R todas as substâncias simples (as mô
é, na substância simples, é propriamente aquilo nadas) criadas, poder-se-ia dar o nome de ente
que se chama percepção, o qual, como veremos léquias: elas com efeito têm em si determinada
a seguir, deve ser distinguida da apercepção perfeição (échousi to entelés), gozam de auto-su
ou consciência. ficiência (autárcheia) graças à qual constituem as
Sobre este ponto os cartesianos come fontes de suas ações internas e se apresentam,
teram um grave erro, pois transcuraram com por assim dizer, como autômatos incorpóreos.
pletamente as percepções de que não se tem
consciência. € é justamente este o motivo que os 5. R hierarquia das mônadas
levou a crer que apenas os espíritos fossem mô
nadas, e que não existiriam almas de animais 19. Se quisermos designar com o nome
nem outras enteléquias. Rssim, eles confundi de alma tudo aquilo que tem percepções e
ram, como o vulgo, um longo aturdimento com apetições no significado geral que acabamos
a morte propriamente dita, o que os fez cair no de explicar, então todas as substâncias simples
preconceito escolástico das almas inteiramente (as mônadas) criadas poderiam ser chamadas
separadas [dos corpos], e até consolidaram nas de almas. Todavia, como o sentimento é algo
mentes maldispostas a opinião da mortalidade mais que uma simples percepção, penso que o
das almas. nome geral de mônadas e de enteléquias seja
15. R ação do princípio interno que de suficiente para as substâncias simples que têm
termina a mudança, ou seja, a passagem de apenas a percepção.
uma percepção para outra, pode ser chamada Portanto, penso que se devam chamar al
apetição. mas somente as mônadas em que a percepção
O "apetite", é verdade, nem sempre con é mais distinta e acompanhada pela memória.
segue alcançar a plena percepção à qual tende; 20. Nós, com efeito, experimentamos em
todavia, dela obtém sempre alguma coisa e nós mesmos certo estado no qual não recordamos
chega assim a novas percepções. nada e não temos nenhuma percepção distinta;
ló . Nós mesmos experimentamos uma assim acontece quando desmaiamos ou quando
multiplicidade na substância simples, quando estamos imersos em sono profundo sem sonhos.
Primeira puvte - O Ocastcmalismo, S p m o sa t' .Leibrviz
Cm tal estado a alma não difere sensivel Com efeito, guando os animais perce
mente de uma simples mônada; como se trata, bem algo gue os atinge e de gue tiveram
porém, de um estado de modo nenhum dura anteriormente uma percepção análoga, en
douro, do qual a alma se livra [bem depressa], tão eles, por força da representação de sua
esta é algo mais que uma simples mônada. memória, esperam também a g u ilo gue a
21. fllém disso, não se deve crer que em ela estava unido na percepção precedente,
tal estado a substância simples esteja totalmen e são induzidos o sentimentos análogos aos
te privada de percepções. gue haviam então sido provados. Por exemplo,
Isso é impossível já apenas pelas razões se mostramos o bastão oos cães, estes se
aduzidas, pois sem afecções - e isso significa lembram da dor gue ele lhes causou, põem-se
propriamente: sem suas percepções - o subs a latir e fogem.
tância simples não poderia perecer; ou melhor, 27. C a forte imaginação gue atinge e
não poderia sequer subsistir. comove os animais deriva ou da intensidade
[Cm segundo lugar,] também quando nos ou do número das percepções anteriores: fre-
encontramos em um estado de aturdimento güentemente, com efeito, uma forte impressão
temos na realidade muitas peguenas percep provoca em uma só vez o mesmo efeito de um
ções, nos guais porém não há nada distinto; longo hábito, ou de muitas percepções repeti
assim como ocorre guando se gira sem parar das mas de intensidade mediana.
sempre no mesmo sentido e se está preso em 28. O comportamento dos homens, à
uma vertigem tal gue pode fazer-nos desmaiar medida gue a concatenação de suas percep
e não nos permite distinguir nada. fl próprio ções se produz apenas em base ao princípio
morte pode temporariamente determinar nos da memória, é análogo ao dos animais. Nisto
animais um estado semelhante a este. se assemelham aos médicos empíricos, gue
22. Ora, cada estado presente de uma têm certa prática não acompanhada porém de
substância simples é uma conseqüência natural conhecimentos teóricos; e somos efetivamente
de seu estado precedente, motivo pelo gual empíricos nos três guartos de nossas ações.
nela o presente está grávido do futuro. Comportamo-nos de modo empírico, por
23. Portanto, dado gue ao colocarmo-nos exemplo, guando esperamos gue amanhã será
de pé de um aturdimento nos apercebemos dos dia pelo fato de gue até hoje sempre foi assim.
próprias percepções, é igualmente necessário Apenas o astrônomo, ao contrário, julga a este
gue as tenhamos tido imediatamente antes, respeito de modo racional.
embora não as tenhamos advertido: com efeito, 29. Mas é o conhecimento das verdades
uma percepção pode ser unicamente a deriva necessárias e eternos gue nos diferencia dos
ção natural de outra percepção, assim como um outros animais, e gue nos propicia a razão e as
movimento pode derivar naturalmente apenas ciências, pois nos eleva ao conhecimento de nós
de outro movimento. mesmos e de Deus.
24. C, portanto, evidente gue, se em Nisto consiste aguilo gue em nós se chama
nossas percepções não tivéssemos nada de de alma racional ou espírito.
distinto - e, por assim dizer, nada de aguçado 30. C, portanto, mediante o conhecimento
e de tom mais elevado -, nós nos encontra das verdades necessárias e mediante suas
ríamos sempre em um estado de aturdimento. abstrações gue somos elevados aos atos
C este é justamente o estado das mônadas reflexivos, os guais nos permitem justamente
inferiores. pensar aquilo gue se chama 6u, e de conside
25. Por outro lado, a natureza deu percep rar tudo aguilo gue existe em nós. C é assim
ções aguçadas também aos animais, e isso é gue, pensando a si mesmos, se pensa o ser, a
evidente pelo cuidado gue ela teve em fornecer- substância, o simples e o composto, o imaterial
lhes órgãos gue recolhem diversos raios de luz e o próprio Deus: e isso gue em nós é limitado
ou diversas vibrações do ar, aumentando sua concebe-se como ilimitado em Deus.
eficácia com a união. Tais atos reflexivos fornecem os objetos
Algo de semelhante está presente no principais de nossos raciocínios.
odor, no gosto, no tato e em guem sabe guan-
tos outros sentidos a nós desconhecidos. C em
6. Os princípios do conhecimento
breve explicarei de gue modo isso gue acontece e os tipos de verdode
na alma representa aquilo que se produz nos
órgãos [de sentido], 31. Nossos raciocínios se fundam sobre
26. fl memória faz com gue em cada olmo dois grandes princípios-,
haja uma espécie de concotenaçõo gue imita a a) O princípio de contradição, em virtude
razão, mas da gual deve ser bem distinta. do gual julgamos folso aguilo gue implico con
Capítulo terceiro - Leib e a m etafísica do pluralismo monadológico
comporta nenhuma limitação, nenhuma negação na criatura mais perfeita encontra-se a razão
e, por conseguinte, nenhuma contradição. suficiente, o fundamento a priori daquilo que
Demonstramos, portanto, o priori a exis acontece na mais imperfeita. € é este o sentido
tência de Deus mediante a realidade das ver em que se diz que uma age sobre a outra.
dades eternas. 51. Mas entre as substâncias simples a
Mas a demonstramos também a posteriori influência de uma mônada sobre outra é ape
partindo da existência dos seres contingentes, nas ideal.
os quais podem com efeito ter sua razão último Csta influencia pode, com efeito, ter sua
ou suficiente apenas no Ser necessário, isto é, eficácia apenas mediante a intervenção de
no Ser que tem em si próprio a razão de suo Deus, enquanto nas idéias divinas cada mô-
existência. nada exige justamente que Deus, ao regular
46. Cmbora as verdades eternas depen as outras desde o início das coisas, a leve em
dam de Deus, não é preciso, todavia, crer que consideração.
elas sejam arbitrárias e que dependam de sua Com efeito, dado que uma mônada criada
Vontade [...]. não está em grau de influir fisicamente sobre o
Isso vale apenas para as verdades contin interior de outra, é apenas por esta via divina
gentes, cujo princípio é a conveniência, ou seja, que pode verificar-se a dependência de uma
a escolha do melhor. Não vale, ao contrário, em relação à outra.
para as verdades necessárias, que dependem 52. Por este motivo, portanto, as ações
unicamente do intelecto de Deus e constituem e as paixões entre as criaturas são recíprocas.
seu objeto interno. Deus, com efeito, pondo em confronto duas
47. Somente Deus, portanto, é a Uni substâncias simples, encontra em cada uma
dade primitiva, ou seja, a Substância simples motivos que o obrigam a adequá-la à outra.
originário. C, por conseguinte, aquilo que é ativo sob
Todas as mônadas criadas ou derivados certos aspectos, é passivo de outro ponto de vista:
são produções de tal Substância, e nascem, por o) é ativo à medida que aquilo que nele
assim dizer, em virtude de fulgurações instan se conhece distintamente serve para dar razão
tâneas e contínuas da Divindade - fulgurações daquilo que acontece em outro;
que encontram um limite na receptividade da b) é passivo à medida que a razão daqui Io
criatura, à qual é essencial o fato de ser limitada. que nele acontece se encontra naquilo que se
48. Cm Deus existe: conhece distintamente em outro.
a) a Potência, que é a fonte de tudo;
b) o Conhecimento, que contém as idéias
9. fl escolha divina
cada uma com seu detalhe;
do melhor dos mundos possíveis
c) a Vontade, que determina as mudanças,
ou produções, segundo o princípio do melhor. 53. Ora, uma vez que nas idéias de Deus
Isso corresponde àquilo que nas mônadas há uma infinidade de universos possíveis, e to
criadas constitui, respectivamente, a) o sujeito davia um só deles pode existir, deve haver uma
ou base, b) a faculdade perceptiva e c) a fa razão suficiente que determine Deus a escolher
culdade apetitiva. um de preferência a outro.
Todavia, em Deus estes atributos são 54. € esta razão se pode encontrar apenas
absolutamente infinitos, isto é, perfeitos; ao na conveniência, isto é, no grau de perfeição im
invés, nas mônadas criadas ou enteléquias [...] plicado por cada um destes mundos possíveis.
encontrom-se unicamente imitações [de tais atri Cada possível, com efeito, tem direito de
butos], em proporção ao grau de sua perfeição. pretender a existência em proporção à perfeição
que contém.
55. € esta é justamente a causa da exis
8. Ação e paixão:
tência do melhor [dos mundos possíveis], que
as relações entre as mônadas
a Sabedoria de Deus lhe faz conhecer, sua
49. Dizemos justamente que a criatura Bondade lhe faz escolher e sua Potência lhe
age em seu exterior à medida que é perfeita, faz produzir.
e que sofre por parte de outra, à medida que
é imperfeita.
10. fl harmonia universal
Por isso, à mônada deve-se atribuir a
e a mônada como microcosmo
ação, enquanto tem percepções distintas, e a
paixão, enquanto tem percepções confusas. 56. Ora, esta ligação, esta adaptação de
50. C o maior grau de perfeição de uma todas as coisas criadas a cada uma e de cada
criatura em relação a uma outra consiste nisto: uma com todas, faz com que toda substância
Capítulo terceiro - Leitmiz & a me+afísica do pluralismo monadológico
simples tenho relações que exprimem todas os 11. fl organicidade dos viventes
outras e seja conseqüentemente um espelho e a relação entre alma e corpo
vivo perpétuo do universo.
57. C assim como uma mesma cidade, 61. € nisto os compostos se assemelham
se olhada de pontos de vista diferentes, apa aos simples.
rece sempre diversa e como que multiplicada Com efeito, uma vez gue tudo está pleno
prospectivamente, do mesmo modo, por via - o gue torna concatenada toda a matéria -, e
da multidão infinita das substâncias simples, uma vez que no pleno todo movimento produz
há como que outros universos diferentes, os um efeito sobre corpos distantes na proporção
quais todavia são apenas as perspectivas de de sua distância - motivo pelo qual todo corpo
um único universo segundo o diferente ponto não apenas sofre a ação dos corpos que o
de vista de cada mônada. tocam, ressentindo-se de algum modo de tudo
58. € desse modo que se obtém a máxima aquilo que o eles acontece, mas com isso res
variedade possível com a suprema ordem pos sente-se também da ação dos outros corpos
sível: em outras palavras, este é o modo para que tocam os primeiros com os quais ele está
obter a máxima perfeição possível. em contato imediato - , daí resulta gue tal co
59. Apenas esta hipótese (gue ouso dizer nexão das coisas está em grau de estender-se
já demonstrada) exprime, portanto, odeguada- a gualguer distância.
mente a grandeza de Deus. Todo corpo, portanto, ressente-se de tudo
6 é justamente isto gue Bayle2 reconheceu aguilo gue ocorre no universo, tanto gue Aguele
guando, em seu Dicionário, no verbete "Rora- que tudo vê pode ler em cada um deles aquilo
rius", levantou algumas objeções a tal hipótese, gue acontece em todo lugar, e também aguilo
e tendeu a crer gue eu concedesse demasiado a gue já aconteceu ou gue acontecerá, perscru-
Deus, mais do gue aguilo gue seja possível con tando no presente aguilo gue está distante,
ceder-lhe. Mas ele não pôde aduzir nenhuma tanto no tempo como no espaço [...].
razão para demonstrara impossibilidade desta Mas uma alma pode ler em si mesma
Harmonia universal, em virtude da gual toda apenas aguilo gue nela está representado
substância exprime exatamente todas as outros distintamente: a alma, com efeito, não poderia
mediante as relações gue tem com elas. desdobrar em apenas um momento todas as
60. No gue eu disse estão de resto evi suas dobras, porgue elas vão ao infinito.
dentes as razões a priori pelas guais as coisas 62. Assim, embora cada mônada criada
não poderiom caminhar diversamente [de como represente todo o universo, ela representa mais
os acabamos de descrever]. distintamente o corpo gue lhe é particularmente
Dissemos, com efeito, gue Deus, ao regu atribuído e do gual constitui a enteléguía; e
lamentar o todo, levou em consideração cada como este corpo exprime todo o universo em
parte singular e especialmente cada mônada: virtude da conexão de toda a matéria no Pleno,
gue a natureza desta última é representativa. também a alma, enguanto representa este seu
Por conseguinte, a mônada não poderio de corpo gue lhe pertence de modo particular,
modo nenhum ser circunscrita a representar representa todo o universo.
apenas uma parte das coisas. 63. O corpo gue pertence a uma mônada,
Todavia, esta representa ção é sem a gual é sua enteléguia ou alma, forma com
dúvida confusa em relação ao conjunto dos a enteléguia oguilo gue se pode chamar um
detalhes do universo, e pode distinguir apenas vivente, e com a alma aguilo gue chamamos
peguena parte das coisas, isto é, das coisas um onimol.
gue são ou mais vizinhas ou maiores em re Ora, tanto o corpo de um vivente quanto
lação a cada mônada: se houvesse apenas o de um animal é sempre orgânico: com efeito,
representações distintas, cada mônada seria uma vez que cada mônada é a seu modo um
uma Divindade. espelho do universo, e uma vez que o universo
As mônadas são, portanto, limitadas não regula-se segundo uma ordem perfeita, é ne
no objeto, mas no modo de conhecer o objeto: cessário gue haja uma ordem também naguilo
elas tendem sim ao infinito, ao todo, mas con gue o representa, ou seja, nas percepções da
fusamente, exatamente porgue são limitadas alma e, por conseguinte, no corpo: é, com efei
e diferenciadas conforme o grau de distinção to, em conformidade com seu corpo peculiar gue
das percepções. a alma representa o universo para si mesma.
64. Portanto, o corpo orgânico de todo
ser vivo é uma espécie de máguina divina, ou
2P ie rre B a y le ( 1 6 4 7 - 1 7 0 6 ) , c a lv in is ta , fo i o u to r d o de autômato natural, gue supera grandemente
c é le b re D ictionnoire historique e t critique. gualguer autômato artificial.
Primeira parte - O O casionalism o, S p in o za e Leibniz
Com efeito, uma máquina construída pela atribuída para sempre, e que, por conseguinte,
arte do homem não é máquina em cada uma possua outros seres vivos inferiores destinados
de suas partes: por exemplo, o dente de uma para sempre a seu serviço.
roda de latão apresenta partes ou fragmentos Mais que isso, todos os corpos estão em
que para nós não são mais algo de artificial e perpétuo fluxo, como rios, e continuamente
que, em relação ao uso a que a roda estava neles entram e saem partes.
destinada, não conservam mais nenhum traço 72. Portanto, a alma muda corpo apenas
mecânico. um pouco por vez e por graus, motivo pelo qual
R máquina da natureza, ao contrário, isto jamais se encontra repentinamente despida de
é, os corpos viventes, são sempre máquinas até todos os seus órgãos: nos animais há freqüen
em suas partes mais diminutas, ao infinito. temente metamorfoses, mas não há jamais
€is, portanto, a diferença entre a natureza metempsicose ou transmigração de almas.
e a arte, ou seja, entre a arte divina e a arte Também não existem almas totalmente
humana. separadas, nem gênios sem corpo.
65. C o autor da natureza pôde pôr em Apenas Deus é absolutamente sem corpo.
prática tal artifício divino e infinitamente mara 73. Isto faz com que jamais haja geração
vilhoso, porque qualquer porção da matéria não absoluta, nem morte perfeita no sentido rigoro
só é divisível ao infinito, como reconheceram os so do termo, isto é, entendida como separação
antigos, mas também é subdividida atualmente da alma em relação ao corpo.
ao infinito - cada parte sua em outros partes, O que chamamos de geração é desen
cada uma das quais tem algum movimento volvimento e aumento, enquanto aquilo que
próprio - : de outro modo seria impossível chamamos de morte é involução e diminuição.
para cada porção da matéria exprimir todo o 74. Os filósofos sempre encontraram gra
universo. ves dificuldades para explicar a origem das
66. Disso vemos que existe um mundo formas, enteléquias ou almas.
de criaturas - de seres vivos e de animais, de Hoje, porém, mediante pesquisas exatas
enteléquias e de almas - também na menor realizadas com plantas, insetos e animais, viu-se
porção da matéria. que os corpos orgânicos da natureza jamais se
67. Toda porção de matéria pode ser originam de um caos ou de uma putrefação, mas
concebida como um jardim cheio de plantas, sempre de germes nos quais jó havia certamen
ou como um lago cheio de peixes. Mas cada te alguma pré-formação. Chegou-se, assim, à
ramo das plantas, cada membro do animal, conclusão de que já antes da concepção existia
cada gota de seus humores, é por sua vez tal não só o corpo orgânico, mas também uma alma
jardim ou tol lago. nesse corpo: em poucas palavras, existia já o
68. C embora a terra e o ar interpostos próprio animal. Rlém disso, concluiu-se que, em
entre as plantas do jardim, ou a água interposta virtude da concepção, esse animal foi apenas
entre os peixes do lago, não sejam nem plantas predisposto a uma grande transformação para
nem peixes, eles todavia contêm ainda outras se tornor um animal de espécie diversa.
plantas e outros peixes, mas na maioria das Rlgo de semelhante se pode observar
vezes de uma forma tão sutil que foge à nossa também fora da geração, por exemplo, quan
percepção. do os vermes se transformam em moscas e as
69. De modo que não há nada de não crisálidas em borboletas.
cultivado, de estéril, de morto no universo. 75. Rlguns animais, mediante a concep
C há caos e confusão apenas em aparên ção, são elevados ao grau dos animais maiores,
cia; quase como se, olhando de certa distância e podemos chamá-los de espermáticos.
em um lago, aí percebamos um movimento con Rqueles que, ao contrário, permanecem
fuso e, por assim dizer, um fervilhar de peixes, em sua espécie - e são a maior parte - nas
sem que distingamos os próprios peixes. cem, se multiplicam e são destruídos do mesmo
70. Disso vemos que todo corpo vivente modo que os grandes animais, e apenas um
tem uma enteléquia dominante, que no animal pequeno número de eleitos passa para um
é a alma. Mas os membros deste corpo vivente teatro mais vasto.
estão cheios de outros seres vivos, plantas, 76. Todavia, esta era apenas a metade
animais, cada um dos quais tem por sua vez sua da verdade.
enteléquia, ou suo alma dominante. Pensei que se o animal jamais tem um
71. Todavia, não devemos, por isso, crer início natural, não pode haver sequer um fim
- como o fizeram olguns, mal-entendendo meu natural; e que não só jamais haverá geração,
pensamento - que toda alma tenha uma mas mas sequer destruição absoluta, nem morte
sa ou porção de matéria que lhe é própria ou entendida no sentido rigoroso do termo.
.
Cdpítulo .
te Y C e irO - Leibniz e a m etafísica do pluralismo
, .
m o n a d o fó g tc o
69
—...
Cstes raciocínios, feitos a posteriori 0 por fundo ao mesmo princípio segundo o qual
via 0 xp 0 rim0 ntal, concordam perfeitamente o início do animal e da alma coincide com o
com m©us princípios d 0 duzidos a priori 0 acima início do mundo, e seu fim coincide com o fim
expostos. do mundo.
77. Podomos, portanto, afirmar qu© não Nos animais racionais, todavia, há oste
som 0 nt 0 a alma ( 0 sp 0 lho de um universo particular: seus poquenos animais espermáti-
Índ0 strutív0 l) 0 ind 0 strutív0 l, mas também o cos, enquanto permanecem nesse estado, têm
próprio animal o 0 , embora sua máquina fre apenas almas comuns ou sensitivas, mas logo
qüentemente pereço em parto, 0 porca ou tome que os eleitos, por assim dizer, chegam à natu
despojos orgânicos. reza humana mediante uma efetiva concepção,
suas almas sensitivas são elevadas ao grau da
razão e à prerrogativa dos espíritos.
12. f) harmonia preestabelecida
83. As diferenças já salientadas entre os
entre alma e corpo
animais comuns o os espíritos, acrescenta-se
78. Cstes princípios mo pormitiram explicar também esta:
naturalmente a união, ou melhor, o acordo da o) as almas em geral são espelhos viven
alma 0 do corpo orgânico. tes ou imagens do universo das criaturas;
A alma 0 o corpo seguem com ©feito cada b) os espíritos, ao contrário, são também
um suas próprias lois, mas ambos concordam imagens viventes da própria Divindade, isto é,
om virtude da harmonia preestabelecida entre do autor da natureza: eles têm a capacidade
todas as substâncias, as quais na realidade de conhecer o sistema do universo e de imitar
são representações d 0 um único 0 mesmo algum aspecto dele com empresas arquitetô
universo. nicas, uma vez que todo ospírito é como uma
79. As almas agem segundo as lois das pequena divindade em seu âmbito.
causas finais 0 mediante apetições, fins e 84. Justamente por isso os espíritos são
meios. Os corpos agem segundo as leis das capazes de entrar em uma espécie do socie-
causas oficiontes, isto é, dos movimontos. dado com Deus.
6 os dois reinos, o das causas oficiontes 0 Cm relação a eles, portanto, Deus age
o dos causas finais, estão om harmonia entr0 si. não simplesmonte como um inventor sobre sua
80. Descartes roconheceu que as almas máquina (e Dous opera assim sobre criaturas
não podem absolutamente imprimir força aos [não racionais]), mas também como um príncipe
corpos: na matéria, com efeito, a quantidade para com seus súditos e como um pai em relação
do força é sempre a mosma. a seus filhos.
Ge, porém, errou ao crer que a alma
estivesse em grau de mudar a direção dos
14. A Cidade de Deus
corpos.
Ora, esta sua convicção devia-se ao fato 85. Daqui, portanto, é fácil concluir quo o
de que em sou tempo não se conhecia om nada conjunto de todos os espíritos deve constituir
a lei natural: no matéria conservo-se também o a Cidade de Deus, isto é, o Cstado mais per
mesma direção total. feito possível governado pelo monarca mais
Se Descartes tivesse conhecido tal lei, perfeito.
teria sem dúvida chegado ao meu sistema da 86. Csta Cidade de Deus, esta monarquia
harmonia proostobolecida. verdadeiramente universal, é um mundo moral
8 1 . 0 sistema da harmonia preestabele no mundo natural, e é a mais elevada 0 divino
cida faz com que: entre as obras do Deus.
a) os corpos ajam como se - por absurdo G neste mundo moral quo consiste verda
- não existissem almas; deiramente a glória de Deus, a qual com efeito
b) as almas ajam como so não existissem não poderia existir se a grandeza e a bondade
corpos; divinas não fossem conhecidas e admiradas
c) a alma o o corpo ajam como se so pelos espíritos.
influenciassem mutuamente. Além disso, é om relação a esta cida
de divina que Deus manifesta sua bondade,
enquanto suo sabedoria o sua potência se
13. Os espíritos ou almas racionais
mostram em todo lugar.
82. Passemos agora aos espíritos, ou 87. Ora, mais acima individuamos uma
almas racionais. perfeita harmonia entre os dois reinos do na
Eu já disse que todos os soros viventes, tureza, um das causas eficientes e o outro das
compreendendo os animais, obedecem no causas finais.
Primeira parte - CD O casionalism o, S p in o za e L
Fl este ponto devemos pôr em relevo ain gue é impossível torná-la melhor do gue ela é.
da outra harmonia, a que existe entre o reino Ora, esta impossibilidade é tal não somente
físico da natureza e o reino moral da graça. Cm em relação ao todo em geral, mas também em
outros termos, se trata da harmonia entre Deus, relação o nós mesmos em particular.
considerado como arguiteto da máguina do Cstamos, com efeito, necessariamente
universo, e Deus, considerado como monarca ligados ao autor do todo não apenas como ao
da cidade divina dos espíritos. arguiteto e causa eficiente de nosso ser, mas
88. Cm virtude desta harmonia, aquilo que também como ao nosso senhor e causa final
leva à graça percorre os mesmos caminhos da gue deve constituir o escopo total de nossa
natureza. Por exemplo, este globo deverá ser vontade e do gual unicamente depende nossa
destruído e restaurado por vias naturais guando felicidade.
o exigir o governo dos espíritos, e isso acon G. LU. Leibniz, Monodologio.
tecerá para o castigo de uns e a recompensa
de outros.
89. Devemos, além disso, dizer gue Deus
como arguiteto agrada em tudo Deus como
legislador.
Portanto, os pecados, em base à ordem l') lw lAlojWfr ' e' ■
i K /t u jA jh iit f ' I fi* hry llfti' ^
natural e justamente em virtude da estrutura
ce|» * i‘« ./W
mecânica das coisas, devem acarretar consigo
filuí í£jr Ai’/it/
seu castigo; e, analogamente, as belas ações
atrairão suas recompensas por vias mecâni ■ Ti —[#
cas em relação aos corpos, embora isso não
possa nem devo acontecer sempre de modo Sm? v fr"*rSr«e*,uí/
■■•J- V 4. vfir'
imediato. ti. U » rfy * - -
T h o m as H obbes: o corporeísm o
e a teo ria do absolutism o político _______________________
Capítulo quinto
Capítulo sexto
G eorge Berkeley:
o im aterialism o em função de um a apologética renovada
Capítulo sétimo
T k o m a s -H obbes:
o c o ^ p o ^ e í s m o e. a f e o n a
d o o b s o l u+ismo polí+ico
I. j A v id a e a s o b r a s
T h om as H o b b es I SSS-1671)!
p rocu rou aplicar
a ciência m oral c política
o>~ m éto d o s
íla geom etria euclidiana
e da ciência galileana.
R eprodu zim os aqu i
um qu ad ro d e /. M. Wright,
con serv ad o em Lon dres
na N ation al Portrait ( ,a lle n ’.
Capitulo quarto - TKomQS -Hobbes: o corporersmo e a teoria do absolu+ismo polí+ico
II. y \ c o n c e p ç ã o k o b b e s ia n a
d a filosofia e s u a d iv isã o
III. y \ ^lógica^
e o s pontos fu n d a m e n ta is
d o p e n s a m e n to d e "Hobbes
• Hobbes faz preceder a tratação dos corpos por uma "lógica" que retoma a
tradição do nominalismo da filosofia inglesa tardio-escolástica.
A lógica elabora as regras do correto modo de pensar, e os pensamentos são
fixados e suscitados por meio dos nomes, que são formados pelo arbítrio humano.
Uma vez que existem apenas indivíduos e conceitos de indivíduos,
os nomes comuns não indicam conceitos universais, mas são nomes A lógica elabora
de nomes que de fato não significam a natureza das coisas; por as regras do
isso tam bém a proposição, que é conexão de nomes, é fruto do pensamento
arbítrio daqueles que foram os primeiros a estabelecer os nomes, e ospensamentos
e a definição exprime não a "essência" da coisa (como queriam são 'ixados
Aristóteles e toda a lógica clássica e medieval), mas apenas o P°rmei°
"significado dos vocábulos". T
Raciocinar é, definitivamente, um reunir ou desunir nomes,
proposições e definições conforme as regras fixadas por conven
ção: é um calcular, um computar, um somar e subtrair. Desse modo, o convencio
nalismo hobbesiano torna vão o discurso sobre a objetividade, e todavia não se
funda sobre bases céticas, mas empíricas: todas as representações da mente humana
têm origem no sentido, e a causa do sentido é o corpo externo.
ficando a natureza das coisas, mas somente Essa concepção do raciocínio, entendi
aquilo que nós pensamos dela. do como “compor”, “decompor” e “recom
por” e baseado em semantemas ou sinais
lingüísticos, bem como o respectivo pano de
fundo convencionalístico, surpreendem pela
modernidade e pela ousadia extraordinária,
a s p ro p o siçõ e s já que contêm pressentimentos da cibernéti
e o V a c io c in a r” ca contemporânea (pressentimentos, note-se
bem, mais do que antecipações).
c o m o «c all c ui l a" r
Essa concepção do raciocinar como
calcular, como decompor e recompor, ins
pira-se além do mais também em Descartes,
A definição não expressa (como que mas com notáveis diferenças. Com efeito,
riam Aristóteles e toda a lógica clássica e Descartes partia de verdades primeiras,
medieval) a “essência” da coisa, mas sim que, em virtude de sua evidência intuitiva,
plesmente “o significado dos vocábulos” . tinham precisa garantia de objetividade, ao
D ar uma definição nada mais é do que passo que Hobbes se desloca para o plano do
“fornecer o significado do termo usado”. convencionalismo, esvaziando dessa forma
Portanto, as definições são arbitrárias, assim o discurso sobre a objetividade.
como o são os vocábulos.
Da conexão de nomes nasce a proposi
ção, normalmente constituída por um nome
concreto que tem função de sujeito e por um
3 o e m p ir is m o k o b b e sia ia o
nome abstrato que tem função de predicado,
ambos ligados pela copulativa. Entretanto, para concluir este tema,
Assim como os nomes, também as pro devemos destacar que o nominalismo de
posições primeiras e os axiomas (que são Hobbes não se funda em bases céticas, mas
as proposições fundamentais) são fruto do muito mais empíricas, sensistas e fenomê-
arbítrio daqueles que foram os primeiros a nicas.
estabelecer os nomes ou a acolhê-los: “[...] Com efeito, por um lado, ele admite
por exemplo, é verdade que o hom em é que os nossos pensamentos (que são desig
animal, já que se decidiu impor esses dois nados e expressos por nomes) são “repre
nomes à mesma coisa”; as proposições pri sentações ou aparências” dos objetos que
meiras [...] nada mais são que definições, estão fora de nós, sendo em nós produzidos
ou partes de definição e somente elas são através da experiência dos sentidos. Hobbes
princípios de demonstração, isto é, verda diz textualmente: “A origem de todos [os
des estabelecidas pelo arbítrio daqueles que pensamentos] é aquilo que nós chamamos
falam e daqueles que escutam [ ...].” sentido (pois não há nenhuma concepção
Raciocinar é conectar (ou desconectar) da m ente hum ana que não tenha sido
nomes, definições e proposições em confor inicialmente, no todo ou em parte, gerada
midade com as regras, fixadas por conven pelos órgãos do sentido). O resto é derivado
ção. Diz Hobbes que raciocinar é “calcular” daquela origem” .
e “computar”, aliás, mais propriamente, é Ele chega a dizer que a causa do sentido
um somar e subtrair. “Por raciocínio enten é “o corpo externo ou objeto”.
do o cálculo. Calcular é colher a soma de Além disso, quando Hobbes diz que a
mais coisas, uma ligada à outra, ou conhecer definição não expressa a essência da coisa,
o restante, subtraída uma coisa à outra”. mas “aquilo que nós concebemos da essên
Por exemplo: cia da coisa”, não enuncia uma negação
homem = animal + racional cética, e sim opera uma redução fenomênica
(só conhecemos da essência aquilo que dela
animal = homem - racional
nos aparece).
Hobbes não exclui que o raciocinar seja Em suma, ele caminha sobre uma linha
também um multiplicar e dividir; entretanto, que é típica do pensamento inglês e que se
a multiplicação é redutível à soma, ao passo imporia de modo sempre mais acentuado.
que a divisão é redutível à subtração.
Capítulo quarto - Tkom as ■Hobbes: o co^po^eísmo e a teoHa do absolw+ismo polí+ico
IV . (S o rp o re ísm o e m e ca n ic ism o
1) do corpo entendido como aquilo que gerado pelo sujeito sensível que, por seu tur
não depende de nosso pensamento e que no, reage com outro movimento, do qual, pre
“coincide e se co-estende com uma parte cisamente, surge a imagem ou representação.
do espaço” ; Também são “movimentos” os senti
2) do movimento entendido do modo mentos de prazer e de dor, o apetite e o de
que indicamos. sejo, o amor e o ódio, e até o próprio querer.
É esse o seu materialismo, ou melhor, Conseqüentem ente, Hobbes nega a
seu corporeísm o mecanicista, que tantas liberdade, pois os movimentos e os nexos
polêmicas suscitou em sua época. mecânicos que derivam são rigorosamente
necessários. Escreve ele no De corpore: “A
liberdade de querer ou não querer não é maior
y \s v á r ia s q u a lid a d e s
no homem do que nos outros seres animados.
Com efeito, o desejo foi precedido pela cau
d a s co isa s sa própria do desejo e, por isso, o próprio
s ã o m o vim e n to s v a r i a d o s ato do desejo [...] não podia deixar de se
guir-se, ou seja, segue-se necessariamente”.
---- V . y \ t e o ^ iz a ç ã o d o (E s ta d o absolu+is+a.
O ^ .L e v ia + ã ”
//
I
....
it *
o g o ism o 1) Em primeiro lugar, nosso filósofo
admite que, embora todos os bens sejam
e ^ c c m v e n c ic m a lisvno"
relativos, há, porém, entre eles um bem
primeiro e originário, que é a vida e sua
conservação (e, portanto, um mal primeiro,
Os pressupostos que constituem a base que é a morte).
da construção da sociedade e do Estado de 2) Em segundo lugar, ele nega que
Hobbes são fundamentalmente dois. existam uma justiça e uma injustiça na
Segunda parte - flobb es; L-ock^y 3 erke.!ey e ■Hume
turais, já que, como vimos, não existem novidades, que constituem causas de discór
“valores” absolutos. Hobbes sustenta que dias e guerras;
justiça e injustiça são fruto de “convenções” d) os animais não têm a palavra, que
estabelecidas por nós mesmos e que, por nos homens é freqüentemente uma “trom-
tanto, são cognoscíveis de modo perfeito e beta de guerra e de sedição”;
a priori, juntamente com tudo aquilo que e) os animais não se censuram uns aos
delas deriva. outros, ao passo que os homens sim;
1) “Egoísmo” e 2) “convencionalismo” f) nos animais o consenso é natural,
são os pontos cardeais da nova ciência políti enquanto nos homens não o é.
ca, que, segundo Hobbes, pode se desdobrar O Estado, portanto, não é natural, e
como sistema dedutivo perfeito, assim como sim artificial.
o da geometria euclidiana.
3 CD n a s c i m e n t o d o G -s t a d o
2 A p o lítica
n ã o tem um fu n d a m e n to
Por que e como nasce o Estado?
^ n a tu r a \" A condição em que os homens se en
contram naturalmente é uma condição de
guerra de todos contra todos. Cada qual
Para compreender adequadamente a no tende a se apropriar de tudo aquilo de que
va concepção política de Hobbes é oportuno necessita para a sua própria sobrevivência e
recordar que ela constitui a mais radical sub conservação. E como cada qual tem direito
versão da clássica posição aristotélica. Com sobre tudo, não havendo limite imposto
efeito, o Estagirita sustentava que o homem pela natureza, nasce então a inevitável
é “animal político”, ou seja, é constituído predominância de uns sobre os outros. (E
de tal modo que, por sua própria natureza, nesse contexto que Hobbes usa a frase de
é feito para viver com os outros em socie Plauto hom o homini lupus, “o homem é
dade politicamente estruturada. Ademais, um lobo para o homem”, que, no entanto,
ele identificava essa condição de “animal não tem o significado de sinistro e radical
político” do homem com o estado próprio pessimismo moral que muitos nela viram,
também de outros animais, como as abelhas porque pretende ser pura constatação es
e as formigas, que desejando e evitando as trutural, indicando uma situação à qual se
mesmas coisas e voltando suas ações para deve dar remédio).
fins comuns, se agregam espontaneamente. Nessa situação, o homem está arris
Hobbes contesta vivamente a proposição cado a perder o bem primário, que é a vida,
aristotélica e a comparação. Para ele, cada ficando a cada instante exposto ao perigo de
homem é profundamente diferente dos ou morte violenta. Ademais, também não pode
tros homens e, portanto, deles separado (é dedicar-se a alguma atividade industrial ou
um átomo de egoísmo). com ercial, cu jos fru tos perm aneceriam
Portanto, cada homem não é de modo sempre incertos, nem pode cultivar as artes
nenhum ligado aos outros homens por um e tudo aquilo que é agradável — em suma,
consenso espontâneo como o dos animais, cada homem permanece só, com o terror de
que se baseia em um “apetite natural”, pelas perder a vida de modo violento.
seguintes razões: Mas o homem escapa dessa situação
a) em primeiro lugar, existem entre recorrendo a dois elementos básicos: a) a
os homens motivos de contendas que não alguns instintos; b) à razão.
existem entre os animais; a) Os instintos são o desejo de evitar
b) o bem de cada animal que vive em a guerra contínua, para salvar a vida, e a
sociedade não difere do bem comum, ao necessidade de conseguir aquilo que é ne
passo que no homem o bem privado difere cessário para a sobrevivência.
do bem público; b) A razão, aqui, é entendida não tanto
c) os animais não percebem defeitos como valor em si, mas muito mais como
em sua sociedade, ao passo que o homem instrumento capaz de realizar aqueles de
os percebe, querendo introduzir contínuas sejos de fundo.
Cãpítiilo quarto - TTkomas -Hobbes: o co^po^eísmo e a +eona do absolu+ismo polí+ico
5 CD “ p a c t o s o c i a l '” 6 CD “. L e v i a t ã ”
e a teo riz a çã o
d o a b s o lu + is m o Na Bíblia, o livro de Jó (caps. 40-41)
descreve o “Leviatã” (que, literalmente,
significa “crocodilo” ) como monstro in
Entretanto, em si mesmas, essas leis vencível. Hobbes adota o nome “Leviatã”
não bastam para constituir a sociedade, já para designar o Estado e também como
que também é preciso um poder que obrigue título simbólico da obra que sintetiza todo
os homens a respeitá-las: “ sem a espada o seu pensamento. M as, ao mesmo tempo,
que lhes imponha o respeito”, os acordos ele também o designa como “deus m ortal”,
não servem para atingir o objetivo a que se porque a ele (abaixo do Deus imortal) deve
propõem. Por conseguinte, segundo Hobbes, mos a paz e a defesa de nossa vida.
é preciso que todos os homens deleguem a Mas a dupla denominação é extrema
um único homem (ou a uma assembléia) o mente significativa: o Estado absolutista por
poder de representá-los. ele concebido é verdadeiramente metade
Mas note-se bem um pormenor: esse monstro e metade deus mortal.
“pacto social” não é firmado pelos súditos Hobbes foi acusado de ter escrito o
com o soberano, mas sim pelos súditos entre L eviatã para granjear as sim patias de
si. (Totalmente diferente seria o pacto social Cromwell, legitimando teoricamente sua
de que falará Rousseau). O soberano perma ditadura, para poder assim voltar a sua
nece fora do pacto , restando como o único pátria. M as essa acusação é largamente
depositário das renúncias dos direitos dos infundada, porque as raízes da construção
súditos e, portanto, único a manter todos os política do nosso filósofo estão nas mesmas
direitos originários. Se também o soberano premissas do corporeísmo ontológico, que
entrasse no acordo, não se eliminariam as nega a dimensão espiritual e, portanto, a
guerras civis, porque nasceriam contrastes liberdade e os valores morais objetivos e
diversos na gestão do poder. O poder do absolutos, bem como no seu “convencio
soberano (ou da assembléia) é indivisível e nalismo” lógico.
absoluto. Essa é a mais radical teorização do Hobbes também foi acusado de ateís
Estado absolutista, deduzida não do “direito mo. Mas certamente não era ateu. Metade
divino” (como ocorrera no passado), e sim do seu Leviatã se ocupa de temas nos quais
do “pacto social” que descrevemos. a religião e o cristianismo estão em primei
Como o soberano não participa do ro plano. No entanto, é verdade que sua
pacto, uma vez recebidos em suas mãos posição corporeísta, contra suas próprias
todos os direitos dos cidadãos, ele os de intenções e afirmações, se levada às extremas
tém irrevogavelmente. Ele está acima da conseqüências, acabava por levar à negação
justiça (porque a terceira regra, como as de Deus ou, pelo menos, tornar sua existên
outras, vale para os cidadãos, mas não para cia problemática.
o soberano). Ele também pode interferir O ponto culminante das várias dificul
em matéria de opiniões, julgar, aprovar ou dades do pensamento de Hobbes consiste
proibir determinadas idéias. Todos os po em ter tomado a ciência (geometria e física)
deres devem se concentrar em suas mãos. como modelo a ser imitado em filosofia.
A própria Igreja deve-se sujeitar a ele. O Acontece que os métodos das ciências ma
Estado, portanto, também pode interferir temáticas e naturais não podem ser transfe
em matéria de religião. E, como Hobbes crê ridos para a filosofia sem provocar drásticas
na revelação divina e, portanto, na Bíblia, reduções, que geram uma série de aporias
o Estado que ele concebe, em sua opinião, indesejáveis, como, em parte, já havia ocor
também deverá ser árbitro em matéria de rido com Descartes, e como acontecerá com
interpretação das Escrituras e de dogmática Kant de modo paradigmático.
religiosa, impedindo dessa forma todo mo Contudo, é precisamente essa a marca
tivo de discórdia. que caracteriza grande parte da filosofia
O absolutismo desse Estado é verda moderna, por influência da revolução cien
deiramente total. tífica galileana. [3]
Cãpítlilo GfUãTtO - Tkom as -Hobbes: o corpoi^eísmo e a teoria do absolu+ismo polí+ico
85
HOBBES
O CORPOREÍSMO MECANICISTA
X M ovimento : C orporeidade:
a causa da qual nascem / tudo aquilo que não depende
necessariamente \ / do pensamento humano
todos os corpos naturais / / e que é causa das sensações,
e todos os processos cognitivos i de que deriva enfim todo conhecimento humano.
. da mente humana \ Há três tipos de corpo:
\ 1. corpo natural inanimado
: 2. corpo natural anim ado
3. corpo artificial
o corpo
Filosofia natural, em geral
C iên cia : que tem como objetos
conhecimento
de conseqüências * o homem
F ilo so fia ,
como conhecimento o corpo artificial:
dos corpos, Filosofia política, —► o Estado,
de suas causas que tem como objeto que tem dois pressupostos
e de suas propriedades; ■ \
serve-se da
a vida a justiça,
e sua conservação, convenção humana:
instinto de evitar leis naturais que permitem
a guerra contra todos realizar racionalmente
(“Egoísmo” ) o instinto de autoconservação/
Convencionalismo ”
L ó g ic a :
ciência do correto
raciocinar,
que consiste
Pacto social, com o qual todos os homens deputam
em calcular
um único homem ou uma assembléia para representá-
(somar e subtrair)
los com poder indiviso e absoluto (“Absolutismo” )
nomes, proposições e definições
segundo as regras
________________ ;______
convencionais
‘Nominalismo ' L e v ia t ã ,
q u alid ad e a um grau d ® qualidade, uma açã o lex, direito e lei, e ste s devem ser distintos: uma
a uma ação, um conceito a um conceito, uma vez gu e o direito consiste na liberdade d e fazer
proporção a uma proporção, um discurso o um ou d e obster-se, enguanto a lei determina e
discurso, um nome a um nome: e nisso consiste impõe uma d e s s a s coisas, d e modo gu e a lei e
todo tipo d e filosofia. o direito diferem tanto guanto a obrigação e a
T. Hobbes, liberdade gue, em uma e mesma matéria, são
O corpo, em Elementi di Filosofia. inconsistentes.
II corpo. Luomo.
2. fl primeira lei de natureza ordena
"procurar a paz"
£ uma vez gu e a condição do homem [...]
2 fls primeiros é uma condição d e guerra d e cada um contra o
outro, e n este caso cada um é governado pela
três leis de natureza própria razão, e não há nada, gu e e le possa
usar, gu e não lhe se ja d e auxílio, no preservar
sua vida contra o s inimigos, daí se g u e -se gue,
fís dezenove "leis de natureza" de que em tal condição, cada homem tem direito sobre
Fola Hobbes nos caps. 14-15 do Leviatã s ã o cada coisa, também sobre o corpo um do outro.
normas racionais gerais que se reFerem to Por isso, a té guando dura e ste direito d e na
dos ò autoconservação do homem, isto é, o tureza d e cada homem sobre todas a s coisas,
"egoísmo", que é um dos dois pressupostos não p o d e haver segurança para ninguém - por
hobbesianos da Formação do sociedade e do mais forte e sáb io gu e e le s e ja - d e viver por
Estado. Em tais leis se concretiza, portanto, o todo o tempo gu e a natureza ordinariamente
outro pressuposto da vida política do homem, atribui à vida. E, por conseguinte, é um preceito
ou seja, o "convencionalismo". ou regra geral d a razão gu e cada homem d eve
fí passagem que apresentamos reFere-
se às primeiras três "leis naturais", que são
também as mais importantes.
T H O M i h o b b e s
Malmesburicnfis
1. fl lei de natureza
é um "preceito ou uma regra geral O P E R A
extraída da razão”
O direito d e natureza, que os escritores
p h i l o s o p h i c a ,
comumente chamam d e jus naturale, é a liber Q ux Latinl: fcripfit,
d ad e, que cada homem tem, d e usar seu poder,
como e le quiser, para preservar sua natureza,
isto é, sua vida, e d ® fazer por isso qualquer
o M N i a.
coisa, conforme seu juízo e sua razão, crendo A n t e q u i d c m p e r p a r t e s , n u n c a u t e m , p o f t c o g m u i o m iu m n
Apud I O A N N E M B L A E V ,
fozer aguilo gu e destruiria sua vida ou tolher os
modos para preservá-la, e d e omitir aguilo com M D C L X V I I I.
procurar a paz o tanto quanto ele tem esperança homens a todos os coisas, estaríamos ainda no
de obtê-la e, quando não pode obtê-la, deve estado de guerra. Nesta lei de natureza está a
procurar e usar todos os meios e vantagens da primeira fonte da justiça. Com efeito, onde não
guerra. R primeira parte desta regra contém a há um pacto precedente, não há nenhum direito
primeira 0 fundarrontal loi de natureza, que é: a ser transferido, e cada um tem direito sobre
procurar a paz 0 alcançá-la; a sagunda parta toda coisa, e por conseguinte nenhuma ação
contém o sumo dos direitos de natureza, que podo ser injusta. Mas, quando se concluiu um
é: defender-s© com todos os meios possíveis. pacto o injusto está em rompê-lo, e a definição
de injustiça nõo é mais que o não cumprir um
pacto. C aquilo, que não é injusto, é justo.
3. A segunda lei de natureza impõe renunciar
"ao direito sobre todas as coisas" T. Hobbes, Leviatã.
3 o k ^ L o c k e
e a f u n d a ç ã o d o em p irism o crític o
....... I. ; A v id a
e a s obras d e L o c k e
1 S e c r e t á r i o d e lo rd e C o o p e r ,
ck a n ce le r d a In g la te rr a ,
J_o ck e s e o cu p o u a tiva m en fe
d e a s s u n t o s p o lítico s
l o h n l . o c k c ( I (i 1 2 - 1 7 0 4 )
/d i o f u n d a d o r d o e m p i r i s m o critica
c 11 prim eiro que fo r m u lo u de m o d o m eló d ico
o p r o h l e m a " c r í t i c o " d o c o n h e c im e n t o .
,\ i m a g e m e tira da d e u m a g r a v u r a
cm cohrc da época.
Segunda pavte - -Hobbes, Locke, S e rk e le y e +"1ume
II. o p y -o g ^ cw n a .
d o ( S n s a io s o b r e , o in ie.le.izio h u m a n o
e o em pirism o lockiano
• O novo empirismo lockiano, cuja tese mais vistosa é que todas as idéias
derivam sempre e apenas da experiência, tem como pressupostos a tradição em-
pirista inglesa, segundo a qual a experiência é o limite intransponível de todo
conhecimento possível, e a idéia em sentido cartesiano, isto é,
entendida como conteúdo (imagem ou noção) da mente humana O empirismo
e como único objeto do pensamento humano. Locke nega porém lockiano:
toda forma de inatismo, aduzindo sobretudo o fato de que nem todas as idéias
todos os homens são conscientes do princípio de identidade e derivam
de não-contradição, dos princípios éticos fundamentais e da da experiência
própria idéia de Deus; e, na mente humana, a consciência de um - § 2 - 5
conteúdo coincide com a própria presença do conteúdo. Além
disso, o intelecto humano não pode de modo algum dar-se a si mesmo as idéias
simples, nem pode, uma vez que tenham ocorrido, destruí-las ou aniquilá-las. Em
definitivo, portanto, o intelecto recebe o material do conhecimento unicamente
da experiência: a mente pensa apenas depois de ter recebido tais materiais; ela é
como uma tabula rasa na qual apenas a experiência inscreve os conteúdos.
E eis como, com plena consciência crí rem a uma clara solução, servem somente
tica, a intenção geral do Ensaio e da nova para conservar e aumentar suas dúvidas,
filosofia lockiana se expressa na Introdução, confirmando neles um perfeito ceticismo.
que é peça chave de toda a obra: “Conhe Uma vez bem considerada a capacidade
cendo a nossa força, saberemos melhor o de nosso intelecto, descoberta a extensão
que empreender com alguma esperança de de nosso conhecimento e identificado o
sucesso. E quando houvermos bem exami horizonte que estabelece o limite entre as
nado os poderes do nosso espírito e feito partes iluminadas e as partes escuras das
uma avaliação do que podemos esperar dele, coisas, entre aquilo que é e aquilo que
não seremos mais propensos a ficar quie não é compreensível para nós, talvez os
tos, sem lançar nosso pensamento à obra, homens aceitem com menores escrúpulos
perdendo a esperança de conhecer alguma a ignorância declarada de um, e utilizem
coisa, nem, por outro lado, a pôr tudo em seus pensamentos e discursos com maior
dúvida e ignorar todo conhecimento porque benefício e satisfação no outro”.
algumas coisas não podem ser compreendi Vejamos, portanto, como Locke realiza
das. E de suma utilidade para o marinheiro esse seu programa exigente.
conhecer o comprimento de suas cordas,
ainda que com elas não possa sondar todas
as profundidades do oceano. Mas é bom que 2 A "id é ia "
ele saiba que elas são bastante longas para
co m o co n teú d o
alcançar o fundo naqueles lugares que são
necessários para sua viagem e para avisá-lo do p en sam en to kwm ano
dos escolhos que poderiam arruinar a nave.
Nossa função aqui não é a de conhecer
todas as coisas, mas somente aquelas que Tradição empirista inglesa e “idéia”
dizem respeito à nossa conduta. Se puder cartesiana são os componentes de cuja sín
mos descobrir aquelas medidas através das tese nasce o novo empirismo lockiano.
quais uma criatura racional, colocada no M as, antes de penetrar no âmago do
estado em que o homem se encontra neste problema, é oportuno fazer algumas obser
mundo, pode e deve governar suas opiniões vações sobre esse termo, que tem história
e as ações que delas dependem, não devemos gloriosa.
nos perturbar se outras coisas escapam a Nós hoje usamos comumente o termo
nosso conhecimento. Foi isto que, desde “idéia” na acepção que Descartes e Locke
o início, deu lugar a este Ensaio sobre o consagraram, caindo facilmente no erro de
intelecto. Com efeito, eu pensava que o crer que essa seja a única e óbvia acepção
primeiro passo para satisfazer várias inves desse termo. Entretanto, ela constitui o
tigações que o espírito do homem costuma ponto de chegada de um debate metafísico
empreender era o de fazer uma inspeção e gnosiológico iniciado por Platão (e, em
do nosso intelecto, examinar nossos p o certos aspectos, ainda antes), continuado por
deres e ver para que coisas eles são aptos. Aristóteles e, depois, pelos médio-platônicos,
Enquanto não houvéssemos feito isso, eu os neoplatônicos, os Padres da Igreja, os es
suspeitava que estávamos começando pelo colásticos e alguns pensadores renascentistas.
lado errado e que procurávamos em vão a O termo “idéia” é a transliteração de
satisfação de uma tranqüila e segura posse um termo grego que significa “forma” (sinô
das verdades que eram mais caras a nosso nimo de eidos), particularmente (de Platão
coração, enquanto deixávamos nossos pen em diante) forma ontológica, significando
samentos em liberdade no vasto oceano do portanto uma “essência substancial” e um
Ser, como se toda aquela extensão ilimitada “ser”, e não um “pensamento”. Na fase final
fosse uma posse natural e indubitável de do platonismo antigo, as idéias tornam-se
nosso intelecto, onde nada escapasse a suas “pensamentos do Intelecto supremo” e,
decisões e a sua compreensão. Assim, não é portanto, paradigmas supremos, nos quais
de surpreender que os homens, estendendo coincidem ser e pensamento, ou seja, pa
as suas investigações para além de suas radigmas metafísicos. Os debates sobre o
capacidades e deixando seus pensamentos problema dos universais e as diversas solu
vagarem naquelas profundidades em que ções propostas abalaram fortemente a antiga
não têm mais pé, levantem questões e mul concepção platônica, abrindo caminho para
tipliquem disputas que, visto nunca chega proposições radicalmente novas.
Capítulo quinto - JJoK n L o ck e e a f-Vmdação do empirismo crítico
iii. A c lo u ir in a lo ck ia n a d a s ideias
e a i n t e r p r e t a ç ã o d o conKecimento
• Locke admite também uma idéia geral de substância, obtida por abstração,
e não nega a existência de substâncias, mas a capacidade da mente humana de
ter idéias claras e distintas.
Ligado ao problema da substância está a seguir o da essência: ju ízo de Locke
para Locke a essência real seria a própria estrutura das coisas, sobre a idéia
mas nós conhecemos apenas a essência nominal, que consiste no de substância
conjunto de qualidades que uma coisa deve ter para ser chamada e de essência.
com determinado nome. 0 nominalismo
Em tal sentido a abstração, que para as metafísicas clássicas $ 5-7
era o processo fundam ental para captar a essência, em Locke
torna-se uma parcialização de outras idéias mais complexas: o geral e o universal
não pertencem à existência real das coisas, mas são invenções do intelecto e se
referem apenas aos sinais, sejam eles palavras ou idéias.
a) corporeas
2. substâncias b) espirituais
c) Deus
qual se consegue captar a essência, extrain si mesmas, elas estão aquém do verdadeiro
do-a através de progressiva desmaterializa- e do falso.
ção mental do objeto. M as, dado que nega Não há conhecimento sem a percepção
a essência real, ou melhor, a sua cognosci- de uma concordância (ou então de uma dis
bilidade, Locke não tem outra saída senão a cordância) entre idéias ou grupos de idéias,
de considerar a abstração como eliminação pois só então temos o verdadeiro e o falso.
de algumas partes de idéias complexas de Escreve Locke: “Parece-me então que o
outras partes. Por exemplo: tenho a idéia de conhecimento nada mais seja do que a per
Pedro e de João; elimino desse complexo de cepção da conexão e da concordância, ou
idéias aquelas que não são comuns a esses da discordância e do contraste entre nossas
dois indivíduos (gordo, louro, alto, velho idéias. Ele consiste apenas nisso”.
etc.); e mantenho aquele conjunto de idéias Esse tipo de concordância ou discor
comuns aos dois indivíduos, indicando-o dância é de quatro espécies:
com o nome homem; passo então a usá-lo
para me representar também outros homens.
Portanto, para Locke, a abstração é uma par-
cialização de outras idéias mais complexas.
Com isso, Locke retoma e revigora o
nominalismo da tradição inglesa, do qual
Hobbes fornecera o mais recente exemplo.
Assim, pode-se compreender muito bem as
conclusões que nosso filósofo extrai no En
saio: “ [...] está claro que o geral e o universal
não pertencem à existência real das coisas,
mas são invenções e criaturas do intelecto,
feitas por ele para seu uso e correspondendo
somente aos sinais, sejam palavras, sejam
idéias”. E as palavras são “gerais quando
utilizadas como sinais de idéias gerais, po
dendo assim ser aplicadas indiferentemente
a muitas coisas particulares; já as idéias são
gerais quando usadas para representar muitas
coisas particulares. Mas a universalidade não
pertence às próprias coisas, que são todas
particulares em sua existência, incluindo
as palavras e idéias que são gerais em seu
significado. Por isso, quando nos afastamos
dos particulares, aquilo que resta de geral é
somente uma criatura de nossa fabricação;
com efeito, sua natureza geral nada mais é
que a capacidade conferida pelo intelecto de
significar ou representar muitos particulares.
O significado que tem é apenas uma relação
que o espírito do homem acrescenta a esses
particulares” .
8 O v e r d a d e i r o e o j-al s o
com o a co rd o
e d e s a c o r d o d a s id é i a s
S O M E
a) identidade e diversidade;
b) relação; THOUGHTS
c) coexistência e conexão necessária;
d) existência real. C O N C E R N IN G
Ora, em geral, a concordância entre
as idéias pode ser percebida de dois modos
diferentes: 1) por intuição; 2) por demons
tração, e disso falaremos agora. Education.
9 Z )\rd iA .\çã o e d e m o n s t r a ç ã o
E aqui volta a emergir o velho conceito certeza que há algo que existe realmente.
de verdade como adaequatio intellectus ad Além disso, “por certeza intuitiva, o homem
rem, como concordância entre as idéias e sabe que o puro nada não produz um ser
as coisas, acima da simples concordância real mais do que não possa ser igual a dois
entre as idéias. Locke procura resolver ângulos retos. Se um homem não sabe que o
essa dificuldade admitindo que nós temos não-ente ou a ausência de todo ser não pode
conhecimento: ser igual a dois ângulos retos, é impossível
1) de nossa existência através da “in que conheça uma demonstração qualquer
tuição”; de Euclides. Por issso, se nós sabemos que
2) da existência de Deus mediante há algum ser real e que o não-ente não pode
“demonstração”; produzir um ser real, essa é a demonstração
3) da existência das outras coisas por evidente de que algo existe desde a eterni
meio de “sensação”. dade, porque aquilo que não existe desde
a eternidade teve início, e aquilo que teve
início deve ter sido produzido por alguma
10 O co n h e cim e n to outra coisa” .
d e n o ss a ex istê n cia Locke demonstra então que essa outra
coisa de que deriva nosso ser deve ser oni
potente, onisciente e eterna.
Para justificar a afirmação de que nós E digno de nota o fato de que o “em-
temos consciência de nossa existência por pirista” Locke considere que a existência de
“intuição”, Locke se refere a modelos tipi Deus é inclusive mais certa do que aquilo
camente cartesianos, embora de modo mais que os sentidos nos manifestam!
destemperado. Com efeito, também para ele Eis suas palavras: “De tudo o que foi
nada pode ser mais evidente para nós do que dito, está claro para mim que temos um
nossa própria existência. conhecimento da existência de Deus mais
Eis suas próprias palavras: “Eu penso, certo do que qualquer outra coisa que os
eu raciocino, eu sinto prazer e dor: alguma nossos sentidos nos tenham imediatamente
dessas coisas pode ser para mim mais evi manifestado. Ouso dizer, inclusive, que co
dente do que a minha própria existência? Se nhecemos que há um Deus com mais certeza
duvido de todas as outras coisas, essa mesma do que conhecem os que existe qualquer
dúvida me faz perceber minha própria exis outra coisa fora de nós. E quando digo que
tência e não me permite duvidar dela. Pois, ‘conhecemos’, entendo que há em nós, ao
se eu sei que sinto dor, é evidente que tenho nosso alcance, um conhecimento que não
uma percepção certa de minha própria exis podemos deixar de ter, se a ele aplicarmos o
tência, como da existência da dor que sinto. nosso espírito como fazemos a muitas outras
Ou, se sei que duvido, tenho a percepção investigações” .
certa da existência da coisa de que duvido,
assim como do pensamento que eu chamo
de ‘dúvida’. A experiência nos convence 12 O co n k e cim en to
de que temos conhecimento intuitivo de
d o s o b jeto s e x te r n o s
nossa própria existência e uma percepção
interior infalível de que nós existimos. Em
todo outro ato de sensação, raciocínio ou
pensamento, nós estamos conscientes, diante Segundo Locke, no que se refere à exis
de nós mesmos, do nosso próprio ser. E, a tência das coisas externas, estamos menos
respeito disso, não nos falta o mais alto grau certos do que em relação à nossa existência
de certeza”. ou à existência de Deus. Locke afirma que
“ter a idéia de algo em nosso espírito não
prova a existência dessa coisa mais do que o
11 O co n k ecim en to d e D e u s retrato de um homem possa tornar evidente
a sua existência no mundo, ou que as visões
de um sonho constituam como tais uma
Locke demonstra a existência de Deus história verdadeira” .
recorrendo ao antigo princípio metafísico ex Entretanto, está claro que, como não
nihilo nihil e ao princípio da causalidade, do somos nós que produzimos nossas idéias,
seguinte modo. Nós sabemos com absoluta elas devem ser produzidas por objetos exter
Segunda parte - Hobbes, Locke, Be^keley e Hume
nos. Mas podemos estar certos da existência certeza da existência das coisas fora de nós
de um objeto que produz a idéia em nós só é suficiente para os objetivos de nossa vida.
até que a sensação é atual. Nós estamos Por fim, no que se refere, à confor
certos do objeto que vemos (este pedaço de midade das idéias às coisas (se e até que
papel, por exemplo) enquanto o vemos e até ponto as idéias reproduzem exatamente os
que o vemos; mas, quando ele é subtraído arquétipos das coisas), remetemos o leitor
à nossa atual sensação, já não podemos ter a tudo o que dissemos sobre o problema
certeza de sua existência (poderia ter sido da natureza, da essência, das qualidades
rasgado ou destruído). Todavia, esse tipo de primárias e secundárias.
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IV . A p r o b a b ilid a d e ,
a [ é e a m zão
próprio Deus. Inclui uma garantia que está essencial, ou seja, individuar quais sejam as
além da dúvida, uma prova sem exceções. verdades em que precisamos crer para ser
Com um nome peculiar chama-se revelação, cristãos. Nosso filósofo chega à conclusão
ao passo que o nosso assentimento a ele que tais verdades se reduzem a uma funda
chama-se fé, determinando absolutamente mental: em crer que “Jesus é o Messias”, o
nossos espíritos e excluindo perfeitamente que eqüivale a dizer que “Jesus é filho de
toda hesitação, como faz o conhecimento. Deus” . Não é que, para Locke, todas as
E como não podemos duvidar de nosso ser, verdades do cristianismo se reduzam apenas
também não podemos duvidar que seja ver a esta; esta, porém, constitui o mínimo nú
dadeira a revelação que nos vem de Deus. De cleo veritativo que é necessário e suficiente
modo que a fé é um princípio estabelecido e crer para dizermo-nos cristãos. As outras
seguro de assentimento e segurança, que não verdades se acrescentam a esta ou a ela se
deixa lugar a dúvidas e hesitações. Devemos seguem.
apenas estar seguros de que se trata de uma Além disso, Locke de fato não negou
revelação divina e que nós a compreendemos no cristianismo nem a componente sobre
exatamente [...]”. natural, nem o mistério, e por isso o radi
Locke está convencido de que, em calismo deístico resulta substancialmente
última análise, a fé nada mais é que “um estranho a nosso filósofo. A Razoabilidade
assentimento fundamentado na mais elevada do cristianismo, assim como o Ensaio sobre
razão”. as epístolas de são Paulo, são, na realidade,
obras de exegese religiosa, com que Locke
conclui seu itinerário espiritual.
O Pós-escrito à Carta a Edward Stillin
2 A v e r d a d e fu n d a m e n ta l: gfleet, redigido por Locke no castelo de
p a r a d ize rm o -n o s cristão s Oates em janeiro de 1697, assim conclui:
“A Sagrada Escritura é, e será sempre, a
é p reciso c r e r q u e
guia constante de meu consentimento; e eu
“j j e s u s é o A ^ c s s i a s ” sempre lhe prestarei ouvidos, porque ela
contém a verdade infalível em relação a
coisas da máxima importância. Gostaria que
Freqüentemente se fez de Locke um se pudesse dizer que nela não há mistérios;
“deísta” ou um “pré-deísta”. Locke, po mas devo reconhecer que para mim existem,
rém, na Carta ao Reverendíssimo Edward e temo que sempre existirão. Onde porém
Stillingfleet, de 1697, rejeita com firmeza ser me falta a evidência das coisas, encontrarei
colocado ao lado dos deístas. fundamento suficiente para que eu possa
Na R azoabilid ad e do cristianism o crer: Deus disse isso. Condenarei, portanto,
(obra tão freqüentemente mal-entendida, e imediatamente e rejeitarei toda minha dou
que deu origem a uma série de polêmicas), trina, logo que me seja mostrado que ela é
Locke não pretendeu transformar o discurso contrária a qualquer doutrina revelada na
do cristianismo em um discurso racional: Escritura”.
fé e razão, para ele, permanecem âmbitos Esta era uma tomada de posição per
distintos. feitamente em harmonia com as premissas
O gnosiológicas do Ensaio sobre o intelecto
que é premente para Locke é en
tender a revelação e estabelecer seu núcleo humano.
Cãpítlilo (J u in tO - .Locke e cx fuKidaçâo do empirismo crítico
V . A s doutrirvas m o rais
e po líti c a s
E T I ST 0 L A
dc
rOLERANTIA
ad
ClariíTifnumViram
T. Á. % 7>. T .O .L .J.
Scripta à
LOCKE
O EMPIRISMO CRÍTICO
1. Retenção
/ InÉIA S co m plex a s: \
1. Modos: idéias de afecções das substâncias (espaço, duração, ações morais)-^— 2. Distinção
2. Substâncias: idéias de um substrato comum a idéias relacionadas (corpóreas, 3. Confronto
espirituais)
3. Relações: idéias de relações (causalidade, identidade, idéias morais) -4 4. Composição
A total idéia com plexa de uma coisa, designada pelo nom e desta última,
é a “essência” da própria coisa
G r a u s d l p e r c e p ç ã o f. d e c e r t e z a :
O co n h ec im en to
1. Intuição, evidência imediata (conhecimento da própria existên
cia): modo mais claro e mais certo de conhecimento é a percepção da ligação
2. D em onstração, por meio do raciocinar (conhecimento de Deus) e do acordo,
3. Sensação (conhecimento das coisas externas) ou do desacordo
e do contraste,
A aparência do acordo ou do desacordo entre as idéias
entre as idéias
é a probabilidade (cuja forma mais elevada é a fé)
110
_ Segunda parte - -Hobbes,, Locke, B e rk e le y e
1. fl idéia é o objeto do pensamento aguilo gue é, ê" e "C impossível gue a mesma
coisa seja e não seja"; os guais, entre todos os
Uma vez qu® todo homem está consciente
outros, creio gue tenham o título mais reconhe
de pensar, e uma vez que isso a que o seu es
cido para o inatismo. Cstes têm uma reputação
pírito se aplica enquanto pensa são as idéias
tão sólida de máximas universalmente aceitas,
que aí se encontram, está fora de dúvida que
gue sem dúvida se achará estranho gue alguém
os homens têm em seu espírito muitas idéias;
pareça colocá-las em dúvida. Permito-me, po
como, por exemplo, as expressas pelas pala
rém, dizer gue essas proposições estão muito
vras brancura, dureza, doçura, pensar, movi
longe de receber um assentimento universal,
mento, homem, elefante, exército, embriagueze
pois grande parte da humanidade nem seguer
assim por diante, fl primeira pergunta a ser feita
as conhece.
é, portanto: como lhe ocorrem tais idéias?
Sei gue é doutrina comumente admitida
gue os homens tenham idéias e características 4. As crianças e os idiotas
originárias estampadas em seu espírito desde ignoram os princípios especulativos que,
o primeiro momento de sua existência. Já exa portanto, não são inatos
minei difusamente esta opinião, e creio gue
aquilo que eu disse no Livro precedente será Com efeito, em primeiro lugar é evidente
mais facilmente aceito quando tiver mostrado gue as crianças e os deficientes não têm a
de onde o intelecto pode buscar todas as idéias mínima percepção ou pensamento o respeito
que tem e de que maneiras e graus elas podem destas proposições. C esta carência basta paro
chegar ao espírito: para isso apelarei ã obser destruir o assentimento universal gue deve
vação e à experiência de cada um. forçosamente ser a concomitante necessária
de todos as verdades inatas; parece-me guase
uma contradição dizer gue existam verdades
2. fls duas fontes
do conhecimento humano impressas na alma que elo não percebe ou
compreende: pois a impressão, caso signifique
Suponhamos pois gue o espírito seja por alguma coisa, não pode ser mais gue fazer com
assim dizer uma folha branca, sem gualguer gue certas verdades sejam percebidas. Imprimir
sinal, sem gualguer idéia. De gue modo chegará algo no espírito sem gue o espírito o perceba
a ser provido delas? De onde provém o vasto parece-me com efeito algo dificilmente inteligí
depósito gue a fantasia índustríosa e ilimitada vel. Se, portanto, as crianças e os deficientes
do homem traçou com uma variedade guase têm uma alma ou um espírito no gual existem
infinita? De onde se consegue todo o material estas impressões, eles devem inevitavelmente
da razão e do conhecimento? Respondo com percebê-las e necessariamente conhecer tais
uma só palavra: da experiência. Sobre ela verdades e dar-lhes seu assentimento; como
todo o nosso conhecimento se funda e dela por não o fazem, é evidente gue não existem tais
último deriva. Nossa observação, empregada impressões. Com efeito, se não são noções
tanto paro os objetos externos sensíveis, como naturalmente impressas, como podem ser ina
para as operações internas de nosso espírito tas? C se são noções impressas, como podem
gue percebemos e sobre as guais refletimos, ser desconhecidas? Dizer gue uma noção é
é aguilo gue fornece ao nosso intelecto todos impressa no espírito, e ao mesmo tempo dizer
os materiais do pensar. Cstas são as duas gue o espírito é ignorante dela e gue até o
fontes do conhecimento, das quais brotam momento jamais a percebeu, significa tornar
todas as idéias gue temos ou possamos ter esta impressão um nada. De nenhuma propo
naturalmente. sição se pode dizer gue ela esteja no espírito
enguanto o espírito jamais a tenha conhecido
ou jamais foi consciente dela. Caso se pudesse,
3. Os assim chamados princípios especulativos
do mesmo modo se poderia dizer gue todas as
não são objeto de consenso universal proposições gue são verdadeiras e às guais
Todavia, e isso é pior, este argumento do o espírito poderá dar seu assentimento estão
consenso universal, do gual nos servimos para já impressas no espírito; com efeito, coso se
provar os princípios inatos, a mim parece uma possa dizer de alguma proposição gue esteja
demonstração de gue não existem, posto que no espírito sem gue este a tenha jamais co
não há nenhum ao qual toda a humanidade dê nhecido, será apenas porgue ele é capaz de
um assentimento universal. Começarei pelos conhecê-la; e igualmente se pode dizer para
princípios especulativos e, na espécie, com os todas as verdades gue jamais conheceu nem
célebres princípios de demonstração. "Tudo jornais conhecerá, uma vez gue um homem
Segunda parte - -Hobbes, Locke, S e rk e le y e Hume
pode viver muito tempo 0 , por fim, morrer, ig provêm dos corpos que agem sobre nossos
norando muitas verdades que seu espírito era sentidos. Todo homem tem em si esta fonte de
capaz de conhecer, e com certeza. Por isso, se idéias; e embora não se trate de um sentido,
o capacidade de conhecer fosse a impressão pois nado tem a ver com os objetos externos,
natural de que se fala, todas as verdades que todavia é muito semelhante a ele e poderia
um homem viria a conhecer seriam inatas. O propriamente ser chamada de se n so interno.
que não é mais que um modo impróprio de se Mas assim como chamo o outra de sensação,
exprimir, o qual, enquanto pretende afirmar o chamo esta do reFiexão, pois os idéias que
contrário, nada diz de diverso dos que negam ela nos dá são apenas as obtidas pelo espí
os princípios inatos. Com efeito, não creio que rito quando reflete em si mesmo sobre suas
alguém tenha negado que o espírito seja capaz próprios operaçõos. Com reflexão entendo,
de conhecer muitas verdades, fl capacidade, portanto, na continuação deste discurso, a
dizem eles, é inata; o conhecimento é adquirido. informação que o espírito tem de suas próprias
Mas, então, que escopo tem a polêmica sobre operações e da maneira com que estas se
as máximas inatas? Se as verdades podem ser desenvolvem, motivo pelo qual vêm o estar no
impressas no intelecto sem ser percebidas, não intelecto as idéias destas operações. Digo que
vejo qual diferença possa haver, em relação à estos duas coisas, isto é, as coisas externas
sua orignem, entre toda verdade que o espírito materiais como objetos da sensação, 0 as ope
é capaz de conhecer: devem ser todas inatas rações de nosso espírito dentro de nós como
ou todas adventícias, e em vão se procurará objetos da reFiexão, são as únicas origens
distingui-las. das quais todas as nossos idéias têm início.
Cmprego o termo o p e ra çõ e s em sentido lato,
como compreendendo não só ações do espírito
a. fl sensação em torno das próprios idéias, mas também de
alguma espécie de paixão que por vezes delas
Cm primeiro lugar, quando nossos senti
nasce, como a satisfação ou a inquietude às
dos entram em relação com objetos sensíveis
quais um pensamento dá lugar.
particulares, transmitem ao espírito muitas per
cepções distintas das coisas, segundo os vários
modos em que tais objetos agem sobre nossos 5. Não há outra fonte de conhecimento
sentidos. C assim chegamos o ter as id é ia s do
am arelo, do branco, do quente, do Frio, do m a Não me parece que o intelecto tenha o
cio, do duro, do am argo, do doce e de todas mínimo indício d e uma idéia quo não lhe pro
as que chamamos de qualidades sensíveis. C venha de uma ou de outra destas duas fontes.
quando digo que os sentidos os transmitem ao Os o b je to s externos fornecem ao espírito os
espírito entendo que dos objetos externos eles idéias das qualidades sensíveis, que soo todas
transmitem ao espírito aquilo que nele produz as diversos percepções que eles produzem em
estas percepções. Chamo sensação esta grande nós; e o espírito fornece ao intelecto as idéias
fonte da maior parte das idéias que temos, que das próprios operações.
dependem inteiramente de nossos sentidos dos Quando tivermos examinado bem estas
quais o intelecto as deriva. idéias e seus vários modos [combinações e
relações], veremos que toda a nossa provisão
de idéias se reduz a elas e que não temos nada
b. fl reflexão em nosso espírito que nõo provenha o nós por
meio de um ou outro destes caminhos. Cxamine
Cm segundo lugar, a outra fonte da qual
cada um seus próprios pensamentos e indague
a experiência extrai as idéias que fornece ao
a fundo sobre seu próprio intelecto, e diga-me
intelecto é a percepção das operações de
depois se todas as idéias originárias que aí se
nosso espírito em nós mesmos, assim como é
encontram provêm de uma fonte diversa dos
aplicado às idéias que tem; operações que,
objetos de seus sentidos ou das operações
quando a alma reflete 0 as considera, forne
de seu espírito, considerados como objetos de
cem ao intelecto outro conjunto de idéias que
sua reflexão. Gpor maior qu© seja o massa dos
não poderiam ser obtidas das coisas externas.
conhecimentos que crê ter, ele verá, depois de
Tais são o perceber, o pensar, o duvidar, o
um rigoroso exome, que não há nenhuma idéia
crer, o raciocinar, o conhecer, o q u e re r e todas
em seu espírito que não tenha sido impressa
as diversas ações de nosso espírito; e como
por uma destas duas fontes.
nós mesmos somos conscientes delas 0 as
observamos, delas recebemos em nosso inte J. Locke,
lecto idéias igualmente distintas como as que d n s a io s o b r e o in te le c t o h u m a n o .
, .
Capitulo quinto - 3olv> L o ck e e a fundação do empirismo crítico
11 3
....
de seu operar são muito semelhantes no mundo Cm primeiro lugar, chamo de modos as
material e no intelectual. Com efeito, em ambos idéios complexas gue, embora compostas, não
os mundos os materiais são tais que ele não tem contêm em si o suposição de subsistir por si,
nenhum poder sobre eles nem paro fazê-los nem mos sõo considerados como dependências ou
para destruí-los e, portanto, tudo aquilo que pode afecções das substâncias: tais são as idéias
fazeré uni-los juntos ou justapô-los ou separá-los designadas pelas palavras triângulo, gratidão,
do todo. Começarei pelo primeiro destes atos ao homicídio etc. C peço desculpo se nisso uso a
considerar as idéias complexas, e tratarei os outros palavra “modo" em um sentido um tanto diver
dois no devido lugar. Uma vez que se observa so de seu significado ordinário; é, com efeito,
que as idéias simples existem unidas juntas em inevitável nos discursos gue diferem das noções
várias combinações, o espírito tem o poder de comumente recebidas ou cunhar novas po lavras
considerar diversas delas unidas juntas como ou fazer uso das palavras velhas em sentido
uma única idéia; e isso acontece não só enguanto novo. No coso presente, este último caso é
estão unidas nos objetos externos, mas tombém talvez o mais aceitável dos dois.
enquanto o próprio espírito as uniu. As idéias as- De modos, há duas espécies gue merecem
-sim compostas de várias idéias simples colocadas uma consideração à parte.
juntas, eu os chamo de complexos: tais são a bele Primeiro, alguns são simples variações ou
za, a gratidão, um homem, um exército, o universo; combinações diversas da mesma idéia simples,
as guais, embora sejam compostas de várias idéias sem a mistura de outros idéios: como uma dúzia
simples ou de idéias complexas por sua vez forma ou uma vintena, os guois não são mais gue os
dos por idéias simples, são todavia consideradas, idéias de outras unidades distintas adicionadas, e
guando o espírito o guiser, cada uma por si, como estas eu chamo de modos simples, enguanto es
uma coisa inteira e designada com um só nome. tão contidos nos limites de umo só idéia simples.
Nesta faculdade de repetir e conjugar as Segundo, há outros compostos de idéias
próprios idéias entre si, o espírito tem grande simples de várias espécies, colocadas juntas
poder de variar e multiplicar os objetos de seus para formar uma idéia complexa: por exemplo,
pensamentos, muito além daguilo gue lhe foi a beleza, gue consiste de certa composição de
fornecido pela sensação ou pelo reflexão; mas cor e de figuro gue causa prazer a guem o olho;
tudo se limita, porém, às idéias simples gue o furto, gue é a mutação clandestina na posse
ele recebeu daguelas duas fontes, gue são os de uma coisa gualguer, sem o consentimento
materiais últimos de cada composição suo. As do proprietário, e contém, como é evidente,
idéias simples provêm, com efeito, todas dos uma combinação de várias idéias de espécies
próprias coisas, e destas o espírito não pode diversos. Chamo a estes de modos mistos.
ter mais ou diferentes do gue as gue lhe foram Cm segundo lugar, as idéios de substâncias
sugeridas. Não pode hover outras idéias das são combinações de idéias simples das guais
gualidades sensíveis, exceto aguelas gue lhe se assume gue representem coisas particulares
vêm do exterior mediante os sentidos, nem distintas gue subsistem por si, e das guais a
guaisguer idéias de outra espécie de operações idéia presumida ou confusa de substância, seja
de umo substância pensante, exceto aguelas gual for, é sempre a primeira e o mais importan
gue encontro em si próprio. Mas, uma vez obti te. Assim [...] o combinação dos idéias de certa
dos as idéias simples, ele não está reduzido à espécie de figuro com os poderes do movimento,
simples observação e àguilo gue lhe é oferecido do pensamento e do raciocinar, unidas à subs
a partir do exterior; pode, com seu próprio poder, tância, forma o idéia comum do homem. Ora,
colocar juntas os idéias gue tem e assim formar há duas espécies de idéias também dos subs
novas idéias complexas, gue jamais hovio rece tâncias; uma, de substâncias singulares como
bido ossim unidas. existem separadamente, como de um homem
ou de uma ovelha; a outra de diversas destas
postos junto, como um exército de homens ou
b. Modos, substâncias, relações
um rebanho de ovelhas. C estas idéias coletivas
De gualguer modo gue sejam compostos de diversos substâncias colocadas juntos sõo,
ou decompostas, por mais infinito gue seja seu cada umo por si, idéias singulares como os de
número e sem limites sua variedade, gue ocupo um homem ou de umo unidade.
e empenho os pensamentos dos homens, creio Cm terceiro lugar, a última espécie de
gue as idéios complexos possam, todavia, ser idéias complexas é a gue chamamos de relação,
agrupadas nestes três setores; que consiste em considerar e confrontar uma
1. modos; idéia com outra.
2. substâncias; J. loche,
3. relações. Ç n s o io s o b r e o in te le c t o h u m o n o .
(Sapítulo sexto
C\eorge B e r k e le y :
o im aferialism o em fu n ç ã o
0
d e um a a p o lo e tica ren o v ad a
I. y \ v i d a e o s ig n ific a d o
d a obra de S e r k e le y
Londres, onde publicou os Três diálogos glaterra. Como recorda Bertrand Russell, é
entre Hylas e Pbilonous. Nesse trabalho, ele o autor do conhecido verso: “O caminho
verdadeira obra-prima da literatura em lín do Império começa do Ocidente” . Foi por
gua inglesa, retornam as teses do Tratado. causa desse verso que a cidade de Berkeley,
E Philonous, o imaterialista, defende pre na Califórnia, tomou o seu nome. Nos três
cisamente a teoria do imaterialismo contra anos que transcorreu em Rhode Island, onde
Hylas, defensor da realidade da matéria: comprou uma fazenda e construiu uma casa,
“Eu - diz Philonous - não sou da opinião de Berkeley escreveu o Alcifrone, publicado em
transformar as coisas em idéias, mas muito Londres em 1732.
mais as idéias em coisas, enquanto tomo Em 1734, Berkeley foi nomeado bispo
pelas próprias coisas reais aqueles objetos da pequena diocese de Cloyne, na Irlanda.
imediatos de percepção que, segundo vós, Dedicado à realização de obras filantrópicas
são apenas aparências das coisas”. e morais, permaneceu em Cloyne até poucos
Em Londres, Berkeley conheceu J. meses antes de sua morte, ocorrida em 1753.
Swift, também irlandês, que o apresentou à Uma epidemia que grassou entre 1739 e
corte e o fez conhecer o conde de Peterbo- 1740 constituiu a oportunidade para que o
rough. Na qualidade de capelão, Berkeley bispo Berkeley escrevesse e publicasse, em
acompanhou o conde em uma viagem que, 1744, a Siris, série de reflexões e pesquisas
em 1714, o levou a Paris, Lião e depois à filosóficas sobre as virtudes da água de al
Itália, até Livorno. Em 1716, Berkeley em catrão, e diversos outros assuntos ligados
preendeu uma segunda e longa viagem, que entre si e surgidos uns dos outros.
se encerrou em 1720. Nessa viagem, em que Durante o verão de 1752, Berkeley trans
acompanhava George Ashe, filho deficiente feriu-se para Oxford, onde morreu poucos
do bispo de Clogher, visitou novamente Pa meses depois, em 14 de janeiro de 1753.
ris, esteve em Turim, deteve-se em Nápoles Em 1871, foi publicado, póstumo, o relato
e depois realizou uma excursão pela Púglia; de sua viagem à Itália, intitulado Diário na
ficou em Ischia por quatro meses, passou Itália.
um inverno inteiro na Sicília e, em 1718,
foi para Roma.
Nesse período, escreve em latim o De
motu, contra a interpretação substancialista
da teoria de Newton. E a ocasião para a
elaboração dessa obra foi a participação
em um concurso promovido pela Academia
da França.
No outono de 1720 retornou a Lon
dres. Doutorou-se em teologia em 1721
e, depois de ter ensinado teologia, grego e
hebraico no Trinity College de Dublin, foi
nomeado decano da catedral de Derry.
Nesse período, ele concebeu o projeto
de fundar um colégio nas ilhas Bermudas,
com o objetivo de evangelizar os “selva
gens” da América. Sua idéia era a de que a
Europa já estava condenada a uma inevitável
decadência moral. Assim, a civilização e a
religião só iriam sobreviver se as pessoas es
tivessem em condições de levá-las aos povos
jovens. Como Esther Vanhomrigh (chamada
“Vanessa”, mulher amada por Swift) lhe
deixasse metade de seus bens, Berkeley, per
suadido de que havia convencido a todos da
Cieorge B erkeley ( 16S5-1 75 ■>) é, a o m esm o tem po,
validade do seu projeto, partiu da Inglaterra o mais p a ra d o x a l e o m ais p rofu n d o
para a América em 1728. Ficou três anos em d os em piristas ingleses.
Rhode Island, à espera dos subsídios que Sua m áxim a “esse est percipi"
lhe haviam sido prometidos. Mas estes não m arcou um a etap a fun dam en tal
chegaram, e assim em 1731 ele voltou à In na história da g n osiolog ia con tem p orân ea.
C d p t t u lo S e x to - ÚÀeorge S e rk e le y : o ima+erialismo em fu n ç ã o apologéfica
• Por conseguinte, não existem idéias abstratas; não existe, por exemplo, a
idéia de "homem": o "homem" é apenas uma palavra, enquanto nossas sensações
- nossas idéias - se referem sempre e apenas a um homem particular.
Existem certamente idéias gerais, as quais são porém idéias
particulares usadas para representar outras idéias afins a elas; as O nominalismo
idéias abstratas são portanto ilusões perigosas, porque induzem de Berkeley
a criar substâncias independentes de nossas sensações. § 3~5
Nisso consiste o nominalismo de Berkeley, para o qual existe
apenas aquilo que e enquanto é percebido; e, uma vez que per
cebemos apenas nossas idéias ou sensações, é inútil falar de coisas que estariam
além de nossas percepções.
“homem”, mas este homem; nós não temos sentando-se constantemente juntas, fazem
a sensação da “co r”, mas desta cor, que tem emergir a idéia de casa, de homem, de rio
esta tonalidade; e, da mesma forma, nós não ou de extensão.
ouvimos o som, mas este som.
E toda sensação, precisamente, é singu
lar e não abstrata. Eu não posso ter a idéia 5 (So n se q ü e n e ia s
de triângulo se não penso simultaneamente
em um triângulo escaleno, em um triângulo d o n o m in alism o d e B e r k e l e y
isóscele ou em um triângulo eqüilátero. E o
“homem” é apenas uma palavra: nossas sen
sações, imaginações ou recordações — isto As idéias abstratas, portanto, devem
é, nossas idéias — dizem respeito sempre a ser rejeitadas porque alimentam a crença em
um homem particular. substâncias existentes independentemente de
Concluindo, as idéias abstratas são nossas sensações e que constituiriam suas
ilusões. E ilusões perigosas, já que induzem causas. Aí está a razão daquela “estranha
a ontologizar, ou seja, a “criar” substâncias mente difundida opinião” de que “as casas,
ou substratos para além de nossas sensações. as montanhas, os rios, em suma, todos os
Impelem-nos a conceber mundos fantásti objetos sensíveis têm uma existência, real ou
cos de essências (“o homem”, “a co r”, “os natural, distinta do fato de serem percebidos
corpos m ateriais” etc.), que presumimos pelo intelecto”, enquanto, na realidade, cada
serem reais. uma destas coisas existe apenas enquanto é
percebida.
Admitindo que todo o nosso conhe
4 O n o m in a lism o d e B e r k e l e y cimento consiste de sensações, torna-se
evidente que o critério para dizer se uma
coisa existe é que ela seja percebida. Não há
Esta é, portanto, uma forma de nomi percepção a partir do nada. Nós só perce
nalismo bastante acentuada. bemos nossas idéias ou sensações. Portanto,
Em suma: nós conhecemos somente é vão falar de cópias materiais que estão
idéias; estas coincidem com as impressões além de nossas percepções. Como também
dos sentidos; as impressões dos sentidos é vão falar de substâncias não perceptíveis
são sempre singulares, ou seja, concretas expressas por idéias abstratas, substâncias
e individuais; conseqüentemente, a teoria que constituiriam o substratum das nossas
lockiana da abstração está equivocada; e sensações. Nosso conhecimento é feito de
trata-se de um erro grave, pois gera a ilusão sensações; a mente percebe sensações e as
de que existem substâncias, essências ou, combina.
de todo modo, coisas para além das nossas Não vai além delas, nem pode ir.
percepções, como substratos delas.
Na realidade, as idéias abstratas são
ilusões; toda idéia é particular.
E só quando tomamos uma idéia par
6 f a l s a a dis+in ção
ticular e a usamos para representar todas en+re q u a lid a d e s p r im á ria s
aquelas idéias que a ela se assemelham é e q u a l i d a d e s s & c iA n d á n a s
que, então, chamamos tal idéia particular
de geral. M as uma idéia geral não é de
modo algum uma idéia abstrata, isto é, uma Se as idéias abstratas são errôneas e pe
idéia que deveria prescindir de cada uma e rigosas, não menos errônea e perigosa é a
de todas as características perceptíveis por distinção entre qualidades primárias e qua
nossos sentidos. lidades secundárias. Diz Berkeley: “Com as
N ós não conhecem os o “hom em ” , primeiras, (alguns) indicam a extensão, a
mas apenas este ou aquele homem; não forma, o movimento, a quietude, a solidez
conhecemos a “extensão”, mas sempre esta ou impenetrabilidade e o número; com as
ou aquela coisa extensa; não conhecemos segundas, denotam todas as outras quali
a “casa”, mas sempre esta ou aquela casa dades sensíveis, como as cores, os sons, os
e assim por diante. A realidade é que, de sabores etc.”
quando em vez, nós temos sensações dis Pois bem, aqueles que afirmam tal
tintas, concretas e individuais, que, apre distinção a entendem no sentido de que as
Segunda parte - -Hobbes, Locke/ Se^ k eley e 'Hume
idéias que temos das qualidades secundárias rial’, veremos que eles reconhecem que não
(cores, sabores, sons etc.) não são idéias de podem vincular a esses sons nenhum outro
coisas externas à nossa mente, enquanto significado senão o da idéia de ser em geral,
dizem que “as nossas idéias das qualida juntamente com a noção relativa de que esse
des primárias são exemplares ou modelos ser sustenta acidentes”.
de coisas que existem fora da mente, em Entretanto, contra-ataca Berkeley, “a
uma substância privada de pensamento idéia geral de ser parece-me mais abstrata
que se chama ‘matéria’ ”. Por conseguinte, e incompreensível do que qualquer outra.
comenta Berkeley, “por ‘matéria’ devemos Quanto ao fato de ele sustentar acidentes,
entender uma substância inerte e privada de como acabamos de observar, não se pode en
sentido, na qual subsistiram atualmente a tender isso no sentido comumente atribuído
extensão, a forma, o movimento etc.”. a essa palavra; deve-se portanto entendê-lo
Com o se vê, portanto, à distinção em algum outro sentido, que eles não expli
entre qualidades secundárias e primárias cam qual seja. Desse modo, examinando as
está ligada a idéia de matéria distinta e duas partes ou ramos que constituem o sig
existente independentemente do espírito nificado das palavras ‘substância material’,
que a percebe. estou convencido de que não há nenhum
Todavia, na opinião de Berkeley, a significado distinto relacionado com elas”.
existência de matéria independente da mente E mais: “Por que devemos nos preo
constitui a base do materialismo e do ateís cupar ainda em discutir esse substratum ou
mo, já que, admitida a existência da matéria, sustentáculo material da forma, do movi
não é nada difícil reconhecê-la — contraria mento etc.? Será que isso não implica que
mente ao que pensavam Descartes, Newton forma e movimento teriam uma existência
e aqueles que neles se baseavam — como fora da mente? E não será essa uma contra
infinita, imutável e eterna. De modo que dição imediata totalmente inconcebível?”
é exatamente na negação da existência da Não há, portanto, distinção entre qua
matéria independente do espírito que deve lidades secundárias e primárias. Tanto umas
insistir uma apologética nova, combativa e como outras estão na mente. E a expressão
adequada aos novos tempos. E é precisa “substância material” é simplesmente pri
mente isso que faz Berkeley. vada de sentido.
7 C-ríii c a d a id é ia 8 y\ e x i s t ê n c i a d a s id é i a s
d e “s u b s t â n c i a m a t e r i a l ”
palavras, eu não estou indicando nenhuma pressões desse gênero. Porque, para mim, é
idéia minha, mas uma coisa diferente de to inteiramente incompreensível aquilo que se
das as minhas idéias e na qual elas existem, diz da existência absoluta de coisas que não
ou seja, pela qual elas são percebidas, o que pensam, sem qualquer referência ao fato de
significa a mesma coisa, pois a existência de que são percebidas. O esse das coisas é um
uma idéia consiste em ser percebida”. percipi. E não é possível que elas possam ter
uma existência qualquer fora das mentes ou
das coisas pensantes que as percebem”.
9 A n á lis e sem â n tica
d o t e r m o "sey-"
e red u ção d este IO,# T o d a c o i s a q u e e x i s t e ,
a o "s e i* p e r c e b i d o " e x i s t e a p e n a s e m u m a m e n te :
sem e la n ão possui
nenkw m a su b sistê n cia
E assim chegamos ao grande princí
pio, segundo o qual o esse das coisas é um
percipi. Nós só podemos dizer que uma coisa
A prova que ele apresenta para uma tese existe porque a percebemos: sua existência
de tão grande peso consiste em outra análise consiste e se reduz ao seu ser percebida.
semântica, em torno da palavra “existir”, Esta, sentencia Berkeley, é uma ver
quando aplicada a objetos sensíveis. dade imediata e óbvia: “ [...] toda a ordem
Eis as precisas palavras de Berkeley: dos céus e todas as coisas que enchem a
“Digo que a mesa sobre a qual escrevo terra, em suma, todos aqueles corpos que
existe, isto é, que a vejo e a toco. E se ela formam a enorme base do universo não têm
estivesse fora de meu escritório, diria que nenhuma existência sem uma mente, pois
existe, entendendo dizer que poderia per o seu esse consiste em serem percebidos
cebê-la se estivesse no meu escritório ou ou conhecidos. Por conseguinte, enquanto
então que há algum outro espírito que a não são percebidos atualmente por mim,
percebe atualmente. Havia um odor, isto ou seja, enquanto não existem na minha
é, era sentido; havia um som, isto é, era mente nem na de qualquer outro espírito
ouvido; havia uma cor ou uma forma, isto criado, eles de fato não existem, ou, caso
é, era percebida com a vista ou com o tato contrário, existem na mente de algum Es
— eis tudo o que posso entender com ex pírito Eterno” . [T]
Segunda pãTte - -Hobbes/ .Locke, B erk ele y e H ume
— III. D e u s =
e a s ^leis d a natui^eza^
O espírito • Aquilo que não pode ser representado por nenhuma idéia
humano é o espírito humano, o qual, enquanto percebe idéias, é intelecto,
é intelecto ao passo que, enquanto produz idéias, é vontade. Ora, as idéias
e vontade percebidas atualm ente, que são particularmente fortes, vivazes,
-§7-2 ordenadas e coerentes, não são criações da vontade humana: elas
são produzidas por outra vontade, isto é, por outro espírito, e
precisamente por um Autor sapiente e benévolo.
"leis Em última análise, portanto, é Deus a razão que explica
de natureza" a estabilidade, a ordem e a coerência das idéias, é Deus quem
- 5 3 suscita em nós as idéias segundo regras fixas que são chamadas
leis de natureza. O funcionamento coerente e uniforme de nos
sas idéias, dirigido à conservação de nossa vida, revela a bondade e a sabedoria
de Deus.
Na realidade, diz ele, “qualquer que condições de regular nossas ações segundo
seja o poder que tenho sobre meus pró as necessidades da vida. Sem essa capaci
prios pensamentos, considero que as idéias dade, estaríamos continuamente à beira do
percebidas atualmente pelos sentidos não precipício: não poderíamos nunca saber
dependem no mesmo modo de minha von como usar alguma coisa de modo a nos
tade. Quando abro os olhos em plena luz dar ou retirar a mínima dor sensorial. Não
do dia, não posso escolher entre ver ou não poderíamos saber que o alimento nutre, que
ver, nem determinar que objetos devem se o sono restaura, que o fogo esquenta, que
apresentar precisamente à minha vista. E o semear no tempo da semeadura é o único
mesmo ocorre com a audição e os outros modo de colher o cereal no tempo da colhei
sentidos: as idéias neles impressas não são ta ou, em geral, que estes ou aqueles meios
criações da minha vontade. Assim, há algu levam a obter estes ou aqueles resultados.
ma outra vontade, ou seja, outro espírito, Nós sabemos tudo isso não porque descobri
que as produz ”. mos alguma relação necessária entre nossas
As idéias percebidas atualmente pelos idéias, mas somente porque observamos
meus sentidos não dependem de minha as leis estabelecidas pela natureza, sem as
vontade. Portanto, elas são produzidas por quais ficaríamos todos incertos e confusos,
outra vontade. e um adulto não saberia comportar-se na
Mas isso não basta. vida cotidiana melhor do que uma criança
Com efeito, “as idéias dos sentidos são recém-nascida”.
mais fortes, mais vivas e mais distintas do Nossas idéias, portanto, não estão ar
que as idéias da imaginação; ademais, elas mazenadas em prateleiras em nossa mente.
têm estabilidade , ordem, coerência. Não Elas exibem “um funcionamento coerente e
são suscitadas por acaso, como ocorre fre uniforme”, orientado para a conservação da
qüentemente com as causadas pela vontade vida. Nosso conhecimento é instrumento de
humana, mas sim mediante processo regular, conservação da vida. E tal funcionamento
ou seja, em uma série ordenada” . coerente e uniforme das idéias, na opinião
Pois bem, de onde provêm essa esta de Berkeley, “mostra com toda a evidência
bilidade, essa ordem e essa coerência de a bondade e a sabedoria daquele Espírito
idéias não suscitadas por acaso? Qual é a regente, cuja vontade constitui as leis da
sua razão? natureza”. E nós, no entanto, ao invés de
nos orientarmos em sua direção, ficamos
vagueando em busca de causas segundas.
3 A s leis d a n a t u r e z a
s ã o a s r e g r a s fix a s
co m a s q u ais D e u s
4 A re a lid a d e p a r a B e r k e le y
p e .^ m a n e .c e . c o m o a n t e s ,
p ro d u z em nós a s id éias
m a s d iversam en te
in te rp re tad a
A essas interrogações, cruciais para seu
sistema filosófico, Berkeley responde que “a
admirável conexão dessa [série ordenada de Com tudo isso, Berkeley não pretende
idéias] demonstra por si só a sabedoria e a retirar nada da riqueza, da vivacidade e da
benevolência de seu Autor. E as regras fixas, realidade da natureza: “Tudo aquilo que
os métodos segundo os quais a Mente da vemos, que tocamos, que ouvimos ou que,
qual dependemos suscita em nós as idéias de algum modo, concebemos e entendemos,
dos sentidos, são chamadas ‘leis da nature continua firme como antes; existe uma re-
za’. E nós as captamos por meio da experiên rum natura e a distinção entre realidade e
cia, que nos ensina que estas ou aquelas quimeras conserva toda a sua força”.
idéias são acompanhadas por estas ou aque O mundo de Berkeley quer ser o mundo
las outras, no curso ordinário das coisas” . de sempre, o mundo que experimentamos e
Portanto, é Deus a razão que explica no qual nos cabe viver todos os dias.
a estabilidade, a ordem e a coerência das O que ele nega é unicamente aquilo
idéias; é Deus quem suscita em nós as idéias, que “os filósofos chamam de matéria ou
segundo regras fixas. E “isso nos dá certa substância corpórea” . M as, cortando-se a
capacidade de previsão, que nos coloca em matéria ou substância corpórea, a humani
Segunda parte - t-lobbes, Locke, B erk ele y e Hume
dade não sofre danos nem seus sofrimentos chamamos objetos naturais teriam uma vida
aumentam. A negação da matéria não empo aos pedaços, “saltando” de repente para a
brece a vida, pois os homens nem ao menos existência quando nós os olhamos. E Russell
perceberão aquilo que é negado. O objetivo transcreve uma quadrinha com resposta, de
que se alcança ao negar a matéria é somente Ronald Knox, que expõe a teoria de Berke
o de fazer com que o ateu não poderá mais ley sobre os objetos materiais, com refinado
justificar e sustentar “sua impiedade”. sabor irônico-maiêutico:
Claro, porém, que também para Berke
ley existem as mesas, as casas, as praças, os Pasmava um dia um mocho:
jardins com as plantas, os rios e as mon “Certo Deus acha bem tolo
tanhas. O que, porém, não existe, em sua que aquele pinheiro ainda exista
opinião, é a substancialidade material deles. se não há ninguém à vista”.
Bertrand Russell observa que Berkeley
sustentava que os objetos materiais só exis RESPOSTA: “Muito tolo, meu senhor,
tem à medida que são percebidos. Pode-se é somente o teu estupor.
objetar contra essa idéia que, se isso fosse Pois nem pensaste que, se
verdadeiro, uma árvore deixaria de existir aquele pinheiro sempre existe,
quando ninguém a olhasse. M as Berkeley é porque o olho eu,
responde que Deus sempre vê tudo e que, se que te saúdo e sou
não houvesse nenhum Deus, aqueles que nós Deus.”
TREATISE
Concerning the
PRINCIPLES
or
Human JÇrunsdege.
P A R T i.
BERKELEY
'ESSE EST PERCIPI'
Deus,
Espírito onipotente,
é a mente e a vontade
das quais dependem
/ \
* X as “leis da natureza”,
o espírito hum ano,
isto é, a estabilidade, a ordem
única substância ou suporte no
e a coerência das
qual possam existir entes que
não pensam, isto é, as idéias;
suas faculdades são
a vontade: o intelecto:
produção de percepção de
Da combinação constante
ou da coexistência habitual de algumas idéias \
se produzem \
i
as “coisas” /
\ que consistem apenas em seu
ser-percebidas
i
A ________________ _
“ E s s e e s t p e r c ip i” :
Conseqüências diretas:
1) não existem as idéias abstratas
2) não existem as qualidades primárias dos corpos
3) não existe a substância material, e é vão falar da existência de “coisas”
externas à mente
Segunda pavte - -Hobbes, .Locke, 13e^keley e -Hume
este princípio, todavia, quem quiser pô-lo em nenhuma subsistência sem uma mente, e seu
dúvida se dará conta (se não me engano) que esse consiste em serem percebidos ou conhe
ele implica uma contradição evidente. Com cidos. C, por conseguinte, enguanto não são
efeito, o que são, digam-me, os objetos acima percebidos atualmente por mim, ou seja, não
elencados senão coisas gue percebemos com existem em minha mente nem na de gualguer
o sentido? C o gue podemos perceber além de outro espírito criado, de fato não existem, ou
nossas próprias idéias ou sensações? € não é, então subsistem na mente de algum Cspírito
por outro lado, contraditório gue gualguer uma Cterno: pois seria absolutamente incompreen
destas, ou qualquer combinação destas, possa sível, e levaria a todas as obsurdidodes do
existir sem ser percebida? abstração atribuir a gualguer parte do univer
so uma existência independente de gualguer
espírito. Para dar a isso a evidencia luminosa
3. Rs idéias abstratas são ilusórias
de verdade axiomática, parece suficiente gue
1. Se examinarmos acuradamente este eu procure provocar a reflexão do leitor, a fim
principio, veremos talvez que ele depende no de gue ele considere desapaixonadamente o
fundo das idéias abstratas. Com efeito, pode significado [das palavras gue emprega] e dirija
existir um esforço de abstração mais elegan diretamente a este problema seu pensamento,
te do gue aguele gue consegue distinguir a livre e desembaraçado de todo estorvo de pa
existência de objetos sensíveis do fato de gue lavras e de toda prevenção em favor de erros
eles sejam percebidos, de modo o pensar gue comumente aceitos.
eles não sejam percebidos? O gue são a luz 3. Disso gue foi dito aparece evidente
e as cores, o guente e o frio, a extensão e as gue não existe outra substância além do "es
formas, em uma palavra, tudo aguilo gue vemos pírito", ou seja, daguilo gue percebe. Mas,
e tocamos, senão sensações, noções, idéias ou para melhor demonstrar isso, observemos que
impressões do sentido? € é possível separar, as qualidades sensíveis são a cor, a forma,
ainda gue mentalmente, gualguer uma delas o movimento, o odor, o sabor etc.; isto é, as
da percepção? Quanto a mim, acho muito difícil idéias percebidas com o sentido. Ora, é evi
separar uma coisa de si própria. Com efeito, dente a contradição de uma idéia que exista
posso dividir em meus pensamentos, ou seja, em um ser gue não percebe, pois ter uma idéia
conceber separadas uma da outra, certas coi é o mesmo gue perceber; portanto, aguilo em
sas gue talvez jamais tenha percebido com o que existem cor, forma etc. ele deve perceber.
sentido divididas de tal modo. flssim, imagino C, portanto, evidente que não pode existir uma
o busto de um homem sem as pernas, assim substância que não pense, um substratum de
concebo o perfume de uma rosa sem pensar tais idéias.
na rosa. Não negarei gue seja possível abstrair 4. Contudo, direis, mesmo que as próprias
até este ponto: caso se possa corretamente idéias não existam fora da mente, pode todavia
chamar de "abstração" um ato gue se limita haver coisas semelhantes a elas gue existam
exclusivamente a conceber separadamente fora da mente em uma substância gue não
certos objetos gue podem realmente existir pensa e das guais as idéias seriam cópias ou
separados, ou então ser efetivamente perce semelhanças.
bidos separadamente. Todavia, meu poder de Respondo gue uma idéia não pode ser
concepção ou de imaginação não vai além da semelhante a outra coisa senão a uma idéia;
possibilidade real de existência ou de percep uma cor ou forma não pode ser semelhante
ção: portanto, uma vez gue me é impossível ver a outra coisa que a outra cor e a uma outra
ou tocar algo se não sinto atualmente a coisa, forma. Basta que olhemos um pouco dentro de
também me é impossível conceber em meus nosso pensamento para ver que nos é impos
pensamentos uma coisa ou objeto sensível sível conceber uma semelhança que não seja
distinto da sensação ou percepção dele. Na semelhança entre nossas idéias. Novamente,
realidade, objeto e sensação dele são a mesma pergunto se tais supostos originais, ou seja, as
e idêntica coisa, e não podem, portanto, ser coisas externas, das guais nossas idéias seriam
abstraídos um do outro. retratos ou representações, sejam elas próprias
2. Certas verdades são tão imediatas perceptíveis ou não. Se forem perceptíveis, são
e óbvias para a mente gue basta abrir os idéias: e venci a causa. Se dizeis gue não são,
olhos para vê-las. Cntre estas creio gue esteja apelo ao primeiro gue chegar para gue diga se
também o verdade importante de gue toda a é bom senso afirmar gue uma cor é semelhan
ordem dos céus e todas as coisas gue enchem te a algo invisível, gue o duro e o macio são
a terra, de gue enfim todos os corpos gue for semelhantes a algo gue não se pode tocar, e
mam a enorme construção do universo não têm assim por diante.
S c g U f td ú l p ã r t e - ■Hobbes/ Locke, B e rk e le y e H ume
ramos que constituem o significado das palavras isso, por sua própria confissão, mais próximos
"substância material", estou convicto de que não de saber como sejam produzidas nossas idéias,
há nenhum significado distinto ligado a elas. pois também eles reconhecem ser incapazes de
Mas, por que deveríamos nos preocupar ainda compreender como o corpo age sobre o espírito,
em discutir este substratum ou sustentação ou seja, como ele possa imprimir na mente uma
material da forma e do movimento etc.? Isso idéia qualquer. Disso torna-se evidente que a
não implicaria talvez que formas e movimento produção de idéias ou sensações em nossas
tenham uma existência fora da mente? € não mentes não pode constituir uma boa razão
seria esta uma contradição imediata, inteira para supor que existam a matéria ou substân
mente inconcebível? cias corpóreas, dado que se reconhece que tal
3. Mas também se fosse possível a produção permanece igualmente inexplicável
existência de substâncias sólidas, dotadas também aceitando essa hipótese. Portanto, se
de forma e de movimento, fora da mente, em também fosse possível que os corpos existissem
correspondência com as idéias que temos dos fora da mente, sustentá-lo seria ainda, forço
corpos, como nos seria possível saber disso? samente, uma opinião muito incerta, pois ela
Deveríamos conhecê-lo por meio dos sentidos implica, sem nenhuma razão, que Deus tenha
ou então por meio da razão. Quanto a nossos criado inumeráveis seres que são totalmente
sentidos, por meio deles temos conhecimento supérfluos e não servem para nada.
apenas de nossas sensações, ou idéias, ou 5. Cm poucas palavras, também se exis
coisas percebidas imediatamente pelo sentido, tissem corpos externos, jornais seria possível
como queiram chamar. Mas os sentidos não nos chegar a conhecê- los, e se não existissem tería
informam sobre o existência de coisas fora da mos as mesmas e idênticas razões que temos
mente, ou seja, não percebidas, semelhantes agora para crer que existam. Suponhamos (e é
às que são percebidas. Também os materialistas uma suposição que ninguém negará que seja
reconhecem isso.4 plausível) uma inteligência privada do auxílio de
Se quisermos, portanto, admitir algum corpos externos, que seja afetada pela mesma
conhecimento de coisas externas, resta apenas sucessão de sensações ou idéias que tendes,
atribuí-lo à razão que inferiria a existência delas impressas na mesma ordem e com igual vivaci
daquilo que é percebido imediatamente pelo dade em sua mente. Pergunto se para crer na
sentido. Mas não vejo qual razão posso induzir- existência de substâncias corpóreas, que são
nos a crer, com base naquilo que percebemos, representadas pelas suas idéias e suscitam
na existência de corpos fora da mente, pois os estas em sua mente, este intelecto não teria
próprios sustentadores da matéria5 não preten todas as razões que podeis ter para crer a mes
dem que haja uma ligação necessária entre os ma coisa. Não pode haver dúvida sobre isto: e
corpos e nossas idéias. Digo que é reconhecido bastaria esto consideração para que em todo
por todos (e o prova para além de toda discus homem razoável surgisse uma suspeita sobre
são aquilo que acontece nos sonhos, na loucura o valor real de qualquer prova que ele creia ter
e semelhantes) que seria possível que rece do existência de corpos fora da mente.
bêssemos todas as idéias que agora temos,
mesmo que não houvessem corpos existentes 6. Deus e as "leis de natureza"
no exterior, que a elas se assemelhassem, é
evidente, portanto, que a hipótese de corpos 1. Penso poder suscitor à vontade idéias
externos não é necessária para a produção de em minha mente, variando e mudando a cena
nossas idéios, pois é reconhecido que algumo todas as vezes que creia oportuno. Basto que
vez estas são produzidas (e seria possível que rer, e eis que imediatamente esta ou aquela
fossem sempre produzidas, na mesma ordem na idéia surge em minha fantasia; e pelo mesmo
qual as vemos presentemente) sem o concurso poder é cancelada e deixo lugar a outra. Cste
de corpos externos. fazer e desfazer idéias torna' apropriado qua
4. Podemos, todavia, pensar que também lificar a mente como ativa. Tudo isto é certo e
se fosse possível ter todas as nossas sensações fundado sobre a experiência: ao passo que
sem eles, seria mais cômodo conceber e explicar quando falamos de agentes que não pensam
seu modo de produzir-se supondo corpos exter ou de idéias suscitadas independentemente
nos semelhantes o elas, e assim seria ao menos
provável que haveria entes como [seriam] os
corpos para suscitar os idéias deles em nossas ''Para Berkeley é "m a teria lista” quem crê que exista o
matéria. Com tol termo ho je em dia se indica quem crê que
mentes. Mas nem sequer isto se pode sustentar:
a p e n a s o m atéria exista.
porque mesmo que se concedam aos materia bfl referência é sem pre àquilo que locke sustenta no seu
listas seus corpos externos, eles não estão por Ensaio s o b r e o intelecto hum ano (livro II, cap. XXIII, § 16).
Segundã parte - -Hobbes, Locke/ B e rk e le y e -Hume
do vontade, nõo fazemos mais que brincar com 5. Todavia, este funcionamento coerente
as palavras. e uniforme que mostra com tanta evidência a
2. Mas seja qual for o poder que tenho bondade e a sabedoria daquele Cspírito que
sobre meus pensamentos, penso que as idéias rege, cuja vontade constitui as leis de natureza,
percebidas atualmente pelos sentidos nõo de ao invés de guiar para ele nosso pensamento,
pendem do mesmo modo de minha vontade. o faz vaguear em busca de causas segundas.
Quando abro os olhos à plena luz do dia, não Com efeito, quando percebemos que certas
posso escolher ver ou não ver, nem fixar quais idéias do sentido sõo seguidas constantemente
objetos devam precisamente se apresentar por outras idéias e sabemos que isso não se
à minha visão, e o mesmo acontece para a dá por obro nossa, atribuímos imediatamente
audição e para os outros sentidos: as idéias a força de agir às próprias idéias e supomos
impressas neles não são criações de minha que uma seja causa da outra, enquanto não
vontade. Há, portanto, alguma outra vontade, pode haver nada de mais absurdo e incom
ou seja, outro espírito que os produz. preensível do que isso. Assim, por exemplo,
3. As idéias do sentido são mais fortes, tendo observado que quando percebemos
mais vivazes, mais distintas do que as da ima com a visõo certa figura luminoso e redonda,
ginação: além disso, elas têm estabilidade, or percebemos contemporaneamente com o tato
dem, coerência. Não são suscitadas por acaso, a idéia ou sensação chamada "calor", disso
como freqüentemente ocorre para as causadas concluímos que o sol é o causa do color. Do
por vontades humanas, mas com um processo mesmo modo, percebendo que o movimento e
regular, ou seja, em uma série ordenada. A o choque dos corpos é acompanhado por um
admirável ligação desta demonstra por si a som, somos inclinados a pensar que este seja
sabedoria e a benevolência de seu Autor. Ora, efeito daquele.
as regras fixas, os métodos segundo os quais 6. As idéias impressas nos sentidos pelo
a Mente da qual dependemos suscita em nós Autor da natureza sõo denominadas "coisas re
as idéias do sentido, são chamadas "leis de ais", ao passo que as suscitadas na imaginação,
natureza"; e nós aprendemos estas por meio por ser menos regulares, menos vividas e menos
da experiência que nos ensina que estas ou constantes, sõo chamadas mais precisamente
aquelas idéias sõo acompanhadas por estas de "idéias", ou seja, "imagens de coisas" que
ou aquelas, no curso ordinário das coisas. elas copiam e representam. Mas de todo modo
4. Isto nos dá certa capacidade de previ nossas sensações, mesmo que não sejam tõo
são, que nos habilita a regular nossas ações vividas e distintas, são todavia “idéias", isto é,
segundo as necessidades da vida. Sem esta existem na mente ou são percebidas por ela
capacidade estoríamos continuamente em em tão realmente como as idéias devidas à própria
baraço: não poderíamos jamais saber como usar mente. Reconhecemos que as idéias do sentido
qualquer coisa de modo que nos desse ou nos têm em si maior realidade, isto é, são mais
tirasse a mínima dor sensorial. Que o alimento fortes, mais ordenadas, mais coerentes do que
nutre, que o sono restaura, que o fogo aquece, os criadas pela mente: mas isso nõo prova que
que semear no tempo da semeadura é o único elas existam sem a mente. Cias são tombém
modo para colher o grão no tempo do colheita; menos dependentes do espírito ou substân
em geral, que estes ou aqueles meios levem cia pensante que as percebe, enquanto são
a obter estes ou aqueles resultados, tudo isto suscitadas pela vontade de outro espírito mais
nós o sabemos não porque descobrimos alguma poderoso: todavia, elas são sempre "idéias" e
relação necessária entre nossas idéios, mas certamente nenhuma "idéia", seja fraca ou forte,
apenas porque observamos as leis estabeleci pode existir em outro lugar a nõo ser em uma
das da natureza, sem as quais estoríamos todos mente que a percebe.
incertos e confusos, e um adulto não soberia se G. Berkeley,
comportar na vido quotidiana melhor que um Trotado sobre os princípios
bebê recém-nascido. do conhecimento humano.
( Z -a p í tulo sétimo
D a v i d *H u m e
e o e p ílo g o i^ a c io r v a lis fa d o em p iH sm o
------- I. y \ v i d a .—
e a s o b r a s d e "Hume
1) a semelhança-,
2) a contigüidade no tem po e no espaço;
3) causa e efeito.
Para provar a validade de cada idéia complexa da qual se discute, portanto,
é necessário acrescentar a relativa impressão.
• Hume aceita a tese de Berkeley segundo a qual todas as idéias gerais são
simplesmente idéias particulares conjugadas a certa palavra e representando
outras idéias individuais semelhantes: as idéias gerais se formam
O nominalismo por causa do hábito, o qual faz com que, ao ouvir determinado
humiano: nome, se desperte em nossa memória uma das idéias particulares
"relações designadas com aquele nome.
entre idéias" Os objetos presentes à mente humana pertencem a dois
e "dados gêneros:
de fato" 1) relações de idéias, isto é, todas as proposições que, base
-* 5 5-6
adas sobre o princípio de não-contradição, limitam-se a operar
sobre conteúdos ideais;
2) dados de fato, isto é, todas as proposições que não implicam uma necessi
dade lógica e parecem fundadas sobre a relação de causa e efeito.
as idéias entre si de vários modos. Esta, diz os exemplos); a idéia de causa me suscita a
Hume, “é uma conseqüência evidente de de efeito e vice-versa (como, por exemplo,
divisão das idéias em simples e complexas: quando penso no fogo, sou inevitavelmente
onde quer que a imaginação perceba uma levado a pensar no calor ou então na fumaça
diferença entre as idéias, pode realizar uma que dele se desprende, e vice-versa).
separação entre elas” , e depois operar uma Desse modo, Hume conclui: “Esses são,
série de outras combinações. portanto, os princípios de união ou coesão
M as as idéias simples tendem a se entre as nossas idéias simples, que, na imagi
agregar entre si em nossa mente não so nação, ocupam o lugar da conexão indisso
mente segundo o livre jogo da fantasia, mas lúvel, com a qual estão unidas na memória”.
também segundo um jogo bem mais com Por conseguinte, para provar a vali
plexo, baseado em alguns princípios que se dade de cada idéia sobre a qual se discute é
mostram conformes em todos os tempos e necessário apresentar sua relativa impressão.
em todos os lugares. No caso das idéias simples isso não suscita
problemas, pois, como já vimos, não pode
estar presente em nós nenhuma idéia simples
4 O p rin cíp io sem que tenhamos experimentado sua im
d a a s s o c i a ç ã o d a s id é ia s pressão correspondente. No caso das idéias
complexas, isso já constitui um problema,
devido à sua gênese múltipla e variada. E é
Existe entre as idéias uma “força” (que, exatamente sobre elas que se concentrará o
de certa forma, recorda a força de gravitação interesse de nosso filósofo.
newtoniana, que une entre si os corpos físi Hume torna sua a distinção lockiana
cos, ainda que de caráter diferente), expressa geral das idéias em idéias de substância, de
pelo princípio da associação, que Hume des modos e de relações, mas vai muito além de
creve na seguinte passagem, com toda razão Locke em sua análise crítica, como veremos
transformada em clássica: “Este princípio mais adiante.
de união entre as idéias não pode ser con
siderado como uma conexão indissolúvel:
com efeito, esse tipo de ligação já excluímos ,5 7 “\ n e g a ç ã o
da imaginação. Mas também não devemos d a s id é ia s u n iv e rsa is
concluir que, sem esse princípio, a mente e o n o m i n a l i s m o W i\v n \a n o
não pode ligar duas idéias: com efeito, não
há nada de mais livre do que tal faculdade.
Assim, devemos considerá-lo simplesmente Para se compreender plenamente a po
como uma doce força que habitualmente se sição de Hume, porém, devemos ainda re
impõe, sendo, entre outras coisas, a causa cordar sua doutrina das idéias abstratas ou
de as línguas terem tanta correspondência universais. Ele aceita a tese de Berkeley (que
entre si: a natureza parece indicar para cada elogia como “grande filósofo”) segundo a
um as idéias simples mais adequadas a serem qual “todas as idéias gerais nada mais são
reunidas em idéias complexas. As proprie do que idéias particulares conjugadas a certa
dades que dão origem a essa associação e palavra, que lhes dá um significado mais
fazem com que a mente seja transportada de extenso e, ocorrendo, faz com que recordem
uma idéia para outra são três: semelhança, outras individuais semelhantes a elas”. Essa,
contigüidade no tempo e no espaço, causa destaca Hume, é “uma das maiores e mais im
e efeito”. Nós passamos facilmente de uma portantes descobertas que foram feitas nestes
idéia a outra que se lhe assem elhe (por últimos anos na república das letras”. Entre
exemplo: uma fotografia me faz vir à men os vários argumentos que Hume apresenta
te a personagem que representa), ou então como apoio da tese de Berkeley, devemos
de uma idéia a outra que habitualmente se recordar dois particularmente significativos:
apresenta a nós como ligada à primeira no a) O intelecto humano, dizem os de
espaço e no tempo (por exemplo, a idéia de fensores da existência de idéias universais,
sala de aula me recorda a das salas de aula é capaz de distinguir mentalmente também
vizinhas, ou então a do corredor adjacente aquilo que não está separado na realidade,
ou a do prédio em que se localiza; a idéia através de operações mentais autônomas.
de levantar âncora suscita a idéia da partida Hume o contesta vigorosamente: para ele,
do navio, e assim se poderiam multiplicar só é distinguível aquilo que é separável.
C ã p l t u l o s é t it H O - D avid "Hume e o epílogo irracionalista do empirismo
(como, quando prevejo que o sol surgirá relação que podemos ultrapassar a evidên
amanhã. A resposta de Hume é a seguinte: cia de nossa memória e dos sentidos.” O
“Todos os raciocínios que dizem respeito à exame crítico de Hume se concentra, por
realidade dos fatos parecem fundados na conseguinte, justamente sobre a relação
relação de causa e efeito. É só graças a essa entre causa e efeito.
~ III. y \ c n t i c a d a s id é ias ~
d e c a u s a e efeito
e d a s s u b s t a n c i a s ma+eHais e espirituais
• Causa e efeito são duas idéias bem distintas entre si e o fundamento de todas
as nossas conclusões referentes à causa e ao efeito é a experiência, que porém se
fundam enta por sua vez sobre o hábito de constatar entre dois
Relações entre fenômenos a regularidade de sua contigüidade e sucessão, mo-
causa e efeito tivo pelo qual se infere também a necessidade da conexão entre
-* 5 1-2 os dois fenômenos, considerando-os um como "causa" e o outro
como "efeito"; o costume gera depois em nós uma crença, que
nos dá justamente a impressão de estarmos diante de uma conexão necessária
entre uma "causa" e um "efeito".
mentou; mas com base em que fundamento mamos “causa”, deve seguir-se aquilo que
eu extraio a conclusão de que ele deverá me nós chamamos “efeito” (e vice-versa).
nutrir também no futuro? Do fato que ex- Portanto, segundo Hume, a chave para
perienciei que certa coisa sempre se acompa a solução do problema está na “crença”, que
nhou de outra ao modo de “efeito”, eu posso é um sentimento. Assim, de ontológico-racio-
inferir que também outras coisas como aquela nal, o fundamento da causalidade torna-se
deverão se acompanhar de efeitos análogos. emotivo-arracional, ou seja, transfere-se da
Por que extraio essas conclusões e, esfera do objetivo para a esfera do subjetivo.
ainda mais, as considero necessárias? Com o verem os, é exatam ente esse
Para responder ã questão, vejamos me “instinto natural” que se revelará a última
lhor seus termos. Dois elementos essenciais trincheira do empirismo humiano.
estão presentes no nexo causa-efeito:
a) a contigüidade e a sucessão;
b) a conexão necessária.
a) A contigüidade e a sucessão são ex3 O s o b je to s c o r p ó r e o s
perimentadas, n ão s ã o su b sta n c ia s,
ao passo que b) a conexão necessária
m a s fe ix e s
não é experimentada (no sentido de que não
é uma impressão), e sim inferida. Todavia, d e im p r e s s õ e s e d e id é ia s
como a inferimos? |T]
entendido como realidade dotada de exis teórica, como já vimos. Nossa “crença”
tência contínua e autoconsciente, idêntica a na existência independente e contínua dos
si mesma e simples. Com efeito, toda idéia objetos é fruto da “imaginação”.
só pode derivar de uma impressão corres Em especial, como se encontra certa
pondente; mas do eu não há nenhuma im uniformidade e coerência em nossas im
pressão precisa: “por conseguinte, tal idéia pressões, a imaginação tende a considerar
não existe”. tal uniformidade e coerência como total e
As cruas conclusões de Hume, portan completa, supondo precisamente a existên
to, são as mesmas a que ele chega no caso cia de corpos que seriam sua “causa” .
dos objetos. Como os objetos nada mais são Vejamos um exemplo: eu saio de mi
que coleções de impressões, analogamente, nha sala e, desse modo, deixo de ter todas
nós não somos nada mais do que coleções as impressões que constituem esta minha
ou feixes de impressões e de idéias. Somos sala; depois de certo tempo, ao retornar,
uma espécie de teatro, onde passam e re tenho as mesmas impressões de antes ou, de
passam continuamente as impressões e as todo modo, tenho percepções parcialmente
idéias: mas, note-se bem, trata-se de teatro iguais às de antes e em parte diferentes, mas
que não deve ser concebido como um prédio coerentes com elas (por exemplo, encontro
estável, mas simplesmente como o passar e a luz reduzida porque já se fez tarde). Pois
o repassar das próprias impressões. bem, a imaginação preenche o vácuo de
O que devemos concluir então? Se o minha ausência, supondo que essas per
objeto é um feixe de impressões, e se também cepções correspondentes e coerentes em
o eu é um feixe de impressões, como poderão relação às anteriores correspondam a uma
se distinguir entre si? Como se poderá falar existência efetiva e separada dos objetos que
de “objetos” e de “sujeitos” ? constituem minha sala. E mais: ao trabalho
realizado pela imaginação se acrescenta
ainda o da memória, que dá vivacidade às
impressões fragmentadas e intermitentes
O s o b je to s e o s su je ito s (por causa de minha saída e da posterior
e x iste m a p e n a s
volta à sala). Tal “vivacidade” gera a “cren
ça ” na existência dos objetos externos cor
p o r n o s s a p u r a “c r e n ç a * respondentes.
O que nos salva da dúvida cética é, por
tanto, essa crença instintiva, que é de gênese
A tese de Hume é evidente: alógica e arracional, e quase biológica.
1) a existência das coisas fora de nós 2) Também o eu também é reconstruí
não é o b jeto de conhecim ento, mas de do de modo análogo pela imaginação e pela
“crença”; memória em sua unidade e substancialidade.
e, assim, analogamente, 2) a identidade Por conseguinte, também a existência do eu,
do eu não é objeto de conhecimento, mas é, entendido como substância à qual são refe
ela também, objeto de “crença” . ridas todas as percepções, é apenas objeto
1) A filosofia nos ensina que qualquer
de “crença” .
impressão é uma percepção e que, portanto, Todavia, devemos destacar que, para
é subjetiva. Com efeito, a partir da impressão Hume, o eu torna-se objeto de consciência
não se pode inferir a existência de um objeto imediata através das paixões e, portanto,
como causa da própria impressão, porque mais uma vez em âmbito ateórico e por via
o princípio de causa não tem uma validade arracional.
C ãpítulo sétiffiO - D avid "Hume e o epílogo irracior\alis+a do empirismo
• A moral, que suscita paixões e promove ou impede ações, não se funda por
tanto sobre a razão, e sim sobre o sentimento, e precisamente sobre um particular
sentimento de prazer e de dor: o prazer moral é peculiar porque é desinteressado.
Em seu conjunto, a ética humiana é utilitarista, no sentido porém
que o que move nosso assentimento não é o nosso útil particular,
A moral
mas o útil público, que é o útil à felicidade de todos. e a religião
Também a religião, para Hume, não tem um fundam ento não têm
racional, e nem moral, mas um fundam ento instintivo, enquanto fundamento
a idéia do divino nasceu do terror da morte e da preocupação racional
com uma vida futura; Hume, todavia, sustenta que um povo in - § 3 - 7
teiram ente privado de religião difere bem pouco dos animais.
Human Nature :
BE I N G
7 r e li g i ã o s e fu n d a m e n t a
s o b r e um in stin to
An A t t e m p t to introduce thc ex
perimental Method of Reaíòning Hume não tinha interesse pessoal pela
I N T O religião. Ele se afastara desde jovem das
práticas religiosas, assumindo atitude de in
diferença, com traços de verdadeira aversão.
MORAL SUBJECTS. M as, como fato da “natureza humana”, a
_________ j/n, . ..^ religião não podia deixar de constituir ob
jeto de sua análise.
R a ra ttmptrum fe lic ita i, itbi fm tir t, p u t vtlit ; Wfuét Apesar de alguns pontos de contato
ftn tia s, d u trt lictt. T a c it.
com certas idéias deístas, a posição de Hume
não é deísta, chegando a ser, em alguns ca
VOL. I. sos, claramente antideísta.
a) Em primeiro lugar, a religião não tem
O F TH E fundamento racional. Hume refuta e rejeita
U N D E R S T ANDING. as provas apresentadas pelos teólogos em
favor da existência de Deus. Segundo ele,
no máximo, pode-se pensar como plausível
L O N D O N : alguma analogia com a inteligência, no que
P/intcd for John Noon, at the f*T >itt-H art, ncar se refere à causa do universo. Mas dessa
A ftrctr*i- C h a ftl, in C btaffidt. analogia não se extrai nada de certo.
MUCC XXXIX. b) A religião também não possui funda
mento moral. Segundo Hume, não há uma
verdadeira conexão entre religião e ética.
Com efeito, como já vimos, o fundamento
No Tratado sobre a natureza humana da ética é o sentimento, e não a religião.
há í i von tade de fu n dar definitivam ente
so b r e hascs experim entais a ciência d o h om em
c) A religião tem um fundamento ins
que, ftara H um e, e ain da m ais im portan te tintivo. A idéia do divino nasceu do medo
qu e a física e as outras ciências. da morte, da preocupação com uma vida
Na ilustração o frontisf>ício da ed içã o original. futura.
Segunda patte - ■Hobbes, Locke, B erk ele y e H ume
Hume não é ateu por princípio e de inteligência e cultura. Não há preceitos tão
modo dogmático, mas é extremamente am rigorosos que não tenham sido aceitos por
bíguo. Avalia negativamente a religião, mas homens mais voltados para o prazer e para a
depois diz que um povo sem religião pouco preguiça. A ignorância é a mãe da devoção:
difere dos animais. A passagem seguinte esta é uma máxima proverbial, confirma
mostra exemplarmente essa ambigüidade: da pela experiência de todos. Entretanto,
“Não há absurdos teológicos tão desco procurai um povo inteiramente privado
munais que, alguma vez, já não tenham de religião: se o encontrardes, podeis estar
sido sustentados por homens de grande certos de que ele pouco difere dos animais. ”
TREATISE
O F
H u m an N a tu r e .
B O O K II.
Of the P a s s i o n s .
P A R T i.
O f P rid e and Humility.
SECt. I.
Divifion o f tbe S uijefl.
V . D i s s o lu ç ã o d o empirismo
n a ^ m z ã o c é f i c a ;/ e na c r e n ç a a r r a c i o n a l
E S S A Y S,
M O R A L
AND
P O L Í T I C A L.
F rontlspicio da ab ra
I.nsaios morais e políticos, dc 1741.
F . T> 1 N S U R G H ,
() argum ento qu e m ais interessou H um e
desiie o inicio de sua fo r m a çã o espiritual Printed by R. F l e m i n g and A. Ai i son- ,
fo i a moral; for A. Ki s c a j d Kookfcüer, and Sold at
o fu n dam en to dela é o sentim ento his Shop above ilic Crof>. Mdccxli.
qu e é, a o m esm o tem po,
de prazer e de dor.
Cãpltulo sétimo - D avid Hume e o epílogo ifracionalista do empinsmo
HUME
FUNDAMENTOS DA "CIÊNCIA DO HOMEM"
/ Todos os conteúdos
da mente humana são
\ PERCEPÇÕES
__ A ______ ___
d eriv a d a s, j origin árias,
imagens produzidas pela memória presentes com maior força
a partir das impressões: (sensações, emoções):
ID É IA S IM P R E SSÕ E S
V y
prazer e dor:
vontade e paixões
D isso d e r iv a a in c o n s is t ê n c ia o n t o l ó g i c a :
Todavia, se nõo é p®lo conhecimento até que, com um óbvio regresso, chegamos
nem por um raciocínio científico que formamos àqueles que foram testemunhas oculares e
o opinião da necessidade de uma causa para expectadores do acontecimento. 6 claro que
toda nova produção, tal opinião só poderemos toda esta cadeia de argumentos ou conexões
tê-la pela observação e pela experiência. Ago de causas e efeitos depende daqueles caracte
ra, portanto, se apresentaria naturalmente o res ou cartas vistos ou recordados, e que sem a
problema: como tal princípio pode vira nós pelo autoridade dos sentidos ou da memória todo o
experiência? Mas é melhor remeter a questão nosso raciocínio estaria acampado no ar: cada
para mais adiante, e por ora reduzi-lo a estes anel da cadeia estaria suspenso em outro, e
termos: Por que dizemos que certos causas nõo haveria nada de fixo a um ponto, capaz de
particulares devem ter necessariamente certos sustentar o todo; por conseguinte, não haveria
efeitos particulares, e por que fazemos esta nenhuma evidência ou crença. £ este é o caso
inferência delas para estes? Talvez acabemos de todos os argumentos hipotéticos, ou seja,
por encontrar uma mesma resposta às duas dos raciocínios fundados sobre uma suposição,
interrogações. onde não existe nem uma impressão atual nem
a crença de uma existência real. [...]
G verdade, portanto, que todos os racio
5. Todos os nossos raciocínios
cínios que se referem às causas e aos efeitos
sobre as causas e os efeitos
partiram na origem de alguma impressão: do
são hipotéticos
mesmo modo que a certeza de uma demons
Cmbora a mente em seus raciocínios sobre tração se funda sempre sobre um confronto de
as causas e os efeitos nos lance para além dos idéias; mesmo que este seja esquecido, nem
objetos que vê ou recorda, todavia ela jamais por isso desaparece a certeza.
os perde completamente de vista nem racio
cina puramente sobre idéias, porque a estas
6. fl base do raciocínio de causalidade
não pode deixar de misturar impressões, ou
é a crença
pelo menos idéias de memória, equivalentes
às impressões. Quando inferimos efeitos de Nos raciocínios sobre causalidade se em
certas causas, devemos também constatar a pregam, portanto, materiais de natureza mista
existência destas causas; e por isso não exis e heterogênea, os quais, embora ligados, são
tem mais que dois caminhos: ou a percepção todavia essencialmente diversos. Todas as
imediata daquilo que sentimos ou recordamos, argumentações referentes às causas e oos
ou entõo uma inferência de outras causas, das efeitos constam de uma impressão de memória
quais devemos, depois, do mesmo modo fazer ou de sentido, e, no mais, da idéia daquela
as contas ou com uma impressão presente, ou existência que produz o objeto da impressão
com umo inferência de outras causas, e assim ou é produzida por ele. Aqui, entõo, devemos
seguidamente, até que cheguemos a um objeto explicar três coisas: 1) a impressão originária;
presente ao sentido ou à memória. G impossí 2) a passagem à idéia, que a ela ligamos, de
vel lançar in infinitum nossas inferências, e o causa ou de efeito; 3) a natureza e as quali
única coisa que as possa fazer parar é uma dades desta idéia.
impressão do memória ou dos sentidos, para Quanto às impressões provenientes dos
além da qual nõo há mais lugar para dúvidas sentidos, sua causa última é, em minha opinião,
ou investigações. absolutamente inexplicável pela razão humana,
Tomemos, por exemplo, um ponto da e será sempre impossível decidir com certeza se
história, e consideremos a razão pela qual provêm imediatamente do objeto ou são pro
admitimos ou rejeitamos sua veracidade. Ad-, duzidas pelo poder criativo da mente, ou então
mitimos que César foi morto no senado nos as temos do autor de nosso ser. [...]
idos de março, e isso porque deste fato sõo Quando procuramos aquilo que distin
unânimes os testemunhos dos historiadores, gue propriamente a memória da imaginação,
que atribuem ao acontecimento aquele lugar percebemos logo que a diferença não pode
e aquela data. Aqui, diante da memória ou consistir simplesmente nas idéias que temos
dos sentidos, não temos a não ser caracteres presentes com a memória: com efeito, estas
e cartas, que recordamos ter sido empregados duas faculdades extraem suas idéias simples
como sinais de certas idéias: estas idéias ou das impressões e jamais podem ultrapassara
estiveram na mente de quem se encontrou percepção originária. Também não basta dis
presente no acontecimento e as recebeu ime tinguir a ordem diversa das idéias complexas;
diatamente da existência dele, ou derivaram pois é verdade que uma propriedade peculiar
do testemunho de outros, e este de outros, do memória é conservar a ordem primitiva e a
Segunda pavte - ■Hobbes, L ocke, B e rk e le y e ÍHume
posição das idéias, enquanto a imaginação as ta dos sentidos, ou a repetição desta impressão
transpõe e muda a seu bel-prazer; mas esta na memória. Rpenas a força e a vivacidade
diferença não é suficiente para distinguir suas da percepção é o que constitui o ato primitivo
operações e natureza, pois é impossível trazer do juízo e põe as bases do raciocínio, que daí
de novo à mente as impressões passadas para passa para a relação de causa e efeito.
confrontá-las com as idéias presentes e ver se
a ordem é exatamente a mesma. Se, portanto, 7. De que modo a idéia de causa e efeito
a memória não se nos mostra tal nem pela deriva da experiência
ordem de suas idéias complexos nem pela na
tureza de suas idéias simples, disso segue-se Todavia, ao pôr esta relação, é fácil obser
que a diferença entre ela e a imaginação está var que a inferência da causa para o efeito não
na superioridade de sua força e vivacidade. é tirada da observação dos objetos particulares,
Um homem pode entregar-se à sua fantasia e nem de uma penetração de sua essência que
fingir que lhe tenha acontecido uma série de possa descobrir-nos a dependência de um a
aventuras: ele não pode distinguir estas da partir do outro. Não há objeto que implique a
recordação de outras semelhantes, a não ser existência de outro, se considerarmos estes
porque as idéias destas, imaginárias, são mais objetos em si mesmos e não olharmos para
fracas e obscuras. [...] além das idéias que deles nos formamos.
Mais recente é a memória e mais clara é a Semelhante inferência deveria valer como um
idéia; e quando, depois de um longo intervalo, conhecimento e implicara absoluta contradição
voltamos à contemplação do objeto, encon e impossibilidade de conceber uma coisa de
tramos a idéia sempre mais lânguida, quando outra forma. Todavia, como todas as idéias
não totalmente desvanecida. Por este motivo, distintas são separáveis, é evidente que não
em relação às idéias da memória, estamos pode haver impossibilidade deste gênero.
freqüentemente em dúvida, quando se tornam Quando passamos de uma impressão presente
demasiado fracas e cansadas; e não conse à idéia de um objeto, é sempre possível termos
guimos determinar se uma imagem provém da separada a idéia da impressão, e em seu lugar
imaginação ou da memória, quando ela não se substituída outra idéia.
apresenta com as cores vivazes que distinguem Rpenas com a exPcmiNOfí, portanto, pode
esta última faculdade. Parece-me recordar tal mos inferir a existência de um objeto em relação
acontecimento, diz alguém, mas não estou se à de outro. €sta experiência consiste nisto: nós
guro disso; o longo tempo o obscureceu de tal nos lembramos de ter tido freqüentes exemplos
forma em minha memória que estou incerto se da existência de uma espécie de objetos, e
não é um parto de minha fantasia. recordamos também que certos expoentes de
Ç. assim como uma idéia da memória, outra espécie de objetos sempre os acompa
perdendo sua força e vivacidade, pode dege nharam com uma regularidade constante de
nerar a tal ponto que é tomada por uma idéia contigüidade e sucessão. Rssim, recordamos ter
da imaginação, também, por outro lado, uma visto aquela espécie de objeto que chamamos
idéia da imaginação pode adguirir tal força e de chamo, e de ter sentido aquela espécie de
vivacidade a ponto de passar por uma idéia da sensação que chamamos de color. Recordamos
memória, e imitar seus efeitos sobre a crença igualmente sua constante ligação em todos os
e sobre o juízo. Os mentirosos, como é sabido, casos passados. Sem tantas cerimônias cha
com a repetição freqüente de suas mentiras, mamos a primeira de causa e o segundo de
acabam por crê-las e recordá-las como coisas efeito, e inferimos a existência deste a partir
verdadeiras: o costume e o hábito terão neste da existência daquela. Cm todos os casos par
caso, como em muitos outros, a mesma influên ticulares desta conjunção, tanto a causa como
cia da natureza sobre a mente, e esculpirão a o efeito foram percebidos pelos sentidos e
idéia com igual força e vigor. juntos permaneceram presentes na memória.
Disso vemos como a crença ou o assenti Mas, quando nos pomos a raciocinar sobre
mento, que sempre acompanha o memória e os eles, percebemos ou recordamos apenas um
sentidos, não consiste em outra coisa que a vi dos termos, e suprimos o outro em conformidade
vacidade de suas percepções, as quais nisto se com a experiência passada.
distinguem apenas das idéias da imaginação. D. Hume,
Crer é, neste caso, sentir uma impressão imedia Trotado sobre o natureza humano.
PASCAL E VICO
■ Dois pensadores contracorrente
da era moderna
i
- “É uma doença natural do homem acreditar que
possui diretamente a verdade; daí resulta que está
| sempre disposto a negar tudo o que lhe é incom
preensível”
□
Blaise Pascal
O libertinism o e G assendi.
O jansenism o e P o r t-R o y a l_________________________________ _
Capítulo nono
Capítulo décimo
O li b e r t i n i s m o e {^Ãassendi.
O jc m s e m s m o e P orf-T \ o y a I
I. O liberf-mismo
II. P i e r r e ÍMasservdi:
um ^empi ris+a-ce+ico ;/ em d e f e s a d a religião
impresso a m otore translato (1640-1643) que todo conhecimento que existe em nós é
e o De proportione qua gravia decidentia próprio dos sentidos ou deriva dos sentidos;
accelerantur (1642 e 1645). por conseguinte, parece igualmente certo
Fascinado pela acatalepsia (suspensão que não se pode pronunciar juízo nenhum
do assentimento) “recomendada pelos aca sobre qualquer coisa sem o testemunho dos
dêmicos e pelos pirronianos”, e persuadido sentidos” . E, por meio do testemunho dos
de que a forma válida de saber não é a busca sentidos, conhecemos tantas coisas, mas
das “essências” ou “causas m etafísicas”, este conhecimento não é conhecimento de
mas muito mais a descrição do acontecer essências.
fenomênico factualmente comprovável, Gas A tradição aristotélica, portanto, é a
sendi volta-se então contra aquela tradição tradição da pseudociência e da verbosidade.
que fez de Aristóteles “quase um deus caído Não existe saber sem que se perscrute a ex
do céu” e que venera, comenta e transmite periência. Mas a base da tradição filosófica
precisamente as obras menos úteis de Aristó não é a experiência, e sim a autoridade de
teles, como a Física e a Metafísica , ao invés Aristóteles.
das obras relativas à história natural (isto Os filósofos das escolas confiam ce
é, à ciência) e à política. Exclama Gassendi: gamente em Aristóteles e, entregando-se às
“Como seria útil conhecer a história das pe suas obras, não têm confiança em si mesmos,
dras, dos metais, das plantas, dos animais e deixando verdadeiramente de procurar a
de todas as outras coisas desse gênero, cuja verdade.
variedade é tão agradável de se conhecer!” A razão dos aristotélico-escolásticos é
Entretanto, os escolásticos objetam que uma razão preguiçosa, uma razão que não
tais conhecimentos são objeto dos talhado- tem confiança em si mesma, uma razão apri
res de pedra, dos ourives, dos ervateiros e sionada. E tal razão impede o conhecimento
dos caçadores. Os escolásticos “não lhes da natureza e não gera ciência.
têm a mínima consideração, pois seriam Mas os danos dessa tradição filosófica
conhecimentos muito vulgares, ao passo não ficam nisso. Eles causaram grandes
que se vangloriam de escolher as coisas que danos também à religião e à fé, pretenden
cabem propriamente à filosofia”. do introduzir a filosofia em questões de fé
E Gassendi replica a essa objeção: “Mas que foram reveladas e que ultrapassam a
então Aristóteles, Demócrito e outros gran razão.
des homens, cuja erudição é tão estimada, Sendo assim, fica claro que a filosofia
não estavam cultivando a filosofia quando aristotélica é prejudicial à ciência e funesta
orientavam suas pesquisas para tais coisas?” para a fé. E então, pergunta-se Gassendi,
Na opinião de Gassendi, a realidade é que a “quem poderá [...] se surpreender se nossa
filosofia aristotélico-escolástica pratica um atual filosofia nada mais tem de filosofia?”
método errôneo, afastando-se da natureza e
reduzindo-se à prática de uma verbosidade
estéril. 3 g a s s e n d i co n tra D e s c a r te s
átomos e, portanto, mortal, mas Gassendi, existe a alma como entidade espiritual. E
além da alma corpórea vegetativa e sensível, também existe Deus; é a partir da ordem do
admite também uma alma intelectiva incor- universo que inferimos sua existência, já que
pórea e imortal. não há ordem sem ordenador.
Gassendi diz tudo isso no Syntagma Desse modo, despedaçam-se muitas das
pbilosophiae Epicuri, de 1649. Dois anos flechas céticas que havíamos encontrado nas
antes, em 1647, ele já havia dedicado a Epi Exercitationes e nas Objeções. Entretanto, é
curo outra obra: De vita et moribus Epicuri. exatamente nisso que reside grande parte do
Em 1658, postumamente, apareceu o valor histórico de Gassendi: uma tentativa
Syntagma philosophicum, que reconfirma significativa, embora problemática sob mui
a colocação empirista geral, mas onde tam tos aspectos, de mediar e conciliar a nova
bém emerge que a experiência não consiste ciência com o epicurismo, o libertinismo e
em um caótico aparecer fenomênico e não o cristianismo.
é uma imediaticidade passiva de dados sen- Eis, portanto, como podemos resumir
soriais, mas sim uma construção da razão, o sentido da empresa de Gassendi:
que elabora os dados sensoriais. a) retomar uma filosofia materialista (o
Além disso, ainda no Syntagma pbi- atomismo de Epicuro) que fosse inatacável
losophicum, uma vez estabelecida a auto pelas críticas eficazes, ao contrário, contra
nomia da ciência experimentalis, Gassendi os aristotélicos e os cartesianos, e substan
sustenta que é possível chegar a falar da cialmente de acordo com os resultados das
alma imaterial e da existência de Deus. E isso pesquisas científicas;
é possível quando sabemos ler os “sinais” b) eliminar dela as partes contrárias à
que a realidade põe diante de nós. religião, e mostrar assim que as verdades
O homem é caracterizado pela ativi de fé não se chocam de fato com os pro
dade racional, mas essa atividade consiste dutos científicos e filosóficos mais válidos
em operações não corpóreas, de modo que da razão.
m. o ja n s e n is m o
e P >oH--T^oyal
Port-Royal, pretendendo uma reforma de filhos da Igreja. [...] Ele nunca objetivou
sentido rigorista dos costumes cristãos, nos tornar eruditos, mas apenas nos dar a
contra o laxismo dos jesuítas, postulando um simples cognição da verdade divina e certa,
enrijecimento do sacramento da penitência, cujas raízes, isto é, as razões, estão ocultas
reduzido pelos jesuítas a um ato quase que em um lugar mais profundo e inacessível à
formal, e reivindicando a restauração da agudeza de nossa investigação” .
dogmática dos Padres da Igreja, particu Portanto, em matéria de fé, a razão é
larmente de santo Agostinho, contra as rejeitada; é preciso referir-se à memória da
novidades ‘filosóficas’ dos teólogos da Com tradição. E, na tradição da Igreja, Agosti
panhia de Jesus. Nesses conceitos é que se nho, “primeiro dentre todos os antigos Pa
havia inspirado o livro Comunhão freqüente, dres, partindo dos princípios de são Paulo,
escrito por Antoine Arnauld (1612-1694), trouxe à luz com incrível profundidade e
doutor da Sorbonne, por sugestão de Saint- penetração todas as conclusões da graça,
Cyran” (G. Preti). que até agora permanecera como que oculta
Jansênio (Cornelis Jansen), teólogo na fé dos cristãos” .
flamengo que estudou em Utrecht e depois No que se refere mais especificamente
em Lovaina sob a égide dos jesuítas, traba à doutrina da graça, Jansênio, juntamente
lhou durante vinte e dois anos no seu Au- com Agostinho, afirma que o pecado ori
gustinus, que teve sucesso verdadeiramente ginal corrompeu o homem, cuja vontade é
estrondoso ao ser publicado, em três tomos, dominada pela delectatio terrestris, de modo
em 1640. que, se a charitas ou delectatio caelestis não
Na obra, Jansênio pretende expor a
genuína doutrina de santo Agostinho, a dou
trina que havia enformado a Igreja antiga e
fora um dos pilares do Concilio de Trento.
Com o verem os, o jansenism o será
acusado de heresia, mas, tanto no livro
como em seu testamento, anexo ao livro,
Jansênio diz com muita clareza que submete
as proposições do seu trabalho ao juízo da
Santa Sé.
Vejamos então brevemente o conteúdo
do Augustinus.
N o prim eiro tom o, constituído de
oito livros, Jansênio, por meio da doutrina
de santo Agostinho, demole a heresia de
Pelágio (que, no início do século V, em con
traste com Agostinho, havia propugnado a
doutrina segundo a qual o pecado original
não teria enfraquecido a capacidade humana
de fazer o bem).
No segundo tomo, Jansênio fixa os
limites da razão e fala do status naturae
lapsae e do status naturae purae.
No terceiro tomo, ele expõe as dou
trinas relativas à graça, à predestinação e
à liberdade. São interessantes as teses de
Jansênio sobre a relação razão-fé. Jansênio
é decididamente contrário ao uso da razão
nas questões de fé, já que a razão é “mãe de
todas as heresias”; rejeita o racionalismo da
escolástica e, no que se refere à fé, reporta-se
C orn élio Jan sên io (156. -16.6 )
à “memória” da tradição.
deu origem a um a corren te religiosa,
A razão é inútil ou prejudicial para con sid erad a p o r certos a sp ectos herética,
a fé, tanto que Cristo quis encerrar “nos que teve significativas influências tam bém na Itália.
porões de tal santa ignorância o excessivo O retrato fo i rep rod u zid o d e um a gravura
desejo de saber com que se perturbam os em c o b re p o u c o p o sterio r a o autor.
Capítulo oitavo - O liberti nismo e C À c\s s e .n d 'u O jcmsemsmo e ’PoW--"Royal
que ouvis, do sol que vedes, do fogo gue sentis; podeis saber que ele nos é representado pela
no terceiro, colocais as sirenas, os hipogrifos sua idéia como um Ser eterno, infinito, onipoten
e outras quimeras semelhantes, que fabricais te e criador de todas as coisas etc.? Csta idéia
e inventais por vós mesmos; e a seguir dizeis que dele formais não vem de preferência do
gue talvez pode ser gue todas as vossas idéias conhecimento que dele tivestes anteriormente,
são odventídos, ou todos nascidas convosco, enquanto ele vos foi mais vezes representado
ou todas feitas por vós, tanto mais gue ainda sob estes atributos? Pois, dizendo a verdade,
não conheceis com suficiente clareza e distinção vós o descreveríeis assim, caso não tivésseis ja
a origem". Cis por gue, para impedir o erro, mais nada ouvido dizer de semelhante? Vós me
gue poderia, todavia, insinuar-se até gue sua direis, talvez, gue isto é agora trazido apenas
origem vos seja inteiramente conhecida, guero como exemplo, sem gue definais ainda nada
agui fazer-vos notar que parece que todas os sobre ele. fldmito isso; mas cuidado para dele
idéias vêm de fora, e que procedem das coisas não fazer depois um pressuposto.
que existem fora do intelecto, e que caem sob Vós dizeis ”gue há mais realidade objetiva
algum de nossos sentidos. Uma vez gue, para na idéia de um Deus infinito do gue na idéia
dizer a verdade, o espírito não somente tem a de uma coisa finita". Contudo, em primeiro
faculdade (ou, mais ainda, é ele próprio uma fa lugar, o espírito humano, não sendo capaz
culdade) de conceber tais idéias estranhas, gue de conceber a infinidade, não pode seguer
emanam dos objetos exteriores, e gue passam ter, nem se figurar, uma idéia gue representa
até ele por meio dos sentidos; de concebê-las, uma coisa infinita. C, portando, aguele gue diz
digo, completamente nuas e distintas, e tais uma coisa infinita atribui a uma coisa gue não
guais ele as recebe em si; mas, por acréscimo, compreende um nome gue igualmente não en
tem também a faculdade de uni-las e dividi-las tende, uma vez gue, como a coisa se estende
diversamente, de estendê-las e encolhê-las, para além de toda a sua compreensão, também
de compará-las e compô-las de muitos outros esta infinidade, ou esta negação de termos,
modos. 6 daí segue-se gue ao menos este ter gue é atribuída a esta extensão, não pode ser
ceiro gênero de idéias, gue vós estabeleceis, entendida pela sua inteligência, gue é sempre
não é diferente do segundo; pois, com efeito, restrita e fechada por limites. Rlém disso, todas
a idéia de uma guimera não é diferente da de as altas perfeições que costumamos atribuir a
uma cabeça de leão, do ventre de uma cabra Deus, parecem tiradas das coisas que admira
e da cauda de uma serpente, da reunião das mos ordinariamente em nós, como a duração,
guais o espírito faz e compõe uma só idéia, a potência, a ciência, a bondade, a felicidade,
pois, tomadas separadamente, ou considera e assim por diante, às quais tendo dado toda
das cada uma em particular, são estranhas, e a extensão possível, nós dizemos que Deus é
vêm de fora. [...] eterno, onipotente, onisciente, soberanamente
bom, perfeitamente feliz, e assim por diante.
€ assim a idéia de Deus representa, sim,
3. Objeção à idéia de Deus
na verdade, todas estas coisas, mas ela não
enunciada por Descartes:
tem por isso mais realidade objetiva do que
qualquer idéia de Deus
têm as coisas finitas tomadas todas juntas, das
que o homem tenho em si,
idéias das guais foi composto esta idéia de
jamais tem realidade objetiva
Deus, e depois engrandecida no modo como
Depois disso, reconhecendo a desigual acabei de descrever. Uma vez gue nem aguele
dade e a diversidade gue se encontram entre que diz ''©temo" abraça com seu pensamento
as idéias, "é certo - dizeis - gue as gue me toda a extensão desta duração, gue nunca teve
representam substâncias são algo a mais, e início e jamais terá fim, nem aguele gue diz "oni
contêm em si, por assim dizer, mais realidade potente" compreende toda a multidão dos efei
objetiva do gue as gue me representam so tos possíveis; e assim também para os outros
mente modos ou acidentes; e, por fim, a idéia atributos. Por fim, de guem se pode dizer gue
pela gual concebo um Deus soberano, eterno, tenha uma idéia de Deus total e perfeita, isto é,
infinito, onipotente e criador universal de todas tal que o represente como ele é? [...] C também,
as coisas gue estão fora dele tem em si, sem eu vos pergunto, de gue modo podemos nós
dúvida, mais realidade objetiva do gue aquelas conhecer gue aguele pouco de perfeições gue
das quais as substâncias finitas me são repre encontramos em nós se encontra também em
sentadas". [...] Deus? € depois de tê-lo reconhecido, qual pode
Cm relação a isso que acrescentais "da ser a essência que podemos de lá imaginar
idéia de Deus", dizei-me, por favor, uma vez que dele? Certamente Deus é infinitamente elevado
não estais ainda certo de sua existência, como acima de toda compreensão; e guando nosso
Terceira parte - Pascal e Vico
espírito quer se aplicar à sua contemplação, não não sabe se há algo no mundo fora de si; eu
somente se reconhece demasiado débil para duvido até de ter orelhas com as quais tenha
compreendê-lo, mas ainda se torna cego e ele podido ouvir alguma coisa, e não conheço
próprio se confunde. Cis por que não é o caso homens com os quais tenha podido conversar.
de dizer que tenhamos uma idéia verdadeira de Podeis responder isto: mas o diríeis, caso não
Deus que o represente como ele é: basta que, tivésseis de fato orelhas para ouvir-nos e se não
com a relação das perfeições que estão em nós, existissem homens que vos tivessem ensinado
cheguemos a produzir e a formar alguma sobre a falar? Falemos seriamente e não mascaremos
ele, que, acomodando-se à nossa fraqueza, a verdade: as palavras que dizeis sobre Deus,
esteja também adaptada a nosso uso, que não não as aprendestes freqüentando os homens
esteja acima de nosso porte, e não contenha com os quais vivestes? 6 uma vez que a eles
alguma realidade que não tenhamos antes deveis as palavras, não deveis a eles também
reconhecido haver em outras coisas ou que por as noções designadas e entendidas com estas
meio delas não tenhamos percebido. mesmas palavras? C, portanto, embora estejais
de acordo que elas não possam vir de vós
apenas, nem por isso segue-se que devam vir
4. Objeção à dedução cartesiano
de Deus, mas apenas de alguma coisa fora de
da existência de Deus: vós. Cm seguida, o que há nestas idéias, que
os atributos que os homens
não pudestes formar e compor por vós mesmo,
conferem a Deus derivam da aprendizagem por ocasião das coisas por vós outrora vistas e
Vós concluís: "C, portanto, resta apenas apreendidas? Credes por isso conceber alguma
a única idéia de Deus, na qual se deva consi coisa que esteja acima da inteligência humana?
derar se aí haja alguma coisa que não tenha Certamente, se concebestes Deus tal qual ele
podido vir de mim mesmo. Com o nome de é, tivestes razão de crer ter sido instruído e se
Deus entendo uma substância infinita, eterna, tornado erudito pelo mesmo Deus; mas todos
imutável, independente, onisciente, onipotente, estes atributos que dais a Deus não são mais
e da qual eu próprio e todas as outras coisas que um amontoado de certas perfeições por
que existem (se é verdade que de fato existam) vós notadas em certos homens ou em outras
foram criadas e produzidas. Todas essas coisas criaturas, que o espírito humano é capaz de
são de fato tais que, quanto mais atentamente estender, de unir e de amplificar conforme lhe
as considero, tanto menos me persuado de agrada, como já foi mais vezes observado.
que a idéia que delas tenho possa extrair sua Dizeis "que, embora possais ter por vós
origem apenas de mim; e, por conseguinte, de mesmo a idéia da substância, uma vez que sois
tudo aquilo que foi dito aqui antes, é preciso uma substância, não podeis, apesar disso, ter
concluir necessariamente que Deus existe". Cis de vós mesmo a idéia da substância infinita,
que chegastes ao fim a que aspiráveis; quanto uma vez que sois infinito". Contudo, vos enga
a mim, como abraço a conclusão que tirastes, nais grandemente, se credes ter a idéia da
também não vejo de onde pudestes deduzi-la. substância infinita, que não pode estarem vós a
Dizeis "que as coisas concebidas de Deus são não ser apenas de nome, e no modo em que os
tais que não puderam vir de vós mesmo", para homens podem compreender o infinito, e que,
daí inferir "que elas devem ter vindo de Deus". de fa