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Análise da Música Brasileira –

Parte 2
21 de abril de 2017

Análise das Composições: Acordes

Aqui o foco não é a letra das músicas, mas sim sua configuração
harmônica, analisada através dos acordes[1] presentes. Pra começar,
vamos plotar os artistas de maneira a visualizar ao mesmo tempo 4
dimensões dos acordes. Gráficos de bolhas são excelentes para isso.

Vemos no gráfico acima todos os artistas brasileiros. Quanto mais à


direita, maior o índice de raridade dos acordes, o que significa
basicamente que as composições são mais originais, ao menos do ponto
de vista dos acordes utilizados. O recifense Lenine é o campeão nesse
aspecto, pois os acordes que ele tipicamente utiliza são em média menos
utilizados por outros artistas. Quanto mais acima, mais variado é o
“acordário” do artista, o que denota uma exploração maior das
possibilidades harmônicas. Aí, ninguém supera Chico Buarque.

Outras duas dimensões são visualizadas. O tamanho da bolha indica o


tamanho (em caracteres) dos acordes cifrados, medida que
pretende identificar o número de alterações na formação mais simples
dos mesmos. Nesse caso, Ed Motta é o maior destaque. Já a cor da
bolha mede o percentual de acordes únicos dentro do repertório do
artista, valendo aplausos para artistas que conseguem manter um nível alto
desse indicador mesmo contando com uma quantidade grande de acordes
únicos, como Tom Jobim e Jorge Vercilo.

E o que falar de Djavan? Destaque em simplesmente TODAS as


dimensões?

Próximos à origem do gráfico ficam artistas com pouca variabilidade,


complexidade e originalidade de composições. Dominam o “feijão com
arroz” musical o expoente do brega Bartô Galeno e o grupo de sucesso
espirrônico Rouge (desculpe se te fiz lembrar da música chiclete
demoníaca “Assererrê, ah, errê…”).

Quem mais se destaca? E quanto aos os gêneros musicais? Vejamos, para


cada uma das métricas citadas, os 10 artistas e gêneros mais relevantes,
lembrando que, para o caso dos gêneros, os valores estão ponderados
pela quantidade de músicas dos artistas.

Top 10: artistas e gêneros, pela quantidade de acordes distintos


utilizados
Com Chico Buarque e outros nomes da MPB liderando o ranking de
artistas, a MPB acaba também se destacando entre os gêneros. Observe
como o acordário de Chico supera em 2,5 vezes a média ponderada do
gênero!

Top 10: artistas e gêneros, pelo percentual de acordes distintos


utilizados
Essa medida destaca nomes novos, como o grupo de MPB carioca Crombie,
e nomes da velha guarda da MPB, como Lupicínio Rodrigues e Paulo
Vanzolini.

Top 10: artistas e gêneros, pelo tamanho médio dos acordes


utilizados
Esse indicador destaca o pessoal mais técnico, que explora mais as
harmonias. Nomes da clássica MPB e da Bossa Nova aparecem, mas o
incrível Ed Motta lidera o ranking com seu Blues/Soul/Funk. A Bossa
Nova de fato explora acordes mais trabalhados, enriquecidos com nonas,
sextas e outras variações. Nada de três notinhas básicas. O resultado é a
liderança dentre os gêneros considerando o tamanho dos acordes.

Top 10: artistas e gêneros, pelo indicador de raridade dos


acordes utilizados
Lenine é um daqueles músicos que reconhecemos de cara ao ouvir uma
música inédita. Não só os acordes como a batida da música são quase que
exclusivos. A liderança nesse ranking mostra que os acordes utilizados pelo
artista são na média os menos utilizados pelos demais. Originalidade na
veia, meu velho! Impressionante também, embora esperado, o
protagonismo do gênero Blues/Soul/Jazz. Mais que o dobro do segundo
maior gênero em raridade dos acordes. Isso também condiz com a
facilidade com que se identifica uma harmonia “bluesêra” por aí.

Tudo isso foi muito interessante, mas o melhor ficou pro


final.

E se recriássemos os gêneros musicais brasileiros, utilizando medidas de


similaridade entre os acordários (todos os acordes) dos artistas?
Conseguiríamos subverter as classificações vigentes? Bom, talvez isso seja
um pouco polêmico, pois já adianto que juntei Legião Urbana e Asa de
Águia… #PAZ

Para realizar esse novo agrupamento, utilizei técnicas de clusterização por


similaridade textual, basicamente transformando cada sequência de
acordes dos artistas em vetores numéricos comparáveis pela coincidência
entre termos. Não entrarei em detalhes sobre a técnica. Sugiro para os
interessados a leitura deste artigo.

Vejamos os resultados, no diagrama abaixo.

O que o diagrama faz é criar grupos (clusters) de artistas a depender do


quanto seus acordários são semelhantes. Como os grupos gerados juntam
gente de diversos gêneros musicais, criei uma nova classificação de
gêneros, baseada apenas nos acordes utilizados pelos artistas (não tenho,
obviamente, a mínima pretensão de que isso seja usado amanhã pela MTV
ou pelo Spotfy). Eis os novos gêneros:

Feijoada Clássica: Brega, Sertanejos antigos, Jovem Guarda.


Mistureba: Rock 80, Axé, Forrós atuais, Sertanejos atuais.
Leve Seu Filho pro Bom Caminho: Rock 90’s, Punk etc.
Ouça Com Seus Pais: Ases da MPB, Velha Guarda, Sambas
elaborados.
Pra Ninguém Reclamar: MPB atual, Axé e Pagode cult, Reggaes e
Funks melódicos.

A impensável junção entre Legião e Asa de Águia ocorre no grupo


Mistureba, que na prática, ao que parece, juntou acordários mais
enxutos, como é próprio da Legião, dada suas influências oriundas do Rock
Inglês e do Punk. O Axé Music de 90 pra cá também investe em harmonias
simples.

Boa parte das bandas de Rock dos anos 80 ficam junto com Legião no
“Mistureba”. Interessante ver como há uma diferença clara entre as
composições do Rock 80 e do Rock 90. Bandas como Raimundos,
Charlie Brown Jr e Planet Hemp ficaram no grupo denominado “Leve seu
Filho pro Bom Caminho“, um dos mais concisos, vide sua posição mais
destacada dos demais no diagrama.

Basicamente, a lógica de acordes mais rebuscados e mais simples provocou


a cisão interna de diversos gêneros, como o Sertanejo, o Forró e até o
Axé. Este último, por exemplo, teve seus representantes divididos entre os
grupos “Mistureba” (músicas mais simples, como as do Babado Novo)
e “Pra Ninguém Reclamar” (onde estão os representantes mais atentos
à harmonia, como Netinho e Banda Eva), se juntando com a nova MPB.

Curioso pra saber os índices de seu artista preferido?

Baixe aqui a tabela completa com todos os artistas, gêneros, indicadores


relacionados aos acordes e os grupos criados!

E pra finalizar a seção, veja estas nuvens de acordes, representando os


tipos mais utilizados por 2 artistas destacados aqui. Será que você
identifica eles?
Se gostou, compartilhe/comente/curta. E volte aqui em alguns dias para
ver a análise das músicas sob o prisma das letras!

Todas as partes do estudo: PARTE 1 – PARTE 2 – PARTE 3 – PARTE 4

[1] Um acorde é o conjunto harmônico de 3 ou mais notas musicais. O mais


simples possível é o chamado acorde natural, que recebe o mesmo nome da
nota do primeiro grau da formação. Mais informação aqui.

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