defrontado com um maior número de gestações múltiplas, fruto da evolução científica e da reprodução assistida. Observamos o nascimen- to de gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos com até certa natura- lidade, visto que são cada vez mais freqüentes. Nesse sentido, psicanalistas Rosana Igor Rehfeld vêem-se com questões novas. Pais grávidos de gestações múltiplas procuram orientação, e crianças gê- meas ou trigêmeas são trazidas para análise. Lawrence Wright (1997), jor- nalista americano interessado nesse tema, diz que “os gêmeos têm confundido a humanidade desde o princípio dos tempos, quase como se fora uma brincadeira divina para pôr em dúvi- da nosso sentido de individualidade e de ser únicos no mundo”. Todas as culturas têm de fazer frente ao fenômeno dos Gêmeos e che- gar às suas próprias conclusões. Sabe-se, por exemplo, que em algumas sociedades indígenas o nascimento de gêmeos era vivido de forma trágica. Achavam, os índios, que um gêmeo era dotado de uma “alma boa”, en- quanto o outro tinha uma “alma do diabo” . Como não sabiam quem era o representante do bem e quem era o do mal, sacrificavam os dois bebês para que nada de ruim ocorresse na tribo. Na antigüidade, em algumas culturas os homens cortavam um de seus testículos, com a crença de que, assim, evitariam ter filhos gêmeos. Por outro lado, os participantes de Vodu da África Ocidental e do Haiti exaltam os gêmeos como seres sobrenaturais com uma só alma, que devem ser ve- nerados e temidos. Na bíblia, encontramos a conhecida história de Esaú e Jacob, narrada no livro de Gênesis, capítulo XXV. O mito gira em torno dos filhos gêmeos de Isaac e Rebeca. Trata-se da história do roubo da primogenitura de Esaú por Jacob, ajudado por sua mãe Rebeca. Psicanalistas valeram-se desse relato para colocar em evidência as fan- tasias inerentes ao complexo fraterno em gêmeos, as conseqüências patogênicas das colusões conscientes e inconscientes entre mãe-filho, bem como a luta de poder entre os sexos no casal e suas conseqüências atuadas nos filhos. Na literatura mundial e no cinema, vários escritores valeram-se de gêmeos como personagens de histórias e biografias. Na mitologia, temos Rômulo e Remo; no cinema, temos Beverly e Elliot Mantle (“Gêmeos, mórbida semelhança”); apenas para citar alguns. A partir do estudo teórico e da prática clínica, observei que a questão da gemelaridade pode ser entendida desde pelo menos três pontos de vista: – da mãe em relação a cada um dos bebês; – de cada bebê em relação a sua mãe; Rosana Igor Rehfeld – do complexo fraterno, ou seja, o olhar de cada bebê em relação ao seu irmão. Pretendo, assim, neste trabalho, trazer alguns aportes teóricos de Freud e Winnicott com relação ao duplo, ao narcisismo e à formação da identidade, bem como trabalhar o complexo fraterno em gêmeos a partir de autores contemporâneos com Kancyper e Braier.
Para iniciar o estudo teórico acerca de gêmeos, precisamos nos reme-
ter ao narcisismo primário e à criação do duplo. Freud (1920) traz o conceito de narcisismo primário e demonstra a passagem do auto-erotismo ao estágio constitutivo da unidade do sujeito, ou seja, à investidura das pulsões parciais auto-eróticas. Emergindo da fragmentação, esse ego incipiente realiza um duplo movimento. Mediante a projeção, funda uma primeira exterioridade como modo de fazer consciente os processos inconscientes antes do advento da palavra. Configura-se uma primeira realidade sensorial, criando um duplo sobre o qual recai o narcisismo inicialmente colocado no corpo. Num mo- vimento seguinte, o ego apodera-se identificatoriamente daquilo que foi projetado no objeto. É o momento da identificação primária e da constitui- ção do sentimento de ser. Formam-se, assim, os duplos da época do narcisismo primário. Em 1919, Freud, no trabalho intitulado “O Estranho”, descreveu três tipos de duplos: imagem especular, sombra e espírito . Esses se igualam devido à forma de produção (projeção e identificação) e se diferenciam através do tipo de representação-corpo que será projetado no mundo sensorial como duplo. Cabe salientar ainda um outro tipo de duplo, descrito por Freud em 1911, numa carta a Jung: a placenta (McGUIRE, 1993). Nesse caso, confi- gura-se o tipo primordial de duplo, que remete ao feto e sua placenta na criação do indivíduo. Freud ilustra esse tipo de duplo com o mito de Rômulo e Remo, em que o mais frágil dos dois haverá de morrer, igual à placenta. Ainda nessa carta a Jung, Freud lembra Frazer e menciona que em povos primitivos se dava à placenta o nome de irmão ou de gêmeo, e, como tal, tratava-se de alimentá-la e cuidá-la por muito tempo. Consistirá, então, em um duplo mais primitivo e elementar, como uma placenta mes- mo, destinada a perder-se. Vimos, então, que a unidade do ego só poderá se fazer mediante a projeção do interior de um corpo sobre o outro, objeto externo, corpo ma- terno que recebe a projeção e, como um espelho, permite a identificação. Sempre a unidade egóica implica um par ego-objeto, dentro-fora, cons- ciente-inconsciente: uma mãe, um bebê. Entretanto, no caso de gêmeos, trigêmeos ou mais, não existe EU, e sim NÓS. Dois ou mais bebês necessi- tam de uma mesma mãe para nascerem psiquicamente como sujeitos. Joyce McDougall (1988) trabalha com o conceito de um só corpo para dois, quando se refere às estruturas narcísicas. Ana Maria Baceiro (1991, p. 175), quando fala em gêmeos e sua mãe, propõe pensar um “aparelho psíquico para dois”. Diz essa psicanalista argentina:
No caso de gêmeos, o ego não se coloca em uma posição sujeito ativo.
Não consegue uma identificação plena com o duplo ou modelo. Fica interferida a capacidade de ligar a pulsão que ameaça o aparelho psí- quico com o surgimento de um afeto insuportável, como conseqüência de uma falha na identificação primária. Não é que o sujeito não se constitua, mas fica descentrado do ego e realiza uma identificação substitutiva com o outro sujeito identificado com o modelo ou ideal: o outro gêmeo. O sentimento de ser, que deveria surgir como ganho da identificação primária, fica substituído por um sentimento de inalteridade que protege, entretanto, de um colapso afetivo .
A potencialidade psíquica de cada bebê de gerar seu próprio duplo
sempre está presente. Mas, como lembra Baceiro (1991), essa produção deverá dar-se em um contexto vincular em que a possibilidade de a mãe cumprir uma dupla função está em jogo. Aqui, a mãe, objeto refletor, de- Rosana Igor Rehfeld volve uma só imagem para dois. Quando penso nessa idéia, pergunto-me: Será isso possível? Uma mesma mãe reflete a mesma imagem para dois? Poderá ser a mesma mãe para dois bebês diferentes? Winnicott (1957, p. 154), em seu artigo “Gêmeos”, diz que a maioria das mães, se tivessem sido consultadas, não teriam optado por terem mais de um filho numa mesma gestação. Também diz que, apesar de muitos gêmeos parecerem bastante satisfeitos com sua situação, usualmente “con- fessam que teriam preferido chegar cada um por sua vez”. Segue dizendo que, logo ao nascer, o bebê inicia a formar a base de sua personalidade, individualidade, e a descobrir a própria importância. Isso só se dará se esse bebê puder experimentar um “egoísmo primário” (WINNICOTT, p. 155): a vivência de uma mãe suficientemente boa, capaz de adaptar-se totalmente às exigências pulsionais de seu bebê e que esteja apta a propiciar a seu filho o sentido de posse e a sensação de que a mãe foi criada para a ocasião. O fato de um gêmeo ter sempre um ou mais bebês com quem se de- frontar reveste seu desenvolvimento psíquico de algumas peculiaridades. Winnicott (p.156) diz que é possível e determinante para o desenvolvimen- to normal que os gêmeos sintam, de fato, que cada um exerce, a seu modo, a posse da mãe no princípio de suas vidas. Para tanto, “a mãe de gêmeos tem uma tarefa extra, acima de todas as outras, que é dar-se toda a dois bebês ao mesmo tempo”. Ilustrarei o exposto acima com material clínico. Recebi A. em análise quando esta tentava engravidar já há alguns meses, sem sucesso. Precisou submeter-se a um tratamento e engravidou de gêmeos. Num primeiro momento assustou-se muito, apesar de saber que a gravidez gemelar poderia ocorrer, como havia sido esclarecida pelo médico. Fez uma fantasia de que não conseguiria levar a gravidez a termo e que perderia os bebês. Entrou em angústia e também desenvolveu sinto- mas fóbicos. Só saia de casa para ir à análise. As sessões giravam em torno de seus sentimentos ambivalentes e de suas dúvidas com relação ao que chamava de seu “talento materno”. Per- guntava-se: Como poderei ser justa? Como saberei a quem eu amamentei primeiro da última vez? E se eu confundir os nomes? A angústia de A. foi cedendo à medida que a gravidez ia evoluindo bem e seus sentimentos podiam ser compartilhados e entendidos. Vimos em análise que seus receios em relação aos bebês eram legítimos e justifi- cáveis, visto que uma só mãe não pode atender às necessidades de dois bebês ao mesmo tempo. Entretanto, foi a partir de um sonho que a angústia e o medo da paciente puderam ser melhor compreendidos. A. sonhou que sua irmã mais velha havia recebido da mãe, que era doceira, a responsabilidade de entregar duas encomendas a duas clientes. A irmã levou apenas uma das caixas e deixou a outra sobre o sofá da casa. Quando voltou, à noite, a casa estava cheirando mal. Os doces esquecidos haviam estragado, e a mãe perdeu uma das clientes. A partir das associações, A. contou-me que possuía uma irmã do mes- mo sexo dez meses mais velha, muito parecida fisicamente com ela e que “bem poderia ser tomada por sua gêmea”. Falou pela primeira vez dessa irmã quase gêmea, da competição pela atenção da mãe, do amor e do ódio que sentiam uma pela outra, e da enorme amizade que possuíam hoje em dia. Nesse momento, A. estava identificada com seus bebês. Contou que a mãe colocou-a em um turno diferente do da irmã na escola para que pudes- se cuidar de uma de cada vez. Em função do trabalho e também da quanti- dade de filhos, A. fora esquecida muitas vezes na escola. Voltava para casa acompanhada por uma servente que morava perto, e às vezes a mãe nem havia dado por sua falta. Entendemos que se sentia, naquelas ocasiões, como a caixa de doces esquecida no sofá, e que o mau cheiro representava para ela suas dificuldades emocionais, que a faziam duvidar de sua capaci- dade para cuidar de seus bebês, assim como a mãe. Também a questão da perda de uma das clientes talvez estivesse liga- da ao seu projeto original de ter apenas um bebê. A partir do estudo teórico da experiência clínica, penso que a psicaná- Rosana Igor Rehfeld lise precisa desenvolver um olhar atento para esse momento da sociedade em que um grande número de gêmeos está nascendo. Um aporte técnico interessante e indispensável ao atendimento psica- nalítico de gêmeos diz respeito ao estudo desenvolvido por Luis Kancyper (1995) sobre o complexo fraterno. Coloca esse autor que, na estrutura fra- terna, intervém a dinâmica do duplo, mas com uma singularidade: é um duplo consangüíneo. Assim, a filiação consangüínea e o duplo como obje- to de projeção narcisista operam de forma conjunta e são estruturantes da personalidade, possuindo uma fantasmática particular em cada sujeito. Kancyper (p. 50) diz que “o irmão é um semelhante demasiado seme- lhante”. Essa colocação refere-se a toda classe de irmãos, mesmo aqueles que não são gêmeos. Uma colega psicanalista conta que seu filho menor, ao olhar-se no espelho, quando tinha em torno de 2 anos, disse: “Lipe?” Felipe é seu irmão maior, na época com três anos e meio. O irmão é simultaneamente um duplo e um estranho, e sua proximida- de consangüínea favorece ser ele o depositário de certos aspectos inaceitá- veis de si mesmo. Por outro lado, Marcel Rufo (2002, p. 40) comenta:
O duplo, que desde sempre fascina, representa o companheiro ideal,
aquele que entende tudo no primeiro olhar. Na verdade, essa fantasia permite que nos projetemos em outra existência. O gêmeo imaginário, a maneira de um anjo da guarda, conta a outra vida que cada um de nós sonhou.
Kancyper (2002, p. 7) enuncia algumas fantasias que são típicas do
complexo fraterno. São exemplos as fantasias fratricidas, furtivas, de complementaridade, de bissexualidade, de confraternidade, dentre outras. Com relação ao complexo fraterno em gêmeos, diz esse autor que en- contramos uma particular fantasia, a da existência de um só espaço, de um só tempo e de uma só possibilidade para dois. Por exemplo, existe só uma carreira profissional, uma beleza excludente, uma posição econômica e social. Se uma irmã é mãe, a outra é tia, se uma é inteligente, a outra é burra, e assim por diante. “Esta dimensão de sacrifício entre os gêmeos é uma conseqüência de fantasias superpostas de roubo e de simbiose (de fu- são e de confusão, de apropriações mútuas de papéis e de funções) e opera como as raízes que nutrem os remorsos e os ressentimentos mais virulen- tos”. Para encerrar, gostaria de voltar a Freud e ao duplo. Na fratria gemelar, o duplo especular se impõe. Ele tem um caráter familiar e ao mesmo tempo estranho, e corresponde a uma época primitiva do desenvolvimento infan- til, em que ego e mundo externo ainda não estavam bem delimitados. Ain- da no artigo de 1919, Freud diz que existe um efeito estranho, repulsivo, quando se anulam os limites entre fantasia e realidade. No momento em que aparece à nossa frente como real algo que havíamos tido como fantasmático, um símbolo assume a plena operação do simbolizado. O du- plo opera com os limites da mesmice e da alteridade, e pode ser fonte de angústias confusionais e de relações de objeto narcisistas: “se instala na espacialidade psíquica do sujeito como um inquilino violentador que im- pede o ego de ser o dono de sua própria casa e o transforma em seu próprio escravo”. O duplo especular manifesta-se de uma forma eloqüente na gemelaridade, como já foi mencionado acima. É o suporte da tensão surgida entre a impossibilidade de uma exata coincidência espelhada em um outro e pela inquietante ameaça da perda ou roubo parcial ou total da identidade. Caracteriza-se pela bipolaridade. Como diz Lacan (1936, p. 14), “evocam a predestinação e a antecipação de uma permanência e imortalidade [...] e, por outro lado, suscitam o terror a um enfrentamento com o similar, portanto, com o redundante que ameaça a unicidade”. Marcel Rufo (2002, p.147), psiquiatra francês, refere-se aos gêmeos como “fratria extrema”, sintetizando o que busquei expor acima. Rosana Igor Rehfeld Gostaria de dividir com os colegas uma experiência que julgo singu- lar: Celso tinha 6 anos quando o conheci. Era tão pequeno que cabia num carrinho de bebê, que efetivamente era seu meio de transporte. Ele só tinha uma perna e ainda não podia usar prótese. Usava fraldas, e várias partes de seu corpo, especialmente os órgãos internos, como aparelho digestivo e urinário, eram frutos de várias cirurgias reconstrutivas funcionais e estéti- cas. Ou seja, como costuma dizer Luis Kancyper, poderia ser considerado um “sobremorrente”. Ele era o gêmeo vivo de uma dupla de xifópagos que havia sido separada com algumas semanas de vida. Para que ele vivesse, seu irmão teve de morrer. Levei muitos anos para escrever sobre esse caso, tanto devido ao sigi- lo quanto em função de meus sentimentos contratransferenciais. O que lembro de Celso é que ele não era um “sobremorrente”, e sim um “sobrevivente”. Se em seu corpo faltavam pedaços, em seu mundo in- terno sobravam fantasias, desejos, questões. Muito inteligente, aprendeu a ler e escrever naquele ano. Um pedagogo ia a sua casa e trabalhava com ele no computador. Tam- bém freqüentava uma clínica de fisioterapia, três vezes por semana, e aí era seu único contato com crianças de sua idade. Em sua caixa de jogo, havia um cachorrinho peludo e pequeno, alguns carrinhos, cordão, pedaços de pano, papel, lápis, tesoura e cola. Celso já fazia psicoterapia desde muito pequeno. Sua terapeuta mu- dou-se de cidade e eu fui convidada por ela a seguir com o caso. Fizemos muitas reuniões, eu, minha colega e sua supervisora. Optamos por uma passagem gradual e o mais cuidadosa possível, pois imaginávamos o que significaria para Celso essa separação. Fizemos sessões conjuntas eu, ela e Celso. Também eu, minha colega e os pais de Celso. Celso brincava com cordões. Fazia e desfazia nós. Cortava cordões com tesoura. Naquela situação de passagem, trabalhávamos a separação da antiga terapeuta e o início da relação comigo. Celso tinha dificuldades em expressar raiva e mesmo tristeza. Minha colega assinalou a separação de Celso de seu irmão gêmeo, e o medo que este estava de que ela morresse como o irmão. Combinou com o menino de mandar-lhe cartões de sua nova cidade e que, se ele quisesse, poderiam manter uma correspondência para que ele ficasse tranqüilo de que ela se mantinha bem de saúde. Durante os três anos em que trabalhei com ele, Celso não permitia que falássemos diretamente do irmão gêmeo que morreu para que ele continu- asse vivo. Esse luto da antiga terapeuta suscitou o antigo luto que aparecia em desenhos de “dragões de duas cabeças”, “caixas pretas e pequenas que eram enterradas num jardim e se transformavam em raízes perigosas que poderiam pegar o pé do menino que dormia naquela casa”. Eu tentava interpretar os desenhos de Celso com outros desenhos. Por exemplo, juntos cortamos muitas vezes as cabeças dos dragões, fazíamos caixas e enterrávamos no fundo de sua caixa de jogo. Fazíamos um “tea- tro” do enterro no qual chorávamos, e ele dizia: “só de brincadeira... só de brincadeira”. Depois de um tempo de análise comigo, Celso passou a desenhar per- sonagens e suas sombras. No início, as sombras eram muito grandes, maio- res do que seus donos. Com o tempo, as sombras foram diminuindo até sumirem. Também o jogo infantil de esconde-esconde era muito utilizado por Celso para expressar suas emoções mais primitivas, ainda que o desloca- mento do menino pelo chão do consultório se fazia difícil. Certa vez, per- guntei-lhe: O que será que tu procuras Celso? Ele respondeu: “o outro Cel- so!” Depois dessa fala, tratou logo de mudar de jogo, não permitindo que eu lhe falasse nada e não voltando a brincar de esconde-esconde. A mãe de Celso era muito resistente a ter sessões comigo, dizia que trazia o Celso mas não gostava muito de conversar. Penso que a separação da antiga terapeuta foi vivida por ela como um novo trauma, que atualizava a perda do outro gêmeo. A mãe acabou encerrando a análise de Celso pre- maturamente. Não tolerou o fato de eu e a equipe que trabalhava com ele termos conseguido uma escola pública que aceitou Celso com toda a sua Rosana Igor Rehfeld deficiência. Só aceitaria se pudesse acompanhá-lo todo o tempo. Não esta- va preparada para deixá-lo ir e enfrentar a vida. Ela era o “outro Gêmeo”, tinha com o filho uma ligação siamesa. Tirou, assim, Celso da análise.
Para Winnicott, a gemelaridade é uma desvantagem inata. Kancyper
também concorda que a condição de gêmeos tem uma potencialidade trau- mática, à medida que esta é uma condição existente desde a “entrada” na vida. No entanto, ambos os autores concordam que a condição especial de gêmeos só se constituirá traumática à medida que as crianças e seus pais não puderem transitar pela mesma com espontaneidade. O principal é que os pais enalteçam as diferenças, em vez das semelhanças, entre os filhos. Com relação à abordagem terapêutica de gêmeos, esta não supõe mo- dificações na técnica. Resulta evidente, entretanto, que a situação de gê- meos deve ser considerada um fator relevante, relacionada com um singu- lar complexo fraterno, mas não como o único fator, e sim como outro entre os diversos fatores determinantes. Kancyper (2002, p. 24) alerta que o importante é que o paciente e seu analista não convertam a situação inicial de gêmeos em uma categoria par- ticular, com o risco de criar-se um tipo de “subidentidade de excepcionalidade”. A valorização excessiva dessa “subidentidade gemelar” poderá assu- mir um teor defensivo, através do qual o sujeito se arma e se esconde, como uma “condenada vítima” credora de um pré-fixado e imutável desti- no. Isso determinaria um caso de fracasso do tratamento analítico.
Devido ao aumento do número de gestações múltiplas na atualidade, fruto
da reprodução assistida e da evolução da ciência, a autora faz uma breve revisão da literatura psicanalítica a respeito da gemelaridade e ilustra com material clíni- co. From Esau and Jacob to in Vitro Fertilization – Multiple Births in the Light of Psychoanalysis The increasing number of multiple pregnancy in our days is a result of techniques of fertilization and science evolution. The author gives us a short revision of psychoanalysis literature about twins.
De Esaú e Jacob a la Reproducción Asistida – La Gemelaridad a la Luz
de la Psicoanálisis Debido al aumento del número de gestaciones múltiples en la actualidad, fruto de la reproducción asistida y de la evolución de la ciencia, la autora hace una breve revisión de la literatura psicoanalítica al respecto de la gemelaridad e ilustra con un caso clínico.
Gêmeos; Duplo; Complexo fraterno.
Twins; Double; Fraternal complex.
Gemelos; Duplo; Complejo fraterno.
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