A FELICIDADE
SEGUNDO
JESUS
Russell P. Shedd
tradução
Corcion Chown
Conteúdo
"kw
Pelo fato de conhecer bem a cultura brasileira e a alma do nosso povo, os escritos
do Dr. Shedd trazem embutido um sabor todo verde e amarelo. É gratificante ler suas
palavras tão bem escolhidas como, por exemplo, quando se refere ao publicano com a
alma "ensopada de pecados". A Felicidade segundo Jesus fala bem de perto ao coração do
brasileiro também pelos muitos exemplos que trazem como cenário cidades e locais
muito familiares como a cidade de São Paulo (numa alusão que ele faz às chuvas torrenciais
do verão paulistano), a Praça da Sé (na capital do estado de São Paulo, famosa pela
presença de crianças abandonadas) e Cambuquira (em Minas Gerais, ao mencionar
uma conferência bíblica ali realizada). Esses detalhes fazem com que nos sintamos em
casa durante a leitura.
Edições Vida Nova deve sua própria existência ao trabalho que durante anos o Dr.
Russell Shedd desenvolveu como missionário, primeiramente em Portugal, e agora há
mais de 35 anos no Brasil. Sua visão de colocar à disposição dos falantes de português
uma literatura teológica sadia e de nível acadêmico está hoje mais do que concretizada e
solidificada pelo ministério da Vida Nova. Seus mais de 220 títulos já impressos
conferem-lhe a posição de liderança nacional como publicadora de obras acadêmicas de
teologia evangélica. Como o próprio Dr. Shedd sempre costuma dizer, é somente a
Deus que toda glória deve ser conferida. Mas gostaríamos de acrescentara isso que
somos infinitamente gratos a Deus e o glorificamos pelo fato de um dia ter chamado
um servo tão fiel, humilde e consagrado para trabalhar entre os brasileiros. A Deus toda
glória, e ao Dr. Shedd toda gratidão da igreja brasileira!
Pettingill estava errado, com toda a certeza. Mateus escreveu para as igrejas dos
seus próprios dias e tempos - para a era da graça. Jesus não fez uma exposição da
vontade de Deus para um futuro distante, mas para a igreja, o povo da Nova Aliança. A
promessa segundo os profetas seria cumprida mediante a vinda do Espírito. A lei de
Deus seria escrita no coração dos crentes. Assim como a lei corretamente entendida não
podia ser observada dependendo-se de esforço próprio, esse sermão envolve a graça e o
perdão. Jesus declarou que, para aqueles cuja justiça não exceder a dos estribas e dos
fariseus, a porta de entrada no Reino permanecerá fechada (Mt 5.20). Com isso
queria dizer que a justiça aos próprios olhos não era a essência da lei, nem é ela o âmago
desse sermão. Jesus, mediante a sua morte e ressurreição, atribui a
sua justiça a todos quantos nele crerem (1Co 1.30). Deve haver, no entanto, um reflexo,
da santidade interior que o Espírito Santo implanta naqueles que o conhecem. Há
mandamentos a serem obedecidos por aqueles que declaram que Deus neles habita Go
14.23). C. E Hogg e J. B. Watson declaram: "Nada existe no sermão que não se ache
noutra forma nas epístolas; e, realmente, pouquíssima coisa que não se ache
implícita ou explicitamente naquelas escritas pelo apóstolo enquanto era
prisioneiro em Rorna".' As verdadeiras características dos "filhos do reino" são
demonstradas nas bem-aventuranças mais claramente do que em qualquer outra parte do
sermão. Nesse trecho, não há maneira de deixar despercebida a contracultura do caráter
do Rei vivendo a sua vida nos seus discípulos e através deles. Aqui descobrimos a
"imagem" do Filho de Deus (cf. Rm 8.29) e a perfeição que o Pai exige dos seus filhos
(Mt 5.48). Devemos imitar essa viva descrição de Cristo. Somente ele pós em prática na
carne humana a bemaventumnça das bem-aventuranças, pois somente ele exemplificou
com perfeição todas elas. Nisso conseguimos captar melhor a intenção de Paulo ao
escrever: "Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne..."
(Rm 13.14).
Antes de convidar o leitor a notara riqueza de significado em cada uma das bem-
aventuranças, quero ressaltar algumas considerações. Em se tratando da unidade das
bem-avenrunnças, não há dúvida de que Stou tem razão. As oito bem-aventuranças não
descrevem cristãos diferentes que possuem uma ou outra dessas características. Pelo
contrário, visam caracterizar todos os seguidores genuínos de Cristo. As bem-
aventumnças não são como presentes dados aos misericordiosos, ou humildes, mas que,
entretanto, não são mansos. O cristão que possui uma das bem-aventuranças deve
possuir todas elas.
Cada uma das oito descrições é de uma qualidade espiritual fundamental, mais do
que uma representação de realidades físicas ou políticas. Isso não significa, no entanto,
que essas virtudes têm pouca ou nenhuma aplicabilidade ao mundo real e à nossa
existência de todos os dias. Pelo contrário, é exatamente por serem espirituais que são de
suprema importância em todos os relacionamentos e atitudes humanos. Assim como o
Verbo (Logos) que se tornou carne a fim de tornar real, tangível e visível a glória de Deus,
ascaracterísticas espirituais do cristão "bem-aventurado" devem ser reconhecíveis. Por
certo, é justamente por isso que as bem-aventuranças parecem contradizer o bom-senso.
Nelas, a cidadania celestial reveste-se, na terra, de expressões visíveis (cf. Fp 1.27; 3.20;
1Pe 1.1, 17).
Devemos entender que as bem-aventumnças proclamadas por Jesus são bênçãos
verdadeiras. A palavra "bem-aventurado" (makarios, em grego) significa "feliz", não por
causa das circunstâncias externas, mas por causa da fé mediante a qual o crente recebe
antecipadamente os benefícios que Deus lhe prometeu (Hb 11.1). Jesus promete aquela
alegria espiritual que também conhecemos como fruto do Espírito Santo (GI 5.22). As
bênçãos, assinaladas sempre na segunda parte de cada bem-aventurança, descrevem os
privilégios de pertencer ao reino de Deus e de gozar dele. Cada uma das bem-
aventuranças deve ser considerada parte essencial de um todo. Quem, portanto, recebe
uma das bênçãos aqui prometidas deve desfrutar de todas elas.
Desejo, agora, explicar aos meus leitores o que penso ser o significado de cada
uma das bem-aventuranças e oferecer minha tentativa de aplicá-las de modo relevante.
1
A Felicidade dos
Humildes de Espírito
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Lembre-se de que Jesus disse aos seus seguidores que, a não ser que se tornem
como criancinhas, não entrarão no reino de Deus (Mc 10.15 e paralelos). Nem todas
as características das crianças são admiráveis, de modo que talvez seja proveitoso dedicar
algum tempo para pensar no que existe de recomendável na natureza de uma criancinha:
1) As crianças se dispõem a reconhecer publicamente que erraram.' As crianças estão
bem dispostas a se esquecer dos seus ressentimentos e receber pessoas que antes eram
inimigas. 2) O que deve nos impressionar é que as crianças facilmente se deixam ensinar.
Estão prontas a reconhecer que não sabem alguma coisa e, portanto, têm muita
capacidade para aprender. 3) As crianças reconhecem que precisam de disciplina
quando fazem algo errado.' Não têm a mesma disposição dos adultos de tentar justificar
suas ações erradas, nem de procurar contrabalançar suas más ações com ações boas.
A "síndrome do filho mais velho" na Parábola do Filho Pródigo deixa claro esse
aspecto, pois desmascara a corrupção do coração endurecido pela soberba. Quando o
filho mais velho resistiu ao convite para participar da festa de boas-vindas ao seu
irmão "perdido", demonstrou a oposição que o orgulho ferido faz surgir no coração.
Ele se considerou maltratado pelo pai gracioso... não apenas se recusou a participar da
festa do perdão, mas também criticou amargamente seu pai. "... todos esses anos tenho
trabalhado como um escravo para o senhor e nunca desobedeci às suas ordens. Mas o
senhor nunca me deu um cabrito para eu festejar com os meus amigos" (Lc 16.29, NVI).
Os pobres de espírito nunca reagem à graça com orgulho ferido.
John Owen, um, dos grandes puritanos do século xvii, escreve que "é muitíssimo
aceitável diante de Deus que nos regozijemos em comunhão com ele, no seu amor. Que
ele seja acolhido em nossa alma cheia de amor e de ternura. A carne e o sangue tendem a
ter pensamentos antipáticos contra ele. Nada é mais triste para nosso Senhor e mais
subserviente aos desígnios de Satanás do que pensamentos como estes". Foi essa a
mentalidade do terceiro servo, que escondeu seu talento na terra. Revelou seu coração
orgulhoso mediante as seguintes palavras: "Senhor, sabendo que és homem severo, que
ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhas-
te..." (Mt 25.24). Fica claro que ele não confiava no seu Senhor, nem considerava que
valesse a pena obedecer aos desejos deste. A humildade de espírito explica o serviço fiel
e amoroso dos dois primeiros servos que duplicaram o número de talentos a eles
confiados. Sustentavam um conceito bem diferente no tocante ao Senhor deles. Ele em
bom e generoso. Estava bem disposto para compartilhar as suas riquezas com esses
servos que nada possuíam por conta própria. Esse senhor era tão generoso que lhes deu
gratuitamente os primeiros talentos bem como os que tinham lucrado (Mt 25.21-23).
Ser humilde de espírito é a melhor maneira de descobrir a felicidade que tão
freqüentemente escapa daqueles que procuram uma vida feliz. A frase empregada por
Jesus descreve os que acolheram dentro de si mesmos o espírito humilde de Jesus. Não
se trata de um mero ornamento do cristão. É a essência da vida cristã, conforme afirmou
há muito tempo Richard Baxter, o magnífico pastor puritano. Jesus insistiu na
necessidade de humildade para receber o dom da salvação. O regenerado deve depender
totalmente da graça de Deus. Cristo no crente e o crente em Cristo, isso é o que produz
muitos frutos, conforme disse Jesus: "sem mim, nada podeis fazer" Uo 15.5). A
humildade pode ser aprendida mediante a comunhão com Jesus Cristo, que se oferece
para ensinar aqueles que aceitam com paciência o seu jugo ugo e carregam seu fardo leve
(Mt 11.28-30). Matricular-se na melhor escola para aprender a humildade de espírito
importa em estar vinculado com o Senhor em comunhão inseparável. Que melhor
método didático se pode ter do que o daquele que "a si mesmo não se glorificou" e que,
"embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu" (Hb 5.5, 8)?
Foi a humildade de Jesus que Paulo ressaltou como modelo para a vida cristã
normal. "Tende em vós o mesmo sentimento [atitude] que houve também em Cristo
Jesus." Ele demonstrou essa atitude das seguintes maneiras: 1) Não seguiu o caminho
de Adão, nem de Lúcifer, que tentou usurpara posição suprema do Pai, buscando
igualdade com ele (Fp 2.6). 2) Esvaziou-se a si mesmo, ou seja, despiu-se da glória
divina, a fim de viver entre os homens exatamente como qualquer um deles, porém sem
pecado. 3) Sendo Deus, escolheu voluntariamente tornar-se homem, mesmo com
todas as desvantagens e desafios da vida humana. 4) Humilhou-se até o ponto de levar
sobre si o estigma de um escravo (doidos, em grego). 5) Voluntariamente optou por
obedecer à vontade do Pai, morrendo na cruz. 6) A morte que sofreu foi a mais
humilhante que se pode imaginar, pois foi despido e cravado
numa cruz, forma de execução reservada aos piores elementos da sociedade.
Os humildes de espírito são os que mais claramente vêem a grandeza de Deus. Eles
sentem de maneira tão forte e marcante a sua própria indignidade que não reclamam das
aflições. A soberania de Deus, assim como a sua misericórdia, sempre ordena o que é
melhor. Reconhecem que não podem acalentar ressentimentos, porque percebem que
o perdão que recebem da parte de Deus não conhece limites. Deus não acalenta
ressentimentos contra nós. O coração quebrantado não tem a capacidade de guardar
na memória a culpa dos outros, porque a sua própria culpa lança uma sombra tão
escura que não consegue enxergar nada mais negro do que isso. Sem a humildade, é
impossível alcançar qualquer outra virtude. Os "mestres da espiritualidade
testemunham que, se não tomamos consciência da nossa condição real, jamais podere-
mos ver qualquer outra coisa em sua verdadeira luz. É da humildade — o senso de
contrição interior que fluem todas as outras virtudes cristãs."
A Felicidade dos
que Choram
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Motivos para chorar não faltam nesse mundo caído. É só ir para qualquer
aeroporto internacional e ver como parentes e entes queridos se despedem uns dos
outros. As lágrimas fluem com naturalidade. É só visitar qualquer velório de uma
cidade como São Paulo e observar como os vivos reagem na presença dos seus
mortos. Logo poderemos ver olhos vermelhos de choro. Ninguém acha estranho que tais
separações entre pessoas queridas provoquem choro.
Vale a pena lembrar que Jesus chorou diante do túmulo lacrado de Lázaro Uo 11.35).
Os circunstantes declararam: "Vejam como ele o amava" (v. 36). A compaixão que Jesus sentia
por Maria e Marta já se nota nos versículos anteriores (v. 33). A tristeza delas tornou-se tristeza
dele, assim como ele agora se compadece de nós em todas as nossas provações (Hb 4.15). A
separação provocada pela morte é apenas uma das muitas causas do choro humano. Quem
consegue ver bem-aventurança num ambiente tão trágico?
Jesus também chorou por causa de Jerusalém (Lc 19.41). Seu lamento brotou da
profunda tristeza que sentia, porque essa cidade rejeitara oportunidades para se arrepender.
"Ah! se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto
aos teus olhos" (v. 42). Jesus previu o sofrimento indizível pelo qual Jerusalém, por ter rejeitado
a sua paz, passaria na geração seguinte. O nacionalismo judaico intensificou-
se durante os quarenta anos entre a ressurreição de Jesus e a destruição de
Jerusalém pelos romanos. Se os judeus tivessem acolhido no coração seu verdadeiro
Messias e seguido o seu caminho, essa tragédia teria sido evitada. Jesus chorou,
mas que bem-aventurança há nas suas lágrimas vertidas?
Jesus chorou ainda no jardim do Getsêmani. "Durante os seus dias de vida
na terra, ele ofereceu orações e súplicas, em alta voz e com lágrimas, àquele
que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente
submissão" (Hb 5.7 NVI). Suas lágrimas foram vertidas porque ele levava sobre si
o fardo dos pecados da humanidade e porque previa a agonia da cruz. Realmente
chorou por causa dos nossos pecados. Como aquele que carregou totalmente os
nossos pecados, também suportou uma intensidade de tristeza além da nossa
capacidade de imaginar. Suas lágrimas revelam o alto preço da expiação que ele
pagou por nossa redenção (cf. Is 53.5, 6).
Onde está a bênção nas lágrimas de nosso Senhor? Isaías diz: "Ele verá o
fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito" (Is 53.11). O autor
de Hebreus também menciona que Jesus, rendo consciência da "alegria que lhe
estava proposta, suportou a cruz..." (Hb 12.2). Não devemos deixar despercebida
a verdade de que suas lágrimas não foram derramadas em vão.
A bem-aventurança dos que choram pode ser achada no equilíbrio entre o
pés" santo e a alegria do Espírito. John Arndt expressa bem essa verdade: "Se
alguém olha para si mesmo, vê mais motivos para estar triste do que para
alegrar-se. Se ele olha de modo correto para a vida dos outros, encontra mais
motivos para chorar por eles do que para invejá-los. Por que o Senhor chorou
sobre Jerusalém, que o perseguiu e matou? O pecado que você cometeu e a sua
cegueira o fizeram chorar (Lc 19.42). Portanto, o principal motivo para
chorar deve ser nosso pecado e a falta de arrependimento das outras pessoas".'
O choro de Jesus oferece um modelo para o choro abençoado. Chorou por
causa do pecado, da tragédia que a desobe-
diência e as suas conseqüências infligem sobre os homens. Fica claro que nem
todo choro é abençoado com santo consolo. O choro e ranger de dentes por
causado pecado sem perdão fornece uma ilustração de como Paulo entende a
tristeza para a morte que o mundo sente (2Co 7.10). A tristeza segundo o mundo
traz muitos tipos de desgraça na sua esteira. O divórcio, a depressão, o suicídio
e a guerra - essa é uma breve lista das tristezas do mundo que não trazem
nenhum fruto de bem-aventurança. Quase todos os dias, noticiários pela
televisão nos impressionam com a tristeza do mundo. O seqüestro de um marido
ou pai, o assassinato de um filho, tudo isso faz fluir um rio de lágrimas. A
causa fundamental de toda violência, de assaltos, da dependência de drogas, de
crianças abandonadas e de tudo quanto é desgraça pode ser explicada como a
ruptura do relacionamento entre o homem e Deus. Adão desobedeceu ao mandamento
claro de Deus. Os descendentes de Adão ainda pensam que violar as leis de Deus
é uma infração secundária, com a qual nem sequer vale a pena se preocupar.
Mesmo assim, o pecado, seguido pela separação de Deus, provoca a sua ira.
Semelhante pecado é castigado com tristezas temporais e eternas.
Senhor. "Estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão como para a morte" (Lc
22.33). Parece impossível que Pedro tenha amaldiçoado e jurado: "Não conheço
esse homem..." (Mc 14.71). Nisso não sentiu nenhuma tristeza, a não ser quando
se lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito. Mas logo que a palavra de
Jesus lhe cortou o coração, seu arrependimento foi imediato e profundo:
"chorou amargamente" (Lc 22.62). Abriu a porta para a restauração, para a
conversão segundo a definição de Jesus, que o preparou para fortalecer os seus
irmãos (Lc 22.32).
Judas, por certo, também chorou amargamente por ter traído seu Mestre.
Confessou o seu pecado: "Pequei, pois traí sangue inocente" (Mt 27.4), mas o
fim não foi a restauração, mas a morte por enforcamento, sinal claro do
sentimento que Paulo chamou de tristeza segundo o mundo. Ele não saboreou a
bem-aventurança do consolo que brota do solo preparado pelo Espírito Santo.
Paulo tinha o costume de chorar. Pelo menos parece que durante os anos
importantes do seu ministério em Éfeso, a tristeza preciosa que provém de Deus
inundava o seu coração como ondas do mar. Disse ele aos presbíteros: "... por
três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um" (At
20.31). Se lhe perguntássemos por que chorava, por certo teria respondido que
os sofrimentos dos irmãos, seus problemas não resolvidos e principalmente os
pecados deles, contribuíam para partir o seu coração.
Outra passagem bíblica nos ajuda a entender mais um pouco a tristeza
provocada pelo amor que o apóstolo guardava no coração pelos seus filhos na fé.
Paulo descreve os benefícios da tristeza que Deus produziu no coração dos
coríntios por intermédio da "carta severa", que escreveu com "muitas lágrimas"
(2Co 2.4). Ele mesmo alista vários desses benefícios em 2 coríntios 7.8-16.
Primeiro, Paulo diz que a tristeza produziu "dedicação" (gr. spouden),
isto é, um compromisso para solucionar o problema. Segundo, ela produziu
"defesa" (gr. apologias), no sentido de "ansiedade para estarem isentos de
culpa" (Nvi). Fizeram tudo
quanto era necessário para sanar o problema e sair da situação culposa.
Terceiro, criou "indignação" (gr. aganaktesin), um sentimento profundo de
culpa pela injustiça que cometeram. Quarto, produziu "temor" (gr. phobon),
por reconhecerem que Deus poderia castigar severamente o pecado deles.
Quinto, suscitou "saudade" (gr. epipothesin), um sentimento de alienação que se
aliviaria ao voltarem à comunhão intima com o apóstolo, seu pai na fé (lCo
4.14). Sexto, criou "zelo' (gr. zelos), transmitindo a idéia de solicitude
e forte desejo de reparar os estragos causados pelo pecado. Sétimo, despertou
nos coríntios "vindita" (gr. ekdikesin), o desejo insaciável de vera justiça
feita.
Paulo escolheu todos os vocábulos acima para explicar o que ele entendia
pela frase "tristeza segundo Deus" e as conseqüências dessa tristeza. Elas são
parte importante do arrependimento real que abre o caminho para a
reconciliação. Inúmeros divórcios e ressentimentos poderiam nunca ter
acontecido se as partes interessadas tivessem buscado a bem-aventurança do
choro.
Devemos perceber o contraste radical que existe entre o remorso e o
arrependimento bíblico. Lágrimas de frustração por causa das nossas ações
erradas não têm nada que ver com o lamento do coração quebrantado diante de
Deus.
vários anos. Nós temos visto pessoas transformadas da noite para o dia. Pessoas
endurecidas, rebeldes e grosseiras passara a ser pessoas meigas, sensíveis e que oram
muito. É espantoso! Não acredito que haja explicação para isso dentro da perspectiva
humana. Só posso agradecera Deus aquilo que ele está fazendo.'
Pensei em levantar-me e fecharas janelas, de modo que os brancos jogando tênis não
escutassem o que atava acontecendo dentro do prédio... Enquanto fechava a primeira
janela, escutei algo. Em como se alguém me dissesse: "Tudo bem, pode fechara janela e eu
ficarei do lado de fora, e você, do lado de dentro, pois eu não poderei entrar". ... Eu sabia
que não ema janela que deixava Deus do lado de fora, mas o meu orgulho. Pela primeira vez na
minhavida, percebi que o Espírito de Deus é santo. Nunca havia tomado consciência disso... E
tão fácil dizer: "Sou batizado com o Espirito Santo, cheio do Espirito". As pessoas que nos
escutam, no entanto, olham para a nossa vida. Eu conhecia duas pessoas que falavam em
línguas e diziam ter a plenitude do Espírito
Santo. Uma delas tinha um vocabulário sujo... O outro vivia namorando as mulheres dos
outros e pecando com elas... Quando tomei consciência da santidade do Espírito de Deus,
ele me mostrou um lampejo de quão terrível aos seus olhos é o orgulho. O orgulho e um
pecado hediondo. Eu vi algumas palavras escritas diante dos meus olhos. Eram as
seguintes: "Deus resiste ao soberbo". Então, disse: "O quê? Eu não sabia disso". Sempre
pensava que em o diabo quem tornava as coisas difíceis para mim, e quem me oferecia
resistência... A primeira coisa que o Espírito Sianu, faz, quando vem sobre a vida de uma
pessoa é convencê-la do pecado. Há quebrantamento, as pessoas choram por causa dos seus
pecados. Ficam angustiadas, e não alegres. Deus desceu, e seu Espírito está atuando. As
pessoas em quem tal obra ocorre não estão cheias de riso, mas cheias de lágrimas; elas estão
chorando.'
lago Stegen orou:
"O Deus, perdoa-me; não estou certo diante de ti". Então ele conta: As seguintes palavras
vieram à minha mente: "Se agradasse ainda a homens, não seria servo, de Cristo" (Gl 1.10)...
Isto realmente partiu meu coração. Pensei: "Por doze anos venho dizendo aos zulus e aos
outras pagãos que venho a eles como um serva de Jesus Cristo, e tenho pregado a eles o
evangelho. Mas agora, testado e provado pela Palavra de Deus, tenho sido desqualificado" ...
Deus continuou, sem parar, revelando todos os meus pecados um atrás do outro...
Repentinamente, o problema de explicar o fracasso do evangelho entre os negros resolveu-se.
Não eram os ímpios pagãos que impediam que o avivamento viesse. Não eram eles, em eu
mesmo.'
O resu ltad o ma ra vilh oso d e tod o esse p esa r e sofrim ento interiores foi um avivamento.
Desta maneira silenciosa e profunda, Deus operou entre o povo. Certo dia, quando nos
reunimos para orar, Deus, de repente, fendeu os céus e desceu. Nós não tínhamos pedido
nem orado por aquilo, nem sabíamos o que devíamos esperar. Mas, de repente, veio um
som como de um vento poderoso... O Espirito de Deus desceu e ninguém precisou dizer a
outra pessoa que Deus estava no nosso meio.'
As conseqüências dessa ação foram imediatas. Uma feiticeira apareceu sem
ninguém convidá-la. "Eu quero Jesus. Ele pode salvar-me?" Stegen nem podia
acreditar no que acontecia. Ninguém tinha pregado para ela. Ela confessou seus
pecados. "Ore por mim, para que Jesus me liberte desses espíritos malignos."
Vinham feiticeiras e endemoninhados para serem libertados. Não sabiam
explicar, mas achavam que em Deus quem os forçava a vir.8
Milhares de pessoas se converteram. Hoje, depois de trinta anos, a
igreja, com 10 000 assentos em Quasiza-bantu, ao norte de Durban, na África
do Sul, continua desfrutando das bênçãos de um avivamento que começou com
muitas lágrimas.
3) O auto-exame de um coração arrependido é o caminho certo para
alguém sentir r pesar por causa do pecado. Tomás de Kempis escreveu há
séculos: "Quanto mais cuidadosamente (um santo) examina a si mesmo, tanto mais
triste fica. O motivo para nossa justa aflição e remorso são nossas faltas e
pecados" (Livro I, cap. 22). Mas o auto-exame pode ser destrutivo se não for
equilibrado pela fé na promessa do perdão. A esperança e a bem-aventurança do
perdão nos animam a nos examinar de modo mais profundo, e a consolação do
Espirito Santo é a garantia do nosso galardão. C. S. Lewis nos adverte, no
entanto, de que é fácil olhar para dentro sem ver nada de gravemente errado.
Sua personagem chamada Murwgào (leia-se Satanás) escreve ao sobrinho Cupim,
que está a seu serviço, na qualidade de aprendiz:
nós na crucificação. As palavras de Jesus, logo antes da sua morte: "... se Deus
foi glorificado nele, também Deus o glorificará nele mesmo; e glorificá-lo-á
imediatamente" Go 13.32), confirmam a observação de João de que a glória de
Jesus brilhou em todo o seu fulgor na cruz. Paulo encontrou a vitória na cruz:
"Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo" (GI
6.14). Não devemos imaginar que oferecer nossa vida para ser crucificada seja
uma experiência prazerosa. Mesmo assim, Paulo aceitou a cruz como parte
integrante da sua experiência cristã (GI 2.20). Jesus disse que todo discípulo
dele teria de carregar sua cruz e segui-lo (Lc 9.33). É natural chorar ao
percebermos, juntamente com o jovem rico, que Deus nos aceita somente des-
pojados das nossas riquezas materiais e espirituais. Foi isso que aconteceu com
o jovem, que se retirou contristado (Mc 10.22).
5) Buscar sinceramente, da parte do Senhor, compaixão mais profunda
diante dos sofrimentos provocados pelos pecados e pelas atrocidades cometidas
pelos homens. Jesus chorou ao contemplar a cidade de Jerusalém, marcada para a
destruição. Se Deus derramar o seu amor em nosso coração (Riu 5. 5), nosso
comodismo chegará ao fim. Penetraremos além da casca falsa da aparente
felicidade da cidade para vermos o sofrimento existente abaixo da superfície.
Mateus relata que Jesus, "vendo [ ... ] as multidões, compadeceu-se delas,
porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor" (9.36).
Enfim, são os que choram, que recebem o consolo e, pelo menos em parte,
já nesta vida. Também aguardam pacientemente o cumprimento da promessa
escatológica. Quando Cristo voltar, "Deus mesmo estará com eles. E lhes
enxugará dos olhos toda lágrima" (Ap 21.3, 4).
A Gloriosa
Felicidade dos Mansos
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extraordinária, até mesmo para atacar um urso e um leão (lSm 17.34-37) bem
como o gigante Golias. Nenhum outro guerreiro ousava enfrentar esse herói
dos filisteus. Mas nem por isso Davi pensava em subvertera autoridade de Saul,
nem deu nenhum passo para destituí-lodo trono. Sem se importar com todas as
vezes que Saul procurou matá-lo, Davi não permitiu que a inveja e o rancor lhe
invadissem o coração. Não permitiu que sua popularidade viesse a prejudicar
o reinado do seu rival.
Tiago faz menção da paciência de Jó, que sofreu grandes provações,
mas acabou vitorioso (Tg 5.11). É impressionante a mansidão desse sofredor
tão célebre. No meio de todas as suas aflições, mesmo sem poder
compreender o sentido das experiências pelas quais passava, não amaldiçoou
a Deus. Confessou que tinha falado daquilo que não entendia (42.3). Longe de
se amargurar diante de tamanho sofrimento, reconheceu que sua experiência
com Deus consistira só naquilo que ouvira dizer. Depois, chegou a ver a Deus
e finalmente disse: "Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza"
(42.6). Nessa atitude encontramos a humildade e a mansidão bíblicas.
No Novo Testamento sobressai a mansidão de João Batista. No auge da
sua popularidade apareceu Jesus, o Messias. Obviamente, havia
homens leais a João, dispostos a promover a sua candidatura à mais cobiçada
posição em Israel (Jo 1.20). Mas
João Batista constantemente relembrava seu imenso auditório que não em digno
nem sequer de desatar as correias das sandálias de Jesus. João, conforme ele
mesmo dizia, batizava na água, mas o seu sucessor batizaria com o Espírito
Santo. Coragem não lhe faltava, pois não hesitou em denunciar a imoralidade
de Herodes – denúncia que acabou lhe custando a cabeça. Jesus o elogiou
como o maior dos homens nascidos de mulher (Mt 11.11). Também o
comparou com um caniço no deserto, agitado pelo vento (v. 8). Homem
desprendido, abnegado e destituído de qualquer desejo de lutar em beneficio
próprio, João Batista merece a fama de ser uma das mais mansas figuras da
história.
Outro exemplo de mansidão aparece na vida de Timóteo. Lucas põe em relevo
a diferença entre João Marcos, que acompanhou Barnabé e Saulo na primeira
viagem missionária, e Timóteo, que o substituiu na segunda viagem. Marcos
abandonou os missionários por moi ivos não bem esclarecidos, mas suficientes
para Paulo vetar a sugestão de Barnabé de lhe dar uma segunda chance (At
15.27-28). Em contraste com isso, vejamos o elogio que Paulo escreveu a
respeito de Timóteo: "A ninguém tenho de igual sentimento que, sinceramente,
cuide dos vossos interesses; pois todos eles buscam o que é seu próprio, não o
que é de Cristo Jesus. E conheceis o seu caráter provado, pois serviu ao
evangelho, junto comigo, como filho ao pai" (Fp 2.20-22). Timóteo aprendeu
com Paulo a aceitar as duras circunstâncias da vida como investimentos num
futuro glorioso (cf. 2Co 4.17). Preocupava-se mais com o bem-estar dos
irmãos nas igrejas do que com as vantagens que uma vida missionária lhe
pudesse proporcionar (cf. Me 10.29-30).
que havia um espaço vago exatamente onde tinha deixado o seu carro uma
hora antes. Ficou indignado, disposto a matar o ladrão, se descobrisse quem
ele era. Mas acalmou-se ao relembrar o que estava sendo ministrado na reunião.
A raiva cedeu lugar à gratidão e ao louvor. No dia seguinte, chegando ao
trabalho, sua atitude tão mudada foi o meio que Deus usou para penetrar no
coração de alguns colegas que havia muito precisavam de um testemunho
cristão verdadeiro.
Segundo, pensar seriamente sobre a soberania de Deus. Ele é nosso Pai.
Não permitirá que nada aconteça que não seja para nosso próprio bem. Assim
ensinou Paulo na Epístola aos Romanos: "Sabemos que todas as coisas cooperam
para o bem daqueles que amam a Deus..." (8.28). Alguns dos melhores
manuscritos dizem: "Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem..."
Somos tentados a pensar nos eventos da vida como os evo lucionistas que
apostam no acaso. Não somos fatalistas como os muçulmanos que defendem Alá,
um deus quase impessoal, sem amor e sem compaixão. Mas nós "sabemos" que nada
acontece fora do seu controle. O que muitas vezes não entendemos é o porquê,
nem reconhecemos os benefícios do "mal" que nos acomete.
S. Existem cristãos que se preocupam mais com os enfeites exteriores do que com a
substância. Avaliam com cuidado a oratória, a gramática, mas deixam totalmente
despercebida a substância. Anos atrás contaram-me que, na Bélgica, as pessoas que
vinham escutar os missionários evangélicos não sentiam o menor interesse pelo conteúdo
da mensagem, mas ficavam profundamente perturbadas com os erros do francês dos
estrangeiros.
6. É fácil explicar por que há quem sinta pouca fome pelas coisas de Deus. Levam,
mais a sério suas diversões e jogos do que a justiça. Na hora do jantar, as crianças ainda
estão jogando futebol. Os sinais são inconfundíveis. Para as crianças, brincar é mais
gostoso do que comer. Muitos adultos preferem as telenovelas e os esportes via satélite à
Palavra de Deus. Muitas igrejas de classe média têm experimentado um declínio na fome
de justiça em proporção direta Doma prosperidade dos seus membros. A praia e a
montanha têm mais atrativos para eles do que o banquete do Senhor.
7. Esperaremos em vão a genuína fome e sede de santidade se as discussões e
controvérsias ocuparem o centro do palco. "Roberto da Gália pensava ter visto em
sonho um grandioso banquete, mas alguns dos convidados mordiam pedras duras.
Quando os homens se alimentam somente de questões e controvérsias duras" (lTm 6.3-
4),' é claro que o alimento espiritual nutritivo será negligenciado. Vão roendo ossos,
mas desprezam a carne que os alimentaria.
Miríades de homens nascem; labutam e suam e se debatem para obter o seu pão; disputam e
ralham e brigam; porfiam por obter mesquinhas vantagenzinhas um sobre o outro. A velhice
vai-se acercando deles, e as enfermidades se seguem; as vergonhas e humilhações vão
derrubando seus orgulhos e vaidades. Os entes queridos são tirados deles, e a alegria da vida é
transformada em angústia dorida. O fardo da dor, da preocupação e da desgraça torna-se
mais pesado, ano após ano. Finalmente, morreu a ambição, morreu o orgulho, morreu a
vaidade; no lugar deles, surge o anseio pela soltura. E, finalmente, a morte chega a eles -a
única dádiva sem veneno que a terra sempre tinha reservada para eles - e desaparecem de um
mundo onde nada valiam, onde nada realizaram, onde eram um erro e um fracasso e tolice, e
onde não deixaram o mínimo sinal de terem existido - de um mundo que os lamentará por um dia e os
esquecerá para sempre.'
Agostinho mostrou a desgraçado homem que procura satisfação em outra fonte que
não Jesus Cristo: "ó Deus, tu nos fizeste para ti mesmo, e nosso coração não acha
repouso até que repouse em ti".6
Parece-nos importante reconhecer que referir-nos a Deus como nosso Pão importa
em frisar que ele precisa ser assimilada O corpo humano se mantém por um processo
maravilhoso de digestão. Os alimentos são ingeridos e transformados em vários
elementos que os glóbulos do sangue transferem para os bilhões de células do corpo. Ali
são transformados em energia para que pensemos, andemos e mantenhamos todos os
processos corporais que necessitam de energia. A vida espiritual se mantém por um
processo análogo. O Dr. Paul Brand e Philip Yancey descrevem o triste caso de uma
mulher na estação ferroviária em Madras, na índia. Os alimentos ingeridos por ela, em
vez de fornecerem saúde e energia, alimentavam um tumor que paulatinamente a
matava! A própria religião pode criar esse efeito caso Jesus Cristo não seja o centro, a
fonte da vida.
Se bebermos da água viva pela fé no Senhor (io 7.37-39), o Espírito Santo se tornará
vida em nós e vivificará outros por nosso meio. Recebemos energia para adorar e servir.
Esse processo depende da atuação específica do Espírito Santo. Jesus ensinou
claramente que a presença do Espírito nos discípulos (Jo 14.17) traria este resultado
definido: ".. vós em mim e eu em vós" (v. 20). Jesus recapitula essa verdade no v. 23:
"Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará; e viremos para ele e
faremos nele morada".
A fome e a sede de justiça podem ser saciadas pela Palavra de Deus. Em suas
páginas eternas, inspiradas, Deus guarda mel (Si 19.10; 119.103) e leite genuíno (lPe
2.2). Nas Escrituras encontramos a segunda razão da fome abençoada.
O diabo tentou Jesus a satisfazer sua fome física transformando em pães algumas
pedras que abundavam na região. Jesus, porém, repudiou essa investida, declarando: "Não
só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt
4.4; Dt 8.3). Pode-se concluir, do paralelismo hebraico aqui envolvido, que, assim como
o pão mantém a vida do corpo, a Palavra de Deus mantém a vida espiritual. Quando a
pessoa perde o gosto pelas sagradas letras e faltam-lhe fome e sede por esse alimento
divino, as conseqüências são óbvias: crentes raquíticos, carentes de vitalidade e energia
para gastar no serviço do Rei Jesus. Paulo declara enfaticamente a respeito dele e dos
seus colegas: "... não desfalecemos... não desanimamos" (2Co 4.1, 16). Eles evitavam os
efeitos naturais da subnutrição, alimentando-se bem da Palavra (2Co 3.14).
"Achadas as tuas palavras, logo as comi; as tuas palavras me foram gozo e alegria para
o coração..." Ur 15.16). A alegria de assimilar a Palavra de Deus provém da satisfação de
saber que ele falou conosco e nos comunica a sua verdade. Para ter saúde espiritual o
cristão precisa ser obediente. Mas muitos têm dificuldade em obedecer, porque não
conhecem a vontade do seu Senhor (cf. Lc 12.48).
"A glória de um homem bom é o testemunho de uma boa consciência", diz Tomás
de Kempis.1 Aqui descobrimos a terceira razão que motiva o homem a buscar a justiça
com o mesmo anseio de um cachorro faminto que corre atrás de um coelho. A
consciência maculada é um fardo pesado para carregar. O apóstolo Paulo fez alusão a isso
quando disse: "... me esforço por ter sempre consciência pura diante de Deus e dos
homens" (At 24.16). Acredito que seu esforço se explica não somente no desejo de
alcançar "justa preeminência e muita intrepidez na fé em Cristo Jesus" (1Tm 3.13), mas
também porque uma má consciência intranqüiliza e cria ansiedade. Paulo sentia no
coração que tinha a aprovação de Deus, o que vale muito mais do que a pessoa que se
auto-recomenda (2Co 10.18).
Sugestões para Aumentar a Fome e a Sede de Justiça
A fome e a sede representam o desejo do cristão consagrado. Gaynor Banks disse:
O desejo é uma força poderosa, um dos atributos mais divinos que você tem! "Tudo
quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco." Veja a
qualidade divina do desejo. Faz parte da energia atômica da alma. O reino do céu dentro
de você funciona por meio do desejo. Não o apague, nem o esmague, nem o suprima. Pelo
contrário, ofereça-o a mim. Ofereça-me seus desejos mais elementares, seus anseios pela
felicidade, pelo amor, pelo bem-estar, pelo sucesso, pela alegria, em qualquer nível do seu ser -
ofereça-os livremente a mim e eu os transanutarei de tal maneira que você conseguirá
libertação, realização e isenção total da frustração."
O desejo de comer - a "fome" - pressupõe saúde perfeita. Qualquer ferimento ou
infecção pode prejudicar a saúde e resultar
na diminuição da fome. Logo após a ressurreição da filha de Jairo, Jesus mandou que os
pais lhe dessem algo para comer. Seguramente, ela não se havia alimentado nos dias que
precederam sua morte.
Depois de recuperar a vida e a saúde, a menina sentia fome. Jesus
lembrou aos pais que ela precisaria comer. Toda mãe que já cuidou
de um bebê pode perceber a íntima relação entre a saúde e a fome.
A fome e a sede aumentam com exercícios físicos. Queimar
calorias e transpirar provocam um clamor natural por comida e bebida. Acontece o
mesmo no serviço do Senhor. Os esforços despendidos no exercício da justiça suscitam
a fome espiritual. A
anemia, a falta de apetite e a má nutrição são sinais de apatia e de falta de interesse pela
busca do reino de Deus e da sua justiça. O Médico Divino recomenda a tais pacientes:
"Exercita-te, pessoal-
mente, na piedade. Poiso exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para
tudo é proveitosa porque tem a promessa da
vida que agora é e da que há de ser" (lTm 4.7, 8).
A Felicidade dos
Misericordiosos
OXW
Certa ocasião, Pedro perguntou ao Senhor quantas vezes seria necessário perdoar
um cristão que pecasse contra seu irmão. Pedro sugeriu sete vezes. Jesus, no entanto,
respondeu que perdoar somente sete vezes era demonstrar pouca misericórdia. Antes,
setenta vezes sete seria um número razoável de delitos a serem perdoados. O Mestre
passou, então, a deixar essa lição mais clara ainda por meio de uma parábola. Certo rei
resolveu "ajustar contas com os seus servos" (Mt 18.23). Um deles devia a soma
astronômica de dez mil talentos, uma soma tão absurda que uma vida inteira de trabalho
obteria somente uma fração do dinheiro necessário para pagar a dívida. Ordenou-se que
o devedor e sua família fossem vendidos a fim de saldar pelo menos parte da divida. O
devedor rogou por misericórdia. 0 rei lhe perdoou a dívida. O devedor, porém, lembrou-
se de que oui ti) servo lhe devia uma
pequena soma de cem denários; agarrou-o e, quase estrangulando-o, exigiu que lhe
pagasse a dívida. O pobre homem caiu aos seus pés, implorando paciência e garantindo
que pagaria a dívida integralmente. Quando o rei descobriu o que aquele servo devedor
fizera, mandou convocá-lo. Por que não tratam seu conservo com o mesmo tipo de
misericórdia que ele mesmo recebera? "E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos
verdugos, até que lhe pagasse toda a divida" (v. 34). Essa é a reação que podemos esperar
da parte de Deus, "se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão" (v. 35).
Fica amplamente clara a lição que Jesus quis ensinar. Os incompassivos serão
tratados sem misericórdia. Por outro lado, os misericordiosos são os bem-aventurados
que recebem a misericórdia de Deus, agora e por toda a eternidade.
O apóstolo Paulo também revela sua alegria em poder sofrer pelos colossenses e em
preencher o que faltava dos sofrimentos de Cristo em favor do seu Corpo (1.24). Nessa
identificação com a morte expiatória de Jesus, Paulo focaliza o papel dos servos de
Deus que escolhem voluntariamente pagar o preço de levar o evangelho aos perdidos.
Certamente isso não significa que Paulo achava que suas agonias tinham algum valor ou
mérito que pudesse diminuir o castigo merecido por transgressores como os colossen-
sés. Os sofrimentos de grandes heróis da fé e "santos" não têm nenhum valor sub-
rogatório, conforme alguns têm ensinado. Tão-
somente Jesus, o Cordeiro Deus, pode absolver de pecados
mediante a sua morte expiatória (cf. Jo 1.29).
Em alguns casos, no entanto, o privilégio de semearas boas-
novas da salvação em Cristo custa o derramamento de sangue.
Vale a pena contar um exemplo empolgante. Trata-se da história de um guerreiro manai
da África, que assistiu à conferência para
evangelistas itinerantes em Amsterdã, na década de 1980.
Cem dia, José, que estava andando por uma daquelas estiadas de chão quentes e poeirentas
da África, encontrou-se com alguém que compartilhou com ele o evangelho de Jesus
Cristo. Ali mesmo, na bom, aceitou Jesus como seu Senhor e Salvador. O poder do
Espírito começou a transformar a sua vida; ficou transbordando de tamanha emoção e
alegria que a primeira coisa que queria fazer em voltar à sua própria aldeia e compartilhar
aquelas mesmas boas-novas com os membros da sua tribo.
José começou a ir de porta em porta, contando a todos a respeito da cruz de Jesus e da
salvação oferecida por ela, esperando que os rastos deles se iluminassem da mesma maneira
que acontecem consigo mesmo. Ficou atônito, porém, quando os aldeões, além de nem se
importarem com a salvação, ainda por cima ficaram violentos. Os homens da aldeia
agarraram-no e o mantiveram preso no chão enquanto as mulheres lhe davam chicotadas
com fios de ~c farpado. Foi arrastado para fora da aldeia e deixado para morrer sozinho
no matagal.
Com grande esforço, José conseguiu arrastar o seu corpo para onde havia uma cacimba e
ali, depois de passar dias alternando entre os estados de consciência e de inconsciência, reuniu
forças para se colocar em pé. Não conseguia compreendera recepção hostil da parte de
pessoas que tinha conhecido durante toda a sua vida. Chegou à conclusão de que talvez
tivesse omitido algum detalhe na história de Jesus ou a tivesse contado incorretamente. Depois
de repassar mentalmente a mensagem cristã que ouvira, resolver voltar e, de novo,
compartilhar a sua fé.
José entrou manquejando no circulo de palhoças da aldeia e começou a proclamar
Jesus. "Ele morreu por vocês, a fim de que recebam o perdão e conheçam o Deus vivo",
implorou. De
novo, os homens da aldeia agarraram-no, enquanto as mulheres o surravam, reabrindo
feridas que estavam começando a sarar. Outra vez arrastamm-no inconsciente para fora da
aldeia, onde o deixaram para morrer.
Ter sobrevivido à primeira surra em realmente notável. Só por milagre acabou
sobrevivendo á segunda. Mais uma vez, dias depois, José acordou no matagal, com
lesões e escoriações
-decidido a voltar.
Quando chegou de volta à aldeia, atacaram-no antes de sequer ele abrir a boca. Enquanto o
espancavam pela tenreira e talvez a ultima vez, falou-lhes novamente a respeito do
Senhor Jesus Cristo. Antes de perdera consciência, a última coisa que viu foi que as
mulheres que batiam nele começaram a chorar.
Dessa vez, acordou ria sua própria cama. Aqueles que o tinham espancado com tanta
severidade estavam agem se esforçando para salvar a sua vida e para lhe recuperara saúde.
A aldeia inteira aceitam Cristo.'
Todos os dias, em muitas partes do mundo, há cristãos sofrendo pela sua fé. Esses
sofrimentos poderiam ser evitados se eles simplesmente mantivessem silêncio, deixando
que o mundo condenado em seu redor permanecesse debaixo da ira de Deus Go 3.36).
Mas a compaixão e a misericórdia não lhes permitem guardar silêncio.
A Felicidade dos
Limpos de Coração
A lista que Jesus fez dos súditos de Deus realmente bem-aventurados
inclui todos os que têm o coração limpo. São os que foram lavados no
detergente espiritual que flui das feridas do Filho do homem.
Talvez seja proveitoso fazer uma breve digressão a fim de considerar o
que Jesus queria dizer com a palavra "coração". Ninguém pensaria hoje que
ele se referia ao músculo do tamanho de um punho cerrado, composto de
ventrículos, válvulas que bombeiam sangue em nosso peito a fim de preservar
a nossa vida física. O coração bíblico refere-se ao verdadeiro eu, que pensa,
considera, avalia, resolve, planeja e se regozija ou fica sobrecarregado com
tristezas. A partir dessa perspectiva, o "coração" refere-se ao verdadeiro "ego",
ao "eu" vital. É desse centro de controle e de autoconsciência que fluem as
questões fundamentais da vida.
Sabemos pela Bíblia que Deus testa o coração do homem e julga a sua
sinceridade (1 Cr 29.17). Nesse texto, Davi queria uma confirmação da parte de
Deus. Desejava ter certeza da sinceridade do seu próprio coração, sem
motivação interesseira ou forçada. As ofertas oferecidas por Davi e pelos
e
demais israelitas eram voluntárias, espontâncas motivadas pelo amor.
Qualidades como essa são caracterizadas como atitudes do coração.
Jeremias também declara que o Senhor vê e conhece o que nenhum ser humano pode
perscrutar. Diz esse profeta: "Mas tu, 6 SENHOR, me conheces, tu me vês e provas o que
sente o meu coração para contigo" Ur 12.3) A decepção e a revolta por causa da
prosperidade dos ímpias' que fazem o profeta sofrer são sentimentos do coração.
Jeremias tem muita dificuldade em aceitar que Deus dê seus bons cuidados aos que
não os merecem, ao passo que o fiel profeta sofre o abandono e a falta de cuidados.
Jeremias acha que merece um tratamento melhor. Conviver com um Deus soberano
que não manifesta sua justiça nesta vida cria um problema para o coração.
Salomão observou que as decisões e ambições do homem parecem retas aos seus
próprios olhos, "mas o SENHOR sonda os corações"~Pv 21.2).' É comum avaliar os
nossos "caminhos" de modo positivo, Aclumos que somos, na realidade, irrepreensíveis
(pelo menos aos nossos próprios olhos). Mas Deus penetra através das camadas
defensivas do coração a fim de sondar os motivos e os interesses ali escondidos.
Quando ele faz a sua luz penetrar em nosso íntimo, descobrimos como é enganoso o
coração (Jr 17.9). Por ser "desesperadamente corrupto", a esperança de conhecê-lo
desvanece, se não houvera radiografia do Espírito. "Eu, o SENHOR, esquadrinho o
coração, eu provo os pensamentos" Gr 17.10).
Jeremias mostra que Deus age como o promotor público no tribunal. Descortina
os segredos que ocultamos até mesmo a nós. Torna evidentes as nossas intenções e
revela o egoísmo e o orgulho escondidos atrás das boas intenções e da auto-estima.
Ele desarma as defesas, destrói fortalezas e anula sofismas para levar "todo
pensamento à obediência de Cristo" (2Co 10.4, 5).
Do ponto de vista bíblico, o coração é a fonte dos sentimentos, da vontade e dos
desejos. No judaísmo dos tempos de Jesus, a contaminação resultava do contato com os
"gentios impuros" e com artigos constantes da lista de alimentos proibidos.
Contatos com objetos classificados como imundos contaminavam cerimonialmente,klc
7.15-23)~Jesus; ensinou o contrário. Não é por ingerir um peclaçb-de-carâne proibida
ou por tocar num cadáver que o coração se torna imundo. O que contamina mesmo o
ho-
menti é o que brota de um coração impenitente e sai da boca (v. 15). "Porque de dentro,
do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos,
os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a
blasfêmia, a soberba, a loucura" (Mc 7.21, 22).
O coração deturpado pela queda de Adão e herdado pelos seus descendentes é
uma fábrica de maldade. Mesmo sem o estímulo da tentação externa ou da ação
satânica, o coração gera, por conta própria, atitudes pecaminosas. Após os
hediondos pecados de adultério e homicídio que Davi praticou, ele reconheceu que
somente Deus podia mudar suas atitudes e dispoglFçõ-et,, criando-lhe um coração puro
e renovando-lhe o espírito 151.10).) É notável que o rei-poeta tenha chegado à
conclusão, ja a vinda de Cristo e da promessa do Espírito, que uma solução menos
radical não resolveria seu problema.
1. A Pureza Sexual
Jesus ensinou nesse sermão que filtrar os pensamentos deve ser uma prioridade
para o homem de Deus. Olhar com intenção impura para uma mulher equivale - aos
olhos de Deus - ao ato sexual cometido no coração (Mt 5.28). Comete-se, assim, o
pecado do adultério sem qualquercomatofli,~ É provável que nenhuma comissão de
disciplina eclesiástica recomende que um irmão seja
expulso da comunhão da igreja porque sua mente deleitou-se num pensamento cobiçoso.
Para Deus, que tem perfeição absoluta na sua santidade, a gravidade do ato externo
e do pensamento do coração são iguais; são pecados que contaminam a pessoa.
A recomendação bíblica é: "Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:
prostituição (a gratificação sexual por meio de uma mulher que não seja a esposa),
impureza (pensamentos sexuais condenados pela Palavra de Deus), paixão lasciva
(estímulo sexual voltado para alguém que não é a legítima esposa)". Sufocar ou
filtrar todo e qualquer meio e fonte de estímulo ao sexo ilícito é obrigatório
para conseguir um coração puro.
Pode-se conseguir um coração puro somente através de uma luta até à morte contra
os desejos impuros da carne. Os estímulos que alimentamos feitos malignos da carne
devem ser substituídos pelo Espírito Santo. O poder real de Deus, atuando no coração,
é o caminho da vitória, segundo o apóstolo Paulo: "Se, pelo Espírito mortificardes os
feitos do corpo, certamente vivereis" (Rm 8.13). Esse poder do Espírito age na
consciência, traspassando-a ou compungindo-a (At 2.38), revelando, assim,
como é nojento e penoso o pecado.
Viver sob o domínio da carne importa desfrutara satisfação iníqua dos impulsos
contaminados pela pornografia, por carícias e toques eróticos, por estímulos
visuais e tácteis impuros. Viver no Espírito, por outro lado, implica entregar o
coração ao comando daquele que a tudo renova. Por isso, Paulo ora em favor dos
efésios para que Deus, "segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais
fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito, no homem interior; e assim habite
Cristo nos vossos corações..." (Ef 3.16, 17a). Mediante o poder (dunamis) do
Espírito Santo podemos dar a Jesus Cristo as chaves do nosso coração. Somente ele
pode barrar a entrada de pensamentos nocivos e purificar nossa "casa" interior com o
seu precioso sangue (1Jo 1.9).
2. A Pureza de Coração é o Primeiro Mandamento (Dt 6.5; Mt 22.37-38;
Mc 12.30; Lc 10.25-27)
A contaminação fundamental do coração provém do egoísmo idólatra do amor-
próprio. O primeiro mandamento, portanto, requer que amemos a Deus de todo o
coração. Se sinceramente rendermos nosso coração a Jesus Cristo e desejarmos
realmente o seu senhorio sobre nossa vida, os ídolos começarão a cair como Dagom, o
deus esculpido pelos filisteus (1Sm 5.1-5). Veja como Paulo destrona o seu próprio
corpo, ao deixar em segundo plano os cuidados com o seu bem-estar físico: "Em nada
considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e
o ministério que recebi do Senhor Jesus..." (At 20.24). Todos normalmente
atribuem o máximo valor à sua própria vida, mas isso muda no momento em que o
serviço por amor a Cristo desloca o amor-próprio.
Se o Espírito realmente derramou o amor por Deus em nosso coração (Rm 5.5),
podemos esperar que esse amor infinito
vença os desejos da carne. "Andai no Espírito e j . a tisfais
à concupiscência (desejos obsessivos) da carne" Já que o fruto do Espírito
é o amor (GI 5.22), a pureGiraçãorc é alcançada mediante a plenitude do
Espírito (Ef 5.18). Quando o Espírito Santo de Deus impulsiona fortemente e os
cristãos o seguem (GI 5.18; Rm 8.14), e o fortalecimento pelo Espírito se
torna uma realidade no íntimo (Ef 3.16), Cristo vem habitar intensa ou
totalmente (katoikesai, no grego, está na forma intensiva) em "vossos corações" (v. 17).
Somente o Espírito tem poder para formar a imagem de Cristo no íntimo do cristão
(cf. G14.19).
Paulo discorre sobre esse mesmo tema ao contrastaras "obras da carne" com o "fruto do
Espírito" (GI 5.22). A prostituição, a impureza e a lascívia, obras naturais da
carne (v. 19), são deslocadas pela presença do Espírito, gerando seu fruto, o amor
(agape). Em contraste com a feitiçaria, com a macumbaria ou com os despachos, o
Espírito produz paz. Em vez da idolatria, que estimula as mais baixas paixões, o
Espírito produz domínio próprio e longanimidade, enraizados na perseverança de
esperar no Deus vivo. Em lugar de inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias,
dissensões, facções e invejas (v. 20), o Espírito gera benignidade, bondade, fidelidade e
mansidão (v. 22).
Não será possível conseguir um coração puro simplesmente extirpando os maus
pensamentos e excluindo certos desejos naturais, porém pervertidos pelo pecado. Os
monges da Idade Média poderiam nos advertir que nosso íntimo não tolera um vácuo.
Se desejamos sinceramente a felicidade prometida por Jesus, devemos clamar a Deus,por
um tia s Lmede cor4o. Deus prometeu
essa bênção da Nova Aliança inaugurada por Jesus, pela boca de i Ezequiel:
"Aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e
de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós
espírito novo; tirarei de vós o coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito"
36.25-27). j pureza no íntimo é um presente de Deus oferecido aos que-clantam, com
fé, pela fonte que jorra a água viva do Espírito Uo 4.14).
Paulo lutou contra a impureza de coração. Podemos verificar isso em Romanos
7.7-10. A cobiça, condenada pela lei nos Dez Mandamentos, não foi vencida pelo
poder da boa vontade. Podemos também sentir o desespero de Paulo, posto que a lei
proíbe o desejo maligno, mas não oferece nenhuma escapatória. Essa deve ser a razão
que levou Paulo a afirmar que a lei o matou (v. 9). Na inocência da sua infância, sentia-
se bem. A consciência encra
não o acusava. Mas, quando atingiu a idade de se tornar "filho da lei" (bar mitzvá),
descobriu que o pecado já reinava no seu íntimo. Esse fato despertou nele, além da
revolta, o reconhecimento de que não possuía em si mesmo meios de controlar os seus
desejos, nem forças para cortar pela raiz qualquer cobiça ou desejo proi. . - bido. A lei
não oferecia nenhuma esperança de ele conseguir vencer, com um esforço especial,
esse tipo de impureza "cardíaca"!
No fim, porém, Paulo descobriu que o caminho da vitória passa mesmo através do
vale do desespero. Notem-se as bem conhecidas palavras do apóstolo: "Desventurado
homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" A solução vem logo a seguir:
"Graças a Deus por Jesus Cristo". É ele quem implanta a 1ei do Espírito da vida em
Cristo" no coração e "nos livra da lei do pecado" (Rm 8.2).
Agostinho também sabia da intensidade dessa luta para conseguir um coração
puro. Ele escreveu as seguintes linhas famosas para mostrar sua total dependência do
Senhor: "Não tenho a mínima esperança, a não ser em tua grande misericórdia. Sem
dúvida, mediante a continência, somos reunidos e devolvidos à unidade da qual nos
desencaminhamos para a multiplicidade. Tampouco te ama quem alguma coisa amar
fora de ti, ou não amar por amor de ti! Ó amor que nunca te extinguiste e sempre
ardeste! Ó caridade, meu D e us , inflama-me. Tu mandaste a continência. Concede
o que mandaste e manda o que te aprouver".' Agostinho reconheceu, já cedo na sua
vida cristã, que, sem ajuda externa, nunca conseguiria vencera tentação da cobiça.
1. A Obediência
"Tendo purificado a vossa alma pela vossa obediência à verdade.,." (lPe 1.22) é um
texto que centraliza o assunto da pureza da alma (e do coração) em escutar e obedecer
aos mandamentos do Senhor. No texto citado, Pedro não se refere a um legalismo farisai-
co, mas à sujeição à verdade do evangelho. A lei dos mandamentos foi cumprida por nosso
Salvador na cruz, e suas penalidades foram canceladas (Ef 2.15; C12.14), mas a lei do
Espírito (Rm 8.2) continua
em pleno vigor. Paulo escreveu aos gálatas que "nem a circuncisão, nem a incircuincisâo têm
valor algum, mas a fé que atua pelo amor" (G15.6). "Vós corríeis bem; quem vos impediu
de continuardes a obedecer à verdade?% pergunta Paulo (G15.7). A obediência resulta de
um desejo o maior pela vontade de Deus do que pela nossa própria vontade. Quando
obedecemos ao nosso Pai, descobrimos, como crianças obedientes, a satisfação
extraordinária da comunhão e da aceitação. Experimentamos a união alegre com ele.
"A obediência por fé" (Rm 1.5) refere-se à regeneração que Deus opera naqueles
que crêem. Crer implica sempre em obediência, uma vez que nosso Salvador, o
Cristo ressurreto, é o Senhor e Rei exaltado (At 2.36). Se realmente cremos que ele é
nosso Senhor, não podemos deixar de conhecer a sua vontade nem de fazê-la.
Nesta última metade do século xx surge uma teologia que sustenta a posição de não
se exigir nenhuma obediência. Argumenta-se que Jesus morreu para nos salvar pela fé e
não por obras (ou seja, pela obediência). Segundo essa teoria, é possível optar por um
Cristo salvador, sem necessidade de aceitar o seu senhorio sobre a vida. Essa
experiência não é rara. Muitos testemunham que experimentaram uma nova vida em
Cristo sem ênfase alguma na obediência.
2. O Arrependimento
Após a primeira pregação ev;ingelística no poder do Espírito Santo, no dia de
Pentecostes, a multidão de ouvintes convictos dos seus pecados perguntou aos
apóstolos: "Que faremos, irmãos?" (At 2.37). O sofrimento interno (o texto diz:
"compungiu-se-lhes o coração") foi o peso da consciência. A tinta solução apresentada
foi esta: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para
remissão de vossos pecados" (v. 38).
A remissão, ou perdão, envolve remoção. Todo pecado mancha o coração. O
arrependimento e a confissão pública (concretizada na celebração da ordenança do
batismo) purificam o íntimo. Jesus instituiu a Ceia com essa mesma finalidade, não mais
para os pecadores que estão abandonando o mundo e os seus valores, mas para os filhos
de Deus que abandonam seu pecado. Foi essa a lição que Jesus transmitiu a Pedro quando
este não queria permitir que Jesus lhe lavasse os pés Go 13.8). Jesus convenceu-o de que,
sem essa lavagem, Pedro não teria mais comunhão com ele (v. 8). Pedro, apavorado,
rogou imediatamente que Jesus lhe lavasse o corpo todo, mas Jesus respondeu que
quem já tomou banho (no batismo) não precisa de nada mais além de lavar os pés.
Assim, somos levados a reconhecer que Jesus usava linguagem simbólica para ensinar a
importância do arrependimento na Ceia. Nesses momentos da participação na
comunhão do corpo e do sangue de Cristo, ele oferece a si mesmo para perdoar aos que
sinceramente se arrependem. João escreve: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel
e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1Jo 1.9).
O arrependimento significa, segundo o grego original, "mudar de mente"
(metanoia). Assim, podemos considerar a renovação da mente uma espécie de
purificação do coração (Rm 12.2). Por meio de Ezequiel, Deus ordenou aos israelitas:
"Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes e criai em vós
coração novo e espírito novo; pois, por que morreríeis, o casa de Israel?" (Ez 18.31).
Por um lado, a pureza de coração é a conseqüência da atuação de Deus convertendo e
limpando as impurezas e a podridão do centro de comando da vida humana. Quando
Deus regenera alguém, ele também purifica e santifica essa vida. Por outro lado, ele
também exige que exerçamos a nossa responsabilidade pessoal. Não podemos deixar de
nos arrepender como o filho pródigo -devemos afastar-nos da imundícia dos porcos,
levantar-nos e voltar à casa paterna. Nosso Pai amoroso está disposto a nos revestir do
"novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que
o criou" (C13.10). Sabemos que é genuíno o nosso arrependimento quando passamos a
sentir nojo do pecado com que antes nos deliciávamos. Um cristão pode cometer pecado,
mas não pode sentir-se bem com seu coração maculado e com sua consciência ferida.
Um arrependimento menos radical pode ser mero remorso. Se o pródigo voltasse
para casa só por causa da fome, da solidão e da miséria em que vivia na terra
longínqua, poderia ter ficado sem amor genuíno pelo pai. Não se sentiria bem em casa
com o pai e com os irmãos. Ficaria muito feliz se o pai lhe arrumasse mais uma soma
expressiva para voltar à vida que gozava antes de se esgotar sua herança original. Se isso
tivesse acontecido, seguramente saberíamos que esse jovem não se arrependera.
Pedro se arrependeu genuinamente por ter negado a Jesus. Judas se suicidou,
porque não se arrependera genuinamente. Pedro mudou a sua mente de forma radical e
foi perdoado e purificado. Passou a ser o mensageiro escolhido por Deus para pregar
aos
milhares que se converteram. Judas sentiu a tristeza do remorso, mas o coração
continuou imundo, firme no caminho da perdição.
3. A Eliminação do Estranho
A pureza de coração também caracteriza o cristão que enxerga claramente um
único alvo na vida: o sumo bem. Jesus descreveu essa atitude em termos de um olho
bom que permite que somente a luz penetre no íntimo. O coração dividido procura
agradar a dois senhores. O Senhor, porém, disse: "Ninguém pode servir a dois senhores;
porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará o
outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mt 6.24).
O primeiro e grande mandamento exige essa mesma singeleza de visão, esse único
propósito na vida. Amar a Deus de todo
ocoração, de toda a alma, de todo o entendimento e de toda a força (Mc 12.30 e paralelos)
exclui o amor dominante a qualquer outra pessoa ou coisa, já que o coração fica
concentrado em um só propósito - amar a Deus. A razão por que Deus nos criou foi que
lhe concedamos a supremacia em tudo quanto ambicionamos
que a glória dele seja a prioridade em todas as nossas atividades
esforços.
Mas, se formos honestos, descobriremos que não estamos buscando em primeiro
lugar o reino de Deus e a sua justiça (Mt 6.33). Outros alvos e interesses nossos deslocam
o Senhor do trono de nossa vida, pelo menos temporariamente. Assim como Acâ, vemos
entre os despojos "uma capa babilônica, e duzentos ciclos de prata, e uma barra de
ouro" Os 7.21) que nos seduzem, contaminando o coração. Paulo afirma que "o amor
do dinheiro é raiz de todos os males" (lTm 6.10), não porque o dinheiro seja algo
pecaminoso em si mesmo, mas porque ele tem uma facilidade impressionante de se tornar
nosso deus e de dominar toda a nossa atenção. Não e só dinheiro que pode contaminar o
coração, pois
qualquer outro desejo ou motivo tema capacidade de nos enredar nas suas tramas.
Hoje, não é fácil encontrar um cristão como Timóteo, nem nos dias dele, nos
meados do primeiro século na cidade de Roma. Disse o apóstolo Paulo: "Porque a
ninguém tenho de igual sentimento que, sinceramente, cuide dos vossos interesses; pois
todos eles buscam o que é seu próprio, não o que é de Cristo Jesus" (Fp 20.21).
Timóteo percebeu a importância de eliminar da sua vida tudo quanto não estava
sujeito a Jesus Cristo. Voluntariamente, tornou-se cativo do propósito que Deus Pai teve
em enviar seu Filho para, morrer e ser exaltado em seguida (Fp 2.911). Esse propósito
foi e é "para em todas as coisas ter a primazia" (Ci 1.18).
Em vários trechos das suas epístolas, Paulo revela a pureza do seu coração ao
eliminar seus interesses próprios. Escolhemos dois textos apenas, para demonstrar sua
singeleza de coração. "Uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás estão, e
avançando para as que diante de mim ficam, prossigo para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Fp 3.13-14). Para poder concentrar-se no
alvo da suprema vocação, tinha de esquecer-se das metas ultrapassadas e, com singeleza,
fitar os seus olhos em Deus e no seu propósito. "Em nada considero a minha vida
preciosa para mim mesmo, contanto, que complete a minha carreira e o ministério que
recebi do Senhor Jesus..." (At 20.24.) A pureza de coração transparece em tais afirmações
porque evidenciam o fato de que Deus e seu reino eram mais importantes para ele do que
a própria vida.
Felizes os Pacificadores
1 w
Paulo concorda com o autor de Hebreus, quando afirma que Deus pmp6s o
sangue sacrificial de Jesus como propiciação "... para manifestara sua justiça, por ter
Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos" (Rm
3.25). A propiciação transmite a idéia de desviar a ira de Deus. Tendo manifestado
sua justa i ra contra o Filho, Deus não mais se ira contra o pecador arrependido. Os
animais sacrificiais prenunciavam o papel pacificador do Messias, do Servo Sofredor
que um dia realmente faria a paz entre Deus e o homem (cf. Is 53.5-12). "Se não
houvesse um Deus santo, a expiação não apresentaria problema algum. É a santidade
do amor de Deus que torna necessária a cruz upiadom."'
Jesus é o pacificador exemplar, visto que ofereceu voluntariamente seu sangue
vicário na cruz. Uma vez pago o preço do pecado do homem, já não há motivo para
a justa i ra de Deus contra os pecadores que aceitam seu convite para se reconciliar com
ele (2Co 5.20-21). É por isso que Paulo escreve: "Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é nossa paz,
o qual de ambos fez um... e reconciliasse ambos (judeus e gentios) em um só corpo com
Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade" (Ef 2.14-16).
Em Colossenses, Paulo toca no mesmo assunto, vendo-o de outro, prisma: "E a vós
outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas
obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua
morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e irrepreensíveis..." (Cl 1.21-
22). A missão pacificadora de Jesus Cristo cancelou a culpa do pecado e,
conseqüentemente, pacificou a ira, mudou a atitude dos pecadores no tocante a Deus e
criou a paz entre o Pai e seus filhos adotivos.
Entendemos, portanto, que Jesus Cristo, o único mediador entre Deus e os homens
(1Tm 2.5), cumpriu seu papel pacificador por meio do sacrifício de sua vida. Feita a
propiciação da justa ira de Deus, não há mais motivo para a ira de Deus contra os remidos.
Podemos levar totalmente a sério que Deus não pode se irar contra nós se ele já aceitou o
pagamento dos nossos pecados na cruz. Os fiéis, igualmente transformados pelo Espírito
regenerador, reconhecem que são filhos amados com o direito de chamá-lo "Aba, Pai!"
(Rm 8.15).
Jesus é o pacificador sem igual. Nenhuma outra reconciliação entre os homens
encerra uma inimizade tão intransponível. E nenhuma inimizade entre nações chegou a
um desfecho tão abençoado. Devemos render toda glória àquele que fez a paz entre
pessoas tão distantes, tão ofendidas mutuamente e em oposição tão profunda entre si.
Essa sétima bem-aventurança oferece o galardão de os pacificadores serem
chamados "filhos de Deus" (Mt 5.9). Mas, lembremo-nos de que este é o título que
descreve perfeitamente a pessoa de nosso Salvador. Sendo Filho de Deus e Filho do
homem, tinha a possibilidade ímpar de revelar a nós o coração de Deus e também de
interceder por nós (Hb 7.25). Paulo tinha convicção da importância do papel de Jesus
como intercessor: "Quem os condenará (os eleitos de Deus)? É Cristo Jesus quem
morreu ou antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus, e também intercede
por nós" (Rm 8.34). Devemos compreender que o ministério incessante de Jesus perante
o Pai é sacerdotal, uma contínua representação do povo pelo qual morreu. O perfeitíssimo
relacionamento entre Jesus Cristo e o Pai eterno é confirmado pelo seu direito
integral de pleitear a nossa causa. Ele é nosso irmão, sendo também descendente de
Adão. Ele se identifica completamente conosco (Rm 8.29; Hb 2.10). Neste papel, Jesus
Cristo cumpre o que ninguém mais pode realizar. Ele é o pacificador que continuamente
mantém afastada de nós a ira de Deus, mesmo quando o que mais merecemos é castigo e
condenação.
Devemos perceber com clareza cristalina que a ausência da paz entre pessoas e
povos se explica pelo pecado que irrompe no meio dos relacionamentos humanos.
Pecados tais como a inveja, o egoísmo e o ódio são armas satânicas eficientes para
provocar desentendimentos e lutas. O espírito de vingança corrói os relacionamentos.
Como poderíamos mesmo esperar paz numa sociedade na qual o amor a Deus não tem
lugar nos corações (Rm 5.5)? A lista das obras da carne destaca com mais exatidão as
atitudes humanas consideradas normais, que aniquilam a paz: "... inimizades, porfias,
ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas..." (GI 5.20-21). Os gálatas corriam
o perigo de se destruir mutuamente, mordendo e devorando uns aos outros (GI 5.15).
Faltavam pacificadores preparados por Deus para solucionarem os problemas com o
amor misericordioso que perdoa.
Paulo também culpa a "carne" pelos "ciúmes e contendas" que infectavam os
corintios (lCo 3.13), que haviam abraçado o evangelho da paz, mas mia transformação
não fora suficientemente profunda para anular o egoísmo e o partidarismo
entre os membros da igreja. Os dons (carismas) acabaram sendo usados ao ponto de
promovera vaidade e a vanglória em vez de produzir o amor e a harmonia.
Paulo, com a perceptividade que Deus lhe dera, reconhecia que manter uma
divisão teológica entre crentes que observavam a lei, inclusive as cerimônias judaicas, e
os que confiavam somente em Jesus, pela fé, destruiria a unidade do evangelho. Por fim,
acabaria com o próprio evangelho. Paulo declarou que ele mesmo morrera para a lei a
fim de viver para Deus. Sendo corajosa essa tomada de posição, ele a compara com uma
crucificação com Cristo (GI 2.19-20). Somente assim seria possível manter a unidade entre
aqueles que antes eram inimigos e levá-los a ser um só corpo em Cristo. Para Paulo, essa
concórdia entre gentios e judeus não
em mera teoria, mas uma realidade essencial que exigia ação e dedicação total.
É impossível calcular os danos que a igreja teria sofrido se Paulo não tivesse
assumido esse compromisso pacificador. De modo bem ativo, perseguia a paz e a
promovia.' Paulo, tendo esse alvo em vista, defendia seu próprio modo de
adaptar-se ao mundo gentio e judeu dentro das circunstâncias que surgiam (1Co
9.1927). Estando, em Cristo, independente de todos, fez-se "escravo de todos,
a fim de ganhar o maior número possível" (1Co 9.19). Entendia, mais claramente
do que seus colegas, que ser revestido de Cristo implica na eliminação das
divisões entre judeus e gentios, entre escravos e livres, entre homens e
mulheres, e afirmou categoricamente: "Todos sois um em Cristo Jesus" (Gl
3.28).
O pacificador se preocupa, em última análise, com o alvo de todos os homens,
que é alcançar a paz com Deus. "AI está o retrato essencial do pacificador...
alguém que não provoca conflitos, mas que tudo faz a fim de estabelecera paz."' O
pacificador investe suas energias em solucionar as contendas e em eliminar as
hostilidades entre os homens.
Terceiro, Jesus não somente acolhe como membros do seu reino os perseguidos por
causado evangelho, mas também promete um grande galardão na vida vindoura àqueles
que, por causa do Senhor e do evangelho, sofrem a hostilidade do mundo (Mt 5.12). Uma
recompensa além da herança da vida eterna desafia a nossa imaginação. Paulo também
escreveu a respeito do tamanho do galardão que Deus oferecerá aos perseguidos.
Escutemos as suas palavras: "Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para
nós eterno peso de glória, acima de toda comparação" (2Co 4.17). Para o apóstolo, o
valor do galardão é mais do que suficiente para compensar qualquer tribulação que os
inimigos do evangelho possam provocar. Além disso, é incalculável o contraste entre a
quantidade de aflição sofrida pelo crente, por causa da fé, e o seu galardão futuro. Sofrer
perseguição não parece agradável nem leve
no momento do sofrimento, mas, em comparação com o galardão (o "peso de glória"),
pesa menos na balança da experiência do que uma pena de passarinho. Além disso, a
tribulação tem pouca duração. É "momentânea", ao passo que o peso de glória é eterno.
Os sofrimentos desta vida, quaisquer que sejam a sua intensidade e a sua natureza, não
perduram. Não podem durar mais do que a nossa vida neste mundo. Depois, vem a
bonança.
Quarto, Paulo acrescenta outro motivo para a alegria na perseguição,
declarando: "Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós" (Cl 1.24),
referindo-se às tribulações que experimentava por amor aos colossenses. Seguramente,
não devemos interpretar essa afirmação de modo vicário.1 Os sofrimentos dos santos
não produzem um acervo de méritos a serem aproveitados pelos menos consagrados.
Não há sustento bíblico para semelhante ensino. Cristo é o único que carregou sobre si
os pecados do mundo. Somente ele foi castigado pelas nossas transgressões, levando
sobre si a nossa culpa.
Os extraordinários sofrimentos que Paulo enfrentou por causa do evangelho foram
de grande proveito para os colossenses. Quando o amor pelo SENHOR vem de encontro à
barreira do pecado levantada pelo diabo e seus aliados, é de esperar que isso redunde em
sofrimento. A proclamação de Cristo nas regiões pagãs suscitou intensa oposição a Paulo,
mas, como resultado, os colossenses foram alcançados com o evangelho. Qualquer
missionário que aceita o desafio de evangelizar os povos não alcançados pode ter a
certeza de que será atacado pelo inimigo, com investidas diabólicas contra os
embaixadores do Rei.
Paulo acrescenta que ele preenche "o que resta das aflições de Cristo" (Cl 1.24).
Pode ser que os sofrimentos do Corpo de Cristo sejam sentidos pela Cabeça, que é
Cristo. Essa verdade transparece na pergunta de Jesus ao infame perseguidor na estrada
de Damasco: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (Ar 9.4). Quem persegue a igreja
atinge o Cristo ressurreto. A morte vicária de
Jesus oferece perdão com base na substituição. Ele oferece o seu corpo no altar para
expiar os pecados do mundo Uo 1.29; 1 Jo 2.2). Mas há uma "sobra" de tribulações
pelas quais os voluntários, guerreiros de Deus, devem passar por amor ao evangelho, a
fim de fazer que a mensagem penetre nos territórios controlados pelo demônio. Paulo
sente muita satisfação em divulgar a fé, mesmo com sofrimentos. Ele disse aos irmãos na
Ásia Menor: "Peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, pois nisso está a
vossa glória" (Ef 3.13). Aos crentes em Filipos ele escreve: "... mesmo que seja eu
oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós,
me congratulo" (Fp 2.17). O martírio de Paulo não devia ser motivo de tristeza para
os cristãos da Macedônia, uma vez que o sangue vertido pelo apóstolo poderia trazer
maiores benefícios para a igreja do que o ministério ativo realizado por ele em vida.
Sabe-se que a perseguição pode provocar de duas reações uma. Em alguns cristãos
temerosos, provoca silêncio. Jesus advertiu contra a timidez, representada pela candeia
escondida debaixo do alqueire (Mt 5.15). Na sua Parábola do Semeador (ou dos quatro
tipos de solo), refere-se assim ao solo sem profundidade, por ter pedras logo abaixo: "A
que caiu sobre a pedra são os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes não
têm raiz,
z, crêem apenas
por algum tempo e, na hora de provação, se desviam" (Lc 8.13 e paralelos). As ameaças
feitas pelo mundo podem levar alguém a negar o Senhor diante dos homens (Mt 10.32).
Quem negar o Senhor nesta vida, será repudiado por Cristo na vida futura (v. 33). A
timidez não é desculpa adequada diante de Deus. São esses tímidos que negam Cristo que
João tem em mente quando cita os covardes entre os candidatos para o lago que arde com
fogo e enxofre, a saber: a segunda morte (Ap 21.8). Os "covardes" são os que, na hora de
dura perseguição, se distanciam do Senhor que deu sua vida por eles. Procuram se livrar
do "embaraço" do cristianismo na hora do perigo. Serão deserdados no dia final.
A perseguição, porém, também tem um efeito positivo. Ela, inevitavelmente,
fortalece a igreja. Afasta os membros acomodados e sem conversão real e acrescenta ferro
ao sangue de pessoas como Lutem que, em Worms, na Alemanha (1521), disse na hora
da maior pressão contra sua doutrina evangélica: "Aqui firmo os pés! Não posso
tomar outra atitude. Deus me ajude". Toda a força da Igreja Católica daqueles tempos,
juntamente com o poderio do Santo Império no reinado de Carlos V, foram
insuficientes para convencê-lo a recuar.
A morte de Policarpo em Esmirna, em cerca de 155 d.C., é mais um exemplo em
que os sofrimentos de um homem de reputação santa trouxeram um grande impulso ao
evangelho. Quem poderia ter deixado de ouvir da ocasião em que o venerável pastor da
igreja foi queimado na estaca aos 86 anos de idade? Quem teria desconhecido o motivo
desse ato brutal dos romanos? Policarpo não quis escapar da fogueira, por causa da sua
lealdade a Jesus. O pastor veterano lembrou-se de que Jesus também poderia ter evitado
a cruz, mas escolheu essa morte vergonhosa por amor a todos nós. Não é sem razão
que os historiadores falam do sangue dos mártires como a semente de onde brotam
muito mais crentes.
De conformidade com Apocalipse, os cristãos venceram o dragão (Satanás), "por
causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a
própria vida. Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais..." (12.11, 12). A bem-
aventurança dos perseguidos tem algo que ver com o testemunho que deram. Seus
sofrimentos produziram frutos evangelísticos. Ainda há outro motivo para a alegria: "os
decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de
Deus..." são os mesmos que se sentarão em tronos para reinar com Cristo após a
ressurreição (Ap 20.4).
Conclusão
A felicidade deve ser o alvo de todos os que servem ao Deus único e bendito (1Tm
1.11). A infelicidade que predomina em muitos corações, talvez na maioria dos que se
dizem filhos de Deus, tem só uma explicação: eles ainda não cultivaram as virtudes dos
bem-aventurados súditos do reino de Jesus. Assim como uma doença física apresenta
sintomas como dores, fraquezas, tonturas e náuseas, a vida "carnal" produz
relacionamentos difíceis e infelizes. Não fossem as dores físicas, certamente o homem
se destruiria rapidamente em acidentes, descuidos e exageros de todos os tipos. Deus nos
fala graciosamente a respeito da vida realmente feliz. Essa bem-aventurança envolve
todo o caráter cristão que glorifica a Deus e cria bons relacionamentos com o
próximo. Deus nos ajude a ser mais zelosos na busca dessa perfeição que ele concede aos
seus filhos que, sincera e persistentemente, a almejam (Hb 12.14). Busquemos todos os
meios de concretizar as bem-aventuranças em nossas igrejas e famílias. Acima de tudo,
valorizemos as virtudes do caráter cristão para nossa própria felicidade, nesta vida e na
vida do porvir.