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NEPE:LITERATURA
SEROPÉDICA, 2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
FELIPE DE SOUZA DA SILVA
201228509-9
NEPE: LITERATURA
SEROPÉDICA, 2018.
1. O erotismo na literatura brasileira apresenta-se a) como um gesto artístico
desafiador de uma ordem moral dominante e patriarcal ou b) como uma expressão
marginal da literatura dirigida a um público específico (ou ambas as
possibilidades)?
Ao mesmo tempo em que o corpo serviu como local de resistência ao regime militar
autoritário, o corpo feminino passava por um processo de ressignificação lutando por mudanças
culturais, sociais e legais como parte do aumento dos movimentos de mulheres em todo o Brasil.
O ponto de partida das obras literárias das mulheres configura-se nesse cenário como um
discurso que contraria a ideologia patriarcal e machista. De fato, Ferreira-Pinto vê a produção
literária feminina como uma vertente que emergiu contra a produção literária e cultural
produzida por homens. A autora posiciona as mulheres na liderança da vanguarda cultural a
partir dos anos 1960. Para ela:
De acordo com a autora, essas mulheres desenvolveram estratégias dentre as quais estão
incluídas retratar o corpo feminino, representar a sexualidade feminina e o erotismo, e discutir
questões sociais e culturais que, de uma forma ou de outra, relacionam-se com o senso de
mulher de seu próprio corpo e sexualidade. Dentre as discussões mais comuns estão: a
caracterização de mulheres com base em características raciais e hierarquia de classes,
casamento, maternidade e envelhecimento. Essas táticas são, evidentemente, comuns à escrita
de mulheres de outros países e comunidades. Cristina reivindica um novo discurso feminino no
Brasil, escrito por e para a nova mulher do século XXI. Mas existe esse novo discurso? A autora
destaca:
Isso não quer dizer que a explanação escrita do desejo afetivo e sexual de/por pessoas do
mesmo sexo enquanto tópico central não estivessem presentes na literatura nacional. Em
Topografia do Risco: O erotismo literário no Brasil contemporâneo, Eliane Robert de Moraes
expõe tal presença ao tracejar um intrigante percurso desses desejos presentes em uma literatura
obscena produzida a partir do final dos anos de 1970 até o final dos anos de 1990.
Nas últimas décadas a literatura de autoria feminina tem conquistado seu reconhecimento,
consolidando-se como um espaço para o processo renovador que, centrado na libertação da
mulher, em sua luta pela igualdade de direitos, vem formando caminho em todo o mundo
civilizado, desde fins do século XIX. É diante dessa perspectiva propriamente dita que emerge
a possibilidade da inserção da mulher no espaço de produção de escrita cuja criação era de
exclusividade masculina:
O que se coloca em jogo, no caso da escrita erótica de mulheres são as restrições aplicadas
sobre estas ao longo da história da humanidade. Vale destacar um detalhe importante sobre a
construção ideológica pornográfica através da história. Na Renascença, a presença da
pornografia tornou-se mais intensa e caracterizou-se pela difusão de imagens e vocabulários
obscenos que causaram danos morais por causa da representação explícita do sexo. Cristina
Ferreira apresenta a hipótese de que o desejo erótico entre mulheres e a concepção de
personagens lésbicas podem causar a classificação de sua obra como pornografia ou significar
um tipo de homossexualidade latente das autoras. Existe uma diferença entre erotismo e
pornografia?
Parece existir ainda entre a crítica o preconceito de que um erotismo mais explícito,
que se aproxime ao “pornográfico”, pertence a uma literatura de escritoras
“alternativas” ou “menores”, sendo assim geralmente ignoradas pela crítica. Por outro
lado, o erotismo mais “lírico” ou “platônico” na poesia de autoria feminina tem sido
mais facilmente aceito e suas autoras recebido um maior e mais positivo
reconhecimento crítico. (2010, p. 19)
A razão por trás do grande mal-entendido entre pornografia e literatura erótica é o senso
de estética. De fato, ambos os termos são complementares. Levando em consideração a estética
erótica, a organização é sistematizada por padrões de beleza:
Apesar da crença de que a pornografia tende a revelar tudo e o erotismo tende a dar uma
realidade nebulosa, ainda assim há uma dificuldade em estabelecer uma diferença entre os dois
termos.
Com base nessa suposição, pode-se supor que não há limites separando-os. Esse
argumento é reconhecido por Sape Grootendorst, um dos pioneiros no que diz respeito aos
estudos literários sobre literatura gay no Brasil. Como o autor afirma, no Brasil, “literatura gay
é geralmente considerado algo proibido, pornográfico, de mau gosto e baixa qualidade. Pode
servir propósitos emancipatórios, mas em geral pertence aos guetos de um mundo do proibido
e marginal” (1993, p. 52).
Uma vez que a democracia foi restaurada, não havia mais um discurso de oposição
comum contra o governo militar autoritário. Acabar com a ditadura serviu como uma força
solidária entre grupos sociais díspares. Para os grupos de mulheres, especificamente, a política
de transição forneceu uma abertura para as vozes das mulheres na vida política. Manifesta-se
nessa circunstância a oportunidade do exercício de afirmação da identidade feminina. Como
evidencia Ferreira-Pinto:
No caso da mulher, considerando o controle social sobre seu corpo que tem ocorrido
através da história [...] a expressão autêntica da sexualidade e do desejo feminino
torna-se ainda mais importante para a afirmação da voz e da identidade da mulher .
(2010, p. 19)
A literatura erótica aparece neste meio recusando as normas correntes “na tentativa de
devolver ao sexo sua potência primitiva de subversão”. (MORAES, 2008, p. 415). Vale destacar
que, como observa Eliane Robert Moraes, no decorrer da década de 1980, período no qual
ocorre um aumento exacerbado e alarmante nos casos de Aids, as produções artísticas nacionais
relacionadas ao sexo ficaram bastante reprimidas. A autora contextualiza o cenário histórico
reiterando que:
conforme a epidemia cresce, mais e mais se nota seu impacto nas letras do país. Numa
relação inversamente proporcional, contudo, o erotismo literário entra em claro
declínio, perdendo espaço entre as publicações do período. Pode-se contar nos dedos
os livros do gênero editados no decorrer da década, configurando exceções que só
fazem confirmar essa ausência. Enfim, se a temática sexual continua a aparecer aqui
e acolá na ficção brasileira, quase sempre mais sugerida do que afirmada, aquela
sexualização enfática do mundo e da experiência humana que constitui o cerne da
literatura erótica raramente encontra vias de expressão. (p. 406)
A morte deixa de ser perigo para tornar-se realidade e se funde ao amor carnal com intuito
de liberar uma forte sensação de prazer. Essa perspectiva torna-se evidente no poema analisado
pela autora no início de seu artigo – Coxas, de Roberto Piva –, no qual um casal homossexual
desloca-se ao terraço de um edifício e concebem o ato sexual dizendo frases obscenas um ao
outro durante a cena erótica, não se importando com o helicóptero que solicita seu lugar de
pouso. Em seguida os dois morrem atingidos pelo fogo disparado pela aeronave.
Eliane explica que após o período da contracultura e o desbunde nos anos 70, a literatura
brasileira experimentou, na década seguinte, uma revalorização de padrões convencionais.
Desenvolveu-se um “intenso processo de retradicionalização dessa mesma literatura a partir da
década de 1980, que diversos críticos interpretam como uma tendência de viés conservador,
seja ele formal, ideológico ou até mesmo moral.” (MORAES, 2008, p. 415). Já a literatura
erótica, por sua vez, aparece nesse meio recusando as normas correntes “na tentativa de
devolver ao sexo sua potência primitiva de subversão” (MORAES, 2008, p. 415). Apesar da
não aceitação das exigências impostas pelo mercado editorial a banalização da nudez e do sexo,
liderada pela indústria pornográfica, agiu como elemento chave para descreditar o erotismo nas
produções culturais. Moraes explica que a exposição do corpo em imagens de sexo configura-
se como pornografia e anula o potencial subversivo:
Diante da análise dos estudos críticos apresentados é possível afirmar que nas sociedades
pós-coloniais há, efetivamente, a imposição de uma cultura dominante; o que não se encaixa
nela ficará à margem. Por não se inserir nas temáticas permitidas em uma ordem
predominantemente patriarcal, a literatura erótica é penalizada com o desprestígio. Ao marginal
cabe o silêncio, como argumenta Ferreira-Pinto:
A autocensura, que as vezes pode calar a expressão erótica feminina em todas suas
formas, encontra-se obviamente enraizada nas práticas sociais vigentes que tanto
procuram controlar a sexualidade feminina, como restringir o acesso da mulher a uma
linguagem adequada a representação de sua sexualidade. (1999, p. 406)
______ . O corpo e a voz da mulher brasileira na sua Literatura: o discurso erótico de Márcia
Denser. Revista CELL (Revista Discente do Centro de Estudos Lingüísticos e Literários da
Universidade Federal de Ouro Preto), n, 0, 1º sem. 2010.