Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
INTRODUÇÃO
______________
¹ Professora Pedagoga Rede Estadual do Paraná.
² Professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
1
relevante ao processo democrático da educação, e atende os parâmetros políticos e
pedagógicos da Secretaria do Estado da Educação (SEED) do Paraná.
A justificativa da temática abordada nesta produção se faz mediante o
levantamento de dados³ realizados com Pedagogos da rede estadual do Ensino
Fundamental e Médio do município de Santo Antônio da Platina, em abril de 2007,
quando se constatou que permeia entre estes profissionais, uma série de conflitos em
relação aos fenômenos sociais, políticos e educacionais contemporâneos que interferem
negativamente na sua prática. Entre os problemas elencados, o que se julga pertinente
sublinhar são as situações que interferem na atuação do pedagogo e na prática
pedagógica, fundamentada pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica elaboradas
pela SEED-PR e que dá ênfase na relação entre os conteúdos científicos de referência
2
resgate sobre a real função escola, como socializadora dos conhecimentos científicos,
artísticos e filosóficos, por meio do saber escolar, tem se tornado mais distante?
Qual é o entendimento dos professores, gestores e pedagogos, sobre a interferência da
Educação na sociedade atual? A ausência de disciplina acadêmica, a falta de coerência e
de suporte teórico leva a uma prática alienada que corrompe a formação do educando?
Baseado nestes questionamentos, expostos em torno de levantamentos de
dados realizados com pedagogos da rede estadual do município de Santo Antônio da
Platina, supõe-se que uma das alternativas de superação destas fragilidades
apresentadas, está em recorrer a referencias teóricos clássicos sobre a formação
filosófica, política pedagógica e social, o qual a prática fundamentada na Pedagogia
Histórico-Crítica é constituída.
Saviani (1997, p. 21) em relação à necessidade do referencial teórica
consistente na prática do professor afirma:
O que eu posso recomendar aos professores é que voltem aos
clássicos. Por favor, voltem aos clássicos! Senão vocês ficam
flutuando por aí, envolvendo-se com novos paradigmas, que
são moda e acabam-se perdendo nestas modas. Em um ou dois
anos elas acabam passando, e vem outra onda e nada de
consistente permanece [...] se a Pedagogia Histórico-Crítica tem
alguma consistência, é por ela estar ancorada nos clássicos.
3
Pensadores da Idade Média fizeram de tudo para derrubar as explicações científicas na
perspectiva materialista, principalmente os filósofos idealistas, que tinham como
doutrina o esclarecimento dos fenômenos e dos objetos por meio de princípios
espirituais. Com o Renascimento e com os grandes avanços que se produziram na
astronomia, navegação, artes e ciências, o materialismo ocupou espaço na explicação do
desenvolvimento científico. A Revolução Francesa também contribuiu com
condicionantes que permitiram aos filósofos uma compreensão mais concreta da
dinâmica das transformações sociais, elevando o pensamento racional, substituindo as
crenças religiosas e o misticismo, que, segundo eles, bloqueavam a evolução do
homem.
O progresso da ciência, na perspectiva do materialismo filosófico,
proporcionou a Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1818-1883), fundar a
doutrina marxista, corrente revolucionária caracterizada especialmente pelas conotações
políticas, sociais e econômicas explicitadas em seus paradigmas, conforme a dinâmica
da luta de classes e a transformação das sociedades de acordo com as leis do
desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo (ibid., 1987, p.48).
Segundo MARX e ENGELS
[...] não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se
representam, e também não se parte dos homens narrados, pensados,
imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e
osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu
processo real de vida, representa-se também o desenvolvimento dos
reflexos e ecos ideológicos deste processo de vida. Também as
fantasmagorias no cérebro dos homens são sublimados necessários do
seu processo de vida material, empiricamente constatável e ligado a
premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica e a restante
ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem, não
conservam assim por mais tempo a aparência de autonomia... Não é a
consciência que determina a vida, é a vida que determina a
consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da
consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida
real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-se a
consciência apenas como a sua consciência. (MARX e ENGELS, 1982
- 14 IN: Espaço Acadêmico,2002)
4
pensamento do idealismo filosófico. Hegel “aceitava que todos os fenômenos da
natureza e da sociedade tinham sua base na Idéia Absoluta” (Triviños, 1987, p. 50).
Porém, a concepção marxista substitui o idealismo hegeliano por um realismo
materialista: a matéria é o princípio fundamental e a consciência produto da matéria.
Pode-se afirmar, que a diferença conceitual entre a dialética de Hegel e Marx, é que o
primeiro, considera a dialética no plano do espírito, das idéias, e o segundo, a toma por
meio da materialidade, dos meios de produção e reprodução da vida, bem como de seu
caráter histórico, de como se organizam na sociedade, considerando a sua historicidade.
Rech (1997, p. 34) se posiciona diante do Marxismo afirmando que:
certamente se constitui na forma mais completa de um sistema de
pensamento existente. Ele é simultaneamente e interligadamente uma
concepção do mundo, sendo então uma filosofia, uma teoria
revolucionária constituindo-se uma política e enquanto teoria do
capital é uma ciência [...] O tema central de toda a teoria de Marx e
de seu companheiro Engels, é o trabalho. É por meio dele que nos
hominizamos e é também por meio dele que nos alienamos.(IN
Caderno Pedagógico-APP Sindicato)
5
Dessa maneira, pode-se entender que a dialética é a forma de compreender o
mundo reconhecendo que a verdade atual ou momentânea pode, de acordo com processo
evolutivo da ciência, da produção humana e da prática social, estar sujeita a
transformações, e subseqüentemente, pode ser refutada diante de uma nova manifestação
científica.
Os clássicos do marxismo ressaltam os aspectos que se referem às formas do
movimento universal e às conexões que se observam entre elas, Engels a define como a
ciência “das leis do movimento e desenvolvimento da natureza, da sociedade humana e
do pensamento”.
A concepção que norteia o princípio materialista dialético, fundamentada pelo
pensamento marxista interpreta a realidade, no contexto educacional de forma concreta,
pensada e compreendida em seus mais diversos e contraditórios aspectos. Assim,
considera-se que a prática social, a ação do homem sobre a natureza, em seu processo
de produção, é o critério decisivo para reconhecer se um conhecimento é verdadeiro ou
não, e que esta prática é a base de todo conhecimento.
O breve percurso aqui percorrido teve a intenção de esclarecer que a proposta
pedagógica na perspectiva histórico-crítica, tem bases filosóficas consistentes que
explicam as leis de desenvolvimento do mundo social e natural. Assim, Saviani , (2005,
p.141) afirma:
6
não é a transposição de seus para a pedagogia, e nem mesmo, a
aplicabilidade de suas análises ao contexto pedagógico. Aquilo
que se está em causa é a elaboração de uma concepção
pedagógica em consonância com a concepção de mundo e de
homem própria do materialismo histórico”.
7
Neste contexto, a didática deve ser condizente à proposta pedagógica quanto ao tipo
de homem que se deseja formar e ao tipo de sociedade que se ambiciona. Porém, é comum
verificar, no contexto escolar, uma disparidade entre a proposta pedagógica contida no Projeto
Político e Pedagógico e a prática do professor em sala de aula.
Na perspectiva da Pedagogia Tradicional, que teve ascendência até 1930, a
didática é baseada num conjunto de paradigmas que indicam normas e regras que
regulam o ensino de forma diretiva. O professor é o centro de todo o conhecimento,
com uma prática verbalista, autoritária e inibidora da participação do aluno; o conteúdo
é descontextualizado e realizado de forma oral; a aprendizagem se dá por meio da
repetição de exercícios, de forma mecânica, e da memorização, sem se considerar as
características próprias de cada idade; e por fim, o aluno, um agente passivo, cumpridor
das tarefas de forma inquestionável; o método utilizado nesta tendência pedagógica é o
Expositivo.
Em relação à Pedagogia tradicional Libâneo(1994, p.65) afirma:
A didática tradicional tem resistido ao tempo, continua prevalecendo
na prática escolar. É comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino
a tarefa de mera transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o aluno
de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar
somente exercícios repetitivos, impor externamente a disciplinas e
usar castigos. [...] Os conhecimentos ficaram estereotipados,
insossos, sem valor educativo vital, desprovidos de significados,
inúteis para a formação das capacidades intelectuais e para a
compreensão crítica da realidade.
8
A segunda vertente da Pedagogia Nova é a Não Diretiva, inspirada em Carl
Rogers, tendo uma educação centrada no estudante, de prática pedagógica
antiautoritária onde o professor é um mero facilitador da aprendizagem; o conteúdo é
realizado a partir da realidade do aluno, num ambiente estimulante e realizado por meio
de pequenos grupos, valorizando as experiências do educando. A didática aplicada a
essa concepção educacional é o Método Clínico de Rogers. Para Saviani (2006, p.67):
“a Escola Nova contribuiu, pelo afrouxamento da disciplina e pela secundarização da
transmissão de conhecimentos, para desorganizar o ensino nas referidas escolas. Daí,
entre outros fatores, o rebaixamento do nível de educação destinada às camadas
populares”.
Pedagogia Tecnicista, surge no Brasil em meados de 1950, com predomínio
marcante na década de 70, amparada pela lei 5692/71. A escola tecnicista tem como
paradigma o positivismo e seus pressupostos da neutralidade científica, da
racionalidade, ordem, eficiência e produtividade. Nesta perspectiva educacional a escola
perde sua especificidade, pois o ideal proposto por Comte, século XIX, período
revolucionário com inserção da indústria e o sistema capitalista emergente, veio por
meio da escola tecnicista, impondo uma educação oriunda ao sistema fabril, visando à
produtividade (ibid., 2006, p.13). A didática, nessa dimensão, tem caráter
instrumental, na racionalização do ensino, no uso de meios, técnicas e manuais
didáticos. Nessa tendência pedagógica, o professor é um administrador e executor do
planejamento; o aluno é submetido a um processo de controle de comportamento, e
deve produzir com eficiência os objetivos previamente estabelecidos pelo professor; a
aprendizagem é avaliada pela produção; o ensino é organizado em função de pré-
requisitos; os conteúdos são informações ordenadas numa seqüência lógica e
psicológica. O método utilizado nesta corrente são os procedimentos e técnicas para
transmissão e recepção de informações. Esta proposta educacional tem como inspiração
o sistema fabril, visando à produtividade na distribuição dos conteúdos programáticos,
compatíveis com a orientação econômica, política e ideológica do regime militar, então
vigente.
As tendências citadas encontram-se no quadro das teorias não críticas que
objetivam a manutenção do status quo, baseadas nos meios de produção e nos interesses
individualistas da sociedade, justificada pelo sistema capitalista (ibid., 2006, p16).
As concepções pedagógicas a seguir referem-se às teorias críticas da
educação. Nesta perspectiva, a prática pedagógica tem a intencionalidade dos
9
pressupostos marxistas que se fundamentam na relação homem e trabalho e na
transformação social, por meio da produção. O sujeito, nesta perspectiva, é construtor e
transformador da realidade histórico-social onde está situado.
Inserido neste quadro das teorias críticas da educação, está a Pedagogia
Libertadora, representada pelo educador Paulo Freire. Nesta corrente, “a atividade
escolar é centrada nas discussões de temas sociais e políticos. A didática busca
desenvolver o processo educativo como tarefa que se dá no interior dos grupos sociais
e por isso o professor é coordenador animador” do processo ensino e aprendizagem
Libâneo (1994, p.69).
10
utilizado é o Dialógico, professor e aluno são sujeitos ativos inseridos numa classe
social de múltiplas determinações, porém o professor é autoridade competente,
direciona o processo pedagógico; interfere e cria condições necessárias à apropriação do
conhecimento, enquanto especificidade da relação pedagógica. (Departamento de
Planejamento e Administração Escolar-UFPR).
Gasparin (2003, p.16-25) expressa essa primeira etapa do processo como sendo
o contato inicial com o tema a ser estudado. Parte-se do saber que os discentes já
possuem do conteúdo, definida por Vygotski como nível de desenvolvimento atual,
quando possuem uma visão sincrética da prática social. Geralmente, nesta fase o aluno
apresenta um conhecimento baseado no senso comum, fundamentado na sua realidade,
ou no conhecimento oriundo da escola, estudado em algum período letivo. Este
processo acontece de forma instigante, onde o professor irá se inteirar do que o aluno já
sabe, possibilitando para ambos uma relação de diálogo.
11
Em relação aos procedimentos práticos o autor, citado anteriormente,
classifica-os como: “anúncios dos conteúdos, que consiste na listagem da unidade e dos
tópicos a serem trabalhados, e vivência cotidiana dos conteúdos, expondo o que os
alunos já sabem e o que gostariam de saber”. Nesta etapa, o professor fará anotações
sobre o que foi relatado pelos alunos sobre o que eles sabem de determinado conteúdo e
o que gostariam de saber, para que os mesmos percebam no desenvolver da unidade do
conteúdo, o quanto já aprenderam.
12
alunos estão efetivamente construindo, de forma mais elaborada, seu
conhecimento, seus conceitos. A Problematização é o fio condutor de
todo o processo de ensino-aprendizagem. Todavia, este momento é
ainda preparatório, no sentido em que o educando, após ter sido
desafiado, provocado, despertado e ter apresentado algumas hipóteses
de encaminhamento, compromete-se teórica e praticamente com a
busca de solução para as questões levantadas.
13
aos conceitos espontâneos, abrindo-lhes caminho e sendo uma
espécie de propedêutica do desenvolvimento. (Vygotski, apud
Gasparin, 2003, p.59)
14
neste sentido é alterada qualitativamente pela mediação da ação pedagógica, a qual
propicia ao educando uma nova maneira de compreender a realidade e agir sobre ela.
Scalcon (2002) cuja obra propõe a articulação da Psicologia Histórico-Cultural
com a Pedagogia Histórico-Crítica contribui com fundamentação teórica da Pedagogia
Histórico-Crítica, se reportando à questão psicopedagógica. A autora afirma que a base
psicológica da Pedagogia Histórico-Crítica é a psicologia Histórico-Cultural, aplicada à
educação, cujo seu principal representante, Vygotski, entende o desenvolvimento
psicológico como originário das diversas formas de ação do sujeito e de sua consciência
no interior das relações sociais.
A proximidade entre a Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórica
Cultural, está no fato de que ambas compartilham da mesma matriz teórica, o
materialismo histórico e dialético. Quanto à construção do conhecimento científico, a
Pedagogia Histórico-Crítica desenvolve uma proposta pedagógico-metodológica e a
teoria Psicológica Histórico-Cultural tem como mote principal o desenvolvimento da
aprendizagem. As similaridades entre ambas são: a promoção e desenvolvimento do
ensino; a mediação do professor entre as relações o sujeito e o objeto, entre o aluno e o
conteúdo e entre a criança e a realidade; o conhecimento sistematizado produzido
historicamente, culturalmente e cientificamente pela humanidade deve ser assimilado
pelo educando; a apropriação do saber escolar pelo educando como manifestação de
transformação social.
Scalcon, através de sua obra “À procura de uma unidade psicopedagógica:
articulando a psicologia histórico-cultural com a pedagogia histórico crítica” contribuiu
para a explicação do processo do desenvolvimento da aprendizagem nesta proposta
teórica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
15
Este método aplicado à educação escolar: prática (senso comum)-teoria
(conhecimentos científicos)-prática (conhecimento elaborado), tem como fundamento
didático uma prática onde o educando partilha dos seus conhecimentos espontâneos
com colegas e professor, o professor partindo desses conhecimentos teoriza
cientificamente sobre eles, num processo coletivo de construção do conhecimento, e
desta maneira, o aluno incorporado do conhecimento historicamente sistematizado agirá
como agente transformador da realidade.
Assim, Pedagogia Histórico-Crítica é um caminho de apropriação e de
reconstrução do conhecimento sistematizado que visa à libertação social, por meio da
incorporação desses conhecimentos, pois é por meio dele que se tem o argumento
convincente e esclarecedor baseado em fatos científicos, além de resgatar o
compromisso social da escola, que se perdeu na década de 90 com as políticas
neoliberais, inseminando no meio educacional as práticas pedagógicas fundamentadas
na pedagogia do “Aprender a Aprender” que desconfiguram toda a função da escola,
além de expressar uma preocupação com a melhoria de ensino, no sentido de responder
às necessidades cognitivas e psico-sociais do educando.
REFERÊNCIAS
16
________________ Pedagogia histórico-crítica. 9.ed. - Campinas: Autores
Associados, 2005.
________________ Histórias das idéias pedagógicas no Brasil. 1.ed. - Campinas,
Autores Associados, 2007.
17