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ee ee ee ‘Una doenca. 3. Lingulet. Clencla que extuds os bse etnies oo tae: S fonance amtemiotice, Semistee Ac) Rolo. semen 6 Semdtce Mat A laive «une s,stantearto Mela sarin: sigierte 9 Lng. Ria so eavendtcia 1 farce can ve Sano dn Duar’ go coroso, ne ue feore fap pomstca"aomiose'f" Reugto. ene th BP cingaianS — Seochecan Ge signee. da 208 slonon ps {ercarsa a um conjunc 3 Organapio temciie, das exoeréncies gue permite besser So sontiso ao" nigiicase. 4 Relea ‘ign Sipnicado Sm. Lingdst. Um doe dois componen- ee go signo, © que consti @ inlormaguo wle laos "Biano "do "conteado por" ‘oponis80 "20 plano 68 expresso. ‘Sigaifietncla “St Lingle. Plano de entudo. dos Sionticante Sm. Lngslet Um’ Sot doa comoo: Srpreanto por sposieto to plano de contovco, Signe Sm Lingo'st Elemento do cdg2, const ido pein tacks oe, dependinln wigiicete Fe Sigrnceca, Semtmico Ad), Lingdlst. 1. Relatva ace semas, “Peis avowancia’ ge eonteio do. sgn Goneideraca como inguiten. 3. Semémico por oponigao a tema {55 ‘cmo Sooms em opnigo, 8 sutanc. A semiotoga. Univeno), seménico: eubaistemaingusco, Gomis “Proceano inateu- iratrecdo do plane ge. cortougo (por opceleho na consingto dons eombmco. ertruracto do plono de expresso) NTIFICO. Inscrevem-se numa abordagem semistica e ‘na perspectiva do desenvolvimento de um: FingUistica do discurso os dois textos apr ‘sontados neste livro: Semiética do Discurso Clentifico © Da Modalidade. Contém eles modelos © elaboram uma metalinguagem fextremamente importante para os estudos ‘sémio-lingOisticos, Constituem sistemas coe- fentes @ harmoniosos, de grande beleza teorica. Semiética do Discurso Cientitico parte da hipétese de que 6 possivel langar mao das estruturas narrativas, tals como foram Inferidas do discurso literério, para com elas propor um modelo do discurso cientiico sustentado em cléncias humanas, que d& ‘conta de sua dinamica @ do processo de produgfo e transferéncia do saber cienti- fico. Toma por corpus o prefécio da obra de Georges Dumézil, Nalssance d’Archanges. © discurso cientifico ¢, entéo, considerado ‘como uma aventura cognitiva © apresentado como a narrativa da busca que realiza 0 ‘sujeito discursive, de um objeto de valor, no caso, um certo saber. Trata-se de uma narrativa complexa, que encerra duas outras. Na primeira, a narrativa do revés, 0 sujeito fracassa em sua busca do saber, por ter formulado mal sua hipétese; esse fracasso, no entanto, 86 faz valorizar sua segunda tentativa, em que, dotado de nova compe- tencla, consegue, finalmente, a conquista do objeto visado. Da: Modalidade, texto fundamental para ‘a compreensfo do pensamento greimasiano, pretende propor elementos para a elabo- Fagllo de uma teoria das modalidades dis- cursivas. Ndo se limita a uma simples reuniéo e consolidaglo de modelos dis- Persos em suas obras anteriores mas, 20 ontrério, constitul considerdvel enriqueci- ‘mento, no plano da metalinguagem, ofe- rece precioso instrumental para as pes- quisas sémio-lingUisticas. ‘Monografias de Semidtica Lingiistica 1 Diregdo de Cidmar Teodoro Pais a SEMIOTICA DO DISCURSO CIENTIFICO. DA MODALIDADE Impresso em 1978, no transcorrer do Cinglentendrlo das atividades da EMPRESA GRAFICA DA REVISTA DOS TRIBUNAIS S.A. Rua Conde do Sarzedas, 38 — Tel, 28-4181/2/3 (PBX) 01612 — Sto Paulo, 8P.. Brastl Delo método offset, com filmes fornedides pelo editor Greimas, Algirdas Julien Semidtica do discurso cientifico © Da modslidade; proficio e ‘tmadugio de Cidmar Teodoro Pais. Sio Paulo, Difel - Difusio Editorial S.A. Sociedade Brasileira de Professores de Lingiistica, 1976. XXVILL, 86 p. (Monografias de Semidtica e Lingdistica, .© 1) 1. Lingufstica 2. Metodologia da pesquisa 3. Semiolingdfstica ‘Semistica 1. Titulo. IT. Série, A. J. GREIMAS SEMIOTICA DO DISCURSO CIENTIFICO. DA MODALIDADE Tradugio de Cidmar Teodoro Pais DIFEL — piFusio eprroniat s.a. ‘SBPL — SOCIEDADE BRASILEIRA DE PROFESSORES DE LINGUISTICA Titulos dos originals franceses dans les sciences humaines (Analyse dun texte Georges Dumézil). Pour une théore des modalités ew © Copyright 1976 de Algirdas Julien Greimas Direitos exclusives para a lingua portuguesa DIFEL/DIFUSAO EDITORIAL S.A Rua. Marqués de tu, 79 — CEP 01223 io PauLo Rua Pinheiro Guimaries, 29 — CEP 20000 IO DE JANEIRO MONOGRAFIAS DE SEMIOTICA E LING&ISTICA A pesquisa em ciéncies humanas apresenta condicées muito peculiares. Dentre os miltiplos fendmenos por que se interessa, raros séo aqueles que podem ser submetidos a verificagao direta, a experimentacdo, ao tratamento em la- boratério. A construgéo e a validagio dos modelos assume, desse modo, considerével importéncia e ocupa significativa proporeao no processo da investigacdo, caracterizando-o nitidamente. Como todo discurso cientitico se tundamenta nos discursos anteriores, de que depende seu pleno desen- volvimento, impGe-se 20 pesquisador informar-se continua- ‘mente - tarefa, na realidade, intermindvel -a respeito de uma produgéo cientitica que néo cessa de crescer. A bibliogratia, alentada e sempre renovada, desempenha nas “humanidades” um papel que seria impensével nas chamadas ciéncias na- turais. Largo tempo exige a preparagéo do pesquisador e tra- “ bathosa é a iniciagao 4 pesquisa. Conquanto sejam exaltantes as perspectivas desses estu- dos, em fungao de seu objeto, sio em verdade, limitadas as possibilidades de observaczo e a complexidade mesma do o- bjeto acentua o cardter fragmentério de muitas de suas con- clusdes. O cientista & assim levado, naturalmente, a dedicar- se aos projetos interdisciplinares, terreno a um tempo fértil @ escorregadio, em que mal se delineiam as fronteiras - se é vu complementacao dos modelos, que permitam preen- incémodas e avancar em direcdo 4 descoberta. seguranca na investigacio, numerosos os perigos que 0 sercam. Desliza-se, por vezes, inadvertidamente para a doxo- ‘logia e para a andlise impressionista, para 0 abuso na convoca- ¢f0 da autoridade. 0 dogmatismo esté 4 espreita, pronto a surpreender os incautos. _ A viabilidade das ciéncias humanas repousa, desse modo, na coeréncia e operacionalidadle dos modelos, assim como na construgio permanente de uma meta-linguagem que Ihes sirva de instrumento de trabalho seguro. Como ciéncias que sao, no procuram o hermetismo, antes evitam-no, na sua faina re- dutora, explicativa ¢ simplificadora, Se recusam a facilidede das “terminologias” jd feitas, isso se deve & preocupacao do rigor, da seriedade, e a0 receio que Ihes inspiram as formula- 8es superficiais e amb/guas, que trariam, inevitavelmente, grave dano 4 credibilidade de seus esforcos. A construgéo da meta-linguagem cientitica & indi sociével da construgao da propria ciéncia e a primeira condi- 40 de seu progresso. E ela que assegura também, logo de inicio, a liberdade do pesquisador, Tao importante quanto a divulgagéo dos resultados das Pesquisas realizadas é @ das teorias em que se inspiraram, da ‘meta-teoria. que Ihes é subjacente, dos modelos que tomaram como ponto de partida, ou dos que elaboraram, jé que so esses modelos, finalmente, que podem fecundar novos proje- tos, suscitar novas pesquisas. Por assim pensar, a Sociedade Brasileira de Professores de Lingiiistica, em Assembiéia Geral realizada em Belo Hori- zonte, aos 16 de julho de 1975, durante a XXII Reuniéo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciéncia, votou, por Unanimidade, se tomassem todas as medidas para a publica- 80, sob sua responsabilidade, de uma colecao cientitica liga- da as dreas em que atuam seus membros, acreditando, desse vil “1 modo, dar uma contribuicéo vélida, conquanto modesta, a0 desenvolvimento da ciéncia. Quase um ano decorrido, cumpre-se aquele mandato e vém é luz as Monografias de Semistica e Lingifstica, em co- edigéo com a DIFEL - Difuséo Editorial, S.A., de Séo Paulo. Destinam-se a publicar ensaios, dissertagGes, teses, trabalhos de pesquisa que, escolhidos pela importéncia de suas propo- sipSes tedricas ou pelo valor de suas aplicacdes, pela seriedade, pelo rigor do tratamento, pela atualidade de seus temas, possam tornar-se instrumento ou constituir estimulo para 0 desencadeamento de novos projetos cientiticos. ‘As Monogratias de Semiética e Lingiifstica pretendem o- ferecer, dessa maneira, um territ6rio comum para 0 intercém- bio e 0 didlogo criador de pesquisadores e docentes que se de- dicam aos estudos de Lingiiistica Geral e Aplicada, Semioloyia, Suciotingdrstica, Psicolingiirstica, Filosofia e L6- gica da Linguagem - relagéo que néo é, evidentemente, exaus- tiva - e que se interessam pelos multiformes aspectos do pro- blema da linguagem, lingiiistica e néo lingdrstica, da signifi- cago, da comunicagao e da informagao. Cidmar Teodoro Pais. 1x PREFACIO No desenvolvimento dos estudos lingutsticos, nao tem vinte anos o tratamento estrutural dos problemas do signi- ficado e & ainda mais recente a criacéo da semidtica, enten- dida como projeto cientifico. Somente a partir dos estudos de Algirdas Julien Greimas e Bernard Pottier tornou-se possivel a concretizagéo de um velho sonho de Louis Hielmslev, fazendo-se a extrapolag3o dos modelos fono- légicos e da meta-linguagem que Ihes correspandia, de modo aplicé-los também ao plano do conteddo. Assim, foi dado importantissimo passo, cujas conseqiéncias epistemolégicas e metodolégicas ainda no puderam ser plenamente avalia- des. Surgiram, entéo, duas correntes, na realidade ligadas de certa maneira uma 4 outra, que poderiamos definir, tal- vez, 4 falta de melhor expressio, como pés-transformacio- inais. Constatada a inviabilidade de uma andlise independente dos processos semanticos e sintéticos que deles pudesse dar conta satisfatoriamente, voltou a semantica a ocupar a po- sicio que the cabia, nas ciéncias do homem, elaborando-se novos modelos, sintéxico-seménticos ou seméntico-sinté- xicos, em que 0 seméntico aparecia como determinante do sintéxico, e nao 0 contrério. xt 1, assim, por exemplo, os modelos semémicos, itica analitica, e os modelos actanciais, emprega- desde entio, como se sabe, em lingiifstica fréstica ‘exame das estruturas contidas nos limites do enunciado les - assim como em lingiiistica transfrdstica,instituindo- z, pois, em termos cientificos, uma lingiitstica do discur- "so. Desenvolveu-se desse modo, uma teoria das estruturas discursivas, das estruturas narrativas, validada inicialmente na narrativa literdria e no conto popular. Desse momento em diante, as numerosas pesquisas realizadas permitiram extender ainda mais 0 4mbito de utilizaggo daqueles modelos. De um lado, as estruturas levantadas no estudo do discurso literdrio revelaram-se muitissimo’ fecundas, no trato dos discursos lingiifsticos no literérios, levando a um melhor conhecimento de uns @ de outros e 4 concepeo de estruturas discursivas mais gerais. De outro lado, formulou-se a hipdtese de. trabalho de que 0s mesmos modelos e a mesma meta-linguagem seriam suscetiveis de aplicar-se na descric&o das linguagens nao lin- giiisticas, dos sistemas signicos nao verbais. Verificada a apli- cabilidade e a adequacéo desses modelos, observaram-se também as intersecgGes estruturais que apresentavam cédi- 905 lingijisticos, e ndo lingdsticos, ao nivel das estruturas mais profundas, 0 que conduziu necessariamente 4 proposi- ¢80 do projeto semiético, da semidtica como ciéncia da signi- ficaco ou como ciéncia dos sistemas de significacdo. A lin- gilstica passaria a definir-se, por conseguinte, como a ciéncia dos sistemas lingiitsticos de significacéo, como um ramo da semistica, alids 0 mais importante, de vez que Ihe fornecia 0s modelos tedricos, a meta-linguagem, os métodos de pesquisa, entim, os instrumentos de trabalho. E nessa perspectiva e na situaca0 que eshocamos rapi- damente, que devem inscrever-se os dois textos apresentados =xil- neste livro: Semidtica do Discurso Cient/fico e Da Modalida- de. Contém eles modelos e elaboram uma meta-linguagem extremamente importantes para os estudos sémio-lingiits- ticos. Constituem sistemas coerentes @ harmoniosos, de gran- de beleza tedrica. Semidtica do Discurso Cientifico parte da hipdtese de que é possivel lancar mo das estruturas narrativas, tais como foram inferidas do discurso literdrio, para com elas propor um modelo do discurso cientifico, sustentado em ciéncias humanas, que dé conta de sua dindmica e do proces- so de producdo e transferéncia do saber cientitico. Toma por corpus o prefécio da obra de Georges Durhézil, Naissance d’Archanges. O discurso cientitico é, entéo, considerado como uma aventura cognitiva e apresentado como a nar- rativa da busca que realiza 0 sujeito discursivo, de um objeto de valor, no caso de um certo saber. Trata-se de uma nar- rativa complexa, que encerra duas outras. Na primeira, a narrativa do revés, 0 sujeito fracassa em sua busca do saber, por ter mal formulado sua hipétese; esse fracasso, no entanto, ‘86 faz valorizar sua segunda tentativa, em que, dotado de nova competéncia, consegue, finalmente, a conquista do objeto visado. Impbe-se a disting3o de dois discursos: 0 discurso da descoberta, 0 discurso interior conduzido pelo inves- tigador, que compreende as narrativas do fracasso e da vi- toria, em que se instala uma estrutura polémica, em que o ator “autor” sincretiza 0 sujeito e o anti-sujeito; 0 discurso da pesquisa, que é a sua manifestacao escrita, e que se opbe, como discurso social, a0 primeiro, individual. Sao examinadas suas estruturas sintagmiticas, 2 hie~ farquia dos discursos cognitive, referencial e objetivo, as modalizagées intervenientes, a manipulacgo dos dados. Discute-se, finalmente, 0 processo discursivo pelo qual xu que possibilitam a produgao do saber cientitico @ a sua 1¢40, das quais resulta o progresso cientitico. _ Da Modalidade, texto fundamental para a compreensio do pensamento Greimasiano, pretende propor elementos para a elaborac3o de uma teoria das modalidades discursi- vas. Nao se limita @ uma simples reuniéo e consolidacio de modelos dispersos em suas obras anteriores mas, a0 contré- tio, constitui considerével enriquecimento, no plano da meta- linguagem, e oferece precioso instrumental para as pesqui- sas sémio-linguisticas. A primeira parte trata das estruturas modais simples; examinam-se 0 ato de linguagem, 0 enunciado (discursivo) elementar, a transformagao, a jungao, a performance e a competéncia, do ponto de vista rarrativo; sé0 consideradas, em seguida, as modalizagoes translativas, as modalidades vere- dict6rias, as modalidades factitivas e, finalmente, 0 encadea- mento das estruturas modais simples. Discutem-se, na segunda parte, as sobremodalizacdes; examinam-se a competéncia e suas sobredeterminagdes, seu inventério, a categorizacio e a denominacdo, as modali- zagdes do sujeito e do objeto, a abordagem sintagmatica e a organizacao da competéncia pragmatica. Na terceira e ultima parte, faz-se a controntagao das eategorias modais, num processo de grande interesse meto- dolégico, a que sio submetidas as categorias aléticas, deén- ticas e volitivas. Observam-se as suas compatibilidades - -complementaridades e conformidades - e as suas incompati- bilidades - contrariedades e contradigées - exaurindo-se xIV suas possibilidades combinatérias. Um Ultimo exemplo Se um modelo de representaco do funcionamento dos cédigos sociais, dos sistemas de regras e aptidées dos sujeitos. Trata-se, sem diivida, de uma das mais importantes contribuicbes da semidtica. O conjunto todo atrai-nos so- bremodo. A sua inegével validade cientitica, acrescenta-se, como jé tivemos oportunidades de ressaltar, 0 sentimento que nos infunde, de sua grande beleza tedrica. Cidmar Teodoro Pais. ip xv pégina vi x! IOTICA DO DISCURSO CIENTIFICO troduc3o 1. Explicacdo necessé 03 2.0 Estatuto semidtico do preféci 04 3. Organizago textual 05 Discurso do saber e discursoda Pesquisa 1. Discurso em atualizacdo e discurso realizedo .. 96 2.0 discurso realizado e a competéncia do narraté tio 07 | 3.0 discurso da pesquisa e a ausincia do sujeito . 08 4, Aquestdo 10 narrativa do revés 13 11. A narrativa da vitoria 30 1. Aquisic80 da competéncia.... 32 2. A manipulacdo dialét - 34 ~ 3. As performances cognitivas - 36 4, A descoberta como evidéncia 42 5, Discurso da descoberta e discurso da pesquisa 45 6. Reflexdo epistemoldgi 50 AV. A guisa de conclusdo 52 DA MODALIDADE 1. As estruturas modais simples 87 57 58 59 60 60 1.4, As modalizacdes translativas 62 1.4.1.As modalidad 63 65 66 68 \competnciae suas sobremodalizagses 68 Inventério provis6rio 69 ) 70 n “LS. A abordagem sintagmatica 73 | 11.6. Organizaco da competéncia praginatica ™ 75 15 L2, Modatizapdes debmticas e bulduticas (volitvas). 80 ILS. Sistemas de regras e aptidSes dos sujeitos 83 86 IV. Para conelui SEMIOTICA DO DISCURSO CIENTIFICO (Anilise de um texto de Georges Dumézil) 1. Explicagio necessiria © répido progresso de nossos conhecimentos sobre a organiza ‘do dos discursos figurativos (folclore, mitologia, literatura) suscitou “esperangas quanto a possibilidade de uma classificagdo ¢ de uma regu- “Jamentagfo das formas narrativas que dessem lugar a uma gramética ‘¢ auma ogica narrativas. Duas espécies de dificuldades surgiram a cami “mho. Percebeu-se, inicialmente, a complexidade dos discursos narrat ‘vos ditos literdrios e do papel que nelas desempenha a dimensfo cogni- tiva, que se hipertrofia e chega substituir, em numerosos textos “modernos”, a dimensfo fatual. Reconheceu-se, em seguida, a impos- sibilidade de construir uma gramdtica discursiva que ndo desse conta também dos discursos ndo figurativos - ow que assim 0 parecem - , ‘que sfo os discursos desenvolvidos no vasto dominio das “humanida- des”, que desconhecesse os discursos que desenvolvemos nés mesmos em ciéncias do homem. Nesse dominio, seria impossivel deixar de pensar primeiramen- te em Georges Dumézil, cuja contribuigo as nossas pesquisis foi de- cisiva, e cujo discurso, sob a aparente simplicidade que se deve tanto & modéstia quanto a convicgdo do papel do pesquisador no proceso de pesquisa, contém na realidade, processos ao mesmo tempo rigorosos © complexos, para os quais si0 chamadas contribuir todas as asta- clas da inteligéncia. Seria necessério escolher, no conjunto de sua obra, um texto I [cPresentativo; somos grato a0 autor pela gentileza que teve, de indicar- “nos aquele cuja elaboragdo the havia dado maior satisfapdo. Seria ne. ‘cesstrio ainda optar por uma entre duas formas possiveis de abordagem, entre 4 andlise do conjunto do texto, que, muitd embora permitisse, talvez, extrair certo mimero de caracteristicas gernis, permaneceria Recessariamente superficial, ¢ a micro-andlise de um fragmento textual, fin due, colocados em evidéncia determinados mecanismos, alguns fa, ‘os seguros poderiam perder-se no labirinto das mintcias, 2. Oestatuto semiético do preficio Nosst escolha fixou-se, finaimente, no preftcio desta obra meto- dologicamente de capital importincia, que & Naistonce d'Archanges (nascimento de arcanjos), prefécio cujo caréter excepcional, fora do Ux € sublinhado pelo fato de sr dotado, separadae pleonasticamen te, da assinatura do autor, ‘tuido pela obra separaria 0 preficio do restante do texto, assim como 0 {aria, 0 mesmo tempo, em relacio ao titulo e aos diferentes sub-titu- les, propondo, dessa forma, a questfo das relagdes ue esses diferentes segmentos textuais mantém entre si, Admitese que esse metadiscurso revela © que o Proprio autor Pensa de seu discurso, de sua finalidade ¢ organizagd0, Poder ae ie per- em relagd0 a0 discurso que pretende refletit como em relagfo 4 “vor ede textual” que o autor inscreve, sem querer, em atu metadiscur- ‘©. $5 podertamos admirar-nos, por exemplo, diante da distincia que Sxiste entre a pobreza tebrica dos néogramdticos do éeculo XIX c a rigorosa de sua démarche metodolégica, que se desenvol- ont enen. Se ¢ interessante observar como o autor concebe 0 processo de lugdo do discurso da pesquisa, nfo o € menos seguir passo a passo |maneira pela qual deconta seu desenvolvimento. Percebe-se que as in- alardeadas af se encontram como que submersas por vagas de discursivos que dependem de um fazer e de uma escrita ditos entficoe que as ultrapassam porque sfo de natueza socolectlet/ ou ‘Porque o autor as utiliza em nome de certa ética da pesquisa. Embora visando & explicitacdo da concepefo pessoal da pesquisa - ¢ da descoberta cientifica que constitui sua razdo de ser - temos, por conseguinte, 0 direito de esperar encontrar, quando do exame do dis ‘eurso-preficio, certas regularidades caracteristicas de todo discurso de ‘vocagio cientifica. 3. Organizagao textual i texto escrito e © preficio que estamos examinando, enquanto te Impress, dividese em seis parigrafos, que podem facilmente ser a Brupados em duas partes simétricas. Essa dicotomia se justifica pe- la recorréncia do lexema “accident”, contido na frase que termina o __ terceiro pardgrafo: * accident fréquent dans les sciences dites humaines.”, (...acidente freqiiente nas ciéncias ditas humangs) © que reaparece logo no comero do pardgrafo seguinte: “Cat égalament par accident que velle recherche .. CE igualmente por acidente que esta pesquisa ...) Se se admite - como tentaremos demonstrar - que accident é a pa- Javra chave do texto © que “également” sublinha certa equivaléncia en- ‘tre as duas partes do preficio, vé-se que este & consagrado a narrativa de dois acidentes: 0 primeio, um acidente na pesquisa; 0 segundo, na vida do pesquisador. Assim, a organizagio do texto, considerado em sua superficie, apresenta-se como uma articulacdo simples de 6 = 2 x 3, isto é, como ‘uma projegdo sintagmdtica das estruturas bindria e temnéria, to caras 20 autor. 0 objeto de nosso trabalho -0 exame do discurso da pesquisa obriga-nos a limitar a andlise a primeira parte do prefécio, que de repro- duziremos aqui, progressivamente, 0 texto institufdos em parégrafos: “En observant la disposition de ce livre, les lecteurs auront Je sentiment qu'll a été écrit pour répondre a la question suivan- te: “Qu’est devenu, dans la pensée religieuse de Zoroastre, le systéme indo-européen des trois fonctions cosmiques et soci les, avec les dieux correspondants?” C’est bien en effet le proble- ‘me qui est ici présent6, mais il s'est substitué en cours de recher- ‘che @ un tout autre énoncé.” (Obervando a disposiggo deste livro, os leitores terfo a impresso de que foi escrito para responder a seguinte questf0: “Em que se transformou, no pensamento religioso de Zoroas- to, 0 sistema indo-europeu das trés fungbes odsmicas e sociais, ‘com 05 deuses que Ihes correspondiam?” Com efeito, € bem esse 0 problema que ¢ aqui apresentado, mas ele colocou-se, durante o desenvolvimento da pesquisa, no lugar de um enuncia- do completamente diferente). 1. Discurso do saber e discurso da pesquisa 1. Discurso em atualizagio e discurso realizado | Desde 0 primeiro pardgrafo, aparece uma oposigSo, marcada sua articulagdo em duas frases de diferente estrutura: be (@) Entre duas fases da produgo do discurso, a do discurso fo sob a forma escrita de um “livro” e apresentada como um “observavel” ¢ aquela, anterior, em que 0 discurso compreen- ‘como um proceso, como um “cours de recherche” e se encontra estado de atualizagto; (b) Entre duas formas discursivas, a primeira que © apresenta um objeto do saber oferecido aos “leitores” institufdos como su- 10 da frase, ¢ a segunda, que, pela construglo passiva, faz. desapare- 1 0 sujeito do fazer cientifico, procurando assim criar a imagem do 180 1 fazer.se por si mesmo. Essa concepgo, aparentemente inocente, do discurso dado de {cio como processo de producdo ¢, em seguida, como objeto produ- zido € sustentada por um jogo de construgSes sintaxicas e semanticas ‘muito mais sutil. 2, O discurso realizado e a competéncia do narratério 0 enunciador, instalando em seu discurso um actante de comuni- cago “os leitores}’ que se pode designar como narratdrio (1), procede ‘a uma delegagdo da palavra que lhe permite expor certa concepgfo da ‘pesquisa sem por isso assumir-lhe diretamente a responsabilidade, O ac- tante narratério assim institufdo nfo é uma simples figura de ret6rica; ‘20 contririo, ¢ dotado pelo anunciador de certo niimero de compe- téncias: (@) Retomando, por nossa conta, © termo narratério, proposto por G. Genes, Sugerimos completar a terminologia da enunciogdo, introduzindo um par de Sctantes pressupostos € implicitos: enunciador / enunciatério, distinguindo-os fisim dos actantes nerredor / narratério, instalados © manifestados no discurs0 através do processo de débrayage actancial (@) A competéncia que pode ser atribufda a todo enunciatdrio, que Ihe permite exercer = um fazer informativo ( os leitores “observam” a disposicio do tivo); — um fazer informativo (cles sio suscetiveis de “ter a ‘impres- sfo de que...” (b) A competéncia narrativa, isto é, de um saber © de um saber- ‘fazer telativos a organizagio sintagmitica dos discursos, que ser- ve de suporte ao seu fazer interpretativo e que se manifesta como ~ uma comperéncia narrativa geral (que permite reconhecer, a artir da “dispos' Jo” do livro, a finalidade que determina sua organizacdo) ; uma competéncia “cientifica” especifica (que postula que os livros so escritos como “respostas” a “questdes”); (©) A competéncia lingitistica stricto sensu, que o torna capaz de for- mular questOes e, coisa ainda mais notével, de formular a ques- to que ele proprio nfo propde, mas que se supe ser proposta pelo anunciador, quando do discurso interior que ele endereca a si mesmo, Um mecanismo bastante complexo 6 assim montado dentro do discurso, que tem 0 efeito de sentido de criar uma distancia entre 0 sujeito de enunciagfo e seu enunciado, ligando, a0 mesmo tempo, 0 discurso realizado a instancia da leitura, 3. Odiscurso da pesquisa e a auséncia do sujeito 1. A passagem de uma frase a outra (“Com efeito, 6 bem esse 0 problema ..”) faz supor que a proposigio do livig, isto €, 0 objeto Permanece inalterdvel, qualquer que seja 0 ponto de onde possa ser considerado. Contudo, ligeiro desnivel Jéxico sugere uma aprecia- fo diferente da forma da pesquisa: (a) Assim, na primeira frase, 0 objetivo da obra era concebido 10 a resposta a uma questdo, 0 livro aparece, na segunda frase, como sntago de um problema: uma “questo a responder” é substi- por uma “questo de resolver” (“question a resoudre”, defini- “probléme” segundo o dicionério Petit Robert); | (b)Do mesmo modo, enquanto 0 termo disposipdo, empregado jente, faz supor que poderia tratar-se de qulquer obra, desde que ordenada pelas regras da retérioa, 0 problema se define como sto a resolver que se presta a discussio, numa ciéncia” (cf. igual- 2 definicfo proposta pelo Petit Robert); (6) Além disso, enquanto disposigdo faz surgir imediatamente seu mo complementar invenpdo et remete dessa maneira a uma concep- © clissica linear da descoberta, 0 problema que aparece resulta de “sibstituigdo € no toma o lugar de outro problema mas de outro 140” nfo problemético, sugerindo assim uma concepefo com- etamente diferente da pesquisa. Dessa forma, & concepcdo do discurso, género literdrio cldssico, estada 20 actante “leitores”, acha-se oposta a do discurso cientf- problemético, 2.0 pequeno exame léxico a que acabamos de proceder nfo jogo de semanticista habituado a provocar o sentido das palavras: termos considerados sfo na verdade meta-termos que tratam da or- ganizagSo formal dos discursos, ainda que de maneira alusiva e incom- pleta, e constituem outras tantas referéncias a micro-universos ideol6- _gicos, cujos contornos é possivel precisar. As oposigSes mais ou menos implicitas que eles revelam, sfo consolidadas e elucidadas pela co- " locagio de aparelhos gramaticais distintos. ‘Ao contrério do que se sucede na primeira frase, em que certa concepefo do discurso ¢ assumida pelo narratério delegado, nenhum sujeito portador de tragos antropomérficos esté presente para sustentar © discurso cientffico. A expulsfo de semelhante sujeito se faz, como fécil de observar, em dois tempos: @) Inicialmente, através da construgio passiva da primeira pre- posigfo: “o problema que € aqui apresentado (por ...)” que permite, embora sua posigdo seja claramente indicada, fazer desaparecer 0 nar- rador; (b) Em seguida, pela construso reflexiva da segunda proposi- ‘¢40 “o problema colocou-se no lugar de ... ”, em que “problema” ocu- Pa ao mesmo tempo as posigdes de sujeito e objeto, néo mais deixando lugar as marcas de enunciago. ‘Se se trata aqui, assim como na primeira frase, de um processo de débrayage actancial, diferentes sio 0s resultados a que chega. No pri- ‘eiro caso, 0 enunciado acha-se ligado e submetido a interpretagio do ‘enunciatdrio simulado, enquanto, no segundo, é separado, tanto quanto possivel, da instancia de enunciagZo, a fim de aparecer como 0 discurso da no pessoa, ue ndo pertence a ninguém, ou seja, como 0 discurso objetivo, cujo sujeito seria a ciéncia a fazer-se por si mesma Esse primeiro pardgrafo 6, pois, suscetfvel de uma dupla leitura sintagmaticamente, desenyolve as duas fases da realizag0 do discurso da pesquisa; paradigmaticamente, opde duas concepgSes diferentes des- te timo. Os dois tipos de “conteddos”, além disso, acham-se investi- dos em duas formas discursivas diferentes: de modo bastante paradoxal, © primeiro discurso, “personalizado” € um discurso sem problemas, en- quanto o segundo, discurso de problemas, se df como um enunciado despersonalizado, 4. A questo 1, Na medida em que se considere, por hipdtese, que o discurso 10 as humanas obedece as regras da organizagfo narrativa, deve ‘a forma da busca de um objeto de valor. Como esse objeto é, por , certo saber que se procura adquirir, 0 discurso cientifico apre- ‘como uma aventura cognitiva. Uma vez que 0 objeto-saber é do discurso, torna-se evidente que 0 estado inicial de onde ‘a busca ¢ um estado de ndo-saber: a narrativa cientifica se define, , como a transformacdo de um /ndo-saber/ em um /saber/. 2.0 saber enquanto modalidade rege necessariamente um objeto saber, situado num nivel discursivo hierarquicamente inferior. No ‘que estamos examinando, a estrutura bipolar questdo/resposta € tdo somente a formulagdo antropomérfica da estrutura nar- va subjacente 4 narragdo: a questdo que se admite que o sujeito de se propde,¢ uma confissio implicita ou simulada de sua igno- a esposta af estard para suprila, oferecendo, como resultado ‘busca, o saber adquirido. A questo contém assim, modalizado pe- ignorincia, 0 objeto do saber, 0 tépico do discurso. Em sua formulago de superficie, a questdo trata do predicado se", que tem por funpdo relacionar dois estados hist6ricos ferminados, € que constitui, do ponto de vista narrativo, 0 objeto saber visado pela busca: formulagfo abstrata pe ers Estado 1: Estado indo-europeu: “o sistema das trés fungSes” “os deuses” Estado 2: Estado iraniano: “ o pensamento religioso de Zoroastro” W ez que 0 preficio é ums meta-liscurso produzido depois ‘no proprio momento em que z obra é dotada ‘¢ subtitulos, seria interessante comparar a questo proposta ‘com as formulagdes dos titalos. De manera bastante curiost 0 titulo (Nascimento de Arcanjos) eo subtitulo (Ensaio sobre a formagao da teologia de Zorcastto) mencionam apenas o segundo estado, 0 estado iraniano da religifo, a presentando-o s0b as duas formas: abstrata: “Ia théologie zoroastriensie™ & ‘figurativa: “les Archanges” ‘que correspondem a dupla articulagdo do estado J na questo proposta no prefécio, com a qual se poderia estabelecer um pararelo: formulagdo abstrata figurativa Estado 1 o sistema das trés fungses | osdeuses | aato 2 a teologia de Zoroastro 0 Arcanjos 4, Observando-se que 0 sujeito frdstico de “tornar-se” (“devenir”) € 0 estado 1, ¢ dos dois outros predicados, 0 estado 2, as diferentes 12 jcalizagOes da funpdo que relaciona os dois estados podem, por sua ser assim representadas: | Estado 1 “tormar.se” (““devenit”) Estalo2 ——“formagio | I “nascimento™ Ss Se Se be (da teologia) (dos Arcanjos) | Se se considera que a fungo que constitui o objeto do saber vist- pelo programa cientifico pode ser interpretado, noutra linguagem, “processo hist6rico”, notar-se que este ¢ apenas parcialmente | ofa como tum processo aspectualizalu uscentdente, ora descert re. E necessirio acrescentar ainda um fato curioso: os lexemas que jesignam 0 processo em questo sfo verbos ou nominalizagdes de ver- intransitivos “tornar-se” (‘“devenit”), “nascer”, “formar-se”, en- ‘quanto se thes atribui a tarefa de traduzir a transipfo de um estado pa- a outro; dotados de semas aspectuais durativos, a duragdo que €x- sam consegue apenas sobredeterminar outros aspectos - incoativo € terminativo - do processo. Tudo se passa como se © processo de trans. {formacio, objeto do saber visado, tivesse sido esvaziado de seus inves- timentos seménticos em beneficio dos dois estados histéricos nitida- “mente enunciados, cuja oposigio é confirmada pela aproximagio das questdes propostas no prefacio e das respostas fornecidas por antecipa- ‘qd0 pelos tftulos da obra. 0 probelma da apreensfo, da representagdo ¢ da definigto das transformacées diacrOnicas €, assim, implicitamente proposto, II, A narrativa do revés “A maintes reprises nous avions rappelé qu’autour du couple des Bi. ets dleux suverains (Mitra et Varuna dans I'inde, Odhinn et 13 ‘Scandinavie, etc.), il existe dans les diverses mythologies “indo es ce qu’on peut appéler des dieux souversins | mineurs, c’est--dire des dieux moins importants dont le do- ‘maine reste situé dans la premitre fon ction, dans la souverai- rneté magico-politique:ce sont, par exemple, Aryaman, Bhagt et les autres Aditya dans I'Inde, Heindallr, Bragi et quelques autres ‘en Scandinavie. Nous nous sommes proposé d’étudier ces souve- tains mineurs en commengant par "Inde, ou le groupe des sept ‘Aditya est nettement caractérisé, Nous avons ¢@ natureliement ‘examiner aussi, dans I"Tran, legroupe des six Amdtha SpOnta,des six “Archanges” qui sont immédiatement subordonnés & Ahura ‘Mazdah, dieu unique du zoroastrisme pur, et qui sont générale ment considérés, depuis Darmesteter, comm les correspondants ‘oroastrie ns des Aditya védiques. Aprés MM. B. Geiger et H. Lommel, nous avons essayé de préciser entre les unset les autres des rapports qui nous semblaient & nousméme plus que Pro- ables (v. Mitra-Varuna, pp. 130 et suiv.). Mais cet effort n'a ‘pas abouti, Des difficultés insurmontables sy sont opposées: St les deux premiers Archanges (Vohu Manah et Asha Vahishta) et A la rigueur le troisiéme (Khshathra Vairya), se situent dans tun domaine qui peut étre en effet celui des Aditya, il n’en est pas de méme pour les trois demiers (Spanté Armaiti, Haurvatat tt Amaratat); les arguments de M. Geiger, trés forts tants qu'il agit d°Asha, faiblissent avec Khshathra et deviennent franche- ment sopistiques avec Srmaiti”. Haviamos lembrado muitas vezes que, a0 redor do par dos gran- des deuses soberanos (Mitra e Varuna, na India, Odim e Tor, na Escandindvia, etc.), existe nas diferentes mitologias indo-euro- péias aquilo que se poderia chamar de deuses soberanos menores, éd {sto 6, deuses menos importantes cujo dominio se situa na primei- 1m fungdo, na soberania mégico-politica; sf0, por exemplo, Arya: man, Bhage ¢ 0s outros Aditya, na India; Heimdallr, Bragi ¢ al- uns outros, na Escandinavia. Nés nos propusemos estudar esses oberanos menores, comecando pela india, onde © grupo dos ‘ete Aditya é nitidamente caracterizado. Naturalmente, tivemos de examinar também, no Ir, 0 grupo dos seis Amdsha Spdnta, dos seis “Arcanjos”, que sfo imediatamente subordinados a Ahu- 1a Mazdéh, deus tinico do zoroastrismo puro, e que sfo geralmen- te considerados, desde Darmesteter, como os correspondentes oroastrianos dos Aditya védicos. Depois de B. Geiger et H. Lommel, tentamos estabelecer entre uns e outros relagSes que nos pareciam mais que provaveis (v. Mitra-Varuna, p.130 ¢ seg). Mas esse esforgo foi infrutifero. Dificuldades insuperaveis opu- seram-se a isso. Se os dois primeiros Arcanjos (Vohu Manah “Asha Vahishta) ¢ a rigor o terceito (Khshathra Vairya) se si ‘tuam num dominio que pode, com efeito, ser o dos Aditya, © mesmo nao sé dé com os trés ultimos (Spdnta Armaiti, Haur- vatat et Amaratat); os argumentos de Geiger, muito fortes quan- do'se trata de Asha, tornam-se fraros com Khshathra e franca- ‘mente sofismaticos em relago a Armaiti”). 1. Organizagao discursiva e narrativa 1. A substituiggo do “enunciado” virtual pelo “problema” tema do livro, cataforicamente anunciado desde o primeiro pardgrafo, justifi- ‘ca a expansfo discursiva que recobre toda a primeira parte do prefacio: 0 segundo parigrafo é a expansio do termo “enunciado” ("“énoncé”), ‘a terceira, a expansio do termo “problema” (“*probléme"). Do ponto de vista narrativo, a substituiglo correspond a0 esquerna sintagmético pastante conhecido, constituido pela duplicagdo dis provas, em que © ‘sucesso final acha-se valorizado pelo fracasso da primeira tentativa: duas narrativas - a narrativa do revés ¢ a narrativa da vitOria - servem, desse ‘modo, de alicerce aos desenvolvimentos discursivos do texto examina- do. 2. A narrativa do revés articula-se facilmente em dois segmentos: a busca realizada pelo sujeito é narrada por um “ss” (*nous”)~manifes- tagfo sincrética do narrador € do sujeto do fazer - que desenvolve um discurso no tempo pretérito;a derrota, assinalaéa pels aparigfo do anti “avjetto 6 diretamente assumida pelo enunciador, que produz um dis: ‘curso objetivo, desenvolvido no tempo presente, que surge como um presente atemporal da verdade, 2.A narrativa do sujeito 1. A isotopia de superficie dessa narrativa é assegurada portanto pela iteragfo do sujeto frdstco “nds” como pela sucessio de predica- dos que lexicalizam, com algumas variagdes seminticas, as ativida- des cognitivas do sujeito: nous avionsrappelé que “haviames lembrado que ..) “Nous nous sommes proposés d’étudier .."( ...estudar ...) “Nous avons di. examiner..." (..Aivemos de examina. «nous avons essayé de préciser .." (..tentamos precisar ..) Esa sucessto de enunciados cujas caracteristicas se acham bem eterminadas, constitui um nivel discursive auténomo que se pode esignar como discurso cognitive. 2, Esse discurso em primeira pessoa - 0 “nds”, ressalvadas algumas conotag6es, € 0 substitute do “eu” - comporta outros tantos enuncia- dos de objeto, subordinados a cada um de seus predicados cognitivos, ‘enunciados cujo encadeamento constitui um nivel discursivo hipotd- xxico em relagdo ao primeiro. Caracterizado como discurso que trata dos objetos do saber, apresenta-se, a0 mesmo tempo, no que se refere & sua forma sintéxica, como um discurso objetivo (ou que se faz passar por tal), dadas sua despersonalizacdo actancial e sua predicaggo mantida ro presente atemporal. 3. Semelhante discurso objetivo refere-se constantemente a ou- ros discursos que se supde devam sustenté-lo: ausentes do texto, so representados por alusSes € notas supostas conhecidas e verificd- veis, Uma série de anaforicos tais como — “depuis Darmesteter —“Aprés MM. B. Geiger et H. Lommal, ..” —“V. Mitra-Varuna, pp. 130 et suiv.)” ‘a0s quais € necessério acrescentar a “observago™ inicial, que no passa de uma auto-referéncia, constituem um terceito nivel discursive que se pode designar como discurso referencial. Em vez de constituir um desenvolvimento sintagmético linear, (© discurso que examinamos apresenta-se como uma construggo de vé- rios niveis, em que cada um deles possui caracteristicas formais préprias desempenha um papel particular. 2-1. O discurso cognitive Como se pode observar, esse discurso ¢ composto, por sua vez, de dois estégios (ou niveis); 0 inferior apresenta-se como uma sequéncia de lexicalizagdes das diferentes formas de atividade cognitiva: “étudier—$ examiner’—$ préciser des rapports” (estudar examinar —_precisar as relagSes) enquanto 0 superior é formado de modalizardes dos predicados cogni- 7 tivos, eujo encadeamento constitui o programa nurratiro organizaéor do conjunto do discurso. Excetuado 0 enunciado inicial “Nous avioas rappel”, que repre- senta, enquanto auto-referéncia (de um discurso anterior), a situago a partir da qual vai desencadear-se 0 discurso (cujo mais que perfeito se ‘opoe aos pretéritos perfeitos dos predicados restantes), 0 dispositive ‘modal corresponde ao esquema previsivel da aquisied da competéncia por parte do sujeito do fazer cognitive. Lembrémo~lo rapidamente (a) “Nous nous sommes proposé ...” representa 0 sincretismo do destinador e do sujeito do fazer, que se instaura a si proprio como sujeito do querer fazer; (b) “Nous avions da naturellement ...” 6 a manifestagio, em for- ma de presctigdo, da modalidade do dever-fazer e 0 reconhecimento de um novo destinador a que 0 sujeito aceita sumeter-se. Esse destinador 6 a meta-Higica que exige a inclusio dos Arcanjos na classe dos “sobera- nos menores” indo-europeus. O lexema “naturellement” faz a referén- cia como se fora “i la nature des choses”, manifesta essa prescriglo 16- sica. (o) “nous avons essayé...” manifesta 0 poder-fazer suposto, do sujeito; essa modalidade ¢ necesséria para passar-se & realizado, ou seja, & conjungZo do sujeito com 0 objeto de valor visado. Ora, esse objeto, do modo como foi definido pela “questo” a que responde 0 livro, € 0 saber sobre a relagdo-fungio que existe entre dois estados de religiso. A tentativa do sujeito cognitivo consiste em determinar as relagdes (“pré- ciser les rapports") entre os representantes dos dois estados. © programa narrativo, concebido como modalizagdo do sujeito, € conduzido a prove decisiva, 18 2.2.0 discurso objetivo 1, Subordinado 20 fazer cognitivo, 0 discurso dito objetivo descreve os objetos do saber e as sucessivas manipulagBes que sofrem. Reconhecem-se facilmente trés espécies de manipulagGes: (1) 0 fazer taxiondmico consiste grosso modo em consolidar os objetos do saber por meio de operagSes de inclusio, Assim, “os sobera- nos menores” sfo situados ao redor do par dos dois soberanos ¢ os dois, subeonjuntos sfo incluidos no conjunto “primeira fun¢0”; por outro lado, os “soberanos menores” fazem parte das “mitologias indo-euro- péias”, Voltaremos ao assunto mais adiante. (2) O fazer programético estabelece a ordem sintagmatica de ope- rages cognitivas: os soberanos menores indianos sfo “estudados” de i nicio, o grupo de Arcanjos é “examinado” em seguida. (3) 0 fazer comparativo encarrega-se dos objetos do saber parcial, reconhecidos gragas ao fazer programético, ¢ visa a “precisar as rela ‘g0es” entre eles. 2. Trata-se de diferentes tipos de manipulagSes cognitivas - cuja lista ndo é, evidentemente, exaustiva - que caracterizam 0 fazer do su- jeito, que se exerce nos limites do discurso cognitivo. Os objetos dis- cursivos que sG0 assim manipulados, acham-se presentes na forma de ‘enunciados de estado. Eis alguns exemplos: — an il existe . des dieux souverains mineurs” ... “Ce sont. le groupe des sept Aditya est nettement caractérisé™ — ‘des six “Archanges” qui sont ... subordonnés ... et qui sont généralement considérés comme.” "un des rapports qui nous sembizient ... plus que probables.” ‘Se nfo hd davida quanto ao estatuto de enunciados de estado que 0s distingue dos enunciados de fazer que os regem, observa-se facilmen- 19 ‘mente que a relagio predicativa de existéncia que os constitui, acha-se modalizada de certa maneira por expressSes tais como “nitidamente caracterizada”, “geralmente considerados”, “pareciam”, “provdvei que a sobredeterminam, indicando o grau de necessidade ou certeza que hes ¢ atribuido. discurso objetivo, assim como o discurso cognitivo antes exa- minado, comporta, pois, dois estigios (ow niveis) disaursivos distintos: © nivel modal rege a predicagZo de existéncia constitutive do nivel descritivo. Voltaremos a discutir, mais tarde, a natureza dessa nova modalizag%o, que no é ums modalizagdo do fazer, mas do ser. 2-3. discurso referencial 1.0 discurso referencial ¢ aqui convocado apenas como discurso de autoridade, que, aliis, seré contestada no desenvolvimento do dis- curso; por ora, nfo nos 6 possivel examinar sua organizaga0 formal. Poderfamos, entretanto, por em evidéncia certo niimero de modos de convocagio do discursive referencial, considerando notadamente as relagGes referenciais como estruturas trépicas, que sevem de conecti- vos. Distinguem-se dois procedimentos: a referéncia e a auto-referén- ia No caso da referencia, (a) 0 nome do autor serve como anaférico de seu discurso € (b) esse nome € considerado como o termo que inau- gura a série de discursos ("“depuis Darmesteter”, “aprés MM. B. Geiger et H. Lommel”), que 0 sanciona e 0 despersonaliza, transformando-o ‘mum discurso referencia! tinico. Ao contririo, a auto-teferéncia restabelece a continuidade entre discursos parciais de um mesmo autor e os reune num 36 discurso per- sonalizado e coerente, fazendo-o parecer patrocinado por um projeto slobal tinico (cf. 0 segundo subtirulo do livro: “Jupiter, Mars, Quiri- rus”). A auto-referéncia chega a produzir um novo sineretismo, em que 20 (© ator “nds”, que jé desempenhava os papéis de narrador e sujeito ‘cognitivo, passe a encarnar, além diso,0 sueito do discursivo referen- cial. Em ambos os casos, reconhece-se a referencializagéo como 0 fendmeno da andfora semintica: 0 discurso referencial “Iembrado”, forma em expansio mas ausente, € representado, no discurso que se estd construindo, por sua forma condensada e presente. De fato, no segmento que examinamos, o discurso referencial, atualizado em sua forma condensada, identifica-se com o discurs0 objetivo. 2. Compreende-se, ent#o, porque 0 autor tomou 0 cuidado de esignar, desde © inicio do jogo, essa forma do discurso da pesquisa pelo termo vago “enunciado”. termo que s ganhava alguma concis ‘téncia através de sua oposic&0 20 discurso-“problema”. Com efeito, pesquisa, tal como € aqui concebida, consiste na convocasio selecio- nada de certo nimero de discursos referenciais, cujas formulagSes con- / [nfo poder/—e/fazer! 3-2. 0 fracasso do fazer cognitivo Passando do nivel modal ao nivel cognitivo stricto sensu, observa- se que 0 fracasso, devido a um /nfo poder/, diz respeito a um /fazer/ fe que este ultimo visava a “determinar as relagbes”, isto é,a dar conta do tipo de relagSes entre os Aditya indianos e os Arcanjos iranianos: 0 insucesso narrativo significa, conseqientemente, 0 insucesso do fazer comparativo. ra, o fazer comparativo pressupde a inscrigao dos objetos que se devem comparar, num quadro taxiondmico, nics que permitiria © reconhecimento de um fertium comparationis, de um eixo comum 205 dois objetos. A Wigica utilizada nesse caso € a logica de inclusfo, ¢ 0 ‘termo-chave de suas operagSes ¢ a “situago”. Assim, (a) as representagdes figurativas que sfo os Adytia e os Arcanjos, sfo “situadas” num “dominio” que lhes é proprio; (b) 08 “dominios”, lugares em que sfo situados, sfo, por sua vez, “situados” em “fung5es” e, no caso que no momento nos interessa, na primeira fungi. Logo serd suficiente assegurar-se de que o “dominio” dos Arcan- jos é idéntico a0 dos Adytia para estabelecer sua pertinéncia comum 4 primeira fungao. Vé-se que 0 fazer cognitivo cujo objetivo dtimo € a comparagfo, comporta, preliminar ¢ necessariamente, um subprograma de fazer taxionimico, que procura “situar” 08 Arcanjos, tomados um a um, no dominio que partilhariam com os Aditya; € que 0 insucesso desse esforgo classificatdrio acarreta a no conjungZo do sujeito cogni- tivo com 0 objeto de valor visado. 3-3. A modalizacio do discurso objetivo 1. 0 fracasso ndo se apresenta de maneira abruta mas progressiva- mente. Uma série de operagSes cognitivas permite dar conta des de- gradagio: (1) Os Arcanjos, distribufdos em trés subconjuntos ~ operagio que diz respeito ao fazer programdtico a0 qual aludimos,sfo “situados” ‘num nico e mesmo “dominio” - operagio de inclusfo que da lugar 4 produgto de tr8s enunciados de estado. (2) Cada enunciado de estado é em seguida modalizado de scor- do com o grau de “solidex” que se considera comporte a relagio de existéncia que 0 constitui. 2. As modalidades, expressas em Iingua natural, podem ser as- sim interpretadas: (@) Os dois primeiros Arcanjos— “peut-étre” _possibilidade/ (b) O terceiro “A la rigueur” —/possibilidade fraca/ (©) os trés dtimos ‘il n'en est pasde meme” —_/impossibilidade/ ‘Vé-se que a primeira ¢ a terceira dessis modalizagSes correspon- dem a posigoes facilmente reconhecfveis do quadrado alético necessidade impossibilidade SS." io dover ser possibilidade oP ala ndo dever néo ser nfo dever ser dever ser 24 Obs.: A modalizagdo por / possibilidade fraca / aparece como elemento de relativizagdo das relagdes categori- cas, Trata-se de uma tendéncia geral que se encontra freqientemente, 3.0 discurso objetivo, tal como se desenvolve nesse trecho, apre- senta-se pois, como uma construgdo em dois niveis: (@) © nivel descritivo, constituido de uma sequéncia de enuncia- dos de estado, representa 0s resultados do fazer cognitivo; (®) o nivel modal, que sobredetermina 0 primeiro, € o lugar de _-manifestagdo das modalidades alévicas que tegem os predicados de existéncia dos enunciados descritivos. ‘Sto essas modalidades, e notadamente a Ultima delas (denomina- ‘glo Iogica de um / dever no ser/), que “se opGem” ao fazer do sujeito cognitive e © desqualificam como aquele que / ndo pode fazer /. 3-4, A modalizagZo do discurso referencial 1. © segmento textual, relativo a exposigo das “dificuldades”, ‘compreende duas frases; a primeira, que acabamos de examinar, depen- de do discurso dito objetivo; ¢ a segunda, do discurso referencial. Este liltimo, que explora apenas 0 discurso-corréncia de Geiger, achase recortado em seqiéncias anaforicamente designadas como “argumen- tos”, de forma que a cada seqléncia-argumento do discurso referencial corresponde um enunciado de estado do discurso objetivo. © termo argumento escolhido para denominar as sequéncias re- ferenciais é, sem divida,motivado ¢ indica que se trata de um fazer per- ‘suasivo, (Permanece aberta a questo de sabei se 0 fazer persuasivo cientifico possui tragos especificos que 0 distingam dos discursos de 4 ersuasdo em geral), Divide-se este em subprogramas narrativos chama- dos “argumentos”, cujos resultados, relacionados ¢ integrados no dis curso objetivo, formam af enunciados de estado. A referéncia que passa de um nivel discursivo 20 outro pode, entio, ser definida com uma re- lacZo estrutural que se estabelece entre o processo e o estado, entre 0 programa narrativo e seus resultados. 2. Ter-se-d observado, sem dificuldade, que 2s seqiléncias-argu- ‘mentos (neste caso preciso: subprogramas que visam a operar a inclu- sfo de tal ou qual num “dom{nio” énico) nfo submetidas, uma a uma, ‘2 uma espécie de avaliagdo modalizante, cujos resultados sio apresenta- dos como a “forca” desses argumentos. Dessa forma, escolhendo um representante para cadaumdos trés subconjuntos de Arcanjos prece- dentemente estabelecidos, dir-se-é que os argumentos relativos — 20 segundo Arcanjo “sont trés forts” (sto muito fortes) — a0 terceito Arcanjo “qu'ls fatblissent™ (tomam-se fracos) — ao quarto Arcanjo “deviennent franchement sophis- tiques” (tornam-se francamente sofismd- ticos) Assim como os enunciados descritivos do discurso objetivo cor- tespondem aos “argumentos” do discurso referencial, as modalizagbes aléticas repousam sobre a “forca” desses argumentos. 3-5. Economia narrativa do discurso do revés -1. Uma questio capital se propée, a saber; quem é a autoridade habilitada a apreciar os argumentos, onde se situa o sujeito dessa nova modalizagio. A primeira vista, a “forga” dos argumentos depende do fazer persuasivo €, por conseguinte, do sujeito do discurso referencia. ‘Nao é, entretanto, 0 que se verifica, de vez que, enquanto © sujeito “Geiger”, desenvolvendo seu fazer persuasivo, acredita ter triunfado ‘em suas provas, um outro toma em consideracdo seus programas e os avalia ora como sucessos (“muito fortes”), ora como insucessos (‘‘fran- camente sofisméticos”). Esse alguém, toma, pois, 0 discurso referencial € exerce sobre ele seu fazer interpretativo, cujos resultados constituem nova modalizagio do discurso considerado, Vé-se que esse alguém sb pode ser 0 anti-sujeito, que, por meio de seus julgamentos modais, le- vvanta “dificuldades insuperdveis” que condenam 0 sujeito a0 fracasso, 2. Tudo isso permite uma melhor compreensio da economia geral a organizagio narrativa do discurso analisado; um sujeito existe que, presente no texto, sob a forma de “nds”, exerce seu fazer cognitivo, ‘convocando uma série de adjuvantes, que sfo os fragmentos seleciona- dos de diferentes discursos referencias; diante dele, aparece um anti-su- {feito cujo fazer interpretativo, apoiando-se em argumentos do discurso teferencial, convocados como oponentes, detém 0 progresso narrativo do sujeito et vota seu fazer ao fracass0. O discurso da pesquisa, quando ‘¢ organiza como discurso do revés, apresenta sua estrutura polémica ‘como um combate a que se livram, no interior do ator chamado “au- tor”, 0 sujeito e 0 anti-sujeito, duas projegbes objetivadas da instin- cia de enunciaglo. Compreende-se, entdo, a ressondncia que essa “mise en scéne” narrativa produz sobre a organizagfo discursiva de superficie: 0 discurso ‘cognitivo, afirmado como tal e personalizado, € 0 lugar de manifes- tagdo do pesquisador desafortunado, enquanto 0 discurso objetivo que se Ihe segue, ocultando 0 anti-sujeito, faz surgir a “ciéncia” como a tinica vencedora da prova. 3-6. As modalidades epistémicas 1, O reconhecimento do sujeito modalizador néo esgota a questo 27 Proposta pela natureza das modalidades que aparecem a superficie do discurso como apreciagdes da “forca dos argumentos”, Como vimos, sfo apreciagdes formuladas em conseqiéncia do fazer interpretativo que se exerce sobre 0 discurso convocado para tanto: 0 lugar de sua produgio corresponde, pois, 4 instancia do enun. ciatério e nfo a do enunciador. Constituem a distancia fiduciiria entre 2 palavras do outro e a adesto que convém testemunhar thes; elas apa- eee, assim, como reguladoras de nosso saber sobre o undo. Designa- das como modalidades epistémioas, poderiam ser distribuidas sobre quadrado desta maneira: certeza. -. improbabilidade ee probablitade mg As lexicalizages “muito fortes” ¢ “francamente sofisméticos” ‘dentificarseiam com as posigdes / provivel/e /improvével /,enquan- to a expressio “tornam-se fracos” se situaria ‘NO eiXO que as relaciona, incerteza 2. Tadavia, a colocacto dessa modalidades no quadrado pode dar uma falsa impressfo, quanto a seu estatuto categ6rico. Contrariamente 3© que sucede com as modalidades aléticas, em que a oposicl0 /pos- sWel/ x /impossivel/ se apresenta como um par de contraditirias, as 0- osig6es dos termos epistémicos sf0 apenas polarizagSes de um conti mum, que permitem a manifestagio do grande mimero de posigdes intermedidrias. O lexema “crer”, por exemplo, pode, sozinho, repre- sentar, de acordo com os contextos, todas as posi 7 teza/e /incerteza /. i aa Véem-se imediatamente as conseqiéncias desagradiveis que es & cariter relativo das modalizagdes epistémicas pode ter sobre © rigor 49 discurso dito cientifico, Efetivamente, se as modalidades aléticas 28 que 0 regem, fundam-se, como tudo nos leva a crer, em modalizagées, epistémicas que estatuem o discurso referencial, a passagem dos julga- mentos relativos as constatagdes categ6ricas no ¢ automdtica, A | possibilidade fraca / que surgiu no discurso objetivo, dé testemunho das dificuldades que encontra o discurso em ciéncias humana 3-7..0 parecer € 0 ser A confusio entre as modalidades epistémicas e aléticas é visivel ra primeira parte de nossa narrativa, em que trechos discursivos referen- ‘iais foram convocados na fungao de adjuvantes. Expresses como “nitidamente caracterizado” ou “geralmente considerados” dependem a modalizagZo epistémica ou alética? Nao seriam antes sincretismos devidos a dificuldade de distinguir os dois niveis discursivos, uma vez que © sujetto do discurso cognitivo €, a0 mesmo tempo, em parte, 0 sujeito do discurso referencial? Néo se dé mesmo, contudo, em relagZo & terceira modalizagio, fem que “mais que proviveis” se apresenta diretamente como um Julgamento epistémico. Todavia, 0 que ¢ um fato bastante incdmodo, essa / probabilidade forte / acha-se situada na isotopia do parecer (nous sembiaient plus que probables”). Tudo se passa, pois, como se a fungo principal da modalizagio epistémica - que furidamenta a modalizagdo alética do discurso objetivo, determinando esta iltima, or sua vez, 0 estatuto modal do sujeito cognitivo - consistisse em faci- litar a passagem, em suprimir a distincia entre a isotopia fenoménica do parecer € @ isotopia numenal do ser (no sentido semidtico e nao ‘metafisico desses termos). Assim, a articulagdo fundamental - tal como pode ser encontrada a0 nivel das estruturas profundas da narrativa da descoberta, que analisamos - apresenta-se, a partir da isotopia do ‘parecer, que € proposta inicialmente, como a neganio do parecer (que corresponde, na superficie, a narrativa do revés), e faz surgir na segunda parte, que narra a vit6ria, 0 termo, até entio oculio, do ser: 29 | ser |. | parecer / | parecer /+ | ser} Obs. A operagdo (1) € recoberta pela narrativa do revés, a ope- tagao (2) cortesponde a nar. rativa da vit6ria. Embora arriscando-nos a antecipar-nos a andlise que se seguird, devemos invocas, para confizmar a interpretagto proposta, a ultima frase, conclusiva, do pardgrafo seguinte, que, retomando 0 tema da substituigdo, constata que “le probléme d’o nous étions partis s'est & pee cedendo seu lugar a “un autre probléme, plus réel”, duas lexi- jes jem ser identi 2 oe bos t identificados com a negacdo real do parecer O discurso da descoberta se dé, ento, quase no sentido etimo- Jogico do termo, como ‘a revelagdo das realidades que se escondem sob as aparéncias. UL. A narrativa da vit6ria ““Cest alors que la possibilité d’uns autre solution nous et apparue. Des récentes études ont fait mieux connaitre la religion indo-ira nienne et la religion indo-européenne, M. Benveniste et nous.mé- ‘me avons montré que ces religions étaient dominées, encadrés par le systéme des trois fonctions (souveraineté, force guerrére. fécondité) et de leurs subdivisions; et ce systéme se trouve patron. nné, chez las princes arya de Mitani au X1Ve siécle avant notre ére, par une série hiérarchisée de cing ou six dieux dont naturel- Jement les dieux des deux moitiés de la souveraineté, appartien- nent, dans I'inde, au groupe des Aditya. Cas dieux sont: d’abord Mitra et Varuna, puis Indra, puis les deux jumeaux Nasatya. Or tun certain nombre de traits immédiatement constatables et qui ne démandent aucune préparation pour étre interpretés rapprochent la liste hiérarchisée des anciens dieux fonctionnels et In liste hiérarchisse des Amdsha Spdnta et engagent a voir dans les seconds, & certains égards, les héritiers des premiers. De 1a Phypothése de travai formulée au chapitre II et les vérifica- tions des trois chapitres suivants, Le probléme d’ol nous étions partis sest évanouit, mais, de ses débris, se dégagent les éléments aun autre probléme, plus réel: accident fréquent dans les scien- ces dites humaines. Crest également par accident que cette recherche, pour- suivie comme les précédentes dans un cours de I’Ecole des Hau- tes Etudes, vient & cette heuse “Foi enti que a possibilidade de outra soluglo nos apareceu. Recentes estudos tornaram mais bem conhecida a religifo indo- ciraniana e a religifo indo-européia. Beneviste ¢ nbs mesmo mos- tramos que essas religibes eram dominadas, enquadradas pelo sistema das trés fungdes (soberania, fora guerreira, fecundidade) € suas subdivisbes; e esse sistema acha-se patrocinado, entre os principes aria de Mitani, no século XIV a.C., por uma série hierarquizada de cinco ou seis deuses, dos quais, naturalmente, 36 0s dois primeiros pertencem, na India, 20 grupo dos Aditya. Esses deuses sf0: primeiramente, Mitra e Varuna; depois, Indra, ‘em seguida, os dois gémeos Nasatya. Ora, certo niimero de tra- 0s imediatamente constatéveis, ¢ que nf exigem nenhuma preparagio para ser interpretados, aproximam a lista hierarquiza- da dos antigos deuses funcionais ¢ a lista “hierarquizada dos ‘Amdsha SpOnita ¢ levam a ver nos segundos, sob certos aspectos, 8 herdeiros dos primeiros. Donde a hip6tese de trabalho formula- Ga no capitulo Il ¢ as verificagbes dos trés capftulos seguintes. O problema de que haviamos partido, desfez-se mas, de suas ruinas. 31 desprendem-se 0s elementos de outro problema, mais real: aciden- te frequente nas chamadas ciéncias humanas. E igualmente por acidente que essa pesquisa, realizada como 4s precedentes num curso da Escola de Altos Estudos, ver nesse ‘momento 1, Aquisigdo da competéncia 1. © novo pardgrafo iniciae por uma frase cuja estrutura sintag- mitica 6 bastante ins6lita: é formulada como se dependesse do discur- 30 objetivo, mas comporta, ao mesmo tempo, um “nés” que prolonga © discurso cognitivo anterior, conferindo ao narrador a posigdo do sujei- 10 passivo. A restituigao da forma ativa exigiria uma lexicalizago di- ferente, em que “parecer” seria substituido por “percsber”. A es colha do enunciador ¢, por conseguinte, significativa: atribui a “nds” © papel de receptor passivo a quem uma “aparigio” é imposta. [Na permanéncia do discurso cognitivo, somos obrigado a reco- nhecer, tendo em vista essa brusca aparicio (“C'est alors que .." € ‘um circunl6quio enfético) uma nuptura narrativa, ou melhor, a irrapfo de umevento que permite seu desdobramento. Mais que isso, a aparigo definida como a “manifestaggo de um ser invisivel que se mostra de repente em uma forma visivel” (cf. a definigfo dada pelo Petit Robert: “manifestation d'un étre invisible qui se montre tout d'un coup sous une forme visible”), comporta, numa estrutura sintéxica subjacen- te, a exigéncia de um sujeito que aparece implicito, diferente do ma- nifestado por “nés”. ‘Semelhante interpretaco do fendmeno da apariedo ¢, por sinal confirmada pela insisténcia com que 0 autor a ela retorna na segunda parte do preficio, em que, reterindo-se 20 mesmo “eto” (“alors”) narrativo, fala da “surpresa que nos estava reservada” (“surprise ... nous réservait”. Ora, a swpresa, emoso provocada por algo de ines- 32 perado (cf. “émotion provoqués par quelque chose d’inattendu” (Petit Robert), caracteriza do mesmo modo o sujeito receptor, que s0- fre a “provocacio” de um svjeito emissor diferente. “A possibilidade de uma outra soluggo” ocupa a posigdo de su- jeito fristico. Ora, se se considera que a transformacfo passiva cor- responde a inversio dos papéis de sujeito € objeto, admitir-se-4 facil- mente que © segmento fristico dado como sujeito €, semanticamente, 0 objeto “visio” que recebe 0 sujeito “'n6s”, enquanto 0 sujeito emissor que é a origem dessa visio, permanece implicito e representa, no pla- no narrativo, a instincia actancial do Destinador X. Examinemos mais de perto 0 contéudo dessa “aparigfo”. Desde 0 inicio, lembremo-nos, 0 discurso da pesquisa fora apre- sentado como um problema, Seu termo complementar surge agora, 0 da solupdo, que aparece nesse momento, permitindo se represente o programa de pesquisa como situado no eixo. problema solugdoy fem que a solugfo pode ser interpretada ao mesmo tempo como 0 proceso que permite o problema,e como seu rermo final, a aq do objeto de saber visado. A “possibilidade de solugo” que aparece, apresenta-se, por conseguinte, como 0 programa narrativo virtual. Esse programa - ou antes © sujeito a0 qual 0 programa seré stribuido - €, além disso, moda- lizado: 0 lexema “possibilidade”, que normalmente dependeria do quadrado alético, se regesse um enunciado de estado, constitui aqui a exptessfo da modalizagio enunciatitiva, uma vez que trata do fazer, ¢ ‘nfo do ser, devendo, portanto, ser interpretada como atribuigdo de um J poder-fazer /. 33

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