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Fahd Awad*
Resumo Introdução
A dignidade da pessoa humana é um va-
Este artigo tem como objeto o estudo
lor supremo que atrai o conteúdo de todos
do princípio da dignidade da pessoa huma-
os direitos fundamentais do homem, desde
o direito à vida. O conceito de dignidade da na nos aspectos jurídico e constitucional.
pessoa humana obriga a uma densificação Destaca, também, o conceito, sua relação
valorativa que tenha em conta o seu amplo com os direitos fundamentais, bem como
sentido normativo-constitucional, não uma com a Constituição Federal de 1988. In-
qualquer idéia apriorística do homem, não troduzir o referido princípio como princí-
podendo se reduzir o sentido da dignidade pio fundamental na consciência, na vida e
humana à defesa dos direitos pessoais tradi- na práxis dos que exercitam a governação
cionais, esquecendo-a nos casos de direitos e dos que, enquanto entes da cidadania,
sociais, ou invocá-la para construir “teoria são do mesmo passo titulares e destinatá-
do núcleo da personalidade” individual,
rios da ação de governo, foi, sem dúvida, a
ignorando-a quando se trate de garantir as
intenção do constituinte de 1988.
bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim Quando hoje, a par dos progressos
assegurar a todos existência digna; a ordem hermenêuticos do direito e de sua ciência
social visará à realização da justiça social, à argumentativa, estamos a falar, em sede de
educação, ao desenvolvimento da pessoa e positividade, acerca da unidade da Consti-
seu preparo para o exercício da cidadania. tuição, o princípio que urge referir na or-
dem espiritual e material dos valores é o
Palavras-chave: dignidade da pessoa, direitos princípio da dignidade da pessoa humana.
fundamentais, eficácia, reconhecimento. Com a revolução hermenêutica, surge a
supremacia principiológica dos conteúdos
*
Mestre em Direito pela UFPR, professor das disciplinas constitucionais sobre os conteúdos legisla-
de Introdução ao Direito, Hermenêutica Jurídica e Direito tivos ordinários da velha dogmática e, ao
Processual Constitucional na UPF, coordenador do Serviço
de Assistência Judiciária de Palmeira das Missões.
temente da idade, sexo, origem, cor, condi- que humanismo e democracia são traços
ção social, capacidade de entendimento e constitutivos da nação.
autodeterminação ou status jurídico. Assim, respeitar a dignidade da pessoa
No entanto, esclarece-se que há di- humana, traz quatro importantes conse-
ferença entre as expressões “dignidade da quências: a) igualdade de direitos entre
pessoa humana” e “dignidade humana”: todos os homens, uma vez integrarem a so-
aquela dirige-se ao homem concreto e indi- ciedade como pessoas e não como cidadãos;
vidual, ao passo que esta dirige-se à huma- b) garantia da independência e autonomia
nidade, entendida como qualidade comum do ser humano, de forma a obstar toda co-
ação externa ao desenvolvimento de sua
a todos os homens. “A dignidade constitui
personalidade, bem como toda atuação
atributo da pessoa humana individual- que implique na sua degradação e desres-
mente considerada, e não de um ser ideal peito à sua condição de pessoa, tal como se
ou abstrato, não sendo lícito confundir as verifca nas hipóteses de risco de vida; c)
noções de dignidade da pessoa humana e não admissibilidade da negativa dos meios
dignidade humana (da humanidade).”10 fundamentais para o desenvolvimento de
Pode-se dizer, pela sua importância alguém como pessoa ou imposição de con-
já demonstrada, que o princípio da digni- dições subhumanas de vida. Adverte, com
dade da pessoa humana, assim como os carradas de acerto, que a tutela constitu-
demais princípios fundamentais, é norma cional se volta em detrimento de violações
jurídica de eficácia plena, isto é, auto-apli- não somente levadas a cabo pelo Estado,
mas também pelos particulares.11
cável, não necessitando de normas infra-
constitucionais para regulamentá-lo. Co-natural ao reconhecimento jurídi-
co da dignidade da pessoa humana decorre
a salvaguarda dos direitos da personalida-
Direitos assegurados pelo de. Estes configuram um conteúdo mínimo
princípio da pessoa humana e imprescindível da esfera jurídica de cada
pessoa, incidentes sobre a sua vida, saúde e
Os direitos advindos da dignidade integridade física, honra, liberdades física
humana aderem à pessoa, independente- e psicológica, nome, imagem e reserva so-
mente de qualquer reconhecimento pela bre a intimidade de sua vida privada. Des-
ordem jurídica; por isso mesmo podem ser sa enumeração emanam questões relativas
oponíveis tanto ao Estado como à comuni- à vida em formação, aos novos métodos de
dade internacional e, ainda, aos demais reprodução da pessoa humana, à manipu-
indivíduos do grupo social. lação genética da pessoa, às situações de
O princípio da dignidade da pessoa risco de vida, ao transplante de órgãos, te-
humana garante essencialmente o reco- cidos e partes do corpo humano, entre ou-
nhecimento do homem como ser superior, tras de patente atualidade.
criador e medida de todas as coisas. A sua De suas características, duas guar-
liberdade como valor prioritário é instân- dam íntima vinculação ao tema sob enfo-
cia fundadora do direito, e a preservação que, quais sejam a irrenunciabilidade e a
dos direitos humanos, naturais e inatos é intransmissibilidade, as quais impedem
condição imprescindível da instituição da que a vontade do titular possa legitimar
sociedade e do Estado democrático. Há, o desrespeito à condição humana do indi-
pois, um fato, entre outros tantos, que não víduo. Limitam a liberdade de sua mani-
se pode olvidar no tocante a essa matéria: festação quando contrária à ordem públi-
JUSTIÇA DO
116 DIREITO
a ordem jurídica considera irredutível e in- sociais radica tanto no princípio da digni-
substituível e cujos direitos fundamentais dade da pessoa humana (saúde, educação,
a Constituição Federal enuncia e protege. etc), quanto nos princípios que, entre nós,
Não é de um ser ideal e abstrato. Em todo consagram o Estado social de Direito.17
homem e em toda a mulher estão presen- Como princípio fundamental ou es-
tes todas as faculdades da humanidade. truturante é uma das normas jurídicas
Com o artigo acima disposto consa- com a maior hierarquia axiológico-valora-
gra-se expressamente a dignidade da pes- tiva, pois constitui um valor que guia não
soa humana como um dos fundamentos do apenas os direitos fundamentais, mas toda
nosso Estado democrático (e social) de di- a ordem constitucional. Está colocada pelo
reito (art. 1o, III, da Constituição Federal). sistema no patamar dos seus mais eleva-
O Constituinte de 1988, além de ter toma- dos escalões, precisamente para penetrar,
do uma decisão fundamental a respeito de modo decisivo, cada uma das estruturas
do sentido, da finalidade e da justificação mínimas e irredutíveis, outorgando unida-
do exercício do poder estatal e do próprio de ideológica à conjunção, que, por impo-
Estado, reconheceu categoricamente que sição dos próprios fins regulatórios que o
é o Estado que existe em função da pes- direito se propõe implantar, organiza os se-
soa humana, e não o contrário, já que o tores mais variados da convivência social.
ser humano constitui a finalidade precí- Essa penetração nas estruturas jurí-
pua e não meio da atividade estatal.16 dicas menores se dá através do esquema
A dignidade da pessoa humana é cri- de densificação. O princípio da dignidade
tério aferidor da legitimidade substancial da pessoa humana é “densificado” a partir
de uma determinada ordem jurídico-cons- da aplicação de subprincípios, regras cons-
titucional, já que diz com os fundamentos titucionais e infraconstitucionais.
e objetivos, em suma, com a razão de ser Por ser uma norma jurídica de efi-
do próprio poder estatal. cácia plena, o referido princípio pode ser
O princípio aqui explanado é um aplicado independentemente de quaisquer
dos que ocupam maior proeminência no outras providências legislativas. Todavia,
ordenamento jurídico brasileiro, dos que em vista de sua generalidade, o intérprete
deverá promover a sua densificação para
possuem maior “peso” perante os demais
aplicá-lo no caso concreto em nome do pri-
princípios e normas constitucionais e infra-
mado da unidade do ordenamento jurídico.
constitucionais, e se traduz como princípio
Partindo da idéia de que o Estado e
estruturante ou fundamental. Seus efeitos
pessoa humana devem trabalhar juntos no
alcançam todo o ordenamento jurídico, uma
objetivo de alcançar a verdadeira dignidade,
vez que se encontra entre os princípios fun-
entende-se que é impossível a convivência,
damentais do ordenamento jurídico pátrio.
com êxito, do Estado com o cidadão quando
Assim, não há como negar que os direitos as suas relações estão em constante tensão. O
à vida, bem como os direitos de liberda- alcance dessa situação provoca insegurança,
de e de igualdade correspondem direta- medo, falta de confiança e incentiva a quebra
mente às exigências mais elementares da dos princípios da ética e da moralidade.
dignidade da pessoa humana. Da mesma
É justamente nesse sentido que assume
forma, os direitos políticos [...] são mani-
particular relevância a constatação de que
festações do princípio democrático e da
a dignidade da pessoa humana é simulta-
soberania popular. Igualmente, percebe-
neamente limite e tarefa dos poderes es-
se, desde logo, que boa parte dos direitos
O princípio constitucional da dignidade ... 119
3
Referências ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitu-
cional da dignidade da pessoa humana: enfo-
que da doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro:
ALVES, Cleber Francisco. O princípio cons- Renovar, 2001. p. 120.
4
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5
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6
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LOPES, Ana Maria D’Ávila. Democracia 8
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 45.
hoje: para uma leitura crítica dos direitos 9
fundamentais. Passo Fundo: UPF, 2001. SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 32.
10
SARLET, Ingo Wolfgang, Op. cit., p. 108.
MORAES, Alexandre de. Constituição do 11
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O direito brasi-
Brasil interpretada e legislação constitucio- leiro e o princípio da dignidade da pessoa humana.
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12
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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa
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Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: ção Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do
Livraria do Advogado, 2002 Advogado, 2002. p. 143.
15
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Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. humana e moralidade democrática. Brasília:
Brasília Jurídica, 2001. p. 48.
16
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
Notas fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado, 2001. p. 103.
1 17
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucio- SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 99.
nal. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 260-261. 18
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit, p. 108
2
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de prin-
cípios constitucionais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998. p. 76.
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